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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Ps-Graduao em Processos de
Desenvolvimento Humano e Sade
A ATUAO DA PSICOLOGIA ESCOLAR
NA EDUCAO SUPERIOR:
PROPOSTA PARA OS SERVIOS DE PSICOLOGIA
Cynthia Bisinoto Evangelista de Oliveira
Braslia, maro de 2011
ii
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Ps-Graduao em Processos de
Desenvolvimento Humano e Sade
A ATUAO DA PSICOLOGIA ESCOLAR
NA EDUCAO SUPERIOR:
PROPOSTA PARA OS SERVIOS DE PSICOLOGIA
Cynthia Bisinoto Evangelista de Oliveira
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade de Braslia, como requisito
parcial obteno do ttulo de Doutor em
Processos de Desenvolvimento Humano e
Sade, rea de concentrao
Desenvolvimento Humano e Educao.
Orientadora: Professora Dr. Claisy Maria Marinho-Arajo
Braslia, maro de 2011
iii
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Ps-Graduao em Processos de
Desenvolvimento Humano e Sade
TESE APROVADA PELA SEGUINTE BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________
Prof. Dr. Claisy Maria Marinho-Arajo - Presidente
Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia
___________________________________________
Prof. Dr. Raquel Souza Lobo Guzzo - Membro externo
Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Ps-Graduao em Psicologia
__________________________________________
Prof. Dr. Marlis Morosini Polidori - Membro externo
Centro Universitrio Metodista, IPA
___________________________________________
Prof. Dr. Marisa Maria Brito da Justa Neves - Membro interno
Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia
___________________________________________
Prof. Dr. Denise de Souza Fleith - Membro interno
Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia
___________________________________________
Prof. Dr. Marly de Jesus Silveira - Suplente
Universidade de Braslia, Faculdade de Educao
Braslia, maro de 2011
iv
AGRADECIMENTOS
Aos meus queridos e amados pais, Lucas e Sueli, pelos ensinamentos e afetos que desde a
mais tenra idade fazem de mim quem sou hoje.
minha adorada irm, Kelen, super amiga, por sempre apoiar e acreditar nos meus
projetos.
Ao Luciano, companheiro e grande amor, por respeitar as minhas escolhas, incentivar a
concretizao dos meus sonhos e por participar da minha vida sempre com muita alegria.
Claisy, para alm de orientadora, exemplo de dedicao, persistncia, seriedade e
confiana. Obrigada por compartilhar de forma sincera e generosa seus conhecimentos,
convices, competncias, virtudes e afetos e por acreditar nas minhas potencialidades quando eu,
muitas vezes, nem as tinha percebido.
Ao professor Leandro Almeida, co-orientador no Doutorado Sanduche, pela
disponibilidade em me acolher e em compartilhar sua vasta experincia e sabedoria.
professora Marisa Brito, exemplo marcante de energia, pela alegre convivncia e pelos
momentos descontrados de profundo aprendizado.
professora Denise Fleith, pela serenidade e carinho com que compartilha conhecimentos
e vivncias que tm alargado os meus horizontes.
professora Raquel Guzzo, pela riqueza dos nossos dilogos que tm sido
particularmente importantes na construo da minha trajetria em Psicologia Escolar.
professora Marlis Polidori, pelas discusses e incentivos articulao da Psicologia
Escolar com a Educao Superior.
professora Marly Silveira, por participar da banca deste trabalho e contribuir para o
seu aperfeioamento.
Aos professores Dilvo Ristoff e Maria Cludia Lopes, Marlis Polidori e Marisa Brito,
pelas contribuies oferecidas na Jornada de Projetos do PGPDS e no exame de qualificao,
respectivamente.
Ao Senac-DF e Fac Senac-DF, nas figuras do Prof. Lus Otvio e Prof. Flvia Silveira,
por confiarem e colaborarem com o desenvolvimento deste trabalho.
Aos amigos e familiares que tm acompanhado, incentivado e admirado meu percurso.
Aos colegas do Laboratrio de Psicologia Escolar, antigos e recm chegados, pela
circulao de ideias, sugestes e apoio. Ana Clara, pela convivncia fraterna e saudvel.
v
Ao CNPq e CAPES, pela concesso das bolsas de doutorado e doutorado sanduche,
respectivamente.
coordenao do Programa de Ps-Graduao em Processos de Desenvolvimento
Humano e Sade, pelo apoio acadmico.
Aos participantes desse estudo, no Brasil e em Portugal, pela disponibilidade em
colaborar e mostrar diferentes formas de ser psiclogo escolar!
vi
Oliveira, C. B. E. (2011). A atuao da Psicologia Escolar na Educao Superior: proposta para
os Servios de Psicologia. Tese de Doutorado, Universidade de Braslia, Braslia.
RESUMO
A Psicologia Escolar tem como eixo de atuao a mediao dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano. Apesar de historicamente ter se vinculado escola, outros contextos institucionais, tambm revestidos da funo educativa, vm sendo reconhecidos como espaos potenciais de aprendizagem, formao e desenvolvimento humano. Um destes contextos emergentes de atuao e pesquisa em Psicologia Escolar a Educao Superior que tem como finalidade formar sujeitos para a vida em sociedade. Entretanto, em virtude das inmeras e complexas transformaes caractersticas da sociedade contempornea, as Instituies de Educao Superior (IES) tm se confrontado com desafios e dilemas relacionados ao seu papel frente s demandas do mercado; expanso quantitativa das instituies e dos cursos; efetividade dos programas de apoio ao acesso e permanncia; adequao dos objetivos pedaggicos e institucionais realidade dos estudantes; qualificao do corpo docente; necessidade de inovaes curriculares e pedaggicas; entre outros. Para enfrentar de forma mais eficiente estes desafios, as IES tm desenvolvido algumas estratgias como a criao de Servios de Psicologia. Com o intuito de conhecer o trabalho dos psiclogos escolares nestes Servios, este estudo teve como objetivo investigar a atuao da Psicologia Escolar em Instituies de Educao Superior. Especificamente, props-se: (a) compor um panorama dos Servios de Psicologia em IES do Brasil e de Portugal; (b) mapear e analisar a atuao de psiclogos escolares em instituies do Distrito Federal (DF) e de Portugal; (c) investigar experincias diferenciadas de atuao da Psicologia Escolar na Educao Superior; (d) acompanhar a atuao de um psiclogo escolar em uma IES do DF; e (e) elaborar uma proposta de criao e estruturao de Servios de Psicologia na Educao Superior. A pesquisa foi estruturada em dois estudos, um realizado no contexto brasileiro e outro no contexto portugus, tendo ambos contemplado as etapas de Mapeamento dos Servios de Psicologia e de Mapeamento da atuao dos psiclogos escolares. A primeira etapa buscou elaborar panoramas nacionais dos Servios de Psicologia das IES de cada pas e apresentar uma caracterizao destes servios; a segunda teve como meta o estudo e anlise da atuao dos psiclogos escolares. A configurao deste trabalho multimetodolgica, com abordagem qualitativa e quantitativa que se ancora nos pressupostos epistemolgicos e metodolgicos da perspectiva histrico-cultural. Os resultados indicaram que Brasil e Portugal apresentam grande diversidade em termos da estrutura e funcionamento dos Servios, havendo alguns mais dedicados ao apoio psicolgico aos discentes, em uma perspectiva individual e remediativa de interveno, e outros orientados para aes coletivas de formao e de desenvolvimento de competncias com os estudantes, acolhimento a calouros e apoio transio para o mercado profissional. Realizam tambm assessoria aos professores e coordenadores de curso e colaboram com rgos e unidades da instituio. Comparecem nos discursos e prticas dos psiclogos escolares o foco em aes preventivas e institucionais. Com base nestes resultados, apresentou-se uma proposta de criao e estruturao para os Servios de Psicologia na Educao Superior que representa um esforo de consolidao e legitimao do trabalho da Psicologia Escolar no Sistema de Educao Superior. Palavras-chave: Psicologia Escolar, Educao Superior, Servios de Psicologia, Desenvolvimento Humano, Atuao Institucional.
vii
Oliveira, C. B. E. (2011). The performance of School Psychology in Higher Education: Proposal
for Psychology Services. Tese de Doutorado, Universidade de Braslia, Braslia.
ABSTRACT
The School Psychology has as axis of action the promotion of the processes of learning and human development. Although historically it has been associated to the school, others institutional contexts also endowed with the educational function have been recognized as potential spaces of learning, formation and human development. One of these emergent contexts of work and research is the Higher Education, which aims to prepare subjects for life in society. However, because of the numerous and complex changes that are characteristic of contemporary society, the Higher Education Institutions (HEIs) have been confronted with challenges and dilemmas: their role face to the markets demands, the quantitative expansion of institutions and courses, the effectiveness of the programs of access and maintenance support, the adequacy of educational and institutional goals to students reality, the teachers qualification, the need for curricular and pedagogical innovations, among others. To address more effectively these challenges, HEIs have created some strategies like the Services of Psychology. Trying to know the work that has been done by school psychologists in these Services, this study aimed to investigate the practice of the School Psychology in Higher Education Institutions. Specifically, it was proposed: (a) to elaborate a framework of the Psychology Services in Brazil and Portugal; (b) to map and analyze the action of school psychologists in institutions of the Distrito Federal/Brazil and Portugal; (c) to investigate differentiated experiences of action in Higher Education; (d) to accompany the practice of a school psychologist in a HEI of the Distrito Federal; and (e) to design a proposal of creation and function to the Psychology Services in Higher Education. The research was structured in two studies, one conducted in the Brazilian context and the other in the Portuguese context. Both studies involved mapping Services of Psychology and mapping the performance of school psychologists. The first phase sought to develop national overviews of Psychology Services in HEIs of each country and present a characterization of these services; the second phase was aimed at studying and analyzing the performance of school psychologists. This research is multimethodology, with qualitative and quantitative analyses, and is based on epistemological and methodological framework of historical and cultural perspective. The results indicated that Brazil and Portugal present great diversity in the operating conditions and scope of interventions of the Services, having some of them more dedicated to the psychological support to student in an individual and treatment perspective of intervention, and others that work with programs of skill development, welcome new students (freshmen) and support to the transition to the labor market. They also carry out support to the teachinglearning process and collaborate with other units of the institution, participating in selection and training processes. If, traditionally, the Psychology Services were oriented by an individual perspective of intervention and in response to the students problem, nowadays they have been working in preventive and institutional practices, including actions with other agents. Based in these results, it was presented a proposal of creation and structuring of Services of Psychology in Higher Education, which means an effort towards the consolidation and legitimization of the work of School Psychology in Higher Education. Keywords: School Psychology; Higher Education; Psychology Services; Human Development, Institutional Action.
