A Casa No Tempo Karin Lambrecht

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    1/10

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    2/10

    karin lambrecht

    a casa no tempoagnaldo farias

    nascimento e amor , 2015 -- pigmentos em meio acrílico, pastel seco e carvão vegetal sobre lona com cruzinha de cobre/ pigments on acrylic media,

    dry pastel and charcoal on canvas with copper -- 67 x 72 cm

    A casa de aparência sólida onde Karin Lambrecht vive comsua mãe, uma senhora de 97 anos que, com di culdade dese movimentar, tem seu quarto no piso térreo, vem candocada vez mais ilhada pelo trânsito intermitente, ruidoso e sujo,no outrora quase bucólico bairro de Higienópolis, em Porto

    Alegre. A atmosfera era tranquila, conta Karin, que cresceu ali,que ali criou a lha, no que é con rmada pelos relatos vívidosde sua mãe que, quando criança viveu alguns anos na casavizinha até mudar-se para ela em de nitivo. A casa resiste aotempo, entrincheirada num espaço em volta cada vez menor,reage impassível à voragem urbana a maneira do que se dácom os rios turbulentos que vão mordendo raivosamentesuas margens de terra, mas nada podem contra os dorsosdensos e imperturbáveis de suas encostas de pedra, lisas,altas, íngremes.

    A lógica urbana segue levando adiante suas piores

    ameaças: no começo dos anos 2000 alargou a pláci-da rua D. Pedro II, à esquerda, para transformá-la na3a. Perimetral, uma dessas artérias concebidas parafazer melhor circular o uxo estúpido do transporteindividual. Hoje, diante da casa, está sendo construída

    uma passagem subterrânea, sempre sob o torpe argu-mento de facilitar a vida dos automóveis. Mas a casa,silenciosa, olhos semicerrados, ergue-se hierática emmeio ao cortejo irritado a seu redor, e quem a vê dointerior do seu carro, e sempre haverá alguém a estra -nhar sua prumada altiva, talvez perceba sua discretapulsação.

    Pois não se trata de uma casa qualquer, mas deuma que a vida toda foi habitada quase que só pormulheres: uma mãe, sua lha, a lha de sua lha; umarara sucessão de cordões umbilicais interligados. A

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    3/10

    vista da exposição /exhibition view -- galeria nara roesler rio, 2016

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    4/10

    casa de Karin Lambrecht é palco e lugar de ações epensamentos fecundos, uma verdadeira célula ma-ter , um casulo onde nasceu e se criou uma artis-ta, Karin Lambrecht e, anos depois, sua lha Yole,medularmente envolvida com as artes. No começoexclusivamente casa, paulatinamente também foise convertendo em atelier. Primeiramente instaladonuma das salas do piso térreo, o espaço de concepçãofoi vicejando, crescendo para o alto, para o primeiroandar, tomando os quartos. Hoje, sendo simultanea-mente casa e atelier, é lá que Karin come, dorme,pinta, sangra, sonha, desenha, escreve, berra, corta,borda, tudo isso enquanto ampara a mãe que tantoama, conversa com ela temas banais, rememora eouve histórias, passagens íntimas ou apenas curiosasou divertidas de tempos passados, faz ansiadas ses-sões de facetime com a lha, de quem sente umassaudades imensas, e que mora num país distante, láno hemisfério norte.

    O espaço da casa coincide com o espaço da fabu-lação de Karin, o lugar de onde ela gera suas ideias econversa com os materiais. E quem conhece sua obrasabe da profundidade, da modalidade de encontroque ela estabelece com os materiais. A maioria dosartistas usa os materiais para exprimir suas ideias,Karin faz parte do restrito grupo daqueles que os es-cuta, sopesa-os, explora-os, sempre buscando juntar

    sua voz, sua carne, seu pensamento às vozes, carnese pensamentos deles. E não importa a procedênciado material: alguns podem ser comprados em lojas,serem sintéticos, quase virgens, resultado de algumaquímica inescrutável, e outros carregados de históriaspretéritas, como as terras que ela extrai de seu jardimpara transformar nos pigmentos que posteriormenteaplica em pinturas e desenhos; há, por m, aquelesque têm sua origem no acaso, como o sangue do cor-te no seu dedo manejando o estilete e que ela incor-porou com tranquilidade no papel que estava cortan-

    do. O universo é mesmo composto de in nita e váriamatéria, dentro e fora do nosso corpo.

