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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro A Aplicação da Responsabilidade Civil nos Contratos de Compra de Veículos Novos à Luz do CDC Ulysses Rapuano Duarte Rio de Janeiro 2013

a aplicação da responsabilidade civil nos contratos de compra de

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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

A Aplicação da Responsabilidade Civil nos Contratos de Compra de Veículos Novos à Luz

do CDC

Ulysses Rapuano Duarte

Rio de Janeiro

2013

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ULYSSES RAPUANO DUARTE

A Aplicação da Responsabilidade Civil nos Contratos de Compra de Veículos Novos à

Luz do CDC

Artigo Científico apresentado como

exigência de conclusão de Curso de Pós-

Graduação Lato Sensu da Escola de

Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

em Direito do Consumidor e

Responsabilidade Civil

Professora Orientadora:

Maria de Fátima Alves São Pedro

Rio de Janeiro

2013

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A APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE COMPRA

DE VEÍCULOS NOVOS À LUZ DO CDC

Ulysses Rapuano Duarte

Graduado em Administração de Empresas

e Ciências Econômicas pela Universidade

Cândido Mendes. Graduado em Direito

pela Universidade Estácio de Sá.

Advogado.

Resumo: A responsabilidade civil ganhou novos contornos com o advento do CDC. Com a

responsabilidade objetiva, basta ao consumidor provar o nexo de causalidade entre a ação ou

omissão e o evento danoso. O foco principal do presente trabalho está voltado para a análise

de defeitos no produto e no serviço, em decorrência da compra de veículos novos (zero

quilômetro) pelo consumidor. Aborda-se a teoria da qualidade como elemento de apoio ao

consumidor. Por fim, pretende este trabalho, trazer à baila a necessidade de indenizar o

consumidor pelo tempo desperdiçado por ele junto ao fabricante e a concessionária, em razão

de defeitos no seu veículo novo. Mostra que o desperdício do tempo produtivo é algo que não

deve ser visto como mero aborrecimento pelos julgadores, mas sim, passível de indenização

por dano moral, pois, o tempo é um recurso finito e o consumidor poderia estar utilizando o

seu tempo livre da melhor forma que lhe convier, ao invés de se ver obrigado a constantes

idas e vindas à concessionária para resolver problemas com o veículo novo.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Desperdício de Tempo. Necessidade de Indenizar.

Sumário: Introdução. 1. A Responsabilidade Civil à luz do CDC 2. A Responsabilidade

Objetiva do Fabricante pelo Fato do Produto ou Fato do Serviço 3. A Responsabilidade

Solidária entre o Fabricante e a Concessionária, em razão do Vício do Produto ou Serviço 4.

A Responsabilidade por Vícios de Inadequação e Insegurança 5. A Indenização por Dano

Moral pela Perda do Tempo Livre do Consumidor. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata da questão da responsabilidade civil nos contratos de

compra de veículos novos à luz do Código de Defesa do Consumidor – CDC e busca melhor

compreender os problemas existentes no inter-relacionamento, Fornecedor e Consumidor, em

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decorrência de defeitos no produto e no serviço por parte do Fabricante e da Concessionária,

por ocasião da compra de veículos novos (zero quilômetro).

Nessa esteira, aborda a questão envolvendo a responsabilidade objetiva do

Fabricante e da Concessionária por defeitos no produto, bem como, a responsabilidade

solidária existente entre o Fabricante e a Concessionária por defeitos no serviço.

Também é pretensão, trazer à baila a questão que envolve o tempo desperdiçado pelo

Consumidor junto ao Fabricante e a Concessionária, em busca de soluções para os problemas

apresentados na compra de um veículo novo, mormente, pelo tempo despendido pelo

Consumidor, no que se refere ao deslocamento até uma das Concessionárias, que integram a

rede de revendas autorizadas do fabricante, com a finalidade de sanar o problema apresentado

no veículo novo adquirido.

