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1
IRANIA LOIOLA DE SOUZA
A competncia leitora na perspectiva do SARESP.
A habilidade de inferir informao implcita em texto escrito
Dissertao apresentada Banca
Examinadora, na Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo,
como exigncia parcial para obteno
do ttulo de Mestre em Lngua
Portuguesa, sob a orientao da
Professora Doutora Anna Maria
Marques Cintra.
PUC-SP
2007
2
_____________________________________________
3
AGRADECIMENTOS
So muitas as pessoas a quem devo agradecer. Pessoas que
colaboraram das formas mais diversas na realizao deste trabalho. Se aqui tivesse
de pr o nome de todas e descrever suas contribuies, certamente no haveria
espao. Arrisco citar apenas algumas, ciente de que no fao justia a muitas
outras.
Diretamente relacionada minha pesquisa, agradeo Professora
Doutora Anna Maria Marques Cintra. Firme e ao mesmo tempo humana. Exemplo de
profissional. Permitiu-me tentar, experimentar e descobrir os caminhos a serem
trilhados na feitura deste trabalho.
Sou grata tambm Professora Doutora Nlvia Pantaleoni que, desde
o lato sensu, tem participado dos encerramentos de meus trabalhos acadmicos
com apontamentos oportunos e bem fundamentados.
No posso esquecer do Professor Doutor Joo Hilton Sayeg de
Siqueira que, com seu jeito todo especial de fornecer sugestes, concedeu-me
indelveis contribuies, no momento da qualificao.
Agradeo, tambm, aos colegas do Grupo de Pesquisa: Estudos da
Linguagem para o Ensino do Portugus (GELEP), que me ajudaram a rever o projeto
de pesquisa.
No posso, de forma alguma, esquecer de todos aqueles que
estiveram ao meu lado, seja por terem comigo um vnculo afetivo ou profissional.
Assim, agradeo ao meu pai, Eduardo, por ser exemplo de determinao e
persistncia. minha me, Cleusa, por me ensinar valores. Ao Clber, meu amado
esposo, pelo apoio e pacincia. Rose, minha irm de sangue, e Bia e Lu, irms
de corao. Orminda e ao Massahaki. Ainda, aos colegas da EE Leonice de
Aquino Oliveira , que me entenderam e apoiaram durante todo o processo
acadmico, bem como aos da Diretoria de Ensino da Regio de Miracatu , onde fui
contagiada pelo desejo de entender mais a leitura.
4
RESUMO
Esta pesquisa, sob a perspectiva da prova do SARESP, trata da anlise dos
possveis motivos que levam alunos do ensino fundamental a apresentar
dificuldades no entendimento de inferncias. Fundada em dois objetivos, a
dissertao busca verificar o que a abordagem conferida pelo SARESP s questes
inferenciais indica acerca da competncia leitora e analisar de que forma essa
avaliao aborda os textos e trabalha as questes que verificam a depreenso de
inferncias.
A pergunta fundamental diz respeito a como se apresentam, nas provas do
SARESP, os textos e as questes que verificam a habilidade de inferenciao de
uma informao implcita, e o que isso indica acerca da competncia leitora
requerida por essa avaliao no que se refere habilidade analisada. O corpus
submetido anlise compe-se de textos e questes que incidem sobre a habilidade
de inferir uma informao implcita em um texto em provas do SARESP, referentes
aos anos de 2003 e 2004.
O resultado da pesquisa revelou que as dificuldades apresentadas
pelos alunos em relao competncia leitora no que concerne ao processo
inferencial no so exclusivamente responsabilidade do aluno. A forma como a
prova se estrutura, como so propostos os textos trabalhados e como so
elaboradas as questes, tambm dificulta a compreenso e, por conseguinte,
interfere na competncia leitora no que concerne realizao de inferncias.
Palavras-chave: Inferncia, Competncia leitora, Habilidades de leitura.
5
ABSTRACT
This research, under the perspective of SARESP test, analyses the main reasons
that make students from Basic Education have difficulties in understanding
inferences. Based in two targets, this research tries to verify what the approaching
conferred by SARESP to the questions shows about reading ability and analyze how
this evaluation approaches the texts and watches the questions that verify the
inferences.
The main question focuses in how the texts and questions presented in SARESP test
verify the ability of inference from implicit information, and what it means in relation to
reading ability required by this evaluation related to the analyzed ability. The corpus
of this research is composed by texts and questions which focuses the ability of
inferring implicit information from a text in SARESP evaluation, referring to the years
of 2003 and 2004.
The result of this research reveals that the difficulties present by the students related
to the reading ability concerned to the deduction process aren t exclusively students
responsibility. The way that the test is structured and the way the texts are proposed
and questions developed also interfere negatively in reading ability, concerning to the
inference process.
Key words: reading ability, inference, evaluation aproach.
6
SUMRIO
1
7
9
11
16
20
25
28
37
38
41
47
48
54
55
62
66
72
79
INTRODUO-----------------------------------------------------------------------------
CAPTULO I A LEITURA E O PROCESSO INFERENCIAL-------------------------------------
1.1. Abordagem sociocogntiva da leitura-------------------------------------------
1.2. A leitura como ponto de (des) encontro entre a concepo escolar e
a vivncia familiar-------------------------------------------------------------------------
1.3. O papel do professor-mediador--------------------------------------------------
1.4. A diversidade textual e o papel do professor mediador-------------------
1.5. Alfabetizado, mas no letrado----------------------------------------------------
1.6. Sobre implcitos e inferncias em um contexto sociocognitivo-
interacional----------------------------------------------------------------------------------
CAPTULO II A AVALIAO EDUCACIONAL E O SARESP------------------------------------
2.1. A concepo avaliativa do sculo XVII e a regulao da
aprendizagem do sculo XXI-----------------------------------------------------------
2.2. Concepes de avaliao presentes no SARESP--------------------------
2.3. As noes de teste, medida e avaliao dos dados pelo SARESP----
2.4. A avaliao dos dados obtidos pelo SARESP-------------------------------
CAPTULO III
CONSIDERAES SOBRE COMPETNCIA E HABILIDADE---------------
3.1. Competncia: capacidade e mobilizao-------------------------------------
3.2. Competncia, esquema ou habilidade?---------------------------------------
3.3. A escola e o desenvolvimento das competncias e habilidades--------
3.4. Competncias e habilidades no SARESP------------------------------------
3.5. Competncias e habilidades no SARESP: a busca por respostas-----
7
CAPTULO IV ANLISE E DISCUSSO DE DADOS-----------------------------------------------
4.1. Habilidade de inferir uma informao implcita no texto 2003---
4.2. Habilidade de inferir uma informao implcita no texto 2004---
CONCLUSO------------------------------------------------------------------------------
BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------
ANEXOS-------------------------------------------------------------------------------------
84
89
108
125
133
139
1
INTRODUO
conhecimento partilhado o fato de ser impossvel deixar de ler em um
mundo globalizado. As fronteiras culturais foram ampliadas por meio da interligao
dos mercados internacionais. Esse fato, de mbito to abrangente, reforou a
importncia da leitura. Se ler, em pocas passadas, era considerado privilgio de
alguns poucos escolarizados, hoje instrumento imprescindvel sobrevivncia do
homem moderno.
Tal afirmao j se tornou praticamente um clich. Da parecer
dispensvel falar sobre a importncia da leitura, tendo em vista as exigncias atuais.
Todavia, insistimos nessa temtica, pois embora haja muita discusso acerca da
leitura e nenhuma negao quanto a sua funo atual, estudos tm demonstrado
que essa modalidade, ao contrrio do que se cr, continua sendo fonte de amargura
a grande parte de indivduos que se vem confrontados com a tarefa de ler.
Poderamos, frente ao que vem ocorrendo, tentar fechar os olhos realidade, mas
como, se pesquisas demonstram, a cada dia, a radiografia de nossa situao
leitora?
De acordo com dados fornecidos por rgos ligados ao assunto
CBL
(Cmara Brasileira do Livro), INAF (Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional),
MEC (Ministrio da Educao e Cultura) e IBL (Instituto Brasil Leitor)
os brasileiros
lem, em mdia, 1,8 livros por ano, enquanto na Frana, lem-se 7; nos EUA, 5,1;
na Itlia, 5 e, na Inglaterra, 4,9 livros, anualmente. Quanto decodificao e
compreenso, constatou-se que 8% da populao brasileira analfabeta; 30%
localiza informaes simples em uma frase; 37% localiza informaes em um texto
curto e apenas 25% estabelece relaes de informaes dentro de textos longos (Cf.
UNIMEP, 2002; Bencini, 2006).
Tais dados, embora desconhecidos de muitos, no surpreendem
aqueles que possuem alguma relao com o trabalho pedaggico. A questo da
alfabetizao, to amplamente discutida no sculo passado, tem cedido lugar a uma
preocupao de nvel mais complexo. Com o incentivo educao formal e,
2
conseqentemente, leitura e escrita, um novo fenmeno tornou-se realidade:
muitas pessoas aprenderam a decodificar o smbolo grfico, mas no a atribuir
sentido ao que lem, nem tampouco utilizar os conhecimentos provenientes da
leitura e da escrita em situaes que lhe so impostas socialmente, o que nos
remete noo de letramento, ou seja, embora haja o domnio da tcnica do ler e do
escrever por parte de determinados indivduos, estes no conseguem apropriar-se
dessas modalidades como prticas sociais1.
Anteriormente, quando s a questo de se saber grafar e decodificar o
signo era exigido pelas demandas sociais, essas habilidades eram aceitveis. No
entanto, por conta das exigncias impostas pela sociedade do conhecimento , saber
somente grafar e decodificar no mais suficiente para que um indivduo possa
cumprir as exigncias que lhe so impostas atualmente. Da os resultados que tanto
transtorno tm causado aos responsveis pelas polticas educacionais no pas.
S para se mencionar um exemplo, o site oficial do Exame Nacional do
Ensino Mdio (ENEM), no ano de 2003, divulgou a seguinte nota em relao ao
exame naquele ano: Estudantes apresentam desempenho regular no ENEM.
