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lulio
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A ARTE DE LULIO
Na obra Liber Contemplationis in Deum, Raimundo Lulio narrou que no
Monte Randa, em Maiorca, ele teria vivenciado um evento supranatural. Lulio
teria experimentado uma iluminação mística na qual se revelaram a ele
atributos de Deus. Nessa visão, essas qualidades divinas teriam penetrado
toda a criação. Esse episódio inspiraria uma vasta produção escrita que teve
como tema central o que Raimundo Lulio chamou de Arte (Ars) (YATES, 2007,
p. 220).
Lulio converteu os atributos de Deus contemplados por ele (Bonitas,
Magnitudo, Eternitas, Potestas, Sapientia, Voluntas, Virtus, Veritas, Gloria1) nas
letras BCDEFGHIK. Distribuindo essas letras em diagramas circulares, ele
possibilitou que elas combinassem com as letras ABCD. As letras ABCD
simbolizavam o Aer (Ar), o Ignis (Fogo), a Terra (Terra) e a Aqua (Água), os
quatro elementos que constituiriam o mundo natural. Lulio acreditou que
através desse sistema, que chamou de Arte (Ars), se poderia chegar a todo o
conhecimento da natureza. Uma vez que a natureza como criação divina
conteria os atributos divinos, poder-se-ia por meio de sua Arte (Ars)
compreender a natureza de Deus (YATES, 1996, p. 13-15). Deste modo, como
asseverou seu próprio autor, esta arte era, concomitantemente, lógica e
metafísica (ista ars est et logica et metaphysica) (ROSSI, 2004, p. 89). É uma
arte que pesquisa os “vestígios” divinos na criação. Trata-se de um método
novo de desvendar os segredos da natureza.
LETRAS E CONCEITOS DA ARTE
Paolo Rossi (2004, p. 90) em seu livro Clavis Universalis, elencou as
características fundamentais na Arte de Lulio das quais duas põem-se em
evidência: “[...] a redução de conceitos compostos em noções simples e
irredutíveis” e “[...] o uso de letras e símbolos para indicar essas noções
simples”. A teoria de Lulio teve como uma de suas fontes principais a obra De
divisione naturae de Juan Escoto Erígena. Dele Lulio se apropriou da idéia de
que os Nomes Divinos seriam as causas primordiais da natureza. Em vista
1 Bondade, Magnitude, Eternidade, Poder, Sabedoria, Vontade, Força, Verdade, Glória (tradução nossa)
disso a natureza traria em si os atributos de seu Criador (YATES, 1996, p. 152-
157). Um dos atributos, por exemplo, com o qual Deus teria criado a natureza
foi a Bondade (Bonitas). Toda essa trama metafísico-teológica por de trás do
atributo divino Bonitas foi reunida por Lulio na letra B, letra que correspondia a
esse atributo em sua Arte. Para Yates (2007, p. 233) “[...] A arte de Llull
trabalha com abstrações, reduzindo até mesmo os Nomes de Deus às letras de
B a K [...]”, de modo que ela parece “[...] com uma álgebra e geometria místicas
e cosmológicas [...]”.
Suas letras também designaram objetos de existência na natureza. As
letras ABCD simbolizavam o Aer (Ar), o Ignis (Fogo), a Terra (Terra) e a Aqua
(Água), elementos que se encontravam no mundo natural.
AS FIGURAS GEOMÉTRICAS DA ARTE
As letras que simbolizaram os nomes divinos e os quatro elementos da
Arte foram distribuídas por Lulio em figuras geométricas. Essas figuras foram o
círculo, o quadrado e o triângulo. De acordo com Frances Yates (2007, p. 230)
o quadrado representaria os elementos, o círculo simbolizaria os céus e o
triângulo indicaria a divindade. Para a interpretação dessas formas, Yates se
apoiou em um diagrama de Lulio conhecido como Arbor scientiae. Para Yates,
o círculo seria a forma geométrica mais próxima de Deus por não possuir início
ou fim. O quadrado se assemelharia a Deus por conter os quatro elementos. O
triâgulo estaria próximo da alma do homem e da trindade divina.
