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A CONCEPÇÃO E A POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL COM A EDUCAÇÃO BÁSICA NOS PROGRAMAS
GOVERNAMENTAIS DE INCLUSÃO JOVENS
José dos Santos Souza
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Resumo
Diante da crise de acumulação de capital, a ordem de produção e reprodução social da
vida material burguesa se vê obrigada a recompor suas forças produtivas e a redefinir o
papel do Estado. Neste sentido, aciona um processo de reestruturação produtiva e de
reconfiguração dos mecanismos de mediação do conflito de classes. Como
consequência, vivencia-se a intensificação da precariedade do trabalho, trazendo à tona
as contradições da promessa integradora do capital. No Brasil, os efeitos desta reação
burguesa atinge especialmente a população jovem, afetada de forma privilegiada pela
flexibilização das relações de produção, pelo desemprego e pela precariedade do
trabalho. Assim, a inserção social de jovens por meio da aceleração de escolaridade
integrada à formação profissional ganha prioridade, o que nos leva a eleger como objeto
de estudo dois programas governamentais voltados para este segmento populacional: o
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e o Programa Nacional de
Inclusão de Jovens (PROJOVEM). Nosso objetivo é explicitar como a concepção e a
política de integração da educação profissional com a educação básica contida nestes
programas constitui uma espécie de pedagogia da política para mediar o conflito de
classe. A análise de dados evidencia que a função mais evidente destes programas
governamentais é educar o jovem para o consenso em torno da ideia de
empreendedorismo e competitividade como fator determinante da empregabilidade.
Portanto, se o PROEJA e o PROJOVEM abrem oportunidades de qualificação
profissional integrada a estratégias de aceleração de escolaridade, também conforma
política e ideologicamente amplo contingente de jovens trabalhadores ao estágio atual
do mercado de trabalho.
Palavras-chave: Trabalho e Educação; Ensino Integrado; Formação Profissional;
Políticas Educacionais
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Desde o final dos anos 1960, a ordem burguesa de produção e reprodução social
da vida material vive uma de suas mais complexas crises de acumulação de capital
determinada pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento taylorista/fordista. Longe
de ser mais uma de suas crises cíclicas, este contexto evidencia que é a própria ordem
do capital que está em crise, ou seja, trata-se de uma crise estrutural da sociabilidade
burguesa. Desta crise decorre o processo de reestruturação produtiva, o que tem
provocado desindustrialização, desemprego estrutural, intensificação da precariedade do
trabalho, desregulamentação de direitos trabalhistas e flexibilização das relações de
produção. Diversos estudiosos têm se debruçado sobre estas mudanças em busca de
interpretá-las e todos corroboram a tese da crise estrutural do capital, dentre eles
podemos citar: Mészáros (2002); Hobsbawn (2008); Harvey (1992); Chesnais (1996);
Anderson (1995); Antunes (2000; 2004; 2006); Alves (2000).
De forma intrínseca a estas mudanças no campo estrutural, mudanças
significativas também ocorreram no campo superestrutural que se materializaram na
hegemonia do modelo neoliberal de regulação social minimamente suavizado pela
Terceira Via, o que implicou a redefinição do papel do Estado e de sua relação com a
sociedade civil. A “marca registrada” deste modelo de regulação social é a crítica
ferrenha ao modelo do Welfare State e a apologia ao Estado Mínimo e ao
“protagonismo social” da sociedade civil. Seus principais efeitos são a racionalização de
gastos públicos com políticas sociais, implementação de parcerias entre público e
privado para tratamento das questões sócio-econômicas e reconfiguração dos
mecanismos de mediação do conflito de classes. O resultado mais evidente até agora é o
ofuscamento dos reais determinantes do desemprego estrutural, da intensificação da
precariedade do trabalho e da exclusão social. Para compreensão destas mudanças
superestruturais nos amparamos na teoria de Gramsci (1989a; 1989b; 1991; 1999;
2000a; 2000b; 2001); Coutinho (1992; 1994; 2000); Neves (1999; 2005).