Partindo do pressuposto de que o ENEM visa avaliar o desempenho em leitura e
escrita de alunos da escola mdia, e que os jovens de tal segmento obtiveram
desempenho regular, fica atestada a incompatibilidade entre a noo de ser
alfabetizado e de saber realmente depreender o sentido do que se l ou produz.
Cremos, tendo em vista a srie em que se encontravam esses jovens, que todos
dominavam as habilidades bsicas em leitura e escrita, mas nem por isso foram
capazes de obter um desempenho satisfatrio na avaliao a que se submeteram.
Casos similares tm sido observados em outras avaliaes, como as
do Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar do Estado de So Paulo
(SARESP), por exemplo nosso objeto de pesquisa.
Essa avaliao, no decorrer dos anos de sua aplicao, tem
confirmado, por meio de seus resultados, as estatsticas acima. No entanto,
devemos atentar para o fato de que, ao se observar dados de uma avaliao, leva-
se em considerao somente o que os alunos no sabem, no dominam;
1 A questo do letramento ser abordada com mais detalhes no Captulo I.
3
dificilmente, pra-se para observar como essas avaliaes se estruturam, quais
concepes tericas e metodolgicas lhes so subjacentes, o que demonstram
esperar dos avaliados. Esses aspectos poderiam contribuir na definio de uma
linha de trabalho voltada superao das dificuldades apresentadas.
SARESP, ENEM e rgos ligados ao assunto podem fornecer as
bases para que entendamos o que realmente tem ocorrido com a leitura nos ltimos
tempos. Por que a competncia leitora continua a ser termo tcnico de guias de
referncia e no atitude de nossos jovens? A questo complexa, sabemos, mas
cremos que possua resposta; e parte dessa resposta pode ser obtida ao voltarmos
nossa ateno a essas avaliaes. Se so elas que tm nos mostrado os problemas,
por que no procurar nelas as pistas para a soluo?
Com esse objetivo nos voltamos para uma das avaliaes
mencionadas: o SARESP. A opo por essa avaliao deve-se ao nmero de alunos
que tm sido avaliados
cerca de seis milhes, anualmente
e ao fato de avaliar,
nos ltimos anos, toda a educao bsica
perodo formado, segundo a Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (1996), pela educao infantil, ensino
fundamental e ensino mdio
o que nos oferece grandes oportunidades de
pesquisa, embora tenhamos optado por focar apenas o ensino fundamental, Ciclo II,
ou seja, 5 a 8 sries.
Na busca por pistas sobre as causas de dificuldade de leitura,
comeamos a observar tudo que dizia respeito a essa avaliao; e foi analisando
dados da Diretoria de Ensino de Miracatu, interior do Estado, referentes ao SARESP
de 2004, que notamos que de forma recorrente a habilidade de inferir uma
informao implcita no texto, uma dentre vrias outras verificadas ano a ano pelo
SARESP, demonstrava no ser dominada por uma ampla gama de alunos avaliados.
Esse aspecto em muito nos chamou a ateno. Resolvemos observar
os dados de anos anteriores e confirmamos a recorrncia da situao. Isso nos
direcionou a um trabalho voltado regio, de acordo com algumas hipteses
levantadas inicialmente. Mas ao observarmos dados mais amplos, em nvel de
coordenadorias
Coordenadoria de Ensino do Interior (CEI) e Coordenadoria de
Ensino da Regio Metropolitana da Grande So Paulo (COGESP) , descartamos as
4
primeiras hipteses ao perceber que a dificuldade em se inferir uma informao
implcita no se restringia Diretoria de Miracatu. Essa questo pareceu-nos
bastante sria, j que, segundo Marcuschi, (1999:99) num texto h muito mais de
implcito, de modo que um leitor competente dever, em primeira instncia, captar as
intenes do autor, partindo do input lingstico. Se num texto h muito mais de
implcito que deve ser captado, e nossos alunos demonstram no saber fazer isso,
temos certamente uma situao que merece ateno.
As inferncias exercem um papel crucial na compreenso desses
implcitos. Embora seja muito discutida, notamos que essa estratgia2, que no
SARESP se apresenta sob a forma de habilidade, continua a ser um n no que
concerne depreenso de informaes textuais implcitas. Entender por que esse
n continua existindo nos interessou, pois s por meio de sua compreenso que
podemos criar mecanismos de superao.
Poderamos tentar desvendar o enigma de duas formas: estudar o
processo inferencial a partir das representaes dos alunos submetidos prova, o
que demandaria tempo e conhecimentos profundos acerca da psicologia da
aprendizagem, dado o intrincado processo cognitivo envolvendo tal ao; ou,
debruarmo-nos sobre o material lingstico usado na avaliao de leitura.
Optamos pela segunda, pois entender o prprio material
sua
estrutura e, por conseguinte, a concepo de competncia leitora no que se refere
inferncia de uma informao implcita no texto, na avaliao do SARESP, pode nos
indicar quais aspectos ou conhecimentos so requeridos do aluno avaliado e que,
por provavelmente no serem dominados, estariam interferindo na compreenso das
informaes lidas, em especial na leitura de questes que testam a habilidade de
inferenciao. Cremos que isso nos levar a entender no s a leitura de
informaes implcitas do ponto de vista de tal instrumento, como delimitar o que os
alunos no dominam, fato que poder facilitar o desenvolvimento posterior de um
trabalho voltado superao das dificuldades do leitor submetido prova.
2 Estratgia conceituada por Kleiman (2002a) como uma operao regular para abordar o texto; e as inferncias fazem parte do que ela concebe como estratgia.
5
Tendo em vista o que esboamos, nossa pergunta fundamental foi:
Como se apresentam, nas provas do SARESP, os textos e as questes que
verificam a habilidade de inferir uma informao implcita no texto, e o que isso
indica acerca da competncia leitora requerida por essa avaliao no que se refere
habilidade analisada?
Para responder a essa questo, propusemos uma anlise dos textos e
questes que incidiram sobre a habilidade de inferir uma informao implcita no
SARESP de 2003 e 2004; de 5 a 8 sries do Ensino Fundamental. Analisar dois
anos nos proporcionou uma viso mais segura acerca dessa avaliao e, por
conseguinte, da leitura presente nela.
Os objetivos da pesquisa foram assim delineados:
1. Verificar o que a abordagem conferida pelo SARESP s questes inferenciais
indica acerca da competncia leitora relacionada habilidade de inferir uma
informao implcita no texto.
2. Analisar como o SARESP trabalha os textos e as questes que verificam a
compreenso de inferncias.
As dificuldades sentidas na depreenso de informaes implcitas no
SARESP nos levaram a levantar duas hipteses, a saber:
1. Dada sua abrangncia, o SARESP est estruturado de forma a mensurar uma
macro capacidade leitora (capacidade de sntese, reconhecimento e relacionamento
de informaes), fato que exclui grande parte dos alunos devido sua inaptido em
utilizar adequadamente recursos cognitivos (de nvel inconsciente) e metacognitivos
(de nvel consciente) disponveis.
2. O SARESP possui uma concepo de leitor detentor de um considervel
repertrio lingstico-cultural, fato que no coaduna com a realidade avaliada.
No intuito de averiguar essas hipteses e atingir os objetivos
levantados, discutimos a questo da leitura, bem como aspectos referentes a ela,
como o contexto avaliativo e o das competncias e habilidades, nos quatro captulos
que compem este estudo.
6
No primeiro captulo tratamos do que envolve o ato de ler, desde os
mecanismos cognitivos requeridos por tal ao at as situaes e os contextos que,
de forma direta ou indireta, exercem algum tipo de influncia sobre a habilidade de
leitura. Julgamos que, mesmo ao buscarmos respostas para entender as
dificuldades de leitura no material lingstico fornecido pela prova do SARESP,
conhecer o contexto leitor dos alunos avaliados, as oportunidades e os desafios com
os quais se deparam, ainda que em um mbito mais geral, pode nos fornecer uma
viso mais abrangente acerca da competncia leitora requerida pelo Sistema de
Avaliao3, j que a avaliao realizada com base no que se pressupe que os
alunos tenham desenvolvido, ou adquirido, em seu contexto scio-cultural.
Como o conhecimento do contexto situacional em que a leitura
veiculada contribui para sua melhor compreenso, o segundo captulo aborda a
concepo avaliativa presente no SARESP. Partimos de estudos de pesquisadores
no assunto e buscamos observar a Avaliao luz das concepes levantadas.
O terceiro, por sua vez, trata das noes de competncia e
habilidade e como essas se apresentam na Avaliao. De forma semelhante ao que
fizemos no captulo anterior, respaldamo-nos em estudos sobre essa abordagem e,
valendo-nos de documentos fornecidos pelo SARESP, buscamos delimitar sua
concepo concernente a esses elementos.
O quarto captulo destinado anlise e discusso de dados.
Utilizando um recorte de textos e questes que mensuram a inferncia de uma
informao implcita no texto, analisamos a competncia leitora requerida pelo
SARESP no que se refere a essa habilidade.
Conclumos nosso trabalho por considerar o que os levantamentos
realizados nos mostraram acerca da competncia leitora, requerida pelo SARESP,
em relao habilidade de inferir uma informao implcita no texto.
3 A avaliao do SARESP poder aparecer, neste trabalho, tambm referida como Sistema de Avaliao ou simplesmente Sistema .
7
CAPTULO I
A LEITURA E O PROCESSO INFERENCIAL
Talvez nunca antes, na Histria, tenha havido tanta discusso acerca
da leitura, no Brasil. Ler, no passado, era definido de forma bastante simples: ou se
sabia ler ou no se sabia; ou um indivduo era alfabetizado ou no era. O contexto
social de pocas passadas era objetivo a esse respeito, j que, de acordo com
Mortatti (2004), cerca de 85% da populao do sculo XIX era analfabeta, isto , no
sabia nem ler nem escrever convencionalmente por no compreender a base
alfabtica da lngua escrita. Assim, a questo no dava margem a grandes dilemas.
Mas esse aparente paraso conceitual passou a se tornar menos
tranqilo ao passo que a sociedade evoluiu e a oportunidade de educao formal foi
tornada possvel aos que antes no tinham acesso a ela.
