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A ASSOCIAÇÃO PARAIBANA PELO PROGRESSO FEMININO (APPF) E
SUAS AÇÕES DE INCENTIVO À LEITURA (1933-1937)
Maria Lúcia da Silva Nunes
Charliton José dos Santos Machado
Universidade Federal da Paraíba – Campus I
Palavras-chave: Leitura. Associação Paraibana pelo Progresso Feminino. Educação da
mulher.
Situando o leitor
Este texto origina-se de pesquisas realizadas junto ao Histedbr/GT/PB,
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFPB), mais
especificamente, a partir das discussões empreendidas pelos projetos Patronesses de
escolas públicas: suas memórias e contribuições à educação paraibana (1930 – 1950), e
Educação e educadoras na Paraíba do século XX: práticas, leituras e representações.
O objetivo deste artigo é identificar e apresentar as ações da APPF como
incentivo às práticas de leitura de suas associadas e outras mulheres alcançadas por sua
atuação; pretende-se também contribuir para as discussões sobre a história da leitura,
particularmente na Paraíba. Inspirando-se nas possibilidades abertas pela Nova História
Cultural em termos de fontes, objetos e abordagens, faz-se uso do paradigma indiciário,
e através de pistas deixadas em artigos publicados na Página Femininai, pela direção da
Associação Paraibana pelo Progresso Feminino (APPF), no jornal A União, entre os
anos de 1933 a 1939, busca-se identificar as ações em prol da leitura desenvolvidas pela
referida associação, bem como o material disponibilizado/indicado: livros, revistas,
jornais.
Chartier (1988, p. 123), ao analisar o prólogo que Fernando de Rojas escreveu à
Celestina (tragicomédia publicada em Saragoça em 1507), destaca a tensão que
perpassa toda a história da leitura, principalmente no que concerne ao grau de
autonomia do leitor frente a um texto; uma vez que a leitura “é prática criadora”, que
não se reduz à intenção do autor ou editor; por outro lado, o leitor é “pensado pelo
autor, pelo comentador e pelo editor como devendo ficar sujeito a um sentido único, a
uma compreensão correcta, a uma leitura autorizada”. Que importância essa tensão
assume quando se investiga a história da leitura?
Para Chartier (1988, p. 123):
Abordar a leitura é, portanto, considerar, conjuntamente, a irredutível
liberdade dos leitores e os condicionamentos que pretendem refreá-la.
Esta tensão fundamental pode ser trabalhada pelo historiador através
de uma dupla pesquisa: identificar a diversidade das leituras antigas a
partir de seus esparsos vestígios e reconhecer as estratégias através das
quais autores e editores tentavam impor uma ortodoxia do texto, uma
leitura forçada. Dessas estratégias, umas são explícitas, recorrendo ao
discurso (nos prefácios, advertências, glosas e notas), e outras são
implícitas, fazendo do texto uma maquinaria que, necessariamente,
deve impor uma justa compreensão. Orientado ou colocado numa
armadilha, o leitor encontra-se, sempre, inscrito no texto, mas, por seu
turno, este inscreve-se diversamente nos seu leitores. Daí a
necessidade de reunir duas perspectivas, frequentemente separadas: o
estudo da maneira como os textos, e os impressos que lhe servem de
suporte, organizam a leitura que deles deve ser feita e, por outro lado,
a recolha das leituras efectivas, captadas nas confissões individuais ou
reconstruídas à escala das comunidades de leitores.
Embora se reconheça a importância e a validade de considerar essa relação texto
leitor, os sentidos “organizados” do texto e a compreensão atribuída pelo(a) leitor(a),
por questão de disponibilidade de fontes e de espaço, este artigo não pretende e não tem
elementos que explicitem como a leitura se efetivava, de fato; não dá conta, a não ser
indiciariamente, da comunidade de leitores, a quem a Página Feminina pretendia
alcançar. Faz-se, então, a tentativa de apresentar a forma como a leitura era organizada;
as intenções explícitas da acepção que a APPF atribuía à leitura, o que orientava para
ser lido e qual o sentido com deveria ser lido o que era indicado.
A pesquisa, de caráter histórico-documental, desenvolveu-se a partir da
orientação do paradigma indiciário, considerando pistas, indícios, alusões diretas ou
indiretas, explícitas ou nas entrelinhas, a respeito da leitura, uma vez que,
explicitamente, a APPF não declarou que sua preocupação era formar mulheres leitoras.
