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Revista dos TRIBUNAIS Ano 104· vol. 960 • Outubro /2015 Diretora Responsável MARISA HARMS Diretora de Operações de Conteúdo Brasil JUlIANA MAYUMI ONO Editoros:Aline oarcy Flôr de Souza e Marcelia Pâmela da Costa Silva Coordenação Editorial JUllANA DE Cicco BIANCO Equipe de Produção Editorial Analistas Editoriais: Oamares Regina Felicio, Mauricio Zednik Cassirn, Sue Ellen dos Santos Gelli e Thiago César Gonçalves de Souza Qualidade Editorial Coordenação LUClANA VAZ CAMElRA Analista de Qualidade Editorial: C~rina Xavier Silva, Cinthia Santos Galarza, Cintia Mesojedovas Nogueira, Oaniela Medeiros Gon- çalves Meio, Daniele de Andrade Vintecinco e Maria Angelica Leite. Equipe de Jurisprudência . . Analistas Editoriais:Felipe Augusto da Costa Souza.Juiiana Cornacini Ferreira, Patricia Melhado Navarra e Thiaqo Rodngo Rangel Vicentini Copo: Andrea Cristina Pinto Zanardi Administrativo e Produção Grófica Coordenação CAIO HENRIOUE ANDRAOE Analista Administrativo: Antonia Pereira Assistente Administrativo: Francisca lucélia Carvalho de Sena Analista de Produção arófico: Ratael da Costa Brito m···· HOMENAGEM PÓSTUMA AOS ANTIGOS DIRETORES Plínio Barreto, Cristovam Protes da Fonseca, L. G. Gyges Prado, Aristides Molheiras, Naé Azevedo, Nelson Palma Travassas, Cottos Henrique de Carvalho, Louro Molheiras, Philomeno J. da Costa, José Alayon, Afro Marcondes dos Santos. A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA FRENTE À CULTURA DO ENCARCERAMENTO The first appearance hearing facing the culture af imprisanment CARLO VElHO MASI Mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Política Criminal: Sistema Constitucional e Direitos Humanos pela UFRGS. Pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Uni- versidade de Coimbra (Portugal) e em Ciências Penais pela PUC-RS. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (lBCCriml, Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal [lbraspp] e Instituto Bra- sileiro de Direito Penal Econômico (lBDPE). Advogado. [email protected] ÁREA DO DIREITO:Penal; Processual; Internacional RESUMO: O artigo analisa o conceito e as finalida- des da audiência de custódia, instrumento de hu-: manização do processo penal, previsto em diversos tratados internacionais de direitos humanos, pelo qual o preso deve ser apresentado pessoalmente e com rap idez à autoridade judiciária competente para analisar a prisão. Em seguida, avalia a previ- são deste ato judicial pré-processual nos sistemas de proteção dos direitos humanos, com ênfase na jurisprudência da Corte Interamericana de Direi- tos Humanos, concluindo que o Brasil, por aderir a diplomas internacionais que trazem essa previsão, pode ser responsabilizado pelo descumprimento dos compromissos firmados e pela violação deste direito dos presos. Em função disso, exploram-se o projeto de novo Código de Processo Penal e o Projeto de Lei 554/2011, que buscam regulamen- tar a audiência de custódia no Brasil. Dedica-se um ponto às práticas pioneiras nesse sentido.im- plantadas pelo TJSP e incentivadas pelo CNJ. Por fim, o artigo insere a resistência à celebração da audiência de custódia no âmbito de uma "cultura de encarceramento', que ainda impera no Brasil, apregoando a prisão provisória como a primeira resposta para combater a criminalidade, ainda que dissociada dos principias da legalidade, necessida- de e proporcional idade. Conclui-se que, por maior ABSTRAcr:The paper analvzes jhe concept and the aims of the first appearance hearing, a humanizing instrument of criminal procedure established in severa I international human rights treaties, from which the offender must be personally and quickly submitted to the competent judicial authority to review the prison. Then it evaluates the establishment of this pre-trial judicial act in the human rights protection systems, emphasizing the jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights, concluding that Brazil, by joining international instruments that bring that prediction, may be liable for the noncompliance with the commitments made and the violation of this right of prisoners. As a result, the paper explores the bill of new Criminal Procedure Code and the bill 554/2011, which seek to.regulate the first appearance hearing in Brazil.A topic is dedicated to the pioneering practices adopted by the Court of Justice of the State of São Paulo and encouraged by the National . CounCiI of Justice, Finally, the paper inserts the resistance in celebrating the first appearance he.aring within a "culture of incarceration", which still prevails in Brazil, proclaiming the provisional arrest as the first response to combat crime, though dissociated from the principies of legality, necessity and proportionality. In conclusion, as MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento. Revista dos Tribunais. vaI. 960. ano 104 O. 77 -120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

A Audiência de Custódia Frente à Cultura do Encarceramento

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O artigo analisa o conceito e as finalidades da audiência de custódia, instrumento de humanização do processo penal, previsto em diversos tratados internacionais de direitos humanos, pelo qual o preso deve ser apresentado pessoalmente e com rapidez à autoridade judiciária competente para analisar a prisão. Em seguida, avalia a previsão deste ato judicial pré-processual nos sistemas de proteção dos direitos humanos, com ênfase na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, concluindo que o Brasil, por aderir a diplomas internacionais que trazem essa previsão, pode ser responsabilizado pelo descumprimento dos compromissos firmados e pela violação deste direito dos presos. Em função disso, exploram-se o projeto de novo Código de Processo Penal e o projeto de lei 554/2011, que buscam regulamentar a audiência de custódia no Brasil. Dedica-se um ponto às práticas pioneiras nesse sentido implantadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e incentivadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Por fim, o artigo insere a resistência à celebração da audiência de custódia no âmbito de uma “cultura de encarceramento”, que ainda impera no Brasil, apregoando a prisão provisória como a primeira resposta para combater a criminalidade, ainda que dissociada dos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade. Conclui-se que, por maior que sejam as dificuldades, é incontroversa a eficácia da audiência de custódia ao menos no sentido de preservar a integridade e a dignidade do preso, razão pela qual merece incentivo.

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Revista dosTRIBUNAISAno 104· vol. 960 • Outubro /2015

Diretora ResponsávelMARISA HARMS

Diretora de Operações de Conteúdo BrasilJUlIANA MAYUMI ONO

Editoros:Aline oarcy Flôr de Souza e Marcelia Pâmela da Costa Silva

Coordenação EditorialJUllANA DE Cicco BIANCO

Equipe de Produção Editorial

Analistas Editoriais: Oamares Regina Felicio, Mauricio Zednik Cassirn, Sue Ellen dos Santos Gelli e Thiago César Gonçalves de Souza

Qualidade EditorialCoordenaçãoLUClANA VAZ CAMElRA

Analista de Qualidade Editorial: C~rina Xavier Silva, Cinthia Santos Galarza, Cintia Mesojedovas Nogueira, Oaniela Medeiros Gon-çalves Meio, Daniele de Andrade Vintecinco e Maria Angelica Leite.

Equipe de Jurisprudência . .Analistas Editoriais:Felipe Augusto da Costa Souza.Juiiana Cornacini Ferreira, Patricia Melhado Navarra eThiaqo Rodngo RangelVicentini

Copo: Andrea Cristina Pinto Zanardi

Administrativo e Produção GróficaCoordenaçãoCAIO HENRIOUE ANDRAOE

Analista Administrativo: Antonia Pereira

Assistente Administrativo: Francisca lucélia Carvalho de Sena

Analista de Produção arófico: Ratael da Costa Brito

m····

HOMENAGEM PÓSTUMA AOS ANTIGOS DIRETORESPlínio Barreto, Cristovam Protes da Fonseca, L. G. Gyges Prado, AristidesMolheiras, Naé Azevedo, Nelson Palma Travassas, Cottos Henrique deCarvalho, Louro Molheiras, Philomeno J. da Costa, José Alayon, AfroMarcondes dos Santos.

A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA FRENTE À CULTURA DO ENCARCERAMENTO

The first appearance hearing facing the culture af imprisanment

CARLO VElHO MASIMestre em Ciências Criminais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Política Criminal: Sistema

Constitucional e Direitos Humanos pela UFRGS. Pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Uni-versidade de Coimbra (Portugal) e em Ciências Penais pela PUC-RS. Associado ao Instituto Brasileiro de

Ciências Criminais (lBCCriml, Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal [lbraspp] e Instituto Bra-sileiro de Direito Penal Econômico (lBDPE). Advogado.

[email protected]

ÁREA DO DIREITO:Penal; Processual; Internacional

RESUMO:O artigo analisa o conceito e as finalida-des da audiência de custódia, instrumento de hu-:manização do processo penal, previsto em diversostratados internacionais de direitos humanos, peloqual o preso deve ser apresentado pessoalmentee com rap idez à autoridade judiciária competentepara analisar a prisão. Em seguida, avalia a previ-são deste ato judicial pré-processual nos sistemasde proteção dos direitos humanos, com ênfase najurisprudência da Corte Interamericana de Direi-tos Humanos, concluindo que o Brasil, por aderir adiplomas internacionais que trazem essa previsão,pode ser responsabilizado pelo descumprimentodos compromissos firmados e pela violação destedireito dos presos. Em função disso, exploram-seo projeto de novo Código de Processo Penal e oProjeto de Lei 554/2011, que buscam regulamen-tar a audiência de custódia no Brasil. Dedica-seum ponto às práticas pioneiras nesse sentido.im-plantadas pelo TJSP e incentivadas pelo CNJ. Porfim, o artigo insere a resistência à celebração daaudiência de custódia no âmbito de uma "culturade encarceramento', que ainda impera no Brasil,apregoando a prisão provisória como a primeiraresposta para combater a criminalidade, ainda quedissociada dos principias da legalidade, necessida-de e proporcional idade. Conclui-se que, por maior

ABSTRAcr:The paper analvzes jhe concept and theaims of the first appearance hearing, a humanizinginstrument of criminal procedure establishedin severaI international human rights treaties,from which the offender must be personallyand quickly submitted to the competent judicialauthority to review the prison. Then it evaluatesthe establishment of this pre-trial judicial act inthe human rights protection systems, emphasizingthe jurisprudence of the Inter-American Court ofHuman Rights, concluding that Brazil, by joininginternational instruments that bring that prediction,may be liable for the noncompliance with thecommitments made and the violation of this rightof prisoners. As a result, the paper explores the bill ofnew Criminal Procedure Code and the bill 554/2011,which seek to.regulate the first appearance hearingin Brazil.A topic is dedicated to the pioneeringpractices adopted by the Court of Justice of theState of São Paulo and encouraged by the National

. CounCiI of Justice, Finally, the paper inserts theresistance in celebrating the first appearancehe.aring within a "culture of incarceration", whichstill prevails in Brazil, proclaiming the provisionalarrest as the first response to combat crime,though dissociated from the principies of legality,necessity and proportionality. In conclusion, as

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vaI. 960. ano 104 O. 77 -120. São Paulo: Ed. RT,out. 2015.

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que sejamas dificuldades,é incontroversaa eficá-ciada audiênciade custódia ao menos no sentidode preservara integridade e a dignidadedo preso,razão pelaqual merece incentivo.

large as the difficultiesmight be, it is undisputedthe effectivenessof the first appearancehearingat least in preserving the integrity and thedignity of the prisoner, reason why it deservesencouraçernent.

PALAVRAS-CHAVE: Prisão provisória - Audiênciade custódia - Direitos humanos - Dignidadedapessoa humana.

KEYWOROS: Pre-trial detention - Firstappearancehearing - Human rights - Humandignity.

SUMÁRIO:1. O que é a audiência de custódia - 2. Quais as finalidades da audiência de cus-tódia - 3. A audiência de custódia nos sistemas de proteção dos direitos humanos: 3.1A audiência de custódia na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos(CIOH)- 4. Aincorporação da audiência de custódia no Brasil: 4.1 O projeto de novo Códigode Processo Penal; 4.2 O PLS554/2011; 4.3 A experiência do Estado de São Paulo - 5. Acultura do encarceramento e a audiência de custódia - 6. Referências.

"A cegueira que cega cerrando os olhos, não é a maior cegueira; a quecega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas: e tal eraa dos Escribase Fariseus. Homens com os olhos abertos e cegos. Comolhos abertos, porque, como letrados, liam as Escrituras e entendiamos Profetas; e cegos, porque vendo cumpridas as profecias, não viam

nem conheciam o profetizado."

PadreAntónio Vieira,in "Sermões"

1. O QUE É A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Audiência de custódia 1 ou audiência de garantia,' é o ato judicial pré-proces-sual que assegura a garantia que todo cidadão preso em flagrante tem (deveria

1. DElMAS-MARTY,Mireille. Processos penais da Europa. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2005,p. 604 ss. Revela que o ato está previsto em diversos outros ordenamentos, como naAlemanha, onde todo aquele que for detido por iniciativa da polícia deve ser levado àpresença do juiz no máximo um dia após o encarceramento. Na Itália, está prevista aUdienza.de Convalida (art. 391, Codice di Pprocedura Penale: 1. I'udíenza di convalidasi svolge in camera di consiglio con Ia partecipaztone necessaria del difensore dell'ar-restato o del fermato ( ... )). Nos EUA, existe a chamada lnitial ou First AppearanceHearing, também conhecida como Bond Hearing (Federal Rules of Criminal Procedure,Title II, Preliminary Proceedings, (a) ln General. (1) Appearance Upon an Arrest. (A)A person making an arrest within the United States must take the defendant withoutunnecessary delay before a magistrate judge, or before a state or local judicial officer asRule 5(c) provides, unless a statute provides otherwise ( ... )).

2. SANTOS,Cleopas Isaías. Audiência de garantia: ou sobre o óbvio ululante. Revista Sín-tese de Direito Penal e Processual Penal, n. 91, vol. 16, p. 76-93. Porto Alegre: Síntese,abr.-mai. 2015, p. 81.

MASI. Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarcera ento.Revista dos Tribunais. vaI. 960. ano 104. p. 77 -120. São Paulo: Ed. RT, out, 2015.