viii
SUMRIO
NDICE DE TABELAS x
NDICE DE FIGURAS xi
INTRODUO 12
CAPTULO I - ATUAO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: TRANSFORMAES E
PERSPECTIVAS
16
Origem e Consolidao da Psicologia Escolar 16
O advento da Psicologia Escolar no mundo e no Brasil 16
A reviso crtica em Psicologia Escolar e seus desdobramentos 21
Para alm da crtica, o estabelecimento de uma nova Psicologia Escolar 25
O perfil profissional do psiclogo escolar e os desafios formao 33
Prticas e Contextos de Atuao em Psicologia Escolar 37
Prticas contemporneas de atuao em Psicologia Escolar no Brasil 37
A presena da Psicologia Escolar no mundo 51
Educao Superior: um novo contexto de atuao para a Psicologia Escolar 54
Os Servios de Apoio Psicolgico em Instituies de Educao Superior 55
A Psicologia Escolar na Educao Superior brasileira 58
A Psicologia Escolar na Educao Superior de Portugal 63
CAPTULO II - EDUCAO SUPERIOR: HISTRIA, CARACTERSTICAS E
DESAFIOS
68
Histrico da Educao Superior 68
A constituio histrica das instituies educativas 68
O surgimento das Instituies de Educao Superior no mundo: as diferentes ideias
acerca de universidade e de Educao Superior
71
A emergncia das Instituies de Educao Superior no Brasil 74
Universidade, Ensino Superior ou Educao Superior? Aproximaes e distines
entre os termos
78
Caractersticas, Funes e Desafios da Educao Superior na contemporaneidade 82
A atual estrutura e funcionamento da Educao Superior brasileira 82
Questes atuais na Educao Superior 94
Processos de ampliao da Educao Superior brasileira 94
Modalidades em Educao Superior: EAD e Cursos Tecnolgicos 97
Inovaes curriculares e pedaggicas 101
Avaliao como recurso garantia da qualidade da Educao Superior 102
A crise da Educao Superior 110
A Educao Superior diante dos interesses econmicos contemporneos 114
Breve histrico e cenrio recente da Educao Superior em Portugal 120
ix
CAPTULO III - DEFINIO DO PROBLEMA DE PESQUISA 128
Problematizaes 128
Objetivos 129
CAPTULO IV - OPES EPISTEMOLGICAS E METODOLGICAS 130
A Pesquisa Cientfica em Psicologia na Perspectiva Histrico-Cultural: Reflexes
Epistemolgicas
130
A Epistemologia Qualitativa e suas contribuies metodolgicas 133
Procedimentos Metodolgicos 135
Cenrio e contexto: definio do campo de investigao 135
Desenho metodolgico: caminhos para a construo das informaes 136
Estudo 1 - Brasil 138
Estudo 2 - Portugal 146
Proposta para a criao e estruturao de Servios de Psicologia 148
Procedimentos para anlise das informaes 148
CAPTULO V - RESULTADOS E DISCUSSO 153
Estudo 1 - Brasil 153
Estudo 2 - Portugal 196
Sntese dos estudos 1 e 2 216
Proposta para a criao e estruturao de Servios de Psicologia na Educao
Superior brasileira
219
CONSIDERAES FINAIS 259
REFERNCIAS 267
ANEXOS 291
x
NDICE DE TABELAS
Tabela 1 Evoluo do nmero de IES, segundo a categoria administrativa 86
Tabela 2
Quantitativo de IES por organizao acadmica e categoria administrativa em
2009 87
Tabela 3
Distribuio dos docentes nas IES por organizao acadmica e categoria
administrativa em 2009 88
Tabela 4 Evoluo da graduao a distncia 89
Tabela 5 Evoluo dos programas de ps-graduao 92
Tabela 6 Instituies de Educao Superior de Portugal 124
Tabela 7
Estruturao do processo de acompanhamento da psicloga escolar em uma IES
do DF 144
Tabela 8
Encontros relativos ao acompanhamento da prtica realizados com a psicloga
escolar 145
Tabela 9 Instituies de Educao Superior do Brasil com Servio de Psicologia 154
Tabela 10 Instituies de Educao Superior do Distrito Federal com Servio de Psicologia 160
Tabela 11 Caracterizao dos psiclogos escolares que atuam em IES do Distrito Federal 163
Tabela 12
Atividades realizadas pelos psiclogos escolares nos Servios de Psicologia do
Distrito Federal 165
Tabela 13
Zona de sentido 1: Quem o psiclogo escolar? Consideraes sobre o perfil
profissional 173
Tabela 14
Zona de sentido 2: O que e como fazer em Psicologia Escolar? Consideraes
acerca das possibilidades de interveno 181
Tabela 15
Zona de sentido 3: Formao continuada como recurso auxiliar construo do
perfil e da atuao em Psicologia Escolar 188
Tabela 16
Indicadores de perfil construdos a partir do acompanhamento da psicloga
escolar em uma IES do DF 193
Tabela 17
Indicadores de atuao construdos a partir do acompanhamento da psicloga
escolar em uma IES do DF 194
Tabela 18 Instituies de Educao Superior de Portugal com Servio de Psicologia 197
Tabela 19 Caracterizao dos psiclogos escolares que atuam em IES de Portugal 206
Tabela 20
Atividades realizadas pelos psiclogos escolares nos Servios de Psicologia de
Portugal 210
xi
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 Organizao da Educao Superior no Brasil 83
Figura 2 Distribuio das IES segundo as regies brasileiras no ano de 2009 84
Figura 3 Distribuio das IES no territrio brasileiro segundo as regies 85
Figura 4 Distribuio do corpo docente segundo as regies brasileiras em 2009 87
Figura 5 Evoluo das matrculas nos cursos superiores de tecnologia 90
Figura 6 Dez maiores cursos de graduao por matrculas em 2009 90
Figura 7 Organizao do Sistema Educativo de Portugal 122
Figura 8 Distribuio das universidades pblicas em Portugal 124
Figura 9 Distribuio das universidades privadas em Portugal 125
Figura 10 Distribuio de vagas na Educao Superior de Portugal 126
Figura 11
Desenho metodolgico relativo investigao da atuao da Psicologia
Escolar na Educao Superior 137
Figura 12 Profissionais que integram os Servios de Psicologia do Brasil 155
Figura 13 Pblico atendido pelos Servios de Psicologia do Brasil 156
Figura 14
Atividades desenvolvidas pelos psiclogos escolares nos Servios de
Psicologia do Brasil 157
Figura 15 Pblico atendido pelos Servios de Psicologia de Portugal 199
Figura 16
Atividades desenvolvidas pelos psiclogos escolares nos Servios de
Psicologia de Portugal 201
Figura 17
Dimenses e eixos de interveno em Psicologia Escolar na Educao
Superior 229
12
INTRODUO
O tema de interesse que orienta o desenvolvimento deste estudo a atuao da Psicologia
Escolar na Educao Superior, sendo que a escolha por esta temtica se d pela confluncia de
fatores pessoais, profissionais, cientficos e acadmicos, conforme descritos nesta apresentao.
Desde a concluso da graduao tenho trabalhado como psicloga escolar. Por quase cinco
anos atuei em uma escola particular do Distrito Federal que oferece desde a educao infantil at o
ensino mdio. Foi durante esta experincia profissional que tive a oportunidade de realizar o
mestrado em Psicologia na Universidade de Braslia, no qual investiguei o papel do psiclogo
escolar na relao entre a famlia e a escola, especificamente no mbito do ensino mdio. Seis
meses aps a concluso do mestrado ingressei no doutorado, na mesma instituio, com o interesse
inicial de dar continuidade s investigaes sobre a relao famlia-escola.
Nos primeiros meses do curso tive contato com alguns relatos de experincia profissional,
de consultoria e de pesquisa que indicavam a possibilidade de interveno e de investigao da
Psicologia Escolar em outros contextos para alm do tradicional, ou seja, as escolas de educao
infantil e ensino fundamental, especialmente. A partir das reflexes suscitadas por esses relatos e
das discusses e consideraes que transcorreram nas orientaes acadmicas, mobilizei-me para a
investigao da Psicologia Escolar em espaos diferenciados ao da escola, especificamente a
Educao Superior e os contextos empresariais que esto investindo em aes de educao
continuada. Em ambos os casos, motivava-me explorar a contribuio da Psicologia Escolar na
mediao do desenvolvimento humano adulto e no processo de mudana dos profissionais, adultos,
que trabalham nestes espaos.
Neste mesmo momento em que eu considerava os desafios e perspectivas relativas a estas
duas opes de pesquisa, surgiu a oportunidade de trabalhar como psicloga escolar em uma
Instituio de Educao Superior privada do Distrito Federal, o que foi determinante para a escolha
da Educao Superior como objeto de estudo no doutorado. A faculdade em questo estava no seu
segundo ano de funcionamento e, assumindo seu compromisso com as estratgias
institucionalmente definidas em relao promoo do processo de formao discente, decidiu
implantar um servio de Psicologia Escolar. Assim, em setembro de 2008 comecei a trabalhar
como psicloga escolar na Educao Superior. Em virtude da abertura e receptividade da
instituio a novas propostas e da minha identificao pessoal e profissional com uma perspectiva
mais ampla de atuao, tive oportunidade de desenvolver aes que considero diferentes daquelas
que tradicionalmente caracterizam o trabalho da rea nesse contexto. Realizei atividades de
desenvolvimento pessoal com os membros do corpo tcnico-administrativo, participei do
planejamento e execuo do processo de autoavaliao institucional, coordenei e conduzi, junto
com outros profissionais, um programa de formao continuada para os docentes, realizei oficinas
13
de orientao profissional com os discentes, entre outras. Em maio de 2009 licenciei-me da
instituio para me dedicar exclusivamente ao doutorado.
