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A ANÁLISE DA CANÇÃO “FRANCISCO DE OXUM” PARA
ABORDAGEM EM EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-
RACIAIS NO ENSINO DE QUÍMICA
Caio Ricardo Faiad da Silva1
Gabriela Aparecida de Lima2
Cátia Cristina Bocaiuva Maringolo3
Resumo
A obrigatoriedade da inserção da História e cultura africana, afro-brasileira e indígena
pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008 é um marco para as lutas empreendidas
historicamente por movimentos sociais anti-racistas que se viam excluídos do projeto
pedagógico curricular nacional. Nesse sentido, o presente trabalho propõe a inserção da
cultura afro-brasileira no ensino de Química por meio da articulação interdisciplinar Arte
e Ciências de modo a possibilitar uma reflexão sobre a constituição dos saberes trazidos
ao Brasil pelos africanos escravizados e que estão materializados nas manifestações
religiosas afro-brasileiras contribuindo, assim, para o reconhecimento daqueles/as que
foram invisibilizados e oprimidos, mas que foram agentes ativos no processo de
construção do Brasil.
Palavras-chave: ensino de ciências, música, interdisciplinaridade, orixás
1 Bacharel em Química Ambiental – IBILCE/UNESP, Mestre em Química – IQ/UNICAMP.
Licenciando em Letras - Português/Linguística – FFLCH/USP e Doutorando em Ensino de Ciências –
IQ/USP. 2 Licencianda em Química – IQ/USP com iniciação científica na área de Educação Científica.
Estagiária da disciplina Química no Colégio Visconde de Porto Seguro e professora no Cursinho Popular
Florestan Fernandes. 3 Bacharela em Letras – IBILCE/UNESP, Mestra em Estudos Literários – FCL/UNESP,
Doutoranda em Estudos Literários – FALE/UFMG. Professora do CEFET-MG e professora e coordenadora
da Rede Educafro Minas de Belo Horizonte.
1 Introdução
Há anos, acadêmicos e movimentos sociais questionam o total, ou quase total,
apagamento das questões étnico-raciais nos currículos nacionais. Outro questionamento,
e que ainda está presente, é a abordagem envolta de estereótipos, pré-conceitos e
exotismos que serviam somente para reproduzir e consolidar o racismo estrutural
presente na sociedade brasileira. Portanto, a alteração da Lei 9.394/1996 pelas Leis
10.639/2003 e 11.645/2008 torna-se um marco significativo e de grande importância para
a Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) no campo legislativo. No segundo
parágrafo do artigo 26-A se estabelece a inclusão da temática “História e cultura afro-
brasileira e indígena” no ensino de todas as disciplinas do currículo da educação básica
(BRASIL, 2008).
No âmbito da História e Cultura Africana e Afro-brasileira no Ensino de Química,
destaca-se o Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão coordenado pela
Profa. Dra. Anna Maria Canavarro Benite na Universidade Federal de Goiás, que possui
diversos trabalhos publicados com resultado de suas pesquisas a partir do conteúdo
“metais” (BENITE, SILVA, ALVINO, 2016; SILVA, BENITE, 2017). Esses e outros
trabalhos enfatizam a importância de se refletir sobre o papel ativo dos negros e das
negras enquanto produtores e disseminadores de conhecimento, apontando o
epistemicídio presente nos livros didáticos que privilegiam epistemologias brancas e
europeias.
No mesmo caminho, o objetivo do presente trabalho é apresentar a temática da
cultura afro-brasileira no ensino de Química por meio de uma articulação interdisciplinar
a partir da interpretação da canção Francisco de Oxum. Para a interpretação, foi utilizada
a metodologia contemporânea dos estudos comparatistas que se utilizam de descrição de
outras áreas do saber para analisar textos literários por um viés crítico. Para Carvalhal
(2004, p. 74), estudos comparados são uma forma específica de interrogar os textos na
sua interação com outros textos, literários ou não, e com outras formas de expressão
cultural e artística.
2 Arte e Química: a interdisciplinaridade no Ensino de Ciências
Originalmente, as áreas do conhecimento não eram fragmentadas e isoladas como
está estabelecido atualmente nos currículos escolares. Se por um lado, estas divisões
objetivam um maior didatismo e compreensão por parte dos discentes, por outro lado,
esta divisão culminou na compreensão de que os saberes são criados e apreendidos
isoladamente, como se estas disciplinas não dialogassem. Nesse sentido, diversos
modelos e teorias interdisciplinares surgiram na tentativa de retomar a conexão entre as
disciplinas na escola.
