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A ATUAÇÃO DO GESTOR PEDAGÓGICO NAS PRÁTICAS ESCOLARES VOLTADAS À CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA 1 Taís Fernanda Silva Martins 2 Marta Lucia Croce 3 RESUMO A gestão pedagógica é uma das dimensões da gestão escolar voltada diretamente para o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento para a cidadania. Trata-se de uma ação humana própria do profissional Pedagogo, sistematizada e intencional, desenvolvida com o objetivo de promover educação escolar transformadora. Na pesquisa, aqui descrita, procuramos verificar quais as possíveis contribuições do gestor pedagógico neste processo educativo, tomando como referência a função do pedagogo-gestor, tendo em vista a sua função de planejar, orientar e coordenar as ações educativas na escola. Consideramos como premissa que o sujeito histórico e emancipado é aquele que consegue ter argumentações e desenvolver ações voltadas à transformação social. Trata-se de um cidadão ativo e atuante, que busca analisar criticamente a sociedade em que vive os valores que a perpassam e as ideias que unem e congregam seus membros em torno de ações democráticas. Neste sentido, a gestão pedagógica da escola deve estar fundamentada em princípios de formação para a cidadania de modo a contribuir para a garantia de uma sociedade mais justa para todos. Palavras-Chave: Gestão Pedagógica, Educação Escolar, Cidadania, Transformação Social. ABSTRACT Pedagogical management is one of the dimensions of school management turned directly for teaching, learning and developing education for citizenship. It is a human action of Pedagogue professional, systematized and intentional, developed with the objective of promoting transformer educational school. On the research described here, we seek to verify which are the pedagogical managers possible contributions in the educational process, taking as reference the pedagogical-managers function, having in view its function of planning, guiding and coordinating the educational actions in the school. We consider as premise that the historical and emancipated subject is the one who can have arguments and develop actions aimed at social transformation.It is 1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão Avaliadora como requisito parcial à Graduação de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá UEM. 2 Acadêmica do Curso de Pedagogia, Universidade Estadual de Maringá, Campus em Maringá-PR. 3 Professora Doutora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá UEM.

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A ATUAÇÃO DO GESTOR PEDAGÓGICO NAS PRÁTICAS ESCOLARES

VOLTADAS À CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA1

Taís Fernanda Silva Martins2

Marta Lucia Croce3

RESUMO

A gestão pedagógica é uma das dimensões da gestão escolar voltada diretamente para o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento para a cidadania. Trata-se de uma ação humana própria do profissional Pedagogo, sistematizada e intencional, desenvolvida com o objetivo de promover educação escolar transformadora. Na pesquisa, aqui descrita, procuramos verificar quais as possíveis contribuições do gestor pedagógico neste processo educativo, tomando como referência a função do pedagogo-gestor, tendo em vista a sua função de planejar, orientar e coordenar as ações educativas na escola. Consideramos como premissa que o sujeito histórico e emancipado é aquele que consegue ter argumentações e desenvolver ações voltadas à transformação social. Trata-se de um cidadão ativo e atuante, que busca analisar criticamente a sociedade em que vive os valores que a perpassam e as ideias que unem e congregam seus membros em torno de ações democráticas. Neste sentido, a gestão pedagógica da escola deve estar fundamentada em princípios de formação para a cidadania de modo a contribuir para a garantia de uma sociedade mais justa para todos.

Palavras-Chave: Gestão Pedagógica, Educação Escolar, Cidadania, Transformação Social.

ABSTRACT

Pedagogical management is one of the dimensions of school management

turned directly for teaching, learning and developing education for citizenship. It

is a human action of Pedagogue professional, systematized and intentional,

developed with the objective of promoting transformer educational school. On

the research described here, we seek to verify which are the pedagogical

manager’s possible contributions in the educational process, taking as

reference the pedagogical-manager’s function, having in view its function of

planning, guiding and coordinating the educational actions in the school. We

consider as premise that the historical and emancipated subject is the one who

can have arguments and develop actions aimed at social transformation.It is

1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão Avaliadora como requisito parcial à

Graduação de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá – UEM. 2

Acadêmica do Curso de Pedagogia, Universidade Estadual de Maringá, Campus em Maringá-PR. 3

Professora Doutora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá – UEM.

