A Condição Pós-moderna, Jean-François Lyotard

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Clássico da filosofia pós-estruturalista; jogos de linguaguem, O Pós-moderno seria "o estado da cultura, depois de transformações súbitas nas regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes, a partir do século XIX.

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  • JEAN-FRANOI

    o PS-MO U 11111111111U) 066963

    \ Contribuio discusso internacional sobre aquesto da legitimidade: o que permite dizer, hoje,que uma lei justa, um enunciado verdadeiro? Exis-tiram os grandes relatos, a emancipao do cida-do, a realizao do esprito, a sociedade semclasses.A idade moderna recorreu a eles para legi-timar ou criticar seussaberes e seusatos.

    Ohomem ps-moderno no acredita mais nisto.Osdecisores lhe oferecem como per$pectiva o au-mento do poder e a pacificao pela transparn-cia comunicacional. Mas ele sabe que o saber,. qu,ando se torna mercadoria informacional, uma ~:foMe de lucros e um meio de decidir e controlar.

    Onde reside a legitimidade, ap9s os relatos? Namelhor operatividade do sistema?Eum critrio tec-nolgico, ele no permite julgar o verdadeiro e ojusto. Noconsenso? Masa inveno sefaz no dissen- ,timento. ~

    Porque no neste ltimo? A sociedade que vemergue-se menos de uma antropologia newtoniana(como. o estruturalismo ou a teoria dos sistemas) emais de uma pragmtica das partculas de lingua-gem. . .. O saber ps-moderno no somente o instru-

    mento dos poderes: ele nos refina 'a senSib;.i1idadepara as diferenas e nos refora a capacid de desuportar o incomensurvel. Elemesmo no ncon-tra sua razo na homologia dos experts,mas na pa- Iralogia dos inventores. (f agora: uma legitimao do vnculo, sociaf, .

    uma sociedade justa, seria praticv:!fseQundo umparadoxo anlogo? Emque este co~istina?

    JEAN-FRANCOIS LYOTARD

    J_o-JOSOlYMPIO EDITORA

  • Jean-Franois Lyotard poucoconhecido entre nos. Ativo, contes-tador, adversrio declarado dosmodismos orquestrados pelos massmedia, provavelmente um dosmais brilhantes filsofos da sua gera-o. Nascido em 1924, seguiu um iti-nerrio intelectual bastante comum.Marxista durante os anos 50-60, fezparte do grupo "Socialismo e Barb-rie" animado por Cornlius Casto-riadis. Ativista durante a guerra daArglia, foi um dos artes osdaquelaruptura com as ideologias dominan-tes que na Frana d~terminaram aacelerao dos acontecimentospoliticos de 1968.

    Com a publicao, em 1974, deDrive partir de Marx et Freud e Desdispositifs pulsionnels, Lyotard imps-se como um dos mais importantespensadores franceses da atualida-de. Prximo de Gilles Deleuze pelaconstante referncia ao desejo esuas adjacncias, dele se distingue,no entanto, por ter uma postura poli-

  • tica radical: a abolio definitiva daidia de verdade que durante mui--tos sculos tem sido uma das princi-pais ferramentas do poder. Para Lyo-tard, portanto, a tarefa principal do ~filsofo contemporneo a de I,."acelerar" a decadncia dessaidia, e nesse sentido defende um"Niilismo ativo". Nietzsche, por con-seguinte, est no horizonte dessasreflexes.

    EmO ps-moderno,'importante li-vro publicado na Frana em 1979,Lyotard leva adiante o projeto deacelerar a decadncia da idia deverdade, pelo menos tal como ela entendida por algumas correntesda filosofia moderna. Com o termo"Ps-moderno", pretende antes detudo designar o conjunto das trans-formaes ocorridas nas regras dojogo da produo cultural e quemarcam o advento das sociedadesps-industriais. Sua preocupaobsica, como indica o subttulo do li-vro, no a de avaliar todo o con-junto das modificaes sofridas pe-la herana cultural deixada pelosmodernos, mas sim a de avaliar "ascondies do saber produzido nassociedades mais avanadas", mui-to particularmente as condies dosaber cientfico e seu suporte tradi-cional, a universidade.

  • Jean-Franois Lyotard

    o ps-modernoTraduo

    RICARDO CORRA BARBOSA

    J_o-JOS OLYMPIO EDITORARIO DE JANEIRO/1988

  • Ttulo do origina! francs:LA CONDITION POSTMODERNE

    'reitos adql:liridos para a lngua portuguesa, no Brasil, pelarO M. D RIA JOS OLYMPIO EDITORA S.A."I, /9 ~ Rua Marqus de Olinda, 12

    "'llio de neiro, RJ - Repblica Federativa do BrasilR O Q. (' (

  • "A verdade que a cincia favorecelI; aidia de uma fora intelectual rude e s-bria que torna francamente insuportveltodas as velhas representaes metafsicase morais da raa humana."

    (Robert Musil,O homem sem qualidades, 11

    COM o incio) por volta dos anos 50) da chamada "eraps-industrial))) assistimos a modificaes substantivas nosestatutos da cincia e da universidade. O mais importantenesse processo de modificao) cuja origem encontra-se na"crise da cincia)) (e da verdade) ocorrida nos ltimos decnios do sc. XIX) no foi apenas a eventual substituiode uma "m)) concepo da cincia (a empirista) por exem-plo) por outra qualquer. O que de fato vem desde entoocorrendo uma modificao na natureza mesma da cin-cia (e da universidade) provocacla pelo impacto das trans-LOt'~aes tecnolgicas sobre o saber. A cot1JEincia maisimediata desse novo cenriO/oi tornar ineficaz;o quadroterico proporcionado pelo filsofo (leia-se: metafsico)moderno que) como sabemos) elegeu como s~a questo aproblemtica do conhecimento) secundarizando as ques-tes ontolgicas em face s gnoseolgicas. Mas) ao proce-der dessa maneira) fez da filosofia um metadiscurso delef.!,itimaoda prpria cincia. A modernidade do quadroterico em questo encontra-se exatamente no fato de con-ter certos rcits aos quais a cincia moderna teve que re-correr para legitimar-se como saber: dialtica do esprito)emancipao do sujeito razovel. ou do trabalhador) cres-

  • A clencia, para o filsofo moderno, herdeiro do !lu-minismo, era vista como algo auto-referente, ou seja, exis-tia e se renovava incessantemente com base em si mesma.Em outras palavras, era vista como atividade "nobre", "de-sinteressada", sem finalidade preestabelecida, sendo quesua funo primordial era romper com o mundo das "tre-vas" mundo do senso comum e das crenas tradicionais,. ,contribuindo assim para o desenvolvimento moral e espi-ritual da nao.

    Nesse contexto, a cincia no era sequer vista como"valor de uso" e o idealismo alemo pde ento conceb-lacomo fundada em um metaprincpio filosfico (a "vida di-vina" de Fichte ou a "vida do esprito", de Hegel) que,, ,por sua vez, permitiu conceb-la desvinculada do Estado,da sociedade e do capital, e. fundar sua legitimidade emsi mesma.

    "Nao" e "cincia" caminharam juntas, por exem-plo, na avaliao humboldtiana, de sab(jf' humanstico-libe-ral, e que esteve na base da criao da Universidade deBerlim (1807-10)) modelo para muitas organizaes uni-versitrias nos meados do sc. XX.

    "" T ,. 'd {('/'-'1-0 entanto) o cenarza -p1Js-mo erno, com sua voca-o" inf.DnJJ.iJi.ca~~.in.fr.1Jlainal) (~JJ.J,2e51e" qsobre.3Jt a5-0nceP.4--dsil~er ~~entf!co. Como muito bem notouAlfred N. W hitehead) o sc. XX vem sendo o palco deuma descoberta fundamental. Descobriu-se que a fonte detodas as fontes chama-se jnforma~ e que a cincia -assim como qualquer moddtd(;' de conhecimento - na-da mais do que 1f-1JJ.f;I..tQtl1JjdQ.d.forgqn.izalJ.est~a~~~_",dJribu.ir C(4Js.jnjor.ma.,f.L Longe, portanto, de contI-nuar tratando a cincia como fundada na "vida do espri-to" ou na "vida divina"; o cenrio ps-moderno_com~{j..a. v-ja ..COlllQ..tftJ1.fQ.n.-UPtode menslIg,ms possJl.f.LiJ:~~sertraduzid -~_':._q}}~e..(bi ts) de=oii1.tar.mao".Ora) seas mquinas informticas justamente operam traduzindo asmensagens em bits de informao, s ser "conhecimento

    ix

    cimento da riqueza e outros. Desde o momento em quese invalidou o enquadramento metafsico da cincia mo-derna, vem ocorrendo no apenas a crise de conceitos ca-ros ao pensamento moderno) tais como "razo") "sujeito","totalidade") "verdade", "progresso". o-J$.~tatamosque aolado dessa crise opera-se sobretudo a(~ de novos..f1J:...quadra!!!EJl!211e6ri.f)s("aumento da potncia") "eficcia","opilmizao das perf.ormances do sistema") legitimadoresda produo cientfico-tecnolgica numa era que se (juerps-industrial. JJ..Ql-mpderno,e.n~!!:!~CSJ'!ldo_4g.SJ.Il-~.1l.eS1a ...era,c.ara.cteriza~se e~mente pela incredulida-de perante o metadiscurso jilosfico-meta!sico, C01JL5.1J.4L~e.s;temporajs e universalizantes.

    O cenQ_/2Q.J.-mQderno.essencialm en~f.-.jJzgnti.co~informtico e informacional. Nele, expancLem-se cada vezmais os estudos e as pesquisas sobre a ITiigUa~, com oobjetivo de cO~-!f_mecnica dCLs..u.._P~ e dee.I' tabelecer ~jil2.i1idadJ ent~gJM2Lm~..JJJ-qyin_iJJ.~_formtica. Incrementam-se tambm os estudos sobre a "in-teligncia artificial)) e o esforo sistemtico no sentido deconhecer a estrutura e o funcionamento do crebro bemcomo o mecanismo da vida. Neste cenrio) predominamos esforos (cientficos, tecnolgicos e polticos) no senti"do de j1)fQJ1J1atiZJ-SQ.k.e.dade.Se, por um lado, o avanoe a c~tidianizao da teenologia informtica j nos im-pem srias reflexes/ por outro lado, seu impacto sobrea cincia vem se revelando considervel.

    I Reflexes sobre questes ticas (direito informao), questes de-ontolgicas (relativas privacidade. vida privada) questes jurdico-po-lticas (transmisso transfronteira de dados -'- transborder data flow) e aquesto da soberania e da censura estatal; questes culturais (diversidadee identidade cultural e a possvel homogeneidade da mensagem telemtica transmitida por satlite); questes poltico-sociais (democratizao dainformao, rediscusso da censura, pertinncia scio-cultural da infor11l11l"io).

  • (C'lIljico" certo tipo de informao traduzvel na lingua-W'!II (Iue essas mquinas utilizam ou ento compatvel comc/ri, () que se impe com o tratamento informtico da"mensagem" cientfica na verdade uma concepo ope-racional da cincia. Nesse contexto) a pesquisa cientficapassa a ser condicionada pelas possibilidades tcnicas damquina informtica) e o que escapa ou transcende taispossibilidades tende a no ser operacional) j que no podeser traduzido em bits. Assim sendo) a atividade cientficadeix de ser aquela praxis que) segundo a avaliao hu-manstico-liberal) especulativa) investia' a formao do ((es-prito") do "sujeito razovel") da ((pessoa humana" e atmesmo da "humanidade". Com ela) o que vem se impondo a concepo da cincia como tecnologia intelectual, ouseja) como valor de troca e) por isso mesmo) desvincula-da do produtor (cientista) e do consumidor. Uma prticasubmetida ao capital e ao Estado) atuando como essa par-ticular mercadoria chamada fora de produo.

    Esse processo) fruto da corroso dos dispositivos mo-dernos de explicao da cincia) muito apropriadamentedesignado por Lyotard pela expresso "deslegitimao". Noentanto) ele no se d apenas em funo da corroso do((dispositivo especulativo" (Idealismo alemo) Hegel) oudo ((dispositivo de emancipao" (Iluminismo) Kant) Marx).Essa corroso (que Nietzsche entendeu ser uma das razes do "Niilismo europeu")) muito bem captada em nar-rativas como Pais e filhos (Ivan Turgueniev)) O homemsem qualidades (Robert Musil) e Sonmbulos (HermanBroch)) fez surgir novas linguagens que escapam s deter.minaes tericas dos dispositiv.os modernos e aceleram suaprpria deslegitimao. Da segunda lei da termodinmicil teoria da catstrofe) de Ren Thom; do simbolismo qu-mico s lgicas no-denotativas; da teoria dos quanta fsica ps-quntica; do uso do paradigma.._cibemtico-il1jor-mtico no estudo do cdigo gentico ao ressurgimento dacosmologia de observa~o; da crise da Weltanschauung

    newtoniana recuperao da noo de ((acontecimento")"acaso "I na fsica) na biologia) na histria) o que temos a crise de uma noo central nos dispositivos de legiti-mao e no imaginrio modernos: a noo de ordem. Ecom ela assistimos rediscusso da noco de "desordem"/o qUf!por sua vez torna impossvel submeter todos os dis-cursos (ou iogos de lingHqgm..s) Uu.toridLlde. de um -meta-dis.cur-s-o_quese-p~etendeaJl11.2e. do .llgJ1jJifl1te)J!g tg:~o e da p.rJ2l!rjq!.~~o) )sto l.-li1Jjl!frsg1 ...~_consistente.

    Por isso mesmo que as delimitaes clssicas doscampos cientficos entram em crise) se desordenam. Desa-parecem disciplinas) outras surgem da fuso de antigas;as velhas faculdades do lugar aos institutos de ensino e/oupesquisa jinanciadospela iniciativa privada) pelo poder p-blico ou por ambos. A universidade) por sua vez) enquan-to produtora de cincia) torna-se uma instituio sempremais importante no clculo estratgico-poltico dos Esta-dos atuais. Se a revoluo industrial nos mostrou que semriqueza no se tem tecnologia ou mesmo cincia) a condi-o ps-moderna nos vem mostrando que sem saber cien-tfico e tcnico no se tem riqueza. Mais do que isto: mos-tra-nos) atravs da concentrao massiva) nos pases ditosps-industriais) de bancos de dados sobre todos os sabereshoje disponveis) que a competio econmico-polticaentre as naes se dar daqui para frente no mais ,emfuno primordial da tonelagem anual de matria-prima oude manufaturados que possam eventualmente produzir.Dar-se-) sim) em funo da quantidade de informao

    1 Cf. Communications, n. 18, 1972 (nmero especial sobre a retomadada noo de acontecimento pelas cincias contemporneas).2 Sobre a centralidade dessa rediscusso na atual fase da pesquisa cient-fica, cf. Edgar Morin, La methode I: La nature de Ia nature; La methode11: La vie de Ia vie e Le paradigme perdu: Ia nature humaine, todospela Bditions du Seuil, Paris em 1977, 1980 e 1973, respectivamente.

  • tol;ClH';entfica que suas universidades e centros de pes-'1/IiJa forem capazes de produzir} estocar e fazer circularcomo mercadoria,

    qJg_~te.~!Q.Jjf!:-d esle gi~ima.f.4Q~,pQs-m od e1J1..)JQ" p"Qtie}evidentemente} passar se111U11!4~SJ2.0sitjv() de..kgJli1J1ao~"A administrao da prova}}} escreve Lyotard} "que emprincpio no seno uma parte da argumentao destina-da a obter o consentimento dos destinatrios da mensa-gem cientfica} passa assim a serco~t;ol;dtl) por um outro

    # jogo de linguagem onde o que est em questo no averdade mas o desempenho} ou seja} a melhor relaoinput/output" (p. 83). Como novo dispositivo de legiti-mao} o critrio do desempenho impe no apenas oabandono do discurso humanista-liberal por parte do Es-tado} do capital ou mesmo da universidade. Na medida emque seu objetivo aumentar a eficcia} d primazia ques-

    \

    to do erro: oimportante agora no afirmar a verdade}/ 'mas sim localizar' o-erro no sentido de aumentar a eficcia}Qu.melhor} a potncia. Nessas circunstncias} a universida-de} o ensino e a pesquisa adquirem novas dimenses: for-mam-se pesquisadores ou profissionais} investe-se na pes-quisa e na sua infra-estrutura no mais com o objetivo depreparar indivduos eventualmente aptos a levar a nao sua ({verdade}}) mas sim formar competncias capazes desaturar as junes necessrias ao bom desempenho da di-nmica institucional.

    Aps essas consideraes} parece-nos razovel dizerque o texto de Lyotard contm, implcita} uma observa-o que reputamos fundamental: o contexto ps-modernotende a eliminar as diferenas epistemolgicas significati-vas entre os procedimentos cientficos e os procedimentospolticos. A retomada ps-moderna dessa !Wstti,ra.kt1(Qnia-na nos coloca em uma via no-cartesiana, no-kantian~-Jsde o momento em que, contrariamente ao pensadopelos dispositivos modernos de legitimao, parte do pres-Jupasto de que "verdade}} e "poder" no podem ser separa-

    xii

    cios. Jl idha baconiana de que o conhecimento o poderparccc, Jem dvida} animar a construao'aodisposivopJ-moderno de legitimao, No entanto} preciso notar'lI/C} para Bacon} pensar dessa maneira constitua um mo-do de tentar abolir a oposio entre ((tcnica)} e ((eman-cipao}} sem ob'ahc19nQ . .d.esJa."O filsofo ingls era doparecer de que a construo de um ((novo mundo)} era obje-tivo fundamental e que s pela via de um conhecimentoque deixasse de ser concebido como contemplao / desig-nao de uma ((ordem eterna)}} perfeita} divina e trans-histrica} poderamos construir uma comunidade livre de((dolos)}. A problemtica do ((novo mundo}}) no entanto)parece no seduzir o filsofo ps-moderno} avesso s filo-sofias da subjetividade e aos metadiscursos de emancipa-o. Preocupado com o presente e com o reforo do cri-trio de desempenho - critrio tecnolgico -" visandocom isso o reforo da ((realidade)} e o aumento das chan-ces de se ter ((razo}}) ele parece ter abandonado os cami-nhos da utopia) esse modo de encantar o mundo que ani-ma as ies de Bacon e de outros modernos. Estas} porsinal} mostram o esforo do filsofo no sentido de supe-rar o divrcio entre inteligncia e emoo. Para isso semdvida necessrio que o conhecimento (inclusive a filo-sofia) esteja mais perto do concreto} do presente} coope-

    "rando com as foras do acontecimento, de codificando edando coerncia aos detalhes da cotidianidade. Mas tudoisso com o objetivo de resgatar o encantamento que asreligies proporcionaram aos nossos ancestrais. Estar} sim}perto do cotidiano} do presente} mas visando a interpene-trao da emoo e da cincia} da paixo e da inteligncia}do sonho e da prtica} de forma que a poesia possa vir aser a flor espontnea do mundo futuro.

    Rio de Janeiro, outubro de 1985WILMAR DO VALLE BARBOSA

    xiii

  • ESTE estudo tem por objeto a pOSlao do saber nassociedades mais desenvolvidas. Decidiu-se cham-Ia de"ps-moderna". A palavra usada, no continente ameri-ano, por socilogos e crticos. Designa o estado da cul-tura aps as t!.illlsf9J::maes_que afetaram as regras dosjogos da cind, da literatura e das artes a partir do finaldo sculo XIX. Aqui, essas transformaes sero situadasem relao crise d-_}"~ltgs.

    Originalmente, a cincia entra em conflito com osrelatos. Do ponto de vista de seus prprios critrios, amaior parte destes ltimos revelam-se como fbulas. Mas,na medida em que no se limite a enunciar regularidadesteis e que busque o verdadeiro, deve legitimar suas re-gras de jogo. Assim, exerce sobre seu prprio estatutoum discurso de legitimao, chamado filosofia. Quandoeste metadiscurso recorre explicitamente a algum granderelato, como a dialtica do esprito, a hermenutica dosentido, a emancipao do sujeito racional ou trabalhador,o desenvolvimento da riqueza, decide-se chamar "mo-derna" a cincia que a isto se refere para se legitimar.E assim, por exemplo, que a regra do consenso entre o re-metente e destinatrio de um enunciado com valor deverdade ser tida como aceitvel, se ela se inscreve naperspectiva de uma unanimidade possvel de mentalidadesracionais: foi este o relato das Luzes, onde o heri dosaber. trabalha por um bom fim tico-poltico, a paz uni-

  • Vl'l"saI.V-se neste caso que, legitimando o saber por umll1l'tarrclato, que implica uma filosofia da histria, somosconduzidos a questionar a validade das instituie~ .queregem o vnculo social: elas tambm devem ser legltlma-das. A justia relaciona-se assim com o grande relato, nomesmo grau que a verdade.

    Simplificando ao extremo., considera-se "p~-moderna,"a incredulidade em relao aos metarrelatos. E, sem du-vida um efeito do progresso das cincias; mas este pro-gres~o, por sua vez, a supe. Ao desuso do dispositivometanarrativo de legitimao corresponde sobretudo acrise da filosofia metafsica e a da instituio universi-tria que dela dependia. A funo narrativa perde .seusatores (functeurs), os grandes heris, os grandes pengos,os grandes priplos e o grande objetivo. Ela s: dispersaem nuvens de e'1ementos de linguagem narrativos, mastambm denotativos, prescritivos, descritivos etc., cada umveiculando consigo validades pragmticas sui generis.Cada um de ns vive em muitas destas encruzilhadas. Noformamos combinaes de linguagem necessariamente es-tveis, e as propriedades destas por ns formadas no sonecessariamente comunicveis.

    Assim, nasce uma sociedade que se baseia menosnuma antropologia newtoniana (como o estruturalismo oua teoria dos sistemas) e mais numa pragmtica das part-culas de linguagem. Existem muitos jogos de linguagemdiferentes' trata-se da heterogeneidade dos elementos. So-mente da;o origem instituio atravs de placas; odeterminismo local.

    No obstante, os decisores tentam gerir estas nuvensde socialidades sobre matrizes de input / output, segundouma lgica que implica a comensurabilidade dos elemen-

    , tos e a determinabilidade do todo. Para eles, nossa vidai fica reduzida ao aumento do poder. Sua legitimao emmatria de justia social e de verdade" cientfica seria a deotimizar as performances do sistema, sua eficcia. A apli-

    cao deste critrio a todos os nossos jogos no se realizasem algum terror, forte ou suave: sede operatrios, isto ,comensurveis, ou desaparecei.

    Esta lgica do melhor desempenho , sem dvida,inconsistente sob muitos aspectos, sobretudo no que serefere contradio no campo scio-econmico: ela quer,simultaneamente, menos trabalho (para baixar os custosda produo) e mais trabalho (para aliviar a carga social dapopulao inativa). Mas a incredulidade resultante talque no se espera destas contradies uma sada salva-dora, como pensava Marx.

    A condio ps-moderna , todavia, to estranha aodesencanto como positividade cega da deslegitimao.Aps os metarrelatos, onde se poder encontrar a legiti-midade? O critrio de o~eratividade te.cnolgico.; ele lino pertinente para se Julgar o verdadeIro e o Justo'_JSeria pelo consenso, obtido por discusso, como pensaHabermas? Isto violentaria a heterogeneidade dos jogosde linguagem. E a inveno se faz sempre no dissenti-mento.' O saber ps-moderno no somente o instru-mento dos poderes. Ele agua nossa sensibilidade para asdiferenas e refora nossa capacidade de suportar o in-comensurvel. Ele mesmo no encontra sua razo de serna homologia dos experts, mas na paralogia dos inventores.

    A questo aberta a seguinte: uma legitimao dovnculo social, uma sociedade justa, ser praticvel se-gundo um paradoxo anlogo. ao da atividade cientfica?Em que consistiria este paradoxo?

    o TEXTO que se segue um escrito de circunstncia. uma exposio sobre o saber nas sociedades mais de-senvolvidas, proposto ao Conselho das Universidades juntoao governo de Quebec, a pedido do seu presidente. Esteltimo autorizou amavelmente sua publicao na Frana,e aqui lhe agradeo.

  • Resta dizer que o_~pQsitQr ...~ Ufl1_JiJ~f, e__n_YIllexpert. Este sabe o qu~..bee o que no sabe,aql.lel:no.Um conclui, o outro interroga; so dois jogos de lingua-gem. Aqui eles se encontram misturados, de modo quenenhum dos dois prevalece.

    O filsofo ao menos pode se consolar dizendo quea anlise formal e pragmtica de certOs discursos de legi-timao, filosficos e tico-polticos, que sustenta nossaExposio, ver a luz depois desta. Ela a ter introduzido,por um atalho um pouco sociologizante, que, embora a re-duzindo, a situa.

    Tal como est, ns a dedicamos ao Instituto Poli-tcnico de Filosofia da Universidade de Paris VIII (Vin-cennes), neste momento muito ps-moderno em que estauniversidade corre o risco de desaparecer e o institutode nascer.

    o ps-moderno

  • o CAMPO: O SABER NAS SOCIEDADESINFORMATIZADAS

    NaSSA hiptese de trabalho a de que o saber, mudade estatuto ao mesmo tempo que as sociedades entram naidade dita ps-industrialeas. lJJturas na idade dita ps-moderna.l Esta passagem comeou desde pelo menos ofinal dos anos 50, marcando para a Europa o fim de suareconstruo. Foi mais ou menos rpida conforme os pa-ses e, nos pases, conforme os setores de atividade: dondeuma discronia geral, que no torna fcil o quadro deconjunto.2 Uma parte das descries no pode deixar deser conjectural. E sabe-se que imprudente conceder umcrdito excessivo futurologia.3

    Em lugar de organizar um quadro que no poderser completo, partiremos de uma caracterstica que de-termina imediatamente nosso objeto. O saber cientfico uma espcie de discurso. Ora, pode-se dizer que h qua-renta anos as cincias e as tcnicas ditas de vanguardaversam sobre a linguagem: a fonologia e as teorias lin-gsticas,4 os problemas da comunicao e a ciberntica,5as matemticas modernas e a informtica,6 os computadorese suas linguagens,? os problemas de traduo das lingua-gens e a busca de compatibilidades entre linguagens-mquinas,8 os problemas de memorizao e os bancos dedados,9 a telemtica e a instalao de terminais "inteli-

    "10 dI' 11 , 1 .gentes, a para oxo ogIa: eIS aI a gumas provas eVI-dentes, e a lista no exaustiva.

  • Parece que a incidncia destas informaes tecnol-gicas sobre o ..aber deva ser considervel. Ele ou serafetado em suas duas principais funes: a pesquisa e atransmisso de conhecimentos. Quanto primeira, umexemplo acessvel ao leigo dado pela"g~fl~tica, que deveseu paradigma terico ciberntica; H uma infinidadede outros exemplos. Quanto segunda, hoje em dia j sesabe como, normaJizando, miniaturizando e comerciali-zando os aparelhos~ modificam-se as operaes de aquisi-o, classificao, aCesso e explorao dos conhecimentos.12

    razovel pensar que a multiplicao de mquinas infor-macionais afeta e afetar a circulao dos conhecimentos,do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de cir:culao dos homens (transportes), dos sons e, em seguida,das imagens (media)13 o fez.

    Nesta transformao geral, a natureza do saber nopermanece intacta. Ele no pode se submeter aos novoscanais, e tornar-se operacional, a no ser que o conhe-cimento possa ser traduzido em quantidades de informa-o.14Pode-se' ento prever que tudo o que no saber cons-titudo no traduzvel ser abandonado, e que a orientao das .novas pesquisas se subordinar condio detradutibilidade dos resultados eventuais em linguagem demquina. Tanto os "produtores" de saber como seus utili-zadores devem e devero ter os meios de traduzir nestaslinguagens o que alguns buscam inventar e outros apren-der. As pesquisas versando sobre estas mquinas-intrpre-tes j esto adiantadas.15 Com a hegemonia da informtica,impe-se uma certa lgica e, por conseguinte, um con-i junto de prescries que versam sobre os enunciados acei-tos como "de saber".

    Pode-se ento esperar uma explosiva exteriorizaodo saber em relao ao sujeito que sabe (sachant), em_ qualquer ponto que este se encoiltre no processo de conhe-r cimento. O antigo princpio segundo o qual a aquisiodo saber indissocivel da formao (Bildung) do esp-rito, e mesmo da pessoa, cai e cair cada vez mais em4

    desuso. Esta relao entre fornecedores e usurios do CO-!nhecimento e o prprio conhecimento tende ~ tender a iassumir a forma que os produtores: e os consumidores de _mercadorias tm com estas ltimas, ou seja, a forma valor.Ql;~L~.~e~j_PE~.4~id~ ..p_a!a.~~.Lv~!l_dido, e ele eiser consumido para ser valorizado numa .nova produo: 1nos dois casos, para ser trocado. Ele deixa de ser para si!mesmo seu prprio fim; perde o seu "valor de uso" .16 ~

    Sabe-se que o saber tornou-se nos ltimos decniosa principal fora de produo,17 que j modificou sensi-velmente a composio das populaes ativas nos pasesmais desenvolvidos18 e constitui o principal ponto de es-trangulamento para os pases em vias de desenvolvimento.Na idade ps-industrial e ps-moderna, a cincia conser-var e' sem dvida reforar ainda mais sua importnciana disputa das capacidades produtivas dos Estados-naes.Esta situao constitui mesmo uma das razes que fazpensar que o afastamento em relao aos pases em viasde desenvolvimento no cessar de alargar-se no futuro.J9

    Mas este aspecto no' deve fazer esquecer outro quelhe complementar. Sob a forma de mercadoria infor- Imacional indispensvel ao poderio produtivo, o saber j e ser um desafio maior, talvez o mais importante, nacompetio mundial pelo poder. Do mesmo modo que osEstados-naes se bateram para dominar territrios, e comisto dominar o acesso e a explorao das matrias-primase da mo-de-obra barata, concebvel que eles se batamno futuro para dominar as informaes. Assim encontra-seaberto um novo campo para as estratgias industriais e,comerciais e para as estratgias militares e polticas.20

    Contudo, a perspectiva assim aberta.no to sim-ples como se diz. Pois a mercantilizao do saber no po-der deixar intacto o privilgio que os -Estados-naes mo-dern0s detinham e 'detm ainda no que concerne pro-duo e difuso dos conhecimentos. A idia de que estesdependem do "crebro" ou do "esprito" da sociedade que

    51

  • (: () I'~sl:Ido ser suplantada medida que seja reforado op"incpio inverso, segundo o qual a sociedade no existel' no progride a no ser que as meflsagens que nela cir-culem sejam ricas em informao e fceis. de decodificll~'O Estado comear a aparecer como um fator de opaCI-dade e de "rudo" para uma ideologia da "transparncia"comunicacional, que se relaciona estritamente com a comer-cializao dos saberes. sob este ngulo que se arriscaa apresentar-se com uma nova acuidade o problema dasrelaes entre as instncias econmicas e as instnciasestatais.

    J nos decnios anteriores, aquelas puderam pr emperigo a estabilidade destas graas s novas formas decirculao de capitais, s quais deu-se o nome genricode empresas multinacionais. Estas formas implicam qu~ asdecises relativas ao investimento escapam, pelo menos emparte, ao controle dos Estados-naes.ll Com ~ tecnologiainformacional e telemtica, a questo corre o rISCOde tor-nar-se ainda mais espinhosa. Admitamos, por exemplo,que uma firma como a IEM seja autorizada a ocupar umafaixa do campo orbital da Terra para implantar satlitesde comunicao e/ou de banco de dados. Quem ter acessoa isto? Quem definir os canais ou os dados proibidos? OEstado? Ou ele ser um usurio como os outros? Nova-mente, surgem problemas de direito, e atravs deles aquesto: querp saber?

    A transformao da natureza do saber pode assim tersobre os poderes pblicos estabelecidos um efeito de re-torno tal que os obrigue a reconsiderar suas relaes dedireito e de fato com as grandes empresas e mais generi-camente com a sociedade civil. A reabertura do mercadomundial, a retomada de uma competio econmica ativa,o desaparecimento da hegemonia exclusiva do capitalismoamericano, o declnio da alternativa socialista, a aberturaprovvel do mercado chins s trocas, e muitos outrosfatores, vm preparar os Estados, neste final dos anos 70,

    6

    para uma reVIsao serIa do papel que se habituaram a de-sempenhar desde os anos 30, que era de proteo e guia,e at de planificao dos investimentos.22 Neste contexto,as novas tecnologias, pelo fato de tornarem os dados teiss decises (portanto, os meios de controle) ainda maisinstveis e sujeitas pirataria, no podem seno exigirurgncia deste reexam~.

    Em vez de serem difundidos em virtude do seu valo.r"formativo" ou de sua importncia poltica (administra-tiva, diplomtica, militar), pode-se imaginar que os conhe-cimentos sejam postos em circulao segundo as mesmasredes da moeda, e que a clivagem pertinente a seu res-pei to deixa de ser saber/ignorncia para se tornar comono caso da moeda, "conhecimentos de pagamento/conhe-cimentos de investimento", ou seja: conhecimentos tro-cados no quadro da manuteno da vida cotidiana (recons-tituio da fora de trabalho, "sobrevivncia") versus cr-ditos de conhecimentos com vistas a otimizar as perfor-mances de um programa.

    Neste caso, tratar-se-ia tanto da transparncia comodo liberalismo. Este no impede que nos fluxos de di-nheiro uns sirvam para decidir, enquanto outros no sejambons seno para pagar. Imaginam-se paralelamente fluxosde conhecimentos passando pelos mesmos canais e demesma natureza, mas dos quais alguns sero reservadosaos "decisores", enquanto outros serviro para pagar advida perptua de cada um relativa ao vnculo social.

    1. A. Touraine. La Socit postindustrie/le, Denoel, 1969; D. Bell, The Co-ming of Post-Industria/ Society, New York, 1973; Iha~ Hassan. TheDismemberment of Orpheus: Toward a Postmodern Llterature, NewYork, Oxford U. P.,.1971; M. Benamou & Ch. Caramello ed., Perfor-mance in Postmodern Cu/ture, Wisconsin. Center for XXth CenturyStudies & Coda Press. 1977; M. K01er. "Postrriodernismus: einbe-griffgeschichtlicher Ueberblick". Amerikastudien 22,1 (1977).

    2. Uma expresso literria doravante clssica dada por M. Butor, Mo-bile. Etude pour une' reprsentation des Etats-Unis, Gallimard, 1962.

    7

  • lif Fowlcs ed., Handbook of Futures Research, Westport, Conn .. Gre-cnwood Press, 1978.N. S; Troubetzkoy, Grundzge der Phonologie, Praga, T.C.L.P .. VII.1939; t.f. Cantineau, Principes de phonologie, Paris, Klincksiel.k, 1949.N. Wiener, CYberneti~s and Society. The Human Use of Human Bengs,Boston, Hougton Mifflin, 1949; t.f. Cyberntique et Socit, Dwx ~i-ves, 1949, 10/1.8, 1960. W. R. Ashby, An Introduction to Cybernetlcs,Londres, Chapman and Hal1, 1956.Ver a obra de Johannes von Neumann (1903-1957).S. Bellert, "La formalisation des systemes cyberntiques", in Le conceptd'information dansla science contemporaine, Minuit, 1965.G. Mounin, Les problemes thoriques de Ia traduction, Gallimard, 1963.Data-se de 1965 a revoluo dos computadores com a nova geraodos computadores 360 IBM: R. Moch,. "Le tournant informatique",Documents contributifs, annexe IV, L'informatisation de Ia socit,La Documentation franaise, 1978. R. M. Ashby, "La seconde gn-ration de Ia micro-letronique", La Recherce 2 (juin 1970), 127 sq.C. L. Gaudfernan & A. Talb, "Glossaire", in P. Nora & A. Mine.L'informatisation de Ia socit, La Documentatin franaise, 1978. R.Beca, "Les banques de donnes", Nouvelle informatique et noul'ellecroissence, annexe 1, L'informatisation ... , loc. citoL. Joyeux, "Les applications avances de l'informatique", Doculllcntscontributifs, loc. cito Os terminais domsticos (Integrated Vidco Ter-minais) sero comercializados antes de 1984 por aproximadamente1.400 dlares, segundo um informe do Internatiortal Resource De-velopment, The Home Terminal, Conn., I.R.D. Press, 1979.P. Watzlawick. J. Helmick-Beavin, D. lackson, Praglllatics of HUlIlanCummunication. A Study of Interactional Patterns. Pathologies, andParadoxes, N.Y., Northorn, 1967; t.f. I. Mosche, Une logique de Iacommunication, Seuil, 1972.I. M. Treille, do Grupo de anlise e de prospectiva dos sistemas eco-nmicos e tecnolgicos (G.A.P.S.E.T.), declara: "No se fala o bas-tante das novas possibilidades de disseminao da memria, em par~ticular graas aos semicondutores e aos lasers ( ... ). Cada um poderaem breve estocar a baixo preo a informao onde ele quiser, e disporalm disso de capacidades de tratamento autnomas" (La selllainemedia 16. 15 fvrier 1979). Segundo uma enquete da National Scien-tific Foundation, mais de um em dois alunos de high schuul utilizacorrentemente os servios de um computador; os estabelecimentos es-colares possuiro os seus desde o incio dos anos 1980 (La selllainemedia 13,25 janvier 1979).L. Brunel. Des machines et des hommes, Montreal. Ouebec Seience.1978. J. L. Missika & D. Wolton, Les rseaux pensants, Librairietecnique et doe., 1978. O uso da videoconferncia entre Ouebec eParis est em vias de se tornar um hbito: em novembro e dezembrode 1978 realizou-se o quarto ciclo de videoeonferncias en direct (pelosatlite Symphonie) entre Ouebec e Montreal. de um lado, e Pa.ris(Universit Paris Nord e Centre Beaubourg) de outro (La selllwnemedia 5, 30 novembre 1978). Outro exemplo. o jornalismo e1etrnieo.

    Os trs grandes canais americanos A.B.C., N.B.C. e C.B.S. de talmodo multiplicaram seus estdios de produo atravs do mundo,que quase todos os eventos que ocorrem podem agora ser tratadoseletronicamente e transmitidos aos Estados Unidos por satlite. Apenasos escritrios de Moscou continuam a trabalhar com filmes, que elesexpedem de Frankfurt para difuso por satlite. Londres tornou-seo grande packing point (La semaine media 20, 15 mars 1979).A unidade de informao o bit. Para suas definies, ver Gaudfer-nan & Talb, "Glossaire", loc. cito Discusso em R. Thom, "Un protede Ia smantique: l'information" (1973), in Modeles mathmatiquesdela morphogenese, 10/18, 1974. A transmisso das mensagens emcdigo digital permite notadamente eliminar as ambivalncias: verWatzlawick et ai. op. cit., 98.As firmas Craig e Lexicon anunciam a colocao no mercado detradutores de bolso: quatro mdulos em lnguas diferentes aceitossimultaneamente, cada um com 1.500 palavras e memria. A WeidnerCommunication Systems Inc. produz um Multilingual Word Processingque permite ampliar a capacidade de um tradutor mdio de 600 para2.400 palavras por hora. Possui uma trplice memria: dicionrio bi-lnge, dicionrio de sinnimos, ndice gramatical (La semaine media,6, 6 dcembre 197.8, 5).J. Habermas, Erkenntnis und Interesse, Frankfurt, 1968; t.f. Brohm &Clmenon, Connaissance et intrt, Gallimard, 1976."A base (Grundpfeiler) da produo e da riqueza ( ... ) torna-se ainteligncia e a dominao da natureza na existncia do homem en-quanto corpo social", de modo que "o saber social geral, o knowledge,tornou-se fora de produo imediata", escreve Marx nos Grundrisseder Kritik der politischen Oekonomie (1857-1858), Berlin, Dietz Verlag,1953, 594; t.f. Dangeville, Fondements de l'conomie politique, Anthro-pos, 1968, I, 223. Todavia, Marx concede que no "na forma dosaber, mas como rgo imediato da prxis social", que o conheci-mento torna-se fora, isto , como mquinas: estas so "rgos docrebro humano forjados pela mo do homem, da fora de saberobjetivada". Ver P. Mattick, Marx and Keynes, The Limits of theMixed Economy, Boston, Sargent, 1969; t.f. Bricianier, Marx et Keynes,Les limites de l'conomie mixte, Gallimard, 1972. Discusso em J. F.Lyotard, "La place de l'alination dans le retournement marxiste"(1969), in Drive partir de Marx et Freud, 10/18, 1973.A composio da categoria de trabalhadores (labor force) nos EstadosUnidos modificou-se, em vinte anos (1950-1971), como se segue:

    1950 1971

    , 'I Trabalhadores de fbricas, deservios ou agrcolas 62,5% 51.4%

    Profissionais liberais e tcnicos 7.5% 14,2%i

    Empregados 30 34 I(Statstica! Abstracts, 1971) I

    9

  • 1'1 1':111 I'az.lo da dUl'ao do tempo dB "fabricao" de um tcnico supe-rior ou de um cientista mdio relativamente ao tempo de extracode matrias-primas e de transferncia de capital moeda. Ao final dosallos 60, Mattick avaliava a taxa de investimento lquido nos pasessubdesenvolvidos entre 3 e 5% do P.N.B., nos pases desenvolvidosentre 10 e 15% (op. cit., t.f. 287).

    20. Nora & Mine, L'informatisation de Ia socit, loc. cit., notadamente aprimeira parte: "Les dfis", Y. Stourdz, "Les tats-Unis et Ia guerredes communications", Le Monde, 13-15 d"cembre 1978. Valor de mer-cado mundial dos instrumentos de telecomunicao em 1979: 30 bi-lhes de dlares; estima-se que em dez anos ela atingir 68 bilhes(La semaine media, 19, 8 mars 1979, 9).

    21. F. de Combret, "Le redploiement industriel", Le Monde, avril 1978;H. Lepage, Demain le capitalisme, Paris, 1978; Alain Cotta, La Franceet l'impratif mondial, P.U.F., 1978.

    22. Trata-se de "enfraquecer a administrao", de chegar ao "Estadomnimo". o declnio do Welfare State, concomitantemente "crise"que se iniciou em 1974.

    I, I

    ~l'!1

    ESTA ento a hiptese de trabalho que determina ocampo no q"!lalpretendemos apresentar a questo do esta-tuto do saber. Este cenrio, similar ao de "informatizaoda sociedade", ainda que proposto de maneira totalmentediversa, no tem a pretenso de ser original, nem mesmode ser verdadeiro. O que se reivindica a uma hiptese detrabalho uma grande capacidade discriminante. O ce-nrio da informatizao das sociedades mais desenvolvi-das permite iluminar, com o risco mesmo de exager-Iosexcessivamente, certos aspectos da formao do saber e dosseus efeitos sobre o poder pblico e as instituies civis,efeitos que permaneceriam pouco perceptveis noutras pers-pectivas. No se deve pois dar-lhe um valor de previsoem relao realidade, mas estratgico em relao ques-to apresentada.

    Contudo, grande sua credibilidade, e neste sentidoa escolha desta hiptese ho arbitrria. Sua descrio jfoi ampla~ente elaborada pelos expertsB e j guia certasdecises das administraes pblicas e das empresas maisdiretamente afins, como as que gerenciam as telecomuni-caes. Portanto, pertence, j, em parte, categoria dasrealidades observveis. Enfim, excluindo-se o caso de umaestagnao ou de uma recesso geral devida, por exemplo,a uma ausncia persistente de soluo relativa ao problemamundial da energia, este cenrio tem boas chances deprevalecer: pois no se v que outra orientao as teno-

    1 t

    BiBLIOTECA CENTRALUfES

  • logias contemporneas poderiam tomar que fosse uma al-tcmativa informatizao da socied~de.

    Isto significa que a hiptese banal. Mas ela o so-mente na medida em que no coloca em causa o paradigmageral do progresso das cincias e das tcnicas, ao qual pa-recem evidentemente orresponder o crescimento econ-mico e o desenvolvimento do. poder sociopoltico. Admitese como ponto pacfico que saber cit;ntfico e tcnico seacumulaI' discute-se quando muito forma desta acumu-lao, que alguns imaginam regular., contnua e unnime,e outros como sendo peridica, descontnua e conflitual.24

    Estas evidncias so falaciosas. Para comear,

  • vem evidenciar serem saber e poder as duas faces de umamesma questo: quem decide o que saber, e quem sabeo que convm decidir? O problema do saber na idade dainformtica mais do que nunca o problema do governo.

    23. La nouvelle informatque et ses utilisateurs, annexe lU, "L'informati-sation, etc.", loe. eit.

    24. B. P. Lcuyer, "Bilan et perspectives de Ia sociologie des sciencesdans les pays occidentaux", Arehives europennes de sociologie XIX(1978) (bibliog.), 257-336. Boa informao sobre as correntes anglo-sax-nicas: hegemonia da escola de Merton at incio dos anos 1970, dis-perso atual, notadamente por influncia de Kuhn; pouc,a informaosobre a sociologia alem da cincia.

    25. O termo foi difundido por Ivan Illich, Tools for Conviviality, N.Y.,Harper & Row, 1973; t.f. La eonvivialit, Seuil, 1974.

    26. Sobre esta "desmoralizao", ver A. Jaubert e J .-M. Lvy-Leblond ed.(Auto)eritique de Ia scienee, Seuil, 1973, parte I.

    27. J. Habermas, Legitimationsprobleme im Spiitkapitalismus, Frankfurt,Suhrkamp, 1q73; t.f. Lacoste, Raison et lgitimit, Payot, 1978 (bi-bliog.).

    PELO que antecede, j/se observou que, para analisareste problema no 1V,dro que determinamos, preferimosum procedimento: o de enfatizar os fatos de linguageme, nestes fatos, seu aspecto pragmtico.28 A fim de facili-tar o desenvolvimento da leitura, til apresentar umaviso, mesmo que sumria, do que entendemos por estetermo.

    Um enunciado denotativ029 como: A universidadeest doente, proferido no quadro de uma conversao oude um colquio, posig()_~_~l1_r.ems:le.nt~, (aquele que oenuncia), seu 4~tIii.trio (aquele que o recebe) e seu re-ferente (aquiI(; de que trata o enunciado) de uma maneiraespedfica: o remetente colocado e exposto por esteenunciado na posio de quem sabe (sachant) (ele sabecom>Vaia universidade), o destinatrio colocado napostura de ter de conceder ou recusar seu assentimento,e o prprio referente apreendido de uma maneira pr-pria aos denotativos, como qualquer coisa que precisa sercorretamente identificada e expressa no enunciado quea ele se refere.

    Se se considera uma declarao como: A universida-de est aberta, pronunciada por um decano ou um reitorquando do incio do ano letivo, v-se que as especifica-es precedentes desaparecem. Evidentemente, precisoque o significado c:l0 enun

  • isto uma condio geral da comunicao, que no per-mite distinguir os enunciados ou seus efeitos prprios. Osegundo enunciado, chamado de desempenho 3f~..,possuia particularidade de seu efeito sobre o referente coincidircom sua enunciao: a universidade encontra-se abertapelo fato de que declarada como tal nestas condies.Isto no est ento sujeito a discusso nem a verificaopelo destinatrio, que encontra-se imediatamente coloca-do no novo contexto assim criado. Quanto ao' remetente,deve ser dotado da autoridade de proferi-Ia; mas pode-sedescrever esta situao de modo inverso: ele no decanoou reitor, isto , algum dotado de autoridade para pro-ferir este gnero d enunciados, seno quando os profere,obtendo o efeito imediato que dissemos, tanto sobre seureferente, a universidade, quanto sobre seu destinatrio,o corpo docente.

    Um caso diferente o dos enunciados do tipo: Demmeios universidade, que so prescries. Estas podemser moduladas em ordens, comandos, instrues, recomen-daes, pedidos, solicitaes, splicas, etc. V-se que o re-metente aqui colocado na posio de autoridade, no sen-tido mais amplo do termo (incluindo a autoridade que opecador tem sobre um deus que se declara misericordio-so), o que significa que ele espera do destinatrio a reali-zao da ao referida. Estas duas ltimas posies sofrema seu turno, na pragmtica prescritiva, efeitos concomi-tantes.31

    Outra ainda a eficincia de uma interrogao, deuma promessa, de uma descrio literria, de uma narra"o, etc. Resumindo. Quando Wittgenstein, recomeandoo estudo da linguagem a partir do zero, centraliza suaateno sobre os efeitos dos discursos, chama os diversostipos de enunciados que ele caracteriza desta maneira, edos quais enumerou-se alguns, de jogos de linguagem.32

    Por este termo quer dizer que cada uma destas diversas

    16

    rat~gorias de enunciados deve poder ser determinada porregras que especifiquem suas propriedades e o uso quedelas se pode fazer, exatamente como o jogo de xadrezse define como um conjunto de regras que determinam:lS propriedades das peas, ou o modo conveniente ded~sIoc-las.

    Trs observaes precisam ser feitas a respeito dosjogos de linguagem. A primeira que suas regras nopossuem sua legitimao nelas mesmas, mas constituemobjeto d~ _U.1l1~011tEatoexplcito ou n9~!ltreQS jogadores(o que no quer dizer todavia que estes as inventem). Asegunda que na ausncia de regras no existe jogo,33que uma modificao, por mnima que seja, de uma regra,modifica a natureza do jogo, e que um "lance" ou umenunciado que no satisfaa as regras, no pertence aojogo definido por elas. A terceira observao acaba de serinferida: todo enunciado deve ser considerado como um"lance" feito num jogo.

    Esta ltima observao leva a admitir um primeiroprincpio que alicera todo o nosso mtodo: que falar combater, no sentido de jogar, e que os atos de lingua-gem34provm de uma agonstica gera1.35Isto no significanecessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizarum lance pelo prazer de invent-Io: no este ocaso dotrabalho de estrnuloda lngua prqvocado--petfl __popu-lar ou pela literatl.!ta'? A inveno contnu de --onstruesnovas, de- palvras e de sentidos que, no nvel da palavra, o que faz evoluir a lngua, proporciona grandes alegrias.Mas, sem dvida, mesmo este prazer no independentede um sentimento de sucesso, sobre um adversrio pelomenos, mas de envergadura: a lngua estabelecida, a cono-

    ~ 36laao.Esta idia de uma agonstica da linguagem (tanga-

    .~icre) no deve ocultar o segundo princpio que lhe com-plementar e que norteia nossa anlise: que o vnculo social

  • i',. agol11stlca est no princIpIo da ontologia de Herclito e da dial-tica dos sofistas. sem falar dos primeiros trgicos. Aristteles reser-va-lhe uma grande parte de sua reflexo sobre a dialtica in Tpicosc Heluta'es solsticas. Ver F. Nietzsche, "La joute chez Homere ', in"Cinq prfaces cinq livres qui n'ont pas t crits" (1872). EcritsJ!osthul1les 1870-1873, t.f. Backes, Haar & de Launay. Gallimard, 1975,IQ2-200.

    \b. No sentido estabelecido por L. Hjelmslev, Prolegol1lenll to a Theory01 Language, t. inglesa Whitfield, Madison, U. Wisconsin Press, 1963;LI'. Una Canger, Prolgol1l(!I1es une thorie du langage, Minuil, 1968.E retomado por R. Barthes, Ell1lents de sl11i%gie (1964), Seuil, 1966 IV. I.

    obscrvve1 feito de "lances" de linguagem. Elucidandoesta proposio entraremos no ceme do nosso tema.

    28. Na esteira da semitica de Ch, A. Peirce. a distino dos domniossinttico, semntico e pragmtico feita por Ch. W. Morris, "Foun-dations of the Theory of Signs", in O. Neurath, R. Carnap & Ch.Morris ed., International Encyclopedia 01 Unilied Science, I, 2 (1938),77-137. Ns nos referimos sobre este termo sobretudo a; L. Wittgen-stein, Philosophical Investigations, 1945 (Lf. Klossowski, Investigationsphilosophiques, Gallimard, 1961); J. L. Austin, How to Do Thingswith Words, OxIord, 1962 (t.f. Lane, Quand dire c'est faire, Seuil,1970); J. R. Searle, Speech Acts, Cambridge U.P .. 1969 (LI. Pauchard,Les actes de langage, Hermann, 1972); J. Habermas, VorbereitendeBemerkungen zu einer Theorie der kommunikativen Kompetens, inHabermas & Luhmann, Theorie der Gese/lschaft oder Sozialtechnologie,Stuttgart, Suhrkamp, 1971; O. Ducrot, Dire et ne pas dire, Hermann,1972; J. Puclain, "Vers une pragmatique ncleaire de Ia communica-tion", datilog., Universit de Montral, 1977. Ver tambm Watzlawicket aI. op. cito

    29. Denotao corresponde aqui descrio conforme uso clssico dos l-gicos. Quine substitui denotation por true of (verdade de). Ver W.V. Quine, t.f. Dopp e Gochet, Le mot et Ia chose, Flammarion, 1977,140, n. 2. Austin, op. cit., 39, prefere constatif a descriptif.

    30. Em teoria da linguagem, performativo assumiu desde Austin um sen-tido preciso (op. cit., 39 e passim). Iremos reencontr-Io mais adianteassociado aos termos performance e performatividade (de um sistema,notadamente) no sentido que se tornou corrente de eficincia mensu-rvel na relao input/output. Os dois sentidos no so estranhos umao outro. O performativo de Austin realiza a perlormance tima.Na traduo para o portugus preferiram-se as palavras desempenho oueficincia mensurvel como traduo de performativit e performatif(N. do Ed.)

    31. Uma anlise recente destas categorias foi feita por Habermas, "Vor-bereitende Bemerkungen ... ", e discutida por J. Poulain, art. cito

    32. Investigations philosophiques, loc. cit., 23.33. J. von Neumann & Morgenstern, Theory of Games and Economic

    Behavior, Princeton U.P., 1944, 3: ed., 1954; 49: "O jogo consiste noconjunto das regras que o descrevem." Frmula estranha ao espritode Wittgenstein, para quem o conceito de jogo escaparia aos ditames'de uma definio, visto que esta j um jogo de linguagem (op. cit., 65-84 sobretudo). .

    34. O termo de J. H.' Searle: "Os atos de linguagem so as unidadesmnimas de base da comunicao lingstica" (op. cit., d., 52). Ns ascolocamos de preferncia sob a gide do agn (a polmica) que dacomunicao.

  • CQm Parsons, o princlpIO do sistema , se se podediJ':l'r, ainda otimista:corresponde estabilizao das eco-Illlmias em crescimento e das sociedades de abundncia sob:\ t'giJe de um welfare '{tate temperado.38 Para os tericosalemes de hoje, a SystJmtbeorie tecnocrtica e mesmo

    ~'-""""'"_._-''''''"'"''''.'"-''"''''''''''''' 'dl~ica, para no dizer desesperda: a harmonia entre ne-l'l'ssiJades e esperanas dos indivduos e dos grupos comas funes que asseguram o sistema no mais do que11111acomponente anexa do seu funcionamento; a verda-deira finalidade do sistema, aquilo que o faz programar-sea si mesmo como uma mquina inteligente, a otimiza-~'iloda relao global entre os seus input e output, ou seja,(l seu desempenho. Mesmo quando suas regras mudam einovaes se produzem, mesmo quando suas disfunes,como as greves, as crises, o desemprego ou as revoluespolticas podem fazer acreditar numa alternativa e levan-lar esperanas, no se trata seno de rearranjos internose seu resultado s pode ser a melhoria da "vida" do siste-ma, sendo a entropia a nica alternativa a este aperfei-~'oamento das performances, isto , o declnio.39

    Aqui tambm, sem cair no simplismo de uma socio-logia da teoria social, difcil no estabelecer pelo menos11m paralelo entre esta verso tecnocrtica "dura" da so-ciedade e o esforo asctico que se pede, sob o nome de"liberalismo avanado", s sociedades industriais mais de-senvolvidas para que se tornem competitivas (e assim oti-mzar sua "racionalidade") no contexto de retomada daguerra econmica mundial a partir dos anos 60.

    Para alm do imenso deslocamento que conduz dopensamento de um Comte ao de um Luhmann vislumbra-selima mesma idia do social: a sociedade uma totalidadetinida, uma "unicidade". Parsons o formula claramente:111\ condio mais decisiva para que uma anlise dinmicaseja boa, de que cada problema seja contnua e sistema-t icamente referido ao estado do sistema considerado como11mtodo ( ... ). Um processo ou um conjunto de condies

    21

    A NATUREZA DO VNCULO SOCIAL:A ALTERNATIVA MODERNA

    SE SE quer tratar do saber na sociedade contemporneamais desenvolvida, deve-se primeiramente decidir qual arepresentao metdica que dela se faz. Simplificando aoextremo, pode-se dizer que durante o ltimo meio sculo,pelo menos, esta representao divdiu-se, em princpio,entre dois modelos: a) a sociedade forma um todo funcio-nal; b) a sociedade divide-se em duas partes. Pode-se ilus-trar o primeiro com o nome de TaIcou Parsons (pelo me-nos, o do ps-guerra) e sua escola; o segundo pela correntemarxista (todas as escolas que o compem, por mais dife-rentes que sejam, admitem o princpio da luta de classese a dialtica como dualidade trabalhando a unidade

    . 1) 37SOCla .Esta clivagem metodolgica que determina duas gran-

    des espcies de discursos sobre a sociedade provm dosculo XIX. A idia de que a sociedade forma um todoorgnico, sem o que deixa de ser uma sociedade (e a so-ciologia no tem mais objeto), dominava o esprito dosfundadores da escola francesa; torna-se mais precisa como funcionalismo; assume uma outra modalidade quandoParsons, nos anos 50, compara a sociedade a um sistemaauto-regulvel. O modelo terico e mesmo material no mais o organismo vivo; ele fornecido pela cibernticaque lhe multiplica as aplicaes durante e ao final da Se-gunda Guerra Mundial.

  • , ,il'I'"

    ou bem 'contribui' para a manuteno (ou para o desen-volvimento) do sistema, ou bem 'disfuncional' prejudi-cando assim a integridade e a eficcia do sistema. ,,40Ora,esta idia tambm a dos "tecnocratas" .41Da sua credi-bilidade: possuindo os meios de se tornar realidade, pos-sui os de administrar suas provas. o que Horkheimerchamava de "parania" da razo.42

    Mas no se pode julgar como paranicos o realismoda auto-regulao sistemtica e o crculo perfeitamente fe-chado dos fatos e das interpretaes, a no ser sob con-dio de se dispor ou de se pretender dispor de um obser-vatrio que por princpio escape sua atrao. Tal afuno do princpio da luta de classes na teoria da socie-dade a partir de Marx.

    Se a teoria "tradicional" est sempre ameaada deser incorporada programao do todo social como umsimples instrumento de otimizao das performances desteltimo, que seu desejo de uma verdade unitria e totali-zante presta-se prtica unitria e totalizante dos geren-tes do sistema. A teoria "crtica" ,43por se apoiar sobreum dualismo de princpio e desconfiar das snteses e dasreconciliaes, deve estar em condies de escapar a estedestino.

    pois um outro modelo da sociedade (e uma outraidia da funo do saber que nela se pode produzir e delase adquirir) que guia o marxismo. Este modelo origina-senas lutas que acompanham o cerco das sociedades civistradicionais pelo capitalismo. No se trata aqui de seguiros priplos que so a matria da histria social, polticae ideolgica de mais de um sculo. Basta lembrar o ba-lano que dela se pode fazer hoje, pois seu destino co-nhecido: nos pases de gesto liberal ou liberal avanada,a' transformao destas lutas e dos seus rgos' em regu-ladores do sistema; nos pases comunistas, o retorno, emnome do prprio marxismo, do modelo totalizante e deseus efeitos totalitrios, tendo sido as lutas em questo

    22

    ~;illlpll'smente privadas do direito existncia.44 E em todaparle, em nome de um ou outro, a Crtica da economiapoltica (era este o subttulo do Capital, de Marx)' e a cr-I jea da sociedade alienada que lhe era correlata so utili-I.adas guisa de elementos na programao do sistema.45

    Seguramente, o modelo crtico manteve-se e apurou-se em face deste processo em minorias como a Escola deFrankfurt ou o grupo Socialismo ou barbrie.46 Mas noSl' pode esconder que o pilar social do princpio da divi-s:lo, a luta de classes, tendo se diludo a ponto de perderImia radicalidade, encontrou-se finalmente exposto ao pe-rigo de perder sua base terica e de se reduzir a uma"lItopia", a uma "esperana",47 a um protesto pela honrafeito em nome do homem, ou da razo, ou da criatividade,ou ainda de determinada categoria social reduzida in extre-mis s funes de agora em diante improvveis de sujeitocrtico, como o terceiro mundo ou a juventude estudantiI.48

    Esta retrospectivaesquemtica (ou esqueltica) noleve outra funo seno a de esclarecer a problemtica naqual pretendemos situar a questo do saber nas sociedadesindustriais avanadas. Pois no se pode entender o estadoatual do saber, isto , que problemas seu desenvolvimentoe difuso encontram hoje, se no se conhece nada da socie-dade na qual ele se insere. E, hoje mais do que nunca, co-nhecer qualquer coisa daquela primeiro escolher a ma-neira de interrog-Ia, que tambm a maneira pela qualela pode fornecer respostas. No se pode concluir que opapel principal do saber o de ser um elemento indispen-svel do funcionamento da sociedade e agir em conse-qncia para com ela a no ser que se conclua que esta uma grande mquina.49

    Inversamente, no se pode contar com sua funontica e sonhar em orientar-lhe o desenvolvimento e adifuso neste sentido, a no ser que se tenha concludoque ela no perfaz um todo integrado e que continua aser perturbada por um princpio de contestao.50 A alter-

    2)

    I 'I

  • UU, antes, as possibilidades tcnicas impem a utilizao que delasse faz." Habermas ope a esta lei o fato dos conjuntos de meiostcnicos e dos sistemas de ao racional completa jamais se desen-volverem de maneira autnoma: "Consquences pratiques du progresscientifique et technique" (1968), in Theorie und Praxis, Neuwied,Luchterhand, 1963; t.f. Raulet, Thorie et Praxis, Payot, 11. 115-136.Ver tambm J. Ellul, La technique et l'enjeu de Ia science, Paris, Ar-mand Colin, 1954; id., Le systeme technicien, Paris, Calmann-Lvy.Que as greves e em geral a forte presso exercida pelas poderosasorganizaes de trabalhadores produzem uma tenso finalmente ben-fica para a eficincia mensurvel do sistema, o que Ch. Levinson,dirigente sindical, declara claramente; explica ele esta tenso como oavano tcnico e gestionrio da indstria americana (citado por H.-F.de Virieu, Le Matin, dcembre 1978, n.O spcial "Que veut GiscardT').

    40. T. Parsons, Essays in Sociological Theory Pure and Applied, Glencoe,Free P., 1957 (reed.), 4647.

    11. A palavra tomada aqui segundo a aeepo que J. K. Galbraith deuao termo tecnoestrutura em Le nouvel .tat industriel. Essai sur lesysteme conomique amricain, Gallimard, 1968, ou R. Aron ao deestrutura tecno-burocrtica nas Dix-huit leons sur Ia socit indus-tielle, Gallimard, 1962, de preferncia ao sentido evocado pelo termoburocracia. Este ltimo muito mais "duro", porque tanto socio-poltico quanto econmico, procedendo inicialmente de uma crticafeita pela Oposio operria (Kollontai:) ao poder bo1chevique, depoispela oposio trotskista aO estalinismo. Ver a este respeito CI. Lefort,Elments d'une critique de Ia bureaucratie, Genebra, Droz, 1971,onde a crtica se estende sociedade burocrtica em seu conjunto.

    12. Eclipse de Ia raison, loco cit., 183.4"). M. Horkheimer, "Traditionelle und kritische Theorie" (1937) in

    t.f. Maillard & Muller, Thorie traditionnelle et thorie critique, Galli-mard, 1974. Ver tambm: 1,f. Collectif du College de philosophie,Thorie critique, Payot, 1978. E a bibliografia comentada sobre aEscola de Frankfurt (francesa, interrompida em 197.8) in Esprit 5 (mai1978), por Hoehn & Raule1,

    44. Ver CI. Lefort, op. cit.; id .. Un homme en trop, Seuil, 1976; C. Cas-toriadis, La socit bureaucratique, 10/18, 1973.

    4'5. Ver por exemplo J. P. Garbier, Le marxisme lnifiant, Le Sycomore,1979.

    'Ib. t o ttulo que tinha o "rgo de crtica e de orientao revolucionria"publicado de 1949 a 1965 por um grupo cujos principais redatores(com diversos pseudnimos) foram C. de Beaumont, D. Blanchard,C. Castoriadis, S. de Diesbach, CI. Lefort, J.-F. Lyotard, A. Maso,D. Moth, B. Sarrel, P. Simon, P. Souyri.

    17. E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung (1954-1959). Frankfurt, 1967. Ver G.Raulet ed., Utopie-Marxisme selon E. Bloch, Payot, 1976.

    ,11'. r:: um!i aluso s obstrues tericas provocadas pelas guerras daArglia e do Vietn, e pelo movimento estudantil dos anos 1960. Umpanorama histrico dado por A. Schnapp e P. Vidal-Naquet, Jour-/lal de Ia Commune tudiante, Seuil, 1969, Apresentao.

    nativa parece clara - homogeneidade ou dualidade in-trnsecas do social, funcionalismo ou criticismo do saber- mas a deciso parece difcil de tomar. