A Bíblia - Bertolt Brecht

Embed Size (px)

Citation preview

30/06/2013-02h06"A Bblia", a primeira pea do dramaturgo alemo Bertolt BrechtRESUMOBrecht tinha 15 anos e assinava Bertold Eugen quando escreveu este "drama em um nico ato", que s estreou nos palcos neste ano, em montagem de Johanna Schall, sua neta. O texto, traduzido especialmente para a "Ilustrssima", aborda o tema do sacrifcio, com pano de fundo de uma guerra entre catlicos e protestantes.

BERTOLT BRECHTtraduoTERCIO REDONDOPersonagensO avO pai, prefeito da cidadeA moaO irmoO drama se desenrola na Holanda, numa cidade protestante sitiada por catlicos.

Tela do Marcelo Comparini

*CENA 1Uma confortvel sala de estar de uma casa no largo do mercado, com uma sacada fechada, dotada de uma janela de friso com motivos florais. O av l sentado mesa, a moa est na sacada. De vez em quando ouve-se um estrondo longnquo e impreciso.AVlendo em voz alta e com solenidade: Por volta da hora nona clamou Jesus em alta voz, dizendo: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?". E depois de algum tempo aqueles que o rodeavam passaram a escarnecer e diziam: "Salvou os outros, a si mesmo no pode salvar-se. Desce da cruz e creremos em ti." Ento Jesus bradou novamente: "Est consumado"; e inclinou a cabea e expirou.MOAO ar est muito abafado, no se v ningum na rua. Tenho medo.AVOs cidados esto sobre as muralhas, menina. Por isso as ruas esto to vazias. Voc no precisa ter medo de nada.MOAAcho que em breve comea o assalto. Mas no isso que temo.AVno responde e folheia a Bblia.MOANo sei de onde vem o medo. Comeou apenas hoje de manh. Desde que o pai e o mano saram. O mano me olhou de modo to estranho. Disse, como se perguntasse: "Hoje veremos. Ser difcil conter o assalto. Ns nos sacrificamos de boa vontade". Salientou o "ns". Essa fala no importante, mas no sai de minha cabea. E ento, subitamente, o medo volta. No sei por qu.AVBobagem! Eles j saram tantas vezes. Acabam sempre por voltar. Jamais notei algum receio em voc.MOAcomo que paralisada:Sei que j saram muitas vezes e que nunca fiquei preocupada.AVHoje um duro dia. O inimigo vai investir contra a cidade. Estamos aqui e no podemos ajudar. Podemos to somente pedir o auxlio divino. Oremos! Busquemos consolo na Bblia.MOAolhando pela janela:Hoje est abafado.Silncio.AVQuando surgirem esses sinais, fugi para os montes! Sede fiis e perseverantes, pois disso dependem muitas coisas!MOAcom o olhar no horizonte:Conte-me outra coisa, av! Sua Bblia fria. Ela fala de pessoas que eram mais fortes do que ns.AVMenina, no peque!... l: Eu porm vos digo, servi a vosso prximo! Reparti o po com o faminto e apiedai-vos dos que tm necessidade. Folheia o livro.MOAestranhaConte outra coisa! Sua Bblia fria. Fale de privao e morte, mas tambm do auxlio divino. Conte algo do Deus bom e salvador. Sua Bblia conhece apenas o Deus que castiga!AVQuem ama seu pai ou sua me mais do que a mim no digno de mim. - Este livro to belo. E belo porque forte. As pessoas deveriam l-lo mais vezes.MOApe-se a escutar:Ouo passos na escada. So passos pesados e tristes. Aquele que assim caminha h de ser um homem velho e desafortunado. Ou ento o seu fardo que muito pesado. Vou ver... vai at a porta.AVem voz baixa:Acho que conheo esse que tem os passos to pesados.