Tendo estabelecido a Educao Superior como campo de pesquisa, trs fatores, em
especial, reforaram o interesse pelo tema: a pouca produo brasileira voltada s possveis
contribuies especficas da Psicologia Escolar a este nvel educativo; o reconhecimento de que a
vinculao da Psicologia Escolar com o processo de desenvolvimento humano est em estreita
articulao com a responsabilidade da Educao Superior com a formao de cidados, a qual est
para alm da formao tcnica; e a convico de que a Psicologia Escolar, ancorada em sua
compromisso social, pode contribuir para a construo de uma sociedade mais igualitria, justa e
humana.
Definido o objeto de estudo deste trabalho - a atuao da Psicologia Escolar na Educao
Superior - mergulhei em um processo de reviso da literatura, de estudo e de aprofundamento
relacionado Psicologia Escolar e Educao Superior, bem como de definio dos procedimentos
metodolgicos que poderiam subsidiar a investigao desse objeto. Durante este processo de estudo
e organizao da pesquisa, surgiu a possibilidade de realizar o estgio de doutorado do exterior,
comumente conhecido como Doutorado Sanduche, que representava uma oportunidade singular de
ampliar a investigao para alm do contexto brasileiro e do Distrito Federal que era o foco inicial
deste estudo. Alguns fatores viabilizaram a realizao do Doutorado Sanduche em Portugal,
conforme detalhado a seguir.
Desde 2007, a Universidade de Braslia (UnB) estabelece relaes de parceria e pesquisa
em conjunto com o Centro de Investigao de Polticas do Ensino Superior de Portugal (CIPES),
por intermdio do Laboratrio de Psicologia Escolar (PED) e do Programa de Ps-Graduao em
Desenvolvimento Humano e Sade (PGPDS). No mbito do Acordo de Cooperao e Intercmbio
acadmico, tcnico-cientfico e cultural (DOU n 206, de 23/10/2008), celebrado entre a UnB e o
CIPES, estabeleceu-se um projeto de pesquisa com o objetivo de analisar comparativamente os
principais indicadores da Educao Superior do Brasil e de Portugal. Outro objetivo da pesquisa ,
tambm, o de verificar as influncias de tais indicadores em polticas educacionais e no
desenvolvimento de competncias discentes. Alm de pesquisadores da UnB e do CIPES, integram
tambm a pesquisa investigadores da Universidade do Minho/Braga (Portugal).
Na Universidade de Braslia, o estudo coordenado pela Prof. Dr. Claisy Maria Marinho-
Arajo e conta com a participao de pesquisadores ligados ao PGPDS, professores doutores,
alunos de mestrado e de doutorado. No CIPES, a responsabilidade pela coordenao e
desenvolvimento da pesquisa est a cargo do Prof. Dr. Alberto Amaral e do Prof. Dr. Pedro Nuno
Teixeira e, na Universidade do Minho/Braga, a pesquisa est vinculada ao Instituto de Educao e
Psicologia e coordenada pelo Prof. Dr. Leandro da Silva Almeida.
Entre as metas de formao da pesquisa conjunta, previu-se contribuir com a formao e
qualificao profissional dos pesquisadores envolvidos, por meio do aprofundamento e
14
aperfeioamento de professores e discentes dos Programas de Ps-Graduao das IES participantes.
no mbito desta meta de formao que idealizou-se a realizao de estgio de doutorado no
exterior em Portugal, sob a orientao do Professor Leandro Almeida.
Alguns dos interesses de investigao do Professor Leandro, vinculados Educao
Superior, referem-se a questes relacionadas democratizao deste nvel educativo, aos processos
de transio e adaptao universidade e promoo do sucesso acadmico. Estudos que tem
coordenado e participado versam sobre atitudes e estratgias de aprendizagem em estudantes do
Ensino Superior; fatores de sucesso e insucesso escolar e desenvolvimento psicossocial; satisfao
acadmica dos universitrios; adaptao dos alunos do primeiro ano; desenvolvimento e validao
de escala de integrao social no Ensino Superior, entre outros.
Alm de estar envolvido com a investigao e produo na interface Psicologia e Educao
Superior, o Professor Leandro um pesquisador de referncia na histria da Psicologia Escolar
brasileira e internacional. Entre os anos de 1991 e 1994 coordenou, juntamente com a Professora
Raquel Guzzo, expoente da rea no Brasil e com projeo internacional, o projeto luso-brasileiro de
pesquisa intitulado Estudo da situao da Psicologia Escolar nos pases de lngua Portuguesa e
Espanhola que tinha a inteno de contribuir para o crescimento da rea e consolidao da
profisso.
Os resultados desta pesquisa culminaram com a publicao do livro Psicologia Escolar:
padres e prticas em pases de lngua espanhola e portuguesa (Guzzo, Almeida & Wechsler,
1993) do qual o Professor Leandro autor do captulo referente experincia portuguesa e um dos
organizadores, juntamente com as professoras Raquel Guzzo e Solange Wechsler. O livro o
primeiro de uma srie regular que, desde ento, vem sendo publicada pelo Grupo de Trabalho em
Psicologia Escolar da ANPEPP (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em
Psicologia). Essa uma das razes pelas quais o Professor Leandro Almeida um interlocutor
singular na articulao entre a Psicologia Escolar e a Educao Superior, tendo o doutorado
sanduche sido realizado sob sua orientao no 1 semestre de 2010. Sendo assim, este trabalho de
tese foi realizado com base em dois estudos, um desenvolvido no Brasil e outro em Portugal, os
quais no tm carter comparativo.
No que diz respeito Psicologia Escolar almeja-se contribuir para a reflexo terico-
conceitual e para produo de conhecimento que tenha o potencial de enriquecer e fomentar tanto a
formao dos novos psiclogos quanto a melhor qualificao daqueles que j esto no mercado de
trabalho. O envolvimento com a formao inicial e continuada de psiclogos escolares um
compromisso que tem sido assumido pelos pesquisadores da rea nos ltimos 20 anos e que
reafirmado neste trabalho.
Pretende-se, tambm, auxiliar na consolidao da identidade do psiclogo escolar,
especificamente daquele que atua na Educao Superior, por meio da identificao de recursos e
competncias que so essenciais sua prtica e o distinguem de outros profissionais da educao.
15
A confuso de papis ou mesmo a indefinio so queixas comuns e fonte de angstia entre os
psiclogos escolares. H que se assegurar, ento, o compromisso cientfico de apresentar
indicaes que orientem a prtica em Psicologia Escolar, uma vez que a clareza acerca da natureza
e especificidade das aes o que possibilita ao profissional desenvolver seu trabalho de forma
segura e interdependente em relao s demais. Este , tambm, um dos compromissos deste
trabalho.
Pautando-se na compreenso de que a pesquisa cientfica e a prtica profissional so
complementares, devendo uma subsidiar a outra, este trabalho pretende ter um carter
eminentemente terico-prtico. Isto , espera-se, igualmente, contribuir para a construo do
conhecimento e para a assessoria prtica profissional, j que, de um lado, a insero no contexto
de pesquisa alimenta, por meio da anlise e interpretaes dos indicadores, o processo terico e,
por outro, provoca nos participantes reflexes, revises e ressignificaes que so potencialmente
transformadoras de suas aes. Pretende-se, ento, apoiar o aprimoramento profissional de pelo
menos um psiclogo escolar que atua na Educao Superior, de forma a oportunizar-lhe
transformaes na construo de sua identidade e na sua atuao por meio da atualizao da
produo na rea e do incentivo a novas prticas profissionais.
Ademais, inteno deste trabalho contribuir para dar visibilidade Educao Superior
como campo legtimo de atuao e de pesquisa em Psicologia Escolar. Para que os profissionais da
rea consigam se estabelecer neste novo cenrio de atuao, necessrio que se evidencie o apoio
que podem trazer s IES de forma que estas possam reconhec-los como importantes colaboradores
frente aos desafios contemporneos.
, portanto, diante da associao destes fatores pessoais, profissionais e acadmicos que
este trabalho tem como questo central a prtica da Psicologia Escolar em Instituies de Educao
Superior, tanto em termos da configurao atual desta relao, quanto no que diz respeito a novas e
diferentes possibilidades que possa adquirir. importante destacar que um forte interesse que tenho
a de que o trabalho acadmico no se limite descrio do fenmeno em estudo, mas envolva,
tambm, um processo de interveno sobre a prtica. Assim, para este doutorado, um dos objetivos
traados foi o de acompanhar um profissional da rea, pois tenho certeza que um processo de
assessoria prtica profissional do psiclogo escolar que atua na Educao Superior luz das
produes e reflexes contemporneas, em muito ir contribuir para a transformao de
concepes e das prticas em Psicologia Escolar.
A tese est organizada em duas partes. A primeira delas, dedicada reviso de literatura,
contempla os captulos que tratam da Psicologia Escolar e da Educao Superior. A segunda parte
est centrada na pesquisa e composta por um captulo que traz os objetivos, outro que apresenta
as orientaes terico-metodolgicas e, por ltimo, um captulo de resultados e discusso. Ao final
tecem-se algumas consideraes acerca deste estudo e apresentam-se as referncias bibliogrficas e
os anexos.
16
CAPTULO I
ATUAO EM PSICOLOGIA ESCOLAR:
TRANSFORMAES E PERSPECTIVAS
Este captulo est organizado em duas partes. A primeira, recorrente nos estudos em
Psicologia Escolar, detm-se trajetria histrica da rea, desde seu surgimento marcado por
prticas psicomtricas e por objetivos adaptacionistas, passando pelo processo de reviso crtica
pelo qual atravessou, at a sua constituio contempornea. Apesar do contedo destas primeiras
sees j estarem contemplados em muitos estudos, considera-se pertinente retom-lo, pois a
anlise e interpretao de dados conjunturais luz das influncias e determinaes histricas so
fundamentais para a compreenso de um objeto de estudo. Em virtude do estgio inicial das
pesquisas que exploram a relao entre a Educao Superior e a Psicologia Escolar, no possvel
prescindir da recuperao histrica desta ltima, tendo em vista que pode favorecer a compreenso
dos rumos que ela tomou. Na sequncia discuti-se acerca das principais diretrizes que vm
orientando a atuao da Psicologia Escolar e contribuindo para a construo de aes
comprometidas com a formao humana e cidad e na ltima seo dessa parte aborda-se, ainda, o
desafio da formao dos psiclogos escolares de acordo com as diretrizes que vm orientando a
atuao na rea.