Neste trabalho, utiliza-se a teorização de relações disciplinares de McComas
(2009) que usa como fundamento a Teoria dos Significados para apresentar uma nova
forma de relacionar as disciplinas no contexto do Ensino de Ciências. De acordo com
Phenix (1964 apud McCOMAS, 2009, p. 25) o conceito de formas de conhecimento
inclui seis padrões fundamentais de domínios do significado: empírico, simbólico,
estético, ético, sinoético e sinóptico.
Nesse sentido, McCommas (2009, p. 25) irá chamar de interdisciplinaridade o
cruzamento entre várias formas de conhecimento. Por outro lado, quando o cruzamento
ocorre dentro da mesma forma de conhecimento tem-se a intradisciplinaridade. Nessa
perspectiva, uma abordagem didática que dialoga Química e Biologia, por exemplo, seria
considerada intradisciplinar, pois elas pertencem à mesma forma de conhecimento,
enquanto uma abordagem entre Química e Arte seria interdisciplinar, por abranger
distintas formas de conhecimento.
McCommas (2009, p. 27), então, irá propor um esquema classificatório para as
relações disciplinares no ensino de Ciências. Dentre os itens classificatórios, o autor
coloca como nível máximo de interdisciplinaridade aquele onde a ciência não é o único
foco de instrução e muitos instrutores e disciplinas estão envolvidas em torno da
exploração de um tema ou problema.
Tendo a perspectiva de que a Arte é um saber que relaciona saberes, Rizolli,
Martins e Mello (2012, p. 785) irão defender que a interdisciplinaridade deve ser
considerada, sobretudo, como uma epistemologia não só no campo da criação e
produção, leitura e crítica, como também no âmbito da pesquisa e reflexão, ensino e
curadoria.
Diversos trabalhos acadêmicos abordam o diálogo entre Literatura e Ciência,
como por exemplo, os contos de A Tabela Periódica de Primo Levi (PINTO NETO,
2008) e os romances de Arthur Clarke (PIASSI, 2011). Alguns deles utilizam os Estudos
Comparados como norteamento metodológico de utilizar as formulações teóricas
científicas para interrogar o texto literário por um viés crítico, por exemplo, os estudos de
Porto (2000) e Silva (2011). O primeiro trabalho analisa o léxico do poema Psicologia de
um Vencido, de Augustos dos Anjos, situando autor e obra em um importante contexto
histórico da ciência. O segundo analisa dois poemas do escritor português António
Gedeão, Lágrima de preta e Lição sobre a água, para discutir como a literatura poderia
ser inserida nos cursos de formação de professores de Química.
As artes plásticas também podem ser utilizadas em abordagens interdisciplinares.
Cachapuz (2013, p. 6) descreve a tela Experimento com um Pássaro numa Bomba de Ar
do pintor inglês Joseph Wright of Derby (1734-1797) para a contextualização de estudos
dos gases, além de “explorar a dimensão ética dos experimentos científicos e o rico
contexto histórico da então chamada química dos gases”. Já Cachapuz (2014, p. 104)
apresenta a história do quadro Um domingo à tarde na ilha de la Grand Jatte do pintor
francês Georges Seurat (1859-1891), que teria aprendido com o químico Michel Eugène
Chevreul (1786-1889) e com o físico Rood (1831-1902) que as cores chegam aos nossos
olhos como luz com diferentes comprimentos de onda sendo misturadas na retina. A
partir dos ensinamentos do físico e do químico, Seurat mudou a sua técnica de pintura
que passou a ser chamada de Pontilhismo, uma vertente do Impressionismo.
Para viabilizar propostas didáticas interdisciplinares se faz necessário desenvolver
relações recíprocas entre as disciplinas envolvidas. Na perspectiva dos Estudos
Comparativistas, implica não apenas retirar informações de outras áreas do conhecimento
da literatura ou de quadros, mas que essas informações contribuam para que a
interpretação da obra seja potencializada. Ou seja, não basta fazer um estudo em que se
elucide, por meio dos saberes científicos, como a obra é desenvolvida, mas apresentar
como esses saberes científicos podem situar a obra no interior de um sistema de
significação.
3 Interpretando a canção Francisco de Oxum: conhecimento e
ancestralidade
Para este trabalho, foi selecionado a canção Francisco de Oxum (QUADRO 1)
interpretada por Roberta Nistra e Lucio Sanfilippo (FIGURA 1)4 no álbum homônimo da
cantora, compositora e cavaquinista Roberta Nistra lançado em 2011.
