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A ARQUITETURA MILITAR PORTUGUESA E SEU LEGADO NA CONSTRUÇÃO DO BRASIL: Análise a partir dos edifícios do Grupo
Humaitá em Cruz Alta, RS
SILVA, MATEUS VERONESE C. (1); MELLO, CLÁUDIO RENATO (2); SAAD, DENISE DE SOUZA (3)
1. Universidade Federal de Santa Maria. Mestrando do Programa em Pós-graduação
Profissionalizante em Patrimônio Cultural - PPGPPC – UFSM; Arquiteto e Urbanista. Membro da Comissão do Patrimônio Histórico Cultural de Cruz Alta
Endereço Postal: Rua Coronel Pillar, 0212, Bairro São Miguel, Cruz Alta – RS – CEP: 98025-220. [email protected]
2. Universidade de Cruz Alta - UNICRUZ. Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo; Mestre em Patrimônio Cultural – UFSM; Membro da Comissão do Patrimônio Histórico Cultural de Cruz Alta –
RS. Endereço Postal: UNICRUZ, Universidade de Cruz Alta. Rodovia Municipal Jacob Della Méa, Km 5.6 -
Parada Benito - CEP 98.020-290 - Cruz Alta/RS. [email protected]
3. Universidade Federal de Santa Maria. Programa em Pós-graduação Profissionalizante em
Patrimônio Cultural - PPGPPC – UFSM; Engenheira Civil, Dra. Coordenadora do PPGPPC - UFSM. Endereço Postal: Universidade Federal de Santa Maria - Av. Roraima, n. 1000
Faixa de Camobi, Km 09 - Campus Universitário, Prédio 74 - sala 2182. CEP: 97105-900 [email protected]
RESUMO O presente estudo investiga a influência que a arquitetura militar portuguesa, bem como a presença de seus engenheiros militares, desempenharam na arquitetura do início do século XX, como forma de expor e difundir o conhecimento sobre estes profissionais fundamentais para a construção e desenvolvimento do país. Para isto, pretende-se analisar este legado através de um exemplar da arquitetura militar brasileira construída no ano de 1909, presente no município de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Após ser feita a observação dos elementos construtivos da edificação e a investigação nas mais diversas literaturas existentes sobre o histórico do tema, verificou-se que sua construção se desenvolveu com influência das fortalezas medievais portuguesas. Esta análise surge como contribuição para o estudo desta temática, ainda pouco abordada, carecendo de maiores aprofundamentos científicos. Após o diagnóstico dos elementos construtivos da edificação, notou-se que estes exemplares da arquitetura militar apresentam em suas fachadas ricamente ornamentadas, elementos tipológicos ecléticos, refletindo um modelo arquitetônico presente na época de suas construções. Estas edificações carregadas de simbolismos com fortes influências castrenses serviram de inspiração para outras construções de ordem civis, por isto se apresentam como um rico acervo a ser estudado e catalogado.
Palavras-chave: Arquitetura militar; patrimônio cultural; engenharia; fortalezas medievais; Portugal
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa traz informações sobre a formação histórica da arquitetura militar portuguesa,
mostrando as suas peculiaridades e os contextos nos quais foram desenvolvidos.
Posteriormente elucida sobre o processo da formação do município de Cruz Alta, bem como
sobre a investigação dos elementos construtivos presentes nas fachadas dos edifícios do
Grupo Humaitá e a sua relação com as técnicas desenvolvidas na arquitetura militar, tendo
como referência à portuguesa.
1.1. As origens da fortificação
Ao buscarmos as origens da palavra “fortaleza”, que constitui o principal atributo da
arquitetura militar, chegamos a sua origem no latim fortitudo, que significa força, no seu
sentido de resistência e coragem, sendo que esta é uma das quatro virtudes cardinais do
catolicismo. Isto torna a ligação entre nome e essência, uma relação íntima com a própria
nomenclatura desde a sua construção (CRUXEN, 2011).
A primeira civilização a ter uma força especialmente dedicada à engenharia militar foi talvez a
Romana. As Legiões Romanas tinham um corpo de engenheiros, sendo que inicialmente
julgavam desnecessário o ato de fortificar suas posições. Foram os insistentes ataques dos
povos da Península Ibérica que os obrigaram a adotar uma postura mais prudente
(NUNES,2005).
Até o fim da Idade Média, as batalhas em sua maioria eram travadas com armamentos
rudimentares que pouco dano causava as também elementares fortificações (NUNES, 2005).
O sistema de paliçadas não oferecia uma efetiva proteção contra os invasores, muito menos
condições para um contra-ataque, por serem estruturas executadas em madeira,
consideradas relativamente frágeis.
Todo o período da Idade Média foi caracterizado pela utilização de armamento primitivo como,
arcos e flechas e bestas. Com o aparecimento das catapultas os sistemas defensivos
necessitaram evoluir, passando a ser utilizado grandes muros, que além de dificultarem a
invasão dos sitiantes, atenuavam o impacto gerado pelos projeteis lançados. Além destes
muros, a segurança era garantida pela presença de castelos e torres de menagem, arranjados
de forma que dificultasse a aproximação do invasor e a tomada do local, ao mesmo tempo que
facilitassem o ataque, atingindo o sitiante sempre em uma posição mais elevada. Por isto
quanto maior a altura destas “cortinas” mais inacessível se transformavam estes elementos
(MORI, 2003).
