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40 | www.exame.com 14 de novembro de 2012 | 41 Sob a liderança de Xi Jinping, a China entra em uma nova etapa de desenvolvimento de sua economia, hoje a segunda maior do mundo. Tecnologia e consumo são seus novos mantras. Os chineses já definiram o que querem, e isso nos afeta — para o bem e para o mal ROBERTA PADUAN, DE PEQUIM E XANGAI, E ALEXA SALOMÃO, DE SÃO PAULO CAPA | china O UNGIDO: Xi Jinping assume o comando da segunda maior economia do mundo com a missão de mudar o modelo de crescimento chinês A CHINA ESCOLHE SEU CAMINHO. E NÓS? JANERIK HENRIKSSON/SCANPIX/AP PHOTO

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40 | www.exame.com 14 de novembro de 2012 | 41

Sob a liderança de Xi Jinping, a China entra em uma nova etapa de desenvolvimento de sua economia, hoje a segunda maior do mundo.

Tecnologia e consumo são seus novos mantras. Os chineses já definiram o que querem,

e isso nos afeta — para o bem e para o mal roberta paduan, de pequim e xangai, e alexa salomão, de são paulo

Capa | china

o ungido: Xi Jinping assume o comando da segunda maior economia do mundo com a missão de mudar o modelo de crescimento chinês

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42 | www.exame.com 14 de novembro de 2012 | 43

Q

Capa | china

uem andasse pelas ruas de pequIm a dez dIas do IníCIo do 18o Congresso do partIdo ComunIsta CHInês, marca-do para 8 de novembro, não perceberia nenhum sinal da aproximação do evento de escolha do novo presidente e da cúpula do governo do país pelos próximos dez anos. Num processo diametralmente oposto à recente eleição presiden-cial americana, o Congresso pouco desperta a atenção da população da segunda maior potência econômica do planeta. Uma estudante universitária de Xangai, coração econômico do país, chegou a dizer que teria de pesquisar no Baidu, a versão chinesa do Google, para saber a data da mudança. Não que ela se importasse muito com a iminente troca de guarda de seu país. “Isso aqui é a China”, disse ela, pedindo para não ser identificada. “Minha opinião não faz a menor diferença. Além disso, o próximo presidente já está escolhido há anos. Todos sabem disso.” É verdade. Todos já sabem que Xi Jin-ping, atual vice-presidente do país, é o escolhido para ser o secretário-geral do PC e, portanto, também o próximo pre-sidente do país. A opinião da estudante é a mesma de quase três dezenas de chineses ouvidos por EXAME nas cidades de Hangzhou, Xangai e Pequim durante a segunda quinzena de outubro. Os chineses também pouco sabem sobre Xi, além do fato de ele ser filho de um dos líderes da revolução chine-sa próximo do ex-timoneiro Mao Tsé-tung e de ser casado com uma cantora do Exército. Aos 59 anos, Xi é formado em engenharia química e doutor em direito. É conhecido por

posições liberais e por apoiar a conti-nuidade das reformas econômicas.

Em um país com 4 000 anos de his-tória, e onde democracia nunca passou de uma ideia estrangeira, esse desinte-resse é compreensível. A transforma-ção da China nos últimos 30 anos é algo sem precedentes, e as políticas de abertura econômica não serão altera-das pelo novo presidente, muito pelo contrário. O maior desafio de Xi Jin-ping será manter o país no mesmo ru-mo que tirou 300 milhões de pessoas da pobreza nas últimas duas décadas e tornou a China um dos moto res vitais da economia mundial. As decisões do novo presidente serão acompanhadas com lupa por governos e empresários do mundo todo. O objetivo é claro — levar a prosperidade para o próximo bilhão de chineses. Mas o caminho, não. O modelo de exportação de manu-faturados e pesados investimentos em infraestrutura terá de ser refinado. Mais chineses terão de trocar o campo pela cidade. E todos terão de gastar

sonhos realizados:

na infância, Weiwei e Zhang

achavam impossível ter

carro e viajar de avião. Hoje, vivem

em apartamento próprio

aONDE a CHINa QUER CHEgaRAté 2030, o crescimento será menor e a composição do produto interno bruto será drasticamente alterada para que o país se transforme em uma nação de alta renda

Nos planos do governo, o país poderá crescer menos

O investimento deixa de ser o motor da economia(investimento como proporção do PIB)

a indústria vai contribuir menos para o crescimento enquanto o setor de serviço vai ampliar sua participação

O consumo das famílias aumenta a contribuição para o desenvolvimento (participação do consumo no PIB)

Os empregos no setor de serviços, criados nas cidades, vão sustentar a urbanização

Renda peR capita (em dólares)

1995/2010

10%

1995/ 2010

1995/ 2010

1995/ 2010

1995/ 2010

2011/ 2015

2011/ 2015

2011/ 2015

2016/ 2020

2016/ 2020

2016/ 2020

2021/ 2025

2021/ 2025

2021/ 2025

2026/ 2030

2026/ 2030

2026/ 2030

2026/ 2030

2010 2030

2011/2015

9%

2016/2020

7%

2021/2025

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2026/2030

5%

46%

43%

47%

61%

35%

49%42% 56%38% 60%36% 63%34% 66%

(participação do setor no PIB)indústria Setor de serviços

participação da agricultura no mercado de trabalho

participação dos serviços no mercado de trabalho

38%

30%

24%

18%

13%

34%

42%

48%

53%

59%

16 0005 450

Fonte: Banco Mundial

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a projeção do governo é que em 2030

200 MIlHÕEs DE CHINEsEs

terão formação para se dedicar à criação e à produção de bens em áreas

inovadoras, como biotecnologia e energias limpas, para que a

china dê um salto de qualidade e possa competir com os

países desenvolvidos

ao final, se tudo der certo, a China será um país mais rico

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Capa | china

mais. A revolução que começou com as quinquilharias de 1,99 vai subir de pa-tamar: as empresas terão de passar dos carrinhos de brinquedo para os carros elétricos de verdade. Foi quase impos-sível lutar contra a China dos produtos baratos. Agora será a vez de enfrentar uma China cada vez mais sofisticada.