2

about an active and participant citizen, who seeks to critically analyze the

society in which he lives, the values that permeate it and the ideas that join and

congregate their members around democratic actions. In this sense, the

pedagogical management of the school must be based on principles of

transformation for citizenship in order to contribute to the guarantee of a fairer

society for all.

Key words: Pedagogical Management, School Education, Citizenship, Social

Transformation.

INTRODUÇÃO

A educação é um processo contínuo e permanente, no qual educamos e

somos educados em comunidade, ao longo da vida. No meio social

contemporâneo a educação escolar firma-se como uma etapa do processo

educativo, que exige organização e sistematização pedagógicas provenientes

de profissionais habilitados.

No presente estudo tratamos da educação escolar, mais

especificamente da organização e gestão pedagógica da escola, compreendida

em seus princípios éticos e democráticos como atribuição do Pedagogo

Escolar. Este profissional atua na escola como um agente integrador e

articulador das ações de construção do conhecimento, para a vida.

De acordo com Debesse e Mialaret (1974), a Pedagogia é a ciência e a

arte de organizar, sistematizar e implementar o processo de ensino e

aprendizagem para grupos de pessoas. Nesta ação pedagógica estão

presentes os aspectos da gestão escolar, a ser compreendida como uma

metodologia da educação própria do espaço escolar, que tem como principal

objeto a conquista de uma escola “de todos e para todos”.

Assim, o papel do Pedagogo vai muito além de trâmites burocráticos e o

seu comprometimento com a sociedade vai para além dos bancos escolares.

Seu compromisso perpassa a esfera burocrática, assumindo a função de

disseminar o conhecimento acadêmico de qualidade, a cultura, valores,

favorecendo a construção de uma sociedade pautada em cidadania.

Neste sentido, o Gestor Pedagógico, consciente de sua função social,

tem como dever intervir nas diferentes esferas da comunidade escolar na qual

atua. Trata-se de um agente capaz de promover mudanças pautadas na ética e

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no exercício da democracia, viabilizando a construção de um

homem consciente de sua responsabilidade enquanto cidadão.

No entanto, as concepções ideológicas que movem as práticas

docentes constituem-se em fatores que contribuirão para a concretização ou

não, de uma escola mais democrática, justa e cidadã. Seja qual for a função

profissional nela exercida, o desafio está em priorizar-se a formação

democrática e cidadã, tendo clareza quanto ao compromisso político e ético

que a instituição assume com a sociedade.

A prática pedagógica, neste contexto, precisa ser constantemente

avaliada para que a perspectiva de uma educação democrática se concretize,

não ficando esta reduzida aos discursos teóricos. Uma educação voltada para

uma prática pautada em princípios democráticos, torna-se cada vez mais

necessária no mundo contemporâneo.

É preciso compreender que o papel do Gestor Pedagógico, no entanto,

vai para além das intenções sobre uma educação voltada para uma prática de

cidadania, pois são necessárias ações de compartilhamento de saberes,

posturas e decisões conscientes e concretas.

Embora a proposta da educação democrática, voltada à formação para a

cidadania, esteja no auge das reflexões acadêmicas, é fundamental que

compreendamos a atuação do Pedagogo e como seu trabalho pode resultar

em ações e práticas efetivamente transformadoras. Com a intenção de

inquietar a comunidade educativa, esse artigo pretende instigar, despertar e

sugerir alguns direcionamentos, a fim de que se possa contribuir para a

reflexão e escolha das ações transformadoras pretendidas para o exercício da

cidadania.

Assim, o primeiro tópico apresenta o conceito e função do Gestor

Escolar, com ênfase nas ações de Gestão Pedagógica desenvolvidas pelo

Pedagogo. Em seguida, trazemos a concepção de formação para a cidadania e a

atuação do sujeito em uma sociedade democrática. Complementamos com a

gestão da escola no processo de formação cidadã, tendo como parâmetro a ação

educativa do Pedagogo Gestor. Finalizamos com uma análise voltada à prática

da Gestão Pedagógica a partir da teoria apresentada neste artigo.

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1. O GESTOR PEDAGÓGICO NO ÂMBITO DA GESTÃO ESCOLAR

Os saberes escolares são primordiais ao homem, para que construa

conhecimentos que ultrapassem o senso comum e, assim, seja capaz de

formular argumentações fundamentadas e críticas aos fatos e problemas do

cotidiano social. A educação escolar, portanto, pode ser entendida como a

apropriação do saber historicamente acumulado, organizado de modo a fazer

com que o cidadão seja capaz de compreender seu contexto histórico-social,

diferenciando valores éticos e morais transformadores da sociedade.