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ter) em face do Estado de ser apresentado pessoalmente e com rapidez) à autori-dade judiciária (juiz, desembargador ou ministro) competente para a aferição dalegalidade de sua prisão (princípio do controle judicial imediato"). Nesta audi-ência, o juiz ouvirá o próprio preso, a acusação e a defesa, exclusivamente sobrequestões concernentes direta ou indiretamente à prisão e suas consequêncías, àsua integridade física e psíquica e aos seus direitos. Em seguida, proferirá umadecisão fundamentada sobre a continuidade ou não da custódia.

Há quem estenda a necessidade deste ato a qualquer prisão de naturezacautelar," uma vez que os tratados internacionais que tratam da matéria nãofariam essa distinção, devendo ser interpretados sempre de forma ampliativa(princípio da proteção suprema do ser humano, ou pro homine), em favor damáxima efetividade dos direitos humanos.f

A pessoa submetida à audiência de custódia mantém todos os seus direi-tos fundamentais," dentre eles especialmente o de permanecer em silêncio, seassim o desejar (sem que isso seja interpretado em seu desfavor em nenhumahipótese), e o de ser assistido por defensor constituído ou público, que atuarácom autonomia e independência, com o qual poderá se entrevistar, por temporazoável (aquele que permita a exposição adequada do caso e a devida orienta-ção) e em sigilo, antes da solenidade.

3. O prazo para apresentação do preso ao juiz varia conforme os países que já adotam amedida. Exemplificativamente, na Argentina, o prazo é de 6h; no Chile, 24h; no Peru,México e EUA, 48h; na Colômbia, 36h; na Espanha, 72h (TJRJ. Magistrados debatemsobre audiência de custódia. Disponível em: [www.tjrj.jus.br/web/guestfhomeJ-/noti-cias/visualizar/l000l]. Acesso em: 03.06.2015.

4. SANTOS,Cleopas Isaías. Op. cit., p. 86.

5. GIACOMOW,Nereu JOSé.Prisão, liberdade e as caute!ares alternativas ao cárcere. são Pau-lo: Marcial Pons, 2013, p. 60, entende que a imediata condução do preso ao juiz deveriase aplicar também em casos de prisão preventiva decretada após o delito. A propósito,ver os casos Espinasa Gonzáles vs. Peru e L6pez Alvarez vs. Honduras, da CIDH.

6. Mszzuou, Valéria de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e o direito in-terno. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 227-228. Por meio do princípio pro homine "não háque se falar na primazia absoluta de uma norma em rechaço a outras, tampouco noestabelecimento de fórmulas ou critérios fechados de solução de antinomias, incapazesde levar ao diálogo das fontes e de sopesar qual o 'o melhor direito' para o ser humanono caso concreto. Se os métodos tradicionais de solução de antinomias somente levamà monossolução, o princípio internacional pro homine leva a uma solução plural, emque o juiz 'coordena' o diálogo das fontes 'escutando' o que elas dizem".

7. Vide garantias judiciais previstas no art. 8.0 da CADH.

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2. QUAIS AS FINALIDADES DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIALonge de ser um procedimento meramente burocrático, a audiência de cus-

tódia é um instrumento de "humanização do processo penal. »8

A audiência de custódia é o meio mais eficiente de possibilitar que o juiz (I)analise os requisitos formais do auto de prisão em flagrante, relaxando eventu-al prisão ilegal;" (Il) verifique pessoalmente se o preso foi vítima de maus tra-tos, tortura ou práticas extorsivas durante a abordagem policial ou logo após aprisão por agentes estatais (caso em que poderá encaminhar os autos ao MP edemais órgãos competentes, como as corregedorias); e (Ill) promova um brevecontraditório (um "espaço democrático de díscussão=") acerca (a) da possibi-lidade de concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança, 11 (b) da apli-cação de medidas cautelares diversas" e, em último caso, (c) da necessidade ounão da conversão do flagrante (medida pré-cautelar) em prisão preventiva.'?

É, portanto, uma forma de resguardo da dignidade e dos direitos funda-mentais do imputado;" especificamente - no que diz com o direito interno- daqueles positivados no art. 5.°, IlI,l5 XXXV,l6 XLIX,l7 LV,l8LXIl,l9 LXIll,20

8. FlLlPPO,Thiago Baldani. Audiências de custódia e o art. 306 do CPP: norma aindaconstitucional. Escola Paulista da Magistratura. Disponível em: [www.epm.tjsp.jus.br/internas/artigos/dirpeprocpeexpenalview.aspx ?id=25649). Acesso em: 03 .06.2015.

9. Art. 310, I, do CPP.

10. LOPESjR.,Aury; PAIVA,Caio. Audiência de custódia e a imediata apresentação do presoao juiz: rumo à evolução civilizatória do processo penal. Revista Liberdades. n. l7. p.11-23. São Paulo: lBCCrim, set.-dez. 20l4, p. l4.

11. Art. 310, m, do CPP.

12. Arts. 310, lI, parte final e319 do CPP.

13. Art. 310, II, parte inicial, do CPP.

14. SANTOS,Cleopas Isaías. Op. cit., p. 81.

15. "Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante."

16. "A lei não excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a direito."

17. "É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral."

18. "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral sãoassegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

19. "A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imedia-tamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada."

20. "O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado."

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente a cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vai. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, OUt. 2015.

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LXV,21LXVI22e LXXVIlIl3 da CF/1988. Outrossim, é medida apta a dar con-cretude ao "contraditório prévio", instituído após a reforma do sistema decautelaridade no processo penal brasileiro pela Lei 12.403/2011 (art. 282, §3.°, do CPP)24

A apresentação do preso ao juiz resguarda imediatamente sua integridadefísica e psíquica, tendo o potencial de contribuir para a redução e a efetiva apu-ração de práticas ilícitas por agentes policiais, uma triste realidade ainda muitopresente no país. Foi o que concluiu a Comissão Nacional da Verdade (CNV)25em seu relatório final, ao sugerir a introdução legal da solenidade, com o fimde prevenir a prática da tortura e de prisão ilegal."

Ao contrário de representar uma desconfiança presumida da ação policial,o ato, em realidade, a legitima ainda mais, conferindo lisura e credibilidade àatuação dos agentes estatais, prevenindo eventuais nulidades.

Contribui também para o entendimento dos fatos e das circunstâncias que mo-tivaram a prisão (justa causa), a fim de que o juiz possa avaliar se a custódia não se

21. "A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária."

22. "Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdadeprovisória, com ou sem fiança."

23. «A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração doprocesso e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

24. CHOUKR,Fauzi Hassan. Medidas cautelares e prísão processual: comentários à Lei12.403, de 04.05.2011. Rio de janeiro: Forense, 2011, p. 58ss. No mesmo sentido,CAPPELLARI,Mariana Py Muniz. Art. 282, § 3.0, do CPP: possibilidade de condenaçãodo estado brasileiro na esfera internacional? Revista de Direíto Brasileira, n. 3, vol. 4,p. 169-183. São Paulo, jan.-abr. 2013; para quem "o contraditório engloba o direitode as partes debaterem frente ao juiz, que possam ter participação efetiva no proces-so, assim como se requer da postura do magistrado, por conseguinte. Contudo, maisque isso, traduz-se no direito de o acusado ser ouvido pelo juiz, de poder dar as suasrazões, de exercer o seu direito de defesa, o qual está umbilicalmente vinculado aocontraditório" .

25. Art. 1.0, da Lei 12.528/2011. "É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da Re-pública, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclareceras graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8.° doAto das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memó-ria e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional" .

26. BRASIL.Comissão Nacional da Verdade. Relatório, Brasílía, CNV vol. 1, p. 9722014.Disponível em: [www.cnv.gov.br/images/pdflrelatorio/volume_l_digital.pdf). Acessoem: 21.05.2015.

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deu, por exemplo, para obrigar o preso a confessar, se não está diante de fato atípicoou albergado por excludente de ilicitude ou culpabilidade, ou se não há nulidade quetome desde já indevido o prosseguimento das investigações ou do processo. 27

"Augusto Tarradt Vilela" destaca que a audiência de custódia é "um insti-tuto perfectibilizador de valores predominantes em nossa Constituição Fede-ral, em tratados internacionais ( ...), além de ser um elemento extremamen-te necessário para o melhor desempenho da justiça humanitária". O contatofísico entre o cidadão preso e o julgador possibilitaria um aprofundamento"nas subjetividades do caso" e, assim, "uma análise mais critica e humana dasituação.t" Deve-se ter em conta que a manutenção da prisão representa orisco de propiciar o contato do preso com facções criminosas dentro dos presí-dios, além da ruptura precoce de laços familiares e sociais, o que, sem dúvida,contribui para a marginalização e retroalimenta a massa carceraría."

Não está afastada, ainda, a possibilidade de o juiz considerar na audiênciao cabimento da mediação penal junto às vítimas, evitando a judicialização doconflito e corroborando para a instituição de práticas restaurativas.

É possível, ainda, que o juiz adote todo tipo de encaminhamento de natu-reza assistencial ao preso, como questões envolvendo problemas de saúde ounecessidade de transferência para outro estabelecimento.

Ao fim e ao cabo, essa audiência garante uma maior legitimidade ao pro-cesso decisório inicial, deixando de ser um ato meramente burocrático, onde omagistrado simplesmente recebe a comunicação e as peças do flagrante escritase decide apenas com base no que foi relatado pela autoridade policíal."

27. DIAs,Marina; LEONARDO,Hugo. Preso e juiz cara a cara, Folha de São Paulo, São Paulo,20.0l.2015. Disponível em: [wwwl.folha.uoI.com.br/opiniao/2015/01/1577397-ma-rina-dias-e-hugo-Ieonardo-preso-e-juiz-cara-a-cara.shtml]. Acesso em: 21.05.2015.

28. VILELA,Augusto Tarradt. Audiência de custódia: uma necessidade (injaplicavel. Bole-tim IBCCrim, n. 269, p. 18-19. São Paulo, abro 2015.

29. DIAs,Marina; LEONARDO,Hugo. Op. cit.

30. APn 0000812-9l.2014.402.5001IES, 23 Vara Federal de VitórialES, decisão de23.05.2014. IRF-2.a Reg., HC 0003188-18.2014.402.0000IES, 2.a 1. Especializada,DJ 04.06.2014. Segundo o julgado, "Tal apresentação visa precipuamente a salva-guarda à integridade física e psíquica do preso, que deverá ser ouvido pelo juiz, comevidentes garantias ao estabelecimento da verdade real sobre os fatos, possibilitando,ainda, a análise judicial dos motivos da prisão, não se substituindo pela mera notifi-cação da ocorrência desta" (Informativo Rede]ustiça Criminal, 1 ed., n. 7, a. 4,2014,p.2-3)

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Com a implantação da prática, haverá um potencial auxílio na redução doalto índice de presos provisórios no país (42% da população carcerária, se-gundo recentes dados do CNPl) , amenizando a superpopulação carcerária e odéficit de vagas, de modo a propiciar melhorias nas condições de cumprimentode pena nos estabelecimentos prisionais, aliadas à redução de custos.F

Reconhecendo a necessidade da implementação do ato e sua eficácia prá-tica, o Min. "Gilmar Mendes", por ocasião do seu voto no julgamento do HC119.095IMG, na 2." T. do STF, destacou o seguinte: "Eu gostaria de ressaltar,Presidente, que esse é um caso emblemático do abuso da prisão cautelar e tal-vez nós devêssemos - eu imagino que em casos como este, especialmente, dotráfico de drogas - começar a exigir, talvez, aquilo que está já na ConvençãoInteramericana de Direitos Humanos: a observância da apresentação do presoao juiz. A mim, parece-me que se esses casos, desde logo, começassem comessa apresentação, talvez evitássemos situações deste tipo. Ictu ocu!i, é evidenteque não cabia, aqui, prisão preventiva. Quer dizer, como qualificar essa pessoacomo traficante? E, não obstante, quer dizer, no fundo, o juiz, nesse processo,acaba sendo a polícia; faz as imputações e, a partir daí a demora no processo.Então, parece-me que tem que haver uma reação a essa situação. Eu tenho aimpressão de que nós precisamos dar uma resposta a esse quadro de abusos" .33

Como refere o presidente nacional da OAB, "Marcus Vinicius Furtado Coê-lho", "as audiências de custódia podem evitar um inchamento ainda maior dojá lotado e caótico sistema carcerário brasileiro, além de garantir a integridadedo preso"." Já o presidente do STF,Min. "Ricardo Lewandowski", observa quea audiência de custódia "acaba facilitando o trabalho de todos os atores daJustiça com a antecipação de fases processuais, reforçando a pauta dos direitosindividuais no processo penal" 35

31. CN]. Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil, Brasília, jun. 2014. Disponívelem: [www.cnj.jus.br/sis tema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/per--guntas-frequentes]. Acesso em: 28.05.2015.

32. Informativo RedeJustiça Criminal, n. 7, a. 4, 2014, p. 1.

33. SIF, HC 119.095IMG, z.- I., reI. Min. Gilmar Mendes, OJE 09.04.2014.

34. OAB. AB e CN] firmam convênio para fomento de audiências de custódia. Disponívelem: [www.oab.org.br/noticia/283121oab-e-cnj -firmam-convenio-para -fomento-de--audiencias-de-custodia]. Acesso em: 06.05.2015.

35. NOTíCIASSIF Ministro Lewandowski concJama tribunais a combaterem culturado encarceramento. Disponível em: [wWw.stf.jus.br/portallcms/vernoticiadetalhe.asp7idconteudo=290907&tip=un]. Acesso em: 06.05.2015.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente a cultura do encarceramento.Revistados. tribunois. vaI. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

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o juiz de direito "Bruno Luiz Cassiolato" entende, por outro lado, que ocusto-benefício da realização das audiências de custódia seria muito baixo paraa efetiva diminuição da população carcerária brasileira, cujos números alar-mantes atribui muito mais a "questões sociais e civilizatórias" e a uma "culturade punição e vingança que parecem permear a sociedade" do que à falta de ins-trumentos processuais ou de falhas técnicas na aplicação jurisdicional deles.Aponta que, mesmo com a inserção de medidas cautelares diversas da prisãono CPp, promovida pela Lei 12.403/2011, o número de presos provisórios nãodiminuiu. A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva é uma me-dida que poderia ser combatida por meio de "recursos" próprios, de tal sorteque, se vem sendo mantida, é em função de um posicionamento predominanteem todo o Poder Judiciário (não apenas do juiz de 1.0 grau)."