Todavia, partindo do conhecimento de que a APPF tinha como meta a conquista do
direito ao voto pelas mulheres, e que essa meta era indissociável da promoção da
educação da mulher, não foi difícil chegar-se à ideia de que a leitura desempenharia
função relevante nesse processo. O primeiro momento de uma pesquisa que toma
indícios como caminho a seguir não possui regras definidas, não há métodos
estabelecidos: no início é a intuição que guia o pesquisador, é uma rápida faísca de luz
que parece passar diante dos olhos; é uma sensação incômoda a lhe dizer ‘Preste
atenção’; é um fio que se esgarça num tecido insistindo em aparecer; é um princípio de
conhecimento que ainda não sabe o que é. Assim, concorda-se com Ginsburg (1989, p.
177) quando afirma: “Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais,
indícios – que permitem decifrá-la.” Mais adiante, quando discute a questão do rigor
neste tipo de pesquisa, na forma como esse conhecimento se processa, Ginsburg (1987,
p.179) alerta:
Trata-se de formas de saber tendencialmente mudas - no sentido de
que, como já dissemos, suas regras não se prestam a ser formalizadas
nem ditas. Ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de
diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes.
Nesse tipo de conhecimento entram em jogo (diz-se normalmente)
elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição.
Munidos da intuição de que a APPF havia desenvolvido ações que tinham a
leitura como foco, tomou-se o conjunto de fontes já disponíveis (ver nota i) e procedeu-
se a leitura de todos os textos publicados na Página Feminina, no Jornal A União, entre
os anos de 1933 a 1939, além de notícias referentes à associação publicadas fora da
Página, mas dentro do citado jornal, para identificar os textos nos quais aparece,
explícita ou implicitamente, uma referência à leitura. Nesse procedimento, tomou-se
como palavras-tema: leitura, leitor, leitora, livro, literatura, literário, biblioteca, jornal,
revista. Identificados os textos que tematizam a leitura, partiu-se para uma classificação
dos mesmos considerando o gênero textual (notícia, convite, propaganda, apreciação de
uma obra, lista, homenagem). Ressalta-se que essa classificação tem caráter meramente
didático, não é fechada, nem definitiva; visa facilitar a identificação e consulta dos
textos durante a pesquisa.
Antes da apresentação e exame dos textos selecionados, é importante destacar
a fonte que está sendo utilizada para análise: uma página de um jornal diário. O uso do
jornal como fonte não é recente na pesquisa historiográfica, mas tem se expandido cada
vez mais, principalmente ao se considerar a abertura no modo de escrever a história,
influenciado pelos rumos inspirados na Nova História Cultural. O jornal, portador de
textos e ideologias, passa longe da neutralidade; é lugar de instauração de tensões,
conflitos, adesões, intrigas, contradições, experiências; é o espaço em que a palavra
escrita (e a imagem) constrói e veicula opiniões, aproxima os acontecimentos e desnuda
a vida social em suas diversas facetas: política, econômica, cultural, educacional. Ou
seja, como documento histórico de poder, as matérias veiculadas no jornal são seletivas,
em particular, consagrando o que deve ser lembrado ou esquecido para a posteridade.
Considerando a especificidade do texto jornalístico, é preciso que o
pesquisador opere criticamente, desnaturalize-o, atente para os processos que envolvem
a sua construção, perceba suas potencialidades, compreenda-o como produto de tensões
e negociações, que revela certas questões, em detrimento de outras, conforme sua
inserção na configuração dominante. Como diz Vieira (2007, p.14):
[...] precisamos situá-lo de maneira a compreendermos o processo
social de produção e, consequentemente, o protagonismo social dos
textos produzidos no passado. O jornal, entendido como potente
mecanismo de produção de memória, deve ser problematizado de tal
forma que o texto jornalístico seja interpretado como enunciado, isto
é, como intervenção que visa demarcar e fixar formas de pensar que
se expressam como valores, juízos, modos de classificação, enfim,
justificativas para a ação social. A assunção dessa premissa nos leva
defender que mesmo aqueles que não estudam a história do jornal ou
da imprensa, mas o usam como suporte empíricos para suas pesquisas
precisam refletir sobre a produção social desses suportes.
Munidos desse olhar reflexivo e problematizador, procurou-se fazer a leitura dos
textos publicados na Página Feminina do jornal A União, selecionados para este estudo
que propõe identificar as ações da Associação Paraibana pelo Progresso Feminino em
prol da prática da leitura e da formação de leitoras.
