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  • 8/7/2019 A Alva Nacao a

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    MARIO TEIXEIRA DE S JUNIOR

    A inveno da alva nao umbandista:

    a relao entre a produo historiogrfica brasileira e a sua influncia naproduo dos intelectuais da Umbanda (1840-1960).

    DOURADOS2004

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    MARIO TEIXEIRA DE S JUNIOR

    A inveno da alva nao umbandista:a relao entre a produo historiogrfica brasileira e a sua influncia na produo

    dos intelectuais da Umbanda (1840-1960).

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Cmpus deDourados, Universidade Federal de MatoGrosso do Sul para a obteno do ttulo deMestre em Histria.

    Orientador: Prof. Dr. Cludio Alves deVasconcelos.

    DOURADOS-2004-

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    MARIO TEIXEIRA DE S JUNIOR

    A inveno da alva nao umbandista:a relao entre a produo historiogrfica brasileira e a sua influncia na produodos intelectuais da Umbanda (1840-1960).

    COMISSO JULGADORA

    DISSERTAO PARA OBTENO DO GRAU DE MESTRE

    Presidente e Orientador________________________________________________________

    2o. Examinador ______________________________________________________________

    3o. Examinador ______________________________________________________________

    Dourados, _______ de _________________de _________.

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    DADOS CURRICULARES

    MARIO TEIXEIRA DE S JUNIOR

    NASCIMENTO 27/01/1963 Rio de Janeiro/RJ

    FILIAO Mario Teixeira de S

    Eurydice Moreira de S

    1987/1991 Curso de Graduao em Histria

    Universidade Federal Fluminense, Niteri, RJ

    2001/2002 Curso de Atualizao Profissional em Histria (180/h)

    UBEE Unio Brasileira de Educao e Ensino/CEPEMG Centro de

    Estudos e Pesquisas Educacionais de Minas Gerais

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    Ao Pai Mario e Me Eurydice: o passado presente.

    Magdinha: o presente do presente.

    A Rodrigo, Eduardo, Iago e Joo Pedro: o presente do futuro.

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    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer aos trabalhadores que, atravs de seus impostos, me permitiram

    estar onde muitos de seus filhos nunca puderam. Que de alguma forma eu possa realizar uma

    retribuio social. vida: que me guiou at aqui. Aos meus pais, pela vida. Ao grande sentido da

    minha vida: Magdinha e os meninos. Ao corpo docente da Universidade Federal de Mato Grosso

    do Sul, em especial, aqueles que ministraram os cursos em que tive a honra de ter sido aluno. Aos

    Professores Doutores Cludio Vasconcelos, Jerry, Damio, Oswaldo Zorzato e Jorge Eremites, o

    meu muito obrigado.

    Muitos colocaram sua colher nesse caldeiro de magia. A eles, muito obrigado. O

    reincio da minha trajetria acadmica devo aos professores doutores Yvonne Maggie e PeterFry; quantos dos vos que realizei nessa dissertao foram feitos com as suas vassouras. Ao

    paciente Prof. Dr. Artur Isaia, da UFSC, que, docilmente leu os textos que submeti a ele. Se

    cometi menos erros, devo muito ao senhor.

    Aos lderes e partcipes dos terreiros de Umbanda e Candombl do Rio de Janeiro e

    Dourados/MS, que, com as tronqueiras e coraes abertos, nunca me negaram uma nica

    informao. Em especial Pai Sebasitio e Pai Paulino, nosso velho Paulino de Dourados. Do Rio

    de Janeiro os grandes espritos de Airton Perlingeiro in memria Francisco e Clemente. A

    todos os annimos dos terreiros que abrilhantam as suas religies.

    De forma muito especial gostaria de agradecer a trs pessoas: Cludio Vasconcelos, j

    citado, que, com sua sabedoria mineira apesar de paulista soube conduzir o trabalho com

    equilbrio, minimizando os momentos enlouquecedores, que fazem parte do processo de

    produo de uma dissertao. Magdinha, tambm j citada, que alm de se privar da

    companhia do marido e cuidar dos filhos com constncia, foi meu termmetro ao longo da

    produo. minha amada primeira vtima o meu muito obrigado. E ao filho, que a vida me deu,

    Rodrigo Alva, que, ao lado de Magdinha, foi o leitor das melhores e das piores coisas que jescrevi. Valeu.

    Se os mritos cabem a esses e outros tantos, os demritos so de nica e exclusiva

    responsabilidade do autor.

    Doeu! Mas, valeu demais.

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    Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay .

    Jorge Luis Borges

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    SUMRIO

    Introduo ..................................................................................................................................10

    Captulo I A inveno do Estado-nao

    1.1. Origens do Estado-nao ....................................................................................................16

    A inveno da alva nao Brasil

    1.2.1. As razes do projeto da alva nao Brasil ........................................................................20

    Captulo II Os inventores da alva nao Brasil......................................................................23

    2.1. A Pr-histria da alva nao Brasil.....................................................................................25

    2.2. A Histria da alva nao Brasil

    2.2.1. Silvio Romero ..............................................................................................................28

    2.2.2. Nina Rodrigues ............................................................................................................29

    2.2.3 Gilberto Freyre ..............................................................................................................31

    2.2.4. Capistrano de Abreu ....................................................................................................32

    2.2.5 A dcada de 1930..........................................................................................................34

    Captulo III - A disputa de mercados nem sempre simblicos

    3.1. O saber cultivado das religies na disputa do mercado de bens simblicos .......................36

    3.1.1. Catolicismo versus religies de possesso................................................................... 37

    3.1.2 Onde ndio bom, nem morto..........................................................................................40

    3.1.2.1. O mundo do (s) espritos (as)..............................................................................41

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    3.2. Mundo da ordem versus mundo da desordem

    3.2.1. O surgimento da alva nao mdica.......................................................................... 43

    3.2.2. Se a justia cega sua lei branca............................................................................. 46Captulo IV A inveno da alva nao umbandista

    4.1. Da sobrevivncia do feiticeiro negro ...............................................................................51

    4.2. Se o feiticeiro negro, o feitio de todos......................................................................... 54

    4.3. O feitio: da oralidade escrita...........................................................................................60

    Captulo V O mito fundador da alva nao umbandista

    5.1. Aqui, e s aqui, jaz o feiticeiro negro ..............................................................................64

    5.2. A questo racial ...................................................................................................................74

    5.3. A origem mtica da Umbanda............................................................................................. 77

    Consideraes finais....................................................................................................................81

    Quadro explicativo das figuras....................................................................................................85

    Glossrio..................................................................................................................................... 98

    Bibliografia ...............................................................................................................................100

    Bibliografia umbandista.............................................................................................................105

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    299.67 S Junior, Mario Teixeira deS111i A inveno da alva nao umbandista : a relao entre a

    produo historiogrfica brasileira e a sua influncia naproduo dos intelectuais da Umbanda (1840-1960) / Mario

    Teixeira de S Junior. Dourados, MS : UFMS, CPDO,2004.107p.

    Orientador : Cludio Alves VasconcelosDissertao (Mestrado em Histria) - UniversidadeFederal de Mato Grosso do Sul, Cmpus de Dourados.

    1. Religiosidade afro-brasileira. 2.Umbanda . 3. Hist[oria Cultural. I. Ttulo.

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    Introduo

    Eu abro a nossa giraCom deus e nossa senhora

    Eu abro a nossa giraSambor vem l de angola

    Como em uma boa gira de umbanda eu abro a minha dissertao. Espero que ela,

    como a proposta de uma gira bem feita, possa exorcizar alguns fantasmas, ou seria melhor

    dizer eguns?, retirando algumas perturbaes que impedem uma melhor compreenso daimportncia do papel da macumba1 na formao da cultura brasileira. Que ela possa contribuir

    para fazer voltar os olhos acadmicos, no olhos de seca pimenteira ou geradores de

    quebranto e mau olhado, mas olhos que possam compreender, como bem perceberam os de

    Brumana e Martnez que a Umbanda um microcosmo da cultura brasileira e, que ela diz

    sobre a realidade brasileira e no diz pouco (1991, p. 143). Auxiliar na compreenso da

    importncia histrica desse campo religioso, composto por ties, vios paulinos, clementes,

    marios e outros tantos, traz um pedao da nossa histria.No pretendo dar voz, expresso muito utilizada na atualidade, a esses homens.

    Pretendo, isso sim, contribuir para apurar a audio dos meios acadmicos para essas vozes

    vibrteis e pusilnimes que vivem no cotidiano de nossa histria. Auxiliar para uma melhor

    concentrao de nossos intelectuais, para que esses possam captar essas vibraes culturais

    que se fazem representar nos terreiros de Umbanda.

    1Defino macumba como o nome dado de forma genrica pelos praticantes de um continuum religioso, que tempor base os rituais de possesso, ou seja, o contato dos mortos com os vivos, atravs da utilizao de mediadoreschamados de mdiuns, cavalos ou burros; um panteo politesta que inclui os inkinces dos Bantos, os orixs dosiorubas e jeje chamados genericamente de nags-, os santos do catolicismo popular e os deuses amerndios;realizada em espaos coletivos, chamados geralmente de terreiros ou roas, ou em espaos particulares, ou seja,a casa de praticantes dessa religiosidade; divididos em dois grupos: os que recebem ou auxiliam aos que recebemas entidades espirituais (os mortos) e os que vm em busca de ajuda para os seus problemas de ordem espiritualou material; que tem por elemento aglutinador o culto aos antepassados dos grupos Bantos, que espalhados pelasreas do Brasil, foram ressignificando diversas prticas religiosas do perodo colonial e imperial, dando um

    formato possvel de ser reconhecido e praticado por uma parte da populao brasileira, majoritariamente negraou mestia e pobre; praticado de forma majoritria nos centros urbanos do sculo XIX, como o Rio de Janeiro,que concentravam maior nmero de escravos ou libertos de diversas etnias e possuam maior liberdade de

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    No me arvoro ao direito de pioneiro desse caminho. Como Santo Antnio de Pemba2,

    muitos j caminharam por essas plagas. Desde Nina Rodrigues, h uma pliade de espritos,

    ou melhor, de cientistas, que buscaram compreender e explicar as chamadas religies afro-

    brasileiras. Muitos desses sero reverenciados no decorrer desse trabalho. Mas, tambm

    possvel que algumas quizilas* venham a ocorrer. Trabalho aberto assim se acende uma

    vela para deus e outra ....

    No entanto, no posso dizer que a Umbanda seja um caminho j bastante conhecido

    dos historiadores. Esse terreno, ou terreiro, vem sendo mais fecundamente freqentado por

    antroplogos e socilogos. A esses grupos j se incorporaram alguns poucos historiadores,

    como o caso de Arthur Csar Isaia3, ao qual presto a primeira reverncia, devido a

    importncia de seus textos para a composio dessa pesquisa. Mas, h muitas giras a seremcorridas, muitas demandas a serem resolvidas e muitos despachos a serem realizados. Para

    no enfraquecer a corrente, precisamos de novos elos que venham a fortalecer os nossos

    trabalhos acadmicos no campo da histria da religiosidade afro-brasileira.