A segunda parte deste captulo est centrada nas prticas de interveno e apresenta, na
primeira seo, um modelo de atuao em Psicologia Escolar com base em uma ampla concepo
do que seja Educao e as possveis contribuies da cincia psicolgica s finalidades das prticas
educativas. Ainda nesta seo, so contempladas as diversas aes que podem ser desenvolvidas
pelos psiclogos escolares, no mbito deste modelo de atuao. Na seo seguinte, apresenta-se um
panorama internacional da Psicologia Escolar, fazendo uma sntese de como est sendo
compreendida e desenvolvida em outros pases. Encerrando o captulo, apresenta-se o estado da
arte sobre a atuao da Psicologia Escolar no contexto da Educao Superior, tanto
internacionalmente quanto no contexto brasileiro.
ORIGEM E CONSOLIDAO DA PSICOLOGIA ESCOLAR
O Advento da Psicologia Escolar no Mundo e no Brasil.
Uma reviso ainda que breve sobre a histria da Psicologia Escolar no mundo aponta para
o reconhecimento, nos mais diferentes pases, de vrias iniciativas que contriburam para o
surgimento e consolidao da rea. Em relato histrico voltado compreenso da evoluo
mundial da Psicologia Escolar, Oakland e Stenberg (1993) apontam que nos 50 anos que seguiram
ao nascimento da Psicologia cientfica em 1879, na Alemanha, com Wundt e a criao do
primeiro laboratrio de Psicologia houve um grande crescimento desta rea de conhecimento e
17
tambm da Psicologia Escolar, especialmente nos pases da Amrica do Norte e da Europa
Ocidental.
Segundo Correia e Campos (2004), os primeiros trabalhos nos quais se reconhece uma
Psicologia preocupada com o processo educativo so os de Francis Galton, Alfred Binet e James
Castell, na Inglaterra, na Frana e nos Estados Unidos, respectivamente. Em 1886, Galton criou em
Londres o primeiro laboratrio de psicometria, dedicado ao estudo das diferenas individuais entre
alunos a partir da mensurao de suas capacidades mentais. Tendo transitado pela biologia,
estatstica, psicologia experimental e pelos testes psicolgicos, o principal objetivo de Francis
Galton era medir a capacidade intelectual das pessoas buscando comprovar sua determinao
hereditria (Patto, 1999). Galton acreditava que as aptides humanas eram herdadas, o que o levou
a se preocupar com as diferenas individuais, assumidas por ele como sendo de origem biolgica, e
com a identificao dos mais e menos aptos em virtude de tais diferenas.
Por sua tentativa de estimar o nvel intelectual das pessoas, Galton pode ser considerado o
precursor dos testes psicolgicos, apesar de ter sido somente em 1905, na Frana, com Binet e
Simon, que se deu a construo da primeira escala mtrica de inteligncia infantil, voltada
classificao das crianas de acordo com sua capacidade mental. O desenvolvimento dessa escala
decorreu de preocupaes com o diagnstico e a educao de crianas que apresentavam
dificuldades para aprender e se pautava na inteno de orientar programas especiais com objetivo
de favorecer o crescimento e progresso dessas crianas.
Em 1916, a escala Binet-Simon foi modificada nos Estados Unidos, o que favoreceu ainda
mais a divulgao e aceitao do trabalho com testes psicolgicos. Tambm neste pas que se
atribuiu a James Castell, aluno de Galton, a criao do termo testes mentais para designar os
instrumentos de medida que possibilitam comparar as capacidades das pessoas em diferentes
domnios (Correia & Campos, 2004).
Na medida em que a psicometria ia ao encontro das necessidades de entender as diferenas
existentes entre as pessoas e de explicar as dificuldades de algumas crianas para aprender, o uso
de testes psicolgicos se difundiu e ganhou reconhecimento. Os testes passaram a ser largamente
utilizados nas escolas para seleo e classificao dos alunos, respaldando a separao entre os
bons e maus alunos, os aptos e no aptos, os capazes e incapazes, os normais e anormais. Tanto
assim que Oakland e Stenberg (1993), em meno a dados de pesquisa sobre o trabalho da
Psicologia no ano de 1948, dizem que na maioria dos pases, os psiclogos escolares eram
responsveis pelo diagnstico de crianas excepcionais para identificar e tratar vrias dificuldades
educacionais (p. 16).
Diante do apresentado, constata-se que o surgimento da Psicologia Escolar,
internacionalmente, esteve atrelado ao desenvolvimento e aplicao de testes psicolgicos voltados
investigao das condies mentais ou intelectuais dos alunos como forma de identificar aqueles
que apresentavam dificuldades especficas e, portanto, demandavam intervenes diferenciadas,
18
adaptaes. Conforme resumem Correia e Campos (2004), o grande sucesso da psicometria indica
a perspectiva assumida pela Psicologia Escolar, desde o seu nascimento, da identificao com um
modelo de aplicabilidade tcnica voltada para a classificao, seleo e adaptao dos indivduos
(p. 140).
Em sua articulao inicial com a Educao, a Psicologia, entre outras reas do
conhecimento, contribuiu para camuflar as desigualdades sociais, historicamente construdas, sob o
argumento de desigualdades pessoais, biologicamente determinadas (Patto, 1999). A produo da
Psicologia no mundo ocidental esteve influenciada pelo controle ideolgico de uma classe
dominante, tendo a Psicologia Escolar carregado esta influncia ao longo de seu desenvolvimento.
No contexto brasileiro, os rumos tomados pela Psicologia Escolar seguiram aqueles que a
caracterizaram mundialmente, ou seja, marcado pela psicometria. A presena da Psicologia Escolar
no Brasil pode ser identificada desde os tempos coloniais, poca em que j haviam preocupaes
com fenmenos psicolgicos que participam do processo educativo (Antunes, 2003, 2007, 2008;
Correia & Campos, 2004; Cruces, 2003). Entretanto, neste perodo, s possvel fazer referncia a
ideias psicolgicas, uma vez que ainda no eram desenvolvidas pesquisas e investigaes que
expressassem preocupao com a produo de conhecimento cientfico.
Apesar da existncia de tais ideias no perodo colonial, a aproximao inicial da Psicologia
com a Educao, no Brasil, associada preocupao com o estudo de mtodos de ensino e
processos envolvidos na aprendizagem e no desenvolvimento, no contexto das faculdades de
Medicina e de Direito que se estabelecerem no pas aps a transferncia da corte portuguesa. Estas
faculdades tinham a responsabilidade de formar os quadros administrativos do pas e foram nelas
que se reuniram os primeiros cientistas brasileiros, principalmente mdicos, leitores da produo
cientfica europeia.
Neste perodo, a Medicina ocupou importante papel na sociedade brasileira, de forma que
na segunda metade do sculo XIX o campo educacional emerge como campo conformado pelo
discurso mdico, uma vez que os mdicos passam a definir regras para a organizao e
funcionamento da educao escolar (Zucoloto, 2007, p. 138). Sobre a influncia da Medicina nas
questes educacionais, Patto (1999) complementa dizendo que os primeiros especialistas a se
ocuparem dos casos de dificuldade de aprendizagem escolar foram os mdicos que transferiram dos
hospitais para as escolas o conceito de anormalidade vinculado aos loucos. As crianas que no
acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser designadas como anormais
escolares e as causas de seu fracasso so procuradas em alguma anormalidade orgnica (Patto,
1999, p. 63).
Um importante desdobramento da ao da Medicina sobre a Educao foi a gerao do
fenmeno descrito como medicalizao da sociedade (Zucoloto, 2007), que se refere ao
compromisso da Medicina e do Estado com a higienizao das cidades e das populaes em
decorrncia do reconhecimento de que a ordem e o progresso sociais dependiam da construo de
19
conceitos, regras de higiene, normas de moral e prescrio de comportamentos aceitos socialmente.
Em defesa da higiene mental escolar criaram-se redes de clnicas psicolgicas e de orientao
infantil focadas em corrigir os desajustamentos das crianas. Estas clnicas serviam s escolas por
meio do diagnstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem.
Acerca da influncia mdica na compreenso dos fenmenos educativos, Collares e
Moyss (1994) a descrevem muito apropriadamente indicando que a medicalizao uma tentativa
de encontrar no campo mdico as causas e solues para problemas de origem eminentemente
social e poltica. Transformavam-se, assim, questes no-mdicas em questes mdicas; centrava-
se o processo sade-doena no indivduo, privilegiando a abordagem biolgica, o que, entre outros
desdobramentos, fez com que o diagnstico da no-aprendizagem fosse atribudo ao sujeito
individual - o aluno -, ou no mximo sua famlia.
O que se denominou de modelo mdico de atuao em Psicologia Escolar, corresponde,
ento, prtica psicolgica pautada em concepes deterministas e reducionistas que camuflam
problemas sociais, historicamente construdos, atravs da atribuio de causas individuais. Em vez
de uma compreenso multideterminada sobre os fenmenos humanos e as dificuldades de
aprendizagem, o modelo mdico adotado pela Psicologia Escolar centrava-se em aspectos
orgnicos individuais para explicar as diferenas entre as pessoas. Como bem lembra Patto (1999),
hoje sabemos que desse expressivo movimento das dcadas de vinte e trinta restou a prtica de
submeter a diagnsticos mdico-psicolgicos as crianas que no respondem s exigncias das
escolas (p. 67).
Dessa forma, as explicaes para as causas das dificuldades de aprendizagem e para o
rendimento desigual entre os alunos tiveram como contribuio principal os instrumentos de
avaliao das aptides. Muitos foram os profissionais da Psicologia que, a exemplo dos mdicos, se
empenharam em desenvolver e aplicar instrumentos de medidas com a inteno de verificar o
quanto uma pessoa era mais apta do que outra. Desconsiderando as influncias ambientais e
relacionais que agem sobre o desenvolvimento humano, os testes psicolgicos ingressaram nas
escolas e passaram, desde ento, a fazer parte de seu cotidiano. Conforme destacam Guzzo e
Wechsler (1993), os servios psicolgicos brasileiros priorizavam a avaliao da prontido escolar,
a organizao de classes especiais, o diagnstico e encaminhamento para servios especializados,
contribuindo para que se constitusse uma atuao marcadamente remediativa com nuances do
modelo mdico dentro da situao escolar (p. 43).