“Essa mudança é importantíssima para a Ásia, para o mundo e, sobretudo, para o Brasil”, diz o ex-ministro de De-senvolvimento da Indústria e Comér-cio Exterior Sergio Amaral, atual pre-sidente do Conselho Empresarial Brasil-China. As exportações de bens primários continuarão crescendo em ritmo acelerado. Mas isso não significa que o Brasil esteja fadado a mandar somente soja, minério de ferro e celulo-se para o outro lado do mundo. Mais de 520 milhões de pessoas devem ascen-der à classe média na China até 2021, estima o analista Homi Kharas, do cen-tro de pesquisas americano Brookings Institution. Se até 2030, como está pla-nejado, a renda per capita triplicar e a classe média urbana chinesa chegar a 1 bilhão de pessoas, o país terá um po-tente mercado consumi dor para qual-quer produto. As empresas brasileiras podem estar diante de um mercado inesgotável, mas também terão de en-frentar uma nova geração de empresas concorrentes endinheiradas, qualifica-das e potencialmente letais — na China, os parques tecnológicos passam de 300, e 2,2% do PIB é investido em pes-quisa e desenvolvimento.

dIsparIdadesO casal Zhang Hui Hai, de 38 anos, e Weiwei Ma, de 32, representa bem a classe média chinesa. Casados há qua-tro anos, os dois vivem com o filho de 1 ano e 4 meses num apartamento pró-prio em Xangai. Ambos saí ram de suas cidades no interior para estudar e tra-balhar. Zhang é gerente de recursos humanos numa fábrica de exaustores de cozinha e ganha por ano o equiva-lente a 83 000 dólares. A mulher é tra-dutora e trabalha como autônoma para ter mais tempo para o filho. “Quando criança, ter um carro ou viajar de avião eram sonhos impossíveis”, diz Weiwei.

símbolo do sucesso: Xangai é a capital econômica do país e uma vitrine da China moderna para o mundo

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Não mais. O casal tem um sedã japonês Mazda na garagem do prédio. Zhang e Weiwei levam uma vida confortável em uma das cidades mais ricas do país e sonham com o fim da política de um filho por casal — um novo filho signifi-caria mudança para uma casa maior.

Histórias parecidas existem aos mi-lhões — mas os chineses passam do bilhão. O país é muito maior e mais complexo que meia dúzia de cidades que se transformaram em mecas de consumo na última década, como Xan-gai, Pequim e Shenzhen, classificadas pelo governo como cidades tier 1, ou de primeiro nível. A renda média per ca-pita chinesa nas áreas urbanas é de 10 000 dólares anuais — próxima da média brasileira —, enquanto na zona rural não passa de 3 000 dólares. Mais: 10% dos domicílios mais ricos do país detêm 85% dos ativos pertencentes às famílias chinesas, segundo revelou uma pesquisa realizada pela Universidade do Sudoeste da China. Mobilidade so-cial é uma coisa; a inevitável tensão entre ricos e pobres é outra. “A dispa-ridade é o principal desafio que o país tem de resolver”, afirma Fan Gang, pre-sidente do Instituto Nacional de Pes-quisa Econômica e professor da Uni-versidade de Pequim. Atualmente, cerca de 400 milhões de pessoas ainda vivem abaixo da linha de pobreza, ou seja, com menos de 2 dólares por dia.

Uma das principais transformações que Xi terá de comandar é o desenvol-vimento de uma rede de proteção so-cial. Ironicamente, poucas sociedades assimilaram tão bem o conceito de Es-tado mínimo quanto a China “comu-nista” — isto é, no aspecto da prestação de serviços públicos. O único serviço gratuito prestado à população pelo Es-tado é a educação básica (os 12 anos de ensino compulsório). E, mesmo assim, se o aluno tirar notas tão ruins a ponto de não conseguir se classificar para uma escola de ensino médio, sua famí-lia terá de pagar pelo ano repetido. Universidade pública, como se conhe-ce no Brasil, não existe. As universida-des são, sim, do governo, mas todas são pagas. Nos hospitais públicos, se o pa-ciente não tiver dinheiro, não é aten-

O QUE é bOM paRa O bRasIlCerca de 80% das vendas do Brasil para a China são produtos básicos que o país asiático precisará ainda mais nos próximos anos

A urbAnizAção e o Aumento dA rendA

Alimentos

520 MIlHÕEs DE pEssOas devem ascender à classe média até 2021, o que vai elevar o consumo, especialmente de alimentos, e incrementar

a construção civil, o que favorece as exportações brasileiras

1 tRIlHãO DE DólaREs é a previsão do tamanho que o mercado chinês de alimentos deve alcançar em 2016. O consumo de comida está crescendo ao ritmo de 13% ao ano

29 milhões de toneladas

podem ser exportadas em 2020 se

mantida a participação

33% das importações foram do Brasil

a importação de soja deve crescer 67%(em milhões de toneladas)

2010/2011 2020/2021

87

52

77% das importações foram do Brasil

307 000 toneladas podem ser

exportadas em 2020 se

mantida a participação

a importação de frangos deve crescer 55%(em mil toneladas)

2011 2020

399

265

24% das importações foram do Brasil

328 000 toneladas podem ser

exportadas em 2020 se

mantida a participação

a importação de carne suína deve crescer 42%(em mil toneladas)

2011 2020

782

550

a importação de petróleo deve crescer 63%(em milhões de barris por dia)

2020

997

2011

686

2011 2020

9 347

18 892

2011 2020

5,5

9

mAtériAs-primAs

239 milhões de toneladas

podem ser exportadas em 2020 se

mantida a participação

24% das importações foram do Brasil

a importação de minério de ferro deve crescer 45%(em milhões de toneladas)

3,8 milhões de toneladas

podem ser exportadas em 2020 se

mantida a participação

20% das importações foram do Brasil

a importação de celulose(1) deve crescer 102%(em mil toneladas)

324 000 barris de petróleo

por dia podem ser exportados

em 2020 se mantida a participação

3,6% das importações foram do Brasilis

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inteira tinha apenas 35 cidades com es-se número de habitantes. A China ab-sorve aproximadamente metade do minério de ferro brasileiro. Na Vale, principal empresa do setor, em dez anos as vendas à China cresceram oito vezes. A Suzano, do setor de papel e celulose, começou a exportar para a China 20 anos atrás. Hoje, 34% de sua produção de celulose vai para lá — e o plano é ven-der ainda mais. “Nos próximos dez

anos, nossa intenção é dobrar a partici-pação no mercado chinês”, diz Alexan-dre Yambanis, diretor da unidade de negócio de celulose da Suzano.