Entendemos que, a despeito dos argumentos meta jurídicos que possam surgir, aaudiência de custódia visa ao necessário resguardo dos direitos fundamentais do pre-so, sendo o seu desrespeito um inaceitável ilícito por parte do Estado. Afora isso, éuma medida que trará eficiência, celeridade e transparência ao processo, prevenindoilegalidades e assegurando a correta aplicação da lei penal, sem desconsiderar a pes-soa do imputado. Portanto, as finalidades da audiência de custódia vão ao encontrodos fins almejados por um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

3. A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOSHUMANOS

Diversos diplomas internacionais reconhecem, de longa data, a garantia dapronta apresentação do preso ao juiz.

No âmbito do sistema internacional de proteção, a audiência de custódiaestá prevista no art. 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos(AGNU,37 196638), da seguinte forma: "Qualquer pessoa presa ou encarcerada

36. CASSIOLATO, Bruno Luiz. Audiência de Custódia, Escola Paulista da Magistratura.Disponível em: [www.epm.tjsp.jus.br/internas/artigos/dirpeprocpeexpenalview.aspx?id=25650l. Acesso em: 03.06.2015.

37. Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) é o órgão intergovernamental, plená-rio e deliberativo da Organização das Nações Unidas (ONU), composto por todos ospaíses membros, tendo cada um direito a um voto.

38. Adotado pela Res. 2.200-A na XXI Sessão da Assernbleía-Geral das Nações Unidas.Em vigor internacional desde 1976, quando foi atingido o número mínimo de ade-sões (35 Estados).

MASI, Carlo Velho. A a udiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista das Tribunais. vaI. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RI, out. 2015.

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em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença dojuiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá odireito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisãopreventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regrageral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem ocomparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processoe, se necessário for, para a execução da sentença" (destaque nosso).

A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, De-sumanos ou Degradantes (AGNU, 1984) prevê, no § 1.0 do seu art. 2.0, que"Cada Estado Parte tomará medidas legislativas, administrativas, judiciais oude outra natureza com o intuito de impedir atos de tortura no território soba sua jurisdição". Neste espaço insere-se a audiência de custódia como umamedida concreta no combate à tortura."

Sua previsão encontra-se também nos sistemas regionais de proteção. A Con-venção Americana de Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 196940) reco-nhece esse direito no seu art. 7.5, que trata do "Direito à liberdade pessoal".

"Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzuia, sem demora, à presm-ça de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais etem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade,sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionadaa garantias que assegurem o seu comparecimento ern juízo" (destaque nosso).

39. "Art. 1.0 Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer atopelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencional-mente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ouconfissões; de castigá-Ia por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ouseja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas;ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando taisdores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa noexercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimentoou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejamconsequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sançõesou delas decorram.""Art. 2.° O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquerinstrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dis-positivos de alcance mais amplo."

40. Adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Em vigor internacionaldesde 1978, quando foi atingido o número mínimo de adesões (li Estados).

MASI, Car!o Velho. A audiência de custódia frente à C')1,ura do encarcerarr.ento.Revisto dos Tribunais. vaI. 960. ano i04. p. 77-120. Sã o Paulo: Ed. RT,out. 2015.

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Aliás, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura"! (Car-tagena das Índias, 1985) obriga os Estados partes a adotar "medidas efetivas afim de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição" (art. 6.0, § 1.0),a assegurar "a qualquer pessoa que denunciar haver sido submetida a tortura,no âmbito de sua jurisdição, o direito de que o caso seja examinado de maneiraimparcial" (art. 8.°, § 1.0) e a garantir "que suas autoridades procederão de ofí-cio e imediatamente à realização de uma investigação sobre o caso e iniciarão,se for cabível, o respectivo processo penal" (art, 8.°, § 2.°).

O sistema europeu de direitos humanos, através da Convenção Europeia dosDireitos do Homem (Roma, 1950) prevê o ato no § 3.° do seu art. 5.°, que tratado "Direito à liberdade e à segurança": "Qualquer pessoa presa ou detida nas con-dições previstas no parágrafo 1, alínea c) ,42 do presente artigo deve ser apresentadaimediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer fun-çõesjudiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberda-de durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a umagarantia que assegure a comparência do interessado ern juízo" (destaque nosso).

Embora a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Nairobi, 1981)não traga previsão expressa da audiência de custódia, refere em seu art. 6.° que"C ..) Ninguém pode ser privado da sua liberdade salvo por motivos e nas condi-ções previamente determinados pela lei; em particular ninguém pode ser presoou detido arbitrariamente". Seu art. 7.° trata, dentre outras garantias, da defesatécnica, da duração razoável do processo, da presunção de inocência e da impar-cialidade do juiz/tribunal. Portanto, ao que se percebe, não há nenhuma incom-patibilidade do instituto inclusive com o sistema africano de direitos humanos.

O princípio básico da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados(Viena, 1969), explícito em seu art. 26, é a de que "Todo tratado em vigor obri-ga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé". E o art. 27 complementa:

4 L "Art. 2.° Para os efeitos desta Convenção, entender-se-a por tortura todo ato pelo qualsão infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou men-tais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pes-soal, corno medida preventiva, corno pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-atambém como tortura a aplicação sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular apersonalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora nãocausem dor física ou angústia psíquica (... )."

42. "c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competen-te, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando hou-ver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracçãoou de se pôr em fuga depois de à ter cometido."

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

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"Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justi-ficar o inadimplemento de um tratado ( ...)". É que, como bem observa "FláviaPiovesan", "se o Estado no livre e pleno exercício de sua soberania ratifica umtratado, não pode posteriormente obstar seu cumprimento, sob pena de res-ponsabilização internacional" .43

Como visto, a audiência de custódia possui previsão em diversos tratadosinternacionais de Direitos Humanos, sendo incorporada pelo ordenamento ju-rídico interno de vários países.

3.1 A audiência de custódio na jurisprudência do Corte Interamericana deDireitos Humanos (C/DH)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos CCIDH) teve diversas opor-tunidades de manifestar-se sobre a audiência de custódia, prevista no art. 7.5da CADH - que é um paradigma de controle da produção e aplicação normativadoméstica - e estabelecer alguns critérios para sua aplicação. A observânciadessas decisões é obrigatória a todos os países que reconhecem a sua jurisdi-ção, a exemplo do Brasil, que aceitou sua competência contenciosa por meiodo Decreto Legislativo 89/1998.44

No caso "Tibi vs. Equador" ,45 a Corte entendeu que a audiência de custódia é"essencial para a proteção do direito à liberdade pessoal e para outorgar a prote-ção a outros direitos, como a vida e a integridade física"." A mera notificação daprisão, tal como ocorre hoje no Brasil, não substitui a apresentação física do pre-so: "ll8. Este Tribunal estima necesario realizar algunas precisiones sobre estepunto. En primer lugar, Ias términos de Ia garantía establecida en el artículo 7.5de Ia Convención son claros en cuanto a que Ia persona detenida debe ser llevadasin demora ante un juez o autoridadjudicial competente, conforme a !os princi-pios de control judicial e inmediación procesal. Esta es esencial para Ia protecci-

43. PIOVESAN, Flávia. Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos. Texto produzi-do para o I Colóquio Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Brasil, 2001. Dispo-nível em: [Www.conectas.orglarquivosleditor/files/sistema%20intemacional%20de%2Oprote%c3%a 7%c3%a30%20dos%20díreitos%20humanos.pdfl. Acesso em: 23.05.2015.

44. RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos em jutzo. São Paulo: Max Limonad,2001. p. 86.

45. CIDH. Caso Tibi VS. Ecuador. Sentencia de 07.09.2004. Disponível em: (www.cortei-dh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_114_esp.pdfl. Acesso em: 11.06.2015.

46. No mesmo sentido, caso Palamara lribante VS. Chile.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revisto dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

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ón del derecho a Ia Iibertad personal y para otorgar protección a otros derechos,como Ia vida y Ia integridad personal. EI hecho de que un juez tenga conocimientode Ia causa o le sea remitido e! informe policial correspondiente, como 10 alegó elEstado, no satisface esa garantía, ya que el detenido debe comparecer personolmenteante eljuez o autoridad competente. En el caso en análisis, el senor Tibi manifestoque rindió declaración ante un "escribano público" el21 de marzo de 1996, casiseis meses después de su detención (supra párr. 90.22). En el expediente no hayprueba alguna para llegar a una conclusión diferente" (destaque nosso).

Ainda no mesmo caso, a Corte decidiu que a expressão "juiz ou outra au-toridade autorizada por lei a exercer funções judiciais" representa aquele juizorevestido das qualidades previstas no art. 8.1 da CADH, isto é, deve ser previa-mente constituído por lei para exercer o poder de julgar, deve ter competênciapara julgar o caso e deve ser independente e imparcial. É evidente, portanto,que a audiência de custódia, por estar acobertada pela reserva de jurisdição,não pode ser conduzida pelo Delegado de Polícia," por agente do MinistérioPúblico, ou por qualquer outra autoridade que não exerça funções judiciais(no Brasil, a única autoridade é o Magistrado: Juiz de Direito, Desembargadorou Ministro). 48

"119. En segundo lugar, un ''juez u otro funcionario autorizado por Ia ley paraejercer funciones judiciales" debe satisfacer Ias requisitos estab lecidos en e! primerpárrafo de! artículo 8 de Ia Convención. En Ias circunstancias dei presente caso,Ia Corte entiende que el Agente Fiscal de! Ministerio Público que recibió Ia áecla-ración preprocesal dei seiior Tibi, de conformidad con e! artículo 116 de Ia Ley deSustancias Estupefacientes y Psicotrópicas, no estaba dotado de atribuciones paraser considerado "funcionaria autorizado para ejercer funciones judiciales", en elsentido dei artículo 7.5 de Ia Convención, ya que que Ia propia Constitución Po-lítica del Ecuador, en ese entonces vigente, establecía en su artículo 98, cuales

47. Em sentido contrário, entendendo que basta a apresentação do preso ao Delegado dePolícia, recente decisão do TJSP,sob a relatoria de Guilherme de Souza Nucci, ondeafirma que "No cenário jurídico brasileiro, embora o delegado de polícia não integreo Poder Judiciário, é certo que a lei atribui a esta autoridade a função de receber eratificar a ordem de prisão em flagrante. Assim, in concreto, os pacientes foram devi-damente apresentados ao delegado, não se havendo falar em relaxamento da prisão"(IJSP, HC 2016152-70.20l5.8.26.0000, l ô." Cãrn. de Dir. Crim., j. 12.05.2015, rel.Guilherme de Souza Nucci, data de registro: 12.05.2015).

48. Nesse sentido, casos Cantoral Benavides vs. Pent, Acosta Calderón vs. Equador e Pala-mara Iribame vs. Chile.

MASI, Carlo Velho. A a udiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vo! 960. ana 104. p. 77-120. São Pauto: Ed. RT, out. 2015.

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eran 105 órganos que tenían facultades para ejercer funciones judiciales y nootorgaba esa competencia a Ias agentes fiscales. Asimismo, el agente fiscal noposeía facultades suficientes para garantizar el derecho a Ia libertad y Ia inte-gridad personales de Ia presunta víctima" (destaques nossos).

No caso Acosta Calderón vs. Equador,49 a CIDH afirmou que a apresentaçãoimediata do preso ao juiz "é uma medida tendente a evitar a arbitrariedade ouilegalidade das detenções" e a aplicar medidas cautelares somente quando es-tritamente necessario:" "76. EI artículo 7.5 de Ia Convención dispone que todapersona sometida a una detención tiene derecho a que una autoridad judicialrevise dicha detención, sin demora, como medio de control idóneo para evitarIas capturas arbitrarias e ilegales. EI control judicial inmediato es una medidatendienie a evitar Ia arbitrariedad o ilegalidad de Ias detenciones, tomando encuenta que en un Estado de derecho corresponde al juzgador garantizar losderechos dei âetenido, autorizar Ia adopción de medidas cautelares o de coerción,cuanâo sea estrictamrnte necesario, y procurar, en general, que se trate aI inculpa-do de manera consecuente con Iapresunción de inocencia" (gritos nossos).

Cabe ao julgador garantir os direitos do preso, autorizar a adoção das medi-das cautelares de coerção e tratar o imputado como presumidamente inocente.Ainda neste caso, a Corte afirmou que "o simples conhecimento por parte deum juiz de que uma pessoa está detida não satisfaz a garantia,já que o detidodeve comparecer pessoalmente e prestar sua declaração ante o juiz ou autori-dade competente" (§ 78). A lógica é que a integridade da pessoa seja preser-vada logo após a prisão, a fim de evitar tortura com o fim de obter confissão."

No caso Villagrán Morales e outros VS. Guatemala C'Ninos de Ia Calle"),52 aCorte destacou o potencial que a audiência de custódia tem de prevenir deten-

49. CIDH. Caso Acosta Calderón vs. Ecuador. Sentencia de 24.06.2005. Disponívelem: [www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_129_espl.pdfl. Acesso em:11.06.2015.

50. No mesmo sentido, casos Hermano5 Gómez Paquiyauri V5. Peru, Maritza Urrutiavs. Guatemala, Bayarri vs. Argentina, Bulacio vs. Argentina, Cabrera Garcia e MontielFlores vs. México, Chaparro Alvarez:e Lapa Ífliguez vs. Equador, Flrury e outros VS. Haitie García Asto e Ramírez: Rojas V5. Peru.

51. Nesse sentido, casos García Asto e Ramírez Rojas vs. Peru, Palamara lribarne vs. Chile,Acosta Calderón v s. Equador e López Alvarez V5. Honduras.