Breve comentário sobre a Associação pelo Progresso Feminino (APPF)
A APPF foi criada em 11 de março e instalada em 11 de abril de 1933 em João
Pessoa, capital paraibana, seguindo a orientação da Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino (FBPF - 1922), cujo objetivo maior era a luta pelos direitos da mulher
brasileira, especificamente no que diz respeito ao direito de votar, estabelecendo como
condição precípua para a emancipação feminina o acesso da mulher à educação. Assim
como a FBPF, a APPF desenvolveu ações a fim ampliar o acesso da mulher paraibana à
educação. A 1ª diretoria, assim como as subsequentes, era composta por mulheres de
destaque na sociedade paraibana pela atuação no sistema educacional local: presidente:
Lylia Guedes, vice-presidente: Olivina Carneiro da Cunha, secretária: Alice de Azevedo
Monteiro, oradora: Albertina Correia Lima, tesoureira: Francisca de Ascenção Cunha e,
bibliotecária: Analice Caldas. (MACHADO, NUNES, 2007.)
Desde a criação da APPF, as sócias passaram a ser destaque nas páginas do
jornal A União, seja como notícia, seja como autoras de textos. Da participação
espontânea e fortuita, as mulheres conseguem um espaço fixo nesse órgão da imprensa
oficial paraibana, Para tanto, vão preparando paulatinamente essa conquista. Exemplo
disso é que uma das primeiras atividades socioculturais organizadas pela APPF foi uma
festa que teve como objetivo homenagear o interventor Gratuliano Brito, o cônego
Mathias Freire e a Imprensa.
Segundo foi noticiado pelo jornal, a festa transcorreu entre lisonjas e
reconhecimentos recíprocos. O cônego falou em seu nome e no do interventor,
agradecendo a homenagem bem como enaltecendo os “relevantes serviços” que a
Associação vinha prestando à mulher pessoense. Representando a APPF, a escritora
Juanita Machado pronunciou um discurso laudatório que enaltece a generosidade das
duas autoridades referidas acima, cuja principal ação parece ter sido a cessão do espaço
da Escola Normal para sediar a Associação.
À imprensa, o agradecimento tem caráter contundente, destacando a grande
contribuição do jornalismo para o desenvolvimento das civilizações.
O jornalismo nós o sabemos, vale pelas idéias que propaga,
pelos incentivos que espalha, pela elegância da voz, clarim da
mentalidade de um povo. Sua percussão fica reboando através
dos tempos, como o sinal mais nítido de uma época; ele é o
marco luminoso de propaganda de todas as tentativas, é enfim o
gigante de botas de sete léguas, levando o facho das civilizações
por esse mundo afora. Nós, que muito devemos ao jornalismo
prestigioso e inteligente de João Pessoa, pedimos aos
representantes dele, aqui presentes, que transmitam aos seus
jornais o “muito obrigado” profundamente sincero da
Associação Feminina. (A BRILHANTE ..., 25 jun. 1933, p.1).
Cinco dias após essa homenagem, “Uma comissão de senhoras e senhoritas da
referida Associação procurou o diretor desta folha, Dr Samuel Duarte, pleiteando uma
página quinzenal, para a necessária divulgação de trabalhos literários e de propaganda
firmados por suas consócias, sendo imediatamente atendidas”. (ASSOCIAÇÃO
PARAIBANA...30 jun 1933, p.1). A primeira Página Feminina foi publicada no dia 20
de agosto de 1933, e a partir daí funciona com uma frequência irregular no tempo de
publicação, com espaço de 10, 15, 20, 30 dias entre uma e outra. A última Página
Feminina, localizada pela pesquisa, foi em 05 de agosto de 1939, e “desapareceu” sem
nenhuma explicação do jornal citado.
Enquanto esteve ativa, a Página Feminina, conquistada pela Associação no
jornal A União, funcionou como veículo de divulgação do pensamento das associadas
em relação aos mais diversos assuntos. Não só as componentes da direção escreviam,
mas qualquer sócia poderia se manifestar sobre qualquer assunto, ou publicando textos
literários.
Orientadas pela FBPF, que tinha como primeiro item de seu estatuto a promoção
da educação da mulher, destacando-a como condição precípua para o progresso
feminino, suas filiais nos estados tinham em comum dois pontos: a luta pelo voto e o
direito à educação.