Antes de contar com essa bonança, porém, é preciso entender que a ideia de tirar os chineses do campo e colocá-los nas cidades requer equilíbrio, con-trole e cautela. Entre as peculiaridades da China, uma das menos conhecidas, mas das mais importantes na estabili-dade de um país com 1,3 bilhão de ha-bitantes, é o sistema hukuo. Todo chi-nês se registra junto às autoridades locais e recebe a classificação de traba-lhador urbano ou rural. Isso permite ao governo controlar a migração para as cidades, mas gera duas “classes” de ci-dadãos. Entre os trabalhadores das ci-

dades, 40% têm direito a aposentado-ria, ante 60% dos que são do campo. Mas a relação entre os valores é inver-sa: na cidade o benefício é de 3 000 dólares anuais; e na área rural, 1 000. Mudar o sistema, o que na prática seria remover os obstáculos para uma urba-nização mais agressiva, está no topo da agenda do Partido Comunista. A ques-tão é como fazê-lo sem gerar um êxodo em massa para as cidades.

Apenas nos anos 90, 126 milhões de pessoas deixaram o campo rumo às ci-dades para ocupar uma vaga nas fábricas voltadas para a exportação. Esse exérci-to de migrantes permitiu que a China ganhasse uma escala sem paralelo no mundo. As Ferraris, as bolsas Louis Vuitton, as joias da Tiffany e até o pro-saico café no Starbucks, que na China também é símbolo de status, mostram que as palavras de Deng Xiaoping (“En-riquecer é glorioso”) foram levadas ao pé da letra. Deng assumiu o poder em 1976, após a morte de Mao Tsé-tung, e deu início à política de abertura econô-mica. Mas, por causa do hukuo, apenas uma parcela dos chineses conhece a glória da prosperidade, como mostra um episódio vivido por um entrevistado

Capa | china

dido. Mas o que acontece se ele estiver com uma doença grave? “Volta para casa e espera pela morte”, diz uma mé-dica, que pede para não ser identifica-da. Apesar de o governo ter começado a implantar um sistema de aposenta-doria há cerca de 20 anos, os benefícios são baixíssimos e cobrem apenas parte da população. Qualquer aumento de renda entre os chineses mais pobres se transforma em consumo de itens de primeira necessidade.

Por isso mesmo, no Brasil o segmen-to que mais deve se beneficiar dessa expansão da população urbana chine-sa é o agronegócio. A expectativa é que até 2020 o consumo chinês de soja cresça 67%; o de frango, 55%; e o de suínos, 42%. “O governo chinês tem

grande preocupação com a segurança alimentar e quer garantir comida para a população”, diz Marcos Molina, pre-sidente do Marfrig, frigorífico que de-tém a marca Seara. “A China será o maior consumidor de alimentos do mundo, e vamos participar disso.” Para aproveitar esse potencial, Molina re-solveu seguir a recomendação da car-tilha chinesa: por meio da subsidiária Keystone Foods, fornecedora america-na de hambúrgueres adquirida pelo Marfrig em 2010, ele formou no ano passado duas sociedades na China. Uma parceria é com a estatal Cofco, para distribuição, e a outra com a pri-vada Chinwhiz, voltada para a produ-ção. O objetivo é abastecer 2 600 res-taurantes na China, em Hong Kong e

no Japão. A Cofco é a maior produtora de comida industrializada da China e líder em importação e exportação de grãos, óleos e alimentos. É uma das 53 empresas chamadas de “supergran-des”, administradas diretamente pelo Conselho de Estado chinês. Graças ao poder de fogo do parceiro, hoje mais de 5 500 pontos de venda na China têm 70 produtos da marca Seara, produzi-dos no Brasil e exportados. No início do ano, a concorrente BRF usou estra-tégia semelhante à do Marfrig. Criou uma sociedade meio a meio com a Dah Chong Hong para distribuir produtos no mercado chinês, processar carnes e desenvolver a marca Sadia. “A popula-ção rural que migra para as cidades tem menos tempo para tarefas domés-

ticas, e isso aumenta a demanda por alimentos em que somos especializa-dos”, afirma José Antonio Fay, presi-dente da BRF. Ele cogita abrir uma fábrica no país em 2014.

No terreno das matérias-primas, o cenário também é positivo para os se-tores que lidam com a exploração de minérios, em especial o minério de fer-ro. Os investimentos em infraestrutura tendem a diminuir, mas a migração nos próximos 20 anos de 300 milhões de camponeses — o equivalente a pratica-mente um Estados Unidos — para as cidades vai manter o fôlego da constru-ção civil. Estima-se que em 2030 mais de 200 cidades terão mais de 1 milhão de habitantes — hoje são 146. Para efei-to de comparação, em 2010 a Europa

armazém de soja na

província de guangzhou: a China depende

da importação do grão, e hoje um

terço do volume comprado pelo

país vem do Brasil JoH

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das exportações são para a china

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com empresas chinesas para a distribuição

e também para a produção

de alimentos

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das exportações vão para a china

estuda a construção

de uMA FáBrIcA na china

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empresa local

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a EstRatégIa Das EMpREsasAlgumas companhias brasileiras já são grandes exportadoras para a China. Outras estão fazendo parcerias com os chineses para investir e produzir lá

das exportações vão para a china

É um dos maiores parceiros comerciais

da china

44%

19% das compras de minério de ferro da china

são da Vale

VALe

das exportações vão para a china

tem a china como mercado

prioritário

a meta da empresa é doBrAr o VoLuMe nos

próximos dez anos

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48 | www.exame.com 14 de novembro de 2012 | 49

de EXAME. Ele relatou a história sem o menor tom de indignação. Assim que sua filha nasceu, um oficial da comuni-dade (espécie de síndico e representan-te do governo chinês, que supervisiona parte do bairro) bateu à porta de sua casa para perguntar quem eram as duas pessoas que estavam hospedadas lá ha-via duas semanas. Eram seus sogros, vindos do campo para ajudar a cuidar da neta recém-nascida. O oficial anotou as informações, tirou fotografias e deu permissão de permanência temporária. É assim a vida na China comunista.

Corrupção Além do gerenciamento das tensões sociais, a manobra capitaneada por Xi nos próximos anos será executada em um ambiente político em transforma-ção. Segundo o instituto internacional de pesquisas Pew Research, nos últi-mos quatro anos a parcela da popula-ção chinesa que considera muito preo-cupantes temas de responsabilidade direta do Estado cresceu fortemente. A preocupação com a corrupção pas-sou de 39% para 50%. No início do mês, o PC formalizou a expulsão de Bo Xi-lai, um alto integrante do partido acu-sado de enriquecimento ilícito e cuja mulher foi condenada pelo assassinato de um empresário britânico. Do lado da economia, o cenário também inspi-ra cuidados. Os efeitos da crise inter-nacional já se fizeram sentir a ponto de a China ter mudado de patamar de crescimento. O cenário mais aceito por analistas é que a economia deve passar a crescer de 7% a 8% nos próximos anos e, depois, baixar para algo entre 6% e 7%. É muito menos do que a mé-dia de 10% que perdurou por 20 anos até a crise de 2008? “Sim, mas é preci-so notar que os 7,5% de crescimento vão representar bem mais do que os 10% de anos atrás”, diz Silvio Campos Neto, economista da consultoria Ten-dências. Afinal, são 7,5% sobre um PIB de 7,3 trilhões de dólares. Há cinco anos, o PIB chinês era de 2,3 trilhões, equivalente ao do Brasil atual.