    Eis-me aqui, como bem pronunciou o historiador portugus Jos Mattoso ao iniciar

    sua conferncia na Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, em

    outubro de 1986, se colocando na primeira pessoa do singular. Eis-me aqui, tambm na

    primeira pessoa do singular, assumindo que quando assim escrevo quero relativizar quer aexperincia da apreenso do conhecimento histrico, quer as frmulas escolhidas para o

    transmitir. Que, quando assim o fao, tambm uma forma de convidar crtica, de abrir o

    debate, de exprimir a provisoriedade de toda a descoberta e, por isso mesmo, de comunicar

    com o leitor. (MATTOSO, 1988, p. 29). Eis-me aqui diante de um objeto de pesquisa que

    se foi moldando ao longo de uma vida.

    Essa dissertao nasceu como o resultado do olhar de um menino que cresceu

    percorrendo diversos terreiros de Umbanda na Cidade e em outros municpios do Rio deJaneiro - RJ e, j adulto, conheceu outros tantos na Cidade de Dourados MS (S JUNIOR,

    2003). Terreiros esses que traziam as suas histrias e histrias, suas pessoas algumas j

    citadas acima -, seus problemas, o que lhes forneciam uma identidade, uma cara prpria que

    os individualizavam em relao aos outros, lhes dando um certo carter anrquico. Mas nem

    2Em um ponto cantado da Umbanda Santo Antnio de Pemba realiza uma longa caminhada. Santo Antnio de

    Pemba Caminhou sete anos a procura de um anjo ...

    *

    Os termos especficos, de uso comum pelos adeptos da Umbanda, esto em um glossrio na parte final dapesquisa.

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    por isso deixavam de pertencer a um mesmo campo, ou continuum, religioso, que permitia a

    um fiel ou a um visitante, com o conhecimento mnimo da religio, pisar na Umbanda e

    compartilhar das sesses com seus pontos cantados, suas consultas, suas festas, enfim, de tudo

    aquilo que faz de um espao fsico e simblico um terreiro de Umbanda. Nem os 1500

    quilmetros que separam as duas cidades e suas especificidades culturais foram capazes de

    retirar essa familiaridade entre os terreiros.

    Cresceu a partir de um estranhamento ao defrontar-me com a literatura produzida

    pelos escritores umbandistas que pouco se assemelhava prxis dos terreiros conhecidos. A

    partir da leitura de um livro, de grande reproduo editorial no meio umbandista (MATTA E

    SILVA, 1996), iniciei uma busca entre os escritos desses autores4 com a finalidade deencontrar os terreiros ou referncias claras dos mesmos em suas pginas. A cada novo autor

    maior se tornava o distanciamento entre a teoria e a prtica percebida.

    Ganhou dimenses acadmicas quando o menino, que se tornou professor de Histria,

    percebendo que os textos desses escritores muitas vezes buscavam legitimidade nos textos de

    pesquisadores como Nina Rodrigues, Edson Carneiro, Arthur Ramos, Roger Bastide, dentre

    outros intelectuais acadmicos, atravs de citaes, em alguns casos, em grande quantidade.

    Esses escritores umbandistas, por sua vez, passaram a ser utilizados por alguns

    pesquisadores das religies afro-brasileiras como fontes de suas pesquisas e, em alguns

    casos, chegando a ser uma das fontes principais nas suas produes (ORTIZ, 1991). Foi

    possvel notar que muitas pesquisas ao se referirem ao universo umbandista privilegiavam a

    produo literria, em detrimento de um trabalho de campo, o que produzia um espectro de

    apreciao aqum do universo multivocal dos terreiros.

    Essa foi a minha grande encruzilhada. Para onde seguir para entender e auxiliar na

    explicao desse fenmeno? Uma intelectualidade, que se arvora como representante de um

    continuum religioso5 que, pelo menos parte, no se v representado. E mais, uma

    intelectualidade que se apresentou aos meus olhos de forma fragmentria, tal o grau de

    discordncia desses escritores entre si e a pluralidade de seus projetos que visavam

    embalsamar a Umbanda com seus pressupostos tericos e o sonho de uma unificao

    4Ver lista de escritores umbandistas pesquisados na bibliografia especfica dos escritores umbandistas.

    5

    Defino continuum religioso para o universo das diversas formas das prticas das macumbas como asmodalidades intermedirias que se organizam, combinando de incontveis maneiras as solues ritualsticas edoutrinrias dos extremos a fcil mobilidade dos adeptos em meio a estas formas objetivas de culto e doutrina e

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    igrejeira, atravs das tentativas de formaes de federaes, confederaes etc (BROWN,

    1985).

    Se, como escreveu Bourdieu, o poder das palavras apenas o poder delegado do

    porta-voz cujas palavras (...) constituem no mximo um testemunho, um testemunho entre

    outros da garantia da delegao de que ele est investido ou ainda, que h uma necessidade

    de que esse porta-voz seja reconhecido pelo seu receptor como tal (1998, p. 87), de quem

    esses grupos eram porta-vozes? O que testemunhavam? De uma parte desse continuum

    religioso que eu no identificara em minha pesquisa de campo?

    Encontrei algumas pistas fragmentrias em muitas das pesquisas que analisei. A que

    me definiu o caminho da encruzilhada a seguir foi a deixada por Brumana e Martnez quando,

    ao escreverem sobre o papel dos intelectuais umbandistas, afirmaram que mais que a uma

    descrio do culto ou ao seu desenvolvimento interno, esta produo se destina

    fundamentalmente legitimao externa. (...) Em outras palavras, esta literatura no

    apresenta um objeto de estudo mas ela mesma um objeto de estudo que infelizmente, s

    exploramos de maneira superficial (1991, p. 41, grifo meu). Esse era o caminho: explorar

    esse objeto. Assim o primeiro passo da definio da pesquisa foi dado: a definio do objeto a

    ser pesquisado: estudar a intelectualidade umbandista. A segunda pista viria dentro dos

    prprios textos umbandistas.

    Como mito de fundao6, parte dos tericos umbandistas registram o dia 15 de

    novembro de 1908 como marco inicial do advento da Umbanda. A um historiador, o dia e o

    ms citados no podem passar inclumes. o advento do nascimento da Repblica no Brasil,

    com o diferencial apenas do ano, que foi o de 1889. Os conceitos de mito e repblica me

    remeteram a outros textos que pregavam o nascimento, ou a inveno, das naes modernas

    (BENEDICT, 1989; HOBSBAWM & RANGER(Org.), 1984; HOBSBAWM, 1994; CORDELIER,

    1998; HALL, 2000) e da Repblica brasileira de uma forma especfica (CHAU, 2000;

    CARVALHO, 1990).

    Paralelo a isso, a primeira questo ainda pululava aos meus olhos: legitimao

    externa. A partir dela cheguei segunda: traar um paralelo entre o processo histrico do

    nascimento da nao brasileira e os livros dos intelectuais umbandistas. Perceber at que

    6 Defino mito de fundao no sentido antropolgico do termo, no qual essa narrativa a soluo imaginria

    para tenses conflitos e contradies que no encontram caminhos para serem resolvidos no nvel da realidade.Ele fundador porque maneira de todo fundatio, esse mito impe um vnculo interno com o passado comoorigem isto com um passado que no cessa nunca que ver: Chau Marilena Brasil Mito fundador e

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    Enfim, Oxal, possa esse trabalho contribuir para aumentar a compreenso sobre as

    manifestaes culturais brasileiras. Onde, vivendo no limes do diacronismo e do sincronismo,

    possa realizar um dilogo entre as cincias sociais e a Histria.

    Esse o produto final. Uma anlise da formao da produo da intelectualidade

    umbandista de 1930 a 1960, e de como ela compartilhou de mitos, smbolos e representaes

    com os porta-vozes, intelectuais representantes da inveno da alva nao Brasil (1870 a

    1950) e, por conseguinte, de como foi ressignificada essa apropriao da cultura religiosa,

    atravs da produo de um recorte especfico que, muitas vezes, se colocava mais como um

    elemento de legitimao externa do que propriamente como um porta-voz autorizado dessa

    expresso religiosa .

    Assim, que se abram as cortinas de nosso gong. Que os primeiros cnticos sejam

    entoados e que os atabaques, porta-vozes da mensagem dos orixs, nos ponham em contato

    com o mundo mstico da Umbanda. Enfim, esto abertos os nossos trabalhos.

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    Captulo I

    A inveno do Estado-nao

    Esto abertos nossos trabalhosE ns pedimos a proteoA Deus pai todo poderosoE Virgem da Conceio

    1.1. Origens do Estado-nao

    Para compreender como pensava a intelectualidade brasileira ao final do sculo XIX,

    necessrio que se remeta ao pensamento europeu do mesmo perodo, matriz, ainda que

    desfocada, da nossa produo intelectual. Digo desfocada porque, se a intelectualidade

    brasileira consumiu teorias como o evolucionismo social, de carter unilinear, o positivismo,

    o naturalismo e o darwinismo social, provindas do cientificismo e geradas na Europa, realizou

    sobre as mesmas, leituras especficas, muitas vezes empobrecendo os seus contedos, outras

    se adaptando nossa realidade social (SCHWARCZ, 1993). Esse ser o primeiro passo.

    Realizar uma breve anlise da produo intelectual europia, principalmente a partir de 1870,

    e ver o seu aportar nos centros de produo intelectual do Brasil.

    Um conceito muito identificado com o sculo XIX o de nao. Ainda que no

    originrio desse sculo, nele que se definem significados mais especficos para esse

    conceito. Associado a ele, temos um outro e importante conceito, o de Estado. Juntos,

    formam um binmio definidor do modelo de organizao poltica desse sculo na Europa

    Ocidental: O Estado-nao.

    A definio mais comum para o conceito de nao pode ser encontrada em

    dicionrios, como sendo um agrupamento humano, em geral numeroso, cujos membros,

    fixados em um territrio, so ligados por laos histricos, culturais, econmicos e

    lingsticos (FERREIRA, 1986). Esse significado, no entanto, no serve para o conceito de

    nao de uma forma atemporal. Falar de nao como sendo algo estruturado pela conjuno

    de elementos como territrio, etnicidade, lngua e religio, remeter a um perodo especficoda histria do sculo XIX.

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    Seguindo a diviso proposta por Hobsbawmpara o conceito de nao no sculo XIX,

    possvel perceber uma mudana de seu significado, passando por trs etapas. Na primeira,

    de 1830 a 1880, a nao identificada ao princpio da nacionalidade. Na segunda, de 1880 a

    1918, lngua, religio e etnia, e, no terceiro, de 1918 a 1960, idia de conscincia

    nacional (1994). Comparando a proposta de Hobsbawm ao o conceito formulado acima,

    percebe-se que ele se identifica mais com a segunda etapa.

