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A concepção tomista de pessoa
Daniela Paes Moreira Samaniego
professora de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC), mestranda em Direito pela UNIC/UNESP
Sumário: 1. Introdução; 2. Os Direitos da Personalidade; 2.1 – Direitos
Fundamentais e Direitos da Personalidade; 2.2 – Classificação dos Direitos da
Personalidade; 2.3 – Direitos da Personalidade e Pessoa; 3. O Pensamento
Cristão; 4. São Tomás de Aquino; 4.1 – A vida de São Tomás de Aquino; 4.2 – A
concepção de pessoa de acordo com o pensamento de São Tomás de Aquino; 5.
Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O que são e quais são os "Direitos da Personalidade"? Walter Moraes, em sua
obra "A Concepção Tomista de Pessoa – Um contributo para a teoria do direito da
personalidade" afirma que, são tantos os direitos arrolados nesta categoria que,
fatalmente, chegamos à esse questionamento. Direito à vida, à honra, ao corpo, à
imagem, à liberdade, à intimidade, o estado civil, o trabalho, a clientela, as partes
do corpo, o cadáver, produtos da pessoa (direitos autorais), segredo das
correspondências, boa fama, alcunha, brasões ... e um infindável número! A cada
dia, novos direitos da personalidade surgem, provocando a reação de inúmeros
doutrinadores que entendem que, tal fato, gera dúvidas e incertezas quanto a sua
aplicabilidade e conceituação, além de deixar uma sensação de algo desorientado
ou perdido. Já não são poucos os estudiosos do direito a afirmar que é preciso,
urgentemente, encontrar uma espécie de "ponto de apoio" (como afirma Walter
Moraes) (I) , alguma coisa que possa dar unidade à esse conjunto de direitos, uma
base. Apesar de existirem, conforme veremos adiante, posicionamentos
contrários.
Para encontrar tal "ponto de apoio" precisamos, primeiramente, entender o que
quer dizer o termo "Direito da Personalidade" e o que este termo tem à ver com a
Personalidade e com a pessoa, além disso, resta-nos questionar o que é
personalidade e, finalmente, o que é pessoa?
De nada adianta alegar que os Direitos da Personalidade são os direitos da
pessoa, porque é notório que o direito é constituído "hominus causa", ou seja, o
único sujeito de direitos é a pessoa, de modo que todos os direitos são da pessoa,
e não apenas os direitos da personalidade;
Olhando sob um ponto de vista objetivo, a afirmação de tratar-se de direitos que
se exercem sobre uma mesma pessoa, também não é nem um pouco
convincente, já que, seria o mesmo que afirmar que os diferentes objetos dos
direitos da personalidade é que compõem, ou sustentam, a pessoa ou a sua
personalidade, o que sabemos, desde já, que não é verdade, pois a personalidade
é ínsita ao ser humano. Cabe aqui, portanto, questionar se, a intimidade, a
fotografia, a sepultura, os alimentos e tantos outros bens incluídos no rol dos
"Direitos da Personalidade" são, realmente, bens que constituem, essencialmente,
a pessoa.
Não podemos deixar de reconhecer que tratam-se de valores relacionados à
pessoa, no entanto, a maioria dos doutrinadores entende que a doutrina dos
direitos da personalidade ainda é muito imprecisa e contraditória, necessitando de
esclarecimentos, explicações coerentes. E aí, voltamos ao início dessa introdução,
quando afirmamos necessitar, tais direitos, de um "ponto de apoio", uma base.
Desse modo, passaremos a verificar, baseando-nos na obra de Walter Moraes
(supra citada), o que se entende por Direitos da personalidade, o que é
personalidade e o que é pessoa, não esquecendo de abordar tais assuntos, de
acordo com o pensamento cristão que, desde os primeiros séculos, já questionava
e estudava esses temas. Culminando, por abordar a concepção de pessoa, de
acordo com o pensamento de um dos maiores filósofos da baixa Idade Média: S.
Tomás de Aquino.
2. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Antes de falarmos dos direitos da personalidade, temos que saber, primeiramente,
o que é "personalidade".
De acordo com a legislação civil pátria, personalidade é a aptidão para se
tornar sujeito de direitos e obrigações, ou, como afirma, o ilustre mestre,
CLÓVIS BEVILÁQUA: "É a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém,
para exercer direitos e contrair obrigações".(II)
Ainda, com relação à legislação supra citada, a pessoa física ou o ser humano,
adquire a personalidade civil quando nasce com vida (artigo 4º do Código Civil
Brasileiro). Adquirida a personalidade civil, as pessoas físicas, tornam-se sujeitos
de direitos e obrigações na órbita civil. No que pertine às Pessoas Jurídicas ou
Morais, atualmente, já não são poucos os que entendem que têm, estas, direitos
da personalidade, direitos que adquirem no instante em que registram seus
contratos, estatutos ou atos constitutivos no órgão de registros peculiar, passando
a ter, dessa forma, existência jurídica.
Desse modo, podemos afirmar que não existem "Direitos à Personalidade", pois
esta, é imanente à pessoa. O correto, seria dizer que, existem "Direitos da
Personalidade" ou direitos decorrentes da aquisição da personalidade civil, uma
vez que, tais direitos, passam a existir a partir do momento em que a pessoa
adquire a personalidade civil, passando a ser sujeito de direitos e obrigações.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos dizer que os Direitos da
Personalidade são direitos que decorrem da aquisição da personalidade civil,
portanto, são direitos da pessoa, no entanto, como já salientamos antes, só essa
afirmativa não basta para conceituar os Direitos da Personalidade, já que todos os
direitos são da pessoa, pois só a pessoa, seja física, seja jurídica, pode ser sujeito
de direitos.