Visando desenvolver seu programa educativo, a APPF propõe como ações
iniciais a criação de uma bibliotecaii, aulas de língua, promoção de sessões
literomusicais e criação de núcleos de estudo voltados para questões diversas
consideradas pertinentes à formação da mulher. (MACHADO, NUNES, 2007). Os
núcleos estavam assim distribuídos: 1º - Literatura e cultura da língua materna, 2º -
Brasilidade – geographia e história pátria, 3º - Francês, 4º - Inglês, 5º Allemão, 6º -
Italiano, 7º -Economia doméstica, 8º - Cultura physica, 9º - Prendas domésticas. Pintura,
10º - Jogos recreativos. Música, 11º - Beneficência, 12º - Educação político-social.
Noções de direito usual. Cada um desses núcleos ficava sob a responsabilidade de uma
sócia, principalmente daquelas que compunham o quadro diretor.
A concepção de educação da APPF está condensada em um texto significativo,
escrito pela vice-presidente da Associação, intitulado Um leve conceito, que tem como
primeira assertiva: “A educação considerada como um fator natural tem por fim a
acomodação do indivíduo ao meio em que ele vive.” (CUNHA, 1933, p.10) Por essa
afirmação, é possível perceber a preocupação da Associação em não polemizar com o
estabelecido. De que modo essa preocupação aparece nas ações desenvolvidas com a
finalidade de incentivar a leitura?
.
“As minhas joias”iii
– leitura, livros, leitoras
A partir da declaração da APPF de que a educação da mulher paraibana era o fio
condutor de suas atividades, e sabendo que a leitura tem como uma de suas atribuições
possibilitar o acesso ao conhecimento sistematizado e registrado pela palavra escrita,
partiu-se em busca de indícios nos textos publicados sobre e pela citada associação que
explicitassem quais ações foram empreendidas como incentivo à prática da leitura.
Conforme exposto anteriormente, após identificação dos textos-fontes deste
estudo, procedeu-se uma classificação dos mesmos a partir do gênero textual em que se
encaixam. A última seleção de que textos deveriam compor o artigo foi grandemente
definida pela preferência dos autores do artigo, com exceções que serão explicadas a
seguir. Pra melhor visualização, o quadro abaixo pode contribuir:
TEXTO
GÊNERO
Texto 1
Texto 2
Texto 3
Texto 4
Texto 5
notícia
Sobre os
núcleos e a
criação da
biblioteca
(22/02/1933)
Sobre a
volta às
atividades
após as
férias e o
acervo da
biblioteca –
80 livros
(PF -
05/03/1934
Sobre
adiamento da
Hora de arte
(16/06/1935)
Sobre a Hora
de Arte (PF,
07/07/1934)
Sobre o envio
de dois livros
para a
biblioteca da
APPF, por
Albertina
Medeiros
(16/07/1939)
carta
Responde a
uma leitora
anônima e
recomenda
leitura
(PF -
12/11/1933)
Sobre obras
produzidas
para
mulheres
(Ardel e
Delly)
(17/01/1937)
convite
Para
homenagem
ao interventor
(23/07/1933)
Para
confecção de
arquivos e
álbuns para
a biblioteca
(06/07/1934)
Para sessão
literária e
recepção aos
universitários
cariocas
(10/07/1934)
lista
Nossa
biblioteca –
últimos
volumes
recebidos
(PF -
22/07/1934)
Presentes
régios -
Livros que
Lylia
Guedes
recebeu e
considera
“presentes
régios”
(27/03/1938)
apreciação
1
Sobre o livro
Migalhas, de
Iveta Ribeiro
(PF,
1º/01/1935)
Sobre o livro
de contos
regionais,
“Caiçaras”,
de Carlos
Madeira
(PF,
05/02/1936
Sobre o livro
“Mutação”
de Iveta
Ribeiro
(04/04/1936)
Sobre o livro
“Evolução do
ensino na
Parahyba”, do
prof. Melo
(17/01/1937)
Sobre o livro
“Manaíra”,
do prof.
Coriolano de
Medeiros
(PF -
15/08/1937)
apreciação
2
Sobre o livro
“A
Barragem”,
Sobre a
importância
dos livros,
Sobre o livro
“Síntese
Histórica da
Presentes
régios -
Livros que
de Ignez
Mariz
(PF -
13/03/1938)
em geral (PF
- 27/03/1938
Paraíba”, de
Luís Pinto
(PF -
19/03/1939)
Lylia Guedes
recebeu e
considera
“presentes
régios”
(27/03/1938
homenagem
A escritora
Júlia Lopes
de Almeida,
falecida.