    Antes de prosseguir com a discusso acima, primeiro preciso explicitar que o

    conceito de nao, no um conceito esttico. preciso compreend-lo como sendo uma

    entidade mutvel, logo, ele sofre transformaes de acordo com as especificidades histricas

    de um determinado perodo. Segundo: um fenmeno recente que somente se transforma em

    uma entidade social, ainda no dizer de Hobsbawm (1994, p. 19), quando relacionado a umacerta forma de Estado territorial moderno, ou seja, o Estado-nao.

    Assim, ao trabalhar com o conceito de nao estarei me referindo, especificamente, ao

    perodo histrico de 1870 a 1950, da qual fazem parte a segunda e a terceira etapa, propostas

    acima e, que tambm define a temporalidade dessa pesquisa. Os anos que balizam cada

    perodo sero utilizados apenas como referencial, smbolos de mudana. Assim, possvel

    perceber permanncias e rupturas dos conceitos definidores de nao, entre os perodos.

    Se, no seu primeiro momento (1830/1870), a preocupao do Estado foi o de definiode fronteiras, onde todos estariam inseridos dentro de um mesmo corpo poltico, no segundo,

    com a emergncia das lutas sociais, atravs da organizao dos trabalhadores, mister se torna

    que o Estado conquiste a adeso desses grupos para no perd-los para os seus concorrentes

    ideolgicos. Construir uma nao, nesse momento, significava criar uma identificao, quase

    religiosa, entre Estado e cidado. Uma religio cvica: o patriotismo (CHAU, 1996, p. 18).

    Para atingir essa finalidade, a de construo do Estado-nao, era necessrio transpor

    muitas barreiras. A tentativa de unidade esbarrava em diversidades, como a lingstica, tnica,religiosa, territorial, que dificultavam a formao de uma identidade nacional. Era necessrio

    definir o papel dos grupos sociais na composio desses novos Estados-nao. A nao

    moderna do sculo XIX, surgiria, no como o resultado de um progresso cultural e de uma

    seleo natural de elementos que tinham por base a lngua, a etnicidade, a tradio religiosa,

    as fronteiras naturais, mas sim, como um projeto forjado atravs de selees e opes. Dentro

    dos mosaicos culturais existentes foi necessrio realizar escolhas, priorizar elementos de um

    grupo em detrimento de outros, hierarquiz-los e, o mais importante, faz-los sentirem-se

    parte desse todo. significativa, nesse sentido, a frase de Massimo dAzeglio, pouco depois

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    da unificao italiana em 1870, ao admitir que fizemos a Itlia, agora temos que fazer os

    italianos.

    Na impossibilidade de um caminho natural que levasse formao de uma identidade

    nacional, esse caminho teve que ser construdo; na ausncia de tradies comuns a todos, elas

    tiveram que serinventadas7. Em oposio idia da nao gerar o Estado, o que se deu foi o

    contrrio: O Estado inventou a nao. Coube a ele esse papel, onde o resultado seria a

    capacidade de uma nao se ver imaginada8 dentro de um mesmo todo. s instituies

    educacionais coube o papel de sedimentadoras dessa identidade. Nelas, smbolos como,

    bandeiras, monumentos, datas cvicas, mitos de fundao, heris e momentos histricos

    passaram a ser visitados com extraordinria freqncia. O hbito deveria, em pouco tempo,

    fazer crer que esses elementos sempre fizeram parte da Histria, com H maisculo, daquelespovos.

    Concomitante construo de uma identidade ou carter nacional, os Estados-nao

    europeus viviam, nesse perodo, um movimento de dominao externa sobre as naes dos

    continentes africano e asitico, movimento que ficou conhecido como imperialismo. Esse

    segundo movimento, tambm levava s formulaes de conceitos que visavam caracterizar os

    pases imperialistas como diferentes dos povos dominados; diferentes e superiores. Era

    necessria uma outra construo que explicasse a superioridade dos dominadores e, porconseqncia, a inferioridade dos dominados. Elas deveriam ser capazes de justificar a

    dominao sem denunci-la como tal. Para tal, foram formuladas teorias que destacavam a

    superioridade dos europeus em seus aspectos culturais religio, cincia, civilizao e

    racialistas que pregavam a superioridade do homem branco sobre os demais (TODOROV,

    1993) .

    Transplantadas das chamadas cincias naturais, que propunham a diversificao e

    hierarquizao das espcies atravs de uma escala evolutiva9

    , foram produzidas teorias nascincias sociais, como o positivismo e o darwinismo social. Essas teorias ao colocarem a

    espcie humana dentro de uma mesma cadeia evolutiva monogenismo ou, pregando a

    7 Hobsbawm define inveno de tradies como o conjunto de prticas, normalmente reguladas por regrastcita ou abertamente aceitas; tais prticas, de natureza ritual ou simblica, visam inculcar certos valores enormas de comportamento atravs da repetio, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relaoao passado (1984, p. 9).

    8 Anderson, ao trabalhar com o conceito de nao, a define como sendo uma comunidade poltica

    imaginada e imaginada como implicitamente limitada e soberana (1989, p. 14).9

    O principal desses cientistas foi Charles Darwin, autor, dentre outras produes, da Teoria da Evoluo das

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    pluralidade dessas espcies poligenismo legitimou a superioridade do homem branco

    europeu, e o seu papel de guia da humanidade.

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    1.2. A inveno da alva nao Brasil

    1.2.1. As razes do projeto da alva nao Brasil

    O incio da dcada de 1870 comea a explicitar a crise do Imprio brasileiro e a

    engendrar um novo projeto scio-poltico para o Brasil. O Manifesto Republicano,

    publicado em 1870, conclamava as elites a abandonarem o barco imperial, em adeso ao

    projeto liberal-conservador. O programa de imigrao subvencionada pelo Imprio, iniciado

    no mesmo ano, daria um novo tom ao mundo do trabalho, com matizes europeus, onde, at

    ento, ele era predominantemente negro. No ano seguinte, a Lei do Ventre Livre demonstrava

    que o modelo escravista estava fadado ao fim. Ao encontro dos interesses do novo projetoseriam importados os novos conceitos europeus.

    As razes desse projeto, conforme pretendi denunciar ao usar o entre aspas, no so

    to novas assim. Vamos encontrar as suas origens dentro da prpria construo do Estado

    imperial brasileiro que, sado de um perodo colonial, inicia um projeto de construo de uma

    histria nacional. Esse, deveria registrar o que de mais fidedigno se afinasse com a nova

    olha as aspas de novo elite poltica brasileira. Essa construo de um passado histrico,

    deveria encher de orgulho o caminho percorrido pela jovem nao at ento e, porconseguinte, bafejar um futuro promissor. O projeto, entretanto, no seria viabilizado no ps-

    independncia. A nao recm criada ainda precisa definir os seus rumos polticos, antes de

    escrever sobre os seus atores principais e os coadjuvantes. Somente o segundo imprio traria a

    tranqilidade e as condies necessrias para que os porta-vozes literrios dos donos do

    poder pudessem iniciar sua obra de criao histrica da alva nao Brasil.

    , portanto, a partir da dcada de 1840 que a inveno da nao Brasil ganha impulso.

    Essa, seria uma longa construo, perpassando, at mesmo, a vigncia do prprio imprio, se

    prolongando pelo sculo XX. A cada novo autor, maiores seriam as influncias dos conceitos

    que se formavam na Europa. E, como j foi dito anteriormente, eles no foram absorvidos na

    sua totalidade, mas atravs de selees ou, como no dizer de Odlia, ao se referir s obras

    de Capistrano de Abreu, de um contorcionismo terico (1976), que viriam a dar respostas s

    mudanas pelas quais passariam o imprio e a repblica.

    Merece ainda destaque, em relao a essas produes nacionais, o papel que viria a

    representar o desfecho da guerra franco-prussiana (1871) nas produes brasileiras. A matriz

    francesa, at ento preponderante na produo intelectual brasileira, teve que dividir espao

    I l Al h A C T i T d

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    Renan e L Bon passaram a dividir espaos nas bibliotecas de nossos intelectuais com as

    produes de Spencer, Darwin, Buckle, Ranke e Ratzel (REIS, 2002, p. 89).

    A mudana do modelo social, de escravista para livre, sinalizada desde o primeiro

    imprio, trazia a premissa de novas lgicas explicativas e definidoras do papel de cada grupo

    social dentro ou fora, como no caso do negro, da nova realidade. Assim, nesse processo, que

    teve incio no imprio e se manteve no perodo republicano, o que estava em jogo era no

    apenas a construo de um novo regime poltico, como a conservao de uma hierarquia

    social arraigada que opunha elites de proprietrios rurais a uma grande massa de escravos e

    uma diminuta classe mdia urbana (SCHWARCZ, 1993, p. 27).

    Se, ainda no dizer de Schwarcz, alguns conceitos, como o positivismo, mereceram

    uma ateno mais pormenorizada por parte dos cientistas sociais , a questo racial recebeuum tratamento caricatural no que se refere ao contedo, pairando uma espcie de m

    conscincia em relao larga adoo dessas doutrinas em territrio nacional. Mais do que

    uma cpia do cientificismo europeu, o discurso racial foi poltica e historicamente

    construdo nesse momento, assim como o conceito de raa, que alm de sua definio

    biolgica acabou recebendo uma interpretao sobretudo social (SCHWARCZ, 1993, p. 15-

    17).

    A seleo e a ressignificao desses conceitos atenderam demanda desse projetopoltico-social onde, em boa parte desse perodo (1840-1930), identificado o atraso brasileiro

    a sua miscigenao, viu na questo racial um problema central a ser solucionado nesse novo

    Brasil que se desenhava nesse horizonte futurista.

    Coube s instituies imperiais e republicanas, gueto das nossas elites intelectuais, o

    papel de porta-vozes autorizados (BOURDIEU, 1998, p. 89) de um caricaturar desses

    conceitos. Ainda que, respeitando as especificidades dessas instituies, no mais das vezes,

    dialogavam entre si, reconhecendo e destacando seus pares (SCHWARCZ, 1993, p. 65). nesse contexto que museus, institutos histricos e geogrficos e faculdades de

    medicina se apresentam como tradutores do pensamento cientificista europeu, redefinindo-

    o, dentro das especificidades das transformaes histricas pelas quais passava o Brasil 10.

    Das muitas discusses ocorridas nesses centros, vou me ater, mais especificamente,

    discusso sobre a questo racial e o lugar que caberia ao negro e sua cultura nesses debates.