Esta questão, pela teoria da qualidade, deve ser vista sob dois aspectos, ou seja, a

proteção ao patrimônio do consumidor – com o tratamento dos vícios de qualidade por

inadequação e a proteção da saúde do consumidor – com o tratamento dos vícios de qualidade

por insegurança.

Cumpre ressaltar que, o consumidor quando decide comprar um veículo novo, há por

parte dele uma legítima expectativa em relação ao que o consumidor espera de um veículo

novo.

O presente trabalho, no que diz respeito ao desperdício do tempo produtivo do

consumidor, busca o respaldo na doutrina e jurisprudência, mormente, na corrente daqueles

que entendem ser o tempo gasto pelo consumidor - um tempo efetivamente desperdiçado, que

a doutrina tem chamado de “desperdício do tempo produtivo do consumidor”. Ou seja, um

tempo que poderia ser utilizado pelo consumidor em outras atividades do seu dia-a-dia, no

âmbito profissional ou da sua vida particular.

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Com o presente artigo espera-se contribuir para que os operadores de direito, possam

melhor compreender os danos sofridos pelo consumidor, especialmente, no que diz respeito a

esse novo enfoque sob a ótica do desperdício do tempo produtivo do consumidor.

A metodologia da pesquisa desenvolvida no artigo é exploratória, a partir de uma

bibliografia e pesquisa documental indireta, tendo por base: sentenças, acórdãos; com uma

abordagem qualitativa do problema, por método de raciocínio dedutivo, com vistas à alteração

do paradigma de não se indenizar o consumidor pela perda do tempo livre do consumidor, sob

a visão de que o deslocamento do consumidor até a concessionária, com o propósito de tentar

solucionar problemas recorrentes no veículo “zero quilômetro” ser apenas “um mero

aborrecimento” e, dessa forma, não sendo passível de indenização por dano moral.

1. A RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO CDC

Antes da edição do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC, é bom

lembrar que, eram inúmeras as dificuldades do consumidor para fazer valer os seus direitos,

em decorrência de defeitos no produto e serviço. Conforme o fundamento jurídico utilizado,

havia necessidade de demonstrar que o defeito decorria de culpa do fornecedor, ou seja, de

conduta negligente, imprudente ou com falta de perícia. A dificuldade de provar a culpa era

tão grande que, na prática, significava a derrota judicial do consumidor.

A grande novidade trazida pela Lei n. 8.978/90 – CDC, em relação à sistemática

anterior (Código Civil de 1916), é o fato de o consumidor não precisar provar que o

fornecedor agiu com negligência, imprudência ou imperícia, apenas que os danos materiais e

morais foram consequências (nexo de causalidade) de determinado feito. Este é o significado

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da expressão “independentemente da existência de culpa”. Cuida-se de hipótese de

responsabilidade objetiva.

Vale lembrar que, neste início de século e de milênio, o homem passou a se dar conta

de que vive numa sociedade de consumo. A característica mais marcante dessa sociedade é a

produção em massa, fruto da revolução industrial e, mais proximamente, da revolução

tecnológica. A produção em massa engendrou a distribuição em massa, por meio da instalação

de uma formidável rede de super e hipermercados em todo o território nacional, e esta última,

por sua vez, engendrou o consumo em massa, apanágio da sociedade de consumo em que

todos nós estamos envolvidos.

Cumpre lembrar que a teoria da qualidade decorre de uma tentativa de adaptar o

sistema tradicional de garantias contra a evicção e contra os vícios redibitórios à realidade da

sociedade de consumo, ambiente de produção e comercialização em massa.

Assim, a teoria da qualidade representa um avanço em simplicidade e tecnicidade e,

mais do que isso, afasta toda a complexidade ínsita ao tema de vícios redibitórios.

Nesse cenário, nos vícios de qualidade é que se impõe a formulação de uma teoria da

qualidade, como forma de dar um tratamento mais moderno, mais rigoroso e eficiente, pelo

prisma do consumidor.

É mister esclarecer que, a responsabilidade civil é um dever originário e sucessivo. A

violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para

outrem, gerando um novo dever jurídico, ou seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever

jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico

sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo.

