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António Miguel Trigueiros A CONCEIÇÃO Um Inventário Coleccionista e Museológico Lisboa - 2009

A Conceição

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António Miguel Trigueiros

A CONCEIÇÃO

Um Inventário Coleccionista e Museológico

Lisboa - 2009

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Introdução

«Uma imagem vale mais do que mil palavras», e esta conhecida frase aplica-se com toda a propriedade à numismática. A publicação neste número do artigo de João Tavares Pedra constituiu uma excelente oportunidade para se divulgar as melhores fotografias conhecidas da rara Conceição de D. João IV, a par de outras que se encontrassem, em colecções nacionais e estrangeiras.

Consultámos os museus portugueses, os principais gabinetes de numismática das capitais europeias (que não responderam a tempo) e o grande acervo brasileiro, do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro (MHN). Os resultados são por demais explícitos e estão aqui documentados, divididos em três espaços: a Conceição como moeda; a Conceição como venera (inédito); e a Conceição como medalha.

Para cada imagem indica-se o módulo, a espessura (quando conhecida), o peso da peça em causa, além do metal de que é feita ou outras características mais significativas. A reprodução das peças foi deliberadamente ampliada, para facilitar a observação dos pormenores das gravuras e das legendas.

Chamamos a atenção dos nossos leitores para os exemplares do acervo do MHN, que em tempos fizeram parte de uma das maiores (talvez mesmo a maior de sempre) colecções de moedas portuguesas e brasileiras de todos os tempos, a colecção do Comendador António Pedro de Andrade (Funchal 1839 – Rio 1921).

São exemplares totalmente desconhecidos dos estudiosos nacionais e cuja ilustração neste número da revista Moeda se fica a dever à grande simpatia e disponibilidade da responsável pelo Departamento de Numismática do MHN, Eliane Rose Vaz Cabral Nery, a quem desejamos agradecer, em nome de todos os nossos leitores.

Os nossos agradecimentos vão também para o Dr. João Ruas, bibliotecário do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, em Vila Viçosa; e para a Dra. Inês Pereira, sub-directora da Biblioteca Nacional, em Lisboa. Parte I - A CONCEIÇÃO – MOEDA : originais de prata de D. João IV

1/2 – Museu Numismático Português, Casa da Moeda, Lisboa

Existem dois exemplares com pesos muito próximos do legal (28,68 g). O reverso está muito bem conservado (um pouco de desgaste no nariz da Senhora) e bem cheio; e, no anverso (escudo), notam-se evidentes sinais de muita circulação.

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Inv. n.º 5164 – Era de 1648: Prata, cunhada, módulo 40 mm, peso 28,20 g Inv. n.º 9556 – Era de 1648: Prata, cunhada, módulo 40 mm, peso 28,52 g

3 – Colecção do Millenium BCP, ex-Banco Mello, ex-União de Bancos Portugueses, ex - colecção Afonso Pinto de Magalhães.

É o único exemplar conhecido com era de 1650. Tem um módulo diferente do normal (40-41 mm) e um peso muito superior ao legal. Talvez por isso as gravuras denotem um enchimento melhor, particularmente nos castelos e nas quinas do escudo. Não é crível que tenha sido cunhado para servir como moeda. Será talvez uma das medalhas mandadas cunhar em Dezembro de 1650, antes de terem curso legal em Outubro de 1651.

Era de 1650: prata, cunhada, módulo de 42,6 mm, peso de 29,34 g

4 – Gabinete Numismático da Biblioteca Nacional, Lisboa

Era de 1648: prata, cunhada, módulo de 41 mm, espessura de 4,5 mm no bordo, peso desconhecido (não foi possível ver e pesar este exemplar)

(Bibliografia – Ennes, Ernesto, O Gabinete Numismático, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1927, p. 30, n.º 2)

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5 – Colecção Carlos Marques da Costa, Banco Espírito Santo, Lisboa

Há que notar o bom estado de conservação deste exemplar, com uma gravura cuidada e bem cheia no escudo, apesar de ter várias mossas e riscos. Tem um peso abaixo do que seria de esperar neste estado.