*CENA 2O prefeito entra com o filho. um homem grande e imponente. O irmo abraa a jovem, impetuoso.IRMOgracejando:Menina! Que dia formoso! Chovem granadas. Srio: Mas cumprimos com todos os nossos deveres.Silncio.MOAComo esto as coisas l fora, pai? Vocs esto to calados e srios. Elas certamente no esto bem.PAIfalando devagar e olhando fixamente para a moa:A situao est ruim, menina.Atormentado:Pela manh, j sabamos que no podia durar muito.AVcalmo:Tambm o sabamos.PAINada dissemos a vocs. No queramos alarm-los. Mas agora preciso diz-lo. - Conte voc, meu filho!IRMOhesitante:No h muito que contar. As defesas foram destroadas pelos tiros, esto furadas feito uma peneira. Trabalhamos dia e noite para sustent-las. Em vo. - A fome campeia na cidade. Vocs no sabem de nada disso, mas no bairro de baixo as pessoas esto morrendo.MOA preciso aliment-las. Meu Deus! Temos fartura, e as pessoas morrem.PAINo h como ajudar. H gente demais. Voc iria apenas cavar a prpria sepultura.IRMOA fome campeia na cidade. As pessoas esto exaustas. Mal se mantm de p. E hoje, logo mais, s trs horas, comea o grande assalto. Os catlicos iro atacar. No teremos como nos defender.AVerguendo-se:Temos de nos defender! Vida ou morte! Todos devem subir s muralhas. Devem lutar e morrer por sua f. Professai-a, diz o Senhor.IRMOcom desdm:Professai-a! Ha ha! Sabe, av, fcil sustentar a f quando estamos de barriga cheia, em tempos de paz e na sala acolhedora. A vitria est fora de cogitao! Os catlicos venceram no campo. Ns, a ltima cidade protestante, ainda resistimos. Mas o inimigo vai entrar. Vocs bem podem imaginar o que ir acontecer. O destino de outras cidades j o diz. As mulheres e as crianas sero... e agora... que dizer? Pai, no posso continuar...MOAO que ? Por que me olham to assombrados?Silncio.PAIcansado:Acaba de chegar um mensageiro, vindo do acampamento inimigo... Oh, Deus.MOAvai at ele:Diga, pai! Queremos ouvir tudo.PAIrecua diante do abrao, murmura:Agora no!... Prossegue, ento, exausto, de modo arrastado e indiferente: Oh, Deus! preciso diz-lo. O mensageiro disse que... os catlicos perdoam a cidade... se seus habitantes se tornarem catlicos e...AVaos gritosNada disso! No continue! Lutaremos at a morte!PAIE se... uma jovem se sacrificar... ao comandante das tropas inimigas... por uma noite...aparvalhado:Voc, menina!Silncio. Ento a jovem d um grito terrvel e ameaa investir contra o pai. Comea a chorar convulsivamente...MOAEu!... Eu devo me sacrificar... Oh, Deus... Oh, Deus!PAIrecua sombrio:Deixe-me, deixe-me!... Est decidido. Afasta-se mais e esconde o rosto nas mos.AVfurioso:Responda, menina!MOAconfusa:O qu?... O qu?... Oh... minha cabea...Gritando encolerizada:Isso no fao! Isso no fao! No posso.Pe-se de joelhos diante do av.PAIchorando:Eu sabia.IRMOsevero, segurando a jovem pelos ombros:Menina! sua obrigao! Um povo clama pelo sacrifcio!AVV embora! Demnio tentador!IRMOem atitude de escrnio, proveniente do desespero:Tentador! Ha ha! Agora desaparece a cortesia! Quando da vida que se trata! - Menina, estou dizendo que sua obrigao!Em voz baixa, quase implorando:Irm! Voc ir salvar um povo! Um povo! Salvar seus parentes. Seu pai! Seu av! Sigam-me! Ao poro, rua.AVEla no vai me salvar! Fico aqui.IRMOfurioso:Por Deus! Voc no me ouviu? Menina! Av, fale com ela, diga a ela que preciso!AVNo! Ela no tem de fazer isso! Ouam vocs, ela no tem de fazer isso; uma alma vale mais que mil corpos!IRMOfurioso:Cale-se, imbecil! Sim, voc um imbecil! Ou ento cruel! Mais cruel que Acabe. L fora as pessoas gritam e voc no as ouve, as chamas ardem e voc no as v, meu av. Quando chegar o dia do Juzo Final, como se apresentar diante dele?AVinflexvel:Como um justo! Digo a voc: como um justo!IRMOdesatando a rir:Como um justo! Pois persevere em sua loucura! Em sua obstinada justia! Ha ha! Interrompe-se subitamente, pois o relgio bate duas vezes: J so duas e meia! Menina! Venha! s trs termina o prazo; e ento inicia-se o assalto! Menina, tenha misericrdia das milhares de pessoas!MOA: Pai, voc tambm quer que eu o faa?PAIcala-se.IRMO claro que ele quer. Pai, diga que voc quer... Seguramente ele quer! Venha, menina!MOAVou!AVdetendo-a:Fique! Acaso no conhece a palavra de Deus? "Aquele que me negar diante dos homens, tambm eu o negarei diante de meu pai que est nos cus!" Menina, menina! Sua alma no vale mais que os corpos de milhares? Verdadeiramente, diz o Senhor, quem ama seu pai ou sua me mais do que a mim, no digno de mim. - Voc tem de ser firme; pense em sua alma.IRMOCale-se, velho imbecil! Cale-se com sua Bblia, que to fria e justa quanto voc. Siga seu corao, menina! No belo sofrer por milhares? Venha... rpido!MOANo... no... V embora... O av tem razo. V embora...IRMOensandecido, sacudindo-a: sua obrigao, menina, sua obrigao!PAIDeixe-a! No a force!IRMOFrouxo! a obrigao dela!PAIRapaz! Deixe-a! Estou mandando! Basta. Voc vem comigo.Puxa-o at a porta.IRMOCuidem de si mesmos! Ha ha ha!Saem os dois. O pai retorna. Diz abatido:PAIPelo menos venham conosco e salvem-se... Uma granada pode atingir a casa, que se incendiar... Venham!AVobstinado:Cale-se! Vamos ficar aqui. No iremos abjurar como vocs! Sucumbiremos, se necessrio - por nossa f.Com severidade:Voc no tem mais nada a nos dizer. Tentou vender a alma de sua filha. Fora daqui! Voc no digno de v-la.PAIestremecido, pesaroso e trmulo:No sou digno... Vocs tm razo... No sou digno... despede-se cambaleante.*CENA 3Surdo troar de canhes ao longe. Faz silncio na sala. A jovem posta-se novamente na sacada. O av est a seu lado e afaga-lhe os cabelos com sua branca mo.AVMenina, no chore. Tinha de ser assim.MOAVoc foi duro, av!AVTive de s-lo. Eles queriam vender sua alma.MOAdevaneando:Talvez o pai no o quisesse... O pai foi sempre to bom para mim. Quando eu ainda era pequena, ele sempre me tomava nos braos e dizia: voc a minha doce e pequena donzela. Acho que ele gostava mais de mim que do mano. E ento morreu a me. Lembro-me como se fosse hoje. Ela jazia com seu traje negro no caixo sombrio. Trs velas morturias, altas e brancas, iluminavam a noite. Ns, os filhos, permanecemos sentados toda a noite e choramos. O pai chegou de manh. Tomou-me nos braos e me beijou. Agora temos de nos unir, disse. Para mim voc vale mais do que uma centena de amigos. E ele beijou a morta. - Aquilo foi como um juramento. - No sei por que essa noite triste me vem hoje lembrana...Nesse instante labaredas elevam-se altura das janelas; irradiam um brilho auriverde. O cu por detrs tem cor de sangue. O av acomoda-se em sua cadeira.MOAfalando da janela:O fogo aumenta. Envolve a torre l adiante. Quase toda a cidade arde em chamas. As muralhas sobressaem negras diante do cu vermelho. O inimigo inicia o assalto. Vejo suas escuras e faiscantes colunas avanarem. Oh, Deus! Tem piedade de nossa pobre cidade!AVQue ataquem, os inimigos; Deus est conosco!O troar dos canhes torna-se mais forte. janela danam as fagulhas do incndio.AVFique tranquila, minha filha. Deus est conosco.Os sinos comeam a repicar num longo balano.AVesttico:Menina, oua; os sinos. Sinos que anunciam o assalto. Deus est prximo! So vozes divinas! Conclamam luta!MOAconfusa:Os sinos... Vozes divinas...Grita:Senhor Deus! Vozes divinas!Ela caminha muda e pasmada, passa pelo av e sai. O av contempla-a imvel. O troar torna-se mais forte e parece avanar ganhando volume: um rudo ensurdecedor, bem junto casa. Fogo e fumaa atingem as janelas. A casa est em chamas. E subitamente tudo silncio...AVfalando alto, com uma voz que ressoa:Senhor, fica conosco, pois est anoitecendo e o dia declinou.As cortinas se fecham murmurantes sobre o aposento em chamas.FIM