Na verdade só se cogita de responsabilidade civil onde houver violação de um dever

jurídico e dano. Logo, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da

violação de um precedente dever jurídico.

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A responsabilidade civil pressupõe um dever jurídico preexistente, ou seja, uma

obrigação que foi descumprida.

2. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FABRICANTE PELO FATO DO

PRODUTO OU DO SERVIÇO

Uma das maiores preocupações do CDC diz respeito ao grau de segurança oferecido

pelos produtos e serviços que são colocados no mercado de consumo Esta ideia se reflete em

vários dispositivos do CDC.

Nesse ponto, importa observar que a sistemática adotada pelo CDC divide a

responsabilidade do fornecedor em responsabilidade pelo fato do produto e do serviço e

responsabilidade por vício do produto ou do serviço. Da primeira, tratam, respectivamente, os

artigos. 12 a 14. Já da segunda, os artigos. 18 a 20, ambos do diploma consumeirista.

Vale dizer que é muito comum que operadores do direito empreguem esses institutos

de forma equivocada. Para afastar esse tipo de dúvida, Sérgio Cavalieri Filho1 explica que,

para fazer a correta diferenciação entre esses dispositivos legais, há de se observar que a

palavra-chave é defeito. Ambas decorrem de um defeito do produto ou do serviço, só que no

fato do produto ou do serviço o defeito é tão grave que provoca um acidente que atinge o

consumidor, causando-lhe dano material ou moral. O defeito compromete a segurança do

produto ou serviço. Vício, por sua vez, é defeito menos grave, circunscrito ao produto ou

serviço em si; um defeito que é inerente ou intrínseco, que apenas causa o seu mau

funcionamento ou não funcionamento.

Ao se fazer a leitura do art. 12 do CDC, depreende-se desse dispositivo que o fato do

produto é um acontecimento externo, que ocorre no mundo exterior, que causa dano material

1. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 7. ed., 2. Reimpr. ,

2007, p., 460.

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ou moral ao consumidor (ou ambos), mas que decorre de um defeito no produto. Seu fato

gerador será sempre um defeito do produto; daí ser dito que a palavra-chave é defeito (que

pode ser de três tipos: na concepção; na produção; na informação).

Com relação a esse ponto, Sérgio Cavalieri Filho2, destaca que, são os chamados

acidentes de consumo, que se materializam através da repercussão externa do defeito do

produto, atingindo a incolumidade físico-psíquica do consumidor e o seu patrimônio.

Nesse sentido para caracterizar a responsabilidade civil em decorrência de acidente

de consumo, basta que seja comprovado o nexo de causalidade entre o defeito do produto ou

serviço e o acidente de consumo. Provado essa relação, a responsabilidade do fornecedor, no

caso em tela, do Fabricante de veículos automotores, será objetiva.

Impende mencionar que, o dever de segurança é o fundamento da responsabilidade

do fornecedor. Pensando nisso, o art. 12, § 1º, do CDC, criou o dever de segurança para o

fornecedor, verdadeira cláusula geral – o dever de não lançar no mercado produto com

defeito.

Portanto, para quem se propõe fornecer produtos e serviços no mercado de consumo,

a lei impõe o dever de segurança; dever de fornecer produtos seguros, sob pena de responder

independente de culpa (objetivamente) pelos danos que causar ao consumidor.

No tocante à ambiência da fabricação de veículos automotores, quando o consumidor

tem diminuído o seu patrimônio em decorrência de produtos ou serviços defeituosos,

costuma-se dizer que houve um acidente de consumo (responsabilidade extracontratual ou

aquiliana).

Cumpre destacar que a noção de defeito, para fins de indenização proveniente de

acidente de consumo, é ampla, ou seja, baseia-se na ideia de legítima expectativa de

segurança (teoria da qualidade). Ao lado dos defeitos decorrentes da concepção do produto ou

2 CAVALIERI FILHO, op.cit., p.461

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e sua produção, existem os defeitos por ausência de informação, isto é, o acidente é

ocasionado porque o fornecedor não deu informações suficientes e adequadas sobre como

usufruir, com segurança determinado produto.