De acordo com Mortatti (2004:69), a abertura poltica a partir do final da
dcada de 70 e incio de 80, do sculo passado, e a conseqente evoluo
econmico-social propiciada em nosso pas pelo fim da ditadura militar iniciada em
64, trouxe a necessidade de conhecimentos especficos, obtidos, na maioria das
vezes, por meio de leituras mais especializadas, j que era preciso responder s
novas exigncias sociais e polticas decorrentes das presses pela abertura
poltica e pela reorganizao democrtica das instituies e relaes sociais. Isso
demandava de quem o fazia habilidades que fugiam mera relao grafema-
fonema.
A democratizao do ensino, outro fator desencadeador de
mudanas na concepo de leitura, permitiu o acesso de muitos aos meios
escolarizados. Quando no passado eram poucos os que conseguiam ingressar e
permanecer na escola, a mera codificao e decodificao de smbolos grficos
parecia bastar grande maioria dos cidados. No entanto, esse acesso
escolaridade formal e permanncia de alunos, que antes saam da escola sem
terminar os estudos obrigatrios, comeou a demonstrar que s saber codificar e
8
decodificar no era suficiente, j que muitos em sries avanadas, apesar de
dominarem as habilidades tcnicas do ler e escrever, no conseguiam atribuir
sentido ao material escrito. Isso evidenciou que a concepo de leitura deveria ser
ampliada. A esse respeito, Mortatti (2004:34) afirma que
houve mudanas substanciais na relao entre analfabetismo e
alfabetizao, assim como nos conceitos e prticas envolvidos e sua
relao com a escola e a educao. Essas mudanas esto
relacionadas com as condies de desenvolvimento social, cultural,
econmico e poltico que trouxeram novas necessidades, fazendo
aflorar novos fenmenos e novas responsabilidades. De fato, ainda
preciso aprender a ler e escrever, mas a alfabetizao, entendida
como aquisio de habilidades de mera decodificao e codificao
da linguagem escrita e as correspondentes dicotomias analfabetismo
x alfabetizao e analfabeto x alfabetizado no bastam...mais.
Diante da necessidade de se ampliar a viso acerca da leitura e
escrita, inmeros pesquisadores passaram a se dedicar ao estudo de uma
modalidade ou outra e, em alguns casos, ao estudo de ambas. Neste trabalho, no
entanto, daremos ateno especial leitura. Para tanto, propomos, neste captulo,
analisar o que envolve o ato de ler, desde os mecanismos cognitivos requeridos por
tal ao at as situaes e os contextos que, de forma direta ou indireta, exercem
algum tipo de influncia sobre a habilidade de leitura. Para a execuo de nosso
trabalho, faremos uso de informaes provenientes da abordagem sociocognitiva,
que tem como representantes, entre outros, Kleiman (2002a, b), Koch (1993, 2000,
2002, 2004), Koch e Travaglia (1989), Smith (1999), van Dijk (2000).
A necessidade de entender o papel da famlia e de um fenmeno
aparentemente novo, o letramento, sobre as habilidades de leitura de um indivduo,
levaram-nos, basicamente, aos estudos de Terzi (2001), Soares (2004).
Como todo texto marcado por sua incompletude, conforme bem
afirma Chiappini (2001:18), deter-nos-emos, inicialmente, no no texto em si, mas no
papel que o leitor exerce em suplantar essa incompletude e atribuir sentido ao que
l.
9
1.1. Abordagem sociocognitiva da leitura
Muitos profissionais, que militam em escolas, ainda se surpreendem ao
saberem que, para que a leitura realmente se efetive, no se deve considerar
somente o material escrito, mas tambm o conhecimento do sujeito que a realiza.
O fato de no entenderem o que envolve esse ato, quais seus objetivos
e dimenses, bem como o papel desempenhado pelo prprio leitor, contribui para
que a leitura continue sendo uma modalidade envolta em uma espcie de aura
misteriosa, que leva muitos a crer que seu domnio seja privilgio de alguns poucos
que j nasceram com uma certa aptido leitora, ou seja, indivduos que sem muito
esforo conseguem atribuir sentido ao que lem e se sair bem em tarefas que
exigem a leitura, enquanto a grande maioria tem de se contentar com o fracasso
frente s atividades que a envolvem. No entanto, tal conceito no corresponde ao
que postulado por especialistas no assunto, conforme veremos.
Com efeito, ler, de acordo com Kleiman (2002b), envolve a
complexidade do ato de compreender; e compreender, por sua vez, relaciona-se
capacidade de apropriao do sentido mais amplo de uma determinada proposio.
Essa apropriao do sentido mais amplo, ou compreenso, implica, de acordo com
van Dijk (1943, apr. e org. Koch, 2000:15), no somente o processamento e
interpretao de informaes exteriores, mas tambm a ativao de informaes
internas e cognitivas. Essas informaes, tambm definidas como conhecimentos
prvios, referem-se a conhecimentos, armazenados na memria de longo prazo de
cada indivduo4, provenientes de experincias pessoais ou do ambiente social em
que o sujeito se insere.
Ler, portanto, envolve, alm das informaes exteriores, que se
encontram grafadas no prprio material, a ativao de conhecimentos internalizados
tanto sobre o que versa o assunto da leitura quanto sobre aspectos lingsticos e
superestruturais.Todavia, o fato de se possuir conhecimentos sobre determinados
4 Estudos demonstram que possumos nveis de memria, sistematizados em: curto, mdio (ou de trabalho) e longo prazo, cada uma responsvel por desempenhar uma funo. Mais informaes podem ser obtidas mediante verificao de van Dijk (2000), Smith (1999), Koch (2002).
10
aspectos da leitura no garantia de que ela se efetive, j que, de acordo com Koch
(2002), ler envolve a realizao de clculos mentais para que haja o relacionamento
entre as informaes fornecidas textualmente com os conhecimentos do leitor, o que
implica uma postura ativa por parte de quem l.
Essa postura permite que o leitor se coloque como agente do
processo, o que possibilita que faa uso dos sistemas de conhecimento, bem como
de outros recursos cognitivos e metacognitivos de forma oportuna e adequada,
possibilitando, por exemplo, que seu conhecimento lingstico
o que ele conhece
sobre a lngua, tanto de modo formal quanto informal
seja usado no apenas para
completar lacunas em exerccios mecnicos, mas para articular informaes textuais
e resgatar pistas lingsticas, no intuito de chegar s informaes mais globais
durante a leitura. De maneira semelhante, os conhecimentos enciclopdico e scio-
interacional
referentes a assuntos gerais e relativos s noes de interao verbal,
respectivamente
podem ser usados no como elementos de classificao de
textos ou demonstrao de grande aparato intelectual, mas como meios de interao
com o objeto de leitura.
Portanto, ler uma atividade bem mais complexa do que muitos
imaginam, necessitando de direcionamento. Isso implica um olhar atento por parte
dos profissionais da educao; em especial, por parte daqueles que trabalham com
questes lingsticas. No entanto, h na organizao voltada ao desenvolvimento
leitor alguns entraves. Um deles diz respeito ao fato de informaes sobre o que
envolve o ato de ler nem sempre chegar aos principais envolvidos: alunos e
professores.
Apesar de serem realizados inmeros estudos acerca dos sistemas de
conhecimento (lingstico, enciclopdico, scio-interacional), modelos cognitivos
(frames, scripts5, etc.), bem como o papel exercido pelos nveis de memria (curto,
5 Tanto os frames quantos os scripts fazem parte dos conhecimentos representados sob a forma de modelos cognitivos e se encontram na memria de longo prazo. Os frames se referem a conhecimentos mais generalizados e se apresentam como conceitos globais de um determinado referente do mundo - acidente, aniversrio, Natal, por exemplo
sem seguir uma ordem pr-estabelecida. Os scripts, por sua vez, referem-se a planos utilizados para especificar os papis que os indivduos desempenham em determinadas situaes; por exemplo, nosso comportamento em uma cerimnia religiosa, jri, etc. Mais informaes podem ser obtidas mediante verificao de van Dijk (2000), Koch (2002).
11
mdio e longo prazos)
s para mencionar alguns
essas informaes no so,
ainda, conhecimentos partilhados por todos os profissionais da educao; mesmo os
que trabalham com aspectos lingsticos.
Embora as informaes acerca da leitura no assegurem a resoluo,
por completo, dos problemas relativos a essa modalidade, certamente, entender
como um determinado processo ocorre fornece aos envolvidos a oportunidade de
interveno em aspectos ligados a ele. Assim, o conhecimento sobre o ato de ler
possibilita a criao de mecanismos de superao de determinados obstculos. Por
ser o mbito escolar destinado sistematicidade do conhecimento, podemos
entender que seria esse o lugar mais indicado para um trabalho direcionado
teoricamente para o desenvolvimento leitor.
Todavia, com o avano tecnolgico, outras entidades tm contribudo,
ainda que de forma indireta, com a leitura. Uma delas a prpria entidade familiar.
Apesar de a escola ainda ser, para a grande maioria da populao, o lugar
privilegiado para se tomar contato com a leitura
da a importncia de se possuir
conhecimentos adequados sobre essa modalidade
atualmente, h famlias que,
dispondo de recursos vrios para acessar informao, conseguem, apesar das
dificuldades, dar suporte consistente para que o jovem desenvolva naturalmente
estratgias de leitura fora da escola. A influncia familiar, pesquisada por alguns
estudiosos, parece ter efeito sobre as habilidades de leitura de um indivduo. Neste
aspecto, analisaremos, com mais detalhes, a relao da escola e do meio familiar no
desenvolvimento da habilidade de leitura de um indivduo.
1.2. A leitura como ponto de (des)encontro entre a concepo escolar e a
vivncia familiar
No raro, cr-se que a escola seja a principal agncia de leitura. No
entanto, pesquisas sugerem que deveria ser a famlia a primeira a se responsabilizar
por tal modalidade nos primeiros anos da vida de um indivduo. O ambiente casual,
12
livre das convenes escolares, confere leitura um carter prazeroso, contribuindo
para as futuras concepes que a criana adquirir acerca dessa modalidade.