Era de 1648: prata, cunhada, módulo de 40,1 mm, espessura de 2 mm, peso de 27,64 g

6 – Colecção António Pedro de Andrade, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

Neste exemplar nota-se o elevado grau de desgaste do anverso (escudo), onde os castelos da metade inferior ficaram apagados. Mesmo assim, tem um peso de 27,9 g, superior ao peso do exemplar anterior.

IOANNES • IIII • D • G • PORTVGALIAE • ET • ALGARBIAE • REX• (O nome do rei seguido de ponto centrado).

Era de 1648: prata, cunhada, módulo 41,6 mm, espessura de 2,7 mm, peso de 27,90 g

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7 – Gabinete de Numismática da Câmara Municipal do Porto, ex-colecção João Allen

Era de 1648 (bordadura dos castelos em campo liso): prata, cunhada, módulo de 41,2-41,5 mm, espessura de 3,5 mm, bordo 2,27 mm, peso de 28,20 g

Parte II - A CONCEIÇÃO – VENERA, em nome de D. Pedro II

1 – Colecção António Pedro de Andrade, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

PETRVUS ◊ II D • G • PORTVGALIAE • ET • ALGARBIAE • REX. (O nome do rei seguido de quadrifólio com âmago).

Era de 1648 (muito apagada): prata, cunhada, módulo de 41,80 mm, peso de 19,22 g. Apresenta dois furos tapados, ladeando a cruz da coroa real e a cabeça da Senhora

Este exemplar apresenta algumas características que importa salientar, para além do seu ine-ditismo. É de prata cunhada e pesa 19,2 g, o que desde logo lhe retira uma possível função monetária, na continuidade das cunhagens de 1651.

Foi cunhado em nome de D. Pedro II, donde se poder situar o seu fabrico entre 1683 e, talvez, 1694, ano em que esse monarca, como nos conta Lopes Fernandes, «continuando com a mesma devoção à Padroeira do Reino, em 1694 confirmou a confraria dos Escravos de Nossa Senhora da Conceição, erecta na igreja de Vila Viçosa» (Memória das Medalhas, p. 14)

Tem a era de 1648 e o escudo real igual ao da moeda original de D. João IV, ou seja, terá sido ainda fabricada com os punções originais do escudo joanino, punções esses que apresentavam já um intenso desgaste, o que só por si dá bem a ideia da necessidade de se gravarem novos cunhos, como veio a acontecer.

Tem dois furos de suspensão, com a preocupação de não destruir a cabeça da Senhora, ou seja, destinava-se a ser pendurada ao peito, como uma insígnia de Ordem militar, ou como uma venera de uma congregação religiosa.

Um facto que vem descrito na obra de João Baptista de Castro, Mapa de Portugal (Lisboa, 1745, p. 266): «e nesta moeda se fazia a offerta de vinte e quatro mil reis no dia da festa da

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Conceição, em cujo dia trazem pendente ao pescoço os trez Officiais, que administrarão a casa da Senhora das taes moedas».

Estamos, assim, perante um dos elos que faltavam para completar a história nunca antes con-tada da Conceição, não como moeda, nem como medalha, mas sim como insígnia ou venera religiosa, usada desde o reinado de D. Pedro II.

Parte III - A CONCEIÇÃO – MEDALHA

1. Recunhagens em nome de D. Pedro II

1 – Colecção António Pedro de Andrade, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

PETRVUS ◊ II • D • G • PORTVGALIAE • ET • ALGARBIAE • REX. (O nome do rei seguido de quadrifólio com âmago).

Inv. n.º 875 (Medalhas) – Sem era: prata, cunhada, módulo de 41,1 mm, espessura de 1,9 mm, peso de 15,39 g

Companheira da medalha-venera anterior, este exemplar é notável no sentido em que completa a série das recunhagens conhecidas, neste caso em nome de D. Pedro II, iniciada muito provávelmente cerca de 1694, ano da confirmação real da confraria dos Escravos da Senhora da Conceição.

O seu peso de 15,3 g de prata indica claramente preocupações de economia de fabrico, o que o coloca, mais uma vez, ou como uma insígnia ou venera religiosa, na continuidade da tradição de ser usada ao peito pelos confrades, ou como uma medalha de oferta, sem ter gravada a data original.

No entanto, a característica mais importante é a representação do campo estriado na bordadu-ra dos castelos do escudo nacional, a par de toda uma gravura renovada em ambas as faces.