O poder de compra dos chineses, porém, avança mais devagar. Para manter a indústria competitiva, os rea-

Capa | china

justes salariais sempre ficaram abaixo dos ganhos de produtividade. Como quase não há seguridade social, o chi-nês prefere guardar para a aposenta-doria a consumir, o que prejudica a expansão do mercado interno. Para complicar, o dinheiro depositado nos bancos tem taxas de remuneração ne-gativas para bancar empréstimos a juros baixos para os investimentos em infraestrutura. Em busca de um rendi-mento melhor, os chineses investem

na compra de imóveis, o que gera o medo de uma bolha nesse setor. A esta altura, a renda per capita dos chineses ainda é de apenas 5 450 dólares, cerca de metade da brasileira. “A China pode cair na armadilha da renda média: con-seguir sair da miséria, mas não dar o salto até o nível dos países ricos”, diz o economista Eduardo Costa Pinto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Por isso, a nova cúpula comandada por Xi precisará apertar o

2000 2010

O QUE pREOCUpa O bRasIlNa última década, a China se tornou uma competidora quase irresistível para produtos brasileiros de setores como calçados, têxteis e brinquedos. Agora — e essa é uma tendência crescente para o futuro — os chineses tomam o mercado em itens mais sofisticados, como máquinas, equipamentos elétricos, autopeças e eletroeletrônicos

pOSiçãO nO Ranking mundial

a China avançou na última década, desbancando Japão e alemanha na produção industrial global. Já a indústria brasileira ficou estagnada. até 2030, a China deve deter 25% da produção industrial no mundo, ultrapassando os Estados Unidos

a indústria brasileira vem perdendo espaço sistematicamente para produtos de fora

participação das importações nas vendas de industrializados no mercado brasileiro

china

china BRaSil

Brasil

a China foi a grande ganhadora nesse aumento da presença dos importados

participação chinesa nas importações brasileiras de bens industrializados

paRticipaçãO dO paíS nO piB da indúStRia glOBal

impActos do AvAnço chinês no brAsil

impActos do AvAnço chinês em outros mercAdos

A prÓXimA FronteirA dA competição

2003 2003

2011 2010

(1) em 2010 Fontes: Banco Mundial, ibre/FGV, insper, sindipeças, abramat, abit, alexandre Barbosa, ieB/UsP e Cni/Funcex

2,4 bIlHÕEs DE DólaREsem vendas é a soma das perdas brasileiras na região para os concorrentes chineses de 2008 a 2011

participação no total das importações de sete países sul-americanos

Quanto os chineses já tomaram de mercado da empresa em cada país

tecnologia da informaçãoBiotecnologiaequipamentos industriaisnovos materiaiscarros elétricos

BRaSil china

a concorrência chinesa também tira espaço dos produtos brasileiros nos mercados internacionais. Veja o exemplo do que ocorre na américa do sul

O objetivo dos chineses é vender mais produtos sofisticados no mundo todo — para o brasil, vai ser muito difícil resistir a essa nova ofensiva nos setores da indústria eleitos pela China para o crescimento em tecnologia:

Um exemplo de empresa afetada é a fabricante de ônibus e carrocerias Marcopolo

2006 20022011 2011

Alta de

84%Alta de

84%

40% no chile

30% no peru

10% no uruguai

7% 15%

12% 5%

22% 16%

1,7% 1,7%

17% 5%13% 16%

2º 10º

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2

3

materiais de construção

aumento da participação de importados

diferença entre importação e exportação (em bilhões de dólares(1))

aparelhos de tV e dVd

equipamentos eletrônicos

componentes eletrônicos

aparelhos de telefonia

máquinas de uso geral

aço

participação de produtos chineses nessas importações importações da china

(em bilhões de dólares)

máquinAs e equipAmentos

AutopeçAs

têXteis

Exemplos de setores afetados Em alguns produtos, o volume de vendas de produtos chineses no brasil dobrou depois da crise de 2008

O déficit comercial brasileiro com a China é bilionário em seis categorias industriais

2003

2003

2003

2003

2003

2003

2009 2011

2011

2011

2011

2011

2011

2011

têxteis

plásticos

22%

1%

14%

0,5%

6%

2,2

2,2

1,6

1,5

1,3

1,2

10%

41%

14%

23%

8%

24%

30%

0,5 1,2

0,9 1,8

0,15 0,3

passo. “Há um consenso de que a tran-sição de um modelo para o outro pre-cisa ser acelerada”, diz Tatiana Rosito, conselheira para assuntos econômicos da embaixada do Brasil em Pequim.

Quaisquer que sejam, essas medidas terão enorme repercussão para o Brasil — para o bem e para o mal. Na avaliação do economista Roberto Dumas, da es-cola de negócios Insper, o novo modelo de crescimento vai tornar a China um país ainda mais onipresente na econo-

mia internacional e afetar a vida de em-presas de todos os setores. Dumas viveu na China quatro anos como executivo do banco Itaú BBA e fez mestrado em economia chinesa na Universidade de Fudan. “É preciso definir como vender para o país, avaliar como fazer parcerias com empresas chinesas ou optar por produzir na China”, diz Dumas. “Quem não fizer nada disso será cobrado pelo acionista, porque a força econômica da China só tende a aumentar.” No discur-

so, o governo brasileiro, por intermédio da Agência de Promoção às Exporta-ções, vem incentivando as vendas de produtos que possam cair no gosto da nova classe média, como vinho, café, sucos, chocolate e até calçados, um dos setores da indústria brasileira mais pre-judicados pela concorrência chinesa. Na prática, porém, governo e empresá-rios brasileiros vêm perdendo oportu-nidades de conhecer o mercado chinês. Apenas quatro empresas brasileiras en-

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viaram representantes à cidade de Hang zhou, em outubro, a um evento de promoção do comércio entre China e países da América Latina, realizado pelo Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID) — as empresas par-ticipantes foram BRF, Odebrecht, Ste-fanini e Tecsis. A Apex nem sequer indicou um empresário de pequeno ou médio porte, que teria as despesas pa-gas pelo BID. No evento, foram reali-zados mais de 1 500 encontros de em-presários chineses e latino-americanos. “O momento é ímpar para o comércio global”, diz Marcos Lélis, coordenador da Unidade de Inteligência Comercial da Apex. “A segunda economia do mundo é um país em desenvolvimento, com um mercado em franca expansão, o que abre oportunidades para empre-sas de todos os setores.”