    Karin Lambrecht tem uma compreensão muitoparticular do trabalho artístico, que ela estende paraqualquer trabalho: o contato com ferramentas e ma-teriais, que inevitavelmente acontece junto com opensamento, além do tato, do aroma, do olhos, dainfusão do ser com as coisas, é instância de fecunda-ção mútua. E o lugar onde tudo isso se dá con na como que pode ser nomeado de sagrado. O encontro éuma troca, no caso, um momento de intimidade, comoum beijo, palavra escrita numa das telas; como o ama -

    dor que se transforma na coisa amada, como escreveuCamões, como a paixão que pode levar ao louco dese- jo de ser o outro, encaixar-se no outro, ou, como elapoeticamente grafa em outra pintura, “durmo em ti”.

    Essa é uma exposição fundada na pureza, como aágua que se bebe na fonte, o sol do meio dia, umafolha de erva, um animal na chuva, como uma casana paisagem urbana que consegue se manter comoum abrigo, um regaço. Dessa vez suas telas e dese-nhos têm a ver com um sonho no qual o espaço doatelier, as paredes de sua casa, explode seus limites,transmuta-se todo ele em pintura. E para que nãose confunda com as cores funcionais, escolhidasem razão de sua verossimilhanç a com as coisas domundo, ela buscou cores emancipadas, autôno-

    mas, azuis que não correspondem ao céu, laranjastão estridentes que só seriam encontrados nessesisotônicos bebidos em academias, vermelhos maisprofundos que o sangue vivo. E, note leitor, as coresnão se confundem, não se sobrepõem, embora sepa-radas umas das outras têm suas fronteiras borradas.E o modo como são aplicadas garante sua utuaçãointermitente, como um vitral fraturado, uma nuvemsubitamente imobilizada. Dessa vez Karin Lambrechttrouxe sua própria casa para a galeria no Rio de Ja-neiro e nela ela se dilata.

    vista da exposição /exhibition view -- galeria nara roesler rio, 2016

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    5/10

    sinto sua falta , 2015 -- pigmentos em meio acrílico e riscos de pastel seco sobre lona/ pigments in acrylic medium and dry pastel on canvas-- 88 x 90 cm vista da exposição /exhibition view -- galeria nara roesler rio, 2016

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    6/10

    karin lambrecht: the house in timeagnaldo farias

    The house with solid appearance where Karin Lam-brecht lives with her 97-year old mother, who presentsvarious locomotion issues and sleeps on the ground

    oor, is growing more and more besieged by the noisy,dirty, off-and-on traf c in Porto Alegre’s former nearlybucolic neighborhood of Higienópolis. The atmospherewas once tranquil, says Karin, who was brought up

    and raised her daughter there. This is con rmed by hermother, who, as a child, lived in the adjoining home fora few years before moving in for good. The house re-sists time, entrenched in an ever shrinking surroundingarea, reacting impassively to the urban maelstrom—like a turbulent river that bites away angrily at its earthbanks, but is helpless against the dense, imperturbablerocky hillsides, smooth, tall, steep.

    The urban logic forges ahead, carrying along itsworst treats: in the early 2000s, it enlarged the placid

    D. Pedro II Street, on the left side, to convert it into the3rd Perimeter Road, one of those arterial roads createdto improve the stupid ow of one-occupant cars. Now,in front of the house, an underground passage is beingbuilt, with the never ending, torpid excuse of makinglife easier for automobiles. But the house, silent, itseyes squinted, towers hieratically amid the ustered

    motorcade that surrounds it, and someone watchingfrom their car might nd its majestic lines odd, perhapsnoticing its discreet pulsation.