Lopes Fernandes e Teixeira de Aragão escreveram, sem apresentar provas documentais, que a Conceição foi recunhada no reinado de D. Pedro II: «No reinado de D. Pedro II se reproduziu esta moeda com as legendas do Sr. D. João IV» (L.F., Memória das Moedas, parte II, p. 183).

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No entanto: «Na Casa da Moeda de Lisboa existem uns cunhos da Moeda da Conceição (...) com a legenda do nome do Sr. D. Pedro II» (idem, ibiden, p. 229).

Desde então, todos os autores associaram as recunhagens da Conceição como tendo sido feitas com o nome de D. João IV na legenda, esquecendo os cunhos em nome de D. Pedro II, talvez por nunca terem visto exemplares de prata cunhados, como este que agora se revela. Além disso, a existência destes dois exemplares vem pôr em causa a possibilidade de se terem feito outras recunhagens, no mesmo reinado, em nome de D. João IV.

Os dois exemplares aqui reproduzidos (venera e medalha) vêm demonstrar outra ordem dos acontecimentos: antes das recunhagens em nome do Restaurador existiram as recunhagens em nome do próprio rei D. Pedro II, executadas durante o seu reinado, tendo em vista a substituição dos punções originais, já muito desgastados. De forma que as outras reproduções, em nome de D. João IV, são posteriores.

Os novos punções em nome de D. Pedro II terão sido obra do gravador Roque Francisco que, como narra Aragão, foi um dos responsáveis pelo melhoramento da qualidade da moeda de co-bre deste reinado, associando-o também aos novos cunhos para a Conceição (TA, Descrição... tomo I, p. 73).

A representação dos esmaltes heráldicos – os riscados verticais ou horizontais no escudo nacional – só começou a aparecer em moeda portuguesa muito após 1678, início da cunhagem mecânica com balancé de parafuso.

A representação do campo vermelho da bordadura dos castelos (riscado vertical) aparece primeiramente, em moeda de ouro, na série dos escudos joaninos de 1722, e na nova moeda de cobre de D. João V de 1723, continuando ausente nos cruzados de prata até 1778.

2. Recunhagens em nome de D. João IV

Começa agora a ficar claro que a tradição de honrar a memória da Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal, com a cunhagem de medalhas evocativas da grande moeda joanina, prolongou-se pelo reinado do filho e do neto do rei Restaurador, e também pelos reinados seguintes.

Lopes Fernandes refere que: «o Senhor D. João V, por Carta Régia de 12 de Novembro de 1717, mandou celebrar a mesma festividade (da Conceição) com toda a pompa; e a Rainha a Senhora D. Maria I em 1751 se alistou na mesma confraria dos Escravos da Conceição; e o mesmo fez o Senhor D. João VI em 1769» (Memória das Medalhas, p. 14).

A história que estes exemplares nos contam é bem diferente daquela que Lopes Fernandes, Teixeira de Aragão e Batalha Reis nos transmitiram: a recunhagem da Conceição em nome de D. João IV e com era de 1648, só terá acontecido no reinado de D. João V, em época próxima à determinação de 1717, poucos anos antes da grande reforma numismática de 1722-23, quando as moedas começam pela primeira vez a representar os esmaltes heráldicos no escudo das armas nacionais.

A data da carta régia de 1717, acima indicada, é interessante também na medida em que, nessa mesma época, Lopes Fernandes e Aragão também falam da reprodução que então se fez (em 1718) de outra rara moeda, o português de ouro manuelino: «mas pela forma dos tipos se conhece que foram cunhadas nos tempos dos Senhores D. Pedro II, ou D. João V, existindo ainda estes cunhos na casa da moeda de Lisboa, onde não se encontram outros cunhos anteriores a estes reinados». (LF, Memória das Medalhas, p. 28)

A estima e a devoção dos reis de Portugal era tal que, em honra da Padroeira, D. João VI

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criou em 1818, no Brasil, a Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, no dia da sua sagração.

Não surpreende, assim, que a rainha D. Amélia tenha querido continuar com essa tradição, em 1890, quando foram feitas as últimas recunhagens com os cunhos abertos no reinado de D. João V, mas gravados em nome do fundador da dinastia de Bragança.

1/2 – Colecção António Pedro de Andrade, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro

Inv. n.º 873 (Medalhas) – Era de 1648: prata, cunhada, módulo de 40,7 mm, espessura de 2,7 mm, peso de 35,90 g

Mais uma vez, a colecção Andrade revela-nos um magnífico exemplar das famosas recunhagens em nome de D. João IV com era de 1648. Não existem testemunhos documentais que nos permitam distinguir entre as primeiras medalhas reproduzidas no início do reinado de D. João V, ou em épocas posteriores, das que foram feitas em 1890, além do seu peso. O peso deste exemplar, que vem acompanhado por duas provas de cunho em chumbo, e a sua proveniência

Inv. n.º 874 (Medalhas) – Era de 1648: Prova de cunho em chumbo, cunhada, módulo de 41 mm, peso de 18,79 g (duas metades delgadas unidas)

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de tão antiga colecção, contemporânea no Brasil dos reinados de D. Luís I e de D. Carlos I em Portugal, faz-nos suspeitar estarmos perante uma das primeiras reproduções feitas, talvez mesmo a primeira, em data próxima de 1717.

3/4 – Museu Numismático Português, Casa da Moeda, Lisboa

São os dois exemplares enviados para o Museu, como era prática após cada produção. Neste caso particular, os números de inventário que lhes foram atribuídos situam claramente a sua entrega no reinado de D. Carlos. Ou seja, estamos perante as famosas recunhagens de 1890, a que Batalha Reis alude. O seu grande peso tem a ver com o bom enchimento dos cunhos, numa época em que as máquinas de cunhar já não eram balancés de parafuso, mas prensas a vapor de rótula.

Inv. n.º 13 569 – Era de 1648: Prata, cunhada, módulo 40 mm, peso 37,0 g Inv. n.º 13 570 – Era de 1648: Prata, cunhada, módulo 40 mm, peso 38,65 g (bordadura dos castelos riscada)

5 – Colecção de Medalhas de D. Luís I, Fundação da Casa de Bragança, Palácio Ducal de Vila Viçosa

A história recente desta colecção é mal conhecida, para além do testemunho que nos deixou Teixeira de Aragão em 1874. Sabe-se que foi “nacionalizada” em 1911, deu entrada no Museu Numismático Português e, com Salazar, voltou à posse da Casa de Bragança, encontrando-se em Vila Viçosa. Existe um catálogo dactilografado desta colecção, mas a falta de registos cronológicos datados impede de saber se a medalha da Conceição que lá existe, já existia no tempo de D. Luís ou se foi uma adição posterior (poderá ser uma das recunhagens de 1890).

Inv. n.º 8 – Era de 1648: prata, cunhada, módulo de 40 mm, espessura de 3 mm, peso de 37 g: castelos em campo estriado

6 – Colecção Carlos Marques da Costa, Banco Espírito Santo, Lisboa

Dos dois exemplares existentes nesta colecção, uma dita moeda e uma medalha, os catalogadores seleccionaram, para o livro do BES, o exemplar abaixo ilustrado, como sendo uma moeda original do reinado de D. João IV, quando esse exemplar mais não é que uma reprodução muito tardia, provavelmente de 1890. (Era de 1648: módulo, espessura e peso desconhecidos)

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Parte IV - Conclusões: as diferentes épocas da Conceição

Época I: 1650. A Conceição é cunhada como medalha de oferta do rei. O seu peso é calculado de forma a permitir um bom enchimento dos cunhos.Época II: 1651 – 1685. A Conceição é cunhada como moeda em nome de D. João IV, utilizando-se os cunhos originais gravados de propósito para servirem na nova prensa monetária que tinha vindo de França. O seu peso é reduzido, para ficar conforme o valor nominal da moeda. Os cunhos e os respectivos punções reprodutores vão-se desgastando com o uso. Em 1685, a sua cunhagem como moeda é suspensa.Época III: 1694 – 1706. O estabelecimento da confraria dos Escravos da Conceição obriga à estampagem de veneras e de medalhas comemorativas em nome de D. Pedro II. O mau estado dos punções anteriores leva ao fabrico de novos cunhos, em nome de D. Pedro II, com a introdução do riscado vertical na bordadura dos castelos e sem era gravada. Os cunhos deixam de ser utilizados no final desse reinado. Época IV: 1717 – 1800. São reproduzidas moedas dos reinados anteriores, entre 1717 e 1718, como os Portugueses de ouro, para o círio pascal da capela real, e a Conceição de D. João IV, com era de 1648, para as festividades régias, com abertura de novos cunhos em nome dos monarcas que primeiro as emitiram. Sempre que necessário para as funções régias, novas recunhagens vão sendo feitas nos reinados seguintes, ao longo deste século. Época V: 1890. A última recunhagem de que há notícia teve lugar em 1890, com os cunhos abertos no reinado de D. João V. A sua utilização em modernas prensas de cunhar a vapor, de grande potência, fez rachar os cunhos, que ficaram inutilizados. NOTAS

A Conceição de 1648 nos catálogos de Augusto Molder, 1948 a 1951 – O primeiro exemplar apareceu no leilão n.º 7-8, de Maio de 1948, lote 44 (módulo 40 mm), ficando por vender. Voltou à praça em Julho e em Outubro de 1949; outro exemplar, ou o mesmo ainda, foi vendido em Março de 1950 por 1.200$00. Um segundo exemplar, em estado de Bela, atingiu o mesmo preço em Abril de 1950.

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No leilão de Março de 1950 foi também à praça um ensaio de cobre (módulo 43 mm), soberbo, retirado nessa venda e nas seguintes, onde voltou a aparecer, de Abril e de Julho de 1950. Seria uma prova das recunhagens de 1890.Finalmente, um terceiro exemplar de 1648, módulo 41 mm e MBC, apareceu nos leilões de Maio, Novembro e Dezembro de 1950, voltando a figurar nas vendas de Janeiro de 1951, sem indicação de ter sido vendido.

A colecção do Comendador António Pedro de Andrade – Nascido em 1839 na cidade do Funchal, emigrou para o Brasil com dezasseis anos, começando a trabalhar como jornalista e, depois, como bancário, no Banco Comercial do Rio de Janeiro, onde foi gerente de filial, director e depois presidente dessa importante instituição. Era um grande apaixonado coleccionador de minerais, selos, moedas e medalhas. Sabe-se hoje, pela comparação entre as peças do seu acervo e os catálogos internacionais de leilões, que era um assíduo comprador de tudo o que aparecia nos famosos leilões da casa J. Schulman, de Amesterdão. Foi ele o comprador do famoso “Índio” de prata de D. Manuel I, e de muitas outras raridades portuguesas e brasileiras.A sua extraordinária colecção de moedas e de medalhas foi doada à Biblioteca Nacional após a sua morte em 1921, tendo ingressado em 1922 na colecção do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. Era constituída por 13.941 peças, sendo 606 de ouro (incluindo uma peça da coroação brasileira); na série portuguesa, continental e colonial, 4.599 moedas; brasileiras, 2.337 moedas; romanas e bizantinas, 2.337 peças; medalhas portuguesas, 1.101 exemplares; e medalhas brasileiras, 950 exemplares.Os exemplares da Conceição acima ilustrados, moeda, venera e medalhas, eram da sua colecção, estando preservados no grande acervo luso-brasileiro do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro.

António Miguel Trigueiros

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A Revista Moeda fez-me chegar a fotografia de uma moeda que eu nunca tinha visto an-tes, a Conceição, mandada cunhar por D. João IV, com um pedido de interpretação dos símbolos das gravuras. A Conceição revelou-se uma moeda plena de simbolismo religioso.

REVERSO

A legenda – Na face em que aparece a Virgem Maria rodeada de símbolos, surge a legenda nas orlas laterais: TVTELARIS REGNI (Protectora do Reino).