Vale salientar que, tanto os produtos como os serviços devem atender à ideia de

legítima expectativa de segurança. O serviço é defeituoso quando não oferece a segurança que

o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias do caso

concreto, como modo de fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se

esperam, a época em que foi fornecido.

É importante dizer que, para se beneficiar da proteção conferida pelo CDC, não é

necessário ter sido o adquirente do produto ou serviço defeituoso. Todas as vítimas do

acidente podem invocar a aplicação da lei de proteção ao consumo, em razão da equiparação

constante no art. 17 do CDC – consumidor por equiparação.

Pela teoria da qualidade, capitaneada por Cláudia Lima Marques3 pode-se afirmar

que um produto ou serviço é defeituoso quando não corresponde à legítima expectativa do

consumidor a respeito de sua utilização ou fruição (falta de adequação), bem como por

adicionar riscos à integridade física (periculosidade) ou patrimonial (insegurança) do

consumidor ou de terceiros.

Desse modo, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço se centraliza na

adequação do produto ou serviço aos fins que dele legitimamente se esperam, enquanto a

responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço – se centra na segurança do consumidor.

Claudia Lima Marques4 ensina que ao se analisar o regime legal dos vícios do

produto, no sistema introduzido pelo CDC, na verdade, é analisar o problema da

responsabilidade civil.

3 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: O novo regime das relações

contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 6 ed., 2011, p. 1204 4 MARQUES, op.cit., p. 1262

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Em outras palavras, os vícios representam na sistemática do CDC a imputação da

responsabilidade dos danos (contratuais, extracontratuais, patrimoniais ou morais) ao

fornecedor. Os vícios no CDC, segundo a melhor doutrina, são os vícios por inadequação (art.

18 ss) e os vícios por insegurança (art. 12 ss). O novo regime dos vícios possui assim aspectos

contratuais e extracontratuais, e foi regulado com prioridade pelo CDC e não afetado pelo

CC/2002.

3. A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE O FABRICANTE E A REVENDA

POR FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO

Nesse ponto destaca Cláudia Lima Marques5, no que concerne aos deveres de

segurança do fornecedor de produtos e serviços – os arts. 8º e 10 do CDC impõem aos

fornecedores, inclusive ao comerciante final, não fabricante, a obrigação de não colocarem no

mercado produtos ou serviços que acarretem riscos à saúde ou segurança dos consumidores,

excetos os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição.

Em matéria de responsabilidade civil, o principal valor a ser protegido pelo direito

deve ser o efetivo e rápido ressarcimento das vítimas. O CDC, para alcançar esse fim, afasta-

se do conceito de culpa e evolui, no art. 12, para uma responsabilidade objetiva.

Segundo o art. 13 do CDC, o comerciante será, porém, igualmente responsável

(solidário) pela reparação, desde que se enquadre em um dos incisos desse dispositivo.

Logo, o comerciante, no sistema adotado no CDC, só fica liberado da obrigação de

reparar um dano, quando ele provar que não ajudou a colocar o produto no mercado, que não

existe ou existia defeito no produto, mesmo que tenha havido nexo causal entre o produto e o

dano (art. 12, § 3º, I e II).

5 MARQUES, op.cit., p.1262

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4. A RESPONSABILIDADE POR VÍCIOS DE INADEQUAÇÃO E INSEGURANÇA

Segundo Cláudia Lima Marques6, no que se refere ao novo regime para vícios do

produto, muito bem salienta que na análise do regime legal dos chamados vícios do produto,

no sistema introduzido pelo CDC, o que se quer é analisar o problema da responsabilidade

civil. Nesse diploma legal, trata da imputação da responsabilidade civil em decorrência de

danos (contratuais, extracontratuais, patrimoniais ou morais) ao fornecedor. Os vícios no

CDC, segundo a melhor doutrina, são os vícios por inadequação (art. 18 ss) e os vícios por

insegurança (art. 12 ss).