Diante do exposto, evidencia-se que a entrada da Psicologia na Educao se deu mediante a
preocupao com os problemas apresentados por alunos que demonstravam dificuldades para
aprender e no se adequavam s expectativas das escolas. Estas ltimas, por sua vez, baseavam-se
em um modelo ideal de aluno segundo o qual todas as crianas, submetidas a condies iguais de
ensino, deveriam aprender da mesma forma e no mesmo ritmo. Com base nesse modelo, supunha-
se que os alunos que tinham dificuldade para aprender no tinham as condies intelectuais
20
necessrias para tal aprendizado, uma vez que foram submetidos a um ensino padro, igualmente
oferecido a todos. Estes alunos, portanto, apresentavam alguma deficincia que devia ser
identificada e tratada. Abriram-se, assim, portas para a insero da Psicologia nas escolas, a qual se
vinculou a objetivos de corrigir e adaptar escola o aluno portador de um problema de
aprendizagem (Correia & Campos, 2004; Tanamachi, 2000). Para efetivar esta adaptao o
psiclogo lanava mo, essencialmente, da avaliao psicolgica por meio de recursos
psicomtricos, tida como funo do psiclogo. A esse respeito Campos e Juc (2003) afirmam que
a adoo dos instrumentos psicolgicos de classificao no interior das instituies
educativas se encontra, no nosso pas, na origem do que se conhece como a Psicologia
Escolar e Educacional. Tais procedimentos refletiam a migrao, para o interior da escola,
do modelo clnico de atuao e do seu instrumental. (p. 39)
nesse contexto adaptacionista e de correo que se deu a emergncia da figura do
psiclogo escolar, convocado escola para resolver dificuldades escolares e propor mtodos
especiais de educao, tentando ajustar os alunos aos padres de normalidade aceitos socialmente.
O modelo de atuao inicial da Psicologia Escolar, at o fim da dcada de 70, prezou pelo
diagnstico e tratamento dos problemas de aprendizagem, encarando-os como fenmenos
individuais, de origem orgnica. Por ser assim, a aplicao do modelo mdico de interveno na
escola conduziu psicologizao do espao escolar, uma vez que atribua ao prprio aluno a culpa
por suas dificuldades de aprendizagem e isentava outras instncias e profissionais das suas
responsabilidades educativas (Campos & Juc, 2003; Neves, 2001; Neves & Almeida, 2003;
Tanamachi, 2000; Yazlle, 1997).
Ao focalizar a origem dos problemas escolares nos alunos, ou em suas famlias, como veio
a ocorrer, e ao desconsiderar que os problemas de aprendizagem podem ser gerados pelo sistema de
ensino, a Psicologia Escolar assumiu uma posio bastante reducionista acerca das diversas
questes que participam da dinmica escolar. Ainda que se reconhea positivamente a preocupao
com os alunos que, por alguma razo, no aprendiam, no se pode negar que esta preocupao
estava pouco vinculada ao direito de todos educao e a uma aprendizagem promotora do
desenvolvimento global e das potencialidades de cada um. Ao contrrio, o foco da atuao da
Psicologia Escolar, nesta poca, estava em minimizar as dificuldades e deficincias dos alunos e
adapt-los ao padro ideal desejado pelas instituies escolares. Em vez do respeito e da
convivncia com a diferena e a diversidade, a preocupao estava direcionada para sua eliminao
e para a homogeneizao do pblico escolar.
O advento da Psicologia Escolar no Brasil, assim como no mundo, fundamentou-se em um
modelo essencialmente psicomtrico e clnico que privilegiava o olhar sobre as caractersticas e
limitaes dos indivduos e pouco se detinha sobre os condicionantes sociais e s relaes
dialticas que participam do amplo e complexo processo educativo. Tendo se expandido com base
em um modelo mdico de atuao, focado em questes individuais, a Psicologia Escolar se deparou
21
com a dificuldade de responder, coerentemente, s necessidades da Educao e de contribuir
efetivamente para que esta cumprisse seu papel social e transformador.
Diante do reconhecimento de que na qualidade de tcnico no interior da escola, aplicador
de instrumentos de segmentao, o psiclogo escolar tinha poucos elementos para conhecer e
analisar sistemicamente o contexto de trabalho no qual estava inserido, pesquisadores e
profissionais da Psicologia Escolar passaram a critic-la e a buscar novas formas de intervir.
Instalou-se, assim, um importante perodo de reflexes sobre a atuao em Psicologia Escolar, bem
como sobre a formao, e de busca de alternativas diferenciadas de fazer Psicologia. Dada a
relevncia dessas crticas trajetria da rea e sua contnua construo, a seo seguinte pretende
evidenciar os principais aspectos que contriburam para a reviso e reformulao do modelo de
atuao em Psicologia Escolar no Brasil.
A Reviso Crtica em Psicologia Escolar e seus Desdobramentos.
Conforme apresentado na seo anterior, a trajetria inicial da Psicologia Escolar foi
essencialmente marcada pelo psicodiagnstico e pela avaliao psicolgica, atividades
consideradas prprias dos psiclogos inseridos no contexto educacional e respaldadas por uma
perspectiva individualizante. De posse do instrumental da psicometria, os profissionais da rea
desenvolviam suas atividades buscando entender os problemas escolares e fornecer as orientaes
bsicas que pudessem solucion-los. Tais atividades eram orientadas, sobretudo, por concepes
que desconsideravam a influncia de uma diversidade de fatores sociais, econmicos,
ideolgicos, polticos, institucionais, relacionais, entre outros , para alm dos atribudos ao prprio
sujeito, ao aluno. Em decorrncia dessa viso acrtica acerca da complexidade que caracterstica
da realidade educativa, as aes dos psiclogos escolares pouco contribuam para transformar o
cotidiano das escolas.
Ao final dos anos 70 e incio da dcada de 80, instalou-se no mundo e no Brasil um forte
movimento de crtica a este modelo de atuao em Psicologia Escolar que tinha como argumento
central o reducionismo e a desconsiderao dos fatores sociais e intraescolares na anlise dos
problemas que transcorrem no espao educativo. No Brasil, o trabalho de Maria Helena Souza
Patto (1981, 1984) considerado um marco histrico na trajetria da Psicologia Escolar por ter
evidenciado que o fracasso escolar, termo adotado para designar as inmeras formas de no
aprendizagem, em vez de ser um fenmeno exclusivamente relacionado a deficincias e limitaes
do prprio aluno, era muito mais uma estratgia de manuteno da estrutura socioeconmica
vigente. Diante dos estudos feitos pela autora, muitas reflexes e questionamentos incidiram sobre
a atuao em Psicologia Escolar que at ento desconsiderava a influncia de um conjunto de
fatores implicados nos problemas escolares.
Na opinio de Tanamachi (2000), a atuao pouco crtica em Psicologia Escolar decorre de
concepes que historicamente orientam o trabalho da rea, as quais camuflavam a verdadeira
22
realidade dos problemas educacionais por estarem ideologicamente comprometidas com o status
quo cientfico da Psicologia, bem como da Educao (p. 79). Nessa direo, a reviso da atuao
dos psiclogos escolares precisava passar pela compreenso da origem do pensamento psicolgico
em sua relao com as demandas sociais oriundas do desenvolvimento do capitalismo e sua
ideologia dominante, pois que a construo cientfica em Psicologia, bem como em diversas reas
do conhecimento, no independente de motivos polticos e ideolgicos.
Tendo em vista o entrelaamento entre a cincia e as contradies e incoerncias que fazem
parte da sociedade, Malheiro e Nader (1987), na dcada de 80, insistiam que nenhum pensamento,
ideia ou reflexo eram neutros, de forma que o conhecimento cientfico concretiza-se como
prticas cientficas ligadas a uma prtica ideolgica determinada, no interior da qual os
conhecimentos so produzidos, transmitidos, apropriados, sancionados e aplicados (p. 9). No caso
da Psicologia, a direo que a produo cientfica e a interveno da rea tomaram atrelavam-se
manuteno de uma estrutura socioeconmica segmentada e serviam para validar prticas de
discriminao, excluso e dominao. Refletindo sobre as influncias ideolgicas no
desenvolvimento da Psicologia, e da Psicologia Escolar especificamente, Meira (2000) ressalta que
a tese da existncia de compromissos ideolgicos muito bem definidos pode ser claramente
comprovada atravs da anlise histrica da produo terica em Psicologia, que indica uma
tendncia hegemnica de desconsiderao, por vezes completa, das desigualdades sociais
e, concomitantemente, uma acentuada preocupao com a construo de teorias e tcnicas
dirigidas principalmente adaptao social dos indivduos. (p. 48)
, ento, diante do reconhecimento de que os profissionais da Psicologia Escolar precisam
ter clareza das influncias polticas e ideolgicas que agem sobre suas escolhas e prticas e da
necessidade de se comprometerem com uma atuao efetivamente vinculada democratizao da
Educao, que se instalou um movimento de crtica e de reviso acerca do trabalho desenvolvido
pela rea. As necessidades de superao dos determinismos que caracterizaram a trajetria da
Psicologia Escolar e de adoo de compreenses mais abrangentes acerca da Psicologia e da
Educao so os principais pontos envolvidos nesse movimento. A Psicologia Escolar,
representada por seus pesquisadores e profissionais, se envolveu, ento, em intensas reflexes e
discusses acerca de ideias e prticas que ao longo do tempo foram se consolidando como
caractersticas da rea sem, contudo, provocarem mudanas significativas frente aos dilemas e
problemas escolares.
Entre os aspectos que foram objeto de anlise nesse movimento incluem-se,
essencialmente, a formao inicial e continuada em Psicologia Escolar e a atuao profissional no
contexto educativo, conforme evidenciam pesquisas, estudos e relatos publicados nas ltimas
dcadas (Almeida, 2003; Campos, 2007; Del Prette, 2001; Guzzo, 1999b; Machado & Proena,
2004; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a; Marinho-Arajo, 2009b; Martnez, 2005b; Neves,
Almeida, Chaperman & Batista, 2002; Tanamachi, Proena & Rocha, 2000; Wechsler, 1996). As
23
pesquisas desenvolvidas a partir das questes levantadas no movimento de reviso da formao e
da atuao em Psicologia Escolar versavam sobre o fracasso escolar, a identidade profissional do
psiclogo escolar, a escolarizao de crianas especiais, a formao e atuao profissional em uma
perspectiva crtica, a avaliao psicolgica das dificuldades de aprendizagem, entre outros temas.