52. ClDH. Caso de Ias "Ninas de Ia Calle" (ViIlagrán Morales y otros) vs. Guatemala.Sentencia de 19.11.1999. Disponível em: [www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_63_esp.pdf]. Acesso em: 11.06.2015.

MAsl, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

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ções ilegais e garantir a integridade física dos presos." "135. La Corte Europeade Derechos Humanos (en adelante 'Corte Eurcpea') ha remarcado que el én-fasis en Ia prontitud del control judicial de Ias detenciones asume particularimportancia para Ia prevención de detencíones arbitrarias. La pronta intervencíónjudicial es Ia que permitiría detectar y prevenir amenazas contra Ia vida o se-rias malas tratos, que violan garantías fundam entales también contenidas en elConvenio Europeo para Ia Protección de los Derechos Humanos y de Ias Liber-tades Fundamentales (en adelante "Convención Europea") y en Ia ConvenciónAmericana. Están en juego tanto Iaproteccíón de Ia libertad física de los individu-os como Ia segurídad personal, en un contexto en el que Ia ausencia de garantíaspuede resultar en Ia subversión de Ia regla de derecho y en Ia privación a 105

detenidos de Ias formas mínimas de protección legal. En este sentido, Ia CorteEuropea destacó especialmente que Iafalta de reconocimiento de Ia detención deun individuo es una completa negacíón de esas garantías y una más grave violacíónde! artículo en cuesti6n (destaques nossos)."

Nos casos "Lôpez Alvarez vs. Honduras, Garcia Asto vs. Peru e Palamara Irí-barne vs. Chile e Suaréz Rosero vs. Equador", a ClDH entendeu que para efe-tivação do art. 7.5 da CADH o detido deveria comparecer pessoalmente paraprestar declarações perante um juiz. Desse modo, não seria possível ampliar osditames convencionais para admitir videoconferência.

No caso "Bayarri vs. Argentina" ,54 a CIDH decidiu que o juiz deve ouvir pes-soalmente o detido e valorar todas as suas explicações para decidir sobre a libera-ção ou manutenção da privação de liberdade. "Lo contrario equivaldría a despojarde toda efectividad el control judicial dispuesto en el artículo 7.5 de IaConvenciõn". 55

Quanto ao prazo para apresentação do preso ao juiz, a CADH prescreve quea oitiva deva se dar "sem demora" (veja-se que, na CEDH, a apresentação devese dar "imediatamente"). A Corte entende que, em primeiro lugar, deve ser.observado se o país estabelece um prazo (o Brasil nem prazo estabelece ainda) e,posteriormente, se este prazo é razoável e proporcional. Exemplificativamen-te, tem-se reconhecido a violação ao direito à apresentação "sem demora" do

53. No mesmo sentido, casos López Alvarez vs. Honduras e Bayarri vs. Argentina.

54. CIDH. Caso Bayarri vs. Argentina. Sentencia de 30.10.2008. Disponível em: [www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_187 _esp.pdfl. Acesso em: 11.06.2015.

55. No mesmo sentido, casos Chaparro Álvarez e Lapo Íii.iguez vs. Equador, Garcia Astoe Ramírez Rojas vs. Perú e Palamara lribame vs. Chile.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revisto dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77 -120. São Paulo Ed. RT, out 2015.

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preso ao juiz quando a condução demora mais de três dias." No caso "LópezAlvarez vs. Honduras", o Estado foi absolvido em situação na qual o preso foilevado à presença de um juíz no prazo de vinte e quatro horas de sua prisão.

Conclui-se que a ausência de apresentação pessoal sem demora dos presosà autoridade judiciária no Brasil, em função da ausência de previsão consti-tucional e legal, pode ensejar a responsabilização do Estado perante a CIDH,tanto pela proteção deficiente do direito reconhecido pela CADH, quanto pelaviolação da norma convencional."

4. A INCORPORAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL

A Constituição Federal e o Código de Processo Penal vigentes não trazemexpressa previsão da audiência de custódia. A Constituição limita-se a prever agarantia mínima da comunicação da prisão ao juiz, sem dispor acerca da apre-sentação física do preso, o que é repetido pelo CPP A disposição normativa quemais se aproxima disso é a pouco conhecida faculdade instituída pelo § 3.° doart. 2.° da lei 7.960/1989,58 que permite ao juiz determinar a apresentação dodetido em prisão temporária. Segundo "Fauzi Hassan Choukr", essa previsão"não ajudou a diminuir o hiato entre a prática inquisitiva e a construção de umanova e desejada moldura acusatóría"."? Digna de nota, ainda, é a previsão do art.656 do CPp, que estabelece, no rito do Habeas Corpus, a possibilidade de o juiz(também aplicável aos desembargadores e ministros, conforme regimentos inter-nos das cortes) mandar que o paciente preso lhe seja imediatamente apresentado

56. Nesse sentido, casos Chaparro Álvarez e Lapo Íniguez vs. Equador (quatro dias após aprisão), Cabrera Garcia e Montiel Flores vs. México (quase cinco dias após a prisão),Bayarri vs. Argentina. Sentença (quase uma semana após a prisão), Castillo Petruzi eoutros VS. Perú (aproximadamente trinta e seis dias após a prisão).

57. Nesse sentido, CAPPELLARI,Mariana Py Muniz. Op. cit., p. 177; 18l.

58. "Art. 2.° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação daautoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5(cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada ne-cessidade. C .. ). § 3.° OJuiz poderá, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público edo Advogado, detemlÍnar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações e escla-recimentos da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito" (destaquesnossos).

59. CHOUKR, Fauzi Hassan. PL 554/2011 e a necessária (e lenta) adaptação do processopenal brasileiro à Convenção Americana de Direitos do Homem. Boletim IBCCrim. n.254. p. 2-3. São Paulo, jan. 2014.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revisto dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT,out. 2015.

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em dia e hora que designar ou de ir até o local em que se encontra preso, se nãopuder ser conduzido por motivo de doença (art. 657, parágrafo único, do CPP)

Inobstante a lacuna legislativa, o Pacto Internacional dos Direitos Civis ePolíticos (PIDCP) foi aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro por meiodo Decreto Legisla tivo 226, de 12.12.1991, tendo o Brasil depositado cartade adesão'? em 24.01.1992, entrando em vigor no território nacional em 24de abril daquele ano. Pelo Decreto Presidencial 592, de 06.07.1992, o Brasilpromulgou o PlDCp, comprometendo-se a executá-Ia e cumpri-Ia "tão inteira-mente como nele se contém" (art. 1.0).

Da mesma forma, o Brasil depositou carta de adesão à Convenção America-na de Direitos Humanos (CADH) em 25.09.1992, mesma data em que passoua viger no território nacional. A promulgação se deu pelo Decreto Presidencial678, de 06.11.1992. Veja-se, ainda, que o seu art. 2.° possui natureza jurídicade cláusula de autoexecutoriedade:

"Art. 2.0 Dever de adotar disposições de direito interno

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1ainda nãoestiver garantido por disposições 1egislativas ou de outra natureza, os Estados--partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucio-nais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outranatureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades."

A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura foi ratifica-da pelo Brasil em 20.07.1989 e aprovada pelo Congresso Nacional pelo De-creto Legislativo 05/1989. Sua promulgação se deu pelo Decreto Presidencial98.386/1989.

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 18.12.2002,"Reafirmando que a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanosou degradantes são proibidos e constituem grave violação dos direitos huma-nos" e "Recordando que os arts. 2 e 16 da Convenção obrigam cada Estado--Parte a tomar medidas efetivas para prevenir atos de tortura e outros trata-mentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes em qualquer território soba sua jurisdição". O Brasil depositou o instrumento de ratificação do Protocolojunto ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas em 11.01.2007.O Protocolo entrou em vigor para o Brasil em 11.02.2007, sendo promulgadopelo Decreto 6.085/2007.

O Brasil promulgou também a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tra-tados'" pelo Decreto 7.030/2009.

Os referidos atos internacionais foram incorporados ao ordenamento jurí-dico pátrio antes da EC 45/04, razão pela qual, na ótica do STF,62possuem sta-

60. Segundo o art. 2.l.b, da Convenção de Viena, "'ratificação', 'aceitação', 'aprovação' e'adesão' significam, conforme o caso, o ato internacional assim denominado pelo qualum Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento em obrigar-se porum tratado".

61. Com reserva aos arts. 25 e 66.

62. "Prisão civil. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medidacoercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e dasnormas subalternas. Interpretação do art. 5.°, LXVII e §§ 1.°,2.° e 3.°, da CF/1988,à luz do art. 7.°, § 7.0, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de SanJOSéda Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE 349.703 e dosHCs 87.585 e 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja amodalidade do depósito" (RE 466.343, Pleno, j. 03.12.2008, rel. Min. Cezar Peluso,Dje-l04, divulg 04-06-2009, public 05.06.2009, ernent vol-02363-06 pp-Oll06, RTJvol-00210-02 PP-00745, RDECTRAB n. 186, vol. 17, p. 29-165,20100)."Prisão civil do depositário infiel em face dos tratados internacionais de direitos humanos.Interpretação da parte final do inc. LXVII do art. 5.° da CF/1988. Posição hierárquico--nonnativa dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico bra-sileiro. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos DireitosCivis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto deSan losé da Costa Rica (art, 7.°,7), ambos no ano de 1992, não há mais baselegal para pri-são civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobredireitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenarnento jurídico, estando abaixoda Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tra-tados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil toma inaplicável a legislaçãoinfraconstitucional com ele conjlitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. ( ... ) Re-curso extraordinário conhecido e não provido" (STF,REsp 349.703, Pleno, j. 03.12.2008,rel. Min. Carlos Britto, rel. p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes, DJe 104, divulgo04:06.2009,publico 05.06.2009, ement. vol. 02363-04, p. 00675) (destaque nosso).

A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo De-creto Legislativo 4/1989. O Brasil depositou carta de ratificação à mesma em28.09.1989, momento em que entrou em vigor. Sua promulgação se deu peloDecreto Presidencial 40/1991.

Em 2006, o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto legislativo483, o texto do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente a cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77·120. São Paulo Ed. RT,out. 2015.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarcerarnento.Revista dos Tribunais vol. 960. ano 104. p. 77-120. São Pau 10: Ed. RT, out. 2015.

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tus normativo supralegal, isto é, acima de toda legislação interna (p. ex. CPP)e abaixo apenas da Constituição.

Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos possuem eficácia plena eimediata, isto é, não precisam de regulamentação normativa alguma para ope-rarem seus efeitos" e devem ser cumpridos de acordo com o princípio pactasunt servanda internacional. Nos termos do art. 5.°, § 1.0, da CF/1988, "Asnormas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação ime-diata". Ademais, dispõe o § 2.° do mesmo art. 5.° que "Os direitos e garantiasexpressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dosprincípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repúbli-ca Federativa do Brasil seja parte". As normas internacionais que preveem aapresentação física do preso não estão em contradição com nenhuma normainterna. A relação entre elas é de complementariedade, uma vez que a Consti-tuição admite a ampliação do rol de garantias fundamentais nela previsto pormeio dos tratados internacionais de Direitos Humanos.

Embora a previsão nos tratados incorporados pelo Brasil, a maioria dos juízesainda deixa de realizar a solenidade - casos isolados, como os das liminares conce-didas pelo Des. Luíz NoronhaDantas, do TJRJ, no HC 0064910-46.2014.8.19.0000,e pela Des. Fed. Mônica Sífuentes, do TRF3, no HC 0006708-76.2015.4.01.0000/MT, no entanto, dão um passo além e já reconhecem o direito à audiência de cus-tódia -, seja pelo desconhecimento da desnecessidade de regulamentação legal,seja por verdadeira resistência a dedicar ainda mais tempo ao desempenho de suasfunções, quando as condições de trabalho nem sempre são as mais favoráveis.Como salienta Augusto Tarradt Vilela, o afastamento da sua aplicação "só vêm a

"Depositário infiel- Prisão. A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica,limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia,implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisào do depositárioinfiel" (STF, HC 87.585, Pleno, j. 03.12.2008, rel. Min. Marco Aurélio, DJe118, divulg.25.06.2009, publico 26.06.2009, ement vol. 02366-02, p. 00237) (destaque nosso)."Prisão civil- Penhor rural - Cédula rural pignoratícia - Bens - Garantia - Impro-priedade. Ante o ordenarnento jurídico pátrio, a prisão civil somente subsiste no casode descumprimento inescusável de obrigação alimentícia, e não no de depositárioconsiderada a cédula rural pignoratícia" (STF, HC 92.566, Pleno, j. 03.12.2008, reI.Min. Marco Aurélio, DJe 104, divulg. 04.06.2009, public. 05.06.2009, ement. vol.2363-03, p. 451).

63. Nesse sentido: GOMES,Luiz Flávio; MAZZUOLl,Valério de Oliveira. Comentários à Con-venção Americana de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Ed. RI, 2013, p. 33.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vai. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo Ed. RT,ou! 2015.

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clarear uma das características do Poder Judiciário brasileiro, a de ignorar o textonormativo dos tratados internacionais firmados pela República"."

Importante destacar que a Constituição deixou de ser o único referencial decontrole das leis ordinárias, dando espaço ao "controle de convencionalidade"(compatibilidade material)," o qual, segundo Ingo Sarlet, não faz distinçãoentre os tratados aprovados pelo rito especial do art. 5.°, § 3.°, da CF/1988(que equivalem a emendas constitucíonaís'") e aqueles aprovados por maioriasimples pelo Congresso Nacional (que são normas supralegais), devendo serobservados até mesmo preventivamente pelo Legislatívo, quando da aprecia-ção de algum projeto de lei."

Sendo assim, é relevante a normatização interna da audiência de custódia"a fim de que o Estado brasileiro dê. cumprimento aos compromissos interna-

64. VILELA,Augusto Tarradt. Op. cit.

65. MAZZUOLl,Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis.São Paulo: Ed. RT, 2011, p. 75 entende que "doravante, todas as normas infracons-titucionais que vierem a ser produzidas no país devem, para a análise de sua com-patibilidade com o sistema atual de Estado Constitucional e Humanista de Direito,passar por dois níveis aprovação: (1) a Constituição e os tratados de direitos huma-nos (material ou formalmente constitucionais) ratificados pelo Estado; e (2) os tra-tados internacionais comuns também ratificados e em vigor no país". Em outra obra,o mesmo autor explica que "O controle de convencionalidade tem por finalidadecompatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu,vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados peloEstado e em vigor no território nacional" (MAZZUOLl,Valéria de Oliveira. Tratadosinternacionais de direitos humanos e o direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208).