    For this is not just any house; it’s one that hasalways been inhabited virtually by women only: a mo -ther, her daughter, her daughter’s daughter; a raresuccession of interconnected umbilical cords. KarinLambrecht’s house is a stage and a place brimmingwith actions and thoughts, a veritable mother cell, acocoon where an artist, Karin Lambrecht, was born

    sonho de sábado , 2015 -- pigmentos em meio acrílico e rasuras a carvão sobre lona/ pigments in acrylic medium and charcoal on canvas -- 85,5 x 92,5 cm

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    7/10

    vista da exposição /exhibition view -- galeria nara roesler rio, 2016

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    8/10

    and raised, and years later, so was her daughter Yole,who is deeply involved in the arts. At rst just a home,it gradually morphed into a studio as well. Initially lo -cated in one of the ground- oor rooms, the spaceof conception burgeoned upward into the rst oorand took over the bedrooms. Now, at once a houseand a studio, this is where Karin eats, sleeps, paints,bleeds, dreams, draws, writes, screams, cuts, em-broiders, all the while catering to her much belovedmother, with whom she chats about commonplacethings, reminisces and hears stories, intimate or justcurious, fun passages from times past, and has ea-gerly awaited facetime sessions with her daughter,whom she sorely misses, and who lives in a distantcountry in the northern hemisphere.

    The space of the house coincides with the spaceof Karin’s fable-making, the place from where she ge -nerates her ideas and converses with materials. Andthose familiar with her work are aware of the depth,the modality of encounter she establishes with mate-rials. Most artists use materials to express their ideas;Karin belongs in the select group of those who hearthem, weigh them, explore them, always looking tomerge her voice, her esh, her thinking to their voices,their esh and thinking. And the origin of the material

    doesn’t matter: some of it might be bought at stores,be synthetic, almost virgin, the result of some inscruta-ble chemistry, and others might be charged with paststories, like the earth she extracts from her garden totransform the pigments she later applies to paintings anddrawings; finally, there are those that originate randomly,like the blood from a cut on her finger from handling thestylus, which she calmly incorporated onto the paper shewas handling. The universe is indeed composed of infini-te, various matter, inside and outside our bodies.

    Karin Lambrecht has a very particular comprehen-sion of artistic work, which she extrapolates to all ofher pieces: the contact with tools and materials, whichis inevitably concurrent with the thinking, as well asthe touch, the smell, the eyesight, the infusion of thebeing with things, a realm of mutual fecundation. Andthe place where it all happens coincides with what canbe termed as sacred. The encounter is an interaction;in this case, a moment of intimacy, like a kiss, the wordthat’s written on one of the canvases; like the loverwho becomes the object of love, as Camões wrote,like the passion that can lead to a mad desire to be theother, to attach to the other or, as she poetically wri-tes in another painting, “durmo em ti” (I sleep in thee). This is an exhibit built on purity, like the water froma fountain, the midday sun, a herb leaf, an animal inthe rain, like a house in the urban landscape that canhold its own as a shelter, a bosom. This time, her pic-tures and drawings relate to a dream where the studiospace, the walls of her house, burst out of their bou-ndaries, transmuting themselves entirely into painting.And so as to prevent any confusion with functionalcolors, chosen for their similarity with the things ofthe world, she sought out emancipated, autonomouscolors, blues that do not match the sky, oranges so

    harsh they could only be found in the isotonic drinksof gym-goers, reds deeper than live blood. And thereader will note that the colors do not con ate, theydo not superimpose, even though they may be se -parate from each other and their boundaries may beblurred. And the way they are applied ensures theirintermittent otation, like a fractured stained glasspanel, a suddenly motionless cloud. This time, KarinLambrecht brought her own house to the gallery inRio de Janeiro, and here, it dilates.

    detalhe/ detail o flho do homem, 2015 -- Aquarela, folhas de ouro e prata com recortes e colagens e costuras em papeis de seda e feltro branco,

    braços de madeira / watercolor, gold and silver leef and collage on silk paper and felt, wood -- 250 x 120 x 40 cm

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    9/10

    vista da exposição /exhibition view -- galeria nara roesler rio, 2016

  • 8/18/2019 A Casa No Tempo Karin Lambrecht

    10/10

    galeria nara roeslerrio de janeirorua redentor 241ipanema 22421-030

    abertura /opening 25.02.201619 > 22h

    exposição /exhibition 26.02 > 09.04.2016seg /mon >sex /fri 10 > 19hsáb /sat 11 > 15h

    tradutor /english versiongabriel blum

    realização /produced bygaleria nara roesler

    (capa /cover ) viemos do vento trazer estasluzinhas , 2015 -- pigmentos em meio acrílico, pastel seco

    e carvão vegetal sobre lona /pigments on acrylic media,dry pastel and charcoal on canvas -- 160 x 180