Nesse ponto, urge salientar a importância do princípio da proteção da confiança, que

é despertada no consumidor pelos produtos e serviços colocados no mercado pela atividade

dos fornecedores e, nesse sentido, exige que se responsabilize um maior número de agentes da

cadeia de produção, visando à efetiva reparação da vítima/consumidor, como ordena o art. 6º,

VI, do CDC.

Vale destacar que a doutrina brasileira mais moderna, seguindo os ensinamentos de

Antônio Herman Benjamin7, está denominando de teoria da qualidade o fundamento único

que o sistema CDC instituiria para a responsabilidade (contratual e extracontratual) dos

fornecedores.

Isso significa que ao fornecedor, no mercado de consumo, a lei impõe um dever de

qualidade dos produtos e serviços que presta.

De sorte que descumprido esses deveres surgirão efeitos contratuais. A teoria da

qualidade, nas palavras de Cláudia Lima Marques8 “bifurcaria, no sistema do CDC, na

exigência de qualidade-adequação e da qualidade-segurança, segundo o que razoavelmente se

6 MARQUES, op.cit., p.1204/125 7BENJAMIN, Antonio Herman V; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do

consumidor. 5ed., rev., atual e ampl.São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p.148 8 MARQUES, op.cit., p.460

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pode esperar dos produtos e dos serviços. Nesse sentido, haveria vício de qualidade por

inadequação (art. 18 e ss) e vícios de qualidade por insegurança (arts. 12 a 17).

Ainda no que se refere à teoria da qualidade, cumpre dizer que o método escolhido

pelo sistema CDC foi positivar um novo dever legal para o fornecedor – um dever anexo.

Sendo assim, se a teoria da qualidade se concentra no objeto da prestação contratual

(produto ou serviço) é porque visualiza o resultado da atividade dos fornecedores de modo a

imputar-lhes objetivamente o dever de qualidade dos produtos que ajudam a colocar no

mercado. Mas seu fim é o mesmo de todas as normas do CDC, a proteção do consumidor,

assegurando seu ressarcimento, evitando novos danos, melhorando a qualidade de vida,

trazendo mais harmonia e segurança às relações de consumo.

Não se pode esquecer que a teoria da qualidade liga-se ao princípio da proteção da

confiança.

No que tange aos vícios de qualidade (vícios por inadequação), segundo a teoria da

qualidade, o dispositivo que trata do assunto é o art. 18 do CDC, que institui em seu caput

uma solidariedade entre todos os fornecedores da cadeia de produção, com relação à

reparação do dano sofrido pelo consumidor em virtude da inadequação do produto ao fim a

que se destinava.

No caso em comento, quando o consumidor resolve comprar um veículo novo (zero

quilômetro), está ínsito no negócio, que há uma expectativa legítima do consumidor, com

relação ao que se espera de um veículo novo. Ao revés, o que não se espera é ser o

consumidor submetido a deslocamentos sistemáticos ao fabricante e a concessionária, com a

finalidade de solucionar o problema apresentado no seu veículo. Muito menos, o consumidor

ficar privado do uso do seu veículo, em razão de falta de peças de reposição.

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Nessa esteira, há no art. 18 do CDC, um leque de opções para que o consumidor

possa fazer a sua escolha, que constam nos incisos I, II, e III, desse artigo, que melhor lhe

convier.

Cumpre observar que, a regra é no sentido de que o fornecedor tenha um prazo

máximo de 30 (trinta) dias para resolver o problema apresentado no produto. Ou seja, o

consumidor, deverá oportunizar ao fornecedor a tentativa de reparação do problema narrado

pelo consumidor com o produto.

No entanto, nunca é demais frisar que este prazo de 30 dias previsto no § 1º do art.

18 do CDC só será utilizado em situações especiais, que permitam a substituição das partes do

produto, como em caso de veículos. Nesse sentido, é claro o § 3º que exclui o prazo sempre

que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a

qualidade ou características do produto ou diminuir-lhes o valor.