    Traar um panorama da produo intelectual dos inventores da alva nao Brasil o

    primeiro passo dessa pesquisa, para depois, relacionar a produo intelectual brasileira sobre

    10Sobre a produo intelectual desses centros de pesquisa ver Schwarcz, L. M. O Espetculo das raas:

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    a questo racial, acompanhando as suas mudanas, com a produo intelectual dos escritores

    umbandistas. preciso desnudar o fato de que a primeira se apresenta como matriz da

    segunda. Para tal, preciso alinhar essas duas produes dentro de um mesmo processo

    histrico, apontando para as marcas que os inventores do Brasil deixaram na produo dos

    intelectuais umbandistas11, ao ponto desses no serem reconhecidos como porta-vozes, por

    uma parte significativa do seu continuum religioso.

    Proponho assim, a partir de agora, trs momentos na construo desse texto: no

    primeiro, realizar uma anlise da produo dos intelectuais acadmicos sobre a questo racial

    e suas variaes, sobre o conceito, ao longo do perodo analisado (captulo II). Em um

    segundo, demonstrar como o saber produzido serviu de matriz para os diversos discursos

    religiosos, que conviveram com o incio da produo intelectual umbandista (captulo III). E,finalmente, em um terceiro, questo central da pesquisa, buscar estabelecer uma relao entre

    essas produes e a dos intelectuais umbandistas, explicitando a interferncia dos dois

    primeiros grupos, na produo desses ltimos (captulos IV e V).

    11A expresso intelectuais umbandistas aqui usada se referindo aos escritores que, pertencentes religio da

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    Captulo II

    Os inventores da alva nao Brasil

    Vov no quer casca de coco no terreiroPra no lembrar o tempo do cativeiro

    O saber cultivado12 pelos intelectuais umbandistas foi o resultado de dilogos que

    envolviam o ocultismo europeu, o espiritismo kardecista e cincias como a Histria, a

    Sociologia, a Antropologia, a Fsica, a Qumica, a Filologia etc. Alm de tericos clssicos

    como Newton e Lavoisier, ocorre um grande destaque para socilogos e Antroplogos como

    Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Pierre Verger, Herkovits, Ellis, Max Muller e

    outros.

    Para que as citaes no se tornem exaustivas tomemos por base os intelectuais

    representantes do saber acadmico no final do Imprio e incio da Repblica, citados na

    introduo do livro Umbanda de Todos Ns de W. W. Matta e Silva (1996), terico

    umbandista com uma expressiva participao no meio literato umbandista.

    Buscando esclarecer que a palavra Umbanda no existia antes do sculo XX, o autor

    nos diz:

    Assim, vamos apoiar-nos em vrios autores, estudiosos dos costumes e dos Cultosque os africanos trouxeram para o Brasil, por onde demonstraremos que, de fato,esta palavra Umbanda, mormente traduzindo em si, uma Lei, era desconhecida atcerto tempo. [...] R. NINA RODRIGUES , que serve de "ponto de apoio" a quasetodos os escritores do gnero, em "L'ANIMISME FETICHISTE DES NEGRESDE BAHIA" - ano de 1900, obra com 72 pginas, no cita uma s vez a palavraUmbanda...[...] Do mesmo autor, em "OS AFRICANOS NO BRASIL", 3a ediode 1945, tambm, NO CITA UMA S VEZ A PALAVRA UMBANDA emesmo a dita Embanda, somente o faz por intermdio de uma pastoral (...) de D.JOO NERY, que diz significar "chefe de mesa", espcie de chefe de confraria aque ele diz chamar-se CBULA (p. 31).

    JOO DO RIO (Paulo Barreto), em sua obra, "AS RELIGIES NO RIO" -1904, das pginas 1 64, que trata dos Candombls, feitios, etc., no faz nenhumareferncia aos termos umbanda ou embanda. [...] MANOEL QUERINO em "ARAA AFRICANA E SEUS COSTUMES NA BAHIA" - 1917 (j publicado noVol. 1o dos Anais do 5o Congresso Brasileiro de Geografia, realizado na Bahia em1916, NO cita uma nica vez os termos Umbanda e embanda... (p. 32).

    No entretanto, pelas alturas de 1934, o ilustre Prof. Arthur Ramos, em seu livro "O

    NEGRO BRASILEIRO", averiguou j existir a palavra Umbanda, e na pgina 10212

    Entendemos por saber cultivado as produes culturais que buscam legitimidade no conhecimento histrico,

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    o faz da seguinte forma: "Registrei os termos umbanda e embanda (do mesmoradical mbanda), nas macumbas cariocas; mas de significaes mais ampliadas.Umbanda pode ser feiticeiro ou sacerdote. Todavia, o Prof. Arthur Ramos, quandofez esse "registro" sobre a palavra Umbanda, no o fez com a convico de t-laPOSITIVAMENTE encontrado com o significado de feiticeiro ou sacerdote e etc.,

    tanto que baseia-se no radical "mbanda", porque havia robustecido o seu conceito,louvado mais no que diz o Sr. HELI CHATELAIN em "FOLK TALES OFANGOLA - 1894, pgina 268, sobre o mesmo radical MBANDA em relao comos termos Quimbanda (Ki-mbanda) e Umbanda (U-mbanda). Para isto, na mesmapgina 102, faz a transcrio do texto original (em ingls) no qual se arrimou (p. 35).

    O Sr. EDISON CARNEIRO, em sua obra "RELIGIES NEGRAS" - 1936,corrente com o Sr. Arthur Ramos, na pg. 96, diz que: "Num Candombl deCaboclo, consegui registrar as expresses umbanda e embanda, sacerdote, do radicalmbanda", dando apenas num cntico a "fonte" desse registo: Mas, por estranho queparea, o mesmo autor, em seu "CANDOMBLS DA BAHIA", quer na edio de1948, quer nesta ltima 2o edio, de 1954, revista e ampliada, com suas 239pginas, no faz uma nica referncia ao termo UMBANDA nem tampouco a

    EMBANDA e, note-se, contm um "VOCABULRIO DE TERMOS USADOS NOS CANDOMBLS DA BAHIA com mais de 200 DESTES TERMOS ERESPECTIVOS SIGNIFICADOS. Nessa obra, o autor esmia crenas, costumes,prticas, etc. (p. 36).

    GONALVES FERNANDES, em "XANGS DO NORDESTE", edio de1937, com 158 pginas, (descrevendo os Candombls ou os chamados Xangs doEstado de Pernambuco, no faz referncia aos termos umbanda e embanda, noobstante dar dezenas e dezenas de toadas ou "pontos cantados") (p. 37).

    DONALD PIERSON, em seu livro "BRANCOS E NEGROS NA BAHIA",edio de 1945, no capitulo XI (p. 337 a 387), em que trata dos candombls, estudatambm os Orixs, divindades, crenas, prticas, apresentando at um mapa

    completo dos Principais Orixs do Culto Afro-Brasileiro gge-nag, na Bahia, em1937" (...) Tudo isso muito bem particularizado. Pois bem, inexistente, nesta obra,a palavra Umbanda ou embamda (p. 37).

    ROGER BASTIDE, em "IMAGENS DO NORDESTE MSTICO", edio de1945, em suas 247 pginas, no registra uma s vez as palavras Umbanda eembanda.. [...] E ainda, a ttulo de observao, em "ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS", trabalho apresentando ao 1o Congresso afro-brasileiro reunido noRecife em 1934, por GILBERTO FREYRE e outros, na pgina 248 consta um"apndice" com 150 termos africanos e respectivos significados, muitos, de usocorrente nos candombls. A, tambm no se encontra a menor referncia spalavras umbanda e embanda (p.38).

    O texto nos apresenta o grau de informaes que Matta e Silva tem dos estudos

    acadmicos e de seus principais produtores. importante ressaltar que o escritor acima

    herdeiro de uma base literria umbandista que se torna orgnica a partir do Primeiro

    Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda (FEU, 1942), realizado no ano de 1941(ver:

    tabela de figuras). Obras que antecederam a produo de Matta e Silva j vinham realizando

    um dilogo com os saberes acima apontados (BRAGA, 1957; ZESPO, 1953, FEU; 1942).

    A anlise que realizo a seguir um mergulho na produo dos intelectuais brasileiros,

    a partir de um recorte e seleo dos prprios intelectuais umbandistas. Alguns intelectuais,abaixo discutidos, no foram de forma explcita, citados pelos intelectuais umbandistas, mas,

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    indiretamente servem formao de suas produes j que serviram de matrizes para os

    intelectuais citados pelos escritores umbandistas. Revisitar os inventores da nao Brasilse

    torna elemento fundamental para que possamos compreender como essa produo ser

    ressignificada e apropriada pelos escritores umbandistas (ver: tabela de figuras).

    2.1. A pr-histria da alva nao Brasil

    Em 1888, Slvio Romero, tentando dar um veredicto discusso da questo racial,

    afirmou: O Brasil um povo mestiado, pouco adianta discutir se isso um bem ou um mal;

    um fato e basta (1949, p. 85). Apesar da fora, as palavras de Romero no encerrariam umdebate, que teve incio bem antes da frase citada, e, muito menos, trariam um fim ao mesmo,

    que se prolongou pela primeira metade do sculo XX. Na construo da histria do Brasil, do

    incio do imprio, aos estertores da Era Vargas, a questo racial fez parte das muitas tentativas

    de se contar a histria do nosso pas.

    Um bom ponto de partida para essa anlise historiogrfica, pode ser encontrado na

    produo intelectual realizada no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro IHGB, palco de

    muitos debates sobre o assunto. Criado em 1838, o instituto deveria cumprir, por um lado, amisso de reconhecimento do territrio nacional, auxiliando na identificao de sua geografia

    interna e suas fronteiras externas e, por outro, o de construir uma histria da nao, recriar

    um passado, solidificar mitos de fundao, ordenar fatos buscando homogeneidade em

    personagens e eventos at ento dispersos (SCHWARCZ, 1993, p. 99). Por certo, as

    personagens principais seriam encontradas no passado dos membros da aristocracia rural

    escravista brasileira. Como no dizer de J. C. Reis

    era preciso encontrar no passado referncias luso-brasileiras: os grandes vultos, osvares preclaros, as efemrides do pas, os filhos distintos pelo saber e brilhantesqualidades, enfim, os luso-brasileiros exemplares, cujas aes pudessem tornar-semodelo para as futuras geraes (2002, p. 25).

    Caberia ao restante da sociedade, - negros, ndios, brancos pobres e mestios um

    papel de coadjuvantes. Muitas verses foram produzidas sobre a nossa histria, mas, a

    ordenao dos papis continuou sempre a mesma, os colonizadores como astros principais da

    epopia da formao da sociedade brasileira e ndios e negros, coadjuvantes no processo,muitas vezes no recebendo boas crticas sobre suas interpretaes histricas.