Esta apropriação de conhecimentos e saberes deve alcançar o objetivo

de formar o cidadão crítico, para ser sujeito de transformação social. Logo, é

necessário que a educação escolar possua profissionais habilitados para a

organização e desenvolvimento de ações pedagógicas que promovam a

aquisição de conhecimentos e formação para a cidadania.

Neste sentido, a Gestão Escolar aparece como um caminho possível

para o desenvolvimento de ações coletivas participativas, envolvendo os

profissionais da escola e a comunidade a ela vinculada. Para Dourado (1998),

a cultura de participação na Gestão Escolar precisa ser construída

permanentemente, baseada nos princípios democráticos de modo a concretizar

o cumprimento da função social da escola quanto a formação dos estudantes e

também dos profissionais que nela atuam.

Dourado (1998) destaca que administrar uma escola não é tarefa fácil,

porque a gestão democrática prima pelo trabalho coletivo e nem todos os

atores escolares estão preparados para o exercício democrático. A falta de

preparação se refere à falta de diálogo, de ouvir o outro e entender o problema.

Este seria o ponto de partida para avançar e participar da democracia.

É necessário ressaltar que a organização e administração escolar

tiveram forte influência da escola clássica ou de administração científica,

liderada por Frederick Taylor (1856-1915), o qual estabeleceu princípios de

eficiência e eficácia na administração por meio do controle do tempo, dos

processos de produção, dos custos e da divisão do trabalho de modo a gerar

mais lucro. Esta forma de organização empresarial teve um profundo impacto

na educação e ainda hoje influencia as práticas escolares.

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No entanto, as finalidades da educação escolar deveriam ser

antagônicas às organizações empresariais. Enquanto a escola objetiva o

cumprimento de sua função de socialização do conhecimento historicamente

produzido e acumulado pela humanidade, a empresa visa a privação desse

conhecimento para a produção de mais-valia, lucro para a reprodução do

capital, como meio para manutenção da hegemonia do modo de produção

capitalista. Conforme afirma Paro (2006):

O fato de nossa escola estar tão degradada em sua função de divulgação do saber, que o mínimo de conteúdo que se consiga através dela já represente muito para a classe trabalhadora, não deve levar a que se satisfaça com apenas isto. Também a constatação de que, por ser capitalista, a escola encontra sérios obstáculos para veicular conteúdos que contrariem a ideologia dominante, não pode ser motivo suficiente para inibir a iniciativa de se buscarem aí, espaços propícios à promoção da consciência crítica (PARO, 2006, p.119).

Neste contexto, o Gestor Pedagógico precisa atender os objetivos

educacionais dos processos de ensino e de aprendizagem, encaminhando

procedimentos que atendam as determinações burocráticas de órgãos

superiores de ensino. Porém, acumula a tarefa de promover formação humana

e humanizadora na construção da cidadania, como fundamento da Educação

Escolar previsto na Constituição Federal do Brasil, de 1988, e da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996.

Como setor fundamental ao bom andamento da Educação Escolar, a

Gestão Pedagógica, exercida pelo Pedagogo Gestor, deve ser conduzida em

sintonia com as decisões do Diretor de Escola, considerado o Gestor geral da

instituição. Nesse sentido, Paro (2006) alerta sobre a resolução de problemas

pedagógicos, relativos à busca de soluções pelo Pedagogo Gestor:

[...] problemas cujas soluções escapam parcial ou completamente ao seu alcance, quer porque dependem das decisões superiores, quer porque os recursos necessários não estão disponíveis, são encarados como se dependessem exclusivamente da vontade do diretor da escola (PARO, 2006, p. 134).

Segundo o autor, esta problemática pode ser minimizada quando a

responsabilidade pelos problemas educacionais forem distribuídos entre os

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atores escolares. Todos devem participar coletivamente das decisões no

âmbito escolar, e neste contexto o Pedagogo Gestor destaca-se como principal

interlocutor. Isto significa partilhar a responsabilidade pelos problemas

educacionais com a comunidade, sem eximir o Estado da sua efetiva ação

mantenedora, mas sim, intensificando a legitimidade do sistema educacional.