66. Por ora, apenas a Convenção das Pessoas com Deficiência e seu respectivo protocoloFacultativo.

67. SARLET,Ingo Wolfang. Controle de convencionalidade dos tratados internacionais,São Paulo, Revista Consultor Jurídico, 10.04.2015. Disponível em: [www.conjur.com.br/20 15-abr-I O/direitos-fundamentais-controle-convencionalidade- tratados- interna-cionais]. Acesso em: 07.06.2015.

68. Thiago Baldani Filippo sustenta que "enquanto não houver a devida regulamentação[da audiência de custódia], o cumprimento textual do art. 306 do CPP não ensejaráqualquer invalidade às decisões judiciais que forem tomadas à luz dos autos de pri-são em flagrante" , uma vez que tratar-se-ia de inconstitucionalidade progressiva, nosmoldes do que decidiu o SIF no RE 147.776/SP (FILlPPO,Thiago Baldani. Audiênciasde custódia e o art. 306 do CPP: norma ainda constitucional, Escola Paulista da Ma-gistratura. Disponível em: [www.epm. tjsp.jus. brlinternas/artigos/dírpeprocpeexpe-nalview.aspx7id=25649]. Acesso em: 03.06.2015).

MASI,Carlo Velho. A audiência de custódia .rente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol. 960. ano 104. fJ 77-120. São Paulo: Ed. RT,out. 2015.

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cionais firmados, obrigando-se a gerenciar as questões estruturais que a envol-vam, de modo a evitar nulidades com a violação de direitos humanos.

4.1 Oprojeto de novo Código de Processo Penal

O projeto de novo Código de Processo Penal (PLS 156/2009, que originou oPL 8.045/2010), cria a figura dos 'Juiz das Garantias" (Título II, Capítulo Il), queserá "responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela sal-vaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorizaçãoprévia do Poder judiciário" (art. 14). A este magistrado caberá, dentre. outras fun-ções, as de "receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do me. LXII doart. 5.° da Constituição da República Federativa do Brasil" (inc. 1), "receber o autoda prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 555" (inc. II); "zelar pelaobservância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a suapresença" (inc, IlI, destaque nosso); "decidir sobre o pedido de prisão provisória ououtra medida cautelar" (inc, V); e "prorrogar a prisão provisória ou outra medidacautelar, bem como substituí-Ias ou revogá-Ias" (inc, VI).69

Percebe-se que o projeto de novo CPP deixa ao arbítrio do magistrado de-cidir se realizará ou não a audiência de custódia, o que representa um vício deconvencionalidade, uma vez que a CADH afirma que todo preso deve ser con-duzido, sem demora, à presença do juiz. Não se trata de uma faculdade, masde uma obrigação convencional.

De todo modo, o projeto tem o mérito de reconhecer o papel garantidor dojuiz, como primeiro guardião dos direitos humanos do preso, para a efetivaçãodo princípio da excepcionalidade da prisão preventiva, o que está de acordocom um processo penal constitucional. Ademais, a criação de um juizado deGarantias assegura a adoção de um sistema acusatório , na medida em que de-termina uma separação entre o magistrado que apreciará os elementos colhi-dos na fase pré-processual- dentre eles os oriundos da audiência de custódia- e aquele que julgará o mérito a causa, evitando, pois, uma imprópria "con-taminação" subjetiva que possa comprometer a imparcialidade da jurisdição 70

69. SENADOFEDERAL.Comissão Temporária de Estudo da Reforma do Código de Proces-so Penal. Redação final do PLS 156, de 2009. Brasília. Senado Federal, 07.12.2010.Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade!materia/getpdf.asp ?t=85509&tp=1 J.Acesso em: 01.06.2015.

70. No ponto, recomendamos a leitura de Maya, André Machado. Imparcialidade e proces-so penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. Rio de Janeiro: LumenJ uris,

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramentoRevista dos Tribunais. vaI. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo Ed. RT, out. 2015.

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4.2 O PLS 554/2011

Desde 2011, tramita no Senado Federal o PL 544, de autoria do Senador Anto-nio Carlos Valadares (PSB/SE),propondo originalmente alterar a redação do § 1.0 doart. 306 do Cpp71 (cuja redação atual foi dada pela lei 12.40312011), que trata doencaminhamento do auto de prisão em flagrante ao juiz em até 24 horas.

Pela proposta, no mesmo prazo de 24 horas da prisão o detido deveria serconduzido à presença do juiz competente, "ocasião em que deverá ser apresen-tado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidase, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para aDefensoria Pública. ,,72

Em sua justificativa, o senador faz alusão aos tratados que o Brasil adere,mencionando que "A prática mundial vai nesse sentido. A Alemanha determi-na que o preso seja apresentado no dia seguinte à prisão. Constituições maismodernas, como da África do Sul, preveem medidas idênticas", além de expli-car que a medida busca resguardar a integridade física e psíquica do preso, pre-venir atos de tortura e possibilitar o controle efetivo da legalidade das prisõespelo Poder judíciarío."

Cleopas Isaías Santos chama a atenção para um possível vício de convencionalí-da de no projeto, que restringe a audiência de custódia a casos de prisão em flagran-te, quando os tratados internacionais assim não o fazem, de modo que a propostaconfiguraria uma "proteção deficiente do direito de liberdade de locomoção"."

Por ocasião da análise do projeto na Comissão de Constituição, justiça eCidadania (CCJ) do Senado Federal, o Senador Ranolfe Rodrigues (PSOUAP)apresentou um substitutivo à proposição inicial, incorporando sugestões de

2011, p. 52 ss., onde o autor trata da imparcialidade como um elemento essencial dafunção jurisdicional.

71. "Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicadosimediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoapor ele indicada. (Redação dada pela Lei 12.403, de 2011). § 1.0Em até 24 (vinte e quatro)horas após a realiz~ão da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão emflagrallte e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para aDefensoria Pública. (Redação dada pela Lei 12.403, de 2011)" (destaques nossos).

72. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade!ma teria/getpdf.asp 7 t=95848&tp= 1].Acesso em: 09.05.2015.

73. idem.

74. SANTOS,Cleopas [saías. Op. cit., p. 82.

MASI,Carlo Velho. A audiência cc custóoa fre:He à c ultura co enca rce.amentoRevista dos Tribunois vcl. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

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diversas entidades com atuação na defesa dos direitos humanos." Essa novaproposta, no entanto, acabou não indo à votação, porque aprovado requeri-mento do Senador Humberto Costa (PT/PE), no sentido de submeter o projetoà Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

A CDH, por sua vez, emitiu parecer pela aprovação do PLS, nos termos doSubstitutivo apresentado pelo relator, Senador João Capiberibe (PSB/AP):76

"Art. 306. (...)

§ 1.0 No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, opreso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidasprevistas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus di-reitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveispara preservá-Ias e para apurar eventual violação.

§ 2.° Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1.0, o Juiz ouviráo Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisãopreventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá opreso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente,nos termos art. 310.

§ 3.° A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autosapartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente eversará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a preven-ção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados aopreso e ao acusado.

§ 4.° A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto deprisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo,assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutore os nomes das testemunhas.

§ 5.° A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advo-gado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na domembro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas

75. Dentre elas, o "Instituto Sou da Paz", a "Conectas Direitos Humanos", a "PastoralCarcerária", a "Justiça Global", o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Hu-manos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Instituto de Defesa do Direitode Defesa (IDDD) e o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC).

76. Disponível em: [http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdfl136 748. pdf].Acesso em: 09.05.2015.

MASI, Carlo Velho. Aaudiéncia de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p, 77-120. São Paulo: Ed. RT,out. 2015.

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previstos no parágrafo 3.°, bem como se manifestar previamente à decisão ju-dicial de que trata o art. 310 deste Código (NR)."

Posteriormente, o projeto foi aprovado por unanimidade na Comissão deAssuntos Econômicos (CAE) e retomou à CCJ, onde o Senador Ranolfe Rodri-gues votou pela aprovação." Em maio de 2014, o TJRJ encaminhou ofício aoSenado com a sugestão de que a apresentação do preso se desse pessoalmenteou por videoconJerência, o que, para aquele tribunal, também atenderia à fina-lidade de preservar sua integridade, possibilitando que o juiz tenha contatodireto em ele, evitando, porém, seu deslocamento até as dependências do Po-der Judiciário, o que diminuiria as possibilidades de tentativas de resgate quecolocariam em risco toda a população. Segundo o TJRJ, "A diminuição da cir-culação de presos pelas ruas da cidade e nas dependências do Poder Judiciáriorepresenta uma vitória das autoridades responsáveis pela segurança pública"."

Com base nisso, o Senador Francisco Domelles (PPIRJ) apresentou novaemenda com o objetivo de permitir a adoção do sistema de videoconferênciacomo alternativa para a apresentação do preso à autoridade judiciária. A novaredação sugerida para o § 1.° do art. 306 do CPP seria a seguinte:

"Art. 306. (...)

§ 1°. No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o presodeverá ser conduzido à presença do juiz competente, pessoalmente ou pelo siste-ma de videoconJerência, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisãoem flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado nãoinforme o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública(destaque nosso)."

O Senador Humberto Costa votou pela rejeição dessa emenda." ao conside-rar que "a presença física do preso perante a autoridade judiciária se mostranecessária, pois além de ser mais fidedigna, possibilita que o Magistrado possaavaliar o caráter, a índole, de forma a alcançar a compreensão da personalidadedo custodiado". Propôs, ainda, a alteração da nomenclatura "autoridade poli-

77. Disponível em: [hup:/ /legis.senado .leg.br/mateweb/arquivos/mate- pdf/I 01393. pdf] .Acesso em: 09.05.2015.

TJRj. Ofício Preso 275/2014, 22.05.2014. Disponível em: [www.senado.gov.br/ativi-dade/materia/getpdf.asp?t=152687 &:tp=11.

Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade/materia/gettexto.asp?t= 165710&c=pdf&:tp=11. Acesso em: 09.06.2015.

78.

79.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente a cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT. out. 2015.

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cial" para "delegado de polícia", em consonância com o Projeto de novo CPP(PLS 156/2009).

"É da natureza do ser humano realçar os benefícios de quaisquer mudançase, consequenternente, diminuir o alcance das perdas, as quais, neste ponto,não são poucas e nem inexpressivas. Insistimos em ressaltar, que a perda docontato pessoal conduz a uma atividade judiciária mecânica e insensível e éfundamental a presença física do preso perante o juiz, sob pena de esvaziar,reduzir ou debilitar o substrato humano do sistema penal."

Na visão de Aury Lopes)r. e Caio Paiva, esse substitutivo "mata o caráter an-tropológico, humanitário até, da audiência de custódia", ferindo a garantia dajurisdição e contraditório, no que se refere ao direito à audiência. "O contatopessoal do preso com o juiz é um ato da maior importãncia para ambos, espe-cialmente para quem está sofrendo a mais grave das manifestações de poder doEstado" .BO Desse modo, a virtualização do processo somente contribuiria paraa assunção de uma "postura burocrática e de assepsia da jurisdição".

"Matam o caráter antropológico do próprio ritual judiciário, assegurandoque o juiz sequer olhe para o réu, sequer sinta o cheiro daquele que está pren-dendo. É elementar que a distância da virtualidade contribui para uma absurdadesumanização do processo penal. É inegável que os níveis de indiferença (eaté crueldade) em relação ao outro aumentam muito quando existe uma dis-tãncia física (virtualidade) entre os atores do ritual judiciário. É muito maisfácil produzir sofrimento sem qualquer culpa quando estamos numa dimensãovirtual (até porque, se é virtual, não é real...)."81

Diversas entidades de classe encaminharam notas técnicas ou ofícios aoSenado acerca do projeto.

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) sustentou'"sua rejeição total, ao argumento de que o respeito aos direitos constitucionaisseria função do Delegado de Polícia, cabendo ao juízo um segundo controle delegalidade para maior garantia do cidadão. A audiência de custódia seria "com-pletamente ínexequível por questões geográficas". Segundo a ADPF, a garantiada CADH teria sido atendida no Brasil por intermédio da autoridade de polícia

80. LOPESjR.,Aury; PAIVA,Caio. Op. cit., p. 2I.

81. Idem, p. 21-22.

82. Nota Técnica ADPF 003/2014, 05.08.2014. Disponível em: [wwwsenado.govbr/ati-vidade!materialgetpdf.asp?t=154193&tp=1j. Acesso em: 09.06.2015.

MASI,Carlo Velho. Aaudiência de custódia frente à cultura do encarcera ento.Revista dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Fd. RT,QUI. 2015.

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judiciária, "isto é, o Delegado de Polícia (longa manus) que, embora autoridadeadministrativa no exercício das funções de polícia judiciária é tecnicamentevinculado ao Poder Judiciário". Argumenta que "a liberação dos acusados cau-sará sensação de insegurança na sociedade, além de reforçar o sentimento deimpunidade na população, que vai desacreditar o trabalho da polícia, já que apessoa que é presa será colocada imediatamente em liberdade".

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol/BR) afirmou'P quea CADH não determinaria que o preso tenha que ser submetido à presença deum juiz, mas que poderia também ser apresentado a outra autoridade autori-zada para exercer tais funções. O legislador pátrio teria optado por conferiressa função à autoridade policial, como primeira guardiã dos direitos funda-mentais, impedindo prisões arbitrárias. Além de desnecessária, a proposta se-ria dispendiosa e contrária ao interesse público. As medidas assecuratórias dedireitos fundamentais do preso já estariam suficientemente resguardadas. Casoaprovada a proposição, "C ..) o Brasil enfrentaria uma verdadeira onda de impu-nidade, com o consequente aumento da crírninalidade violenta. Isso porqueas grandes dimensões de nosso território e a estrutura de nossas instituiçõespúblicas, além de outros fatores, seriam importante obstáculo à efetivamentesistemática da medida, o que geraria a nulidade de boa parte das prisões reali-zadas (destaques nossos)."