A B
Figura 1. A - Roberta Nistra: intérprete da canção Francisco de Oxum. B - Lucio Sanfilippo: compositor e
co-intérprete da canção Francisco de Oxum
Quadro 1. Letra de música Francisco de Oxum
Francisco de Oxum composição: Lucio Sanfilippo
Francisco que é de Oxum
4 Faz-se necessário tecer alguns apontamos sobre a escolha da canção abrangendo os artistas que a
criaram. A canção escolhida retrata assuntos que são extremamente caros a nosso proposta, sendo assim,
sua escolha se justifica, principalmente, pela sua estética e conteúdo/tema da obra. Porém, uma vez que nos
inserimos enquanto contribuidores para o ensino a partir de uma perspectiva étnico-racial, é importante não
se desconsiderar a etnia/raça dos artistas da canção. Embora a canção esteja alicerçada em representações
de uma epistemologia majoritariamente iorubá, o instrumento artístico-cultural é produzido por artistas
brancos. Nos interessa, assim, reapropriar um conhecimento ancestral africano, ressignificando e servindo
como ferramenta de celebração da cultura e da história africanas e afro-brasileiras e como legitimação de
saberes ostracizados pelos livros didáticos e currículos escolares.
Francisco velho moço mineiro Francisco da fonte do ouro
que brota das águas de Ora yê yê ô Francisco que vai subindo e descendo
Francisco que vai mata dentro Francisco do fértil cerrado
Francisco que nasce do assentamento Desbravando o doce mistério,
despencando em lindo véu Ele nasce menino, cresce encanto e caminha curvado no alvorecer
Roberta Nistra, Roberta Nistra. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2011.
Uma vez que objetivamos a realização de um trabalho interdisciplinar que
envolva Ciências e Artes, ao trabalharmos com música, partiremos do material textual, a
letra da canção. Na primeira leitura, o título “Francisco de Oxum” identifica-se que a
música faz alusão a alguém de nome Francisco, “filho de Oxum”. Ser filho de um certo
orixá significa que este é o seu orixá de cabeça e que determina as características e
temperamentos pessoais, as qualidades e atributos necessários para a evolução espiritual.
Na sequência, no verso “Francisco velho moço mineiro” tem-se alguém que é
mineiro, gerando uma ambiguidade lexical, pois pode ter o sentido de alguém que
trabalhe com mineração ou alguém proveniente do estado de Minas Gerais. Caso seja
interpretado como aquele que trabalha com mineração, o termo “velho moço” se refere
então não a alguém com idade avançada, porém velho devido às agruras da vida, e em
particular, as agruras do trabalho exigido pelo garimpo. Por outro lado, “velho moço”
pode ser interpretado como alguém com longos anos de vida, porém cheio de energia e
vitalidade.
Nos versos seguintes “Francisco da fonte do ouro / que brota das águas / de Ora
yê yê ô” remete ao ouro localizado em Minas Gerais às margens do rio São Francisco e
“ora yê yê ô” é um termo entoado nos pontos de candomblé e umbanda para Oxum
(FIGURA 2). Se faz necessário descrever que esse orixá, nas religiões brasileiras de
matriz africanas, é associado à água doce, ao ouro, a fecundidade e ao amor.
Figura 2. Ilustrações do orixá Oxum feitas por Sandro Lopes no livro Os orixás sob o céu do Brasil
(VILLAS BOAS, 2013)
Associando o orixá do ouro e da água doce, o “mineiro”, em ambos os sentidos,
“moço” relacionado à energia e à vitalidade, interpreta-se, então, que o Francisco da
canção é uma personificação do rio São Francisco (FIGURA 3), conhecido popularmente
como o “Velho Chico”, rio responsável pela vivacidade das regiões por onde passa.
Figura 3. Mapa do rio São Francisco Fonte: http://sosriosdobrasil.blogspot.com/2012/11/a-morte-anunciada-do-rio-sao-francisco.html
A ambiguidade lexical do termo “mineiro” como “nascido no Estado de Minas
Gerais” e “garimpeiro” cabe perfeitamente nesta interpretação da canção. Assim como,
“Francisco da fonte do ouro”, pois no rio São Francisco foi possível encontrar o mineral
ouro durante o Brasil Colônia. E a relação com Oxum tornasse mais que apropriada, pois
conforme mostra Rodrigues (2014), os africanos e seus descendentes escravizados foram
os responsáveis para extração de ouro e minérios em Minas Gerais.