(PF -
05/07/1934)
À escritora
salvatoriana
Alice
Venturine
(PF,
22/07/1934)
propaganda Do livro
“Anuário das
senhoras (PF
- 19/06/1934)
Da Revista
“Ilustração
(PF -
17/01/1937)
Quadro 1 – Classificação dos textos relacionados à leitura, por gênero.
Fonte: Jornal A União, 1933 a 1939.
Em relação a este quadro e aos textos neles indicados, alguns comentários
precisam ser postos:
1 – Não é exaustivo, pois não contempla todos os textos que foram publicados nesse
recorte temporal. Foi feita uma seleção para este momento, que pode não ser a mais
interessante, mas atende o objetivo proposto por este estudo. Ficaram de fora, por
exemplo, textos literários que tematizam explícita ou implicitamente a leitura, como
poemas, novelas, “romancetes”. A opção em não colocar esses textos deu-se por
considerar que merecem um estudo especial e particular. Não foram destacados os
anúncios de cursos oferecidos pela APPF, a exemplo dos de língua estrangeira, que
também se relacionam com a temática em foco. Esses anúncios são repetidos a cada
Página, mas estão, também, fora dela, no corpo do jornal A União, como outros
anúncios distintos.
Imagem 1 – Anúncio de matrículas abertas para o curso de acordo com o Programa do
Gymnasio Nacional.
Fonte: A União, 02 de fevereiro de 1938, p. 8.
2 – A função do quadro é muito mais didática, no sentido de oferecer ao leitor um
panorama das produções escritas que apontam ou são indícios das ações desenvolvidas
pela APPF, visando à formação das leitoras paraibanas.
3 – Os textos que estão identificados com PF, entre parênteses, foram publicados no
espaço próprio da Página Feminina; os outros foram publicados em outras páginas do
jornal A União.
4 – Essa classificação por gênero é um esforço de compreensão dos textos selecionados,
observando a sua estrutura e base de argumentação predominante. Não há uma “pureza”
de gênero. Por exemplo, uma apreciação pode conter dentro ou ao final uma lista; assim
como a notícia também pode. Uma carta pode conter uma apreciação, ou a apreciação
vir em forma de carta. Ver, por exemplo, o texto “Presentes régios”, no qual Lylia
Guedes começa discutindo a importância da leitura e termina colocando uma lista de
livros que considera dignos de serem lidos.
5 – Em todos os anos em que a Página foi publicada, foram encontradas referências à
leitura; o que mostra uma preocupação genuína da Associação com essa temática, como
também uma crença de que a leitura é prática relevante na formação da mulher. Não se
pode deixar de pensar que a Associação, composta principalmente de professoras e
mulheres da elite intelectual e econômica da sociedade paraibana, estava consciente da
atenção que era atribuída à leitura naquele momento pelo próprio governo e sociedade
em geral que acreditavam ser essa prática um elemento impulsionador do
desenvolvimento e da ciência. Vidal (1999, p. 339) analisando a importância do livro e
da leitura nas décadas de 1920 e1930, afirma:
O saber da experiência humana, assim, passava à condição de
possibilidade de construção de futuras experiências individuais -
criação – e poderia ser atingido por meio da leitura, permitindo o
avanço da ciência, percebida como conhecimento cumulativo e
contínuo.
Sobre a “convicção” do trabalho que a APPF vinha desenvolvendo, veja-se o
recorte seguinte, assinado por Olivina Carneiro da Cunha:
Em nossa biblioteca, bem organizada e contendo 80 volumes que nos
foram gentilmente presenteados uma parte é reservada aos poetas e
escritores conterrâneos.
Fazemos questão absoluta que, decorrido pequeno espaço de tempo,
todas as associadas possam entender os nossos intelectuais e, deles,
por meio de uma atenciosa e meditada leitura, fazer o conceito que
bem merecem.
É imperdoável que continuem desconhecidos da linguagem da
imaginação.
Estamos, portanto, cumprindo à risca o programa traçado.
(Página Feminina, A União 1934, p. 11 grifos nossos).
Essa informação quantificada sobre o acervo foi dada há um ano da criação da
APPF, em março de 1934. Nos outros anos, não foi identificada nenhuma nota a esse
respeito.
6 – No ano de 1934, o segundo de atividades da APPF e também da Página, é quando
aparecem mais textos relacionados ao tema (8 textos). Essa constatação pode ser indício
de maior atividade da Associação nesse período, que parece ir perdendo aos poucos sua
vitalidade.