Neste período a forma de combate não sofreu grandes alterações. As que se davam nas
fortificações eram de pormenores e de caráter estético. Foi através da introdução de armas de
fogo nos combates do século XV, que estas fortificações medievais passaram a sofrer
mudanças estruturais significativas, buscando se adaptar frente aos novos conceitos de
guerra (NUNES, 2005). Com esta disseminação, o velho sistema adotado até então “passou a
ser estrategicamente inconveniente, pois no combate à distância quanto mais alta a
construção, mais exposta à mira dos canhões” (MORI, 2003). A busca por ajustes para esta
nova configuração de combate possibilitou que a arquitetura militar desenvolvesse
características simultâneas, entre o castelo medieval e as primeiras fortalezas modernas,
criando um período de transição entre estes estilos (CRUXEN, 2011).
Justamente neste período a Europa passava por uma grande efervescência cultural, que
culminaram no Renascimento, onde os arquitetos italianos através de estudos principalmente
sobre a resistência dos materiais, balística e geometria, criaram uma nova forma de fortificar:
a fortaleza abaluartada. Esta cultura de fortificar não se limitou ao território italiano,
expandindo-se também por todo o continente. Estes complexos estenderam-se as
Cidades-Estados, sendo parte imprescindível na composição das suas defesas (DORÉ,
2009). A Torre de Belém construída em Lisboa por Francisco Arruda em 1519, pode ser
considerada como um paradigma no período de transição, pois conjugou no projeto, a torre de
menagem, com o baluarte de três faces, composto com guaritas em seus ângulos (MORI,
2003). Estas características passaram a ser adotadas em outras edificações, promovendo
uma defesa mais eficiente contra seus sitiantes. Posteriormente algumas destas
características, serviram de inspiração para a constituição de elementos contemporâneos,
onde, mesmo que de maneira estilizada, foram adotadas como formas ornamentais em
construções do início do século XX.
Estas novas técnicas passaram a ser desenvolvidas também nos novos territórios
descobertos pela Coroa portuguesa. Durante as grandes navegações, as técnicas
construtivas da arquitetura militar portuguesa não se limitavam apenas as suas fronteiras
ibéricas, mas também por boa parte de suas colônias da costa africana, ilhas do Atlântico e
Índia, sendo este Novo Mundo efetivamente conquistado pela construção de fortes e
fortalezas. A exploração destes novos territórios representou um grande aprendizado,
adotando-se novas práticas nas técnicas de navegação e comércio, mas principalmente nos
aspectos militares, diplomáticos e do conhecimento construtivo, onde as fortalezas se
constituíram como representantes da presença portuguesa e do controle de suas ações,
constituindo a forma mais efetiva de manutenção das redes comerciais, que até então eram
manipuladas pelos povos árabes no Oceano Índico (DORÉ, 2009).
1.2. O desenvolvimento da arquitetura militar portuguesa e colonização do
Brasil
Quando os primeiros militares portugueses enviados aportaram nestas terras, encontraram
um vasto território desconhecido, selvagem e sem muito valor econômico para Portugal. O
Novo Mundo constituído pelo território brasileiro custou ser considerado como prioridade no
teatro da expansão além-mar da Coroa portuguesa. Este novo território era considerado
promissor, mas não essencial, não sendo estimado durante todo o século XVI e início do
século seguinte, a principal arma econômica na sustentação de Portugal (DORÉ, 2009).
Estes primeiros colonizadores trouxeram séculos de conhecimentos adquiridos pela influência
dos vários povos que sucessivamente ocuparam a Península Ibérica, deixando vestígios
indeléveis na cultura desta sociedade, incluindo os seus sistemas defensivos. Entre estes, o
domínio árabe foi quem deixou os traços mais marcantes e duradouros em seus padrões
arquitetônicos. Além do estilo bizantino introduzido em Portugal, os materiais mouriscos
exerceram uma influência marcante na construção portuguesa. O concreto usado pelos
árabes tornou-se famoso pela resistência que oferecia aos projeteis. Dizia-se que, depois de
seco, ele tinha a dureza da cantaria. Esta influência que os mouros exerceram sobre os
processos e técnicas construtivas portuguesas predominaram por muito tempo depois da sua
ocupação (TAVARES, 2000).
Os primeiros colonizadores estabelecidos na Colônia das Américas no início do século XVI,
além de sofrerem a constante ameaça dos invasores franceses, holandeses e ingleses, se
viram ameaçados pelos índios ocupantes destas terras, que por muitas vezes aliados aos
seus inimigos europeus, atacavam as povoações onde estivessem abrigados os seus
desafetos. Isto gerava um ataque massivo tanto pelo continente, com os índios geralmente
com vantagem numérica, e pelos europeus, muitas vezes atacando pelo mar.