Outro ponto que precisa ser revisitado na historiografia do Brasil Colônia, é o
papel realizado pelos africanos aqui trazidos escravizados na consolidação da mineração
do Brasil nos séculos de XVII e XVIII. Pesquisas historiográficas como a de Sá Júnior
(2016) apontam para a desconstrução do imaginário que africanos escravizados eram
exclusivamente trabalhadores “braçais”. A partir da releitura documental, o estudo
comprova que a escolha por determinados grupos étnicos africanos durante o período de
escravização correspondia de modo significativo a demandas específicas da exploração
do território brasileiro. Dessa forma, diferentemente do que foi periodicamente
propagado, os africanos escravizados eram providos de conhecimentos técnicos.
No campo da mineração, destaca-se o grupo denominado “mina”, que era o
resultado de uma variedade étnica racial procedentes da Costa da Mina. Sá Júnior (2016,
p. 94) retoma a carta do governador do Rio de Janeiro para o Conselho Ultramarino, em
que o governador reconhece a capacidade dos mina serem os únicos a encontrar ouro. No
entanto, no entendimento do governador os mina não haviam desenvolvido a sua
reputação por possuírem conhecimentos tecnicos sobre a mineração, mas por serem
feiticeiros, ou seja, um escamoteamento de conhecimentos tecnológicos sob a égide do
feitiço.
Ao serem trazidos à força para o Brasil, os negros e negras trouxeram uma gama
de saberes e conhecimentos, que a fim de deslegitimá-los era concebido pelos brancos
como demonstração maligna de poderes ocultos. Nesse sentido, Oxum pode ser lido
como representação de conhecimentos e saberes africanos, trazidos para Brasil e
mantidos, mesmo sob um sistema genocida e epistemicida.
Como aponta Paiva (2002, p. 205), é necessário que seja desconstruída a ideia da
escravidão como atraso técnico e material brasileiro e de que os escravos africanos eram
desprovidos de conhecimentos técnicos apurados, assim como, rediscutir a idéia de
desinteresse generalizado pelo trabalho e de incapacidade inventiva que se associa, quase
naturalmente aos africanos escravizados e seus descendentes.
4 Mineração e Química em diálogo com o currículo do Ensino
Fundamental
Dentre as orientações da Secretaria de Educação Básica do Ministério da
Educação tem-se dado especial enfoque ao Ensino de Ciências que vise incorporar de
modo mais efetivo práticas e reflexões científicas na vida escolar e também social. Para
além de um ensino fragmentado e isolado, frisa-se um ensino que tente alinhar práticas
acadêmico-científicas enquanto parte inerente da vivência e do contexto dos alunos e das
alunas.
Assim, nos interessa pensar também o Ensino de Ciências enquanto um processo
de ensino-aprendizagem interdisciplinar e reconhecendo como uma produção sócio-
histórica, e também étnica-racial, onde tem-se priorizado nos currículos de educação
básica, conhecimentos científicos que muitas vezes, deslegitimam toda uma produção
científica realizada pelos negros e negras africanas e seus descendentes.
Além disso, como proposto pela Secretaria de Educação Básica, um conhecimento
científico que esteja alinhado com a realidade dos alunos e das alunas e que contribua
para a desconstrução de concepções e conceitos equivocados sobre os negros e negras,
influenciados pelo racismo estrutural que está entranhado na sociedade brasileira.
A partir desses pressupostos, o currículo oficial do Estado de São Paulo se
organiza de modo que os conteúdos da disciplina de Ciências seja estruturado em eixos
temáticos e subtemas. Para o eixo temático “Ciência e Tecnologia” o documento prevê,
entre outros, o subtema “Materiais no cotidiano e no sistema produtivo” (SÃO PAULO,
2012, p. 34). O currículo também sugere os conteúdos e habilidades para cada uma das
séries e seus respectivos bimestres, sendo destinado para 5ª série/6º ano (2º bimestre) os
listados no quadro 2.
Quadro 2. Parte das habilidades e conteúdos sugeridos para serem trabalhados no eixo temático Ciência e
Tecnologia, no subtema Materiais do cotidiano e no sistema produtivo.
Conteúdos Habilidades
1. Visão geral de propriedades
dos materiais, como cor, dureza,
brilho, temperaturas de fusão e
ebulição, permeabilidade e suas
relações com o uso dos materiais
no cotidiano e no sistema
produtivo.
2. Minerais, rochas e solo –
características gerais e
importância para a obtenção de
materiais como metais,
cerâmica, vidro, cimento e cal.
1. Identificar características dos materiais, utilizando-as para
classificá-los de acordo com suas propriedades específicas.
2. Reconhecer usos de diferentes materiais no cotidiano e no sistema
produtivo, com base em textos e ilustrações.
3. Identificar e caracterizar os métodos de obtenção para os
materiais mais comumente utilizados em nosso cotidiano (metais,
plásticos, etc.)