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    Coube ao naturalista alemo Karl Friedrich Philip Von Martius (1794-1868) o papel

    de pioneiro nessa tarefa. Vencedor de um concurso, produzido pelo instituto sobre a histria

    do Brasil em 1844, teve sua monografia13 publicada em 1845. Nela, o autor destaca a

    especificidade da histria de nosso pas, dando nfase as trs raas, que nos serviram de

    origem, e ao papel que coube a cada uma nesse processo. Assim o autor se manifesta em sua

    monografia:

    So porm estes elementos de natureza muito diversa, tendo para a formao dohomem convergido de um modo particular trs raas, a saber: a de cor cobre ouamericana, a branca ou a caucasiana, e enfim a preta ou etipica. Do encontro, damescla, das relaes mtuas e mudanas dessas trs raas, formou-se a atualpopulao, cuja histria por isso mesmo tem um cunho muito particular (p. 2).

    Nessa histria, caberia ao branco, que colocado como principal, o papel de civilizador.

    Esse papel tnico seria desempenhado pelo portugus, que deu as condies e garantias

    morais e fsicas para um reino independente. E, assim se apresentaria como o mais

    poderoso e essencial motor da colonizao (p. 2).

    Ao ndio caberia um papel intermedirio, ele deveria ser compreendido em seu passado

    mtico e idlico14. A busca de explicaes que inocente o passado indgena de seu presentebrbaro, colocada, de forma explcita, nesse livro. O caminho a seguir seria perceber que

    dos restos atuais de idias e cerimnias religiosas conclui por noes anteriores mais puras, e por formas de um culto antigo, do qual os sacrifcios humanos dosprisioneiros, o canibalismo, e numerosos costumes e usos domsticos devem serconsiderados com a mais bruta degenerao, e que somente deste modo tornam-seexplicveis (p. 6)

    Quanto ao negro, esse teria sorte diversa. Ao lanar a pergunta, que permaneceriacomo importante questo nos escritos de seus sucessores, se o Brasil teria tido um

    desenvolvimento diferente sem a introduo dos negros escravos?, a resposta foi

    peremptoriamente negativa . No h dvida de que o Brasil teria tido um desenvolvimento

    muito diferente sem a introduo dos escravos negros (p. 14). O lugar desse grupo, nesse

    teatro, seria o do vilo.

    13Von Martius, Como se deve escrever a histria do Brasil, publicada na Revista do IHGB, em 1845.

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    Se o movimento indianista, to presente no IHGB, passaria a louvar, cada vez mais, a

    figura dos bravos indgenas15, ainda que pintando um aborgine imaginrio, o papel do negro

    no mudaria. Mesmo que, em momentos posteriores, os matizes dados a um grupo ou ao

    outro viessem a sofrer variaes no seu gradiente, pintando com tons mais claros ou mais

    escuros o papel de ndios e negros, uma coisa no mudaria: a hierarquizao das trs raas.

    Esse, foi um legado que Martius postergou para a historiografia do perodo.

    Se Martius tinha elaborado, conforme o ttulo de sua monografia prope, Como se

    deve escrever a histria do Brasil, formulando uma base para a construo do mito da

    democracia racial brasileira, caberia a outro escritor o papel de o grande inventor do

    Brasil. Esse papel, no dizer de Reis, coube ao Herdoto brasileiro, o Visconde de Porto

    Seguro, ou, Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878).Com a sua Histria geral do Brasil, publicada entre os anos de 1854 e 1857,

    Varnhagen escreve seu nome na historiografia brasileira como fundador de uma histria do

    Brasil16. Ainda que membro do IHGB, sua produo intelectual no coaduna, totalmente, com

    as dos intelectuais da instituio. Foi assim, um forte opositor da corrente indianista, que

    valoriza o mito indgena brasileiro. Acreditava que isso desmerecia o papel do colonizador

    portugus. Foi profundo defensor da ordem vigente imperial e das elites brancas. Tratava a

    ruptura colonial com muito cuidado, no deixando entrever uma crtica famlia imperial, quevia, ao lado da aristocracia rural, como herdeiros da civilidade, o progresso, da razo e do

    cristianismo europeu.

    Afirmando a inferioridade de ndios e negros, via na miscigenao um caminho para o

    embranquecimento da populao do imprio. Para ele a plebe ndios, negros, caboclos,

    mamelucos, mulatos, pobres em geral seria desequilibradora do Brasil grande, atrasava-o,

    desordenava-o, entravava o seu progresso (VARNHAGEN, 1981, p. 32).

    Aos ndios dedicou muitas pginas de seu livro17

    . Pintados como selvagens,canibais, ferozes e inferiores, os indgenas necessitariam da misericrdia dos

    descendentes europeus para sarem da barbrie. Clamava assim, pelo uso da lei e da religio

    15O indianismo foi um movimento literrio ligado ao romantismo que buscava valorizar a figura do ndio na

    formao da histria do Brasil. So expoentes desse movimento Jos de Alencar (O Guarani e Iracema) eGonalves Dias (Os Timbiras).

    16Apesar do ttulo, outros autores o antecederam como, Pero de Magalhes Gndavo, Frei Vicente de Salvador,

    Sebastio da Rocha Pinto e Robert Southey (Reis, 2002, p. 23). No entanto, todas essas obras foram produzidas

    no perodo colonial, no atendendo a proposta de construo de uma nao livre.17

    O autor dedica 4 sees do primeiro tomo de sua obra de forma integral ao tema indgena (II,III,IV,XIII) e

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    dos conquistadores, nico caminho para a salvao dessas alcatias de selvagens

    (VARNHAGEN, 1981).

    Ao negro caberia uma ateno bem menor do autor. Dedicando apenas parte da seo

    XIV do tomo I de seu livro, ele coloca a monocultura aucareira como sendo a responsvel

    pela introduo do trabalho escravo africano. Lamenta-se de que, possuindo o Brasil uma

    natureza to fecunda no tivesse utilizado o trabalho de colonos e indgenas, onde

    obteramos resultados iguais a de outros pases (p. 223).

    Dedicando trs linhas de elogios ao vigoroso brao negro, que contribuiu no

    fabrico do acar, ele fazia votos em que chegasse o dia em que as cores de tal modo se

    combinem que venham a desaparecer totalmente no nosso povo os caractersticos da origem

    africana (p. 223-6). Fazia-se presente a teoria eugenista, atravs de um modelo poligenista ouseja, das misturas das raas.

    A obra de Varnhagen reforaria o papel de ndios e negros na histria do pas como

    atores menores, coadjuvantes na construo da nao e, assim, a sua subalternidade e

    culpabilidade nos descaminhos ocorridos no Brasil. Suas palavras ganhariam eco e se

    estenderiam at os intelectuais republicanos que, como ele, trataram de dar seguimento obra

    de inveno do Brasil.

    2.2. A histria da alva nao Brasil

    2.2.1. Silvio Romero

    Respaldada pelos escritos dos intelectuais do imprio, a questo racial ganharia maior

    destaque, no meio acadmico, atravs dos porta-vozes da recm criada Repblica. Esse

    pensamento desembocaria na Escola de Recife, atravs da pena de um crtico literrio, que

    aprofundaria a discusso sobre a questo racial, propondo-lhe novas interpretaes.

    Atuando mais no campo da sociologia que no da histria, o herdeiro intelectual de

    Tobias Barreto, Slvio Romero, viria a contribuir, de forma significativa nos debates a cerca

    da questo. O bacharel em direito no se colocaria como opositor das hierarquizaes,

    formuladas nas teses de Martius ou Varnhagen. Os seus escritos inovariam no que se refere

    ao papel da mestiagem no desenvolvimento do Brasil. Poligenista por convico, para ele, a

    mestiagem deveria ser um caminho a ser seguido, visando o progresso do nosso pas. Frases

    como todo brasileiro um mestio, se no no sangue nas idias, marcariam a trajetria

    d i t l t l (ROMERO 1949 85)

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    O futuro do Brasil estaria nas mos dos mulatos. Mais adaptado ao meio, caberia ao

    mestio o papel de sujeito de nossa histria. necessrio cautela na anlise dessas palavras.

    No nos enganemos com as propostas de Romero. No h uma proposta de igualdade social

    em sua tese. No tenhamos preconceito, afirmaria em um dos seus escritos, reconheamos

    as diferenas (ROMERO, 1895, p. XXXVII). A miscigenao proposta por ele no produziria

    um tipo mestio qualquer, mas um, onde o elemento branco se colocasse como matriz

    preponderante sobre as outras duas raas..

    Romero, influenciou um grande nmero de intelectuais da Escola de Recife, que,

    partindo do mestre, conseguiram dar um carter cientfico as questes jurdicas da repblica

    nascente. , a partir dele, que as teorias evolucionistas europias passariam a respaldar as

    teorias do direito no Brasil, promovendo um dilogo com outras cincias, como o caso daantropologia. a partir do pai fundador que o direito ganha um estatuto de cincia no Brasil

    e passa a ter uma maior credibilidade dentro da repblica que se formava (SCHWARCZ, 1993,

    p. 155). Romero tornou a cincia do direito uma porta-voz autorizada, que contribuiu para a

    legitimao das questes raciais nesse perodo.

    2.2.2. Nina Rodrigues

    Dentro desse dilogo, entre cincias, apareceria um contemporneo de Romero, que se

    tornaria a figura de maior projeo no campo da questo racial, relacionada cultura negra.

    Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), figura fundamental de nosso debate. Etngrafo,

    criminalista, patologista e socilogo, so alguns dos ttulos atribudos a esse maranhense.

    Nina, teria no estado da Bahia o seu grande laboratrio para estudos raciais. Seus estudos,

    publicados em jornais, como a Gazeta Mdica, ou em livros como Animismo Fetichista eAfricanos no Brasil18, do a ele o ttulo de pioneiro dos estudos africanos no Brasil.

    Bebendo nas fontes brasileiras e europias sobre a questo racial no Brasil e,

    repetindo, atravs de ressignificaes, Nina Rodrigues no se afastou da matriz que

    condenava os negros a uma inferioridade racial. Segundo ele, o negro era um dos fatores de

    nossa inferioridade como povo. Mas, o diferencial na obra desse autor a diferenciao que

    ele faz em relao diversidade dos grupos negros africanos, enviados para o Brasil como

    escravos, e suas influncias sobre a nossa cultura. Para ele, o problema central no estava nas

    18 Animismo Fetichista foi publicado originariamente na Revista Brasileira, em 1896, tomos 6,7 e 9; Os

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    raas puras, como o caso do grupo sudans, oriundo do noroeste africano, conhecidos no

    Brasil como Nag ou Yoruba e sim nas misturas entre os negros de outras raas e entre negros

    e brancos. Os Banto, grupo originrio da regio central africana, foi o alvo preferido, nas

    crticas desse intelectual. Entendamos, um pouco mais, sobre essa diversidade tnica.

    A expresso, nag, define um grupo de escravos vindos para o Brasil em oposio a

    dois outros grupos que aqui chegaram, vindos de diferentes regies do continente africano.