$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$No princpio, era a religioO tema do sacrifcio na obra de Bertolt BrechtTERCIO REDONDORESUMO"A Bblia", primeira pea que Brecht (1898-1956) escreveu, h cem anos, se centra no sacrifcio, tema que o dramaturgo revisitaria ao longo de sua obra. Da mesma forma, as narrativas bblicas, assimiladas pela linguagem comum da Alemanha ps-Lutero, seriam ferramenta essencial para boa parte da obra do autor."A Bblia" (Die Bibel) a primeira pea de Brecht, escrita em 1913, quando ele contava 15 anos e assinava seus textos como Bertold Eugen. Foi publicada em janeiro do ano seguinte na revista "Die Ernte" (A colheita), fundada e editada por ele e por amigos da escola.O desenvolvimento dramtico da pea bastante convencional e ainda est muito distante dos experimentos que no final da dcada de 1920 levaram o autor s primeiras realizaes em torno da ideia de um teatro pico. poca, o tema da guerra e do sacrifcio tambm no constitua novidade; na Alemanha, a propaganda nacionalista e militarista se desenvolvia de maneira eficaz e se dedicava com empenho ao elogio da morte heroica no campo de batalha. Como se sabe, iniciada a Primeira Guerra Mundial (1914-18), a juventude alem apresentou-se em massa para o alistamento voluntrio que, no entanto, pouco tempo depois assumiria carter compulsrio e destitudo de glria.Na pea de Brecht, uma cidade holandesa e protestante sitiada por tropas catlicas e est prestes a ser invadida. A salvao depende de duas condies impostas pelo inimigo: a converso de seus habitantes f catlico-romana e o "sacrifcio" de uma jovem, que teria de se entregar por uma noite ao general das foras que fazem o cerco.A vtima requerida a filha do alcaide, a qual, na cena de abertura, est em casa junto do velho av, que l trechos da Bblia. O pai e o irmo da moa so os encarregados de trazer as ms notcias e inst-la ao sacrifcio, que pode salvar milhares de pessoas. Mas o ancio, aferrado ideia de perseverar na f e salvar a alma --mais importante que "mil corpos"--, exorta-a a ficar e contar apenas com o socorro divino.SACRIFCIOO tema do sacrifcio reaparecer mais tarde na obra de Brecht. Ser questo central, por exemplo, em "Aquele que Diz Sim" ("Der Jasager"), a pea didtica de 1930, em que um jovem, impossibilitado de seguir adiante numa viagem em busca de socorro para a gente de seu povoado, confrontado com a possibilidade de ser sacrificado a fim de que seus companheiros possam continuar o difcil caminho."Aquele que Diz No" ("Der Neinsager"), texto escrito logo em seguida, configura uma reelaborao da mesma fbula, com desfecho distinto. Em "A Medida" ("Die Manahme"), tambm da mesma poca, o voluntarismo de um jovem revolucionrio pe em risco o trabalho e a vida de seus companheiros. Depois de falhar nas diversas misses que lhe so confiadas, ele tem de encarar a drstica soluo que seu grupo lhe determina: a morte. muito provvel que "Judith", a tragdia de Hebbel, tenha sido a fonte primria de inspirao para "A Bblia". No Velho Testamento a herona israelita salva seu povo, igualmente sitiado por adversrios poderosos. Contudo ela no vtima, e sim algoz de Holofernes, o general das tropas de Nabucodonosor.Hebbel confere-lhe um destino diverso,na medida em que ela, para garantir a vitria de seu povo, sacrifica a castidade. A despeito da divergncia ulterior de Brecht em relao s peas de Hebbel, este deve t-lo impressionado pela caracterizao complexa da situao-limite: h decises que no podem ser balizadas por um cdigo moral herdado a uma tradio petrificada; a conjuntura cobra mais que obedincia abstrata a uma lei que caduca diante da realidade concreta. Assim a herona