Nesse caso, como conceituar os Direitos da Personalidade?
De acordo com nossa doutrina, os chamados "Direitos da Personalidade", são
direitos imanentes à pessoa, consistem em direitos que têm por objeto
"emanações da personalidade". Porém, o que seriam essas "emanações da
personalidade"? Walter de Moraes entende que tal termo é um tanto quanto
obscuro, de modo que, não explica, por si, o que é personalidade ou o que é
pessoa.
Gierke definiu os direitos da personalidade como aqueles que "asseguram ao
seu sujeito o domínio sobre uma parte componente da esfera da própria
personalidade." Porém, não definiu o que se entenderia por "esfera da própria
personalidade", o que deixou seu conceito um tanto quanto vago.
Carlos Alberto Bittar, em sua obra "Os Direitos da Personalidade"- 2ª Edição,
afirma que "os direitos da personalidade devem ser compreendidos como: a) os
próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua natureza, como ente
humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo
exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com
a sociedade)". (III)
Ao iniciar a obra supra citada, Carlos Alberto Bittar assim delimita o tema Direitos
da Personalidade: "Consideram-se como da personalidade os direitos
reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na
sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de
valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a
intelectualidade e outros tantos." E continua o autor: "Em verdade, o universo
desses direitos está eivado de dificuldades, que decorrem, principalmente: a) das
divergências entre os doutrinadores com respeito à sua própria existência, à sua
natureza, à sua extensão, e à sua especificação; b) do caráter relativamente novo
de sua construção teórica; c) da ausência de uma conceituação global definitiva;
d) de seu enfoque, sob ângulos diferentes, pelo direito positivo (público, de um
lado, como liberdades públicas; privado, de outro, como direitos da
personalidade), que lhe imprime feições e disciplinações distintas".
Dessa forma, podemos afirmar que não existe, ainda, um conceito completo e
preciso do que seja o Direito da Personalidade. A doutrina e a jurisprudência
buscam, constantemente, baseando-se nos vários Direitos da Personalidade
existentes e nos que surgem diariamente, encontrar um conceito que defina, de
uma forma clara, objetiva, completa, os Direitos da Personalidade.
Caio Mário da Silva Pereira (IV) ensina que para caracterizar a natureza jurídica
dos direitos da personalidade, importa salientar que nossa legislação reconhece,
de maneira inequívoca, a existência de faculdades atribuídas ao homem,
"imbricadas na sua condição de indivíduo e de pessoa". E continua, afirmando que
os direitos da personalidade distribuem-se em duas categorias gerais: de um lado,
os adquiridos e do outro, os inatos; sendo que os direitos adquiridos, existem nos
mesmos termos que encontram-se disciplinados pelo Direito Positivo, enquanto
que os inatos encontram-se acima de qualquer condição legislativa, uma vez que
são absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis e imprescritíveis.
No entanto, existem doutrinadores que afirmam, como Pietro Perlingieri, por
exemplo, que a personalidade não é um direito, e sim um valor, segundo ele, o
valor fundamental do ordenamento jurídico e, dessa forma, encontra-se na base
de uma série de situações existenciais, série esta, aberta, uma vez que pode
mudar de maneira incessante. Para este autor: "Tais situações subjetivas não
assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem fazer perder
de vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de
hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles
colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se
instrumento para realizar formas de proteção também, atípicas, fundadas no
interesse à existência e no livre exercício da vida de relações". (V)
E ainda continua, o nobre autor, afirmando que nenhuma previsão legal pode ser
exaustiva, pois se assim o fosse, correria o risco de deixar de lado algumas
manifestações e exigências da pessoa que exigem uma consideração positiva,
mesmo com as mudanças sofridas na sociedade por ocasião do seu progresso.
Talvez, esta seja uma boa resposta aos questionamentos feitos com relação à
variedade dos direitos da personalidade.
Concordamos, em parte, com o ilustre autor, quando este afirma que a
personalidade é um valor, e não um direito, já que esta é ínsita ao ser humano,
bastando nascer com vida, para adquiri-la. No entanto, para proteger a sua
integridade física, moral e psíquica, ou seja, para proteger os bens que constituem
a sua personalidade, a pessoa, seja física ou jurídica, necessita de proteção legal,
e essa proteção legal constitui os direitos da personalidade que, nada mais são do
que direitos, decorrentes da aquisição da personalidade, e que existem para
protegê-la juridicamente.
2.1 – Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade
Cabe aqui, ressaltar, que alguns doutrinadores diferenciam os Direitos
Fundamentais dos Direitos da Personalidade. De acordo com esses
doutrinadores, apesar de ambos derivarem do princípio constitucional que exige a
proteção da pessoa humana, não se tratam de termos sinônimos.
Os Direitos da Personalidade são direitos subjetivos, que têm por objeto os
elementos que constituem a personalidade do titular, considerada em seus
aspectos físico, moral e intelectual. Tem como finalidade proteger, principalmente,
as qualidades, os atributos essenciais da pessoa humana, de forma a impedir que
os mesmos possam ser apropriados ou usados por outras pessoas que não os
seus titulares. São direitos inatos e permanentes, uma vez que nascem com a
pessoa e a acompanham durante toda a sua existência até a sua morte.
Dessa forma, consequentemente, são absolutos (pois são eficazes contra todos),
indisponíveis (porque não podem ser alienados, não podendo, seu titular, a eles
renunciar), extra - patrimoniais (por não possuírem uma valoração econômica, o
que não impede a sanção pecuniária no caso de violação) e imprescritíveis (pois
não se extinguem pelo seu não uso, da mesma forma que sua aquisição não é
resultante do curso do tempo).