4. Identificar e caracterizar as modificações sofridas pelos materiais
mais comumente utilizados em nosso cotidiano, como metais,
plásticos, etc., para constituírem produtos diversos (parafusos,
máquinas, lâminas)
Fonte: SÃO PAULO, 2012, p. 40
Essas competências podem ser abordadas de forma interdisciplinar a partir da
interpretação da canção Francisco de Oxum. O/A professor/a pode trabalhar as
características e propriedades dos metais a partir de uma generalização do ouro,
destacando a importância econômica de metais preciosos. Além disso, apresentar
aspectos de ordem técnica da extração desses metais, destacando os saberes e
conhecimentos trazidos pelos africanos escravizados e sua importância na construção do
Brasil colonial bem como as implicações ambientais e sociais envolvidas nesse processo.
Tendo a letra da canção, uma forte relação, em especial, com o conteúdo 2
“Minerais, rochas e solo”, a partir de mapas pode-se ilustrar e discutir a ocorrência desses
metais no Brasil (Figura 4A) e no continente africano (Figura 4B).
A B
Figura 4. A - Mapa: Brasil - Recursos Minerais5. B - Mapa: África - Recursos Minerais6 5Fonte:http://geoftp.ibge.gov.br/produtos_educacionais/mapas_tematicos/mapas_do_brasil/mapas_nacionais/informacoes_ambientais/r
ecursos_minerais.pdf. 6Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/2569921/9/images/12/As+riquezas+minerais.jpg
5 Considerações Finais
Para o estudo da inserção da História e Cultura Afro-brasileira no Ensino de
Química utilizou-se uma abordagem por meio das manifestações das religiões afro-
brasileiras em instrumentos artístico-culturais de modo que dialogue com os preceitos do
conceito de Educação pela Arte (READ, 2013), e assim, propiciar o que diz Mosé (2009):
pessoas sensíveis esteticamente são pessoas mais éticas.
Tendo em vista que a lei 10639/03 prevê a inclusão da história da África e dos
Africanos e aproveitando o notório destaque nacional e internacional do cancioneiro
popular brasileiro, este trabalho apresenta caminhos para formulações de trabalho
interdisciplinar, que dialoga com disciplinas como a História, a Geografia, a Química e a
Literatura. Nesse sentido, seria necessário a habilidade didática do/a professor/a para
realizar um movimento que passaria da interpretação da canção para as questões do
mundo material trabalhados nessas disciplinas.
Benite, Silva e Alvino (2016) exploram a ideia da negação e da invisibilidade de
um passado em ciência e tecnologia dos povos africanos e da diáspora, em especial, nas
disciplinas de Ciências da Natureza. Sendo Oxum, um orixá feminino cultuada pelos
iorubás e trazida pelos africanos escravizados, uma divindade associada aos rios e ao
ouro indica que os iorubás tinham o conhecimento da existência e da importância desse
mineral. Tendo a materialização da representação de África apenas como fornecedora de
mão obra escravizada e a associação da história do negro no Brasil somente à escravidão,
uma contextualização dos temas metais no ensino de Química a partir de um viés cultural
africano e afro-brasileiro contribui para reconfigurar no imaginário social uma outra
África e uma outra história para os povos negros.
Nesse sentido, para que a abordagem a partir do que aqui se propõe seja de fato
interdisciplinar é desejado que a atividade seja realizada em conjunto com professores de
outras disciplinas, podendo a canção fazer parte de um conjunto de atividades de um
projeto escolar. Nos tópicos de ensino de História e Geografia, seria possível a releitura
da história da escravidão e do ciclo do ouro atentando para o papel de extrema
importância dos conhecimentos técnicos e tecnológicos dos africanos aqui trazidos para o
desenvolvimento do empreendimento de mineração do Brasil colônia, em particular nos
séculos XVII e XVIII. Além disso, no ensino de Geografia tendo em vista o crime
ambiental do rompimento da barragem em Mariana, Minas Gerais, é de suma importância
discutir práticas de mineração na contemporaneidade, além das consequências oriundas
do projeto de transposição do rio São Francisco, e também a utilização dos recursos
naturais como a água, utilização que tem sofrido com diversas tentativas de privatização
por meio de órgãos privados, devido, em grande medida, a uma total negligência e
omissão de órgãos públicos.
Por fim, a exploração dos diálogos entre Arte e Ciências tem potencialidades de
serem empregadas como atividades em projetos escolares relacionadas também a semana
a do 20 de novembro, pois há entendimento de que o estudo de África, durante essa
semana, pode ser realizado para além do plano cultural, mas também por uma perspectiva
relacionada a Ciência e Tecnologia.
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