Imagem 1: Propaganda sobre livro
Fonte: Página Feminina, A União, 19 de junho de 1934, p. 9
Dentre os impressos que compõem esse acervo estão:
Nossa Biblioteca Últimos volumes recebidos “Guia prático da saúde”, da consócia Lourdes Moura “Verdades cruas” da consocia Analice Caldas de Barros “Anuário da Paraíba” do editor “Alma viril” e “Nuevo mundo polar” da senhora Lardé Venturino REVISTA: “Revista de Cultura” e “Questões contemporâneas” – coleções oferecidas pela consocia Dra. Albertina C. Lima “Revista da Associação C. Feminina” “Boletim do Serviço de Plantas Têxteis” “Relatóro da Directoria do Ensino Primário deste Estado” JORNAIS “O aprendiz – Jornal”, da Escola de A. Artífices “O Lar da Escola Doméstica” de Natal (um número) “A voz feminina”, de Maceió, Alagoas “A Gazeta da Tarde”, de Fortaleza, Ceará “A União” e “O Norte”
Agradecidas (Página Feminina, A União, 22 de julho de 1934, p. 9).
Como se ver a composição é bem eclética, contendo livros, jornais e revistas..
Os livros são de ficção, não ficção, instrucionais como o Guia prático de saúde, de
atualidades locais como o Anuário da Paraíba. Entre jornais e revistas, identifica-se
nessa lista a presença de títulos voltados para a questão feminina e a diversidade de
origem. Pelas datas de publicação, entende-se que o acervo se ampliou desde a
publicação que informa o acervo de 80 volumes.
7 – Embora considerando a linguagem como ação, neste sentido o próprio texto é uma
ação em prol da leitura, alguns gêneros entre os identificados fazem referências a
atividades de maior alcance ou visibilidade, como as notícias e os convites, que
informam sobre as práticas dos núcleos, a criação da biblioteca, a volta às atividades
após as férias, festividades de recepção ou de homenagem a pessoas de destaque na
sociedade ou a visitantes. Como exemplo, apresenta-se o recorte seguinte:
ASSOCIAÇÃO PARAIBANA PELO PROGRESSO FEMININO
SEU ARQUIVO E ALBUNS INSTRUTIVOS
Inicia-se hoje a confecção do arquivo e dos álbuns instrutivos para a
biblioteca dessa Associação.
São convidadas as consocias que se inscreveram para colaborar nessa
obra de pesquizas e coordenação de notas e fatos informativos sobre a
nossa terra para que dêm começo à nobre tarefa que se impuzeram. ( A
União, 6 de julho de 1934, p. 4).
A confecção de álbuns sobre aspectos, fatos e pessoas da região para
servir de material de consulta na biblioteca da Associação fora uma ação anunciada
anteriormente e relaciona-se particularmente com dois núcleos: 1º - Literatura e cultura
da língua materna, 2º - Brasilidade – geographia e história pátria.
8 – Os textos classificados como homenagem vão se transformado em apreciação das
obras das pessoas homenageadas. Para exemplificar essa assertiva, veja-se o trecho
seguinte:
HOMENAGEM PÓSTUMA
Olivina Carneiro da Cunha
O Brasil enluta-se com a perda irreparável da brilhante intelectual
Julia Lopes de Almeida.
Escritora de nomeado espírito sutil, aliado a uma forma graciosa com
que revestia as suas obras de vulto, Julia Lopes destacava-se nas letras
de nosso país.
Quem teve a ventura de ler, como eu, o “Livro das noivas”, “Correio
da roça”, “Eles e Elas”, “A Intrusa”, “Cruel Amor”, “A Falência”,
pode fazer uma ideia perfeita do espírito sadio e dos primores de uma
inteligência invulgar que se elevou à culminância em nosso mundo
literário.
A linguagem que utilizava em seus trabalhos coloria-se de tons suaves
e os conceitos nêles exarados deixam coar toda a pureza de
sentimentos nobres.
Educava com os princípios de moral a quantos liam e interpretavam
bem as suas obras de valor inestimável.
[...].
Não é preciso afirmar aqui as qualidades morais que a caracterizavam.
Dirão por mim os que procurarem devassar-lhe a alma através a
leitura meditada dos romances que ela escreveu, verdadeiros livros de
psicologia, onde a escritora vai da alma aos recessos do coração
humano a fim de estudar-lhe os atributos psíquicos sob diferentes
aspectos.(Página Feminina, A União, 1934, p. 9).