As primitivas fortalezas aqui estabelecidas foram providenciadas prioritariamente para
combater os invasores que surgiam pelo mar, providos de mais recursos em matéria de
armamento com base na pólvora, por isto oferecendo maior perigo. Porem, até meado do
século XVII o sistema defensório português era incipiente, porque não havia de fato, valores a
serem defendidos, a não ser alguns povoados que não detinham uma estrutura com
efetividade econômica que merecesse tal cuidado (NEVES, 2003). Foi somente após a união
das Coroas Ibéricas, que se iniciaram as primeiras ações que visavam organizar o sistema de
fortificação brasileiro, principalmente frente ao perigo da exploração holandesa na costa
nordeste do Brasil. Desta forma, até o ano de 1640 a arquitetura das fortificações no Brasil
recebeu a influência dos arquitetos espanhóis, sob o comando de Felipe II. Como ainda não
existia uma escola genuinamente ibérica sobre a arte de fortificar, estas estruturas receberam
fortes influências dos italianos, que na época constituíam-se nos maiores especialistas em
fortificações modernas apropriadas a defesa das armas de fogo (MORI, 2003). Estes grandes
mestres das fortificações do período Renascentista, constituíam-se em sua maioria civis, além
de sacerdotes jesuítas, que dominavam a matemática e a geografia, incumbidos de projetar e
construir tais obras de defesa (TAVARES, 2000). No Brasil as fortificações também foram
condicionadas à experiência italiana de fortificações a partir do século XVII, abandonando
totalmente as maneiras transitórias baseadas na tradição medieval das altas muralhas e das
ostensivas torres de defesa. Agora, havia que privilegiar as fortificações baixas e de grande
espessura. De pouca altura para oferecer o menor alvo possível e grossas para absorver o
impacto de projéteis de força incrível (MORI, 2003).
Como é possível localizar em documentos encontrados neste período, os primeiros séculos
da posse do território brasileiro foram marcados por grandes sacrifícios e improvisações. Com
esta grande deficiência de mão de obra especializada, as primeiras fortificações foram
construídas com a utilização de paliçadas de madeira para proteção destas primitivas
povoações. Como de fato ainda não haviam estruturas defensivas consolidadas, foram
utilizadas algumas edificações de caráter civil com elementos de defesa, como é o caso da
igreja de Cananéia em São Paulo, onde em alguns locais estratégicos foram construídas
seteiras em suas paredes com espessura de um metro, para a proteção contra possíveis
sitiantes. As capelas e igrejas geralmente eram construídas em pontos mais elevados, para
servirem como ponto de vigilância e defesa. Em algumas poderiam ser encontradas paio para
pólvora e poço de água no seu interior ou próximo delas.
Incumbidos de desbravar e defender este território, estes militares acabavam por anteceder
em muitos casos a civilização, atuando como “sonda do progresso” desbravando territórios
desconhecidos para fixar povoados para garantir a posse deste novo território. Estes núcleos
urbanos primitivos ao mesmo tempo promoviam as necessidades mínimas dos centros
populacionais e desempenhavam o papel de defender o litoral contra as ações de pirataria ou
de conquista (TAVARES, 2000).
Nesta primeira etapa de ocupação, as fortificações constituídas se espalharam segundo os
principais núcleos populacionais fundados: Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Santos, Belém e
Florianópolis. Posteriormente foram estabelecidas outras linhas fortificadas construídas no
interior, que delimitavam a fronteira do território brasileiro, a ocidente, com as colônias
espanholas, as quais podemos citar pela sua importância histórica, os Fortes de Príncipe da
Beira, na fronteira com a Bolívia, e o de Coimbra no Rio Paraguai, ambas obras de D. José I.
No Amazonas também foram criadas um número considerável de estruturas com o intuito de
guarnecer este acesso. Todas desempenharam uma importante função na fixação das
fronteiras do Brasil, na contenção das investidas dos ingleses, franceses e holandeses ou nas
investidas espanholas pelo Rio Paraguai. A fortaleza lusitana mais antiga construída em
território brasileiro pode ser considerada o Forte Santo António da Barra na Bahia, construção
iniciada em 1534 (NUNES, 2005).
No período compreendido entre 1521 à 1822, calcula-se que atuaram nestas terras cerca de
247 engenheiros militares portugueses. Este número sempre foi muito inferior a demanda
exigida, obrigando-os a serem deslocados continuamente de um local para o outro. Estes
militares portugueses foram destinados a além de organizar as defesas do território, atender
também os empreendimentos públicos elaborando projetos de obras civis e religiosas para as
praças militares, vilas e cidades e inventariando recursos naturais e humanos. Coube também
a eles realizar os primeiros estudos cartográficos, a fim de mapear o território e suas
circunscrições regionais (províncias) de forma mais precisa, inventariando em paralelo todas
as suas potencialidades econômicas (BUENO, 2011).
Esta intensa presença dos engenheiros militares na construção civil no Brasil esteve presente
até meados do século XIX, onde houve a cisão entre engenharia civil e militar, com a criação
da Escola Central (1858) e da Escola Politécnica (1874), no Rio de Janeiro (BUENO, 2011).