No mesmo sentido manifestou-se o Conselho Nacional dos Chefes de Polí-cia Civil (CONCPC)84

A Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) ale-gou'" que a aprovação do projeto poderia levar à "total paralisia das Polícias",na medida em que não teriam estrutura para conduzir e permanecer com ospresos aguardando as audiências. Segundo a Fenadepol, "C..) todo pTeso iráalegar perante o Juiz que foi torturado na rua para tomar nula a prisão e sersolto. E o policial responsável pela prisão, em decorrência das declarações dopreso, irá responder injustamente pelo crime de tortura, anos a fio, podendoaté mesmo ser preso em flagrante pelo Juiz, passando de condutor a preso e o

83. Nota Técnica da AdepoVBR ao PLS 554/2011, 05.08.2014. Disponível em: [www.se-nado.gov.br/atividade!materia/getpdf.asp?t=154195&tp=lj. Acesso em: 09.06.2015.

84. Nota Técnica do CONCPC ao PLS 554/2011, 05.08.2014. Disponível em: [wwwse-nado.gov.br/atividade!materialgetpdf.asp?t=154195&tp=lj. Acesso em: 09.06.2015.

85. Ofício 37/14-Fenadepol, 04.08.2014. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividadelmaterialgetpdf.asp?t=154194&tp=1j. Acesso em: 09.06.2015.

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preso, de criminoso a vítima. Numa total e absurda inversão de valores. Isto farácom que os policiais deixem de agir, preferindo correr o risco de responder pelocrime de prevaricação a responder por tortura, crime inafiançável e insuscetívelde graça ou anistia, segundo o disposto no inc. XLIII, do art. 5.° da CF/1988.E a criminalidade crescerá substancialmente, pois poucos policiais se ariscarão aprender um criminoso em flagrante delito. Na realidade, o único beneficiário daLei será o marginal, em prejuízo dos elevados interesse (sic) do cidadão de bem,que ficará ainda mais desprotegído" (destaques nossos).

Por outro lado, o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Conde-ge) foi favorável à proposta, que "pressupõe a salvaguarda dos direitos funda-mentais do preso no momento inicial de sua custódia". Salientou o aumentodo número de denúncias de abusos policiais, maus tratos e tortura no momen-to da prisão."

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) argumentou'" que o desloca-mento de pessoas e o afastamento temporário de suas funções geraria custoincomensurável, comprometendo ainda mais as deficiências estrutural e or-çamentária dos atores do processo penal para lidar com o número de prisõesdiárias (apenas na cidade de São Paulo seriam 90 por dia). O resultado seria, navisão do MPSP o frequente relaxamento da prisão por descumprimento da nor-ma. O órgão entende, ainda, que a CADH não fala em apresentação "imediata"do preso, mas sim em condução "sem demora", o que poderia representar"poucos dias", e não 24h. Reclama que eventual falsa imputação de delito à au-toridade policial, gerando instauração de investigação em desfavor do agentepúblico, não poderá ser usada corno meio de prova para apuração do crime dedenunciação caluniosa, "instituindo verdadeira licença para a prática delitiva".Por fim, fala nos inconvenientes da liberação indevida de pessoas presas pordelitos gravíssimos e na geração de perplexidade e inconformismo social.

"Se é certo que as prisões são excepcionais no atual ambiente jurídico na-cional e que a violência policial e tortura são comportamentos altamente cen-suráveis e ilegítimos, não t possível a adoção de expedientes tendentes ao maiorgrau de embaraço da efetiva. aplicação da lei penal em face da aguda sensação deimpunidade e de insegurança geral e da capílaridade da criminalídade organizada,

86. Ofício 105/2014 - Condege, 30.10.2014. 09.06.2015. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade/materia/getpdfasp7t=156459&tp=11. Acesso em: 09.06.2015.

87. Nota Técnica 14/2014, 06.11.2014. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividadeJmateria/getpdf.asp?t=157402&tp=11. Acesso em: 09.06.2015.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente a cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais- vol, 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, ou . 2015.

DIREITO PENAL 103

tendo em vista que o ordenamento jurídico pátria conta com mecanismos que bene-ficiam autores de delitos graves e hediondos (destaques nossos)."

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) externou'" preocupaçõesquanto à efetividade da medida proposta. Alega que o juiz por si só não tem condi-ções de avaliar ou examinar o preso e que lesão menos aparente escaparia ao exa-me visual do magistrado, de modo que a perícia médico-legal continuaria impres-cindível. Não seria apropriada a tomada de declarações do acusado acerca de suaprisão se este depoimento não pudesse servir como meio de prova em seu desfa-vor. A exigência de apresentação do preso equivaleria à presunção de inidoneidadede toda a corpo ração policial. A medida pode ser inócua ou mesmo prejudicial aopreso, pois poder-se-ia presumir que poucos efetivamente relatariam agressões porocasião da audiência de custódia, urna vez que retomariam ao sistema prisional eteriam receio de represálias. Menciona a notória insuficiência de estrutura, mate-rial e pessoal, para escolta dos presos, além da periculosidade deste deslocamento.Caso o projeto não seja rejeitado, entende que é necessária a utilização do sistemade videoconferência, corno a legislação brasileira já admite para o interrogatório.

A Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) emitiu longa notatécnica sobre o assunto.j" entendendo que a audiência de custódia já se encontrainserida no ordenamento jurídico brasileiro, por força da ratificação da CADHe do PIDCp, mas tem pouca aplicação, ante a falta de regulamentação. Quantoao sistema de vídeoconferência, ressalta que "ouvido à distância, no local de suaprisão ou detenção e com enorme proximidade com seus eventuais agressores, écerto que o preso jamais poderá relatar tudo o que poderia se estivesse longe detal ambiente, em sala de audiências e na presença do Ministério Público e de suaDefesa." Ademais, "(. ..) somente estando o preso na presença física do juiz é queele, e sua defesa, poderão solicitar ao Magistrado imediatas medidas de proteçãoe salvaguarda, corno a determinação de que o preso não retome ao local de ondeproveio, sendo diretamente encaminhado para o estabelecimento prisional emque sua vida esteja garantida, ou mesmo colocando em liberdade provisória".

No tocante ao argumento do empecilho relacionado aos custos no trans-porte dos presos, entende a Anadep que cabe aos Poderes Executivo e Judiciá-rio encontrar saídas administrativas condizentes, a exemplo do que é feito no

88. Nota Técnica 16/2014, dez. 2014. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade/ma-teria/getpdf.asp?t=159456&tp=11. Acesso em: 09.06.2015.

89. Nota Técnica a respeito do PLS 554/2011, 05.02.2015. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividadeJmateria/getpdf.asp ?t=16120 1&tp= 1]. Acesso em: 09.06.2015.

MAS!,Carlo Velho. A audiência de cust .dia frente a cultura do encarceramenta.Revista dos Tribunais. vaI. 960. ano 104. p, 77-120. São Paulo: Ed. RT, out, 2015.

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Estado da Bahia, onde são as autoridades que se deslocam para o local ondeos presos são regularmente levados, o que representa baixo custo e enormeefetividade, além de aproximar o julgador da pessoa presa.

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) referiu'" que o pro-jeto vem suprir urna lacuna legislativa de mais de duas décadas, impondo re-quisitos mais estritos à correta observância desta garantia que há muito deveriaser respeitada. Na prática, o preso em flagrante no Brasil acaba demorandovários dias, meses ou até anos, até ser levado à presença de um magistrado.

Informa o Instituto que outros países da América Latina, corno Equador,Peru, Uruguai, Chile e Paraguai, preveem a audiência de custódia, no prazo de24h após a prisão. As alegações de ordem estrutural e financeira devem ser re-chaçadas, urna vez que "cabe ao Estado aparelhar-se para assegurar as garantiasdós cidadãos, e não o contrário, as garantias serem suprimidas ou flexibilizadassegundo a benevolência momentânea do Estado."

A possibilidade de o magistrado apreciar de maneira mais criteriosa a im-posição de medidas cautelares diversas da prisão implicaria uma diminuiçãodo contingente de presos sob a administração do Estado, gerando, em verdade,uma economia de gastos publícos.?' Logo, a medida seria salutar até mesmodo ponto de vista da Administração Pública, pois o contato do cidadão com opreso possibilita a exposição de situações que justifiquem a soltura ou mesmoexposição de outras necessidades de ordem pessoal (fornecimento de medica-mentos, transferência para outros estabelecimentos, etc.).

Segundo o IBCCrim, a oitiva das partes antes de o juiz decidir está de acor-do com a dialética processual e permite o exercício do contraditório, sendoconsentânea com a Constituição FederaL Defende que a Audiência de Cus-tódia e suas diligências sejam autuadas em apartado, pois a finalidade seráapenas o controle da detenção, e não a apuração do ato criminoso, razão pelaqual os depoimentos do preso não podem ser interpretados em seu desfavor.

Quanto à audiência por meio de videoconferência, afirma que isso teria opotencial de desvirtuar o instituto processuaL A presença física do acusado éessencial para prevenir a ocorrência de arbitrariedades no momento da prisão,

90. Nota Técnica sobre o PLS 554/11, 11.02.2015. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividade/materia/getpdf.asp? t=162200&tp=l]. Acesso em: 09.06.2015.

91. Segundo dados do CNJ, cada preso em regime fechado no Brasil custa ao ano emmédia R$ 28 mil.

MASI, Carla Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revisto dos TribunaiS. vaI. 950. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

DIREITO PENAL 105

uma vez que, dentro do centro carcerário ou da própria delegacia onde se en-contrar detido, o preso se sente mais intimidado a fazer qualquer denúncia.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) en-Iatízou'" que o Brasil viveria "a mais dramática crise de Segurança Pública denossa história," sugerindo que o prazo para a apresentação do preso seja am-pliado para 3 ou 5 dias úteis, em vista da carência de magistrados, promotorese defensores públicos e ao risco de soltura em massa de presos pela impossi-bilidade de realizar a audiência em prazo tão exíguo. O prazo deveria ser au-mentado para crimes hediondos e o Termo de Audiência de Custódia deveriaser mantido nos autos.

Reunindo todas as sugestões trazidas, o Senador Humberto Costa apresen-tou no fim de maio de 2015 outro substitutivo, ainda mais detalhado, alteran-do totalmente a redação do art. 306 do CPP:93 "Art. 306. A prisão de qualquerpessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente pelo de-legado de polícia responsável pela lavratura do auto de prisão em flagranteao juiz competente, ao Ministério Público e à Defensoria Pública quando nãohouver advogado habilitado nos autos, bem como à família do preso ou à pes-soa por ele indicada.

§ 1.0 Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será enca-minhado pelo delegado de polícia ao juiz competente e ao Ministério Públicoo auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seuadvogado, cópia integral para a Defensoria Pública respectiva.

§ 2.° No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota deculpa, assinada pelo delegado de polícia, com o motivo da prisão, capitulaçãojurídica, o nome do condutor e os das testemunhas.

§ 3.° Imediatamente após a lavratura do auto de prisão em flagrante, dianteda ocorrência de suposta violação aos direitos fundamentais da pessoa presa, odelegado de polícia em despacho fundamentado determinará a adoção das me-didas cabíveis para a preservação da integridade do preso, além de determinara apuração das violações apontadas, instaurando de imediato inquérito policial

92. Nota Técnica 04/2014, 19.02.2015. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividadelmaterialgetpdtasp?t=162199&:tp=l]. Acesso em: 09.06.2015.

93. Disponível em: [www.senado.gov.br/atividadelmaterialgettexto.asp ?t=165710&:c-pdíôrtp-L]. Acesso em: 09.06.2015.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente ~ cJí~urê: d·::·(ncC.Jceramento.Revisto dos Tribunais. vai. 960. ano 104. p. 77- i:' 0. 5:') í',,,J!ü: ~d. f-", cut, 2015.

106 REVISTA DOS TRIBUNAIS. RT 960· OUTUBRO DE 2015

para apuração dos fatos, requisitando a realização de perícias, exames comple-mentares, também determinando a busca de outros meios de prova cabíveis.

§ 4.° No prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após a prisão em fla-grante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistasàs medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respei-tados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judiciária tomar asmediadas cabíveis para preserva-I os e para apurar eventual violação.

§ 5.° Na audiência de custódia de que trata o parágrafo quarto, o juiz ouviráo Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisãopreventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida, ouviráo preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente,nos termos do art. 310.

§ 6.° A oitiva a que se refere o parágrafo anterior será registrada em autosapartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente eversará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a preven-ção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados aopreso e ao acusado.

§ 7.° A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advoga-do, ou, se não tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membrodo Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstosno parágrafo sexto, bem como se manifestar previamente à decisão judicial deque trata o art. 310.

§ 8.° Na impossibilidade, devidamente certificada e comprovada, da autori-dade judiciária realizar a inquirição do preso quando da sua apresentação, a au-toridade custodiante ou o delegado de polícia, por meio de seus agentes, tomarárecibo do seventuário judiciário responsável, determinando a juntada nos autosneste último caso, retomando com o preso e comunicando o fato de imediatoao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Conselho Nacional de]ustiça.

§ 9.° Nos casos de crimes de competência da Polícia Federal, quando o mu-nicípio do local da lavratura do flagrante delito não coincidir com sede da Jus-tiça Federal, a autoridade custodiante ou o delegado de polícia federal deverádeterminar a seus agentes que conduza o preso ao ]uízo de Direito do local dalavratura da peça flagrancial no prazo máximo de vinte e quatro horas, ocasiãoem que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado detodas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advoga-do, cópia integral para a Defensoria Pública" (NR).

MASI, Carlo Velho. Aaudiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revisto dos Iriburor: vol. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT,ou! 2015.