Além de citar as obras lidas, o que já serve de indicação de leitura apropriada, a
autora da homenagem, destaca qualidades e valores dos livros de Julia Lopes de
Almeida, considerando-os “obras de valor inestimável”. É a própria autoridade dizendo
o que é uma obra de valor, o que deve ser lido por um público leitor específico: a
mulher. Os títulos de alguns dos livros citados indicam relação com o universo
feminino, ou o que se acreditava ser de interesse da mulher.iv
9 – Outro aspecto que se destaca é a predominância do gênero denominado
“apreciação”, em número de 8, de um total de 24 textos selecionados, não identificados
apenas nos dois primeiros anos, 1933 e 1934. Esses textos são bastante híbridos porque
podem assumir ao longo de seu desenvolvimento o aspecto de uma resenha, de uma
homenagem ao escritor, de um artigo de opinião, de notícia de uma publicação; podem
também conter uma lista de livros considerados bons. Dentre os textos identificados, a
apreciação é o que ocupa maior espaço dentro da Página, usando até duas colunas; é o
que parece mais bem elaborado e no qual se percebe o uso da argumentação de forma
mais contundente. Nesse texto, as indicações de leitura são frequentes e pela sua
elaboração, acredita-se que a Associação punha fé no seu poder de convencimento e de
formação das leitoras paraibanas. Para exemplificar esse gênero, destaca-se um texto
que é muito significativo ao tratar de leituras próprias e impróprias para as mulheres,
assinado por Juanita Borel Machado.
LEITORAS DE ARDEL, DELLY, ETC
Resposta a M.C.L
AS MULHERES, dizem os philosophos e psychologos, são mais
propensas ao sonho, têm mais poder imaginativo do que o homem;
têm portanto a desvantagem de levar para a realidade a nevoa do seu
sonho e do seu ideal. Lê Ardel, lá está o typo de homem super-
humano, transcendente, cheio de virtudes, sem vícios, capaz de levar
ao sétimo céo da felicidade qualquer amorosa creaturinha. A ledora de
Ardel quer casar, ter lar, constituir família e Ella aspira por um
maridinho ideal, como aquelle do romance azul, cavalleiro de
legenda, sportivo, pode ser, mas romântico com luares de balada e
holocaustos de mhytologia. O protótypo ficou photographado na
immaginação, e no desejo da moça e Ella busca na vida o homem do
romance. [...]
Quem tem culpa da ideia falsa que ela concebeu da vida? O Sr. Ardel,
o Sr Delly e outros senhores, desocupados, que escrevem para
colegeais creando ambientes e pessoas falsas. [...]
Não M.C.L., nem Ardel nem Delly, nem esses outros escriptores da tal
biblioteca para moças, (com raras excepções) cumprem a missão de
abrir caminho na sua vida ou preparal-a para a realidade. [...] O
casamento é a mais difficil das diplomacias e nós sabemos bem que as
mulheres, quer como diplomatas, quer como políticas são superiores
ao homem.
Ardel e Delly é o mesmo que um “pastel de brisas” quando se tem
fome.
Até breve, M.C.L. e aqui me tem ao seu dispor.
(Página Feminina, A União, 17 de janeiro de 1937, p. 1)
Esse texto, que se apresenta como carta, mas em sua totalidade, pode ser
considerado um artigo de opinião, e neste estudo foi classificado como apreciação,
representa uma crítica a textos que vinham sendo considerados como “bibliotecas das
moças”, é, acima, considerado impróprio por apresentar uma ideia falsa do que sejam o
homem, a vida, o casamento. Se ao final, a autora destaca que o casamento é a mais
difícil das diplomacias e a mulher, nessa questão é superior ao homem, no início do
texto, essa mesma mulher é considerada mais propensa ao sonho, à ilusão e ao poder
imaginativo enfatizado em tais obras. Ressalte-se que todos os textos de apreciação vêm
assinados, na maioria das vezes, pelas componentes da direção da APPF. Essa
preocupação com os materiais de leitura era comum no período ora destacado (VIDAL,
1999)
9 – Os textos podem vir assinados por alguma sócia, em maior quantidade pelas
componentes da direção, mas podem vir sem autoria específica, o que remete à
Associação como um todo.
Os textos publicados na Página Feminina, pela APPF, além de apontarem
atividades e práticas dessa entidade visando favorecer a educação da mulher paraibana,
mais especificamente as sócias e outras mulheres alcançadas, são eles próprios uma
ação, na medida em que discutem temas correntes naquela configuração, e no interesse
específico deste texto, ao falar sobre leitura, livros, revistas e jornais, contribui para
divulgar uma cultura letrada considerada adequada à educação da mulher.