    Ioruba ou Nag - e suas divises queto e ijex -, jeje, fanti-ashanti so algumas das naes do

    chamado grupo sudans; angola congo, cabinda, benguela, Moambique, do grupo Banto;

    haussa, peul, mandiga, tapa, naes islamizadas(MAGNANI, 1991, p. 15). Intelectuais, como

    Nina Rodrigues, afirmam que os primeiros teriam conseguido manter a tradio africana

    dentro de suas prticas religiosas de uma forma mais significativa que os outros dois grupos.Assim, os nags seriam os detentores de uma religiosidade verdadeiramente africana.

    Aos Bantos coube o rtulo de misturados ou, em dialeto sudans tor. Quanto aos grupos de

    bases islmicas, fortemente combatidos pelo Imprio, principalmente aps as Revolues

    Mals (1835), deixaram apenas reminiscncias de sua religiosidade na cultura brasileira.

    Nina Rodrigues se tornou um grande defensor de terreiros de candombl nag na

    Bahia19. Seus argumentos, em defesa de uns e em detrimento de outras casas de culto afro-

    brasileiras, estavam pautados no conceito de pureza nag, uma tentativa de reencontrar africa no Brasil. Assim, esses negros se livrariam do epteto de miscigenados, condio to

    desprezvel na concepo de Nina (Dantas, 1988).

    A sua influncia seria muito forte em outros estudiosos da religiosidade afro-

    brasileira. A lista grande, por isso me atenho aos principais. Arthur Ramos, Manoel

    Querino, Edson Carneiro e Roger Bastide foram pesquisadores que muito avanaram nas

    temticas das culturas afro-brasileiras em relao ao mestre, Nina Rodrigues. No entanto,

    uma questo perpassou a obra de todos esses intelectuais, alm de outros no citados; aquesto da pureza racial nag.

    A aplicao desse conceito, to construdo ou inventado, como o processo histrico

    da nao-Brasil, produziu um campo de defesa, contra os ataques realizados pelos

    idealizadores desse novo Brasil e, principalmente, contra os ataques dos braos armados da

    Repblica nascente. Aos outros, os no protegidos por uma voz autorizada, os no-nag,

    coube o enfrentamento com o mundo da ordem ou a busca de outros subterfgios para que se

    colocassem ao lado da ordem e do progresso. E, no excluamos, as variantes entre esses

    dois plos.

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    Sei, ser esse assunto, por demais interessante. Mas, ainda me falta cumprir o caminho

    de alguns poucos escritores-inventores. Falta concluir a obra de criao do Brasil. Faltam

    poucas peas. Mas, mesmo assim, indispensveis. Vamos a elas.

    2.2.3. Gilberto Freyre

    Gilberto Freyre e Capistrano de Abreu encerram a breve, e espero no por isso menos

    profcua, viagem pelos inventores da alva nao Brasil. Para alguns escritores, como o caso de

    Astrogildo Pereira, os dois autores acima se colocariam dentro de uma mesma escola de

    interpretao da histria do Brasil. O argumento para tal que eles tomariam, de igual forma,as massas annimas como protagonistas de nossa histria, diferindo dos autores,

    anteriormente citados. Reis discorda, em parte, dessa leitura.

    Apesar de concordar com o argumento exposto, v um grande abismo entre os dois,

    aproximando mais Freyre de Varnhagen do que de Capistrano. Nessa viso Freyre prossegue

    o caminho inaugurado por Varnhagen na defesa do passado colonial brasileiro. Mais que

    uma nova proposta, Freyre manteria sua produo, atravs de uma anlise continusta,

    conservadora, passesta, lusfila, patriarcalista, escravista, colonizadora (2002, p. 58).Percebendo a riqueza das vises expostas acima, proponho uma anlise do livro Casa

    Grande e Senzala, como sendo liminar a esses dois tempos. Creio que a melhor explicao a

    essa liminaridade est no tempo vivido por Freyre e seu olhar sobre a histria.

    Contemporneo de Capistrano de Abreu, Oliveira Vianna e Srgio Buarque de Holanda, que

    olhavam a histria do Brasil com vistas no futuro, Freyre tinha o seu olhar no passado e ali

    permaneceu.

    Na sua construo histrica, entre os mundos da casa grande e da senzala, o destaqueseria dado ao carter de uma psicologia-social do brasileiro. O aspecto econmico, quando

    citado, responsabilizado pelos erros histricos do pas. Para ele, ao contrrio de seus

    antecessores, o grande vilo no foi o negro, mas a estrutura latifundiria escravista. Esta,

    teria atrapalhado o desenvolvimento da nao.

    indito, para o perodo, o destaque que Freyre da contribuio da cultura negra na

    formao do Brasil. Ele reservou, em seu livro, um longo captulo, intitulado O escravo

    negro na vida sexual e de famlia do Brasileiro, para apresentar essa contribuio. Desde

    nomes introduzidos na lngua portuguesa, passando por mitos, lendas, brincadeiras, hbitos

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    etc., o autor vai desfiando um rosrio de contribuies feitas por esses grupos cultura

    brasileira.

    Tambm Freyre que se coloca como ardoroso defensor da multiplicidade tnica que

    aportou no Brasil, durante o perodo escravista. Discorda da tese de Nina Rodrigues, sobre a

    questo da hierarquizao dos tipos tnicos aportados no Brasil, no perodo escravista. Ele se

    ope a Oliveira Vianna, quando esse compara os negros brasileiros aos dos Estados Unidos,

    vendo a superioridade desses ltimos em relao aos primeiros.

    Mais uma vez, no entanto, no devemos nos enganar. O papel do negro na obra de

    Freyre de submisso ao do branco colonizador. Ainda que este seja influenciado pelo negro,

    o livro Casa Grande e Senzala mantm papis bem distintos para os dois grupos de atores. Ao

    branco, coube o papel de condutor da epopia formadora do Brasil. Ao negro o decoadjuvante. Mesmo merecendo mais destaque em Freyre que em seus antecessores, o lugar

    do negro na hierarquia social brasileira foi mantida.

    Banido do cenrio intelectual brasileiro, entre as dcadas de 1950-70, ressurgiria,

    como fnix, na dcada de 1980. Agora, com o ttulo de precursor da Nova Histria.

    2.2.4. Capistrano de Abreu

    Joo Capistrano Honrio de Abreu (1853-1927) o ltimo intelectual a ser visitado

    nessa fase da pesquisa. Autor de livros, como Captulos de histria colonial (1907), esse

    maranhense produto de um novo tempo histrico. A sua produo convive com o ocaso do

    imprio e com um perodo em que as influncias do cientificismo europeu esto no seu auge.

    ele um grande representante da escola que se utilizou, de forma caricatural, do

    cientificismo europeu em suas produes. Sobre esse uso, Canabrava (1980) afirma que,apesar de Capistrano dialogar com o cientificismo franco-ingls - na primeira fase da sua

    produo intelectual - e com a escola cientfica alem rankiana -, na segunda, ele no

    dominava muitos dos conceitos formulados pelas cincias sociais (1971). a ele que Odlia

    acusa de fazer contorcionismo terico ao adaptar, sobremaneira, os conceitos europeus

    explicao da histria do Brasil (1976).

    Essa, no foi uma marca exclusiva de Capistrano. Ele foi, por um lado, um intelectual

    do seu tempo. Como os seus contemporneos, Nina Rodrigues e Slvio Romero, ele busca dar

    um carter cientificista aos seus estudos. Para tal, sem se preocupar em demasia com a

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    avana em relao aos seus pares intelectuais. ainda em Canabrava que vamos encontrar

    uma leitura de Capistrano como sendo um elo entre dois tempos. O seu, citado acima, de

    autodidata e amador e que estaria por chegar no sculo XX. Nesse, as novas geraes de

    intelectuais seriam formados, se profissionalizariam, atravs de universidades. O tempo da

    formao de uma intelectualidade independente, chegava ao fim com Capistrano.

    este fronteirio que, em seu livro citado, vai reservar um lugar de destaque para o

    ndio. Muito influenciado pelo indianismo, dedica todo o primeiro captulo Antecedentes

    indgenas a um estudo da natureza e dos indgenas.

    Dando nfase ao papel deste personagem, ele ir construir, em um Brasil dividido, o

    seu lugar de destaque. Em seu livro, ele v dois brasis. Um primeiro, litorneo, onde os

    portugueses, utilizando a mo de obra escrava negra, se fixariam. Este seria o Brasilportugus. Um Brasil mestio de Branco e negro. Um segundo Brasil, o interiorano. no

    serto que os novos brasileiros vo florescer. Os mamelucos, resultado do cruzamento de

    bandeirantes e ndios, seriam os conquistadores do Brasil. Essa seria uma histria de

    brasileiros conquistadores, no de portugueses.

    Se o ndio mereceu de Capistrano um lugar nobre na histria, mais uma vez, esse no

    foi o espao reservado ao negro. Em relao a este, ele ser muito reticente, quase

    silencioso. O seu papel ser de um mero coadjuvante, participando fugazmente dos atosescritos pelo autor. E, quando chamado em cena, ser apenas em rpidos momentos e sem

    qualquer peso histrico (REIS, 2002, p. 99).

    Ao branco, mais uma vez coube o papel principal. Como ficou colocado acima, esse

    papel no ser ofertado a um colonizador portugus, mas sim a um brasileiro nato. A opo

    racial de Capistrano pelo branco tal, que ele chegar a ser acusado, junto com Oliveira

    Vianna, de germanofilia (CHACON, 1993, p. 92). Se, aos atores secundrios, as luzes da

    ribalta se alternam, entre um luzir fosco e uma obscuridade cnica, ao branco foi reservado oproscnio, o lugar de mais destaque nesse teatro.

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    2.2.5. A dcada de 1930

    Durante a dcada de 1930 o carter racialista vai caindo em desuso na produo

    intelectual brasileira. Falo racialista e no racista20. Este, ao contrrio daquele, se mantm

    vivo e em destaque na obra e no discurso de tericos e membros do corpo burocrtico da Era

    Vargas.

    Ruth Landes, que viveu no Brasil entre os anos de 1937-38, que nos proporciona o

    registro de uma voz autorizada desse perodo. Desembarcando no Rio de Janeiro no incio do

    golpe de 1937, se dirige, ao ento ministro Osvaldo Aranha, para que ele autorize suas

    pesquisas sobre os negros baianos. Segundo ela, isso era necessrio porque o governoreceava espies. Era o perigo vermelho, forte elemento no discurso golpista dos varguistas

    desse perodo, aps a malfadada Intentona Comunista de 1935 e suposto golpe, tambm

    comunista, descoberto, o Plano Cohen.

    Aps estar acomodada em uma poltrona, a pesquisadora americana teria ouvido do

    ministro, ao se referir aos rumos do Brasil, que

    o nosso atraso poltico, que tornou essa ditadura necessria, se explica perfeitamentepelo nosso sangue negro. Infelizmente. Por isso, estamos tentando expurgar essesangue, construindo uma nao para todos, embranquecendo a raa brasileira(2002, p. 41).