Os Direitos da Personalidade manifestam-se nas relações jurídicas de direito
privado, visando proteger o indivíduo de atos praticados por outros indivíduos. É
nesse ponto que, o mesmo, diferencia-se dos Direitos Fundamentais, pois estes,
são direitos que se manifestam nas relações jurídicas de direito público, onde o
indivíduo se protege contra atos arbitrários do Estado. Enquanto os direitos da
personalidade são individuais, ou seja, são direcionados ao indivíduo de forma
singular (como, por exemplo, o direito à honra, ao nome, à intimidade), os direitos
fundamentais são coletivos, pois são direcionados, não ao indivíduo, mas à toda a
coletividade (como os direitos à educação, à saúde, à moradia).
2.2 – Classificação dos Direitos da Personalidade
A classificação dos Direitos da Personalidade deve se fazer considerando-se os
aspectos fundamentais da personalidade, ou seja, o físico, o intelectual e o moral.
De forma que, os direitos da personalidade, podem ser classificados em: Direito à
integridade física, Direito à integridade moral e Direito à integridade intelectual.
Vejamos cada um deles.
O direito à integridade física consiste na proteção jurídica à vida, ao corpo
humano, ao cadáver e à liberdade pessoal de submeter-se ou não a exame e
tratamento médico.
O direito à integridade intelectual consiste na proteção à liberdade de pensamento
e no direito autoral, ou seja, consiste no poder que as pessoas têm de vincular seu
nome às produções de seu espírito, tendo a garantia de publicar, reproduzir e
explorar, tal produção, punindo aqueles que dele se apropriarem., indevidamente.
O direito à integridade moral corresponde à proteção pertinente à pessoa, no que
diz respeito à sua honra, liberdade, recato, imagem e nome. Honra é a dignidade
pessoal e a consideração que a pessoa desfruta no meio em que vive. É o
conjunto de predicados que lhe conferem consideração social e estima própria. É
a boa reputação.
Liberdade é a ausência de impedimentos, é o poder que as pessoas têm, de agir
sem a interferência do Estado ou de outras pessoas.
O direito ao recato consiste na preservação da intimidade de sua vida privada, da
curiosidade e indiscrição das demais pessoas, sua proteção legal aparece no
direito à imagem, no direito ao sigilo da correspondência e da comunicação
telefônica.
O direito à imagem é o direito que a pessoa tem, de não ver divulgado seu retrato
sem sua autorização, a não ser nos casos de notoriedade ou nos casos em que a
ordem pública, assim o exigir. O direito à imagem pertence a pessoa e só ela pode
publicá-la ou comercializá-la.
O direito ao nome, apesar de encontrar-se relacionado nos direitos à integridade
moral, poderia ser inserido em uma nova classificação dos direitos da
personalidade, tal a sua importância, uma vez que sem um nome, não poderíamos
requerer a proteção jurisdicional de nossos direitos, inclusive, dos direitos da
personalidade. Trata-se do direito à identificação pessoal e baseia-se no fato de
que, as pessoas devem ser reconhecidas em sociedade por uma denominação
própria, de modo a identificá-la e individualizá-la. O nome é, portanto, o sinal
distintivo que identifica a pessoa, dentro de uma sociedade.
2.3 – Direitos da Personalidade e Pessoa
O que é pessoa? É o mesmo que personalidade?
A palavra "pessoa" deriva do latim "persona", que significa máscara. E foi com
esse significado que ela introduziu-se na linguagem filosófica, pelo estoicismo
popular, para designar os papéis representados pelo homem, na vida.
No sentido mais comum do termo, pessoa é o homem em suas relações com o
mundo ou com ele próprio.
A partir de Descartes, ao mesmo tempo em que se enfraquece ou diminui o
reconhecimento do caráter substancial da pessoa, acentua-se a sua natureza de
relação, especialmente no que pertine a relação do homem consigo mesmo.
Locke afirma que a pessoa "é um ser inteligente e pensante que possui razão e
reflexão, podendo observar-se (ou seja, considerar a própria coisa pensante que
ele é) em diversos tempos e lugares; e isso ele faz somente por meio da
consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele". (VI) A relação do
homem consigo mesmo torna-se, dessa forma, a característica fundamental da
pessoa.
Hegel entendia por pessoa o sujeito auto - consciente enquanto "simples
referência a si mesmo na própria individualidade."
Contra tais interpretações, encontramos as posições filosóficas que se recusam a
reduzir o ser do homem à consciência e fazem polêmica contra a forma mais
radical dessa interpretação, que é o hegelnianismo. Neste sentido, a antropologia
de esquerda hegliana e do marxismo, constitui o início de uma renovação desse
conceito ou a evidenciação de um aspecto sobre o qual a tradição filosófica se
calara, a de que a pessoa humana é constituída ou condicionada essencialmente
pelas "relações de produção e trabalho", de que o homem participa com a
natureza e com os outros homens para satisfazer às suas necessidades.
Kant, entretanto, já caracterizara o conceito de pessoa como heterorrelação.
Quando Kant afirmava que "os seres racionais são chamados de pessoas porque
a natureza deles os indica já como fins em si mesmos, como algo que não pode
ser empregado unicamente como meio", declarava ele, que a natureza da pessoa,
do ponto de vista moral, consiste na relação intersubjetiva.
Esse conceito de pessoa que não coincide com o eu, foi formulado em termos
análogos e é geralmente empregado nas ciências sociais. A definição de que,
habitualmente, valem-se nessas ciências, de pessoa como o indivíduo provido de
status social, refere-se à rede de relações sociais que constituem o status da
pessoa. A consideração da pessoa como unidade individual, corresponde à
mesma determinação conceitual do termo como agente moral, sujeito de direitos
civis e políticos ou membro de um grupo social. O homem é pessoa porque, nos
papéis que desempenha, é essencialmente definido por suas relações com os
outros.