Considerações finais
Assim como a FBPF, a APPF desenvolveu ações a fim ampliar o acesso da
mulher paraibana à educação, criando vários núcleos que discutiam formação política,
línguas estrangeiras, cultura brasileira, literatura, prendas domésticas, cultura física,
geografia, história pátria, música etc. Nesse aspecto, as bandeiras da educação e da
institucionalização do voto feminino eram condições inseparáveis, dadas as
prerrogativas constitucionais vigentes.
Na especificidade da demanda educacional, a análise das fontes permite destacar
algumas ações empreendidas com este fim, a saber: a criação de um núcleo de literatura,
a implantação de uma biblioteca, a realização de sessões literomusicais nas quais se
faziam declamações, o incentivo a que as associadas publicassem textos literários na
Página Feminina, a divulgação do acervo da biblioteca, entre outras. Dessa forma, a
associação cumpria com um de seus principais objetivos exposto no primeiro item de
seu estatuto: a promoção da educação da mulher. Por fim, acredita-se que ao
implementar atividades enfocando a leitura e divulgar o material de leitura que
compunha sua biblioteca, a Associação Paraibana pelo Progresso Feminino dava-se a
ler.
Referências
A BRILHANTE FESTA DA “ASSOCIAÇÃO PARAIBANA PELO PROGRESSO
FEMININO” EM HOMENAGEM AO INTERVENTOR GRATULIANO DE BRITO, AO
CÔNEGO MATHIAS FREIRE E À IMPRENSA. A União, 25 de jul. 1933, p1.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução por Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1988.
CUNHA, Olivina Carneiro da. Pela execução de uma programa. A União, 05 de março de 1934,
p.11.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Tradução Federico Catotti. 2
ed.São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
MACHADO, Charliton José dos Santos; NUNES, Maria Lúcia da Silva. O feminismo
paraibano: Associação Paraibana pelo Progresso Feminino (APPF) – 1930. In. ______;______.
(Orgs.) Gênero & Sexualidade: perspectivas em debate. João Pessoa: Editora Universitária,
2007. p. 193-207.
PÁGINA FEMININA, A União, João Pessoa, 1933-1939.
VIDAL, Diana Gonçalves. Livros por toda parte: o ensino ativo e a racionalização da leitura nos
anos 1920 e 1930 no Brasil. BREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura.
Campinas/SP: Mercado das Letras, Associação de leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999,
p.335- 355.
Notas
i O acesso inicial aos textos da Página Feminina deu-se por ocasião da escrita do texto
Associação Paraibana pelo Progresso Feminino e sua contribuição à educação da mulher
paraibana, MACHADO, C. J. S. ; NUNES, M. L. S. In: AFIRSE - IV Colóquio Nacional -
Epistemologia das Ciências da Educação, 2007, Natal/RN. Anais do IV Colóquio Nacional -
Epistemologia das Ciências da Educação. Natal/RN: Editora da UFRN, 2007. Com a orientação
da dissertação Associação Paraibana pelo Progresso Feminino: as contribuições educacionais
para a mulher paraibana (1933 a 1939), de Verônica de Souza Fragoso, teve-se acesso a todos os
textos publicados pela APPF na Página Feminina, ho jornal A União de 1933 a 1939. ii A biblioteca foi denominada de Biblioteca “Maria Feliciana”. Não foi identificada explicação
sobre tal denominação e quem era o sujeito dessa homenagem iii Referência a uma expressão utilizada por Lylia Guedes, no texto “Presentes régios”, para
referir-se aos livros que ganhara de presente dos amigos e/ou escritores. (Página Feminina, A
União, 27 de março de 1938, p.2.). iv Júlia Valentim da Silveira Lopes de Almeida (1862/ 1934), escritora carioca, com uma vasta
produção literária composta por mais de 40 volumes entre romances, contos, literatura infantil,
teatro, jornalismo, crônicas e obras didáticas. Assinava uma coluna no jornal O País, durante
mais de 30 anos, ma qual discutia assuntos variados e fazia campanhas em defesa da mulher.
Foi presidenta honorária da Legião da Mulher Brasileira, sociedade criada em 1919; e participou
das reuniões de formação da Academia Brasileira de Letras, da qual ficou excluída por ser do
sexo feminino. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BAlia_Lopes_de_Almeida.
Acesso 08/02/2013.