Os resultados das pesquisas e anlises realizadas evidenciaram, entre outros aspectos, que
existe um consenso de que cabe ao psiclogo escolar contribuir para melhorar a qualidade e
eficincia do processo de ensino-aprendizagem como forma de promover, nos mais diferentes
espaos educativos, o desenvolvimento dos sujeitos; mas no h, entretanto, uma unidade em
relao s concepes sobre como intervir nesse processo e quais procedimentos e instrumentos
utilizar (Correia & Campos, 2004). Dada a diversidade de concepes e teorias acerca do mundo,
do homem e dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem, tm-se, igualmente, prticas
bastante diversificadas que se propem a promover o desenvolvimento humano.
Nessa direo, Almeida (1999) apontou que o redimensionamento das prticas em
Psicologia Escolar deveria passar, obrigatoriamente, pela reviso e atualizao do campo terico-
conceitual, pois, segundo ela, muitos psiclogos, por no terem clareza e lucidez suficientes sobre
os determinantes filosficos-ideolgicos de determinadas teorias psicolgicas, adotam prticas de
interveno educativas paradoxalmente contraditrias com o referencial terico que estes mesmos
psiclogos dizem seguir (p. 63). O conhecimento, a anlise e a apropriao do psiclogo escolar
em relao s teorias psicolgicas e as bases histrica, filosfica e epistemolgica que as
sustentam, direcionam sua prtica, de maneira que esta ser mais adequada ao contexto educativo
quanto maior for a clareza do profissional em relao a tais bases.
Um importante ponto discutido no seio do movimento de crtica Psicologia Escolar ,
portanto, o reducionismo presente em teorias psicolgicas que, baseando-se em uma concepo de
homem naturalizada e fortemente biologizante, respaldavam o trabalho profissional.
Desconsiderando a influncia do meio sobre o homem e a ao deste sobre o seu entorno, as teorias
psicolgicas simplificavam o entendimento de como as pessoas se desenvolvem e contriburam
para que fatores biolgicos e neurolgicos fossem vistos como determinantes na gnese das
dificuldades escolares. O aprendizado e principalmente o seu oposto, a no aprendizagem, eram
explicados por causas centradas no prprio sujeito aprendente em detrimento das prticas sociais e
escolares que favorecem ou dificultam o sucesso escolar, levando as crianas com dificuldades a
serem vistas como deficientes.
Nessa direo, Meira (2000) ressalta que o processo de culpabilizao do aluno, pela via
da patologizao dos problemas escolares, tem se fundamentado ao longo de nossa histria em
variadas abordagens tericas que, por mais diferentes caminhos, expressam a mesma
desconsiderao pelas mltiplas determinaes da Educao (p. 53). Conforme alerta esta autora,
adotar o discurso do compromisso da Psicologia Escolar para com a transformao exige a
vinculao a uma consistente base terica e filosfica que d conta de concretizar essa
24
transformao. Guzzo (1999a) acrescenta, ainda, que a nfase nesse modelo individualizante e
patologizante de atuao influenciada pelo tipo de formao recebida pelos psiclogos, a qual
desprivilegia reas de atuao institucionais e comunitrias e contribui para manter o foco nos
sujeitos individuais sem, entretanto, responder satisfatoriamente s demandas do contexto escolar.
Corroborando essa ideia, Conoley e Gutkin (1995) dizem que os programas de formao
centram-se quase que totalmente nas habilidades prticas mais apropriadas para trabalhar
individualmente com crianas e, portanto, exploram longamente a avaliao e os processos clnicos
em detrimento da psicologia social, do desenvolvimento organizacional, das influncias sociais,
entre outros tpicos. uma cincia com razes histricas em teoria da personalidade, avaliao,
diagnstico, e tratamento de desordens mentais, fornecendo pouco ou nenhuma orientao para
aqueles interessados em iniciar uma mudana organizacional (Conoley & Gutkin, 1995, p. 210).
Observa-se que no se trata da Psicologia no ter um corpo slido de conhecimentos que possa
subsidiar a atuao da Psicologia Escolar em uma perspectiva mais ampla e menos individualizada,
mas, sim, do interesse principal da rea estar focado nos problemas dos indivduos em vez da
interao com o contexto dinmico no qual as pessoas esto inseridas.
A reviso crtica em Psicologia Escolar culminou, ento, com a ressignificao da atuao
profissional e, necessariamente, da formao que a sustenta, as quais deveriam passar pela
apropriao de referenciais terico-metodolgicos que valorizassem a influncia de mltiplos
elementos na conformao dos problemas escolares; reconhecessem a dimenso histrica da
realidade sobre a qual se intervm e o papel das interaes sociais; e privilegiassem aes coletivas
que contem com a participao dos diferentes atores que fazem parte do espao educativo,
assegurando a especificidade de cada um.
Com o passar dos anos, sob o compromisso de redirecionar a trajetria da Psicologia
Escolar no Brasil, reflexes, estudos e experincias profissionais foram subsidiando a reviso da
rea de maneira a dar contorno a uma nova formao e atuao profissional, as quais buscavam no
mais se coadunar descontextualizao e fragmentao do indivduo, naturalizao dos
fenmenos do desenvolvimento humano, negao do carter histrico-cultural da subjetividade,
tentativa de psicologizao no cenrio educacional (Arajo, 2003, p. 9). Os psiclogos escolares
passaram a buscar uma atuao menos psicologizante, individualizada e focada na adaptao do
aluno escola, pois reconheceram que tal prtica acabava por contribuir para a marginalizao e a
excluso de uma parte dos alunos que no recebia as intervenes adequadas e necessrias ao seu
desenvolvimento e aprendizagem.
Dada a relevncia deste movimento de crtica na trajetria da Psicologia Escolar, uma vez
que significou a ruptura com um modelo ineficaz, Patto (1999) o reconhece como sendo um
marco nesta mudana importantssima de enfoque, aps tantos anos de predomnio em buscar as
causas das dificuldades de aprendizagem escolar nas caractersticas psicossociais do aprendiz (p.
152).
25
Com o objetivo de ilustrar o direcionamento que as experincias profissionais e pesquisas
desenvolvidas pela Psicologia junto Educao tm tomado em decorrncia dessa reviso crtica
em Psicologia Escolar, a prxima seo traz os principais aspectos que vm direcionando a atuao
na rea e contribuindo para dar-lhe uma formatao diferente e inovadora em relao quela que
historicamente se desenvolveu.
Para Alm da Crtica, o Estabelecimento de uma Nova Psicologia Escolar.
Na introduo do livro de sua autoria, Exerccios de Indignao, composto por textos que
ilustram sua preocupao com os absurdos, paradoxos e injustias que permeiam a escola, Patto
(2005) faz uma breve crtica s polticas educacionais propostas com o objetivo de melhorar a
formao escolar e as intervenes da Psicologia na Educao. Sobre estas ltimas, apesar de dizer
que impressiona a permanncia de teorias normatizadoras e de prticas classificadoras que zelam
pela permanncia do status quo (pp. 11-12), reconhece que nem tudo foi desolao, pois
mudanas reais e significativas se concretizaram na atuao da Psicologia nas escolas.
Se, por um lado, existem psiclogos escolares mergulhados em ideias e prticas que
reforam a classificao, normatizao e estigmatizao dos alunos, herana da atuao histrica da
Psicologia Escolar, por outro, profissionais e pesquisadores tm investido em propostas e aes
baseadas na compreenso histrica, social e relacional dos fenmenos escolares; em concepes
no deterministas de desenvolvimento, de aprendizagem e de avaliao educacional; em opes
coletivas e menos individualizadas de interveno.
Em determinado momento foi indispensvel Psicologia Escolar se deparar com
indicaes contundentes do que no lhe cabia e do que no era responsabilidade dos psiclogos
escolares. Entretanto, o desafio que tem sido assumido, contemporaneamente, o de propor e
experimentar novas possibilidades de interveno, ainda que estas estejam misturadas a prticas
tradicionais, conforme aponta Cruces (2003) ao lembrar que convivem, lado a lado, modelos de
atuaes e prticas extremamente crticas e inovadoras e atuaes permeadas pela viso curativa e
individualizada (p. 27).
A coexistncia de modelos tradicionais e inovadores indica, inicialmente, a necessidade de
maior investimento em prol da transformao da Psicologia que se faz nas instituies educativas,
mas representa, tambm, o resultado de um processo persistente de autocrtica, anlise,
desconstruo, reviso e inovao, tanto individuais quanto coletivas. Em virtude da reformulao
das estratgias dos cursos de formao e dos novos modelos de atuao que vm sendo
desenvolvidos pelos psiclogos inseridos em espaos educativos, Maluf (2003) defende com
veemncia a tese de que a Psicologia Escolar est entrando em uma nova fase, na qual se
multiplicam aes afirmativas, que do respostas a vigorosas e pertinentes crticas formuladas
sobretudo na dcada de 1980 (p. 137). preciso, entretanto, evidenciar essas aes, pois mais do
que apontar os aspectos sobre os quais recaem as crticas atuao em Psicologia Escolar
26
essencial indicar aqueles que, mesmo de forma no homognea, esto em emergncia e trazem
indicadores que so potencialmente orientadores para a consolidao dessa nova fase em Psicologia
Escolar.
Dada a relevncia dessas novas aes na trajetria da Psicologia Escolar e na sua
consolidao como campo de atuao, de pesquisa e de produo de conhecimento (Martnez,
2005, 2007, 2009, 2010; Arajo, 2003; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a), a presente seo
indica as principais diretrizes que norteiam, atualmente, a atuao na rea. Partindo principalmente
da reviso da literatura produzida na ltima dcada no Brasil, pretende-se evidenciar os aspectos
mais relevantes que tm caracterizado um novo modelo de atuao, em consonncia com as
discusses e reflexes atuais acerca do desenvolvimento da Psicologia Escolar.
Conforme j apontado anteriormente, a constituio da Psicologia Escolar se deu em
ateno s crianas que apresentavam dificuldade para aprender e por essa razo demandavam
interveno que atenuasse ou corrigisse a referida dificuldade. Assim, a atuao inicial dos
profissionais da Psicologia tinha por base aes de carter remediativo que buscavam minimizar
um problema que j estava instalado, tanto que a ideia original do psiclogo na escola associou-se a
de um profissional convocado para tratar de problemas (Maluf, 1994). Diante das crticas de que as
prticas individualistas e psicologizantes, baseadas em procedimentos curativos, no atendiam
adequadamente as necessidades das escolas, esforos foram feitos no sentido de conferir atuao
da Psicologia Escolar um carter mais preventivo.