1.3. A conquista do sul
Geograficamente situado na parte mais meridional do Brasil, o Rio Grande do Sul, cuja área
corresponde a 3,32 por cento do território nacional, possui uma considerável faixa litorânea, e
hoje faz fronteira com o estado de Santa Catarina e os países como a Argentina e Uruguai.
Historicamente o desenvolvimento deste território esteve desde muito cedo intimamente
ligado a presença de militares, sendo cenário de disputa entre as Coroas de Portugal e
Espanha. Isto caracteriza a formação da sociedade rio-grandense como sendo diferente de
outras regiões como o Nordeste ou o Leste do Brasil. Esta condição de fronteira em guerra
leva a um conjunto de peculiaridades estruturais desta sociedade em relação ao restante do
país (TARGA, 1991).
Nas condições em que se operou a ocupação do território brasileiro, a metrópole não tinha
condições de contribuir efetivamente para a segurança de todos os seus súditos. Seu
interesse estava concentrado no território que hoje se encontra Minas Gerais e São Paulo,
muito em função da mineração. Por isto a ocupação do território rio-grandense ocorreu dois
séculos depois do inicio da colonização do Brasil (MACEDO, 1987). Ainda que a colônia
portuguesa já tivesse obtido certa “modernização” dos processos construtivos, graças a novas
técnicas inseridas por militares construtores, os conquistadores do território sul se viram
forçados ao uso das mais primitivas e rudimentares formas para suas fortificações e quartéis.
A Coroa portuguesa demonstra interesse por áreas meridionais próximas ao Rio da Prata, não
só pela prata que ali passava, mas pela grande quantidade de gado deixado pelos jesuítas
nesta região. Impedidos inicialmente pelo Tratado de Tordesilhas que limitava a área de
domínio português, o qual meridiano passava por Laguna, valem-se da Bula do Papa
Inocêncio XI de 1676, que estende os limites de Portugal até o Rio da Prata. Em 1680 envia
Manoel Lobo para fundar uma fortaleza, com respectiva infraestrutura na margem setentrional
do rio, adiante de Buenos Aires com o nome de Colônia do Santíssimo Sacramento. Este
projeto recebeu objetivos mais concretos em 1734, quando o governo enviou o oficial
português, Brigadeiro José da Silva Paes, engenheiro e arquiteto militar experiente construtor
de fortes, para auxiliar na defesa da colônia portuguesa no Prata. Antes de chegar, contrata
Cristóvão Pereira de Abreu para organizar as defesas do roteiro do canal de Rio Grande, pois
esta localização era importante para o domínio das terras interioranas. Estas primitivas
defesas foram constituídas quase que integralmente por estruturas rudimentares de madeira
(MACEDO, 1987).
Assim que chegou ao acampamento a Rio Grande, Silva Paes imediatamente iniciou a
construção das primeiras guardas, e fortes. No Chuí deu início às obras do “presídio” Jesus
Maria José a fim de guarnecer a entrada do canal, fabricando uma fortaleza retangular com
fosso, pontes levadiças e quartéis para a sua guarnição. Através destas descobertas e
ocupações foi instituído o primeiro governador da capitania que recebeu o nome de Rio
Grande de São Pedro, o coronel Inácio Elói Madureira, que logo após assumir recebe a
primeira ameaça em 1761 do governador de Buenos Aires, Dom Pedro de Cevallos, que
intima os portugueses a abandonar as terras ocupadas da Espanha. Foi através dessa
ameaça que 26 anos após a fundação oficial, Rio Grande foi invadido pelo exército espanhol,
sendo novamente repatriado pelos portugueses 13 anos depois em 1776, pelo ataque a Rio
Grande pela frota de navios comandada pelo general Bohm. Nesta época a colonização no
território rio-grandense ainda era lenta e muito esparsa. (COSTA e FONSECA, 1998).
Enquanto a política para a colonização da coroa espanhola era voltada para a fundação de
grandes conglomerados urbanos, os portugueses pulverizaram o povoamento na direção
oeste, fazendo crescer os seus domínios até que em agosto de 1801 ocupou definitivamente
as Missões, incorporando o território dos Sete Povos, dando ao Rio Grande do Sul
aproximadamente sua configuração atual (PADOIN e MELLO, 2012).
1.4. O município de Cruz Alta
Cruz Alta atualmente é um importante município situado no setor Noroeste do estado do Rio
Grande do Sul. Conhecida como sendo a terra dos tropeiros, do Escritor Érico Veríssimo, da
Coxilha Nativista e da Romaria de Fátima, é um dos mais antigos municípios fundados por
estas terras. Sua formação histórica remonta ao final do século XVII, quando uma cruz de
madeira fora erguida pelos jesuítas para definir as posses da área pertencente até então a
Coroa Espanhola, por razão do Tratado de Tordesilhas, entre os anos de 1690 a 1698.
Posteriormente com a demarcação do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, a linha divisória,
que separava as terras das duas Coroas, cortava este território, exatamente pelo local onde
existia a grande cruz e uma pequena Capela do Menino Jesus. Este Tratado foi de grande
importância para a criação do povoado, estabelecendo um imenso “corredor” gerando uma
grande movimentação de pessoas das mais variadas ocupações que a cada ano aumentava.