A participação coletiva conduz às práticas democráticas e propicia

exercício da cidadania, enquanto processo teórico para que as mudanças

ocorram na prática pedagógica. Para Luck et al (2009),

As escolas bem dirigidas, conforme evidenciado pelo desempenho dos alunos e pela percepção clara dos professores sobre seu trabalho, exibem um cultura de reforço mútuo das expectativas: confiança, interação entre os funcionários e a participação na construção dos objetivos pedagógicos, curriculares e de prática em sala de aula (LUCK et al, 2009, p. 29).

O Pedagogo destaca-se neste contexto ao garantir a participação da

comunidade escolar na construção de soluções coletivas. Este é um dos seus

grandes desafios, que exige criar mecanismos para atingir o objetivo do

envolvimento de todos nas atividades escolares relacionadas à ação

pedagógica.

A escola, de acordo com Paro (2006), encontra sérios obstáculos para

veicular conteúdos que contrariem uma ideologia baseada na produção

capitalista, na desconstrução do sujeito enquanto agente de mudanças sociais

e agente de superação dos meios de produção. Enquanto organização social, a

escola é parte constituinte e constitutiva da sociedade em que está inserida.

Estando a sociedade organizada, sob o modo de produção capitalista, a

escola enquanto instância dessa sociedade vem a contribuir tanto para a

manutenção quanto para a superação desse modo de produção. A sociedade é

constituída por relações contraditórias e conflituosas estabelecidas entre

grupos que nem sempre comungam dos mesmos objetivos. Mesmo assim, há

possibilidade da construção de práticas de gestão voltadas para a

transformação social, por meio da formação crítica do sujeito enquanto ser

pensante critico, e sua ação de participação na resolução de problemas

coletivos.

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Assim, a Gestão Escolar, de acordo com Paro (2006), é vista como a

mediação entre os recursos humanos, materiais, financeiros e pedagógicos

existentes na instituição escolar e a busca dos seus objetivos, que além do

ensino, visa também a formação para a cidadania que, de acordo com a

concepção democrática. Ela se efetiva por meio da participação dos sujeitos

sociais envolvidos com a comunidade escolar, na elaboração e construção de

seus projetos, processos de decisão, de escolhas coletivas, nas vivências e

aprendizagens de cidadania.

O Gestor Pedagógico é responsável pela coordenação de projetos, ou

seja, ele na figura de Pedagogo é responsável pela coordenação do processo

educacional, bem como pela articulação das ações necessárias no âmbito

escolar. É responsável, ainda, por imprimir no estabelecimento de ensino uma

visão de horizontes largos, que extrapole uma tendência a ações reativas e

imediatista, empregadas no cotidiano escolar.

A gestão escolar, quando efetiva, está continuamente voltada para a

resolução ou parte dos eventuais problemas que surgem em decorrência de

relações interpessoais mal orientadas, e para a construção de uma produtiva

relação de trabalho compartilhado. Entender que o grande desafio é coordenar

uma proposta que precise ser pautada no coletivo, administrar os conflitos dela

decorrentes e ainda arcar com todas as responsabilidades que lhe são

inerentes.

Também é preciso cuidar das necessidades e dos anseios da

comunidade escolar e dos educadores, trabalhar em equipe e acolher as

contribuições dos atores do contexto escolar, principais alavancadores do

projeto da escola. Este é um verdadeiro exercício de compartilhamento e

descentralização do poder em função de uma proposta que pretenda a

formação de “um homem” competente, protagonista de sua própria história,

promotor do bem comum, inspirado em ideias de liberdade e solidariedade.

O Gestor Pedagógico deve reconhecer que por meio de sua atuação é

possível construir novas relações e perspectivas dentro da escola que

consequentemente, refletirão no espaço social da comunidade escolar.

Pensando no papel do Gestor Pedagógico como um trabalho que

pode resultar em ações e práticas transformadoras, no próximo tópico

abordaremos conceitos sobre democracia e educação e também discutiremos

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sobre alguns pontos essenciais para a construção, a formação e o exercício da

cidadania.

2. DEMOCRACIA, CIDADANIA E EDUCAÇÃO.

Na sociedade atual a escola é vista como o ambiente responsável em

capacitar crianças, jovens e adultos à cidadania e ao mundo do trabalho.