DIREITO PENAL 107

Embora, como já frisado, o direito reconhecido por tratados internacionaisde direitos humanos não necessite de regulamentação, a edição de norma in-terna é salutar para prornovê-lo e estabelecer diretrizes que não estão detalha-das nos tratados.

4.3 A experiência do Estado de São Paulo

Em janeiro de 2015, a Presidência e a Corregedoria Geral do T]SP editaramo Provimento Conjunto 3/2015,94 que determina a implementação gradativada audiência de custódia, em todo o Estado de São Paulo, conforme cronogra-ma de afetação dos distritos policiais aos juízos competentes.

Segundo o provimento, no prazo de até 24h após a prisão, a autoridade po-licial providenciará a apresentação da pessoa detida, junto com cópia do autode prisão em flagrante, ao juiz competente, para a realização da audiência decustódia (art. 3.°). Enquanto o projeto estiver em fase de implantação, não serealizará audiência de custódia (art. 10) aos sábados, domingos, feriados, nosdias úteis fora do expediente forense normal, nem aos finais de semana queincidirem no período de recesso (20.12 a 06.01).

Antes do ato, o autuado "terá contato prévio e por tempo razoável com seuadvogado ou com Defensor Público" (art. 5.°). O procedimento da audiênciade custódia é previsto pelo TJSP da seguinte forma:

"Art. 6.° Na audiência de custódia, o juiz competente informará o autuado dasua possibilidade de não responder perguntas que lhe forem feitas, e o entrevis-tará sobre sua qualificação, condições pessoais, tais como estado civil, grau dealfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência, lugar onde exercesua atividade, e, ainda, sobre as circunstâncias objetivas da sua prisão.

§ 1.0 Não serão feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução pró-pria de eventual processo de conhecimento.

§ 2°. Após a entrevista do autuado, o juiz ouvirá o Ministério Público quepoderá se manifestar pelo relaxamento da prisão em flagrante, sua conversãoem prisão preventiva, pela concessão de liberdade provisória com imposição,se for o caso, das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.

§ 3D A seguir, o juiz dará a palavra ao advogado ou ao Defensor Públicopara manifestação, e decidirá, na audiência, fundamentada mente, nos termos

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I94. Disponível em: [www.tjsp.jus.br/handlers/filefetch.ashx? id_arquivo=65062l. Acesso

em 26.052015.

MAlI, Carlo Veiho. A aud iência de ctJsvjL' i t c"êe à cultura do encarcer amento.Revisto dos Iriauncr: voi. 960. ano iC i. ti- í :'0. São Paulo Ed. RT, out. 2015.

108 REVISTA DOS TRIBUNAIS. RT960 • OUTUBRO DE 2015

do art. 310 do CPp, podendo, quando comprovada uma das hipóteses do art.318 do mesmo Diploma, substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

§ 4.° A audiência será gravada em mídia adequada, lavrando-se termo ou atasucintos e que conterá o inteiro teor da decisão proferida pelo juiz, salvo se eledeterminar a integral redução por escrito de todos os atos praticados.

§ 5.° A gravação original será depositada na unidade judicial e uma cópiainstruirá o auto de prisão em flagrante.

§ 6.° As partes, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, contadas do términoda audiência, poderão requerer a reprodução dos atos gravados, desde queinstruam a petição com mídia capaz de suportá-Ia."

O limite cognitivo da audiência está restrito às condições pessoais do presoe às "circunstâncias objetivas da prisão", uma vez que sua finalidade é a veri-ficação da legalidade do flagrante e da necessidade de medidas cautelares (res-tritivas de liberdade ou não). Verifica-se que não há previsão de reperguntaspelas partes, apenas pelo próprio magistrado, o que, no entanto, não o impedede oportunizá-las. O Ministério Público manifesta-se após a oitiva do detido;em seguida fala a Defesa e, posteriormente, o juiz decide, de modo fundamen-tado, na própria audiência. Na hipótese de verificar a extrema necessidadeda decretação da prisão, deverá obrigatoriamente verificar se não é possível asubstituição por prisão domiciliar. Tudo com a finalidade de assegurar que acustódia em estabelecimento prisional (regime fechado) será efetivamente amedida mais radical e excepcional possível de ser adotada.

Caso o juiz verifique a ocorrência de possível abuso cometido durante a pri-são ou a lavratura do auto e entenda necessária a elaboração de perícia para aadoção das medidas pertinentes, requisitará exame clínico e de corpo de delitono preso (art, 7.°).

Ao final, é confeccionado um termo sucinto da audiência e tudo fica gra-vado em mídia, à disposição das partes, sendo uma via anexada ao APE Aocontrário do PLS 554/2011, portanto, no provimento do TJSP as declaraçõesdo preso durante a audiência de custódia permanecerão nos autos do processo,implicando uma oitiva antecipada do imputado e a potencial contaminação dojuiz que apreciará o mérito da causa."

95. EDITORIAL.Audiência de custódia no Brasil, ainda que tardia. Boletim IBCCrim, n. 268,p. 1, São Paulo, mar. 2015.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente a cultura do encarceramento.Revista das Tribunais. vaI. 960. ano 104. p. 77·120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

DIREITO PENAL 109

Mensalmente, será elaborado um relatório com o número de audiências decustódia realizadas, o tipo de delito imputado aos presos que delas participa-ram, o tipo de decisão judicial proferida na solenidade (relaxamento da pri-são em flagrante, sua conversão em prisão preventiva, concessão de liberdadeprovisória com imposição, se for o caso, das medidas cautelares previstas noart. 319 do CPp, conversão da prisão preventiva em domiciliar) e o número eespécie de encaminhamentos assistenciais determinados (art, 9.°).

Claudio do Prado Amaral reconhece que, com 23 anos de atraso, este é o pri-meiro passo para dar efetividade ao disposto no art. 7.5 da Convenção Ameri-cana de Direitos Humanos, ainda que por norma de nível hierárquico inferior.

"O advento formal da audiência de custódia revela verdadeiro e louvávelesforço institucional do TJSP para dar efetividade a um processo penal orien-tado por princípios constitucionais. O fato de se criar um momento no qual apessoa recém detida e o juiz colocam-se frente a frente dá ensejo a um ato pro-cessual que permite o aguçamento dos sentidos e da humanidade do julgador.

A medida, contudo, depende em sua maior parte da direção que os magis-trados darão ao procedimento, ou dito de outro modo, dependerá da políticacriminal que cada juiz vier a aplicar ao velho-novo ínstituto.P'"

Para ele, a consequência lógica do descumprimento do prazo para apresenta-ção do preso ao juiz seria a concessão da liberdade. Isso porque haverá excessode prazo e ausência de motivação para o aprisionamento, o que caracteriza evi-dente constrangimento ilegal. O ato será nulo, caso ocorra a violação de quais-quer direitos constitucionais inerentes ao mesmo (silêncio, ampla defesa, con-traditório e publicidade), devendo ser repetido ainda dentro do mesmo prazo.

Cleopas Isaísas Santos entende que a não apresentação do preso no pra-zo para a audiência de custódia implica a ausência de formalidade essencialdo auto de prisão em flagrante, o que enseja o relaxamento da prisão, porémnão conduz automaticamente à liberdade, porque pode ser decretada a prisãopreventiva ou temporária. Esse descumprimento também enseja a responsabi-lização da autoridade omitente e do Estado brasileiro perante a CIDH. O autorretoma o problema da dificuldade de apresentação do preso, especialmente noscasos de prerrogativa de função, nos quais a audiência deveria ser conduzidapor membro de tribunal."

I

II

96. AMARAL,Cláudio do Prado. Da audiência de custódia em São Paulo. Boletim IBCCRIM,n. 269, p. 4-6, São Paulo, abr. 2015.

97. SANTOS,Cleopas Isaías. Op. CiL,p. 88-90.

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revisto dos Tribunais. vol, 960. ano 104. p. 77 -120. São Paulo: Ed. RI. OUt. 2015.

110 REVISTA DOS TRIBUNAIS' RT960 • OUTUBRO DE 2015

A audiência de custódia não pode avançar em aspectos que envolvam omérito da causa, do contrário haveria "contaminação psicológica do julgador,o qual se tornaria debilitado em equidistância, imparcialidade e equilíbrio paraapreciar o caso em momentos futuros de maior espaço cognitivo". Durante a"entrevista" com o preso, "c. .. ) o julgador não deve fazer perguntas ao presosobre ter ele cometido ou não o fato. E se o fizer MP e defesa deverão protestar.Não se busca saber quem foi o autor do fato, mas, sim, de que modo foi feita aprisão do suposto autor. É vedado indagar: "o sr. praticou o crime?". Em lugardisso, deve-se perguntar: "como, onde e quando o sr. foi preso?".

Certamente, haverá casos nos quais forçosamente serão examinados aspec-tos objetivos tendentes ao mérito, porque indissociáveis do exame da legalida-de do estado de flagrância. Assim, por exemplo, será difícil não ocorrer algumacognição mais ampla nos casos de flagrante presumido, pois cabe ao juiz exa-minar situações cuja legalidade está vinculada à proposição de que a pessoapresa foi perseguida ou encontrada em um contexto que a fizesse presumida-mente autora da infração (art. 302, 1II e IV,do CPP). Em tais casos, a prudênciadeve ser redobrada, a fim de que não se promova um interrogatório antecipa-do. E ademais, o julgador e as partes deverão ter sempre em mente que: (a) aentrevista feita na audiência de custódia existe para preservar direitos do presoe não para prejudica-lo; e (b) o âmbito de cognição sobre a "presunção de au-toria" é sumário e limitado ao exame de aspectos objetivos óbvios, cristalinose evidentes, os quais permitam presumir com a mesma tranquilidade que sepresume que durante o dia há claridade.?"

O projeto piloto do TJSP iniciou-se no Fórum Criminal Ministro MárioGuimarães, no bairro da Barra Funda, em São Paulo. No seu primeiro dia(24.02.2015), foram realizadas 25 audiências, com a presença de 10 juizes,2. promotores e 7 defensores públicos. Acabaram colocadas em liberdade 17pessoas. Apenas um dos presos contou com advogado particular. Segundo oSecretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Mames, "esta é uma inova-ção para garantir os direitos constitucionais e otimizar a análise dos casos pelojuiz. c. .. ) Isso não significa que vamos prender ou soltar mais, mas sim aceleraro processo.t''"

98.AMARAL,Cláudio do Prado. Da audiência de custódia em São Paulo. Boletim IBCCRIM, n.269, p. 4-6, São Paulo, abro 2015.

99.LuCHETE,Felipe. Audiência de custódia começa em SP com resistência do MinistérioPúblico, Ccnjur, São Paulo, 24.02.2015. Disponível em: [www.conjur.com.br/2015-

MASI, Carlo Velho. A audiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revistados Tribunais. vaI. 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out 2015.

DIREITO PENAL 111

De acordo com o Min. RícardoLewandawski, desde a implementação das au-diências, houve redução de 45% no número de presos provisórios no Estado deSão Paulo, o que demonstra um grande avanço civilizatório. "É preciso acabarmoscom a cultura do encarceramento e aumentar a aplicação das medidas alternati-vas", frisou o ministro.l'" A exemplo de São Paulo, Maranhão e Espírito Santo jáadotaram a medida e diversos outros estados estão em vias de implementação.'?'

Em abril de 2015, foram firmados acordos com o Ministério da Justiça e oInstituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), com o objetivo de ampliara prática da audiência de custódia para todo Brasil, fomentar a aplicação demedidas alternativas à prisão, penas restritivas de direitos e medidas protetivasde urgência, além de implantar a monitoração eletrônica de presos para fins decontrole de medidas cautelares e medidas protetivas de urgência. O Ministérioda Justiça comprometeu-se a fornecer apoio técnico e financeiro para a criaçãode Centrais de Monitoração Eletrônica, Centrais Integradas de AlternativasPenais e Cãmaras de Mediação Pena1.102

A despeito deste movimento, diversos órgãos organizam-se contra o reco-nhecimento deste direito, como o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e aAssociação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), que, em fevereiro de2015, ingressou no STF com ADIn, sustentando que o provimento conjuntodo TJSP não poderia ter criado a audiência de custódia, já que o poder para le-gislar sobre a matéria compete ao Congresso Nacional, através de lei íederal.l'""A liberdade, portanto, deixa de ser vista como valor absoluto, ao contrário, érelativizada e funcionalizada em razão de quem a detém e em face da supostapolítica judiciária da pragmática do possível" .104

-fev- 24/audiencia-custodia-comeca- resístencía-ministerio-publico I. Acesso em:01.06.2015.

100. NOTÍCIASSTF. Ministro presidente lança novo programa para melhoria do sis-tema carcerário. Disponível em: [www.stf.jus.br/portaVcms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=290885&tip=unl. Acesso em: 06.05.2015.

101. NOTÍCIASSTF. Min. Lewandowski conclama tribunais a combaterem cultura doencarceramento. Disponível em: [www.stf.jus.br/portaVcms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=290907&tip=unl. Acesso em: 06.05.2015.

102. Disponível em: [www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penallaudiencia-de--custodia/historico]. Acesso em: 06.05.2015.

103. STF, ADIn 5240/SP, rel. Min. Luiz Fux.

104. NETTo, Alamiro Velludo Salvador. ManoeI Pedro Pimentel e as Ciências Penais denosso tempo. Boletim IBCCrim, n. 270, p. 2, São Paulo, maio 2015.

MASI, Carlo Velho. A audiéncia de custódia frente a cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol 960. ano 104. p. 77-120. São Paulo: Ed. RT, out. 2015.