Se existem avenidas para entrar no mercado chinês, elas são de mão dupla:

a China quer que suas empresas se tor-nem ainda mais competitivas, espe-cialmente fora do país. Um estudo coordenado por Lia Valis Pereira, eco-nomista da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, identificou que o país asiático avançou nos nossos vizi-nhos latinos, em detrimento dos ex-portadores brasileiros. A participação da China nas importações da América do Sul passou de 5% em 2002 para 16% em 2011. A do Brasil, ao contrário, que chegou a 17% em 2006, caiu para 13%. De 2008 a 2011, o Brasil perdeu 7 bi-lhões de dólares em transações nessa parte do continente. A diversidade de setores atingidos impressiona: máqui-nas, móveis, brinquedos, aço, plásticos, tratores, carros e equipamentos elétri-cos são apenas alguns dos itens. As perdas foram especialmente altas em setores como máquinas e equipamen-tos — 61% ao todo, sendo que mais da

metade da retração representa perda de mercado para produtos chineses.

“As empresas ocidentais, listadas em bolsa, precisam elevar os lucros para valorizar as ações e remunerar os acio-nistas. As chinesas aceitam retornos muito baixos e em sua maioria são es-tatais, beneficiadas com empréstimos a juros camaradas”, diz Rubens Besi, diretor de estratégia da Marcopolo, fa-bricante gaúcha de carrocerias de ôni-bus. (E Besi nem precisa mencionar o custo Brasil.) Desde o início da crise de 2008, a Marcopolo perdeu 40% de seu mercado no Chile, 30% no Peru e 10% no Uruguai — adivinhe para empresas de que país? No ano passado, Besi par-ticipou de um programa da escola de negócios Fundação Dom Cabral que mostra como fazer negócios com os demais países do bloco Bric. “Na roda-da chinesa, o representante do governo disse que o país tinha 3 trilhões de

dólares em caixa e havia separado 1 tri-lhão para ajudar empresas chinesas, de setores considerados estratégicos, a comprar empresas estrangeiras”, diz Besi. “Isso me assustou.” Na lista apre-sentada estavam setores em que o Bra-sil se destaca, como mineração, petróleo e alimentos. De 2008 para cá, a China anunciou 30 bilhões de dólares em in-vestimento na aquisição e na instalação de empresas no Brasil, em sua maioria com representantes da nova geração de negócios chineses. A Sinopec, estatal de petróleo, comprou 40% da Repsol Bra-sil. A Huawei, fabricante de produtos de telecom, assinou acordo para a ins-talação de um centro de pesquisa em Campinas. A Chana Motors, terceira maior montadora de veículos da China, vai construir uma unidade em Anápolis, em Goiás. A Foxconn, montadora de celulares, em Manaus desde 2005, anunciou uma nova fábrica para mon-

tar tablets em Itu, no interior de São Paulo, ao lado da Lenovo, conterrânea que fabrica computadores. A estratégia da China é usar o Brasil e demais emer-gentes como uma espécie de laboratório para o aperfeiçoamento de produtos chineses até que eles tenham qualidade e sofisticação para disputar com o que há de melhor em países como Estados Unidos e Alemanha.

A dificuldade dos produtos brasilei-ros em competir com os chineses cres-ce na mesma proporção que pioram nossos problemas estruturais — além das vantagens construídas pelos chine-ses, temos de lidar com obstáculos que são de nossa responsabilidade. “Utilizar a China como bode expiatório não é o melhor caminho. O destino de nossa indústria depende de um conjunto de ações internas para superar nossas de-ficiências estruturais”, afirma o econo-mista Alexandre de Freitas Barbosa, da Universidade de São Paulo, autor de um estudo sobre o impacto da concorrên-cia chinesa sobre a indústria brasileira de manufaturados. O segredo da revo-lução econômica chinesa foi, antes de tudo, o planejamento. “Nas últimas dé-cadas, a China teve a economia mais bem gerenciada do mundo”, diz Paulo Vandor, da consultoria Monitor Group, que tem se dedicado a estudar a estra-tégia dos orientais. “Os chineses têm objetivos e planejamento de longo pra-zo, revisados permanentemente. Os planos quinquenais são detalhados com o que cada setor tem de fazer.” A cúpu-la chinesa é formada por uma maioria absoluta de engenheiros. Isso pode ser discutível, por deixar de lado visões humanísticas. Mas Xi e seus pares são planejadores pragmáticos. E devem buscar o que a China precisa em sua nova etapa. “Em dez anos os chineses deverão ter as melhores universidades do mundo e os maiores centros de bio-tecnologia”, afirma Vandor. A China acaba de escolher sua liderança para os novos caminhos, e tem clareza do que quer. Precisamos de uma clareza seme-lhante — quanto antes. n

Capa | china

a força da multidão:

chineses ávidos por compras

enchem as ruas do centro histórico

de Pequim

partidários do atraso: há

menos de meio século, durante

a Revolução Cultural, os

seguidores do líder Mao Tsé-

tung execravam o capitalismo

A ChiNA NãO é desCulpA pArA As perdAs BrAsileirAs. O CustO BrAsil

é NOssA respONsABilidAde

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Com reportagem de Guilherme Manechini, Luiza Dalmazo, Patrícia Ikeda e Patrick Cruz

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a vez da inovação

Depois de se tornar a fábrica de quinquilharias do mundo, a China está empenhada em brigar de

igual para igual com os países ricos — e sua principal arma são os investimentos em pesquisa

e desenvolvimento | RobeRta Paduan, de Pequim

caPa | china

Achina, como todos os demais Países, à exceção dos estados unidos, não tem um emPReendedoR que chegue aos pés de Steve Jobs em termos de capacidade de inovar. Também não tem uma montadora do nível da alemã Mer-cedes-Benz, conhecida pela alta tecnologia dos automóveis — por sinal, muito apreciados pelos novos ricos chineses. O que diferencia a China dos outros países que estão no seu estágio de desenvolvimento é a ambição de virar o jogo. O objetivo declarado é deixar de ser a fábrica de quinquilha-rias e eletrodomésticos do mundo. E conseguir rivalizar com americanos e alemães nas próximas décadas. O caminho é o mesmo percorrido por outras nações asiáticas, como o Japão e a Coreia do Sul, ex-fabricantes de produtos baratos que hoje se destacam por suas inovações.