Embora as concepções da relação entre escola e sociedade possam ser

diferentes, todas designam a instituição escolar como formadora do cidadão

nos aspectos pessoal e profissional. A socialização do saber sistematizado

contribui para o acesso de oportunidades na sociedade, ou seja, propicia ao

indivíduo conteúdos e conhecimentos necessários para a vida humana.

No entanto, afirmar que a escola seja capaz de desenvolver a

cidadania, na conjuntura que se faz presente, parece ser um tanto arriscado ou

utópico. Ser cidadão é usufruir dos direitos e deveres estabelecidos na

constituição de uma nação. Coutinho (1980) conceitua cidadania como

apropriação dos bens sociais, onde o indivíduo atinge potencialidades de

realização humana, ou seja, participa ativamente das decisões, das

organizações e reconhece sua jurisdição.

Os direitos civis e humanos foram reafirmados pela ONU após a

Segunda Guerra Mundial, mas onde estão os direitos do cidadão? A minoria da

população, considerada elite, dispõe de privilégios, enquanto que a maioria das

pessoas vivem em uma sociedade com condições precárias de sobrevivência.

Especificamente no âmbito da educação, um dos direitos do cidadão,

verifica-se uma disseminação à construção de um estado democrático, à

liberdade de expressão, ao espírito crítico, à igualdade e diversidade nos

modos de vida. Perrenoud (2005) afirma que “a escola nunca foi tão

democrática; jamais, na história, ela tratou tão bem as crianças”. Não se pode

negar os avanços no que se refere ao aumento de crianças matriculadas,

escolas mais bem equipadas, inserção das tecnologias no aprendizado, criação

de Leis que amparam o sistema educacional. A escola se fez importante na

criação dos Estados democráticos, pois sempre esteve atrelada ao sistema

político.

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Como esclarece Buffa (1995):

Já no século passado a educação consistia no mais eficiente instrumento para a construção de um Estado republicano democrático. Acreditavam que um regime político que se definia como sendo do povo e para o povo necessitava de uma sólida organização escolar capaz de oferecer uma formação política, a mais completa possível, a todos os cidadãos (BUFFA et al, 1995, p. 31-32).

No entanto, a criação de um Estado democrático exige que a maioria da

população encontre-se preparada para o exercício da cidadania, uma vez que

esta é compreendida como participação social e política. Se levarmos em conta

que a educação escolar desponta na legislação brasileira como espaço de

formação cidadã, devemos considerar as dificuldades do cotidiano escolar ao

pensarmos que milhões de brasileiros são analfabetos funcionais.

Grande parte nem sabe escrever seu nome e decifrar algumas palavras

ou são incapazes de compreender o que leem. A qualidade do ensino ainda

não é a desejada. Nesse contexto, convém descrever as palavras de

Lamounier (1981), ao se referir aos analfabetos dos anos 1940, que não

diferem muito do que se constata nas avaliações nacionais.

Não estaremos a revelar nenhum segredo dizendo que a grande maioria dos nossos atuais círculos governamentais e parlamentares não acreditam no povo brasileiro como entidade consciente, não lhe reconhecendo, portanto, nenhuma capacidade de discernimento e de liberação. O que se ouve a cada passo é que este povo, dado seu grande atraso, do que precisa exatamente é de uma força que o tutele, o eduque e o conduza, protegendo-o mesmo contra si próprio, pois as deploráveis condições de educação e cultura o predispõem a todos os desatinos (Lamounier, 1981, p. 230).

Apesar da citação se referir aos anos 40, a sociedade atual não se

diferencia nos aspectos da educação e cultura. A situação é lastimável porque

muitos alunos saem da escola sem condições necessárias para formar uma

opinião, para defender um ponto de vista, para aprender a resolver problemas.

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A acumulação de conteúdos fragmentados não colabora para a

formação da cultura científica e postura ética reflexiva, pelo contrário, induz o

individuo a aceitar e acomodar-se com a situação. A escola não oferece meios

pedagógicos suficientes que contribuam no desenvolvimento da democracia e

da cidadania. Se a democracia supõe uma capacidade de compreender os

desafios e de exercer um posicionamento crítico, a educação escolar deveria

oferecer requisitos mínimos.

Por mais que os discursos políticos direcionados à área escolar

enfatizem a democratização do ensino, na prática ainda se faz necessário

compreender que não é possível falar em democracia na escola sem examinar

a prática social na qual os sujeitos estão imersos em seu cotidiano, para além

da escola. Para que a democracia seja exercida efetivamente, os atores

escolares devem promover debate, compreender os pontos de vistas

divergentes, oportunizar momentos de reflexão e participação de todos.

O exercício da democracia se aprende praticando. Ora, se a cidadania

compreende os direitos cívicos e humanos, e se a mesma é exercida pela

democracia, como desenvolver nos alunos se a mesma não ocorre no espaço

interno escolar? A democratização da escola é entendida como um acesso

ampliado da escola aos alunos e a participação de suas famílias, assim como

de toda comunidade interna da escola no processo educativo que é

desenvolvido. As condições para que tudo aconteça precisam ser criadas para

favorecer uma organização cujo clima seja compromisso de todos.

Na medida em que se conseguir a participação de todos os setores da escola – educadores, alunos, funcionários e pais – nas decisões sobre seus objetivos e seu funcionamento, haverá melhores condições para pressionar os escalões superiores a dotar a escola de autonomia e de recursos (PARO, 2000, p. 12).

A transformação social corresponde à superação da forma em que a

sociedade está organizada. O autor defende que seria necessária uma

mudança para que a sociedade deixasse de aceitar com naturalidade a

desigualdade social. O individuo, enquanto cidadão, não pode se omitir a

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realidade, pelo contrário, deve ajudar a combater as injustiças, sabendo

identificar e atacando suas causas.

As desigualdades sociais acentuadas pelo capitalismo se fazem

presentes no cotidiano: violência, desemprego, miséria, fome, falta de moradia,

falta de infraestrutura na saúde, segurança e divisão das riquezas. A educação

formal não pode justificar e racionalizar a exclusão desses fatos no processo

pedagógico. Ela precisa fornecer subsídios que questionem a constituição dos

fatos e faça a interpretação da realidade social. A cidadania não deve ser

entendida apenas como ordem social, ou seja, para o convívio de bem-estar,

da obrigação moral, da disciplina, do bem-comum.

A cidadania deve compreender os aspectos políticos, os quais muitas

vezes são identificados como jogo de egoísmo e falsidade. A política e o poder,

apresentados dessa forma, são excluídos pelas pessoas. Muitos não querem

se envolver, ou melhor, conhecer o funcionamento da política porque julgam

como sinônimo de corrupção. Preferem deixar a situação como está, sem se

envolver.

O que pretendemos destacar é que o reducionismo da questão da cidadania à moralização-educação para o bom convívio não é apenas um desvio, mas um obstáculo para a compreensão da questão da cidadania. Descolando a questão da cidadania da questão do poder, sua construção se esvazia e se reduz a um moralismo e pedagogismo estéreis. O pensamento pedagógico somente colocará o problema no devido lugar se superar esse modelo de equilíbrio estático e moralista e partir da visão real da sociedade como uma construção histórica trespassada por conflitos, antagonismos e lutas, onde a questão do poder está sempre presente, exigindo ser equacionado e socializado (BUFFA et al, 1995, p. 61).

Conforme a população se apropria do conhecimento necessário para

participação e representação do poder, a acomodação vai se dilacerando

abrindo caminhos para uma visão de que o Estado age como controlador da

movimentação das classes sociais. A conscientização do povo colabora na

construção da identidade política quando traz à tona a necessidade de

reivindicação, movimentação, organização e confronto com a classe

dominante.

A escola, por sua vez, deveria educar para o convívio político e social.

No entanto, como mencionado no início desse texto, seria um tanto utópico

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afirmar que a escola tem condições de formar o aluno para a cidadania plena;

que a escola seja capaz de resolver os problemas de ordem social, uma vez

que estes dependem da estrutura econômica e política do país. É necessário

entender de que forma a escola pode contribuir para o desenvolvimento da

cidadania através do seu processo pedagógico.

3. A CIDADANIA E A ATUAÇÃO DO PEDAGOGO EM UMA

SOCIEDADE DEMOCRÁTICA

Conforme o dicionário Aurélio (2010), “cidadania é a condição de

cidadão”, sendo assim, cidadão é “o individuo no gozo dos direitos civis e

políticos de um Estado”. Ou seja, conjunto de direitos e deveres exercidos por

um indivíduo que vive em sociedade, que se refere ao seu poder e grau de

intervenção no usufruto de seus espaços e na sua posição em poder nele

intervir e transformá-lo.