Já por essa época, provavelmente muitos paulistas contrabandeavam tropas de muares e
gado a pé, conduzindo através destes caminhos, os animais para comercialização na região
de Sorocaba em São Paulo (CAVALARI, 2004). O município de Cruz Alta converteu-se em
local de descanso para os tropeiros devido as suas características geográficas, climáticas e
naturais, além de diminuir a distância e o tempo do trajeto das tropeadas entre as estâncias
produtoras e o caminho para a região consumidora. Nesse contexto foram edificados de
maneira ainda muito rudimentar os primeiros ranchos, sendo estâncias embrionárias.
(ROCHA, 1964).
No ano de 1821, Coronel Paulet que ocupava o cargo de Comandante da Fronteira de
Missões, autoriza a fundação do povoado no dia 18 de agosto do mesmo ano, criando
oficialmente o povoado do Espírito Santo da Cruz Alta. A partir desta data o município ganhou
uma grande importância regional e serviu de berço para o desenvolvimento de inúmeros
municípios do estado. Nesta perspectiva o município sempre se destacou como sendo uma
referência por sua diversidade étnica, social e cultural. Por isso que ao considerar a relevância
de Cruz Alta na “estruturação” do Rio Grande do Sul, estamos diante da necessidade de
preservação da memória nas mais diversas formas que ela se manifesta.
A invasão das missões pelo caudilho uruguaio Frutuoso Rivera gerou um despovoamento dos
povos jesuítas, sendo que essa população migrou para diversos locais da província, inclusive
para Cruz Alta, que aumentou rapidamente a sua densidade populacional. Foi elevada a
categoria de Vila por meio da Lei Provincial de 28 de maio de 1834 e Cidade no ano de 1879.
(CASTRO, 2003). Entre estes novos residentes pode-se citar Coronel Vidal José Pilar,
personagem que desempenhou papel fundamental na história política do município. Coronel
Vidal foi um dos primeiros moradores que contribuíram para fomentar o crescimento
econômico do vilarejo implantando a primeira olaria, já que a abundância de barro e escravos
eram características marcantes do lugar. Isto contribuiu para o aumento da riqueza e a
consolidação de novas moradias das figuras influentes do lugar. Estas iniciativas auxiliaram
na transformação da paisagem, onde “choupanas de taquara, barro e ripas de madeira davam
lugar a novas e mais sólidas construções” (CAVALARI, 2004).
Cruz alta desempenhou um papel importante também na revolução farroupilha, quando em
1841 tornou-se capital provisória da República Rio-Grandense, época do período da república
andarilha, dentro do decênio heróico. Por este local estiveram Bento Gonçalves, David
Canabarro, Giuseppe e Anita Garibaldi, Domingos José de Almeida, José Gomes Portinho,
dentre tantos outros do alto comando farrapo. Durante esta estada por Cruz Alta, muitas
correspondências foram enviadas e muitos negócios com os comerciantes locais foram
realizados, comprando-se uma grande quantidade de cavalos, víveres e tecidos para
confeccionar uniformes para os soldados, utilizando a mão-de-obra local (CAVALARI, 2011).
O cotidiano da Vila da Cruz Alta foi novamente tumultuado com a eminência do combate a
Guerra da Tríplice Aliança. Em 1865 a preocupação da população do Rio Grande do Sul
aumenta com a chegada da guerra, preocupando as autoridades. Com a deflagração da
Guerra, Cruz Alta converteu-se em um verdadeiro acampamento militar; envolvendo a
participação das principais lideranças políticas, apesar da isenção ao recrutamento por parte
dos camponeses, temerosos das conseqüências que a guerra poderia causar-lhes. Mesmo
sem uma definição das atribuições de organizar a vida militar, antigos guerreiros reuniram
milícias de voluntários de cavalaria e partiram para frente de combate. Velhos e jovens
incorporaram-se aos Corpos da Guarda Nacional. Com isso, foram criados os Corpos de
Voluntários da Pátria que até o final da guerra recrutou cerca de 118.000 soldados, sendo que
aproximadamente 35.000 eram Rio-Grandenses. Entre outros contingentes estava o Corpo
de Voluntários da Pátria n° 19, composto por cruz-altenses em sua maioria, comandados pelo
Coronel João Batista Vidal de Almeida Pilar. Esta unidade participou ativamente para conter
os avanços dos paraguaios que haviam invadido a Vila de São Borja.
Nestes campos de batalha surge uma das mais antigas unidades militares a se estabelecer no
município de Cruz Alta, objeto de nossos estudos. Sua formação histórica remonta ao Corpo
de Artilharia a Cavalo criada em Humaitá, Paraguai, em 1866, posteriormente desmembrada
passando a se denominar 4° Corpo Provisório de Artilharia (1868-1870). Esta unidade foi
umas das únicas unidades militares da história do Exército Brasileiro que surgiu em meio a
ações de guerra. Sob o comando de Duque de Caxias este batalhão participa ativamente dos
combates de Tuiuti, Humaitá, Itororó, Avaí, Piquissiri, Angosturas e Lomas Valentinas
(OLIVEIRA, 2008).