Uma boa medida do ímpeto chinês é o bairro de Zhong-guancun, na zona oeste de Pequim, uma espécie de embrião do que poderá ser o Vale do Silício chinês. Esse foi o lugar escolhido pelo governo para criar, no ano 2000, o Zhong-guancun Park, ou ZPark, um centro de pesquisa impecável e com tudo o que há de mais moderno. Entre a decisão de criá-lo e a inauguração foi gasto apenas um ano, o que dá bem a medida de como as coisas andam rápido por lá (ainda mais em comparação com a lentidão brasileira...). Os seis prédios de arquitetura futurista abrigam 220 empresas — de chinesas como a Lenovo, líder global na venda de PCs, a multinacionais estrangeiras, como a americana IBM e a alemã Siemens. “A ideia era atrair uma grande quantidade de companhias de tecnologia para criar o ecossistema necessário à inovação”, afirma Liu Ke Deng, diretor do parque tecnológico. Próximo

Laboratório em Wuhan:

o governo chinês criou mais de

300 parques tecnológicos desde

o começo da década passada

Lições para

o BrasiLestratégia de

longo prazo Em 2006, o governo

apresentou um plano com as áreas prioritárias para os

15 anos seguintes

gastos com p&dA China ultrapassou o Japão em 2011 e é

o segundo país no mundo que mais

investe em pesquisa e desenvolvimento

mais educaçãoOs chineses quase

dobraram o número de cientistas e

pesquisadores num prazo de apenas

quatro anos

ao centro de pesquisa há oito universi-dades, o que garante o acesso a mão de obra especializada. Duas delas, a Uni-versidade Tsinghua e a Universidade de Pequim, são as melhores do país. Com uma fila de espera de 100 empresas, a direção do ZPark promete entregar uma nova ala de 100 000 metros qua-drados até 2015. Em todo o país, há mais de 300 parques tecnológicos — a maior parte deles muito mais avançada do que os cerca de 90 existentes no Brasil.

Aos poucos, a ideia da inovação co-meça a ganhar corpo fora dos muros dos centros movidos a dinheiro estatal. A empresa Fun Guide, fundada em 2008, desenvolve aplicativos para celu-lares e tablets. Na sua sede em Pequim, coberta de obras de arte, funcionários de calça jeans, tênis e camiseta jogam bilhar no horário do almoço — no me-lhor estilo Google. “Nunca recebemos ajuda alguma do governo”, diz Lu Xiao, o fundador. Sua primeira empresa, que desenvolvia jogos para celulares, rece-beu aportes da Siemens e, em 2004, foi vendida para investidores americanos. O setor da Fun Guide, a área de TI, é um dos sete definidos como estratégicos EP

A/S

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lecomunicações. Hoje, é um colosso presente em 140 países, com faturamen-to de 32 bilhões de dólares. Sua área de P&D fica num prédio em Xangai, onde há uma sala em que as paredes são co-bertas do chão ao teto com os compro-vantes das patentes registradas.

O problema da China é que, por en-quanto, não há muitas Huaweis. Das 1 000 empresas mais inovadoras do mundo, apenas 47 são chinesas, segun-do a consultoria Booz & Company — as brasileiras somam sete. Mesmo com todo o investimento já feito, o país não é páreo para americanos e japoneses no registro de patentes feito nos Estados Unidos. “A China investe em educação e tem custos competitivos, mas não su-perou os Estados Unidos em nenhuma área da inovação”, diz Gary Shapiro, presidente da Consumer Electronics Association, entidade que reúne mais de 2 000 indústrias eletroeletrônicas americanas. Em certa medida, o esforço chinês demonstra como é difícil fazer a ponte entre a produção de conhecimen-to e a criação de produtos e serviços inovadores. Quem acompanha esse pro-cesso de perto diz que é cedo para julgar o esforço da China. “Eles ainda estão no

início”, diz o americano John Orcutt, autor do livro Shaping China’s Innova-tion Future (“Moldando o futuro da inovação na China”, numa tradução li-vre). Dado o histórico recente, é bom considerar a hipótese de que os chine-ses vão conseguir dar o salto que falta. Oliver Gassmann, diretor do Institute of Technology Management, da Univer-sidade St. Gallen, na Suíça, resume a impressão geral: “Este será um século asiático, e o domínio chinês em inova-ção faz parte do cenário mais provável”. É melhor se preparar. n

caPa | china

O registro de novas patentes em 2011 é sinal de que a China tem um longo caminho a percorrer (em número de patentes(2))

COrEiA dO Sul

AlEmAnhA

ChinA

JApãO

O mapa da inOvaçãONas últimas três décadas, o governo chinês criou polos de pesquisa nas áreas mais ricas do país. Com forte apoio estatal, a China ultrapassou o Japão em pesquisa e desenvolvimento — mas seu desempenho no registro de patentes ainda é irrisório

pelo governo chinês. Os outros que vão concentrar os investimentos em ciência e tecnologia nos próximos anos são os de energia, biociências, novos materiais, proteção ambiental, carros elétricos e maquinário para a indústria. À primei-ra vista, a China já está bem na foto em termos de inovação. O país testou sua bomba atômica nos anos 60 e lançou seu primeiro satélite na década de 70, dois feitos tecnológicos na época. Do total das exportações industriais, 30% são classificadas como de alta tecnolo-gia. Um exame mais detalhado, porém,

mostra outra realidade. Apesar dos pro-gressos, a China não é um país inovador. Nos produtos de alta tecnologia envia-dos ao exterior, os chineses agregam menos de 20% do valor. Daí surge a questão: quanto das exportações chine-sas é realmente made in China?