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O caso brasileiro, as ações do empresariado para garantir maior flexibilização
dos direitos trabalhistas e condições renovadas de mediação do conflito de classe se dão,
de forma privilegiada, no âmbito do Estado. Por meio do desmantelamento das
instituições do Welfare State, respaldado no discurso do Estado Mínimo, a atual
redefinição do papel do Estado se articulada ao desenvolvimento de novas tecnologias
de produção e à flexibilização do trabalho e da produção. Nesse contexto, surgem novas
demandas de qualificação para o trabalho e para a vida social. Um novo valor é
atribuído à formação do trabalhador, seja no âmbito da educação básica ou da educação
profissional. Nesse sentido, a reformulação do modelo de desenvolvimento do capital
sob a hegemonia neoliberal tem se materializado no campo educacional brasileiro na
forma de políticas públicas para a adaptação dos sistemas educacionais às necessidades
imediatas do mercado de trabalho, muitas vezes utilizando-se de estratégias de
conformação da escola e de seus profissionais à ordem de profundas mudanças sociais e
econômicas em curso no mundo inteiro.
Deve-se considerar que a necessidade do estágio atual de desenvolvimento do
capitalismo de ampliar – mesmo que de forma ainda limitada – as oportunidades de
acesso ao conhecimento para uma parcela restrita da classe trabalhadora,
necessariamente, se justifica na sociedade civil por meio de um discurso integrador de
defesa da universalização da educação básica, ampliação das oportunidades de educação
profissional e combate ao trabalho infantil. Mas este discurso é, de fato, uma ilusão
necessária à manutenção do monopólio do conhecimento. Por meio desta ilusão, a
burguesia controla o acesso ao conhecimento científico e tecnológico aplicado na
produção, promovendo diferentes tipos de formação/qualificação profissional. É
inerente a este fenômeno a ocorrência da dualidade entre formação para o trabalho
intelectual – destinado a uma elite da classe trabalhadora – e formação para o trabalho
manual – destinado à grande maioria dos trabalhadores.
Em função do desemprego estrutural, característica inerente ao modelo de
desenvolvimento adotado como alternativa ao taylorismo/fordismo, ainda se faz
necessário conformar amplo contingente de trabalhadores excluídos do mercado de
trabalho. Vale observar que a população de 18 a 29 anos tem sido a mais penalizada
pelo desemprego estrutural. Neste aspecto, programas governamentais de inclusão
social de jovens cumprem papel relevante na formação da ilusão necessária que
funcione como pedagogia política da classe dominante para educar as massas para o
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consenso em torno do modelo de desenvolvimento adotado, garantindo condições
favoráveis à manutenção da hegemonia.
No caso brasileiro, esta ilusão necessária também funciona como mecanismo de
conformação ético-política de um imenso contingente de trabalhadores jovens
desempregados que, ao recorrerem a cursos de formação/qualificação profissional de
qualidade e eficácia duvidosa, alimentam a esperança de se inserirem no mercado de
trabalho.
Observe-se que, na medida em que avança a maquinaria, – como necessidade
cada vez mais premente para a manutenção e/ou ampliação das taxas de mais-valia
relativa – tornam-se cada vez mais frequentes iniciativas de formação e qualificação do
trabalhador para atender as novas demandas ocupacionais. Para garantir suas condições
de acumulação, a burguesia se vê obrigada a suplantar constantemente os limites por ela
mesma impostos à socialização do conhecimento na sociedade de classes. Eis aqui uma
das contradições inerentes ao processo de valorização do capital no que concerne à
educação.
Cônscia dos riscos políticos e ideológicos dessa contradição, a burguesia busca
impor limites ao processo de formação/qualificação profissional e social do trabalhador
coletivo. Atenta ao fato de que a ampliação do conhecimento científico e tecnológico
necessário às suas necessidades de acumulação constitui um elemento determinante do
aumento da demanda dos trabalhadores por educação, a burguesia procura redefinir sua
política de formação/qualificação profissional. Esta redefinição tem como objetivo
limitar o acesso ao conhecimento técnico-científico a um seleto contingente da força de
trabalho, enquanto a grande maioria é atendida por um tipo de qualificação profissional
fragmentada e de baixa qualidade. Se por um lado este tipo de qualificação fragmentada
não prepara uma parcela significativa da força de trabalho para apropriar-se da ciência e
da tecnologia aplicada na produção, por outro lado, pelo menos, tem o efeito de
conformação ético-política deste segmento da força de trabalho na nova conjuntura
excludente do mercado de trabalho. Funciona como uma espécie de educação para o
desemprego, na medida em que prepara parcelas significativas da força de trabalho – no
caso a população jovem – para permanecerem à margem do mercado formal de
trabalho, contentadas com subempregos, trabalhos precários, “bicos” ou trabalhos
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temporários. Mais que isto, prepara estas parcelas da classe trabalhadora para encararem
com naturalidade tal situação e a conformar-se com ela.
A formação/qualificação profissional e social surge neste contexto como
demanda objetiva da valorização do capital. De um lado, servindo de instrumento de
formação de um exército industrial de reserva de novo tipo – diferente daquele que
alimentava a produção fordista. De outro, servindo de espaço de conformação ético-
política da classe trabalhadora na nova dinâmica das relações de poder na sociedade,
onde os aparelhos privados de hegemonia assumem, na condição de parceiros do
Estado, o compromisso de promoção do desenvolvimento social e econômico fundado
na ideologia do consenso entre diferentes interesses em conflito.
Não obstante a isto, a juventude brasileira ainda hoje é vista como um problema.
Diante disto, tanto a sociedade como os governos buscam implantar medidas de
combate a esse “risco social” (IPEA, 2008, p. 07). Mas é inegável que a dificuldade de
se inserir no mercado de trabalho é o que mais tem prejudicado a população jovem. As
estatísticas apontam alto índice de jovens desempregados à procura do primeiro
emprego (IPEA, 2008, p. 09). Os principais problemas que a sociedade enfrenta como
saúde, educação, desemprego e violência atingem principalmente a população jovem.
Deve-se ressaltar o desemprego entre os jovens só não está ainda maior, porque,
entre outras razões, os jovens têm progressivamente adiado a sua entrada no mercado de
trabalho, em particular aqueles com 15 a 19 anos. Isto é expresso pelo fato de a taxa de
participação dos jovens no mercado de trabalho estar caindo mais do que a de outras
faixas etárias. [...] Em alguma medida, isso é consequência de o mercado ter ficado
mais exigente do ponto de vista da qualificação, o que faz com que os jovens busquem
se qualificar mais, mesmo quando já estão trabalhando (CARDOSO & GONZÁLEZ, 2007,
p. 31).
A literatura sobre juventude e trabalho aponta a articulação de diferentes
questões condicionantes da empregabilidade e desemprego na juventude. Dentre elas
podemos destacar o prolongamento da juventude e seus novos padrões comportamentais
que têm contribuído para a extensão da moratória social para ingresso no mercado de
trabalho, o que configura um novo cenário social. Verificamos que as discussões sobre
o ingresso do jovem no mundo de trabalho apontam a população de 18 a 24 anos como
aquela mais penalizada pelo desemprego, pela precarização do trabalho e pela violência
passiva e ativa. Por esta razão, a preocupação com a empregabilidade deste segmento da
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população se tornou o principal foco das políticas públicas voltadas para a juventude no
Brasil. Tais políticas têm apontado a educação profissional como fator de
empregabilidade e de geração de emprego e renda. Em função disto, surgem novas
estratégias do governo para reformulação da educação profissional, com vistas à
adequação do jovem excluído ao novo mercado de trabalho. Decorre daí diversos
programas nacionais de integração e qualificação do jovem como alternativa de inclusão
deles no ensino profissional.
O desafio que se coloca hoje no Brasil é reorientar as políticas de juventude na
direção de um modelo de jovens cidadãos e sujeitos de direito, que deixe
paulatinamente para trás enfoques como o do jovem como problema que ameaça a
segurança pública. Uma ação pública com viés social deve ter como premissa o
conhecimento prévio do público alvo da política implantada. Neste aspecto, não se pode
desconsiderar que a dificuldade de ingresso no mercado de trabalho é um agravante ao
expressivo conjunto de carências sociais vividas pelos jovens (BELLUZZO & VICTORINO,
2004, p. 13). As respostas governamentais a esta realidade tem se dado, de um lado, por
meio da ampliação de oportunidades de escolarização básica e, por outro, por meio de
programas sociais destinados à iniciação da formação profissional que se dá pela
vivência de experiências no mundo do trabalho (BELLUZZO & VICTORINO, 2004, p. 14).
Dois programas governamentais têm se destacado nesse aspecto, são eles: o
Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM) e o Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação Jovens e Adultos (PROEJA). Ambos os programas visam à elevação de
escolaridade integrada à educação profissional como política de inclusão social de
jovens. Tratam-se de programas voltados para a população jovem das camadas
populares de 18 a 29 anos, mas que podem se estender a outras faixas etárias como a de
14 a 17 anos, no caso do PROJOVEM, e a de 30 anos ou mais, no caso do PROEJA.
O PROJOVEM foi instituído pela Lei no 11.129/2005, mas, a partir de 1º de
janeiro de 2008, passou a reger-se pelo disposto na Lei 11.692/2008. Este Programa
visa promover a reintegração ao processo educacional, a qualificação profissional e o
desenvolvimento humano destinado à população de 15 a 29 anos, desenvolvido por
meio de quatro modalidades: I) O PROJOVEM Adolescente/Serviço Socioeducativo –
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coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); II)
o PROJOVEM Urbano – coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República;
III) o PROJOVEM Campo/Saberes da Terra – coordenado pelo Ministério da Educação
(MEC); e IV) o PROJOVEM Trabalhador – coordenado pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE).
Para a articulação de suas diferentes modalidades, o PROJOVEM conta com um
Conselho Gestor, coordenado pela Secretaria Nacional de Juventude, um órgão da
Secretaria-Geral da Presidência da República, composto pelos Secretários-Executivos
dos Ministérios envolvidos e por um Secretário Nacional representante de cada um
desses ministérios. Além disto, cada modalidade do PROJOVEM conta com um comitê
gestor, instituído pelo órgão responsável por sua coordenação, com participação de
representantes dos três outros órgãos gestores do PROJOVEM.
No PROJOVEM URBANO, por exemplo, o aluno sai com certificação do Ensino
Fundamental. A carga horária curricular apresenta um total de 2.000 horas, sendo 1.560
presenciais e 440 não-presenciais. Distribuídas da seguinte maneira: formação básica é
de 1.092 horas, a qualificação profissional é 390 horas e a participação cidadã é 78
horas, num total de 1560 horas. As 440 horas não-presenciais é o tempo determinado
para a realização de trabalhos na comunidade, onde está inserido o núcleo no qual o
jovem estuda. Essas 440 horas estão inseridas dentro do que é denominado
“participação cidadã”, que consiste em realização de atividades diversas, como por
exemplo, conhecer a própria comunidade e conhecer a associação de moradores etc.
Notamos que das 2.000h de carga horária curricular total do PROJOVEM
URBANO, 78% são presenciais e 22% são não-presenciais. A formação básica ocupa
54% da carga horária total do Programa, o que corresponde a 70% da carga horária
presencial. A qualificação profissional ocupa menos de 20% da carga horária total, o
que significa apenas 25% da carga horária presencial. A participação cidadã ocupa
pouco menos de 4% da carga horária total, o que significa exatamente 5% da carga
horária presencial. Isto demonstra claramente que a formação técnico-profissional é um
conteúdo secundário na proposta curricular do PROJOVEM URBANO e que seu foco é a
formação geral básica. A título de carga horária não-presencial são consideradas as
atividades extracurriculares realizadas, tais como: levar o jovem a conhecer a sua
própria comunidade; conhecer a associação de moradores e outras organizações civis e,
até mesmo, participar de mobilizações culturais ou sociais. A carga horária é
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determinada pelo Governo Federal, de modo que a implementação do Programa nos
municípios não foge a esta configuração.
Apesar de o PROJOVEM ter o objetivo de promover a reintegração dos jovens ao
processo educacional, por meio da elevação da escolaridade, com vistas na qualificação
para o mercado de trabalho por meio do desenvolvimento de ações comunitárias, os
conteúdos e a carga horária curricular podem ser considerados inadequados para o êxito
do Programa. Isto nos leva a crer que o tipo de formação escolar que o PROJOVEM
proporciona pode não atender aos objetivos apresentados no discurso oficial do
governo, ou seja, na nossa compreensão, a qualificação oferecida pelo PROJOVEM é
insuficiente para inserir o jovem no mercado de trabalho. Mas, por outro lado, há
evidências concretas de que o PROJOVEM tem conseguido mobilizar esforços
significativos de agentes públicos e da sociedade em torno da ideologia da qualificação
como fator de empregabilidade.
O PROEJA, por sua vez, é um programa do governo federal que se propõe a
contribuir para ampliação das vagas no sistema público de ensino ao sujeito jovem e
adulto. Este Programa foi instituído no âmbito federal pelo Decreto nº 5.478/2005, mas
no ano seguinte foi substituído pelo Decreto nº 5.840/2006, que introduziu novas
diretrizes ao Programa, de modo a ampliar sua abrangência para o público do ensino
fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Segundo o discurso oficial,
O PROEJA tem como perspectiva a integração da educação
profissional à educação básica buscando a superação da dualidade trabalho manual e intelectual, assumindo o trabalho na sua
perspectiva criadora e não alienante. Isto impõe a construção de
respostas para diversos desafios, tais como, o da formação do profissional, da organização curricular integrada, da utilização de
metodologias e mecanismos de assistência que favoreçam a permanência e a aprendizagem do estudante, da falta de infra-
estrutura para oferta dos cursos dentre outros (MEC, 2011, texto
em html).
Desde que sejam na modalidade de EJA, os cursos e programas do PROEJA
podem ser oferecidos em nível de educação profissional técnica ou em nível de
formação profissional inicial e continuada. Estes cursos e programas do PROEJA tem
como objetivo elevar do nível de escolaridade dos trabalhadores. No caso de se tratar de
curso de educação profissional técnica, estes devem estar organizados de forma
integrada ou concomitante ao ensino médio, contar com carga horária mínima de 2400h,
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assegurando-se cumulativamente a destinação de, no mínimo, 1200h para a formação
geral, somadas à carga horária mínima exigida para a respectiva habilitação profissional
técnica. Deve também garantir o atendimento às diretrizes curriculares nacionais e
demais atos normativos do Conselho Nacional de Educação (CNE) para a educação
profissional técnica de nível médio, para o ensino médio e para a educação de jovens e
adultos.
No caso de se tratar de cursos de formação profissional inicial e continuada,
estes tanto podem ser organizados de forma integrada ou concomitante ao ensino médio,
como de forma integrada ou concomitante ao ensino fundamental, sendo mais comum
neste último formato. Devem contar com carga horária total mínima de 1.400h, de
modo a assegurar cumulativamente a destinação de, no mínimo, 1200h para formação
geral e 200h para a formação profissional.
O PROEJA pode ser adotado por instituições públicas dos sistemas de ensino
estaduais e municipais e pelas entidades privadas nacionais de serviço social,
aprendizagem e formação profissional vinculadas ao “Sistema S”. Mas para a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPT), a implantação do
PROEJA foi obrigatória. As instituições que a integram foram obrigadas a implantar
cursos no âmbito do PROEJA em 2006, de modo a disponibilizar para este programa no
mínimo 10% do total das vagas de ingresso da instituição, ampliando essa oferta a partir
do ano de 2007. Foi exigido, inclusive, que esta ampliação da oferta de vagas para além
de 10% deveria estar inclusa no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de cada
instituição componente da Rede Federal.
O acompanhamento e o controle social da implementação nacional do Proeja é
exercido por comitê nacional, com função consultiva. A composição, as atribuições e o
regimento deste Comitê são definidos conjuntamente pelo MEC e pelo MTE. Mas o
acompanhamento e controle do desenvolvimento do Programa, em última análise, fica a
cargo da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) do MEC.
Tanto no PROJOVEM quanto no PROEJA, o apelo à integração da formação geral
com a formação para o trabalho está presente. De acordo com o discurso oficial contido
no site do MEC ou nos documentos norteadores desses programas, aparentemente esta
integração tem como perspectiva a superação da dualidade trabalho manual e
intelectual, assumindo o trabalho na sua perspectiva criadora e não alienante. Mas só
aparentemente. Na realidade, este tipo de integração entre formação geral e formação
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profissional propagado pelo governo federal se contrapõe àquele construído
historicamente pelo movimento organizado dos trabalhadores.
Tanto no PROJOVEM como no PROEJA o que é considerado como “ensino
integrado” é apenas a articulação de ações formativas da educação básica com as de
educação profissional em uma mesma matricula, mas sem qualquer preocupação com
uma prática transdisciplinar capaz de garantir a apropriação do conhecimento numa
perspectiva politécnica, com vistas na formação omnilateral do jovem trabalhador.
No caso do PROJOVEM, a principal barreira para uma prática pedagógica unitária,
integrada, pautada em um currículo de caráter politécnico, numa perspectiva omnilateral
de formação do trabalhador, consiste no fato de possuir organização curricular que
prescrita pelo Governo Federal e imposta aos municípios que implementam o Programa
sem chances para grandes mudanças. Além disto, não há qualquer garantia de que seu
quadro docente seja composto por profissionais da educação e não por professores
leigos, uma vez que não há qualquer tipo de dispositivo legal que assim determine,
especialmente quando se trata dos docentes para ensinar conteúdos da área de formação
profissional. Normalmente são aproveitados trabalhadores da comunidade que sabem
algum ofício para socializar seus conhecimentos com os alunos. Sem uma organização
escolar estruturada, sem uma gestão do trabalho pedagógico claramente estruturada,
qualquer tipo de integração entre a formação geral e a formação para o trabalho cai por
terra. A propósito, poderíamos até questionar se o que cai por terra não seja a formação
em si, seja ela integrada dou não.
O PROEJA, por razões distintas, também se vê limitado para colocar em prática
uma ação pedagógica capaz de unificar a formação para o trabalho com a formação
geral. Isto por que a RFEPT nunca havia de fato conseguido fazê-lo no ensino médio
regular, ainda mais em um Programa que lhe foi imposto. Com um quadro docente sem
acúmulo de experiência em EJA, de modo geral sem qualquer motivação para atender a
este tipo de clientela, realizar a integração curricular no PROEJA, quando há décadas
não foi capaz de implementá-la no ensino regular que oferece, é algo previsível.
Enfim, o ensino integrado não é algo que se impõe de cima para baixo, bastando
prescrevê-lo em documentos oficiais ou em leis e decretos.
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Porém, na disputa capital/trabalho na concepção e na política de educação básica
e formação profissional no âmbito do Estado evidenciam-se dois projetos distintos, um
da ótica empresarial e outro da ótica da organização e luta histórica dos trabalhadores
contra o capital. Embora ambos os projetos tenham como pressuposto a aplicação da
ciência e da tecnologia no processo de produção, eles possuem implicações bastante
diversas, até mesmo contrapostas. Um se volta para a emancipação humana, outro para
o aumento das taxas de mais-valia e conformação das camadas subalternas. Assim, na
disputa capital/trabalho na concepção e na política de educação básica e formação
profissional, tanto os sujeitos coletivos afinados com os interesses empresariais como os
vinculados aos interesses históricos de organização e luta dos trabalhadores contra o
capital partem do pressuposto da aplicação diretamente produtiva da ciência e da
tecnologia na organização do trabalho e da sociedade no mundo contemporâneo. No
entanto,
A explicitação dos dois projetos de sociedade, em disputa pela hegemonia na atualidade brasileira, põe em evidência as diferenças
existentes entre a proposta de educação pública e gratuita com
qualidade para todos em todos os níveis e a proposta de educação básica de qualidade para a competitividade industrial. A primeira se
caracteriza como uma proposta educacional na ótica do trabalho e, a segunda, como uma reivindicação baseada nos interesses do
empresariado (NEVES, 1999: p. 114).
Logicamente, qualquer que seja a proposta de integração entre a educação básica
e a educação profissional deve ter como pressuposto este conflito entre perspectivas
distintas de unificação das diversas dimensões da formação do trabalhador. Esta
distinção expressa justamente o conflito de classe. Quando as concepções e as práticas
pedagógicas que materializam o PROJOVEM e o PROEJA partem de uma proposição de
integração curricular que abstrai o reconhecimento deste conflito, incorrem em uma
tentativa de despolitizar a política, com o intento de formar um consenso em torno de
seu projeto que tem suas raízes nos interesses do empresariado em aumentar sua
produtividade e condições de competitividade no mercado globalizado. Mesmo que em
seu discurso este interesse esteja camuflado pelo discurso de qualificar o trabalhador
para garantir-lhe condições de ingresso e permanência no mercado de trabalho –
empregabilidade.
Desse modo, além de atender a necessidade estrutural do capitalismo, a
burguesia ainda consegue com esses programas conformar esse imenso contingente de
jovens trabalhadores no leito de mudanças substanciais por que passa o cotidiano das
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empresas, bem como o cotidiano social. Neste aspecto superestrutural, as ações
burguesas no campo da formação/qualificação profissional promovem um sentimento
tal que faz os jovens se sentirem contemplados em suas demandas individuais de
acumulação de capital humano, apesar de, possivelmente, jamais virem a conseguir
colocação no mercado de trabalho em decorrência da formação/qualificação recebida.
Isto significa que, mesmo que possamos vivenciar uma ampliação considerável da
oferta de serviços educacionais voltados para a formação e qualificação do trabalhador,
de modo geral, esta oferta significa muito mais um mecanismo de mediação do conflito
de classe no campo da luta pelo acesso ao conhecimento científico e tecnológico do que
um instrumento de formação/qualificação profissional propriamente dita.
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