2. METODOLOGIA UTILIZADA
A pesquisa pode ser definida como o processo formal e sistemático de desenvolvimento do
método científico, enquanto seu objetivo fundamental é descobrir respostas para problemas
mediante o emprego de procedimentos científicos. Sendo assim, a pesquisa social como
processo, utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no
campo da realidade social (GIL, 1991).
Atualmente é possível verificar uma carência de estudos que evidenciem o legado deixado
pelas obras dos engenheiros e arquitetos militares, bem como o uso de seus tratados e
elementos como referência construtiva. Além disso, há uma preocupação mundial na
preservação dos patrimônios edificados, por isto, este trabalho surge como contribuição para
elucidar a necessidade de ações preservacionistas para proteção destes bens à medida que
as necessidades modernas avançam, para que os atores envolvidos construam uma
identidade com esses patrimônios.
Este estudo objetiva investigar a influência que estes engenheiros e arquitetos militares
portugueses, assim como suas obras, desempenharam no desenvolvimento do Brasil e na
arquitetura do início do século XX, para desta forma difundir o conhecimento sobre estes
profissionais fundamentais para a construção e desenvolvimento do Brasil. Para isto,
pretende-se analisar este legado através de um exemplar da arquitetura militar brasileira
construída no ano de 1909, localizado no município de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Por isto
optou-se pela realização de uma pesquisa de abordagem qualitativa de caráter exploratório.
Segundo Gil (1991) esta análise depende de diversos fatores, porém esse processo pode ser
definido como: uma seqüência de atividades, que envolve a redução dos dados, a
categorização desses dados, sua interpretação e a redação do relatório.
A proposta metodológica divide o trabalho de pesquisa em etapas, que incluem como
instrumentos de coleta de dados a revisão bibliográfica, o diagnóstico dos elementos
construtivos da edificação, a busca por singularidades presentes nas primitivas edificações
defensivas portuguesas, identificação destes elementos e seus simbolismos e posteriormente
o levantamento físico e fotográfico da edificação selecionada.
3. O CASO DO GRUPO HUMAITÁ
Ao investigarmos os edifícios militares construídos a partir do século XX, notamos que estes
ainda trazem traços intrínsecos em suas composições, das primeiras edificações construídas
para a ocupação e defesa dos territórios conquistados pela Coroa portuguesa. Da forma que
as técnicas de artilharia foram sendo aperfeiçoadas, estas edificações necessitaram se
atualizar continuamente para conseguir resistir aos ataques de seus adversários. A forma de
fortificar e defender os territórios evolui frente a artilharia que passou a utilizar métodos cada
vez mais modernos, de ataque e estratégia de combate. Isto por sua vez, transformou a
construção militar em uma técnica que necessitava de constantes aprimoramentos em seus
elementos construtivos para condizer com os constantes confrontos. (CRUXEN, 2011). Isto
demonstra que a fortificação ou o quartel são elementos estritamente funcionalistas por
natureza.
Os conceitos primitivos utilizados desde o período medieval, onde reinavam os castelos por
toda Europa, passaram pelo Renascimento e foram somados aos conhecimentos dos
grandes mestres italianos, chegando finalmente pelas fortificações e quartéis construídos em
território brasileiro pela Coroa portuguesa. Estes conhecimentos chegaram aos projetistas e
construtores contemporâneos, sendo estas técnicas estudadas e utilizadas para a concepção
de muitos quartéis construídos até meados do século XX.
Ao analisarmos o conjunto de edificações que fazem parte do Grupo Humaitá em Cruz Alta, é
notório para o observador que trata-se de uma estrutura concebida para abrigar o corpo de
uma unidade militar. Sua edificação principal, um marco visual acachapado, foi idealizada
para abrigar as inúmeras atividades administrativas que demandam o serviço militar. Seus
ambientes eram compostos originalmente para abrigar as atividades mais importantes desta
unidade, a qual faziam parte: o gabinete do comandante, localizado na camarinha central, o
cassino e refeitório dos oficiais, sala do sub-comandante, sala do conselho de oficiais, entre
outros espaços criados para abrigar o alto comando. Mas esta imponência toda perante a
paisagem urbana, traz em suas estruturas o mesmo conceito que eram atribuídas a
construção de castelos e fortalezas na Idade Média. A fortificação desenvolvida nestes
períodos como ícone tridimensional pratico e simbólico, expõe mensagens para os receptores
que não dominam as técnicas de construção da arquitetura militar, mas que conseguem
perceber a mensagem por ela enviada, segundo um código ideológico-cultural. Globalmente a
imagem da fortificação expressa conceitos e comunica atitudes a um imaginário coletivo
(FUSCO, 1970). Dentro do que pode ser chamado de uma “semiótica do poder”, se expressa
visualmente a existência de certas hierarquias, tendo como base dois ícones: Altura e
Tamanho. Alto e grande, são os modos pelos quais se estabelecem hierarquias no universo
icônico (PIGNATARI, 1983).