A resposta depende do setor. O caso do iPhone, o telefone da Apple, é reve-lador. O valor agregado pelo país não chega a 4% do preço final, participação inferior à da Coreia do Sul, embora o produto seja montado na China. O gros-so do ganho, quase metade, fica com a

Apple, responsável pela marca e pelo design. No segmento de computadores, equipamentos de comunicação e má-quinas de precisão, a situação é um pou-co melhor, mas ainda sofrível — cerca de 50% das peças são locais. É esse qua-dro que os novos líderes chineses estão dispostos a mudar. Para eles, os ganhos de produtividade resultantes da compra de tecnologias dos países ricos já não bastam. O motivo é algo que os econo-mistas chamam de lei dos rendimentos decrescentes — em poucas palavras, sem avanço tecnológico, o retorno dos

investimentos cai ao longo do tempo. Até o século 17, a tecnologia chinesa

era a mais avançada do mundo. Para Francis Bacon, o grande filósofo britâ-nico, as três invenções responsáveis pela transição europeia da Idade das Trevas para a modernidade foram a pólvora, a bússola e a imprensa — todas originadas na China. Por que, então, os chineses perderam o bonde da revolu-ção científica e industrial que veio em seguida? Na visão do economista chi-nês Justin Yifu Lin, ex-vice-presidente do Banco Mundial, quando o avanço

a China elevou sua participação nos gastos com pesquisa e desenvolvimento e ultrapassou o Japão (% do total mundial(1))

EStAdOS unidOS

2010 2011 2012

JApãO

ChinA

33% 32% 31%

12% 13% 14%

12% 11% 11%

shenzhenprincipais áreas de pesquisa: tecnologia digital e telecomunicações

Xangaiprincipal área de pesquisa: semicondutores

Os principais polos de pesquisa financiados pelo governo chinês

pequimprincipais áreas de pesquisa: tecnologia digital e telecomunicações

harbinprincipais áreas de pesquisa: biotecnologia e óptica

chongqingprincipais áreas de pesquisa: engenharia civil, maquinário industrial e transporte

Xi’anprincipais áreas de pesquisa: química inorgânica e instrumentos ópticos

Jinanprincipal área de pesquisa: farmacêutica

tianJinprincipais áreas de pesquisa: química orgânica e polímeros(em dólares)

Faturamento anual das empresas do polo

Foshanprincipais áreas de pesquisa: bens de consumo e maquinário industrial

shenyangprincipais áreas de pesquisa: engenharia civil, maquinário industrial e metalurgia

255 bilhões

29 bilhões

29 bilhões

51 bilhões

93 bilhões

48 bilhões

3 100

12 000

12 200

46 000

40 bilhões56 bilhões

45 bilhões

19 bilhões

(1) O cálculo foi feito com base em paridade de poder de compra (2) Patentes registradas nos Estados Unidos Fontes: Battele, Kairos Future, Thomson Reuters e USPTO

EStAdOS unidOS 108 000

científico estava baseado na observa-ção, o país, por já ser o mais populoso, tinha uma vantagem em relação aos demais. Quando a ciência passou a de-pender de experiências em laboratório, faltou gente com conhecimento em matemática e experimentos.

aPosta em céRebRosComo mostra o exemplo do ZPark, o governo está disposto a recolocar a Chi-na na vanguarda tecnológica e, para atingir seu objetivo, abriu os cofres. Desde a década passada, o montante aplicado em pesquisa e desenvolvimen-to dá saltos ano após ano. Graças a isso, a China conseguiu, em 2009, ultrapas-sar o Japão e chegar ao segundo lugar no ranking dos países que mais inves-tem nessa área — o Brasil é o nono. O número de cientistas e engenheiros, que era de 712 para cada grupo de 1 milhão de habitantes em 2004, passou para 1 200 em apenas quatro anos. Na década passada, a China se tornou o país que mais envia jovens para as universidades de ponta nos Estados Unidos e na Eu-ropa. Atualmente, cerca de 1,3 milhão deles estão estudando no exterior. Não por coincidência, a produção de artigos

científicos também aumentou nos últi-mos anos. Entre 2006 e 2011, somou 2,2 milhões, atrás somente da americana, segundo o SCImago Journal, publicação que compila esses dados.

O cartão de visita dos chineses quan-do o assunto é inovação chama-se Hua-wei, a maior fabricante de equipamen-tos de telecomunicações do mundo. Seu fundador, Ren Zhengfei, abriu a empre-sa no fim dos anos 80, em Sheng zhen, primeira zona especial econômica cria-da pelo governo. No início, a Huawei era só uma revendedora de produtos de te-

o Cartão de visita da ChiNa em iNovação Chama-se huawei, a

maior faBriCaNte de equipameNtos de teLeComuNiCações do muNdo

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casa a chinesa

YEm Xangai, o governo conseguiu colocar

seus estudantes no topo do ranking mundial. O desafio agora é implantar o mesmo

modelo de educação no restante do país roberta paduan, de xangai

capa | china

ali”, em chinês, significa “pressão”, e não é por aca-so que a palavra é uma das mais repetidas pelos es-tudantes de Xangai. A rotina do aluno Ji Yu Zhou, de 15 anos, mostra por quê. Estudante do 10o ano do ensino bá-sico chinês, o equivalente ao 1o ano do ensino médio no Brasil, Ji tem uma rotina tão ou mais pesada que a de um adulto. Chega à escola às 7h40 e só sai, na melhor das hi-póteses, às 16h30. Por volta das 7 da noite, depois do jantar e de um rápido descanso, é hora da lição de casa, ou mais 4 horas de estudo, em média. Ji só consegue fechar os livros e os cadernos às 11 horas da noite. No ano passado, a vida dele estava ainda mais difícil. Para prestar o Zhong Kao, exame de ingresso no ensino médio, Ji entrava mais cedo e saía mais tarde da escola. O esforço foi recompensado: Ji conseguiu 595,5 pontos, um resultado excelente perto dos 630 possíveis, mas só pouco acima dos 590 exigidos pelas escolas de elite de Xangai. Os adolescentes da maior cida-de chinesa enfrentam pressão semelhante: a nota do Zhong Kao define a qualidade da escola em que o aluno fará o ensino médio, o que, por sua vez, será responsável pelo desempenho no Gao Kao, o vestibular chinês.

filhos de migrantes: em Xangai, eles tiveram acesso a boas escolas

de qualidade é um dos valores mais importantes da geração atual de chi-neses. No acelerado processo de urba-nização em curso, o diploma de uma boa universidade garante emprego, dinheiro para consumir e segurança para a família, já que os chineses não sabem o que é previdência privada ou emprego para os mais velhos.