Comumente, a noo de preveno relacionada ao de se antecipar a determinado
fenmeno com o objetivo de evitar que ele ocorra; todavia, a perspectiva preventiva na atuao em
Psicologia Escolar busca superar a viso de adaptao. Segundo Guzzo (2001, 2003), o
desenvolvimento de prticas preventivas implica alterar a tica sob a qual o desenvolvimento das
crianas, e do ser humano de forma geral, tem sido compreendido, ou seja, preciso modificar a
nfase do fracasso para o sucesso, do distrbio, das dificuldades, das doenas e dos problemas para
a sade, as competncias e a qualidade de vida. Trata-se, nesta perspectiva, de construir a sade
em vez de contra-atacar a doena prevenir em vez de curar (Guzzo, 2003, p. 174).
Sobre o entendimento da atuao preventiva, Marinho-Arajo e Almeida (2005a)
esclarecem que o conceito de preveno no se refere ao ajustamento e adequao de situaes e
comportamentos inadequados ou problemticos a padres aceitos socialmente. Diferentemente
desse posicionamento de controle social exercido a partir da padronizao de comportamentos e
atitudes, espera-se que o psiclogo escolar, em sua atuao preventiva, evidencie as contradies e
incoerncias entre as prticas educativas e as demandas dos sujeitos que participam desse contexto
oportunizando efetivos processos de conscientizao aos sujeitos envolvidos (Arajo, 2003).
Priorizar a perspectiva preventiva no trabalho da Psicologia com a Educao implica
desenvolver aes junto aos profissionais da instituio, contribuindo para a identificao dos
elementos, pessoais e interpessoais, subjetivos, intersubjetivos e objetivos que contribuem ou
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dificultam a consecuo de seus objetivos educacionais. A ao preventiva deve se redirecionar
para a compreenso e interveno nas relaes interpessoais que permeiam a construo do
conhecimento, sendo que, para tanto, preciso que o psiclogo escolar instrumentalize-se no
sentido de estudar e entender as relaes interpessoais como sendo sua unidade de anlise, seu foco
de ateno e de interveno (Almeida, 1999; Arajo, 2003; Arajo & Almeida, 2003; Del Prette &
Del Prette, 1996; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a).
Sendo o homem um ser indiscutivelmente social, sua trajetria de desenvolvimento
resultado das interaes que estabelece ao longo da vida, tanto com o meio fsico quanto social.
Assumir as relaes interpessoais como lcus privilegiado de interveno em Psicologia Escolar
significa reconhecer o papel singular que elas tm no desenvolvimento das pessoas e na construo
de suas prticas. Por assim ser, quando se est orientado pela perspectiva preventiva e relacional de
atuao em Psicologia Escolar parte-se do pressuposto de que no existem causas individuais para
os fenmenos escolares e da vida, muito ao contrrio, eles no so particulares, pois esto sempre
imbricados em uma rede de relaes. Dessa forma,
os caminhos para a interveno do psiclogo escolar devem, portanto, estar ancorados na
compreenso de que as relaes sociais originam o processo interdependente de
construes e apropriaes de significados e sentidos que acontece entre os indivduos,
influenciando, recproca e/ou complementarmente, como cada sujeito constitui-se
enquanto tal. Para intervir na complexidade intersubjetiva presente nessas relaes, o
psiclogo deve fazer uma escolha deliberada e consciente por uma atuao preventiva
sustentada por teorias psicolgicas cujo enfoque privilegie uma viso de homem e
sociedade dialeticamente constitudos em suas relaes histricas e culturais. (Arajo,
2003, p. 66)
Priorizar um posicionamento de carter preventivo e relacional supe que se crie um
espao de interlocuo com os atores escolares - professores, coordenadores, direo e outros -,
tendo como foco os aspectos objetivos e subjetivos dos processos de desenvolvimento e de
aprendizagem (Arajo, 2003; Arajo & Almeida, 2003). Valorizar e oportunizar, intencionalmente,
espaos interativos entre os sujeitos escolares conduz circulao de opinies, valores, angstias,
desejos, incmodos e expectativas que direcionam a prtica desses sujeitos e contribuem, ou no,
para o sucesso do processo educativo. A interlocuo entre os diferentes atores uma estratgia
que coloca em circulao os sentidos subjetivos por eles construdos, possibilitando-os reconhecer
a relao existente entre a sua prtica e os elementos que a determinam. A tomada de conscincia
dessa relao que traz, ento, a possibilidade de transformar intencionalmente suas aes.
Adotar um modelo de atuao relacional no implica abandonar por completo modalidades
de interveno que focalizem os sujeitos individuais, mas trata-se, sobretudo, de integrar a estas
aes institucionais e coletivas direcionadas para a rede de relaes que a base dos processos
pedaggicos e de gesto de uma instituio. Sob a precauo de no adotar um modelo mdico-
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individualizante, um equvoco afirmar que o modelo de atuao preventivo e relacional abdica do
olhar sobre os sujeitos individuais, pois destes que advm o material de trabalho do psiclogo
escolar. Inserir a dimenso psicolgica no interior das prticas educativas pressupe articular
questes de ordem dos sujeitos e das instituies, entrelaando o individual com o coletivo
(Novaes, 2003, p. 132), sem abandonar o olhar e ateno ao sujeito individual. como se, a todo
momento, o psiclogo escolar tivesse que fazer um movimento dialtico entre o que da ordem do
individual e do coletivo, buscando entender como estas duas instncias se imbricam mutuamente e
se reconstroem, ressignificando-se.
Diante do que foi exposto at o momento, percebe-se que a partir do movimento de crtica
atuao pautada em um modelo mdico e patologizante, a Psicologia Escolar direcionou-se para
um modelo preventivo e relacional. Este, por sua vez, abandonou a nfase prioritria sobre o sujeito
individual e deslocou sua ateno para a complexa rede de relaes pessoais e institucionais que
sustenta a dinmica escolar. Essa mudana de perspectiva - do individual para o social, do
particular para o coletivo, do micro para o macro - contribuiu para que se evidenciasse uma atuao
de carter muito mais institucional. Dessa maneira, da imagem clssica do profissional dos testes
tem-se hoje o psiclogo interagindo e observando naturalmente os alunos, planejando aes com
professores e pais, dinamizando as relaes interpessoais na escola e na comunidade (Guzzo,
Almeida & Wechsler, 1993, p. 7).
Os caminhos estabelecidos para uma interveno institucional em Psicologia Escolar,
portanto preventiva e relacional, ancoram-se fundamentalmente em aes direcionadas
conscientizao dos sujeitos escolares, de forma a favorecer nesses sujeitos uma lucidez acerca do
seu papel profissional, funes e responsabilidades que os levem a assumir aquilo que lhes compete
no mbito das relaes que se estabelecem no cotidiano escolar. Tomar conscincia, entretanto, no
um processo individual e a parte do contexto no qual o sujeito est inserido; muito pelo contrrio,
um processo que transcorre na interao dos sujeitos entre si e destes com o ambiente do qual
fazem parte. Desta forma, para promover uma interveno institucional relacional preciso que o
psiclogo escolar investigue e analise a instituio escolar como um todo, contribuindo para que as
rupturas e reformulaes levem, em ltima instncia, a um redirecionamento das prticas dos
profissionais (Marinho-Arajo & Almeida, 2005a).
Para proceder a uma anlise e interveno nas relaes preciso oportunizar situaes nas
quais os sujeitos conversem entre si, troquem ideias, evidenciem as contradies, defendam seu
ponto de vista, critiquem escolhas, denunciem prticas incoerentes, expressem seus desejos, enfim,
preciso criar oportunidades para a circulao das vozes ou dos discursos que permeiam o
contexto educativo. importante salientar que a circulao dessas ideias no se d naturalmente,
como se fosse uma consequncia automtica da adoo do modelo institucional-relacional em
Psicologia Escolar. Ao contrrio, colocar ideias, princpios, valores, desejos e incmodos em
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movimento em um contexto institucional, exige que se crie, intencionalmente, espaos que
favoream tal movimento.
Constituir espaos oportunos circulao do discurso exige, por sua vez, que o psiclogo
escolar desenvolva uma competncia que prpria da especificidade do suporte psicolgico na
educao: a atitude de escuta clnica (Almeida, 1999; Arajo, 2003; Arajo & Almeida, 2003;
Marinho-Arajo & Almeida, 2005a). medida que o discurso posto em circulao, compete ao
psiclogo escolar ouvi-lo e fazer uma leitura crtica e reflexiva do discurso institucional e do
sofrimento psquico dos sujeitos.
Kupfer (2004) esclarece que a circulao dos discursos oportuniza a oxigenao das ideias
e traz a possibilidade de transformao. Se, por um lado, o discurso tende a reproduzir repeties e
cristalizaes como tentativa de evitar a mudana, por outro, existem manifestaes, expressas em
falas de sujeitos, que evidenciam tentativas de mudar o que est cristalizado. Ainda que existam
padres, rotinas e prticas j institudos, s vezes emergem vozes que evidenciam a inadequao do
que est posto e a necessidade de mudana; o psiclogo escolar deve estar atento ao que se repete
mas, acima de tudo, ao que est emergindo como novo. exatamente como auxiliar de produo
de tais emergncias que um psiclogo pode encontrar seu lugar (Kupfer, 2004, p. 59). Diante
dessas vozes que emergem, cabe ao psiclogo escolar estar em posio de escuta clnica das vozes
institucionais, o que lhe possibilitar entender e analisar criticamente os aspectos objetivos e
subjetivos que participam da dinmica escolar.
Importante ressaltar que escuta clnica no utilizado como sinnimo de atuao clnica,
quela que caracterizou o trabalho inicial em Psicologia Escolar. Defender a escuta clnica
psicolgica no significa defender a aplicao do modelo clnico-teraputico na Educao, mas
lanar mo de uma competncia especfica do saber psicolgico que se ancora sob uma formao
terica adequada por parte do psiclogo escolar e a uma forma tica de agir e de pensar. Conforme
destaca Almeida (1999), o psiclogo renunciou no somente ao modelo clnico, mas tambm
atitude clnica e sensibilidade da escuta (p. 66), que devem ser prprias da atuao psicolgica
na escola. A autora complementa dizendo que mesmo que se privilegie uma ao preventiva em
Psicologia Escolar no se pode, a priori e preconceituosamente, rejeitar os ensinamentos e a
experincia acumulada do modelo clnico (p. 68) negando toda uma construo cientfica que d
sustentao ao trabalho psicolgico.