Em sua pesquisa com estudantes de periferia, Terzi (2001)
diagnosticou que as crianas que tinham oportunidades de vivenciar a leitura pela
mediao de um adulto, antes mesmo de receber a educao escolar formal, depois
de ingressar na escola conseguiam desenvolver as atividades de leitura propostas
em sala de aula por possurem um arcabouo das histrias que ouviam. Mas que
dizer daquelas desprovidas de tais oportunidades? Segundo a autora, crianas que
no tiveram a possibilidade de vivenciar situaes de leitura precocemente, ao
comearem estudar no conseguiam perceber a funo da escrita e da leitura e,
tendo como nico modelo o professor, acabavam incorporando a concepo que
lhes era fornecida pelas prticas didticas deste.
Muitas concepes disseminadas em mbito escolar no condizem
com o que solicitado aos estudantes. Solicita-se que o aluno saiba ler e interpretar,
entender o que est implcito e perceber a funo social do texto, mas no so
proporcionadas oportunidades para que ele desenvolva essas habilidades. No
sabendo como faz-lo, ao ser solicitado a realizar uma das tarefas apresentadas
acima, por exemplo, o jovem tem de se amparar em estratgias, muitas vezes,
intuitivas, j que no possui conhecimento formal sobre como realizar o que lhe
exigido. De acordo com Terzi (2001:76), por ter incorporado a viso da escola uma
viso geralmente mecanicista
quando solicitado a interpretar uma informao, o
jovem leitor acaba criando estratgias centradas na palavra, o que pouco contribui
para se chegar coerncia global do texto.
Em contrapartida, o jovem que teve contato com a leitura desde cedo
adquire experincias que lhe facultam melhores condies para construir uma viso
textual ampla. Assim, pode assumir o texto como objeto de interao e compreend-
lo para alm de respostas a perguntas de localizao de informaes, extraindo dele
o sentido da totalidade. E, ao se deparar com problemas que exigem a articulao
de informaes mais globais ou o levantamento de elementos implcitos, consegue
articular estratgias adequadas sua resoluo.
13
Infelizmente, em nosso pas, por conta de sua estrutura cultural-
poltico-social, o nmero de famlias que consegue dispor de livros, e de tempo
tambm, para incentivar seus filhos prtica da leitura reduzido. Alm disso, h o
problema da valorizao dessa modalidade. Normalmente, crianas de lares com
poucas oportunidades de leitura no encontram nos pais o incentivo para reverter
essa situao. Jovens de lares cujos membros no tiveram um histrico leitor
satisfatrio
no tiveram oportunidades de ler, seja por no terem freqentado a
escola ou por no terem tido a possibilidade de ter contato com materiais como
livros, revistas, jornais acabam sendo influenciados pela atitude dos mais velhos, o
que redunda em no conferirem valor a essa atividade.
Dessa forma, instaura-se uma situao circular: os pais no lem; por
conseguinte, os filhos tambm no lem. Quando mencionamos que tanto os pais
quanto os filhos no lem, referimo-nos a leituras mais contemplativas, como livros;
e moventes de cunho social, como jornais e revistas. Leituras prticas, como a de
uma bula de remdio ou a de uma receita, so realizadas, mas s quando a situao
exige, o que as torna, por vezes, espordicas.
No entanto, quando na melhor das hipteses essas famlias, por no
saberem como contribuir em nvel pessoal para a formao leitora dos filhos,
delegam escola esse trabalho, por entenderem que o ambiente escolar possui
meios adequados a essa formao, surge o entrave de o trabalho desenvolvido em
nossas escolas com leitura ser insatisfatrio, conforme j mencionado. Atentemos a
essa questo.
Kleiman (2002a) postula que o ensino da leitura se reduz, muitas
vezes, ao ensino de gramtica, contribuindo para a desmotivao daqueles que tm
na escola a nica oportunidade de desenvolver seu esprito leitor. Como se no
bastasse isso, a sociedade como um todo acaba incorporando essa idia. Assim,
muitos concursos reproduzem em suas questes a concepo de que entender um
texto entender a gramtica ali presente.
Quanto ao mbito escolar, encontramos professores que afirmam no
associar gramtica leitura, mas de um modo geral tm trabalhado essa modalidade
de duas maneiras: ou oralmente, de forma mecnica, em que se valoriza a mera
14
decodificao e articulao das palavras; ou silenciosamente, por meio de exerccios
de livros didticos que, embora recebam o nome de compreenso ou interpretao,
limitam-se a verificar se o aluno capaz de localizar informaes no texto ou
simplesmente emitir sua opinio quanto ao assunto tratado. Esse tipo de abordagem
no se d de forma estanque, visto que comumente encontramos livros que ao invs
de proporem atividades de desenvolvimento da competncia leitora, reduzem-na a
atividades de verificao de informaes, to-somente. E o mais grave: muitos
desses livros entram no mbito escolar com o aval de rgos responsveis por sua
seleo.
O Guia de Livros Didticos (2005) tem por funo selecionar livros
didticos que podero ser utilizados em mbito escolar. Estes so divididos em trs
categorias, que compreendem os indicados com muitas ressalvas, indicados com
algumas ressalvas e os indicados sem nenhuma ressalva. Assim, so colocados
diante do educador indicaes de materiais de qualidade duvidosa, j que h
ressalvas em relao a alguns deles. Pode-se objetar dizendo que o professor tem a
possibilidade de escolha, o que, em tese, verdadeiro, mas na prtica no isso
que ocorre, pois grande parte dos professores no tem acesso ao Guia.
Quando na poca do Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD),
coordenadores, diretores so convocados, como representantes, a uma reunio
sobre a escolha desse material. Sua funo posterior repassar as informaes
sobre a escolha do livro aos professores. Isso, porm, feito, na ampla maioria das
vezes, por meio do chamado boca a boca . Comumente so distribudos livros
deixados por representantes de editoras
j que, por essa poca, no raro,
encontram-se equipes inteiras de editoras empenhadas em fazer a publicidade de
seus produtos
para que os professores os analisem e, por fim, com base em
suas impresses pessoais, faam a escolha do livro que mais lhes agradou.
Conforme temos visto em nossa prtica educacional, normalmente so
escolhidos os mais apresentveis visualmente. As ressalvas apresentadas pelo
Guia? Infelizmente isso no tem contado muito na hora da escolha, at porque os
professores no tm acesso a esse tipo de instruo, o que resulta na escolha de
materiais que, embora recebam o aval do Ministrio da Educao e Cultura (MEC),
15
possuem restries. O resultado se reflete em atividades de leitura que pouco
acrescentam ao universo educacional e leitor do educando.
H, no entanto, profissionais
embora poucos
que se apercebem do
equvoco de se trabalhar de forma estanque e mecanicista, superando at mesmo
as limitaes impostas pelo livro didtico, porm, como admite Kleiman (2002a), logo
so sobrepujados pela presso do sistema, tendo de se amoldar, muitas vezes, ao
que ditado pelo contexto escolar ou por imposies de rgos centrais. Dessa
forma, pouca coisa muda e a dificuldade em relao leitura permanece,
contribuindo para a excluso leitora daqueles que mais necessitam de uma boa
formao para superar limites impostos por questes scio-econmicas e culturais.
Terzi (2001) afirma que muitas crianas, quando comeam a
compreender o texto, adquirem a habilidade de parafrasear em nvel de sentena e
depois do texto como um todo. Entretanto, muitos leitores no chegam a adquirir a
habilidade de parafrasear nem no nvel da sentena, pois ao incorporarem a
concepo escolar de leitura, muitas vezes transmitida pelo livro didtico, no
conseguem criar suas prprias estratgias leitoras de superao das dificuldades.
Assim sendo, a circularidade permanece: quem provm de um
ambiente favorvel possui melhores condies para se tornar leitor, pois, por
conhecer, antes mesmo de aprender a ler e escrever convencionalmente, o sentido
e a funo social de tais modalidades pode desenvolver estratgias adequadas de
leitura e no ser levado a operar com uma concepo mecanicista presente em
questes livrescas , ou seja, atividades que no mobilizam os saberes do leitor nem
redundam em outros conhecimentos. Por outro lado, ao jovem provindo de um
ambiente pouco favorvel no que se refere ao desenvolvimento de estratgias de
superao da leitura inconsistente, resta o trabalho desenvolvido em mbito escolar,
que nem sempre corresponde suas necessidades, haja vista a concepo de
leitura que permeia esse contexto.
Todavia, aspectos podem ser observados no intuito de se amenizar
essa situao. O primeiro deles diz respeito a se conhecer as caractersticas e
dimenses do ato de ler, pois como informa Kleiman (2002a), as possibilidades de
se propor tarefas que trivializem esse ato so menores e, portanto, mais prximas do
16
alcance da formao de leitores. Assim, se o leitor for levado a ler com um objetivo
desde seus primeiros contatos com a leitura, se lhe for mostrado que grande parte
da responsabilidade pela compreenso depende no do texto escrito, mas de sua
habilidade em utilizar os recursos cognitivos disponveis para dialogar com o que
versa o texto, provavelmente haver um contingente maior de leitores proficientes.
Isso corrobora a necessidade de a escola apoiar-se em suportes tericos
consistentes no que se refere ao ato de ler, para fornecer as bases de um trabalho
direcionado ao desenvolvimento da competncia leitora, to focalizada hoje em
grandes avaliaes.
O segundo aspecto tem a ver diretamente com aqueles que podem ser
considerados peas-chave no desenvolvimento leitor de um indivduo: os
professores. De acordo com Perrenoud (2000a: 27), o que se conhece bem, se
enuncia claramente. Isso pressupe que o professor, em especial o de lngua
portuguesa, deva conhecer adequadamente sobre leitura, j que cabe a ele o
trabalho direto com o educando. Entretanto, para que bons trabalhos sejam
desenvolvidos, mais que um bom suporte terico, h a necessidade de se conceder
oportunidade para que o professor possa desincumbir-se de seu papel como
educador de forma adequada. Nesse aspecto, deter-nos-emos mais sobre sua
funo nos dias atuais.