Xangai é uma ilha de excelência no país mais populoso do mundo. É uma ilha enorme, com 12 milhões de habi-tantes, mas ainda assim um exemplo isolado. Um dos grandes desafios do novo governo chinês é multiplicar o sucesso da cidade. Os demais alunos chineses não foram avaliados pela pro-va da OCDE, e não há como comparar Xangai com o restante do país. Mas existem pistas. Segundo o Banco Mun-dial, há oito alunos para cada professor

em Xangai. Em Guizhou, a província mais pobre da China, cada professor tem de dividir a atenção por 164 alu-nos. Xangai gasta quase 3 000 dólares por aluno ao ano; em Lancang, no in-terior, o valor é inferior a 1 dólar. Cerca de 16 milhões de bebês nascem por ano na China, 60% deles no campo. Aos 6 anos, as crianças dessas áreas pesam, em média, 1,7 quilo a menos e são 2,6 centímetros mais baixas do que as das cidades. “A redução da diferença edu-cacional começa quando houver me-nos desigualdade social”, diz Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE responsável pelo Pisa.

Algumas das práticas inovadoras de ensino idealizadas nas grandes cidades começam a se espalhar. “Exames mé-dicos são feitos para garantir que ne-nhuma criança deixe de aprender por

falta de óculos, por exemplo”, diz Gus-tavo Ioschpe, economista especializa-do em educação que foi à China recen-temente para estudar o sistema edu-cacional do país. Tornou-se famosa a promoção dos encontros de professo-res de mesmas séries e disciplinas pe-lo menos uma vez por mês para discu-tir métodos e melhores práticas. “No Brasil, nem o que funciona nem o que não funciona servem de exemplo”, diz Ioschpe. Dados prévios da OCDE in-dicam que até mesmo províncias me-nos desenvolvidas na China têm apre-sentado desempenho superior a re-giões de perfil semelhante em outros locais do mundo, incluindo o Brasil.

Mas é o êxito de Xangai que é obser-vado de perto, e não somente pelos brasileiros. As provas da cidade são elaboradas pelo governo local, ao con-

Essa yali é massacrante para os jo-vens, mas traz consigo um contrapon-to: nenhum estudante no mundo aprende mais durante a fase escolar do que o de Xangai. Em 2009, os jovens de 15 anos da cidade foram os primei-ros colocados em um ranking mundial que mede a capacitação dos alunos em matemática, língua materna e leitura — foi a primeira vez que participaram do teste. A prova, chamada Pisa, é rea-lizada pela Organização para a Coope-ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 75 países (o Brasil está em 53o lugar). Para um país cujo regime fechou universidades, queimou livros e mandou professores para a lavoura durante a Revolução Cultural, pouco mais de 40 anos atrás, o resultado ob-tido pelos estudantes de Xangai é for-midável. Garantir aos filhos educação

Lições para

o BrasiLfora da classe

Nas escolas de Xangai, o professor

passa cerca de 2 horas dentro da sala

de aula. Nas outras 6, prepara as aulas do

dia seguinte

avaliação sem tabu

Os professores de Xangai são avaliados

pelo desempenho dos alunos, o que

determina os bônus que recebem

resgate das piores

Em Xangai, as escolas de baixo

desempenho são atendidas

pelos melhores professoresIm

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58 | www.exame.com

capa | china

Um padrão por décadaas mudanças no sistema educacional chinês — e o desafio de replicar o sucesso de Xangai em outras regiões do país

(1) a mais pobre da china (2) Relatório do Programa Internacional de avaliação de alunos (Pisa, na sigla em inglês) (3) no ensino primário e secundário Fontes: OcDe/PIsa e Unesco

1960/70

Fechamento de escolasCom a Revolução Cultural, metade das escolas foi fechada e os professores mandados para trabalhar no campo

reForma edUcacionalO governo aprovou uma lei para obrigar todas as crianças a frequentar a escola por, no mínimo, nove anos

96%das crianças estavam matriculadas em escolas em 1987

1980/90

trário do que ocorre no resto do país. As questões de múltipla escolha foram substituídas por questões discursivas, que muitas vezes têm relação com o cotidiano, numa tentativa de motivar os jovens com temas mais palpáveis. As cobranças não recaem apenas sobre os alunos. Os professores também so-frem com a yali. Wang, uma professora de inglês que pediu para ser identifi-cada apenas pelo sobrenome, diz que seu desempenho está ligado ao resul-tado obtido pelos alunos. “Se eles vão mal, significa que falhamos”, diz Wang. Por esse motivo, os professores che-gam mais cedo e saem mais tarde mes-mo sem ganhar hora extra. O inglês é uma das cinco matérias testadas no Zhong Kao. Em Xangai, é disciplina

obrigatória desde o primeiro ano esco-lar. As outras matérias consideradas prioritárias são chinês, matemática, física e química (história e geografia não entram no exame).

Apesar da pressão descrita por Wang, que se aposentará em 2013 aos 55 anos, sua rotina de trabalho é de fazer inveja aos professores brasilei-ros. Das 8 horas diárias que permane-ce na escola, Wang só passa 2 em sala de aula. O restante do tempo ela usa no preparo das aulas do dia seguinte, na correção de exercícios e na comu-nicação com estudantes e pais. (Quan-do tem de mandar um recado ao pai de um aluno, a professora acessa um web-site da escola, que envia a mensagem automati camente ao celular do pai ou

da mãe.) Os professores só podem tra-balhar em uma escola, algo muito di-ferente do que se vê nas instituições brasileiras. Outra diferença marcante é a infraestrutura. Bem pintadas, lim-pas, com ginásio de esportes e todas as classes equipadas com recursos mul-timídia, as escolas de Xangai em nada lembram os prédios decrépitos da rede pública brasileira. O valor dado à edu-cação nos países asiáticos — o que se vê na China e também no Japão e na Coreia do Sul — não é algo que se pos-sa copiar fa cilmente. Trata-se de um valor cultural que, infelizmente, não foi herdado nem desenvolvido, pelo menos por enquanto, por nós, brasilei-ros. Mas as lições chinesas são muitas — e elas são um ótimo começo. n

20102000

ensino sUperior A China passou a investir em faculdades e a enviar alunos para estudar fora. Hoje, o país é recordista nesse tipo de iniciativa

total de chineses estudando fora 285 000

2001 2010

100 000

no topo do ranking Xangai assumiu o primeiro lugar do Pisa, principal ranking mundial de avaliação de ensino(2). Há 274 milhões de crianças matriculadas na China. Desse total, 1,3 milhão está em Xangai

2005

Xangai, o destaqUe O governo permitiu que Xangai testasse um novo modelo nas escolas, com mais investimentos, provas e bônus para os professores

total de professor por aluno

Xangai

provícia de guizhou(1)

1 para cada 8 1 para cada 164 2001 2010

total de crianças matriculadas(3) (em milhões)

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