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Aula 4 . 25 de março
A câmera que conta histórias
Bibliografia requisitada:
AUMONT, Jacques. O filme como representação visual e sonora. In: AUMONT, Jacques et al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995. p.
19-52.
MARTIN, Marcel. O papel criador da câmera. In: ______. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 1990-2003. p. 30-55.
Filmografia para exercício prático:
Cidade de Deus; Fernando Meirelles; roteiro de Bráulio Mantovanni; 135 min, cor, 2002 (Brasil).
O papel criador da câmera
No primeiro cinema, a câmera parada, presa ao tripé, não apenas
impedia a vocação expressiva do cinema como limitava essa arte
enquanto linguagem. É com a emancipação da câmera que o filme
passa a ser uma nova arte, e não apenas o registro de um teatro
filmado. É também a liberdade da câmera que possibilita a
montagem, que é o fundamento do cinema enquanto arte. De
aparato passivo, então, a câmera tornou-se ativa. A partir dessa
emancipação é que o cinema ganha seu ferramental específico
para narrar e expressar sentidos, a saber: os planos/os
esquadramentos, os ângulos e os movimentos (outros, não
específicos, seriam a cor, o som, etc.).
Figura 1: O desjejum do bebê, de Auguste e Louis Lumière (1895): ponto de vista do “regente de orquestra”, o teatro filmado
O enquadramento
O enquadramento é uma escolha e, em termos de linguagem do
cinema, a primeira escolha criativa de um filme. Depois de anos
tomando o assim chamado por MARTIN (2003) ponto de vista do
“regente de orquestra” (utilizado por Méliès em todos os seus
filmes), percebeu-se que a câmera poderia estar envolvida
criativamente no filme, e daí a noção de enquadramento é
expandida. MARTIN (2003) destaca essas possibilidades assim:
1. O enquadramento diz respeito tanto ao que está dentro dos
limites do quadro quanto ao que está fora;
2. Enquadrar detalhes torna-se crucial para o cinema enquanto
forma de expressão: assim surgem os planos de detalhe e os
closes sobre o rosto de atores, intensificando a dramaticidade
das cenas ou elegendo esta ou aquela imagem para destacar;
3. Fazer do conteúdo interno do quadro uma composição simbólica
(pensada especialmente com um propósito específico);
4. Provocar, por meio de mudanças radicais de padrão de ponto de
vista, efeitos psicológicos ou estéticos no espectador (o exemplo
sempre útil dos plongées e contre-plongées ou dos ângulos
exóticos que são capazes de causar vertigem, sensação de
sufocamento e etc.);
5. Trabalhar a profundidade de campo de forma dinâmica.
Os planos
Os planos, considerados como unidades da montagem (na prática
da análise fílmica, consideremos esta denominação que, mesmo
em Eisenstein, não deixa de ser um padrão, ainda que o soviético
prefira fragmento a plano enquanto unidade – na prática, a teoria
é outra), são definidos por seu tamanho e conteúdo interno ao
quadro, ou seja, a distância entre objeto da filmagem e a câmera e
a duração da tomada. Cada plano, a partir do momento em que a
câmera foi emancipada, é escolhido conforme sua utilização na
narrativa e seus efeitos estéticos/expressivos. MARTIN (2003) irá
destacar que sua duração tem estreita ligação com a distância
câmera-objeto. Assim, planos mais abertos (de conjunto ou geral)
tendem a ser mais demorados que os mais fechados (detalhe,
primeiríssimo plano ou close-up e primeiro plano). Apesar de ser
um padrão dentro da linguagem do cinema, nada impede que, por
motivações estético-expressivas e mesmo narrativas, o diretor
escolha subverter essa ordem tornando um close-up tão longo
quanto uma tomada em plano geral. Vamos aos planos:
1. Plano Geral – PG (geralmente enquadra paisagens; ambientes em sua totalidade;
figuras humanas muito reduzidas);
2. Plano de Conjunto – PC (enquadra grupo de pessoas, mostrando no mínimo da
cabeça aos pés; geralmente mostra pessoas dentro de um determinado ambiente);
3. Plano Médio – PM (enquadra a pessoa em sua totalidade);
4. Plano Americano – PA (enquadra pessoa do joelho até a cabeça);
5. Plano Aproximado (enquadra pessoa da cintura para cima – é uma variante do PA);
6. Primeiro Plano – PP (enquadra a pessoa do busto para cima);
7. Primeiríssimo Plano – PPP (enquadra o rosto);
8. Plano de Detalhe – PD (enquadra um detalhe, como um olho, um objeto, a boca, etc.);
9. Close-up – (quase um PPP, enquadra o rosto, mas com delimitação um pouco menor,
ou seja, não enquadrando totalmente o rosto)
10.Plano Seqüência – (definido por sua duração, corresponde a um longo plano,
podendo incluir mudanças em seu tamanho – com apoio de movimentos de câmera –
e é definido desde o momento em que a câmera é ligada até o momento em que é
desligada, não podendo ser denominado, portanto, a partir de seu tamanho, como os
outros).