1.3. O papel do professor-mediador
Abordar o trabalho do professor na poca atual no tarefa das mais
elementares. Se no passado, conforme Geraldi (2003:95,116), os professores eram
vistos como altamente capazes por vocao, hoje, para muitos, o trabalho do
professor aproxima-se cada vez mais do trabalho manual, j que, com uma
excessiva carga horria e no dispondo de tempo hbil para preparar suas aulas de
forma apropriada, tem de recorrer reproduo de informaes trazidas pelo livro
didtico que, de acordo com Geraldi (2003: 93), contribuiu para que se mudasse
qualitativamente a identidade e o trabalho do professor.
17
Essa identidade tambm foi afetada pela crescente inovao
tecnolgica. O desafio do professor no contexto vigente desenvolver tanto a sua
prpria competncia6 quanto a de seus alunos. Giz e lousa j esto se tornando
obsoletos. Diversos recursos tecnolgicos e facilidades de acesso a todo tipo de
informao permitem que um indivduo tenha acesso s informaes fora dos
bancos escolares. Assim, o papel do professor no mais o de mero transmissor de
informaes, j que estas podem ser encontradas em outros ambientes alm do
escolar. Sua funo hoje est em mediar, formular situaes de aprendizagem
significativas, mobilizar recursos cognitivos e metacognitivos, como veremos adiante.
Mas os desafios com os quais o professor se depara atualmente no se restringem a
atualizao tecnolgica. Concepes educacionais antiquadas, ainda presentes na
escola, chocam-se com novas metodologias educacionais e necessidades dos
alunos, resultando em situaes inadequadas do ponto de vista metodolgico.
Muitos jovens que antes no teriam acesso ou seriam excludos muito
cedo da educao formal, por conta da estrutura poltica do pas, permaneceram na
escola que, no entanto, de democrtica tem muito pouco, pois continua a ministrar o
mesmo contedo que foi idealizado para uma clientela que no existe mais
pelo
menos no na escola pblica brasileira. Silveira (1998:137) deixa isso bem evidente
quando afirma:
O ensino geral de lngua foi adequado quando o alunado era filho de
famlias elitistas, com alta escolaridade, representativas dos grupos
de poder que usam o padro real oral e o padro gramatical
normativo escrito. Este alunado, desde pequeno, aprende a norma
oral exemplar, em famlia, e vem escola aprender a modalidade
escrita; as dificuldades para esse aluno so menores, na medida em
que o padro real oral, que j vinha sendo adquirido, muito prximo
do padro escrito gramatical normativo. Atualmente, todavia, com a
socializao da escola brasileira, o alunado, em sua maioria, filho
de classes populares, com baixo grau de escolaridade e que usa,
como membro de seu grupo social, o padro nativo, que apenas
oral e est muito distante do padro real oral e do padro exemplar
escrito, usados e ensinados na e pela escola.
6 A noo de competncias ser abordada, posteriormente, no Captulo III.
18
O ensino de contedos
e dentre esses, os de lngua
desvinculados
da realidade do educando, que freqenta hoje a escola pblica, tem sido apontado
por especialistas como uma das causas de problemas de ordem comportamental na
escola. Segundo Aquino (1998:15), estudioso de questes comportamentais ligadas
escola, a indisciplina estaria ligada a aspectos da sala de aula que no estariam se
desenvolvendo de acordo com as expectativas dos envolvidos.
Embora possa parecer que caberia ao professor mudar essa situao,
importante lembrarmos que mesmo os mais determinados so, como afirma
Kleiman (2002a:17), sobrepujados pela presso do sistema escolar e acabam
desistindo de uma prtica alternativa ao se encontrarem dentro da estrutura de
poder da escola. Assim, de acordo com Perrenoud (2000b), a mudana deveria
partir do prprio sistema escolar que, diminuindo seus programas, contemplaria o
que significativo para o aluno.
Hoje, a questo de o professor ser o mediador da aprendizagem,
formulador de situaes significativas, gestor do processo de ensino e de
aprendizagem, segundo o perfil estabelecido pela Secretaria da Educao do
Estado de So Paulo (Cf. APEOESP 2005:4,6), no condiz com a realidade. O
professor recebe, em suas classes superlotadas, alunos dos mais diferentes perfis e
precisa trabalhar com eles de forma a atender s mais variadas necessidades.
Infelizmente, muitos profissionais tm tido dificuldade em trabalhar com a
heterogeneidade, seja pela dificuldade em si, seja pela falta de formao adequada.
O contexto de formao de nossos educadores est configurado, de
forma geral, com base em uma estrutura que visa fornecer ao futuro professor lies
meramente tericas, que, desarticuladas de um trabalho de aplicao prtica, pouco
contribuem para enfrentar os desafios da profisso. Um dos desafios diz respeito a
receber alunos em sries avanadas que pouco dominam a lngua escrita.
Segundo Telma Weisz (2000), muitos alunos chegam, praticamente,
analfabetos quarta srie. No raro, classes inteiras iniciam o segmento de quinta
oitava srie sem as competncias mnimas para trabalhar com textos mais
complexos. Assim, torna-se bastante rdua a tarefa do professor que, alm das
exigncias rotineiras que lhe so impostas, ainda se confronta com situaes para
19
as quais no possui as habilidades necessrias de resoluo, como alfabetizar
alunos de sries avanadas, por exemplo. Alm dessa, outras responsabilidades
foram-lhe delegadas. Tomemos, a ttulo de exemplificao, a incluso de alunos com
necessidades educacionais especiais.
A tarefa de desenvolver um trabalho de integrao com crianas com
necessidades educacionais especiais era destinada a instituies especializadas,
mas a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (1996), tal tarefa
passou a fazer parte das obrigaes da escola regular. O artigo 58 reza:
Entende-se por educao especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educao escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades
especiais.
Evidencia-se que os desafios com os quais o professor se defronta so
grandes. E entre eles est a leitura, certamente no facilitada diante da sobrecarga
de tarefas e do preparo, normalmente, deficiente. Sabe-se que, para se alcanar
sucesso, faz-se necessrio tempo, preparao, conhecimentos especficos. Assim,
parece haver um descompasso entre o que se espera que seja realizado e o que se
permite que realmente acontea.
Em um extremo, temos as grandes avaliaes, como o SARESP,
exigindo a demonstrao da competncia leitora; em outro, uma escola com
professores sobrecarregados de tarefas que tomam o tempo que deveria ser
destinado ao desenvolvimento dessa competncia. E em meio a isso tudo, o aluno,
que v roubado seu direito a uma educao de qualidade. O sistema educacional
espera um trabalho com nvel de excelncia por parte do educador, mas no se
permite isso, por falta de condies profissionais. Por isso, culpar o professor pelo
fracasso que se tem observado no trabalho com leitura no parece ser o caminho
mais acertado.
20
Certamente, h a necessidade de o professor conhecer o suporte
terico sobre leitura e dispor-se a trabalhar com ele em suas aulas, mas, para isso,
h que haver condies para que esse trabalho se efetive. Sobrecarreg-lo com
inmeras responsabilidades para as quais no est preparado em nada contribui
para o desenvolvimento de seu ofcio.
1.4. A diversidade textual e o papel do professor-mediador
A evoluo social e tecnolgica trouxe tambm a evoluo das
possibilidades de leitura. Podemos falar de um mundo antes da imprensa de
Gutenberg e outro depois. Temos de considerar que o surgimento de meios de
comunicao como rdio, tev, telefone e, mais recentemente, o computador e a
internet fizeram com que um grande nmero de possibilidades textuais surgisse.
Assim, partindo das idias de gnero do discurso, de Bakhtin (1952), diversos
autores passaram a se dedicar a esse estudo.
De acordo com Marcuschi (2002), impossvel definir com preciso os
gneros, dado seu carter multifacetado. Sob a tica desse pesquisador, os
gneros podem ser caracterizados segundo a posio que ocupam na sociedade,
sua funo social, e no de acordo com sua superestrutura e particularidades
lingsticas. Ainda, segundo ele, no so estticos; assim como surgem, podem
desaparecer.
Embora Marcuschi (2002:20) afirme que os gneros sejam de difcil
definio, refere-se a eles como textos que encontramos em nossa vida diria e que
apresentam caractersticas scio-comunicativas definidas por contedos,
propriedades funcionais, estilo e composio caracterstica. Assim, torna-se evidente
que o que define um gnero a situao comunicativa. E como as situaes
comunicativas a que temos acesso so infinitas, percebemos a complexidade de se
abordar um trabalho desse tipo.
21
Quando nos referimos a gneros, temos de ter em mente que no se
referem somente s formas de comunicao escritas. Bazerman (2005:31) refora
essa idia ao afirmar que os gneros tipificam muitas coisas alm da forma textual.
So parte do modo como os seres humanos do forma s atividades sociais. Toda
a complexidade que envolve os gneros no ficou fora do mbito escolar, j que de
acordo com Schneuwly e Dolz (1999:7) o gnero no mais instrumento de
comunicao somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de ensino/aprendizagem.
Poderamos ainda acrescentar, no s de ensino/aprendizagem, como de avaliao
tambm.
De acordo com o caderno SARESP 2002, da Secretaria da Educao
do Estado de So Paulo (2002:13), cuidou-se para que os contedos selecionados
... fossem prticos e contextualizados, bem como respondessem s necessidades
da vida contempornea. Isso evidencia uma certa preocupao em conferir aos
contedos, mais especificamente aos textos utilizados na prova, um carter social, o
que os aproxima da noo de gnero. H de se atentar, porm, que na Matriz de
especificao
leitura e escrita de 2003, publicada no caderno SARESP 2003, da
Secretaria da Educao do Estado de So Paulo (2003:84-87;89, 91-95), e
disponibilizada no site oficial da educao, misturam-se termos que fazem referncia
aos tipos textuais com os que se referem a gneros.
Na tabela da Matriz de especificao, so encontradas, debaixo do
tpico Texto, as designaes narrativo
considerado por especialistas no assunto
como tipo textual
e propaganda, notcia, entre outros
considerados gneros,
dado seu carter social. Nos denominados narrativos, pudemos constatar que
estavam gneros como crnica e conto. A confuso de termos, no entanto, no
impediu, conforme pudemos perceber, que o SARESP se valesse de textos de
circulao social, redundando, no final, na aparente utilizao de gneros.
