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ESTANTE 34 Fotografe Melhor O mestre francês que se estabeleceu no Brasil a partir da década de 1940 andou também pela região Norte do País. Parte das fotos que fez estão em livro do IMS Marcel Gautherot E m primeiro lugar, o livro Norte com imagens de Marcel Gautherot (1910-1996) provoca uma saudade enorme do tempo em que os documentários eram registrados em médio formato, em película preto e branco e com a Rolleiflex. Não há dúvida que a acutância das reproduções suscita essa nostalgia. Mas não é só isso. São imagens de Gautherot, um parisiense que andou pelo Brasil mais do que muitos brasileiros. Melhor: fotografou o país como poucos. Gautherot produziu as imagens na Amazônia brasileira entre 1940 e 1970. Para o livro foram escolhidas 70 apenas. Para exposição homônima, que fica em cartaz até março de 2010, a curadoria foi do escritor Milton Hatoum e do professor e tradutor Samuel Titan Jr., que também escrevem os textos do livro. Identidades à parte: Hatoum nascido em Manaus (AM) e Titan nascido em Belém (PA). Marcel Gautherot se radicou no A Amazônia pelas lentes da Rolleiflex de Por Juan Esteves Mercado ribeirinho em Manaus (AM), em imagem feita por volta de 1944 FOTOS: MARCEL GAUTHEROT

A Amazônia pelas lentes da Rolleiflex de Marcel Gautherot · A Amazônia pelas lentes da Rolleiflex de Por Juan Esteves Mercado ribeirinho em Manaus (AM), em imagem feita por volta

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    34 Fotografe Melhor

    O mestre francês que se estabeleceu no Brasil a partir da década de 1940 andoutambém pela região Norte do País. Parte das fotos que fez estão em livro do IMS

    Marcel Gautherot

    E m primeiro lugar, o livro Nortecom imagens de MarcelGautherot (1910-1996) provocauma saudade enorme do tempo emque os documentários eramregistrados em médio formato, empelícula preto e branco e com aRolleiflex. Não há dúvida que aacutância das reproduções suscita

    essa nostalgia. Mas não é só isso.São imagens de Gautherot, umparisiense que andou pelo Brasil maisdo que muitos brasileiros. Melhor:fotografou o país como poucos.

    Gautherot produziu as imagens naAmazônia brasileira entre 1940 e 1970.Para o livro foram escolhidas 70apenas. Para exposição homônima,

    que fica em cartaz até março de2010, a curadoria foi do escritorMilton Hatoum e do professor etradutor Samuel Titan Jr., quetambém escrevem os textos do livro.Identidades à parte: Hatoum nascidoem Manaus (AM) e Titan nascido emBelém (PA).

    Marcel Gautherot se radicou no

    A Amazônia pelas lentes da Rolleiflex de

    Por Juan Esteves

    Mercado ribeirinho emManaus (AM), em imagemfeita por volta de 1944

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    Brasil em 1940 e viajou pelo paíscom uma visão documental queincluía de festas popularesnordestinas à arquitetura históricamineira, bem como a modernidadebrasileira em cidades como Riode Janeiro e Brasília. A SegundaGrande Guerra obrigou o fotógrafoa ir ficando por aqui e, a partir deentão, a memória brasileira por certose tornou para sempre devedora.

    São perto de 25 mil imagens quedesde 1999 integram o acervo doInstituto Moreira Salles (IMS).

    A antropóloga Lygia Segala falano livro O olho fotográfico, MarcelGautherot e seu tempo (MAB-FAAP,2007) sobre a organização exemplardo arquivo do fotógrafo, algo que elemesmo cuidou a partir dos anos de1960. Nesse livro, segundo SergioBurgi, responsável pela reserva

    técnica de fotografia do IMS, das 25mil imagens há 18 mil negativos, 3mil cromos e cerca de 3 mil imagensem contatos que não têm osnegativos originais.

    Ainda segundo Lygia Segala,Gautherot identificava primeiro osnegativos por Estados brasileiros. Asviagens de exploração, os lugaresrevisitados definem uma cartografiaque previlegia o Norte e sobretudo o

    Marcel Gautherot fez uma série de fotos em igapós da Amazônia (como a acima), em 1955; o livro Norte mostra 12 delas

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    Nordeste do Brasil. A partir dasimagens do livro, Hatoum e Titan Jr. conseguem traçar outrosformatos, como a viagem virtual de Manaus (AM) à Ilha do Marajó(PA). No texto “A Paciência doOlhar”, eles demonstram comtranquilidade porque são grandesintelectuais da atualidade.

    O volume segue a coleçãoiniciada por Sequências, de Otto

    Stupakoff (1935-2009). De médioformato em brochura, mas atento aoscuidados de impressão, traz umelenco de imagens bastantesignificativo da vasta obra dofotógrafo, embora em algunsmomentos estas se tornemserializadas, talvez pelas afinidadeseletivas dos curadores, pois nãohá nenhum didatismo em seuagrupamento, muito menos são

    suficientes para ressaltar o modo detrabalho do fotógrafo. Caso dastoras de madeira no Lago Janauacá,das palafitas das imediações deManaus e, evidentemente, doMercado Ver-o-Peso, em Belém,apenas para citar algumas.

    Não foram poucos estrangeirosque, ao longo de décadas, tiveramum olhar mais que brasileiro sobre acultura local. O alemão Theodor

    O formigueiro humano no garimpo de Serra Pelada, na região de Carajás, no Pará, em 1978, uma das últimas reportagens de Gautherot

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    Presing (1883-1962), os francesesLévi-Strauss (1908-2009), JeanManzon (1915-1990) e Pierre Verger(1902-1996); o norte-americanoDavid Drew Zingg (1923-2000); asuíça Claudia Andujar; e a inglesaMaureen Bisilliat, para lembrarapenas alguns mais conhecidos,realizaram um trabalho documentalde grande importância.

    Marcel Gautherot não foi

    apenas responsável por parte damemória nacional (assim como osdemais), mas também por parte daformação visual de toda umageração de fotógrafos.

    A elegância de sua Rolleiflex, amaestria em expor a película e oapurado senso de composiçãoo colocam no cânone cujoprosseguimento encontra raros ecosna contemporaneidade.

    No sentido horário: mulher defumando latex na Ilha deMarajo (PA), na década de 1960; índio na região de Assuri,Baixo Tocantins (PA), por volta de 1950; descarregamentrode juta no porto de Belém (PA), cerca de 1954; pessoasadmiram navio no porto de Belém, em data incerta

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