Figura 11: primeiro plano (em contre-plongée) em Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964)
Figura 12: primeiro plano/primeiríssimo plano em Onde os fracos não têm vez (Ethan e Joel Cohen, 2007)
Os ângulos de câmera
Mais que os planos, os ângulos de câmera costumam sempre ser
justificados por necessidades expressivas especiais, como dar
impressão de agigantamento de um personagem ou o contrário,
simular a confusão mental de alguém (com a câmera inclinada),
etc. Eles podem ser mais comuns ou mais inusitados:
1. Plongée – ou câmera alta, enquadra o objeto de cima (e pode ser de um plano geral
como de um primeiro plano);
2. Contre-Plongée – ou câmera baixa, enquadra, pelo contrário, o objeto de baixo
(também podendo ser de plano geral ou de primeiro plano);
3. Câmera em Zênite (ou Plongée Vertical) – mais raro, enquadra o objeto de ponto
extremo vertical de cima (seu contrário, mais raro ainda, é o Contre-Plongée Vertical);
4. Ângulo inclinado – câmera inclinada em seu eixo.
Câmera subjetiva
O principal uso desse tipo de câmera é simular a subjetividade de
um personagem, uso este que pode vir agregado a outros. É
nesse momento que o “olho” da câmera é fundido com o olho do
personagem e, principalmente, com o olho do espectador,
provocando quase sempre o efeito de empatia, mas sempre
justificado dentro da narrativa. O exemplo abaixo mostra um dos
usos da câmera subjetiva, nos colocando no lugar de quem irá
chutar a gol (em Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, lançado
em 2002):
Figura 22: recurso recorrente em Cidade de Deus, aqui a câmera subjetiva nos coloca no lugar do motorista do caminhão, que está prestes a ser assaltado (e é o alvo da arma empunhada)
Os movimentos de câmera
Os movimentos de câmera têm várias funções, as quais são, segundo MARTIN (2003):
1. acompanhar um personagem/objeto em movimento;
2. criar ilusão de movimento em objeto estático;
3. descrever espaço ou ação;
4. definir relações espaciais entre elementos da ação;
5. realçar dramaticamente personagem/objeto;
6. exprimir o ponto de vista de um personagem em movimento;
7. expressar a tensão mental de um personagem.
Existem dois tipos principais de movimentos de câmera: os travellings (ou carrinhos, no Brasil) e as panorâmicas:
Travellings são deslocamentos em que a câmera se locomove
pelo espaço (daí serem chamados, aqui no Brasil, de carrinhos,
em referência a um carro sobre o qual a câmera comumente está
localizada para a realização deste movimento, embora isso possa
ser feito com grua e etc.). Podem ser:
Verticais – tanto quando o eixo da câmera é horizontal
(acompanhando a subida de um elevador panorâmico, por
exemplo), como quando o eixo é vertical também (pode
simular a queda de um objeto/personagem ou sua subida);
Horizontais (laterais) – mais comuns, costumam descrever
espaços ou acompanhar objetos/personagens em seus
movimentos;
Para trás – tanto em linha horizontal como em diagonal ou
vertical, faz o afastamento entre o olhar e o objeto ou
personagem;
Para frente – funciona como o travelling para trás, porém
produzindo deslocamento da câmera em direção a um
objeto/personagem.
Panorâmicas são rotações de câmera em torno de seu próprio
eixo (ou seja, a câmera não se desloca, ela “gira”). Podem ser
horizontais (para os lados) ou verticais (para cima e/ou para
baixo) e podem produzir efeitos dramáticos (estabelecem
relações espaciais, por exemplo), expressivos (criam idéia de
embriagamento, vertigem, etc.) ou puramente descritivos
(descrevem espaços, cenários, distâncias).
O zoom, diferente da panorâmica ou do travelling, é um tipo de
movimento ótico, porém é assimilável aos movimentos de
travelling para frente ou para trás, embora com o mesmo princípio
da panorâmica, em que o movimento é do eixo e não há
deslocamento do aparato de filmagem.