Contudo, no Tractatus novus de astronomia, Lulio apresentou uma
significação diferente para suas formas geométricas. Dentro de um raciocínio
complexo que envolvia contagem de tempo, cosmologia, aritmética e
geometria, Lulio explicou suas figuras:
Existem doze signos no céu, nem mais nem menos, para que possa haver quatro estações durante o ano: a primavera, o verão,o outono e o inverno e para que cada estação se estenda sobre três meses, a fim de que aqui embaixo as compleições sejam temperadas pelo círculo, o quadrado e o triângulo. Quatro vezes três triângulos perfazem três quadrados. O círculo contém quadrados e triângulos, os quatro triângulos tornando-se três quadrados e os três quadrados
quatro triângulos. Isto não poderia acontecer se o céu estivesse naturalmente dividido em mais ou menos doze signos. O céu não teria então a natureza do círculo, nem do quadrado, nem a do triângulo. Faltar-lhe-ia a força, a propriedade, e proporções da natureza do círculo, do quadrado e do triângulo. Não poderia, portanto, ser a causa dos círculos, dos quadrados e dos triângulos aqui embaixo (LULIO, 2011, p. 60)
Nesse truncado e intimidador entrecruzamento de metafísica, geometria,
números e periodizações, Lulio estabeleceu uma relação de causa e efeito
entre os signos do zodíaco, as estações do ano, a duração dessas estações e
as formas geométricas. A disposição de certo número de quadrados resultaria
em triângulos, e vice-versa. O arranjo de um determinado número de
quadrados e triângulos formaria um círculo. Em ultima análise, essas formas
presumiriam a exatidão da existência de um céu dividido em doze signos. Os
signos manteriam uma relação de causalidade com as três formas
geométricas. Evidencia-se nessa explicitação de Lulio uma lógica transfigurada
em metafísica que confirma sua afirmação de que sua arte é a um só tempo
lógica e metafísica (ista ars est et logica et metaphysica) (ROSSI, 2004, p. 89).
As figuras da Arte de Lulio pressupõem uma cosmologia que seguia a instrução
ptolomaica e que se somava a noção de que os movimentos celestes
presidiam os fenômenos do mundo natural. Nota-se que a lógica de Lúlio,
elemento primordial para o desenvolvimento de sua Arte, não se prendeu as
formalidades de linguagem. Ela foi construída e estruturada com objetos que
encontravam existência no mundo. Suas figuras geométricas tinham um elo
com estrelas que poderiam ser observadas. Desse modo, está-se diante de
uma arte lógica e metafísica, porém, que se estrutura sobre elementos da
natureza.
A ARS COMBINATORIA E A ARTE DE LULIO
Para Yates (1996, p. 15), a Arte de Lulio “[...] es siempre un Ars
combinatoria. No es estático, sino que mueve constantemente los conceptos de
que trata en conbinaciones variadas”. As figuras na Arte de Lulio possuem
movimento. Os conceitos indicados em letras do alfabeto giram em torno de um
eixo constituído em círculos concêntricos engendrando uma variedade de
combinações (YATES, 2007, p. 220). Os círculos giratórios da Arte de Lulio
expressam uma lógica investigativa. Entretanto, a busca de conhecimento não
se assinala em letras e conceitos, mas pela via da cosmologia e da metafísica.
A arte de Lulio consistiu de figuras móveis que mecanizavam a combinação de
conceitos (ROSSI, 2004, p. 90).
A ARS MEMORATIVA DA ARTE DE LULIO
Lulio adjetivou sua arte de memorativa. Na Arbor scientiae, mais
especificamente no tópico sobre a Árvore do Homem, onde tratou dos temas
memoria, intellectus e voluntas, três faculdades da alma assumidas da teologia
agostiniana, particularmente sobre a memoria, escreveu que: “E este tratado
sobre a memória, que fornecemos aqui, poderia ser utilizado em um Ars
memorativa, que poderia ser feita de acordo com o que é dito aqui” (ROSSI,
2007, p. 231).
Na obra De Trinitate, Santo Agostinho apresentou o homem como
imagem da trindade divina. Deste modo, a alma do homem refletiria a trindade,
expressando os poderes memoria, intellectus e voluntas (YATES, 1996, p.
115). Mediante uma analogia com três donzelas no topo de uma montanha,
sabemos que para Lulio, a memoria se lembra do que o intellectus compreende
e do que a voluntas quer. Nessa perspectiva, a memória integra o
entendimento e se inspira na vontade, características acolhidas na alma
humana, e de inspiração divina. Ao unir-se ao intelecto, a memória assume
uma característica investigativa, uma lembrança que demanda pesquisa. Como
Ars memorativa Lulio compreendeu memorizar os “[...] princípios, a
terminologia e as operações de sua Arte (YATES, 2007, p. 231).
A ARTE DE LULIO E O ASTROLÁBIO NOTURNO
A ARTE DE LULIO E AS RODAS DE D. DUARTE