Se formos buscar o conceito clássico de pessoa, encontraremos, em nossa
doutrina a definição de que pessoa é o ser ou o ente coletivo, dotado de
personalidade civil, que nada mais é do que a aptidão para ser sujeito de direitos e
obrigações. Ou então, podemos usar a conceituação que nos é fornecida pelo
mestre Clóvis Beviláqua, segundo o qual "pessoa é o ser a que se atribuem
direitos e obrigações. Eqüivale, assim, a sujeito de Direitos." (VII)
Pontes de Miranda (VIII) afirma que "pessoa é quem pode ser sujeito de direito..."
E continua: "Certamente, o ser sujeito do direito a, em concreto portanto, é
diferente de ser pessoa, que é em plano acima, abstrato; mas não se há de levar
muito a fundo a diferença, porque a pessoa já nasce com titularidade concreta,
que é a do direito de personalidade como tal, o direito a ser sujeito de direitos. Tal
direito ressalta aos nossos olhos quando pensamos em terem existido, e ainda
existirem em sistemas jurídicos destoantes da civilização contemporânea, seres
humanos sem capacidade de direito... (...)a personalidade em si não é direito; é
qualidade, é o ser capaz de direitos, o ser possível estar nas relações jurídicas
como sujeito de direito."
Dessa forma, podemos afirmar que Pessoa e Personalidade não são palavras
sinônimas. Personalidade é a aptidão para ser sujeito de direitos e
obrigações. O sujeito de direitos, todos sabemos, é a pessoa, de forma que ser
sujeito de direitos, é ser pessoa. Tratam-se, dessa forma, de conceitos
equivalentes, uma vez que personalidade, vem a ser a aptidão para ser
pessoa. Walter Moraes afirma que a personalidade é "o que" ou seja, "o quid",
que faz com que algo seja pessoa.
No significado técnico da psicologia contemporânea, personalidade é a
organização que a pessoa imprime à multiplicidade de relações que a
constituem. É nesse sentido que Nietzche falava de pessoa, observando que
"alguns homens compõem-se de várias pessoas e a maioria não é pessoa. Onde
predominarem as qualidades medianas importantes para que um tipo se perpetue,
ser pessoa será luxo (...) trata-se de representantes ou de instrumentos de
transmissão". (IX)
H. J. Eysenck diz que "personalidade é a organização mais ou menos estável e
duradoura do caráter, do temperamento, do intelecto e do físico de uma pessoa:
organização que determina sua adaptação total ao ambiente. Caráter designa o
sistema de comportamento conativo (vontade) mais ou menos estável e duradouro
da pessoa.
Temperamento designa seu sistema mais ou menos estável e duradouro de
comportamento afetivo (emoção); intelecto, seu sistema mais ou menos estável e
duradouro de comportamento cognitivo (inteligência); físico, seu sistema mais ou
menos estável e duradouro de configuração corpórea e de dotação neuro-
endócrina". (X)
No entanto, o que buscamos saber, é em que consiste a personalidade, enquanto
aptidão para ser sujeito ou pessoa.
Eroulths Cortiano Júnior afirma que "não se pode confundir a idéia de sujeito
de direito, com a idéia de personalidade que partem de premissas distintas e
têm funções distintas". (XI) Mais à frente, continua o nobre autor supra citado à
respeito dos Direitos da Personalidade: "A tábua sistemática de proteção à
dignidade humana, dentro do direito privado, configura-se justamente nos
chamados direitos da personalidade. Esta categoria de direitos é plena de
inquietações e dúvidas. Sua obscuridade ainda permeia os estudos. Sua sutileza
ainda assombra os juristas. Sua amplitude desorienta a doutrina. Sua dimensão
assusta a jurisprudência. Sua existência flexibiliza e desestabiliza o direito civil,
com repercussões por todo o direito."
Diante de tais considerações, podemos dizer que a única coisa incontroversa em
tudo isso, é a certeza da existência de direitos que visam proteger a integridade
física, intelectual e moral da pessoa, direitos estes, que surgem no mesmo
instante que a pessoa, ou seja, no momento em que adquire-se a personalidade
civil, passando a ser "pessoa" e a ter, com isso, existência jurídica.
3 – O PENSAMENTO CRISTÃO
Walter Moraes, em sua obra, já citada, afirma que um célebre professor de
Harvard, criticou aquilo que denominava "estreiteza das concepções psicológicas"
que reduzem o homem a um ser reativo, objeto da observação e análise de
pequenos fenômenos, sob condições controladas. Tal professor ensina que, "uma
concepção exclusivamente psicológica da pessoa humana é um sonho em vão. É
preciso conhecer, também, a sua natureza metafísica e seu lugar no plano
cósmico. A sabedoria antiga, tanto filosófica, quanto teológica, deveria ser
consultada e incorporada, se não quisermos lidar com superficialidades
complexas."
Dessa forma, podemos afirmar, que não existe nenhuma corrente científica ou
filosófica que tenha dedicado tanto tempo, e com tanto empenho, em investigar a
pessoa, quanto o pensamento cristão.
Desde os primeiros séculos, os sábios do Cristianismo buscaram elucidar dois
pontos fundamentais da doutrina: o mistério da encarnação e o mistério da
Trindade.