A imagem da Virgem – Coroa a ima-gem da Virgem um conjunto de sete es-trelas. O número 7 é o número da vida, da união de Deus com a matéria (3 + 4), significados que aproveitam à noção da Virgem Maria. Com efeito, por Ele vem a vida, e Ela própria é a manifestação da união de Deus com a matéria, a nature-za. Por outro lado o número 7 indica os graus da iniciação, neste caso a inicia-ção Mariana, traduzida pelas 7 Dores da Virgem. A Virgem significa a possibilidade criadora e regeneradora. É a Natura (Na-tureza), aquela que haveria de nascer (pois sem Ela Cristo não poderia incarnar) e dar nascimento. De mãos postas indica a al-quimia divina de Ora et Labora (reza e trabalha), tão bem aproveitada pela Or-dem Dominicana. Olha para a direita, para o lado favorável, do Bem, da Divindade. Está de pé – existe – que significa manter-se a partir de, que está em si.

O mundo e a lua –Os seus pés pi-sam a lua, o símbolo por excelência da mulher, desde tempos Neolíticos. A lua assenta sobre o mundo rodeado pela ser-pente, cujo corpo dá um nó. A serpente foi identificada ao dragão, simbolizando biblicamente o Mal. Mas aqui a Virgem não pisa a sua cabeça. Tal facto referencia outros sentidos.

A serpente – Designa o Ouroboros, a serpente que morde a cauda, símbolo da lei do eterno retorno, de tudo aquilo que está em constante recriação. É a lei da na-tureza física; por isso aparece enrolada no globo, que quer exprimir a esfera terres-tre. A serpente é o símbolo das iniciações maiores e do caminho para as conseguir. Ao pisar a cabeça da serpente, a Virgem quebrou a Lei do Eterno Retorno para transformar o círculo em espiral. No entanto, nesta moeda, a Virgem não pisa a serpente, a Lua separa a Virgem do Mundo; a iniciação superior, da inferior, o espírito, da matéria. Nesta moeda a ser-pente é o símbolo da Imaculada Concei-ção, alusivo à redenção do pecado original operada em Maria por especial privilégio na sua concepção.

Os símbolos das invocações – Ro-deiam a figura da Virgem seis figurações, que correspondem a invocações da ladai-nha da Virgem. Não existe uma relação simples; com efeito, alguns dos símbolos utilizados podem referir-se a várias invo-cações.Sol – Designa a Divindade e a Criação (Santa Mãe de Deus ; Mãe do Criador)Espelho – Designa o Espelho de Justiça.

SIMBOLOGIA DA CONCEIÇÃO

Dr. Andrade Lemos

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Na concepção tradicional, a mulher sim-bolizada pela lua, é o espelho do sol.Templo – Sede de Sabedoria. A Virgem Maria representa a visibilidade do Fe-minino Divino. Domus Aurea (casa de ouro)Arca de Noé – Significa a Arca da Alian-ça. A Virgem exprime o momento da aliança real de Deus com o Homem, a matéria, a natureza. Segundo a Bíblia, a Arca de Noé conservou a natureza.Serrado – Refúgio dos Pecadores. Nes-te jardim fechado (também chamado de Horto), símbolo do Éden, os pecadores encontram o seu estado primeiro, quan-do o homem vivia em total contacto com Deus.Fonte – Saúde dos Enfermos. Repete-se com as devidas variações o sentido ante-rior. Fonte Selada.

O número seis indica recorrentemen-te a união do Criador com a Criatura, a harmonia dos opostos através de um eixo central (a própria Virgem), o Coração, a Beleza, a Vida, o Sol. Relaciona-se com a diversificação, a multiplicação, a rein-tegração e a unificação – tudo funções afirmadas pela ladainha da Virgem

A moeda coloca deste modo, o co-nhecimento das duas iniciações. O Reino (de Portugal) só poderá ser tutelado pela iniciação superior e não pela iniciação inferior. Por esta, estará sujeita a todas as contingências históricas, normalmente adversas; por aquela, surge a garantia de vencer as contingências terrestres.

ANVERSO

No anverso mostra-se o escudo na-cional coroado (a certeza de que o poder real volta a exercer-se no território livre), assente sobre a Cruz de Cristo. Com D. João III, o braço inferior da Cruz de Cristo foi prolongado. E o impé-rio começou a desfazer-se, porque umas das funções da Cruz de Cristo era a de significar a realização geográfica do im-pério. Com D. João IV, a Cruz de Cristo voltou à figura inicial (braços equilaterais) e o império começou a recuperar-se. Não foi o império primeiro, porque o tempo causa estragos – o tempo perdido pelo prolongamento do braço inferior da cruz. •