Em 2004, houve alteraes nas Matrizes de especificao e, assim,
logo na coluna de textos, encontramos a denominao Agrupamento de gneros de
texto por domnios discursivos7. Nessa coluna, os gneros parecem ter sido
agrupados com base na funo social que desempenham. Assim sendo, foram
7 Essa informao pode ser verificada no site oficial da educao: www.educacao.sp.gov.br.
http://www.educacao.sp.gov.br22
posicionados como literrio (crnica, conto, fbula, poema), escolar (artigo de
divulgao cientfica), jornalstico (notcia), publicitrio (propaganda),
jornalstico/escolar (receitas, regras de jogo, roteiro de experimento cientfico, roteiro
para confeco de objetos, grfico, tabela), literrio de entretenimento (HQ).
Concernente especificao do gnero escolar, h uma nota de
rodap que explica que a denominao Escolar identifica a escola como uma
esfera social que utiliza textos que somente nela circulam e ainda, por sua natureza,
explora outros gneros que circulam tambm em outras esferas. Vale notar que
todos os textos utilizados nas provas de 2004 pertenciam, anteriormente, a
contextos de circulao social. Nenhum era de uso exclusivo da escola, como a nota
exprime. Os artigos de divulgao cientfica, colocados como escolar, eram
provenientes de fontes como revistas e jornais de grande circulao. Da no
entendermos por que motivo foram considerados escolares e por que se afirmou que
esses textos somente nela, escola, circulam.
O que vale, no entanto, em relao ao gnero que o SARESP parece
se preocupar com essa questo. Embora haja momentos, como o que aconteceu em
2003, em que tipo e gnero so tomados um pelo outro, nota-se, na afirmao de
selecionar contedos prticos e contextualizados e que respondam s necessidades
da vida contempornea, conforme o caderno SARESP 2002, da Secretaria da
Educao do Estado de So Paulo (2002:13), uma preocupao em oferecer ao
aluno avaliado leituras prximas das que circulam socialmente.
importante notar que os gneros privilegiados pelo SARESP oscilam
em torno de textos de suporte impresso. No encontramos textos transcritos de
telejornais, extrados da Web ou de correios eletrnicos, o que comumente j se v
em livros didticos usados em muitas escolas pblicas. Talvez a ressalva esteja no
fato de se pressupor que nem todos os alunos teriam acesso a tais gneros, o que
os distanciaria dos textos e poderia, de alguma forma, ser motivo de transtorno aos
avaliados. Essa apenas uma conjectura; o concreto que no temos informaes
precisas acerca disso e, visto que tal informao no nos imprescindvel para a
continuidade deste trabalho, no nos debruaremos sobre esse aspecto. O que
sabemos, realmente, que os gneros foram extrados de suportes impressos e
aparecem sob a modalidade escrita, o que exige do aluno, na maioria das vezes,
23
uma leitura atenta, j que as questes a serem respondidas oscilaro em torno do
texto lido.
Por serem objeto de ensino e aprendizagem tambm em mbito
avaliativo, os gneros merecem ateno, em especial por parte dos educadores que
tm seus alunos avaliados quanto ao desempenho que demonstram na leitura
desses textos. Todavia, sua abordagem no to simples, devido s situaes
comunicativas que os gneros comportam, conforme j mencionamos.
Em meio a um turbilho de informaes e possibilidades de leitura
impostas pela diversidade textual que hoje se faz presente, o professor, alm de ter
os conhecimentos sobre como abordar esses textos em sala de aula, precisa estar
atento para que as potencialidades de seus educandos sejam desenvolvidas. No
basta que ele fornea a seus alunos bons materiais de leitura; precisa certificar-se
de como esses materiais sero utilizados e de que forma poder intervir no processo
de desenvolvimento leitor daquele que est sob seus cuidados escolares.
Uma forma de se contribuir para que o educando possa se tornar o
agente do processo de leitura, podendo posteriormente desincumbir-se como leitor
sempre que se fizer necessrio, tem a ver com o desenvolvimento do
comportamento leitor. Esse comportamento, segundo Kleiman (2002a), refere-se
imitao de comportamentos ou atitudes de leitores proficientes, que podem ser
reproduzidos em sala de aula, ainda que temporariamente, para que o leitor menos
experiente desenvolva atitudes semelhantes s dos leitores mais experientes. Por
serem de carter reflexivo, esses comportamentos valem-se de estratgias
metacognitivas.
As estratgias consistem, de acordo com Kleiman (2002a:50) em
operaes regulares para abordar o texto. As estratgias metacognitivas se referem
a formas conscientes de se desempenhar uma dada ao tendo em vista um
objetivo. So operaes sobre as quais temos controle consciente, podendo, por
isso, ser explicadas e at imitadas. No caso de um trabalho voltado ao
desenvolvimento do comportamento de leitor proficiente, a funo do professor seria
a de promover atividades que estimulassem a monitorao e automonitorao de
24
leitura
as mesmas usadas por leitores experientes , fornecendo ao leitor
inexperiente a possibilidade de extrao de sentidos mais globais do texto.
Embora o comportamento leitor favorea o desenvolvimento da relao
entre leitor e produtor textual, ele no deve ser confundido com a competncia
leitora. Aquele tem a ver com comportamentos, atitudes que um leitor, mesmo
inexperiente, tem diante da leitura. A competncia, por sua vez, refere-se no
somente a comportamentos, mas mobilizao de conhecimentos, que implicam
posicionamentos, julgamentos e, por isso, exigem proficincia por parte do sujeito
que se depara com uma situao em que tem de valer-se de seus conhecimentos
sobre leitura.
Por outro lado, ao se buscar evidenciar determinados procedimentos
que se realizam durante a leitura, por meio de tarefas que imitem o trabalho
realizado pelo leitor proficiente, o professor pode contribuir no s para o
desenvolvimento do comportamento leitor, mas para a competncia leitora. Isso
porque, com o tempo, tais comportamentos podem fazer parte de esquemas8 de
leitura, ou seja, blocos de conhecimentos criados por conta das atividades
desenvolvidas nas aulas e armazenados na memria semntica dos alunos,
disponveis para serem ativados e mobilizados sempre que se fizerem necessrios.
Assim, embora comportamento leitor no seja o mesmo que competncia leitora,
quando se adquire esse tipo de comportamento, a competncia pode se
desenvolver.
Hoje, o papel do professor como mediador de suma importncia.
ele quem direciona o trabalho com as vrias possibilidades de leitura existentes;
inquire seu aluno sobre quais pistas usar no momento da leitura; ele, ainda, quem
busca formas de ajudar o jovem leitor a levantar hipteses e checar as informaes
pressupostas. Enfim, o professor a mola-mestra no trabalho com leitura, ou seja, o
profissional mais indicado a realizar essa tarefa. Isso exige que o educador acredite
na importncia dessa modalidade para a vida de seus alunos e esteja devidamente
preparado para orient-los e motiv-los, independente da complexidade de tal tarefa
ou dos desafios que lhe so impostos pelo sistema educacional. Assim fazendo, a
8 A concepo de esquema ser abordada no Captulo III.
25
probabilidade de formar sujeitos que dominam o cdigo escrito, mas no conseguem
valer-se dele em situaes sociais, ser bem menor, como veremos a seguir.
1.5. Alfabetizado, mas no letrado
Iniciamos este trabalho afirmando que em pocas passadas no havia
muita dificuldade em se definir leitura, haja vista o contexto da poca que exigia
habilidades elementares, mais especificamente, a decodificao. Mas o contexto
mudou e hoje observamos jovens que conseguem perfeitamente decodificar, mas
no so capazes de atribuir sentido ao que lem. De acordo com Silveira
(1998:137),
fcil de se constatar, numa anlise de nossa atual situao de
ensino de leitura, que o seu espao mnimo e situado no momento
da alfabetizao, quando o aluno aprende a reconhecer as letras e
palavras escritas, decifrando-as. Aps essa fase, o aluno recebe seu
primeiro livro de leitura e, a partir da, sem que lhe seja ensinado
como processar sociocognitivo e interacionalmente as informaes
oferecidas pelo texto, o aluno passa a ser avaliado como leitor.
Depois de receber seu primeiro livro de leitura, ou seja, ser-lhe
creditado o status de leitor, o aluno passa a ser visto pela sociedade como tal,
embora ele mesmo se sinta, muitas vezes, despreparado para a tarefa que lhe
aguarda. Esse fato fez surgir em pocas mais recentes uma distino entre
alfabetizao e literacy, termo ingls vertido para nosso idioma como letramento9.
Enquanto estar alfabetizado definido como conhecer as tecnologias do ler e
escrever, ser letrado envolve fazer uso de tais tecnologias. Soares (2004:39) define
letramento como o resultado da ao de ensinar e aprender as prticas sociais de
leitura e escrita. Assim, um indivduo letrado aquele que no s sabe ler e
9 De acordo com Soares (2004:18), em Portugal tem-se preferido o temo literacia, mais prximo ainda do termo ingls.
26
escrever, mas utiliza tais modalidades de acordo com suas necessidades, em
prticas sociais.
O termo letramento relativamente novo. No Brasil, suas primeiras
observaes datam da dcada de 80. De acordo com Soares (2004), uma das
primeiras ocorrncias encontra-se no livro de Kato, No mundo da escrita: um
perspectiva psicolingstica, de 1986. Segundo Mortatti (2004:86),
a prpria definio do termo letramento tem sido marcada por certa
fluidez e impreciso, o que talvez se possa explicar por sua recente
introduo, pelas variadas formas de se caracterizarem as novas
demandas sociais pelo uso da leitura e escrita e, tambm, pela
pouca produo acadmica sobre o tema...
Embora a idia no esteja to difundida, certo que numa sociedade
em que podem ser encontradas pessoas que sabem decodificar perfeitamente, mas
no conseguem utilizar esse conhecimento em prticas sociais, o termo letramento
vem bem ao encontro da necessidade de se definir tal situao. Nesse sentido, Kato
(1986:7) postula que
a funo da escola, na rea da linguagem, introduzir a criana no
mundo da escrita, tornando-a um cidado funcionalmente letrado,
isto , sujeito capaz de fazer uso da linguagem escrita para sua
necessidade individual.