A escuta clnica psicolgica em um contexto institucional de natureza ativa e tem como
marca a intencionalidade da transformao, por acreditar que o encontro de sujeitos subjetivamente
implicados e envolvidos com aquele contexto produz novos sentidos, instaura uma rede
diferenciada de interaes e muda os rumos das aes pessoais e institucionais. A nfase da escuta
clnica est, portanto, na sensibilidade aos discursos institucionais, os quais expressam fenmenos
subjetivos e intersubjetivos que so constituintes do modo singular como cada contexto educativo e
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os sujeitos ali inseridos assumem suas responsabilidades, conduzem suas aes e se envolvem com
os processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano.
Diante do que foi apresentado at o momento, fica explcito que o afastamento em relao
postura adaptativa e corretiva fez com que a Psicologia Escolar buscasse uma atuao de carter
preventivo e relacional que se sustenta muito mais em parmetros de sucesso do que de fracasso.
Ao contrrio da cultura do fracasso que tende a responsabilizar e culpar o prprio aluno pelas
dificuldades que vivencia, acentuando suas limitaes e deficincias, a cultura do sucesso escolar
privilegia as potencialidades e possibilidades em vez dos problemas e dificuldades, focaliza
as diferentes alternativas individuais e coletivas de superao das adversidades, valoriza as
diferenas, a heterogeneidade e a diversidade de formas de aprender, pensar e estar no
mundo. Nesse sentido, a Psicologia Escolar tem buscado consolidar uma atuao que se
baseia em crescimento e sucessos dos atores escolares em contraponto nfase em
problemas e dificuldades. (Oliveira & Marinho-Arajo, 2009, pp. 658-659)
importante destacar que a orientao para o sucesso escolar est estreitamente vinculada
responsabilidade e ao compromisso da Psicologia Escolar com a promoo do desenvolvimento,
seja ele individual, coletivo ou institucional. A esse respeito, Guzzo (1996, 2001) pontua que a
atuao essencialmente preventiva em Psicologia Escolar, comprometida com a potencialidade da
educao no que compete a formao das pessoas - de cidados - traz em si a adoo de uma
abordagem terica do desenvolvimento humano. Dessa maneira, a interveno institucional,
preventiva e relacional, proposta contemporaneamente pela Psicologia Escolar, est direcionada
para reformulaes pessoais e institucionais que oportunizem, aos atores envolvidos,
transformaes e saltos qualitativos em seu desenvolvimento.
Em sntese, a finalidade das intervenes psicolgicas no interior de uma instituio
educativa , sobretudo, a de promover o desenvolvimento e as potencialidades dos sujeitos em
relao, sendo que para alcanar essa finalidade o psiclogo escolar precisa considerar tanto as
questes individuais quanto as coletivas e institucionais. Para tanto, necessrio criar um espao de
interlocuo e de escuta que se detenha aos discursos que circulam naquele contexto especfico e
lhe conferem especificidades bastante particulares.
Com apoio nesta perspectiva institucional e relacional de atuao em Psicologia Escolar, o
procedimento do Mapeamento Institucional surge como um recurso capaz de apreender as
particularidades de cada contexto e orientar as intervenes a serem desencadeadas. O
Mapeamento Institucional, conforme proposto por Arajo (2003), Arajo e Almeida (2003) e
Marinho-Arajo e Almeida (2005a), um exemplo de estratgia que favorece o conhecimento da
instituio, sua misso, filosofia, princpios e concepes orientadoras, tanto em termos das
convergncias e coerncias quanto de contradies e incoerncias. Constitui-se como uma etapa
inicial para as intervenes em Psicologia Escolar, dado que ir fornecer os subsdios necessrios
para a compreenso do cotidiano da instituio.
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Referindo-se histria das instituies educativas e as diferentes maneiras de investig-las,
Sanfelice (2007) diz que em seu interior existe um quebra-cabea a ser decifrado, de forma que,
uma vez dentro delas, deve-se tentar descobrir o lugar de cada pea e o seu papel no conjunto.
Uma instituio escolar ou educativa a sntese de mltiplas determinaes, de variadssimas
instncias (poltica, econmica, cultural, religiosa, da educao geral, moral, ideolgica etc) que
agem e interagem entre si, acomodando-se dialeticamente de maneira tal que da resulte sua
identidade (p. 77). Assume-se, portanto, que imprescindvel que o psiclogo escolar invista em
conhecer pormenorizadamente o contexto no qual est inserido, haja vista que este conhecimento
lhe trar informaes acerca das ideias, caractersticas e dinmica prprias dessa instituio.
O Mapeamento Institucional, como um procedimento que promove acesso e aproximao a
esse contexto, deve estar direcionado para a anlise das influncias ideolgicas e filosficas
presentes na instituio; dos papis, direitos, deveres e responsabilidades dos sujeitos e da
instituio; das concepes dos profissionais que so subjacentes s suas prticas educativas e as
orientam; da estrutura e dinmica do trabalho pedaggico em termos de organizao temporal e
espacial; da dinmica de gesto escolar expressa e a organizao das relaes funcionais entre os
diferentes grupos; dos Parmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais, especialmente quanto
concepo de aprender e ensinar (Arajo, 2003; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a).
Segundo Martnez (2007, 2009), um ponto especial do Mapeamento Institucional permitir
que o psiclogo escolar tenha contato com a subjetividade social da instituio, aquela que
expressa as concepes, sentidos, crenas e valores que caracterizam a escola como espao social,
guardando uma articulada inter-relao com as subjetividades individuais dos indivduos que
constituem esse espao social (Martnez, 2007, p. 106). Voltar a ateno para a subjetividade
social da instituio implica entender como se d, neste contexto especfico, a integrao das
configuraes individuais e grupais e como estas se expressam no cotidiano escolar em termos de
prticas, escolhas, organizao e estrutura. Em consonncia com a perspectiva institucional e
relacional em Psicologia Escolar, que reconhece a importncia das interaes na construo das
prticas sociais e profissionais, realizar um Mapeamento Institucional como forma de acessar a
subjetividade social da instituio significa valorizar que esta se constitui a partir de um
entrelaamento dialtico entre o individual e o social, o particular e o coletivo.
Ao ingressar num contexto educativo a primeira ao do psiclogo escolar deve ser,
portanto, a de reunir informaes que lhe possibilite conhecer esse contexto, realizar uma anlise e
diagnstico das suas especificidades e, assim, traar um plano interventivo. Sobre os possveis
instrumentos e procedimentos a serem adotados para realizao do Mapeamento Institucional,
Correia e Campos (2004) sugerem
desde conversas informais, entrevistas semidirigidas, at observaes em ptios, corredores
e salas de aula.... Enfim, nas situaes que possibilitem o levantamento de informaes a
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respeito das relaes e da influncia destas na dinmica das salas de aula e da escola
como um todo. (p. 166)
Sendo assim, o Mapeamento Institucional pode se realizar por meio: (a) da anlise dos
documentos institucionais (proposta pedaggica, regimento interno, organograma e outros
documentos escolares), os quais sero objeto de leitura e anlise crtica; (b) da insero em prticas
institucionalizadas, como reunies, projetos e eventos oficiais; (c) da observao da rotina
institucional e das relaes que ali se estabelecem; e (d) do dilogo, ou entrevistas, com os atores
escolares (Arajo, 2003; Correia & Campos, 2004; Marinho-Arajo, 2009a). A partir do exame,
reflexo e integrao das informaes construdas nesse mapeamento, o profissional pode,
finalmente, delimitar sua interveno, a qual ir refletir a singularidade da instituio.
Cumpre destacar que o Mapeamento Institucional um processo regular que
continuamente ir subsidiar a interveno do psiclogo escolar. Apesar de ter funo primordial no
desencadeamento das aes iniciais, a sua constante atualizao que permitir que o trabalho
desenvolvido esteja sempre em consonncia com as necessidades institucionais, as quais so
dinmicas e esto em permanente transformao. Ademais, dada a adoo de um modelo relacional
de interveno, certo que a realizao do Mapeamento Institucional no se constitui, apenas, em
um procedimento de coleta de informaes; ele , tambm, um instrumento de interveno, j que
movimenta as ideias e as relaes institucionais e gera modificaes no contexto.
Conforme apresentado nesta seo, as principais diretrizes que vm orientando a atuao
em Psicologia Escolar podem ser assim resumidas: a adoo de uma abordagem preventiva; a
anlise e interveno direcionadas para as relaes interpessoais; a promoo, intencional, de
espaos de interlocuo entre os diferentes atores e o desenvolvimento de uma escuta clnica
psicolgica direcionada para os aspectos intersubjetivos; a interveno institucional voltada para
conscientizao dos papis e responsabilidades dos sujeitos; a vinculao perspectiva do sucesso
escolar, promoo do desenvolvimento e das potencialidades dos sujeitos. As diretrizes aqui
apresentadas configuram-se como referncias orientadoras do trabalho a ser realizado pelos
psiclogos escolares, de maneira a dar-lhes uma conformao condizente com as crticas que foram
postuladas atuao inicialmente desenvolvida.
importante ressaltar que apesar de acreditar que estas diretrizes sintetizam o que
atualmente entende-se ser pertinente atuao em Psicologia Escolar, certo que outras diretrizes
e abordagens que no foram aqui exploradas tambm podem orientar a atuao da rea, renovando-
a e oxigenando-a. A elucidao de diretrizes orientadoras da ao em Psicologia Escolar constitui-
se uma tentativa de evidenciar caminhos de interveno para a rea, mas no tem a pretenso de
esgotar as inmeras possibilidades de atuao que podem, e devem, se constituir ao longo da
prtica profissional.
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O Perfil Profissional do Psiclogo Escolar e os Desafios Formao.
As reflexes feitas acerca do estabelecimento de uma nova Psicologia Escolar apontam,
tambm, alguns indicadores relacionados ao perfil dos psiclogos que esto envolvidos com a
interface Psicologia-Educao. Inicial