A doutrina cristã ensinava que Deus é um só, de forma que a natureza divina é
una. Entretanto, essa unidade é da divindade, porque as pessoas mesmo, são
três, ou seja, a trindade é das pessoas. Neste caso, pode-se afirmar que há uma
só natureza (um só espírito) e três pessoas.
Por outro lado, a segunda pessoa, que é "o Verbo", encarnou-se e assumiu a
natureza humana, de modo que, uma só pessoa, passou a sustentar duas
unidades de natureza (uma humana e outra divina). Esses dogmas sugerem,
dessa forma, que existe uma distinção real entre a pessoa e a substância natural
personalizada e, apesar de reconhecerem tratar-se de verdades que não são
passíveis de serem alcançadas pela razão humana, não admitiram, entretanto,
que algum mistério de fé pudesse representar um absurdo ou algo irracional, fora
da realidade, conforme salienta Walter Moraes.
Para o cristianismo, a noção de pessoa apresentou-se útil quando foi preciso
expressar as relações entre Deus e o Cristo, e entre ambos e o Espírito, no
entanto, ao mesmo tempo, foi fonte de mal entendidos e heresias. Por um lado,
essa relação parecia ter sido somada à substância da coisa (e esse era o seu
conceito na filosofia tradicional, em particular, na aristotélica). Por outro lado, a
palavra pessoa, lembrando máscara de teatro, parecia implicar o caráter de algo
meramente aparente e não substancial. Foi daí que nasceram as disputas
trinitárias que caracterizam a história dos primeiros séculos do Cristianismo.
Com o objetivo de se evitar a associação entre a noção de pessoa e a de
máscara, os filósofos gregos adotaram a palavra hypóstasis, que significava
"suporte", revelando, dessa forma, as preocupações que sugeriram tal escolha.
Muitos padres porém, na época, entenderam ser melhor simplesmente negar que
a pessoa fosse relação, insistindo na sua substancialidade. Esse era o
pensamento de S. Agostinho, que afirmava significar pessoa, simplesmente, uma
substância e que, dessa forma, o Pai é pessoa em relação a si mesmo, e não em
relação ao filho, e assim por diante. Baseado nisso, Boécio definiu pessoa como
"a substância individual de natureza racional". Veremos, mais à frente, que esse
não foi o pensamento de S. Tomás de Aquino.
4 – SÃO TOMÁS DE AQUINO
O maior e mais importante filósofo da Baixa Idade Média foi S. Tomás de Aquino,
que viveu entre 1225 e 1274. Chamamo-lo de filósofo, no entanto, ele foi,
igualmente, um teólogo. Naquela época não existia uma nítida divisão entre
filosofia e teologia.
Da mesma forma que vários outro teólogos de sua época, S. Tomás de Aquino
começou escrevendo um vasto Comentário aos Quatro Livros das Sentenças de
Pedro Lombardo, obra que, já continha a arquitetura da futura Summa Theologiae.
No período entre os seus trinta anos, quando escreveu o Comentário às
Sentenças, e os cinqüenta, quando terminava a Summa, S. Tomás ocupou-se em
comentar quase todos os livros das Sagradas Escrituras, o melhor da obra de
Boécio e de Dioniso Areopagita e, praticamente, toda a obra de Aristóteles.
Podemos afirmar que S. Tomás de Aquino "cristanizou" Aristóteles, da mesma
forma que S. Agostinho fizera com Platão no início da Idade Média, e aqui,
entende-se por "cristanizar", o fato desses dois filósofos terem sido interpretados e
entendidos de modo a deixarem de significar uma ameaça para a doutrina cristã.
S. Tomás de Aquino está entre os que tentaram conciliar a filosofia de Aristóteles
com o cristianismo. E o que se atribui à ele é o mérito de ter conseguido a grande
síntese entre a fé e o conhecimento. Ele não acreditava em um paradoxo,
irreconciliável entre aquilo que nos diz a filosofia ou a razão, de um lado, e a
revelação ou a fé cristã, do outro. Muito freqüentemente, o cristianismo e a
filosofia falam da mesma coisa.
S. Tomás de Aquino acreditava que, ao lado do que ele chamou
"verdades de fé" (como afirmar, por exemplo que Deus criou o mundo em seis
dias), existiam as chamadas "verdades naturais teológicas", ou seja, aquelas
verdades às quais podemos chegar tanto pela fé cristã, quanto pela nossa própria
razão natural, inata. Para ele, um exemplo desse tipo de verdade seria o fato de
que existe um Deus.
Tudo isto, aliado à uma vida espiritual de grande intensidade, culminou, no final de
sua vida, para a elaboração da Summa Theologiae, que foi a sua principal obra.
4.1 – A VIDA DE SÃO TOMÁS DE AQUINO
São Tomás de Aquino nasceu na Itália, em Rocasecca, cidade próxima a Nápoles,
entre os anos de 1225 e 1227. Era filho do Conde Landolfo e da Condessa
Teodora, que viviam no castelo de Rocasecca, aparentados com a nobreza alemã.
A data do seu nascimento, no entanto, provoca uma certa divergência entre os
estudiosos, sendo mais aceita, a definida por P. Mandonnet em um estudo
publicado na Revue Thomiste em 1914, segundo o qual, S. Tomás teria nascido
em 1225, em alguma data anterior ao dia 7 de março.
Aos cinco anos de idade, São Tomás foi confiado à custódia dos beneditinos de
Monte Cassino, que, já naquela época, tinham fama universal, lá permanecendo
por nove anos, até que, com cerca de 14 anos, a abadia foi ocupada pelas tropas
de Frederico II, sendo S. Tomás, devolvido ao castelo da família, para logo em
seguida, ser encaminhado à Universidade de Nápoles.