    Se, por um lado, o discurso do ministro ainda carregue elementos do discurso

    racialista, por outro, ele fortemente marcado pelo arianismo, racismo de origem prussiana,

    que se projetou com fortes influncias em parte dos intelectuais orgnicos brasileiros desse

    perodo. Esse discurso oficial no resistiria muito tempo. A opo do governo Vargas pelos

    aliados, se opondo ao nazi-fascismo, iria arrefecer esse discurso arianista na intelectualidadedesse perodo.

    Com o final da Era Vargas (1945), o Brasil passaria por grandes modificaes em seu

    cenrio intelectual. Os grandes amadores da nossa produo seriam agora substitudos por

    escolas de pensamento intelectual. Nelas ocorre uma profissionalizao da produo

    intelectual, proporcionando um maior rigor nas anlises sobre os conhecimentos cientficos

    20Todorov difere os conceitos de racialismo e racismo, onde o primeiro se refere a uma ideologia de uma

    doutrina referente s raas humanas e o segundo ao dio e desprezo com respeito a pessoas com caractersticas

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    que aportavam no Brasil. desse perodo o grupo, liderado por Florestan Fernandes, na

    famosa escola sociolgica da USP.

    Essa nova forma de produo, agora acadmica, se identificar, em grande parte, com

    os intelectuais marxistas do perodo. Nela, a questo racial ceder lugar a uma discusso, que

    ter como elemento central a luta de classes. O negro agora passa a ser visto, pelo menos nos

    textos produzidos, como parte do mundo do trabalho e fazendo parte do proletariado,

    historicamente explorado pelo capital ou burguesia. A questo racial, vai assim, perdendo

    espao dentro do universo intelectual e de suas produes cientficas.

    hora de mudar de assunto. Espero que a exposio feita at aqui, tenha sidosuficiente para a compreenso de como foi construda ou inventada a nossa histria. De como

    os seus produtores utilizaram-se dos conceitos do cientificismo europeu, ainda que atravs

    de um contorcionismo intelectual, para legitimar a dominao de uma sociedade branca e

    elitista sobre os outros grupos sociais.

    Que tenha ficado claro o papel da questo racial na produo dessa alva nao Brasil

    e o papel, que as suas anlises reservaram, para os diferentes atores sociais. O passo seguinte,

    o de identificar nas agncias religiosas no Brasil, de matrizes europias ou africanas, ainfluncia dessas produes em seus discursos. E, mais especificamente, como elas

    utilizaram-se do discurso autorizado para questionar a legitimidade do papel dessas

    manifestaes religiosas afro-brasileiras nesse mercado de bens simblicos. Cumprindo essa

    segunda etapa da dissertao, estarei pronto para a discusso central: o papel da

    intelectualidade umbandista dentro dessa realidade histrica. hora de virar a pgina.

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    Captulo III

    A disputa dos mercados de bens, nem sempre, simblicos

    Voc diz que cavalo boiCavalo no boi noMeu boi sobe no lajedoCavalo no vai l no

    3.1.O saber cultivado das religies na disputa do mercado de bens simblicos

    A partir das bases evolucionistas e racialistas europias, traduzidas para a realidade

    brasileira por seus porta-vozes autorizados nas instituies de pesquisa, as agncias de saber

    religioso buscaram produzir um saber cultivado21. Essas produes procuravam legitimidade

    para os seus discursos atravs de uma adequao ao discurso oficial. Cada qual, a sua forma,

    buscava se inserir, fazer parte da modernidade brasileira atravs de uma identificao com a

    construo da identidade nacional. Dois caminhos, no necessariamente excludentes, foram

    percorridos. O primeiro buscava associar a agncia religiosa como parte do processo

    histrico que estava sendo construdo; o segundo, demonstrando estar afinada com os novos

    conceitos, importados da Europa e adaptados, pelos nossos intelectuais, construo da

    histria da alva nao Brasil. Enfim, pertencer ao passado histrico brasileiro, fazer parte de

    uma cultura civilizada e estar no topo da cadeia evolutiva social, passaria a fazer parte do

    discurso cultivado pelos intelectuais religiosos do perodo.

    Esse, no seria apenas um discurso afirmativo. Legitimar o seu lugar nessa nao era

    tambm, muitas vezes, negar espao para os outros saberes religiosos. Se, atrelado ao discurso

    afirmativo estavam os conceitos de civilizao, progresso, evoluo e modernidade, ao

    negativo, o que buscava deslegitimar os outros saberes, estavam os seus antagnicos como:

    barbrie, atraso cultural e inferioridade racial. Se desvencilhar do passado escravista e de uma

    sociedade miscigenada, se identificando com o mundo civilizado europeu, essa seria a tnica

    dos discursos religiosos. Negar um passado real e inventar um passado imaginrio, de

    pertencimento histrico-social, esse seria o papel dos intelectuais religiosos.

    21Entendemos por saber cultivado as produes culturais que buscam legitimidade no conhecimento histrico,

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    3.1.1. Catolicismo versus religies de possesso

    Desde a Antiguidade Clssica o Cristianismo mantm uma forte relao com o Estado.

    O enfraquecimento do Imprio Romano do Ocidente foi inversamente proporcional ao

    fortalecimento da Igreja Crist. De perseguida no sculo I, ela se tornou tolerada e por fim

    parceira do Imprio at o seu desaparecimento. As invases brbaras e o fim do Imprio

    Romano do Ocidente no alteraram esse processo. Mantendo a sua trajetria ascensional, ela

    se torna elemento fundamental de organizao e legitimao da sociedade de ordens do

    mundo feudal. Assim, quando da formao dos Estados Nacionais europeus a Igreja no

    ocidente, a partir de 1054, chamada de Catlica Apostlica Romana fiel depositria dos

    interesses do mundo da ordem. Em relao ao Brasil ela possui um conhecido passadohistrico ligado ao processo de colonizao. Responsvel por catequizar os indgenas,

    ministrar a educao formal aos filhos dos senhores de engenho e garantir a ordem social,

    com a dominao da aristocracia rural escravista, a Igreja sempre esteve presente nos projetos

    metropolitanos para a Colnia. O advento do Imprio no mudaria essa realidade. A

    Constituio de 1824 coloca a Igreja como religio oficial do pas. Essa realidade s mudaria

    na forma com o advento do republicanismo. Apesar de separada do Estado pela Constituio

    de 1891 ela se manteve como religio oficiosa do Estado, ocupando papel de destaque naRepblica Nascente.

    Em sua trajetria ela enfrentou vrias crises institucionais. Para manter a sua

    sobrevivncia teve que dar respostas s mudanas pelas quais o mundo ocidental passava em

    suas mudanas, quer de carter estrutural como o nascimento do capitalismo quer

    conjunturais. Com o incio da Repblica a Igreja ter que disputar o mercado de bens

    simblicos com as instituies europias que aportam no Brasil. Essa luta no comeou na

    Repblica. conhecida a chamada Questo Religiosa que envolveu a Igreja e o Imprio,em seus estertores, e a Maonaria. Sem o aparato oficial, a Igreja teve que assumir para si a

    luta contra as manifestaes que buscassem dividir o seu rebanho espiritual. Dois adversrios

    sero detectados ainda no sculo XIX: o Protestantismo e o Espiritismo. Para os fins da

    pesquisa interessa o segundo caso. Partirei dessa anlise para chegar a questo central que a

    disputa entre a Igreja Catlica e a Umbanda, dentro do mercado de bens simblicos.

    O perigo kardecista j era detectado pela Igreja no final do sculo XIX. Artur Csar

    Isaia mapeia em seu artigoHierarquia Catlica e religies medinicas no Brasil na primeira

    metade do sculo XX (2001), esse caminho de percepo e organizao de defesa realizado

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    terrvel inimigo que jamais enfrentou a Igreja. No Brasil a partir de 1889 que documentos

    comeam a denunciar os perigos do Espiritismo. desse ano a Carta Pastoral de Dom

    Silvrio Gomes Pimenta, que, como coloca Isaia, de uma notvel riqueza imagtica. Nela

    o religioso coloca que h duas calamidades piores mil vezes que a seca e a fome . Falo do

    protestantismo e do espiritismo, ambos filhos de Satans, o qual se esfora a todo poder por

    inocul-los nesta diocese22. Esse documento simboliza o incio de uma disputa explcita entre

    as duas religies pela dominao do mercado de bens simblicos.

    Apesar da Igreja se dirigir nesses documentos especificamente ao espiritismo, por

    certo a Macumba e a Umbanda tambm sero afetadas, ainda que indiretamente. fato de

    que no Brasil os intelectuais umbandistas disputaram com os kardecistas o domnio da

    expresso esprita. Desde a dcada de 1920 existiam centros de Umbanda usando as palavrasCentro Esprita como iniciais no nome de suas instituies. Essa designao seria uma

    forma dos terreiros de Macumba ou Umbanda se defenderem da perseguio policial

    (NEGRO, 1996, p. 27).

    Em pesquisas realizadas no estado de So Paulo na dcada de 1950 foi constatado que

    os entrevistados preferem no primeiro contato se identificarem como espritas. Somente

    posteriormente alguns expem a sua origem religiosa como sendo a Umbanda (CAMARGO,

    1961: 14). Esse uso em comum acabou fazendo com que os ataques que a Igreja Catlicarealizava contra os kardecistas acabassem por atingir aos freqentadores das macumbas ou,

    conforme prevaleceu a posteriori, os umbandistas.

    O olhar da Igreja somente se volta, de forma especfica para a Macumba ou a

    Umbanda, na metade do sculo XX. Com o fim da Era Vargas as perseguies policiais

    contra os terreiros de Macumba vo se reduzindo at a sua extino. A Igreja, mais uma vez,

    deve assumir para si a luta contra os concorrentes no mercado de bens simblicos. O maior

    representante para esses assuntos e algoz dos umbandistas o Frei Boaventura Kloppenburg.

    Atravs de artigos publicados em jornais ou livros comoA Umbanda no Brasilele utilizar o

    discurso produzido pelos porta-vozes da alva nao Brasil, para realizar os seus ataques. O

    campo preferido pelo Frei o mdico. Seguindo a lgica de Nina Rodrigues, ele ver nas

    manifestaes medinicas uma demonstrao de anomalias psquicas. Os mdiuns so

    enquadrados no campo das doenas psicossomticas. A utilizao do argumento de prticas

    demonacas, utilizadas contra os kardecistas, to comuns na primeira metade do sculo XX,

    cede lugar s explicaes mais racionais e cientficas para o fenmeno.

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    Para referendar o discurso mdico, Kloppenburg elabora em 1953 um questionrio,

    dirigido aos psiquiatras do Rio de Janeiro sobre a questo medinica. O resultado no poderia

    ser menos bvio. As crticas sobre o fenmeno medinico sero contundentes e baseadas em

    explicaes da medicina psiquitrica.

    , mais uma vez, recorrendo a Isaia, que cito uma das respostas do psiquiatra Alves

    Garcia. Nela, ele diz que

    tornam-se mdiuns autnticos os neurticos de certa classe, - histricos e obsessivos,que possuam suficiente sugestionabilidade para crer e deixarem-se induzir, e certosdons volitivos, para resistirem s prticas montonas e exaustivas, ensinamentos eexecuo do ritual espiritista. Os doentes que tenham uma psicose manifesta oulatente deixam-se identificar como tais e no levam a termo o desenvolvimento;todavia o seu delrio toma o colorido e a linguagem ou gria espiritista do candomblou macumba (2001, p. 77-8).

    Merece destaque nesse texto, alm do linguajar mdico-psiquitrico, a utilizao do

    termo macumba como categoria de acusao. Esta expresso, to comum nos discursos dos

    adversrios da Macumba, foi fundamental para a substituio dessa designao pelo termo

    Umbanda que, apesar de tambm perseguida, encontrava nos departamentos jurdicos de suas

    federaes e confederaes um instrumento legal na sua defesa.

    A dcada de 1960 traria uma mudana no discurso da Igreja em relao aos cultos

    medinicos. O smbolo dessa mudana o Vaticano II. De prticas satnicas, passando por

    doena psquica, os cultos de possesso passariam a ser vistos como expresses da

    religiosidade popular. Como tais deveriam ser tratadas como ovelhas desgarradas do rebanho

    do senhor, expresses de uma religiosidade popular, que deveriam ser esclarecidas para que

    fosse possvel o seu retorno verdadeira religio: a Catlica. O prprio Frei Kloppenburg

    mudar o seu discurso, de acusatrio para conciliatrio, buscando resgatar esses rebanhos

    desgarrados. Ortiz registra uma passagem de Kloppenburg nessa guinada de posio perante

    os cultos de possesso. Em seu artigo Ensaio de uma nova posio pastoral perante aUmbanda, ele escreve que a Igreja passa a valorizar positivamente os ritos, usos, e costumes

    da religio umbandista encontrando neles uma forma mais eficaz dos ensinamentos

    bblicos (ORTIZ, 1991, p. 207-9).

    No entanto na fase dos anos quarenta e cinqenta do sculo XX, que a legitimao

    externa dos intelectuais da alva nao umbandista se produziria com mais nfase. E esse foi

    um momento em que as produes, como a de Kloppenburg, evidenciam

    um novo inimigo, contra o qual prescrevia um novo tipo de exorcismo. Esse inimigoera identificado no atraso na sit ao de indigncia material e c lt ral em q e

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    estavam mergulhadas extensas camadas da populao brasileira. Em uma conjunturaem que o projeto nacional-desenvolvimentista seduzia boa parte da elite pensantebrasileira, Kloppenburg propunha a extirpao da misria, a extenso da educao eda assistncia religiosa, como nicas sadas capazes de livrarem o brasileiro de umcaldo de cultura marcadamente patolgico e favorecedor da proliferao das prticas

    medinicas (ISAIA, 2001, p. 79).

    Esses ataques externos seriam mais um elemento influenciador na construo dos

    escritos dos intelectuais umbandistas. Afastando-se do mundo da Macumba esses intelectuais

    procurariam dar respostas a essas acusaes, utilizando-se do mesmo discurso cientificista. As

    marcas da crtica catlica ajudariam a moldar o discurso dos intelectuais da alva nao

    umbandista. Antes de realizar uma anlise desse discurso, necessrio apresentar um outro

    concorrente e crtico dos umbandistas no campo religioso: os kardecistas.

    3.1.2. Onde ndio bom, nem morto23

    Camargo foi o primeiro intelectual acadmico a realizar uma anlise comparativa entre

    esses dois campos religiosos. Em seu livroKardecismo e Umbanda: uma anlise sociolgica

    ele postula a tese de que esses dois cultos medinicos estariam inseridos dentro de um mesmo

    continuum medinico. A originalidade do trabalho ver elementos comuns naquilo que, antes

    dele, s fora percebido como realidades estanques.

    As pesquisas de campo ou participante que realizei e as de outros pesquisadores as

    quais tive acesso demonstram que as influncias kardecistas se fazem presente em algumas

    prticas da chamada Umbanda branca. Indo alm, possvel ver que essa influncia, est

    menos presente nos terreiros de Macumba-Umbanda, e mais nas produes dos intelectuais

    umbandistas. O carter trplice nas obras do Pentateuco kardecista24, Cincia, Filosofia eReligio, bastante claro na construo das produes umbandistas.

    Ao utilizar o conceito de continuum religioso nessa dissertao, limitando esse

    gradiente nos extremos entre a Macumba-Umbanda e a Umbanda branca, no pretendi romper

    com o conceito de continuum medinico de Camargo. Propus esses limites porque postulo

    que boa parte da Umbanda praticada nos terreiros se identifica mais com o modelo da

    23 atribuda a John Waynne a frase ndio bom ndio morto. Em relao ao kardecismo os espritos de

    indgenas, caboclos, so vistos como inferiores, da a expresso onde ndio bom, nem morto.24 chamado de Pentateuco kardecista o conjunto das obras codificadas por Allan Kardec, reunindo mensagens

    de diversos mdiuns europeus em sua maioria Ele composto pelas obras: O livro dos espritos O Evangelho

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    Macumba do final do sculo XIX do que com aquela apresentada nas produes dos

    intelectuais umbandistas. Esse continuum estaria assim limitado aos cultos que originaram a

    Umbanda no Brasil, do qual excluo o Kardecismo.

    Entre esses dois campos religiosos o que aqui mais interessa para essa pesquisa o

    dilogo entre eles, atravs das acusaes mtuas, do que dos elementos convergentes. Ao ver

    os intelectuais da alva nao umbandista como legitimadores externos do campo religioso da

    Macumba-Umbanda, interessa explicitar as marcas que as crticas dos kardecistas realizaram

    nas produes desses intelectuais e quanto do contorcionismo literrio dessas produes, so

    uma conseqncia daquelas crticas. sobre essas crticas, realizadas pelo primeiro grupo

    sobre o segundo que me aterei nessa parte.

    3.1.2.1. O mundo do(s) esprito(a)s

    O espiritismo kardecista desembarcou no Brasil no incio da segunda metade do sculo

    XIX, oriundo da Europa, onde encontrou solo frtil para o seu plantio e desenvolvimento.

    Parte da populao brasileira, bastante acostumada com os cultos de possesso, vero no

    kardecismo uma forma de manterem as suas crenas em um mundo metafsico e, ao mesmotempo, se afastarem da matriz negra dos cultos mgicos e de feitiaria to criticados pelos

    intelectuais do mundo da ordem. Devido a essa aceitao o kardecismo no apenas se

    desenvolver rapidamente mas, tambm, no sofrer, na mesma proporo, os ataques

    realizados contra os cultos afro-brasileiros.

    O Kardecismo surge na Europa no perodo em que o cientificismo vivia o seu auge. A

    identificao com essa matriz, na produo dos textos dos intelectuais kardecistas, os

    colocariam dentro da modernidade proposta pelos porta-vozes desse cientificismo. Aochegarem ao Brasil eles no sero identificados com o atraso, a barbrie e a incivilidade,

    categorias muito utilizadas contra os cultos de origem negra. Ao contrrio disso, sero vistos

    como o que havia de mais moderno dentro do campo das chamadas religies de possesso.

    Em livro basilar da produo Kardecista, O livro dos espritos, codificado por Allan

    Kardec25, os conceitos de evoluo, progresso e civilizao so apresentados como

    estruturadores dessa teoria. O darwinismo socialse transforma em darwinismo espiritual. A

    organizao dos planetas e o lugar dos espritos no universo, esto dentro de uma cadeia

    evolutiva. Em relao a essa evoluo entre os homens, expressa a diferenciao entre

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    barbrie e civilizao. So assim colocadas essas questes nas perguntas e repostas transcritas

    abaixo:

    787- No h raas rebeldes, por sua natureza, ao progresso?R: H, mas vo aniquilando-se corporalmente, todos os dias.a) Qual ser a sorte futura das almas que animam essas raas?R: Chegaro, como todas as demais, perfeio, passando por outras experincias.b) Assim, pode dar-se que os homens mais civilizados tenham sido selvagens eantropfagos?R: Tu mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o que s (KARDEC, 1994, p.366-367).

    O fragmento escolhido trabalha com os conceitos colocados acima. Existem povos

    atrasados e adiantados e essa diferenciao tem por elemento norteador valores das culturas

    que praticam, ou se pressupe que pratiquem, o antropofagismo e a selvageria. Esses

    adjetivos so relacionados, principalmente, no sculo XIX, a povos nativos dos continentes

    Africano e Americano. No se deve esquecer que esses continentes fizeram parte do processo

    de dominao que os europeus, desde o incio da Idade Moderna, desenvolveram: o

    colonialismo. Assim, a frica negra, ainda que implicitamente, faria parte da literatura

    kardecista, ocupando um lugar de povos atrasados.

    Quando de sua chegada ao Brasil, os adeptos do kardecismo tero que disputar omercado de bens simblicos com os seus congneres que, como eles, mantinham contatos

    medinicos com o mundo dos mortos. A sua similaridade com os praticantes da Macumba-

    Umbanda os colocaram como inimigos diretos.

    importante ressaltar que os candomblecistas, principalmente os dos candombls

    denominados puros (nag-ioruba), no se constituam em adversrios principais, medida

    que eles no se colocavam como intermedirios entre o mundo dos homens vivos e

    mortos. Em sua lgica religiosa eles se colocavam como intermedirios entre os homens eos deuses seus orixs. No quero com isso dizer que eles foram poupados das crticas

    kardecistas. Afirmo apenas que os macumbeiros-umbandistas mereceram uma maior ateno

    por parte dos kardecistas em suas crticas.

    A literatura umbandista, produzida entre as dcadas de 1930 e 1960, oscilaria entre

    uma aproximao com a matriz kardecista ou o seu afastamento da mesma. O status de

    cientificidade que os kardecistas obteriam, alm de uma presena mais significativa do mundo

    da ordem em seus crculos religiosos, comparados, com os da Macumba-Umbanda,proporcionaria um espao mais seguro para a manifestao de suas prticas religiosas.

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    Buscando se inserir nesse contexto muitos terreiros de macumba-umbanda ou seus

    intelectuais, procuram compartilhar da expresso espritas com os kardecistas. Fundaram

    centros, realizaram, encontros e fundaram federaes utilizando essa expresso. No entanto, a

    reao kardecista para essa tentativa foi expressiva. Isaia afirma que:

    A aproximao tentada pelos primeiros umbandistas com o kardecismo no Brasil,contou com enrgica oposio dos crculos espritas do centro do pas. Esses noadmitiam a ligao entre o kardecismo, que se credenciava sociedade com umaidentidade prxima aos valores consentidos pela elite e a Umbanda, ainda presa acontedos imagticos que a confinavam aos subter