A formação para a cidadania implica, além do domínio de conteúdos, a

capacidade de entender e de relacionar-se com o outro como ser histórico,

social e cultural. Para relacionar-se são necessárias duas condições: primeiro,

saber ouvir o outro para conhecer suas formas de pensar, de representar o

mundo, de relacionar-se com os outros; e, segundo, saber ouvir a si mesmo

pelas mesmas razões.

Conhecer o outro e se conhecer significa necessariamente partilhar

semelhanças e diferenças das tradições culturais, das histórias familiares, da

religião, da etnia, do sentimento nacional. Estes elementos, frequentemente

esquecidos, representam a complexidade e a responsabilidade da formação

docente.

A escola não pode ser percebida pelos alunos como uma obrigação

sem sentido, mas sim como um projeto de dignidade e de cidadania. Este

projeto só pode ser realizado pela atuação dos sujeitos, capazes e decididos a

se engajar na luta por uma sociedade melhor. A escola tem a responsabilidade

de contribuir para a formação ético/política dos educandos.

Os objetivos que a Educação Básica busca alcançar, quais sejam, propiciar o desenvolvimento do educando, assegurar- lhe a formação comum indispensável para o exercício da

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cidadania e fornecer-lhe os meios para que ele possa progredir no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 1996).

O Pedagogo é fundamental em uma escola que prima pela qualidade do

ensino, é o profissional que atua na organização dos processos educativos

dentro e fora da escola envolvidos na sociedade.

Conforme a lei nº.103/2004, que dispõe sobre o plano de carreira dos

professores da Rede Estadual de Educação Básica no Paraná, no artigo 4º,

inciso 5º do capítulo III fica estabelecido que o pedagogo é professor. Portanto,

a partir daí, o termo professor pedagogo foi adotado pelo Estado do Paraná,

que institui o primeiro concurso para professor Pedagogo no ano de 2007.

Foi publicado em 2007 o Edital nº. 10/2007 – GS/SEED, onde consta as

atribuições da função, que são: coordenar a elaboração coletiva e acompanhar

a efetivação do Projeto Político-Pedagógico e do Plano de Ação da Escola;

coordenar a construção coletiva e a efetivação da Proposta Pedagógica

Curricular da Escola, a partir das Políticas Educacionais da SEED/PR e das

Diretrizes Curriculares Nacionais e Estaduais; sistematizar, junto à comunidade

escolar, atividades que levem à efetivação do processo ensino e

aprendizagem, de modo a garantir o atendimento às necessidades do

educando.

Foram ainda atribuídas as funções, coordenar a organização do espaço-

tempo escolar a partir do Projeto Político-Pedagógico e da Proposta

Pedagógica Curricular da Escola, intervindo na elaboração do calendário letivo,

na formação de turmas, na definição e distribuição do horário semanal das

aulas e disciplinas, da hora-atividade, no preenchimento do Livro Registro de

Classe de acordo com as Instruções Normativas da SEED e em outras

atividades que interfiram diretamente na realização do trabalho pedagógico;

coordenar, junto à direção, o processo de distribuição de aulas e disciplinas a

partir de critérios legais, pedagógicos e didáticos e da Proposta Pedagógica

Curricular da Escola; apresentar propostas, alternativas, sugestões e/ou

críticas que promovam o desenvolvimento e o aprimoramento do trabalho

pedagógico escolar, conforme o Projeto Político-Pedagógico, a Proposta

Pedagógica Curricular, o Plano de Ação da Escola e as Políticas Educacionais

da SEED; coordenar a elaboração de critérios para aquisição, empréstimo e

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seleção de materiais, equipamentos e/ou livros de uso didático- pedagógico, a

partir da Proposta Pedagógica Curricular e do Projeto Político-Pedagógico da

Escola;

Este profissional tem, ainda, de participar da organização pedagógica da

biblioteca, assim como do processo de aquisição de livros e periódicos;

informar ao coletivo da comunidade escolar os dados do aproveitamento

escolar; coordenar o processo coletivo de elaboração e aprimoramento do

Regimento Escolar, garantindo a participação democrática de toda a

comunidade escolar da organização e efetivação do trabalho pedagógico

escolar.

Segundo Calvi e Machado (2007),

O pedagogo escolar defronta-se, diariamente, com uma série de situações conflitantes e imprevisíveis que demandam sua atenção, impedindo de discutir o trabalho a ser desenvolvido com o coletivo da escola e seguir um planejamento definido. Envolvido com a rotina das questões que são mais urgentes.