Tendo em vista o que mencionamos anteriormente sobre leitura, ou
seja, que ler ultrapassa a mera relao grafema/fonema, podemos pressupor, com
base na afirmao de Kato (1986), que um indivduo que conhece o cdigo escrito,
mas no consegue atribuir sentido ao que l, nem tampouco fazer uso da linguagem
escrita para sua necessidade individual, por no domin-la como prtica social, no
pode ser considerado um leitor proficiente, j que ler pressupe tanto ir alm do que
se observa graficamente quanto utilizar a habilidade de leitura em situaes
27
impostas socialmente. Assim, para que um indivduo possa fazer uso da leitura de
forma plena, faz-se necessrio, mais uma vez, que compreenda o objetivo dessa
modalidade, bem como as estratgias que podem ser utilizadas para a depreenso
de informaes.
Percebemos que nos encontramos em uma mo dupla: para que um
indivduo se torne letrado, precisa entender o valor social da leitura e escrita; em
contrapartida, para que entenda o valor da leitura e da escrita importante que viva
em um ambiente letrado. A esse respeito, Mortatti (2004) afirma que h uma
correlao entre grau de instruo escolar e nvel de letramento. Podemos destacar
aqui o papel da escola como fomentadora de novas tendncias. O perigo disso,
porm, reside no fato de ocorrer o que a autora denomina de pedagogizao do
letramento
o que deveria se resumir ao domnio de prticas de leitura e escrita, de
forma ampla, acaba sendo normatizado e rotinizado. Diante disso, devemos atentar
para esse perigo, sob pena de acabarmos transformando o que deveria ser social
em mais um termo presente no amplo dicionrio do que se deve fazer ou no na
educao.
Para que no haja esse perigo, as informaes referentes leitura, j
apresentadas neste trabalho
desde a importncia da concepo do professor
acerca dessa modalidade at o papel do aluno como agente do processo
devem
ser consideradas. Um dos aspectos que se relaciona diretamente com as
concepes do professor e a atitude do aluno-leitor tem a ver com a atividade
inferencial no momento em que se l. Faz-se necessrio, portanto, que os
conhecimentos acerca dos implcitos e da realizao de inferncias, como se
apresentam e como podem ser resgatadas, sejam abordados detidamente. Para
discorrermos sobre esse aspecto da leitura, trataremos, a seguir, do papel que os
implcitos e, em especial, as inferncias exercem na competncia leitora.
28
1.6. Sobre implcitos e inferncias em um contexto sociocognitivo-interacional
indiscutvel a funo que os implcitos desempenham na produo e
recepo de textos. Nenhum texto seria funcionalmente adequado se buscasse
registrar cada detalhe sobre o assunto tratado, haja vista a demanda de pginas e
tempo para a realizao de tal tarefa. Sendo assim, ao ler, no raro temos de
resgatar informaes que nos foram indiciadas, mas que de forma alguma se
encontram claramente expressas. Isso porque, como ressalta Maingueneau (1996),
a atividade discursiva entrelaa constantemente o dito e o no dito, j que os
contedos veiculados nos textos comumente suscitam a busca dos implcitos.
Para Ducrot (1977:13), da necessidade que sentimos de dizer certas
coisas e ao mesmo tempo poder fazer como se as no tivssemos dito que ocorre
a noo de implcitos, que podem se manifestar sob a forma de pressupostos ou
subentendidos. Ao tratar desses elementos, Maingueneau (1996:93) afirma que
qualquer locutor que sabe o portugus pode, em princpio, identificar os
pressupostos, enquanto a decifrao dos subentendidos mais aleatria. Isso
ocorre porque enquanto os pressupostos apiam-se em elementos do enunciado, os
subentendidos fazem-no na enunciao.
Os pressupostos so idias que decorrem do sentido das palavras
inscritas na estrutura do enunciado, que suscitam inferncias bvias. Quando se diz,
por exemplo, que a prova do SARESP deixou de avaliar os componentes
curriculares (Histria, Geografia, Matemtica, etc.) a partir de uma certa data,
pressupe-se que at aquela data-limite o SARESP avaliava esses componentes.
Assim, embora no explicitado, pode-se inferir de maneira bvia algo pelo
enunciado.
Os subentendidos, por sua vez, por se darem na enunciao,
apresentam-se como insinuaes no marcadas lingisticamente e que necessitam
de conhecimentos mais amplos para serem inferidos. Para tanto, faz-se necessrio
que o interlocutor ultrapasse o que se inscreve graficamente ou o que se assenta em
termos lingsticos no enunciado, o que exigir, muitas vezes, determinados
29
conhecimentos sobre o assunto tratado ou o contexto em que uma dada sentena
se insere, para se poder realizar a inferncia adequada, j que, de acordo com os
contextos, a mesma frase poder liberar subentendidos totalmente diferentes
(Maingueneau,1996:105).
A questo de se utilizar os implcitos no intuito de nos isentarmos da
responsabilidade por certas coisas ditas, de acordo com Ducrot (1977), remete-nos,
ainda, noo de polifonia, j que, por meio deste fenmeno lingstico, podemos
usar vozes alheias para corroborar nossas idias com um certo grau de iseno.
Polifonia, segundo Koch (2000:50), refere-se s diversas perspectivas,
pontos de vista ou posies que se representam nos enunciados. Nem sempre,
porm, essas perspectivas ou pontos de vista encontram-se claramente expressos,
cabendo, portanto, ao leitor, seu resgate e identificao.
Quando a polifonia se apresenta de forma explcita, por meio de
discursos relatados, citaes, referncias, argumentao por autoridade, torna-se
mais fcil sua identificao. Entretanto, quando assume, segundo Koch (2000), a
forma de pressuposio ou se utiliza de parafraseamentos, encenao de vozes,
valores estabelecidos em uma dada cultura, aspas de distanciamento, torna-se
necessrio que o interlocutor tenha conhecimento da origem desses recursos para
perceber a intertextualidade e, assim, chegar compreenso adequada do
enunciado polifnico.
Fizemos referncia intertextualidade porque a polifonia faz parte
desse fenmeno, j que, por meio dela, convergem outros textos, reconhecveis ou
no. Todo texto , na verdade, um intertexto (Cf. Barthes, apud Koch, 2000). Dessa
forma, nenhuma produo textual neutra do ponto de vista de sua constituio; h
sempre outros textos ou outras vozes , isto , perspectivas e pontos de vista que a
perpassam. Isso impele que ns, leitores, estejamos atentos intertextualidade e,
mais precisamente, polifonia presente nos textos a que temos acesso, pois muito
do que eles nos dizem no se encontra claramente expresso, visto que muitas
informaes se apresentam por meio de encenaes cujos sentidos devemos
resgatar se havemos de entender, com certo grau de profundidade, o que o
enunciado nos apresenta.
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Um outro fenmeno diretamente relacionado aos implcitos tem a ver
com o que se denomina inferncia, j mencionada quando nos referimos aos
pressupostos e subentendidos.
Inferncia definida por Marcuschi (1999:101) como uma operao
cognitiva que permite ao leitor construir novas proposies a partir de outras j
dadas. Koch (1989:70) concebe inferncia como aquilo que se usa para estabelecer
uma relao, no explcita no texto, entre dois elementos desse texto. Para Dell Isola
(2001:44), inferncia se refere a um processo cognitivo que gera uma informao
semntica nova, a partir de uma informao semntica anterior. E, para Naspolini
(1996), refere-se aos complementos que o leitor fornece ao texto, a partir de seus
conhecimentos prvios10.
Das definies dos pesquisadores acerca das inferncias, pode-se
depreender que estas no ocorrem no texto, mas na mente do leitor, j que so de
ordem cognitiva e provm de seus conhecimentos prvios. No entanto, no texto
que so encontradas as marcas, as informaes que permitem ao leitor criar outras
proposies ou informao semntica nova, a partir das que j foram fornecidas.
Por meio da juno das informaes dadas com as informaes de que
o leitor dispe surgem as inferncias. Essas no so, na maioria das vezes,
conscientes ao leitor, porque so realizadas em milsimos de segundo, de acordo
com Kintsch (apud Dell Isola, 2001). Dentre as informaes de que o leitor dispe,
encontram-se os modelos de ordem cognitiva como frames, scripts, marcos de
cognio social11, e diversos outros conhecimentos armazenados na memria
semntica ou de longo prazo.
No momento da compreenso, tanto as informaes fornecidas
explicitamente pelo texto quanto as que so inferidas pelo leitor so processadas na
memria de trabalho e, por meio desse processamento, pode-se chegar totalidade
da coerncia textual.
10 Para mais informaes, podem-se verificar Beaugrande e Dressler (1981), Kleiman (2002a). 11 Os dois primeiros tipos de modelo j foram conceituados no incio deste captulo. Os marcos de cognio social referem-se aos conhecimentos, crenas, valores formados em um dado grupo social. Para maiores informaes pode-se consultar Silveira (2000).
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Com relao inferncia, so encontradas vrias abordagens,
produzidas sob a perspectiva da Psicologia, da Semntica, da Inteligncia Artificial,
da Lingstica e da Cognio (Cf. Dell Isola, 2001). Como nosso trabalho respalda-se
na perspectiva lingstica, valer-nos-emos da abordagem de Marcuschi (1999:103),
segundo a qual, as inferncias so agrupadas da seguinte forma:
1. Inferncias lgicas : baseadas sobretudo nas relaes lgicas e submetidas aos
valores-verdade na relao entre as proposies..
2. Inferncias analgico-semnticas : baseadas sempre no input textual e tambm
no conhecimento de itens lexicais e relaes semnticas.
3. Inferncias pragmtico-culturais : baseadas nos conhecimentos, experincias,
crenas, ideologias e axiologias individuais.
As inferncias lgicas so as mais usadas em situaes do cotidiano.
Por serem do tipo mais bvio, no so explicitadas nas reprodues de texto.
Exemplo:
a) O SARESP assegura a toda criana matriculada na escola pblica do Estado
de So Paulo a oportunidade de realizar sua prova. Joo est matriculado em
escola pblica do Estado de So Paulo. Portanto, Joo tem a oportunidade de
realizar a prova do SARESP.