Nessa toada, acentua Cláudia Lima Marques9 que é um critério bastante subjetivo,

que será sempre interpretado pró-consumidor, tendo em vista as expectativas legítimas que o

produto despertou no consumidor.

Tratando-se de uma sociedade de consumo, o eventual conserto de bens de grande

valor geralmente acarreta a diminuição do seu valor. Assim ensina a jurisprudência10

,

conforme pode se ver, no REsp 567.333/RN10

.

5. A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PELA PERDA DO TEMPO LIVRE DO

CONSUMIDOR

Conforme pondera André Gustavo Corrêa de Andrade 11

, no que se refere ao dano

moral em consequência da perda do tempo livre, em decorrência da desídia ou desatenção de

9 MARQUES, op.cit., p.1200 10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 567.333/RN, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta

Turma, j. 02/02/2010, DJe 08/03/2010. Disponível em: <http://stj.jus.br/portal/jurisprudência. Acesso em : 16

abr.2013.

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certas empresas, que não investem como deveriam no atendimento aos consumidores. Insta

salientar que, os consumidores, muitas das vezes, encontram as maiores dificuldades para

veicular uma reclamação, conseguir assistência técnica em relação a um produto ou para obter

uma informação.

Em consequência disso, os consumidores veem-se retirados de sua rotina e

compelidos a despender seu tempo livre na busca, desagradável e muitas vezes infrutífera, de

soluções para problemas que deveriam ser sanados sem maiores dificuldades.

Salienta André Gustavo Corrêa de Andrade12

que, com a expressão tempo livre

pretende-se fazer referência não necessariamente ao tempo ocioso ou que seria empregado no

lazer, mas ao tempo pessoal, ou seja, àquele que poderia ser dedicado a qualquer atividade,

mesmo ao trabalho ou a outras tarefas. O que define o tempo livre é que esse constitua

fundamentalmente uma escolha pessoal do indivíduo.

Na mesma direção, está Marcos Dessaune13

, que prefere chamar o tempo

desperdiçado pelo consumidor com sendo um “desvio produtivo”, que segundo o seu

entendimento caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau

atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências – de uma

atividade necessária ou por ele preferida – para tentar resolver um problema criado pelo

fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável. E, mais do que

isso, defende ser esse dano com sendo um novo e relevante dano na vida do consumidor.

A despeito da proteção do CDC, que preconiza que os produtos e serviços colocados

no mercado de consumo devam ter padrões adequados de qualidade, de segurança, de

durabilidade e de desempenho, ainda assim são normais práticas em nosso País que vão de

11 ANDRADE, André Gustavo Corrêa. Dano Moral & Indenização Punitiva: Os Punitive damages na

experiência do common law e na perspectiva do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.ed., 2009, p.

100/102 12 ANDRADE, op.cit., p. 104 13 DESSAUNE, Marcos. Desvio produtivo do consumidor: O prejuízo do tempo desperdiçado. São Paulo: RT,

2011

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encontro ao que se espera (enfrentar uma fila demorada no banco; telefonar insistentemente

para o SAC de uma empresa) e, com relevo para o caso em comento, levar repetidas vezes à

oficina, por causa de um vício reincidente, um veículo que frequentemente sai de lá não só

com o problema original intacto, mas também com outro problema que não existia antes.

Esta é uma nova forma de valorar o dano, que aborda a perda do tempo livre do

consumidor. É forçoso destacar que quando o consumidor resolve compra um veículo “zero

quilômetro” há uma legítima expectativa da parte dele, no que diz respeito à fruição do bem.

Portanto, não espera o consumidor que será necessário o seu deslocamento a

concessionária, para solucionar problemas, antes da época da revisão por determinação

contratual.

No entanto, defeitos em veículos novos são mais comuns do que se imagina! O

consumidor que é “premiado” em sua compra com um veículo defeituoso, se vê muitas vezes

obrigado a se deslocar até a concessionária, que se traduzem em inúmeras aberturas de ordens

de serviço, que passam da esfera do mero aborrecimento.

Ao revés, o consumidor passa a investir um tempo livre na tentativa de solucionar o

problema apresentado no seu veículo, que simplesmente é irrecuperável. É aquele tempo que

o consumidor deixou de utilizar em proveito próprio para outras atividades da sua vida.

Sendo assim, o consumidor se vê amplamente frustado com a compra do veículo,

devendo, portanto, ser indenizado a título de dano moral.

Por fim, a jurisprudência que melhor se ajusta a tese de se indenizar o consumidor

pelo desperdício do tempo livre, diz respeito à decisão no Agravo Regimental. Agravo em

Recurso Especial (AgRg no REsp 60.866/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,

j. 15/12/2011, DJe. 01/02/2012)14

.

14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 567.333/RN, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta

Turma, j. 02/02/2010, DJe 08/03/2010. Disponível em: <http://stj.jus.br/portal/jurisprudência. Acesso em : 16

abr.2013.

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CONCLUSÃO

Não há dúvida que o dano é um pressuposto inafastável da responsabilidade

civil. Na verdade, inexiste a responsabilidade civil sem dano (patrimonial ou moral).

Inconteste que a sociedade de consumo, com os seus produtos e serviços

repletos de complexidade tecnológica, não poderiam se coadunar com o modelo de

responsabilidade civil subjetiva, baseado em culpa. Então, com a finalidade de atender essa

sociedade de consumo em massa, com o advento do CDC, a responsabilidade passou a ser

objetiva, no que tange à reparação dos danos causados ao consumidor.

Insta salientar que a alteração da sistemática da responsabilização, com a

supressão do requisto culpa, não quer dizer que a vítima nada tenha que provar. Ao revés,

torna-se necessário que haja a comprovação da verossimilhança nas suas alegações,

principalmente para que o consumidor possa obter a inversão do ônus da prova.

Com base na teoria da qualidade, o consumidor quando adquire um veículo

novo, há uma legítima expectativa com relação ao produto comprado, tanto no que se refere à

qualidade do produto, bem como na sua vida útil.

No entanto, por defeitos no produto e no serviço, muitas vezes, o consumidor

se vê obrigado a levar o seu veículo “zero quilômetro” várias vezes a concessionária para

conserto. Nesse movimento, há um desperdício do tempo produtivo do consumidor.

Portanto é injusto ver o consumidor desperdiçar o seu tempo, dedicando-se a

uma atividade que vai de encontro ao que ele esperava quando decidiu comprar um veículo

novo. Logo, o tempo desperdiçado pelo consumidor, não deve ser visto como um mero

aborrecimento, conforme entendimento de muitos julgadores. O tempo é um recurso finito,

devendo-se ser melhor valorado pelos julgadores em situações fáticas que envolvem

desperdício de tempo do consumidor.

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REFERÊNCIAS

ANDRADE, Gustavo Correia. Dano moral & indenização punitiva: os punitive damages na

experiência do comomon law e na perspectiva do direito brasileiro. Rio de Janeiro: lúmen

júris, 2 ed., 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 567.333/RN, Relator Ministro Fernando

Gonçalves, Quarta Turma, j. 02/02/2010, DJe 08/03/2010. Disponível em:

<http://stj.jus.br/portal/jurisprudência. Acesso em : 16 abr.2013.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. programa de responsabilidade civil. São Paulo: atlas, 7 ed. 2.

Reimpr., 2007.

DESSAUNE, Marcos. Desvio produtivo do consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado.

São Paulo: revista dos tribunais, 2011.

HERMAN V. BENJAMIN, Antonio; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.

Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5.ed., ver., atual, e ampl.

São Paulo: revista dos tribunais, 2013.

MARQUES, Claudia Lima. contratos código de defesa do consumidor:o novo regime das

relações contratuais. São Paulo: revista dos tribunais, 6.ed., 2011.

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