Essas estreitas relações com as idéias e conceitos das primitivas construções de defesa
portuguesas podem ser observadas antes mesmo do início da concepção do edifício. Antes
da sua construção foi necessário achar o local ideal para a constituição da unidade. Após o
estudo de algumas opções, foi escolhida pela Comissão Construtora de Quartéis, uma
chácara localizada na zona leste da cidade. Além de sua vista privilegiada, importante para a
guarnição dos acessos a cidade, este local foi escolhido pela sua proximidade com a ferrovia
que no período de sua instalação, compreendia a forma mais eficiente de transporte de cargas
e materiais, facilitando o transporte dos suprimentos necessários. Mas com estes fatos
expostos questionamos o porquê da escolha deste local em específico, já que existiam outros
locais que também estavam próximos a rede férrea e ofereciam uma malha urbana mais
desenvolvida? Uma das principais recomendações apresentadas em tratados e
ensinamentos sobre o ato de fortificar, diz respeito ao local escolhido para construir. Conforme
uma das teses escritas pelo engenheiro militar Luiz Serrão Pimentel e apresentadas por
Simão Madeira ao Principe D. Theodosio, Governador das Armas do Reino, diz respeito a
localização para a fixação destas edificações. Segundo ele “o melhor sítio é o que está em
lugar levantado sobre o nível da campanha rasa” (TAVARES, 2000). Ao compararmos estas
recomendações de Pimentel com a escolha do terreno para a instalação da unidade,
podemos perceber que ao ser localizado em um dos pontos mais elevados do município,
foram contempladas estas recomendações, passadas através do tempo até chegar aos
construtores do século XX. Nesta mesma época de sua construção, no ano de 1909, estava
sendo construída outra importante unidade militar no município em um ponto oposto da
cidade. Graças a esta vista privilegiada de grande parte da malha urbana, era possível fazer
contato visual com esta unidade e guarnecer as principais vias de acesso ao município
(OLIVEIRA, 2003).
Durante a realização da pesquisa não foram encontrados documentos que identifiquem o
autor do projeto desenvolvido para aquartelar o Grupo Humaitá. As informações que foram
localizadas, dizem respeito ao edifício do 7° Regimento de Infantaria, construído em 1913 na
cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Este edifício apresenta as mesmas
características presentes nas edificações do Grupo Humaitá, por isso deduz-se que o Coronel
Figura 2: Fachada do Grupo Humaitá no início do século XX em Cruz Alta, RS. Fonte: Arquivo histórico Grupo Humaitá
Figura 1: O projeto da fachada do 7° Regimento de Infantaria publicado no Jornal Diário do Interior,em Santa Maria dia 22.abril de.1913. Fonte: (BINATO E BRENNER, 2003)
Augusto Maria Sisson, na oportunidade chefe da Comissão Construtora de Quartéis do Rio
Grande do Sul foi projetista de ambos os edifícios. Este modelo primeiramente adotado em
Cruz Alta e posteriormente em Santa Maria, serviu de modelo para a construção de inúmeros
quartéis espalhados por todo o Rio Grande do Sul. A construção das duas edificações foi
dirigida pelo Engenheiro Militar Oscar Barcelos, dotado de experiência em obras militares no
Rio de Janeiro e em São Paulo (BINATO e BRENNER, 2003). Além da construção do quartel,
Barcelos também foi responsável pelo projeto e construção de obras civis no município
durante o período que residiu.
A instalação da unidade neste local estimulou o crescimento populacional para a zona leste da
cidade, em um momento em que a população urbana se concentrava em sua grande maioria
no centro da cidade. Como muitos militares advêm de outras cidades, algumas pousadas e
pequenos comércios começaram a se estabelecer naquela região, fato que atraia cada vez
mais moradores para o entorno desta área.
Os edifícios que compõem o complexo do grupamento, contam com 25 edifícios, entre
cocheiras, alojamentos e garagens, dispostos em enfilade, com destaque a presença do
edifício principal. Esta edificação em formato pavilhonar apresenta uma tipologia eclética,
carregada de elementos e simbolismos em baixo relevo que remetem a sua origem castrense.
Ao descrever o conjunto de edificações, podemos dizer que os prédios principais dispõem-se
em torno de um pátio central, contornado por uma passagem coberta, que integra as
diferentes funções administrativas. Desta composição o elemento que mais se destaca é o
edifício fronteiriço, com uma tipologia retangular com galeria, disposto longitudinalmente e
sobre o centro se apóia uma camarinha. As elevações de composição simétrica apresentam
uma linguagem arquitetônica que remete as fortalezas medievais.
Sobre estas superfícies em epígrafe além do nome do grupo, os nomes dos combates dos
quais o regimento participou na Guerra do Paraguai (SILVA, 2000). Nesta composição é que
podemos observar os diversos elementos estilizados que reproduzem as estruturas utilizadas
pela arquitetura militar. É sabido que com as técnicas presentes no período de sua
construção, juntamente com as novas técnicas de combate, estas estruturas estilizadas por
Sisson não demonstram pouco efeito prático. Mas ao se apropriar destas estruturas
resgatando-as de forma estilizada, utiliza o imaginário coletivo e o seu simbolismo para
transformar a edificação em um marco referencial, símbolo do poder do Estado.