de Hebbel ignora a advertncia da autoridade religiosa e de sua prpria conscincia para fazer prevalecer o bem maior que a salvao da cidade.Em "A Bblia", Brecht introduz a questo do sacrifcio no cenrio das guerras entre catlicos e protestantes, mas promove um deslocamento fundamental em sua perspectiva: a ideia religiosa da responsabilidade individual pela salvao da alma confrontada com a exigncia de compromisso social diante de um cenrio de catstrofe iminente. No discurso do pai e do irmo, a f no mais objeto de considerao; a urgncia da hora exige uma soluo que transcende o credo religioso.Alm disso a segunda cena deixa clara a alienao do av e da jovem, at ento poupados das notcias sobre a morte que vitima sobretudo os cidados mais pobres, privados de alimento. O discurso do velho, praticamente reduzido citao de versculos bblicos, revela-se contraditrio. Folheando aleatoriamente as pginas do texto sagrado, ele profere casualmente a exortao evanglica compaixo: "Eu porm vos digo, servi a vosso prximo! Reparti o po com o faminto e apiedai-vos dos que tm necessidade".Na preleo do av patenteia-se a dissociao entre o dogma e a materializao de um comportamento socialmente responsvel, que as figuras do pai e do irmo apontam como dever humanitrio.Note-se que o motivo do sacrifcio ser alvo da reflexo brechtiana ao longo de toda a vida. O autor tinha plena conscincia de que, alm de conduzir eventualmente morte, a luta ferrenha contra a sociedade desigual acabava por produzir equvocos e situaes de extrema rudeza. No poema "Aos que Viro Depois de Ns" ("An die Nachgeborenen"), pranteia-se a perda da ternura e da gentileza, improvveis ou mesmo impossveis em meio a tanta violncia.Duas de suas estrofes assumem o tom elegaco que caracterizar tambm outros poemas do Brecht exilado, empenhado na luta contra o avano nazifascista:Vs, que ireis emergir da[torrente qual sucumbimos,Considerai,Quando falardes de nossas[fraquezas,Os tempos sombriosDe que fostes poupados.[...]Contudo, sabemos:Tambm o dio vilaniaDesfigura as feies.Tambm a ira contra a injustiaTorna a voz roufenha. Ah, nsQue queramos preparar[o terreno para a gentilezaNo pudemos, ns mesmos,[ser gentis.Nesse caso o exerccio da autocrtica tambm ele o reconhecimento de enormes (evitveis?) sacrifcios e de submisso antecipada ao tribunal da histria.FERRAMENTAA familiaridade de Brecht com o Velho e o Novo Testamento constituir ferramenta literria e dramatrgica importante para boa parte de sua obra. Isso se d fundamentalmente porque na Alemanha, desde a traduo de Lutero, o texto bblico integrava um vasto repertrio de histrias de conhecimento comum.De certa maneira, Brecht compartilha a percepo de Lutero com relao linguagem.Depois de verter o texto bblico para o vernculo e ser duramente criticado por falta de "literalidade", o reformador protestante saiu em defesa de suas opes lexicais e sintticas, dizendo no ser possvel buscar no latim, a lngua dos eruditos, o modo genuno da expresso popular: " preciso perguntar [como se diz alguma coisa] me de famlia em sua casa, s crianas na rua e ao homem simples no mercado, olhando para sua boca e vendo o modo como falam [...]; assim eles compreendero a traduo e percebero que se fala com eles em alemo".No ter sido outro o esforo de Bertolt Brecht ao constituir a fala de inmeras de suas personagens no teatro, na prosa e mesmo na lrica, ela tambm marcadamente narrativa.TERCIO REDONDO ensasta, tradutor e professor de literatura na USP.Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/116551-no-principio-era-a-religiao.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/116550-a-biblia.shtml