Seguindo a orientação pedagógica da época, consagrou-se, São Tomás de
Aquino, ao estudo das Artes Liberais, que eram divididas em dois grupos: o
primeiro grupo era formado pelo, chamado, Trivium, ou seja, a gramática, a
retórica e a dialética, enquanto que o segundo grupo constituía o Quadrivium, isto
é, a aritmética, a geometria, a astronomia e a música.
São Tomás teve como mestre no Quadrivium, Pedro da Irlanda, célebre por seus
comentários a algumas obras de Aristóteles que, na época, começavam a ser
descobertas pelo ocidente cristão. Esse professor influenciou profundamente S.
Tomás de Aquino, uma vez que foi ele quem atraiu, pela primeira vez, a atenção
de Tomás para o nome e a obra de Aristóteles. Este simples fato, marca um lugar
a Pedro da Irlanda na história do pensamento humano, por ter sido,
provavelmente, o instrumento do encontro inicial entre S. Tomás de Aquino e
Aristóteles.
Foi durante sua estadia em Nápoles, enquanto estudava o Trivium e o
Quadrivium, que Tomás ficou conhecendo os padres dominicanos, sacerdotes que
pertenciam a uma ordem, recém fundada na Igreja, por São Domingos. Por volta
de seus 20 anos, S. Tomás ingressou na Ordem dos Dominicanos, sendo logo,
enviado à Paris e, em seguida, para Colônia, no Império Germânico. Lá, Alberto
Magno, ou Albertus Magnus, empreendia um trabalho de interpretação e
assimilação de toda a obra de Aristóteles. O encontro de S. Tomás de Aquino com
Alberto Magno representa um fato de extraordinária transcendência na história do
pensamento. São muitos os estudiosos que afirmam que, se a visão de S. Tomás
não tivesse sido, de início, estimulada pelo mestre e, logo após, ampliada nos
mais diferentes sentidos, talvez o monumento tomista não alcançasse a majestade
soberana a que se elevou.
Foi em Colônia, que Tomás de Aquino começou a ensinar, sob a direção de
Alberto e, ainda nesta cidade, foi ordenado sacerdote. Alguns estudiosos
entendem que, provavelmente, foi também, em Colônia, que ele escreveu a obra
De Ente et Essentia e que iniciou os comentários dos Livros das Sentenças de
Pedro Lombardo.
Em 1252, Tomás de Aquino foi transferido para Paris, para lecionar na famosa
Universidade Francesa e ali permaneceu até 1259, quando já devia contar com 34
anos de idade. Foi nesta época que ele escreveu o Comentário aos Livros das
Sentenças de Pedro Lombardo e as Quaestiones Disputatae De Veritate.
Dos 34 aos 44 anos, S. Tomás de Aquino lecionou em vários centros de estudos
da Itália e, durante três anos foi professor em uma escola de Teologia, que era
anexa à Cúria Romana, além de ser teólogo consultor do Papa. São desta época
que datam os principais comentários aos livros de Aristóteles. Também desta
época, datam a obra Summa contra Gentiles, que representou para S. Tomás de
Aquino uma espécie de preparação para que, posteriormente, pudesse escrever a
monumental Summa Theologiae. Aliás, foi, também nesta época, que se iniciou a
concepção e o planejamento da Summa Theologiae, bem como a redação da
primeira das três partes em que se divide tal obra.
Dos 44 aos 47 anos, voltou, S. Tomás, a lecionar na Universidade de Paris. Neste
período escreveu outros comentários a Aristóteles, como, por exemplo, o
Comentário ao Livro da Interpretação, o Comentário aos Segundos Analíticos, o
Comentários ao De Anima e o Comentário à Política, este último, incompleto,
tendo sido terminado por seu discípulo, Pedro de Alverria. Da Summa Theologiae,
redigiu a segunda de suas três partes.
Na Páscoa de 1247, com aproximadamente, 47 anos, S. Tomás retornou à Itália,
onde lecionou, na Universidade de Nápoles, durante dois anos. Época em que
escreveu o Comentário ao Livro De Causis e a terceira e última parte da Summa
Theologiae, da qual completou as questões referentes a Cristo e a maior parte das
referentes ao Sacramento; preparava-se para escrever, talvez aquela que seria a
parte mais sublime da Summa Theologiae, parte esta, em que descreveria o
Paraíso, quando, durante a Missa que celebrava na capela de São Nicolau, na
manhã de 6 de dezembro de 1273, recebeu uma revelação que proibiu-o de
continuar escrevendo e determinou que aguardasse o seu breve trânsito para a
"vida eterna". Algumas semanas mais tarde, Tomás de Aquino foi convocado pelo
Papa para se apresentar ao Segundo Concílio Ecumênico de Lião e, juntamente
com o seu secretário, empreendeu uma viagem até a França. No caminho,
próximo a Fossa Nova, S. Tomás ficou doente, sendo acolhido no mosteiro
cisterciense daquela cidade, onde faleceu, em 7 de março de 1274, quando
contava com 49 anos de idade. (XII)
4.2 – A CONCEPÇÃO DE PESSOA DE ACORDO COM O PENSAMENTO
DE SÃO TOMÁS DE AQUINO
Foi S. Tomás de Aquino que restabeleceu o significado do conceito de pessoa
como relação, mesmo afirmando, de maneira simultânea, a substancialidade da
relação in divinis.
S. Tomás afirma que o próprio Boécio, citado no item 3, admitia que "todo atinente
às pessoas, significa uma relação". Além disso, entendia ele, que não havia outra
forma de se esclarecer o significado das pessoas divinas, senão a de esclarecer
as relações entre elas, com o mundo e com os homens. Afirmava que: "Não há
distinção em Deus, a não ser em virtude das relações de origem. Contudo, em
Deus a relação não é como um acidente inerente ao sujeito, mas é a própria
essência divina, de tal modo que a subsiste do mesmo modo como subsiste a
essência divina. Assim como a divindade é Deus, a paternidade divina é Deus Pai,
que é a pessoa divina: portanto, a pessoa divina significa a relação enquanto
subsistente, isto é, significa a relação na forma da substância, que é a hipóstase
subsistente na natureza divina, embora aquilo que subsiste na natureza divina
outra coisa não seja senão a natureza divina".
No que diz respeito às pessoas em geral, S. Tomás de Aquino afirmava que, à
diferença do indivíduo, que por si é indistinto, "a pessoa, numa natureza qualquer,
significa o que é distinto nessa natureza, assim como na natureza humana
significa a carne, os ossos e a alma que são os princípios que individualizam o
homem". Para ele, portanto, mesmo no sentido comum, a pessoa é distinção e
relação.
A questão da pessoa, para os tomistas, é assunto eminentemente metafísico.
Apenas eles, os tomistas, é que trataram, de forma psicológica e moral, a pessoa
e a personalidade, ao avançarem alguns aspectos sistemáticos da disciplina de
Aristóteles.
Walter Moraes ensina que, do ponto de vista da Metafísica, a relação entre
personalidade e pessoa é a de subsistência e substância. Substância seria "o
que é em si e não em outra coisa", ou seja, aquilo que existe por si, e não
carece de outro fundamento. Essa independência, própria da substância,
chama-se subsistência.
Subsistência vem a ser, portanto, a aptidão para "ser" sem dependência.
Quando a substância for perfeitamente subsistente, ela se chamará suposto
(em latim "suppositum", em grego "hypóstasis"). O suposto é o que existe de mais
completo, no gênero da substância e é, a tal ponto, independente, que não pode
estar ou comunicar-se com outra. Dessa forma, define-se como a "substância
singular perfeitamente subsistente e incomunicável".
O suposto da natureza racional se diz "pessoa". Essa noção explica a clássica
definição de Boécio, acatada e sustentada por S. Tomás de Aquino: "substância
indivídua de natureza racional". Onde o termo "indivídua", vale como indivisa
em si e separada de qualquer outra substância incomunicável.
À subsistência do suposto, diz-se também, supositalidade. E a
subsistência da pessoa, "personalidade".
PERSONALIDADE "ID QUO" "É a subsistência da pessoa."
PESSOA "ID QUOD" "É o suposto ou hypóstasis, de natureza racional."
No que pertine à natureza, de acordo com a concepção de Aristóteles,
natureza é um princípio de movimento. Podemos, assim, definir a natureza, como
o ser substancial, considerado como o primeiro princípio operativo. "É o ser
considerado como o primeiro princípio das operações das quais ele é a causa
ativa ou o sujeito passivo."
Portanto, é a pessoa que age na natureza, por isso, pessoa, que é hypóstasis, é,
outrossim, essencialmente, sujeito. O sujeito primeiro de atribuição da natureza
racional.
5 – CONCLUSÃO
Diante do exposto, cabe questionar se a personalidade se identifica ou coincide
com a natureza em oposição à pessoa. Porque, se esta se reduzir à natureza,
(partindo-se do pressuposto, conforme salienta Walter Moraes, de que os direitos
subjetivos de personalidade recaem sobre componentes da natureza) a
denominação "DIREITOS DA PERSONALIDADE", terá sido aplicada
corretamente. Trata-se de um direito referido à personalidade, que é o objeto da
relação, na qual a pessoa é o sujeito.
No entanto, se ao contrário, a personalidade não estiver na natureza, mas na
pessoa, teremos um "homem", que traduz, na opinião do autor supra citado, um
conceito ilusório, porque, referido à natureza e não à personalidade, não é, este
direito, da personalidade, mas da natureza, ou da humanidade de cada um. Além
disso, é absurdo, porque, referindo tal direito à personalidade enquanto está na
pessoa, confundir-se-iam, no mesmo termo, sujeito e objeto, o que é impossível,
uma vez que os conceitos de sujeito e objeto só existem, na medida em que se
excluem.
De fato, não há como inserir o sujeito e o objeto de um direito em um mesmo
termo. O objeto só existe, enquanto em confronto com um sujeito.
Considerados os pressupostos metafísicos como ponto de referência, podemos
encontrar duas linhas principais de pensamento: uma substancialista e outra
fenomenista.
De acordo com a corrente fenomenista, personalidade nada tem a ver com a
noção de substância, trata-se de fenômenos, que dizem respeito aos caracteres
que definem o seu eu pessoal. Portanto, para essa corrente, a pessoa humana é
alguma coisa a mais do que uma síntese de estados conscientes e
subconscientes. Para essa concepção, desconsiderado o fato da
substancialidade real e distinta do sujeito hipostático, a pessoa é o homem.
Pessoa é uma palavra, uma mentalização e não alguma realidade distinta. Essa
corrente não foi considerada satisfatória. Alguns estudiosos entenderam que ela "é
falsa naquilo que nega", uma vez que, tudo se reduz a uma só coisa, que é a
unidade psicofísica do homem existente e individual, a qual não suporta a
dualidade real sujeito-objeto, que qualquer relação jurídica pressupõe.
Uma outra corrente, embora mantendo-se sobre bases metafísicas, chega a
aproximar-se do fenomenismo, quando cuida de demonstrar a redução da
personalidade à natureza, baseada no pressuposto de que a incomunicabilidade
ou independência do suposto, não é senão algo negativo; dessa forma, a
subsistência é simples aspecto especial da natureza e a pessoa nada mais é do
que a natureza individual real, considerada desde o ponto de vista inteiramente
negativo de sua incomunicabilidade. Podemos ver, que também aqui, tudo se
resume à natureza, e, de modo algum se explica o fato de ocorrerem, no mesmo
indivíduo, o sujeito e o objeto de um direito subjetivo.