Para compreender as diversas influências utilizadas para compor o edifício do Grupo
Humaitá, precisamos investigar cada elemento que compõem suas elevações
separadamente. Por se tratar de uma edificação simétrica, seu centro de equilíbrio se
encontra rigorosamente ao centro. Esta estrutura central avançada com relação ao restante
do prédio (figura 1), recebe a entrada principal da unidade. Esta por sua vez foi construída em
ferro com elementos decorativos com influência Art. Nouveau. No seu entorno podemos
identificar a presença de elementos que reproduzem pedras, compostas de tal forma que se
assemelham as portas fortificadas das antigas fortalezas portuguesas (figura 2), que “por ser
um ponto fraco de sua defesa, era reforçada utilizando-se sistemas variados (NUNES, 2005).
Acima deste acesso foi idealizada a construção de um pequeno varandim ou balcão, cujo
acesso se dá através da sala do comandante. Atualmente esta estrutura não possui mais
efeito defensivo, mas ao observarmos as antigas fortalezas, este elemento era construído
acima dos portões fortificados e possuíam no pavimento largas aberturas redondas para
lançamento vertical de pedras e líquidos como forma de contra ataque aos sitiantes. Este tipo
Figura 3: Alguns dos elementos que constituem a fachada do edifício principal do Grupo Humaitá Fonte: Acervo do Autor, 2014
de estrutura passou a ser utilizada nos castelos portugueses no final do século XIII, sendo
largamente utilizada nas muralhas e torres de menagem (NUNES, 2005).
No coroamento da edificação podemos notar algumas estruturas que mostram mais uma vez
as influências da arquitetura militar portuguesa. A presença de balcões corridos, ameias e
merlões desenvolvidos neste exemplar com funções meramente estética, na Idade Média
serviam de estruturas de defesa que ao mesmo tempo que permitia ao atirador disparar em
direção ao alvo, proporcionava proteção. Estes elementos foram utilizados por todo o século
XV e XVI, e posteriormente como elemento em algumas fortificações no Brasil. Além de
criarem uma composição harmônica com os outros ornamentos, são as estruturas que mais
se destacam no todo. Junto a estes elementos encontra-se pequenas réplicas de guaritas. Na
camarinha central foram dispostos dois exemplares deste elemento, enquanto que nas
extremidades da edificação foram inseridos dois de cada lado, compondo um conjunto com
seis unidades (figura 4). Estas estruturas podem ser descritas como pequenas saliências para
Figura 4: Detalhe da guarita construída na extremidade da camarinha e do balcão corridos, ameias e merlões construídos para servirem de platibanda. Fonte: Acervo do autor, 2014
abrigo e defesa das sentinelas, que se destacavam nos ângulos das cortinas e baluartes das
fortificações, geralmente de forma cilíndrica ou prismática (NUNES, 2005). Este elemento
pode ser encontrado em diversos edifícios militares atualmente, sobre circunstâncias
diferentes, mas servindo ainda para os mesmos propósitos. Além deste simbolismo
arquitetônico, pode-se notar na composição da fachada a presença de outros emblemas
alusivos a arma de artilharia, assim como o Brasão de Armas do Brasil. Este último
encontra-se localizado ao centro da composição simétrica, no ponto mais alto de sua fachada.
Os elementos presentes nas fachadas dos edifícios do Grupo Humaitá foram moldados e
construídos segundo os preceitos que eram correntes no período da sua construção. Estes
foram inseridos não apenas como simples formas decorativas, mas sim como uma maneira
representativa dos valores que estes representavam para os antigos teóricos, tratadistas e
construtores militares portugueses.
4. CONCLUSÕES
Perante as análises realizadas, conclui-se da importância deste tema para os estudos
referentes a presença militar no cenário nacional. Para tanto, é necessário que sejam
realizadas investigações cada vez mais aprofundadas sobre o legado deixado por estes
profissionais. Investigando o passado da antiga colônia portuguesa, viu-se que os
engenheiros militares foram de fundamental importância para a efetiva conquista do território
brasileiro, assim como a manutenção da sua posse, colaborando com os mais diversos
setores da sociedade para a ocupação e modernização dos conglomerados urbanos que ao
longo do tempo foram se originando.
Por isso pode-se perceber que é fundamental o aprimoramento do estudo dos traços e o
simbolismo presentes na arquitetura militar, que sofreram influência dos antigos tratadistas e
construtores, oportunizando o contato com os variados saberes sobre este patrimônio aos
diferentes atores sociais envolvidos. Esta investigação constitui uma pequena contribuição
para a instituição de um inventário sobre os elementos que mais merecem destaque na
tipologia dos diversos edifícios construídos para fins militares no Brasil, principalmente no
início do século XX. Isto irá promover um aprimoramento do saber cultural, convocando a
comunidade envolvida a perceber o real valor destes bens, demonstrando a complexidade
histórica envolvendo as edificações que aqui foram consolidadas.
5. REFERÊNCIAS
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