Percebemos aqui um raciocnio dedutivo, ou seja, de uma situao
mais ampla chega-se a uma particularidade. Esse um raciocnio baseado nas
relaes lgicas e submetido aos valores-verdade na relao entre as proposies,
porque se a primeira proposio verdadeira, sua concluso, partindo da lgica,
tambm ser verdadeira.
As inferncias do segundo grupo, as analgico-semnticas, ocorrem,
como o prprio nome sugere, por analogia, isto , pela relao entre elementos que
possuem algum tipo de semelhana. Explicando por que as denominou analgico-
semnticas, Marcuschi (1999:104) diz que no caso da linguagem, certas analogias
so feitas com base nas propriedades semnticas dos termos ou nos sentidos das
sentenas. Assim, pela observao dos elementos que compem o texto e a
articulao entre os mesmos, pode-se realizar esse tipo de inferncia. No entanto,
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pelo fato de ela necessitar da articulao dos elementos intra-texto e exigir o
conhecimento acerca desses elementos, a analgico-semntica pode resultar em
inferncias pouco condizentes com o que uma proposio permite entender, como
mostra o exemplo:
b) Em seus ltimos anos, o SARESP tem avaliado leitura e escrita. Portanto, o
SARESP tem avaliado Lngua Portuguesa.
Marcuschi (1999:104) postula que a analogia a correlao entre
termos de dois sistemas de modo que podemos atribuir uma propriedade a um
elemento por sua relao com outros elementos. Assim, se para o leitor, leitura e
escrita so propriedades exclusivas de Lngua Portuguesa, ele inferir, por analogia:
SARESP avalia leitura e escrita/ Lngua Portuguesa trabalha leitura e escrita ; logo,
o SARESP avalia esse componente curricular. Por outro lado, se tiver conhecimento
da noo de competncia leitora, que inclui a leitura e escrita em toda e qualquer
rea, conseguir fazer a inferncia adequada. Assim, a inferncia analgico-
semntica necessita dos elementos presentes no enunciado, mas tambm de um
certo conhecimento sobre esses elementos e o contexto de situao em que so
empregados.
Por serem de carter contextual, as inferncias mais utilizadas pelos
interlocutores na reproduo de texto so as do terceiro tipo, ou seja, as pragmtico-
culturais. Essas so feitas com base em conhecimentos pessoais, em crenas e
ideologias dos indivduos. Nesse tipo de inferncia esto presentes no somente a
recepo do que lido ou ouvido, mas as crenas e valores que implicam a
avaliao do assunto tratado.
Um problema quanto ao uso desse tipo de inferncia que o leitor
pode ignorar a informao do texto, as pistas formais deixadas pelo sujeito-produtor
e apegar-se sua formao ideolgica, sua avaliao pessoal do assunto ou
objeto, incorrendo em erro. Assim, para algum que cr que as avaliaes externas
tm como nico objetivo julgar o trabalho do professor, ao ser informado da data da
prxima avaliao, no raro um raciocnio do tipo:
c) Mais uma avaliao para testar se estamos trabalhando corretamente .
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Avaliaes desse tipo, motivadas por crenas pessoais, podem resultar
em inferncias distorcidas. Como j mencionado, a compreenso se d pela juno
de informaes internas, conhecimentos armazenados, e externas, o que se
encontra escrito ou dito. Essa juno de suma importncia para que a inferncia
seja produzida. Entretanto, quando uma das partes relegada, as chances de erro
aumentam. Ao se negar os conhecimentos prvios, a leitura pode ficar restrita a um
nvel superficial. No entanto, se o leitor der somente ateno aos seus
conhecimentos, suas crenas, sem a devida ateno ao que diz o material escrito ou
dito, pode incorrer em um desvio de leitura, ou seja, compreender algo no
autorizado pelo texto.
Outro fator que exerce influncia sobre o processo inferencial diz
respeito ao contexto. Embora no possua uma definio precisa quando se trata de
sua relao com a lngua, pesquisadores tm se dedicado investigao desse
elemento a partir da noo de tipos. Cinco tipos de contexto tm sido investigados
por se relacionarem aos processos de linguagem e realizao de inferncias. So
eles: cultural , situacional , instrumental , verbal e pessoal , segundo Dell Isola
(2001:92-98).
O contexto cultural diz respeito s convenes culturais e convenes
de comunicao que influenciam os conhecimentos dentro de grupos sociais:
unidades regionais, estaduais, nacionais, tnicas em que se inserem os indivduos.
Os modelos mentais que se possui sobre uma dada cultura podem afetar a
compreenso de textos sobre essa cultura. Dessa forma, o que para um indivduo
que vive no Sul do pas algo facilmente compreensvel por conta dos modelos
culturais que possui, para outro, de outra parte do pas, pode no ser de to fcil
compreenso, dada sua pouca familiaridade com traos culturais que no so os
seus.
Alm do contexto cultural, temos o situacional que se refere a
circunstncias que cercam o texto, isto , circunstncias que no esto
necessariamente presentes no texto, mas em seu entorno. Apresentam-se como
instrues/informaes referentes ao texto, objetivos de leitura, ilustraes, etc.
Esses elementos exercem a funo de auxiliadores no entendimento do assunto.
Conhecer o objetivo da leitura ou ter acesso a instrues claras sobre o texto,
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facilitam a compreenso por preparar e direcionar o leitor no sentido de monitorar
sua leitura para atender ao que proposto ou sugerido.
O contexto instrumental relaciona-se forma como um texto pode ser
recebido por um indivduo. Normalmente, temos duas formas: leitura e audio.
Pode-se obter informaes lendo
o que envolve tanto a leitura visual quanto a em
braile ou ouvindo.
Nosso penltimo contexto o verbal, que concerne ao contedo
lingstico do discurso. O co-texto, ou seja, as vrias informaes que circundam um
texto
ttulo, subttulos, referentes, marcadores, conexo de frases e sentenas, s
para mencionar alguns
exerce papel significativo na compreenso e, portanto,
deve ser considerado no momento da leitura.
O ltimo, o contexto pessoal, diz respeito aos conhecimentos, valores e
fatores emocionais de um indivduo. Esse contexto comporta os conhecimentos de
mundo, de regras lingsticas, de convenes em geral e est diretamente
relacionado inferncia pragmtico-cultural, proposta por Marcuschi (1999). Nesse
tipo de contexto, considera-se que as inferncias so influenciadas no s pelo
componente cognitivo como pelo emocional tambm.
Os cinco tipos de contexto se aplicam prova do SARESP. O primeiro
tipo pode ser percebido pela abrangncia da Avaliao. Quando se cria uma prova
que abarca todo um universo avaliativo, no caso do SARESP, o Estado de So
Paulo, deve-se ter o cuidado para que ela no se prenda a determinadas
especificidades culturais
considerar dados de uma regio ou cultura que no
sejam de conhecimento geral
o que interferiria diretamente na noo de contexto
cultural.
O contexto situacional, no caso do SARESP, pode ser encontrado na
prpria estrutura da prova, cujos objetivos so expressos por meio de habilidades
que, ao serem demonstradas, evidenciam a competncia leitora. As instrues
fornecidas pelas questes que verificam a compreenso textual norteiam a leitura
realizada e conferem ao leitor um direcionamento dentro desse contexto.
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Por ser uma prova escrita, o contexto instrumental vale-se da leitura
para diagnosticar a competncia leitora. A prova composta de textos e questes
que devem ser lidos e compreendidos para que se possa fornecer a resposta mais
adequada a cada item.
O contexto verbal se refere tanto aos textos que servem de base para
anlise quanto s questes que norteiam sua leitura. O fato de haver questes e
alternativas que devem considerar a leitura de um determinado texto, impele o leitor
a criar representaes metais sobre cada um desses elementos e depois sobre sua
totalidade, para realizar a inferncia sugerida. Para atender a essa inter-relao de
textos
texto-base e questes
a prova deve relacionar os textos de forma
coerente de sorte que o que se pede nas questes seja contemplado no texto e o
que est presente no texto seja utilizado nas questes. Textos fragmentados no
seriam desejveis, j que as sentenas antecedentes e subseqentes, o co-texto,
fornecem a base para as demais informaes.
No contexto pessoal, devem ser considerados os conhecimentos,
atitudes, valores da clientela que se est avaliando. Esse contexto se relaciona com
o conhecimento do contexto cultural, pois embora no se possa conhecer cada
indivduo pessoalmente, uma pesquisa antecipada sobre quem so os alunos
avaliados, de onde provm, qual sua cultura geral, permite a elaborao de uma
prova adequada s necessidades e realidade dos educandos.
Como afirma Dell Isola (2001:99), o contexto fator que determina os
diversos tipos de inferncia. Da a necessidade atentarmos ao aspecto contextual ao
nos reportarmos ao estudo das inferncias Os cinco contextos abordados
encontram-se hoje dentro de um outro: o contexto sociocognitivo-interacional,
composto pela sociedade na qual interagimos. Nesse contexto, encontram-se, entre
outros elementos, as avaliaes do tipo SARESP, que tambm recebem sua marca.
As avaliaes so elaboradas, ou pelo menos deveriam ser,
considerando esse contexto, pois esto inseridas nele e avaliam indivduos que nele
tambm se inserem. Provavelmente, na tentativa de adequar sua avaliao a esse
contexto sociocognitivo-interacional, que o SARESP tem procurado observar mais
que o nmero de acertos; busca verificar os conhecimentos e operaes cognitivas
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por trs desses acertos, conferindo sua prova um carter mais dinmico e
humanizado. Da necessidade de se verificar mais que acertos, surgiram as
verificaes de habilidades12. No caso do SARESP, dentre as habilidades avaliadas,
anualmente, encontram-se as que se referem ao processo inferencial.
No ano de 2003, as inferncias foram observadas em duas habilidades,
a saber: Inferir o sentido de uma palavra ou expresso e Inferir uma informao
implcita no texto
essa ltima nosso foco de observao. Em 2004, o SARESP
avaliou trs habilidades que incidiram sobre inferncias: Inferir, a partir de
elementos presentes no texto, situaes de ambigidad