112 REVISTA DOS TRIBUNAIS. RT960 • OUTUBRO DE 2015

5. A CULTURA DO ENCARCERAMENTO E A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Segundo o CNJ, em junho de 2014, o total de presos no Brasil era de 567.655pessoas. Isso coloca o país em quarto lugar entre aqueles com o maior contingen-te de presos, atrás de Estados Unidos da América, China e Rússia. Considerandotambém as prisões domiciliares e em regime aberto, o sistema chega a 715.655pessoas, e o Brasil alcança a terceira posição entre os que mais encarceram. 105

Conforme estudo elaborado pela Secretaria Nacional de Juventude, entre2005 e 2012 a população carcerária brasileira aumentou 74%. Houve aumentoem todas as regiões do país (no Espírito Santo, por exemplo, o número de pre-sos aumentou 624% no período). A maior parte desta população é compCl.stapor homens jovens, até 29 anos, negros (mais de 60%106 do total, sendo queo número de negros encarcerados só não superou o de brancos no estado doAmapa), com ensino fundamental incompleto, acusados de crimes patrimo-niais, com penas de 4 a 8 anos de reclusão. A maioria do perfil das vítimas dehomicídio é idêntico ao perfil dos presos: homens negros, com menos de 30anos e baixa escolaridade.l'"

Esses dados corroboram a conclusão de Juliana Garcia Belloque, para quem"O Direito Penal é a ferramenta de legitimação discursiva da perpetuação dociclo de violência que atinge principalmente os grupos cujos direitos são roti-neiramente violados nas relações sociais" .108

Os números apresentados são representativos daquilo que podemos chamarde "cultura do encarceramento", que há muito está impregnada na prática judi-cial criminal brasileira e contribui para os processos de vitimização dos acu-sados. A ideia de que a prisão seria a melhor, se não a única, alternativa para"combater" crimes de natureza "grave" e evitar sua reiteração nunca deixou depermear a atuação dos juizes criminais em geral. Especialmente nos casos de

105. CNJ. Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil, Brasília, jun. 2014. Disponívelem: [www.cnj.jus.brlsistema-carcerario-e-execucao-penallaudiencia-de-custodia!perguntas-frequentes]. Acessoem: 28.05.2015.

106. Em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos, havia 191 brancos encar-cerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes negros havia 292 negrosencarcerados.

107. BRASIl.Presidência da República. Secretaria geral. Mapa do encarceramento: osjovensdo Brasil. Brasília:Presidência da República, 2015, p. 91-94.

108. Beu.ocua.julíana Garcia. Feminicídio: o equívoco do pretenso Direito Penal emanei-pador. Boletim IBCCrim, n. 270, p. 3-4, São Paulo, maio 2015.

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DIREITO PENAL 113

prisão em flagrante delito, a concepção de que a situação de flagrância prende-ria por si só, apesar de legalmente afastada com a reforma processual penal de2011 (Lei 12.403), permanece mais viva do que nunca.

Ocorre que, como bem adverte Odone Sanguiné, a decretação de medidas caute-lares com o sacrifício de direitos fundamentais equivale à antecipação do resultadodo processo, evitando-se a demora exigida pelo devido processo legal para a soluçãodo conflito, o que toma inócua a futura intervenção penal.l'" Se o Direito Processu-al Penal é "o sismógrafo da Constituição do Estado", uma vez que "cada alteraçãoessencial na estrutura política (sobretudo uma modificação da estrutura do Estado)também conduz a transformações do procedimento penal", a prisão preventiva seriao "termômetro político que mede a ideologia política subjacente a um determinadomomento histórico e que se reflete nesse instituto mais do que na própria pena" yoExiste, então, "uma íntima relação entre prisão preventiva e o grau de democraciade um Estado"."! Logo, "No quadro constitucional do Estado liberal, o problema daprisão provisória é uma questão de regime, de limites, e implica uma restrição severada mesma aos limites das estritas necessidades processuais" .112

"Em um Estado Democrático de Direito, a conciliação entre a liberdadeindividual e as exigências de justiça social ou segurança não é um problema detese ou antítese, mas sim de conseguir a adequada síntese entre ambas as fun-ções. Uma solução perfeita desta situação conflituosa não foi ainda encontradaem nenhuma parte, e, embora seja difícil de obter, deve ser procurada atravésdo melhor equilíbrio possível, entre os interesses coletivos e os interesses in-dividuais, diametralmente opostos, na lei e também na praxe, e que deveráorientar-se segundo a concepção liberal in dubio pro libertate.,,1l3

A prisão cautelar é parte da tradição do processo penal brasileiro. Mesmocom a criação de medidas cautelares diversas, a mentalidade dos juízes cri-minais brasileiros manteve-se inerte, notadamente quando consideramos osdelitos do Direito Penal clássico1l4 (acima de todos, crimes contra a vida e opatrimõnio e tráfico de entorpecentes).

109. SANGUINÉ,Odone. Prisão cautelar,medidas alternativas e direitos fundamentais. Riodejaneiro: Forense, 2014, p. 5.

UO. Idem, p. 16-17.U1. Idem, p. 17.

U2. Idem, p. 18.

U3. Idem, p. 19.

114. MASI,Carlo Velho.A Crisede legitimidade do direito penal na sociedade contemporânea.Rio de janeiro: LumenJuris, 2014, p. 94 55.

MAII, Carlo Velho. A audiência de custódia trent . ~ : .. era do encsrcerarnento.Revista dos Tribunais. vaI. 960. ano 104. p. 77- Lêi. ~~:. laulo: Ed. RT, out. 2015.

114 REVISTA DOS TRIBUNAIS' RT960· OUTUBRO DE 2015

A alteração do art. 310 do CPP não trouxe consigo um avanço no sentidode efetivamente relegar à prisão o papel de extrema ratio estatal de contro-le. A lógica judicial permanece vinculada ao seu protagonismo ("banalizaçãoda prisão cautelar")Ys Homologação do flagrante e sua conversão em prisãopreventiva segue sendo a regra geral da grande maioria dos processos penais.A própria redação do inc. II daquele dispositivo talvez contribua para tanto:"converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitosconstantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientesas medidas cautelares diversas da prisão". A padronização das decisões judiciaisacaba tornando sem efeito a aplicação de medidas diversas, que, em realidade,deveria ser a primeira opção na hipótese de homologação do flagrante (docontrário, a prisão deve ser relaxada).

O discurso de inadequação ou insuficiência de cautelares diversas revela-seo caminho mais fácil e preferido. Como nota Ferrajoli, isso demonstra umaevidente "crise de jurísdicionalidade", que transforma o processo num "me-canismo punitivo em si" 116 Somado a isso, o art. 306 do CPP prevê o meroencaminhamento de cópia do auto de prisão em flagrante para que o juiz com-petente analise a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão cautelar.A ausência de contato pessoal do preso neste momento crucial é de terminantepara o desdobramento de todo o processo. A tendência natural é que o juizforme seu convencimento exclusivamente com base nos documentos que lhesão enviados, ou seja, já depois de um filtro realizado pelas autoridades res-ponsáveis pela prisão, as quais logicamente querem legitimar o seu ato (sejaele legal ou ilegal). Pelo sistema vigente, o preso só terá este contato com ojuiz quando de seu interrogatório, ato que sempre deveria ocorrer no final dainstrução (o rito especial da lei de tóxicos desrespeita o direito à ampla defesae ao contraditório).

Neste contexto, o programa Audiência de Custódia é uma medida que an-tecipa as mudanças legislativas propostas no PLS 554/2011. Embora a desne-cessidade de previsão legal de uma medida que está prevista em tratados inter-nacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, a regulamentação da audi-ência de custódia serve para nortear a adoção desta prática e evitar nulidades.

115. LOPES]R.,Aury; PAIVA,Caio. Op, cít., p. 12-13.

116. FERRAjOll,Luígí. Derecho y razon: teoría deZ garantismo penal. Traducción de PerfectoAndrés Ibánez, Alfonso Ruiz Miguel, ]uan Carlos Boyón Mahino, Juan TerradillosBosoca e Rocio Cantarero Bondrés. Madrid: Trotta, 2001, p. 770.

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DIREITO PENAL 115

A efetivação dos direitos humanos previstos nos diplomas internacionaisé custosa, demanda investimentos estruturais internos e adequação da Cons-tituição e da legislação nacional. O problema é que a carência de efetividadedesses direitos acaba afetando a efetividade do próprio processo penal. 117

Por isso, apesar de muito atrasadas e oriundas de uma contingência inter-na de redução urgente da massa carcerária, as medidas tendentes à adoção daaudiência de custódia no Brasil devem ser incentivadas e implementadas oquanto antes. Só a prática dirá quais particularidades devem ser alteradas ecomo melhor funcionará a condução do ato em cada estado da federação, maso importante é dar o passo inicial, pois, por maior que sejam as dificuldades,a eficácia da medida ao menos no sentido de preservar a integridade e a digni-dade do preso, é incontroversa. Uma redução efetiva do contingente prisionalou não, é algo que demorará um certo tempo para poder ser avaliado adequa-damente.

De toda sorte, de nada adianta toda esta movimentação, sem que os ope-radores jurídicos saibam manejar adequadamente este novo recurso, a fim deextrair dele o que de melhor pode oferecer ao sistema acusatório. À defesatécnica competirá a formulação da melhor estratégia de exposição de suas te-ses na audiência, com a orientação adequada do detido acerca de seus direitos.O Ministério Público, por sua vez, deverá requerer a aplicação das rnedidaslegais efetivamente pertinentes no caso concreto, com o fim de, na "defesa daordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuaisindisponíveis" (art. 127 da CF/1988), buscar a célere aplicação da lei penal ouo afastamento da intervenção do Direito Penal, nos casos em que não se faznecessário. Por fim, a condução imparcial da audiência caberá ao magistrado,o qual, na condição de garantidor dos direitos do preso (segundo a CIDH, "eljuez es garante de los derechos de toda persona bajo custodia dei Estado, por10 que le corresponde Ia tarea de prevenir o hacer cesar Ias de tenciones ilegaleso arbitrarias"!"), deverá decidir levando em conta não só a letra fria da lei, mastambém os impactos sociais e antropológicos da manutenção do encarcera-mento. Isso resgata o caráter humanitário do processo penal. .

Não pode o juiz permanecer alheio, como hoje ocorre frequentemente, àscondições pessoais do preso que revelem a desnecessidade concreta de sua segre-

ll7. LEIrE,Carlos Henrique Bezerra. Direitos Iwmanos. 2. ed. Rio de Janeiro: LumenJuris,2011, p. 153.

118. Caso Bayani vs. Argentincl.

1\I1":"5i, Carta Velho. A audiência de custóoía l:Cil\~- ~- lRevistados Tribunais. vol. 960. ano 104. r. 7;'-1

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gação. Reiteradas vezes, a Corte lnteramericana de Direitos Humanos consignouque a prisão preventiva é a medida mais severa que se pode aplicar ao imputadode um delito, motivo pelo qual sua aplicação deve ter um caráter excepcional,em virtude do que se encontra limitada por princípios de legalidade, presunçãode inocência, necessidade e proporcionalidade, indispensáveis em uma socieda-de democratica.'!" Afinal, a prisão preventiva é uma medida cautelar não puniti-va, cuja prolongação arbitrária, sem que se haja demonstrado a responsabilidadepenal da pessoa a que se aplica esta medida, a converte em um castígo.!"

Toda espécie de prisão provisória, como medida cautelar, deve observar,dentre outros, os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem des-curar da dignidade da pessoa humana, valor supremo a ser preservado numEstado Democrático de Direito. A audiência de custódia serve justamente paraassegurar a observãncia dessas balizas, merecendo incentivo num contextocultural como o brasileiro, que ainda hoje exalta o encarceramento processualsem apoio em critérios normativos razoáveis.

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1'-..- Visão sistemática da prisão provisória no Código de Processo Penal, de Afrânio Sil- Iva Jardim - RePro 41{lD6-122, Doutrinas Essenciais Processo Penal 2{975-997 J

(DTR\ 1986\ 195). .:>

MASI, Carlo Velho. Aaudiência de custódia frente à cultura do encarceramento.Revista dos Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 77 -120. São Paulo: Ed. RT,out. 2015.

(lN)CONVENCIONALlDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

{Un)Conventionality of "Regime Disciplinar Diferenciado"

ANTONIO CARLOS MONI DE OLIVEIRA

Defensor Público de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela [email protected]

ÁREA DO DIREITO:Penal; Internacional; Processual

RESUMO:A análise de determinado instituto jurí-dico não pode ser dissociada de seu (s) parârne-tro (s) de validade. Neste tom, o presente estudotem como enfoque realizar um verdadeiro cote-jamento entre o regramento do Regime Discipli-nar Diferenciado, tal qual estampado na Lei deExecuções Penais, e o que dispõem 05 tratadosinternacionais de direitos humanos. Para tanto,é necessária a própria abordagem do conteúdode determinados signos constantes na norma-tiva nacional e internacional, bem como buscarextrair as verdadeiras características do RegimeDisciplinar Diferenciado para, assim, após talcorte metodológico, contrastá-Ia com os docu-mentos e decisões integrantes dos sistemas glo-bal e regional de proteção de direitos humanos,para, por fim, demonstrar que tal instituto nãoencontra guarida no ordenamento pátria, con-sistindo amiúde violação de direitos humanosconsagrados.

PALAVRAS-CHAVE:Regime Disciplinar Diferencia-do - Tortura - Regras mínimas de tratamento dopreso - Princípios e boas práticas para a prote-ção das pessoas privadas de liberdade nas Amé-ricas - Tortura - Execução penal.

ABSTRACT:The analysis of certain legal institutecannot be dissociated from its para meter ofvalidity. In this sense, this study focuses ondoing a real comparison between the "RegimeDisciplinar Diferenciado", as foreseen atthe Criminal Law Enforcement, and what isdisciplined on the Human Rights treaties. Forthat, it's necessary the approach of certain signsbeing on the national and international rules,and seek to extract the real characteristics ofthe "Regime Disciplinar Diferenciado", for, then,after a methodological approach, to compare itwith the documents and components decisionsof the global and regional systems of humanrights protection, to finally demonstrate that theinstitute does not find shelter in the Brazilianslaw system, consisting of often violation ofestablished human rights.

KEYWORDS:"Regime Disciplinar Diferenciado"- Torture - Minimum rules of the arrested -Principies and good habits for the protectionof persons deprived of liberty in the America -Criminal enforcement.

OLIVEIRA, Antonio Carlos Moni de. (InlConvencionalia2de do Regime Disciplinar Diferenciado.Revistadas Tribunais. vol. 960. ano 104. p. 121·144. São Paulo: Ed. RT,OUt. 2015.