Além de dar conta de todas as atribuições mencionadas no edital para

pedagogos, o mesmo lida com inúmeras situações internas referentes a alunos

e professores. Os problemas com alunos vão desde à indisciplina, àqueles que

chegam atrasados, gazeiam aulas, comparecem para as aulas sem uniforme, e

apresentam dificuldades de aprendizagem, a problemas relacionados a família

ou situações externas. Os problemas com os professores referem-se aos que

não dominam o conteúdo da disciplina que lecionam, não avaliam

coerentemente, não controlam a disciplina dos alunos em sala de aula, chegam

atrasados para o trabalho, são faltosos, não seguem o projeto político da

escola e plano de aula, não registram as ocorrências dos alunos em registro de

classe online, não registram a aula aplicada e nota de alunos dentro do prazo

estabelecido.

O Gestor Pedagógico, lida com questões burocráticas, porem na escola

atual, as questões ligadas ao outro enquanto sujeito se sobressai no campo de

atuação do pedagogo gerando a necessidade de orientar e direcionar o

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educando, para o pensamento critico e consciente de suas escolhas enquanto

membro da sociedade, ativo e colaborador da cidadania.

Porém, trabalhar a cidadania na prática educativa, em qualquer nível e

modalidade de ensino, é realmente muito complicado. Os educandos já

chegam à escola envolvidos por uma moral, ou seja, agem com valores

determinados pelo seu grupo social. Eles trazem valores vindos do senso

comum, os valores confundem-se com interesses particulares não

correspondendo aos interesses comuns.

Sendo assim, não basta ensinar conceitos e valores democratizantes, é

preciso que eles sejam vivenciados dentro da escola, entre os pares da ação

escolar, principalmente entre professores e alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu constatar que a cidadania está ligada à luta pelos

direitos políticos, pela liberdade e também por melhores garantias individuais e

coletivas. A escola, por sua vez, deve propiciar condições pedagógicas para a

formação de um cidadão que participa da comunidade na qual ele está

inserido. A educação sistematizada é a via para a conscientização do

comprometimento social.

Vivenciar a democracia é um direito de todo cidadão e esta ação deve

perpassar por todas as disciplinas escolares. Para que o educando aprenda a

viver em democracia, a escola precisa desenvolver ações democráticas no seu

interior. Faz-se necessário ensinar os alunos a desenvolver suas capacidades

intelectuais, a sua capacidade reflexiva em face da complexidade do mundo

moderno, em face de um conjunto de problemas sociais.

A organização dos conteúdos deve levar em consideração a realidade

dos alunos, porque estes adentram no ambiente escolar munidos de saberes

adquiridos em ambiente extraescolar. A escola não pode ser um local sem

sentido, sem significado.

As ações pedagógicas devem ser norteadas por uma gestão

democrática, na qual o Gestor Pedagógico consiga criar e efetivar mecanismos

que propicie a participação de todos os atores escolares nas decisões

16

educativas. Esta prática requer conhecimento teórico e persistência porque as

dificuldades que vão desde infraestrutura escolar até a formação dos docentes

são obstáculos a serem enfrentados.

O compartilhamento das decisões com pais, alunos, comunidades,

professores e funcionários não tem a intencionalidade de eximir o Estado de

suas responsabilidades com a educação, mas sim, legitimar os objetivos

educacionais. A luta pelos direitos e por melhores condições de ensino terá

resultados mais positivos se for engajada por todos os envolvidos.

A escola tem o compromisso de elevar o educando de sua condição de

individuo condicionado à condição de pessoa autônoma, precisa levá-lo a

reavaliar os valores de sua moral, para que possa assumir valores éticos no

seu agir. Este é o caminho para a construção de uma sociedade mais justa e

democrática, constituída de cidadãos participantes em condições que garantam

seus direitos em decorrência da dignidade humana de cada um.

Este processo de construção para a cidadania perpassa os aspectos

políticos e éticos, uma vez que componentes éticos estão presentes para o

educador, como possibilidade de desafio das escolas onde atua e, acima de

tudo, aparecem como fundamentação social, visando a uma análise mais

profunda de suas ações.

Este trabalho contribuiu para uma reflexão a cerca da importância da

formação do sujeito histórico e comprometido com as construção de uma

sociedade democrática.

REFERÊNCIAS

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