A teoria da linha substancialista pura, contesta a possibilidade da redução
personalidade-natureza, demonstrando a distinção, considerando que a
subsistência é uma perfeição positiva que se acrescenta à natureza substancial, já
que, a independência é a imperfeição, enquanto que a dependência é a perfeição.
Portanto, a personalidade não é a própria natureza da substância, mesmo porque,
a natureza, ainda que individuada, atribui-se à pessoa, conforme ensinou São
Tomás de Aquino, como parte essencial desta. O que não se pode conceber, é
que a personalidade se oponha à pessoa.
É a concepção substancialista pura, portanto, que, compatível com a realidade
dos direitos da personalidade, esclarece tal fenômeno, determinando que a
objetivação real se dá entre a pessoa (substância hipostática plena, constituída na
personalidade) e a natureza. Esse confronto "personalidade-natureza" pode ser
observado, também, no desenvolvimento da teoria filosófica-psicológica, que se
aplica a discriminar um "eu objeto" diante de um "eu sujeito".
Para essa teoria, o "meu" está além do "eu". Contudo, o que é meu, é tudo
quanto constitui a minha vida orgânica e psicológica; e é por referência a este
meu, rigoroso e estrito, que se definem os graus de nossa posse dos seres e das
coisas. De maneira que, o "meu" é antes de tudo e essencialmente, o que eu sou,
ou seja, tudo o que pode servir de atributo a um "eu". Por isso, o "eu" se desdobra,
marcado pela distinção entre um "eu sujeito" e um "eu objeto". O "eu objeto"
designa o conjunto orgânico, fisiológico e psíquico que me constitui; enquanto que
o "eu sujeito", seria o sujeito ou princípio a que se atribuem todos os elementos
desse conjunto;
Do ponto de vista ontológico, o bem é propriedade de todo o ser e ambos se
convertem. Do ponto de vista ético, bem é o fim a que todo o homem tende para
satisfazer uma necessidade ou um desejo seu.
Para Aristóteles: "Bem é aquilo a que tudo tende". Maritain, (XIII) entende que,
a noção moral de bem implica, antes de tudo, um valor, que é o bem na
perspectiva da causalidade formal; e, depois, um fim, que é o bem "considerado
na perspectiva da causalidade final". Trata-se do bem ao qual o homem tende, e
que toma por objetivo na sua atividade como agente livre.
No que pertine aos Direitos da Personalidade, podemos afirmar que, para um
sujeito, as substâncias, essências, potências, atos e propriedades que integram o
seu composto natural, constituem-se em bens, pelo simples fato de necessitar
deles.
Os bens, que em Direito, se classificam como de personalidade, são partes que
integram o homem em sua natureza. São, dessa forma, considerados direitos
básicos: o corpo e a psique (substâncias); a vida (essência da psique); as obras
do espírito (ato de potência intelectiva); a imagem (propriedade do corpo –
visibilidade); a condição de família (propriedade da potência generativa); a
liberdade e a dignidade (propriedades da "anima intelectiva"); a identidade e a
intimidade (propriedades do todo humano); além de outros, cuja qualificação como
bens e direitos de personalidade é discutida.
O termo "Direitos da Personalidade", é atualmente, o mais empregado pela
doutrina e pelas leis, no que pertine aos direitos em discussão. Tal, já foi
assimilado pela terminologia jurídica, "aparentemente", como fato consumado.
Importa aqui, salientar, que tais direitos não visam a personalidade e muito menos
bens que a integram, de maneira que, o termo "personalidade" ganha aqui, um
significado analógico, referindo-se à realidades, essencialmente, diversas. Ou
seja, a mesma norma que assegura ao sujeito, de forma absoluta, a disposição de
partes do seu corpo, isto é, de sua própria natureza, impõe um dever geral de
abstenção e de respeito para com a vida de cada homem.
Podemos então, afirmar, que trata-se de uma regra de teor simples, denso e de
extenso alcance, em virtude do seu caráter absoluto em razão da essencialidade
do direito e do objeto a que compreende. À essa ordem normativa ou conjunto de
normas que disciplinam as relações supra citadas, dá-se o nome de Direito da
Personalidade.
NOTAS
I. MORAES, Walter. A Concepção Tomista de Pessoa – Um contributo
para a teoria do direito da personalidade. RT 590/14.
II. Apud NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. Vol. 3. Pg.
741.
III. BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade – 2ª Edição. Ed.
Forense Universitária. Pg. 10.
IV. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18ª Ed. Ed.
Forense. Pg. 153, 154 e 155.
V. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil
Constitucional. Ed. Renovar. Pg. 155 e 156.
VI. Apud. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes.
Pg.762.
VII. Apud NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. Ed. Ícone. Pg.
741.
VIII.MIRANDA, Pontes de – Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Tratado
de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I. Ed. Bookseller. Pg. 215.
IX. Apud ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes.
Pg. 758.
X. EYSENCK, H. J. The Structure of Human Personality. Pg. 02
XI. CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Luiz Edson Fachin (coordenador).
Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Ed.
Renovar. Pg. 41.
XII. As informações à respeito de São Tomás de Aquino, foram retiradas do
site:www.accio.com.br/Nazare/1946.
XIII. MARITAIN, J. Problemas Fundamentais da Filosofia Moral. Pg. 47.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=560
Acesso em 26/06/2009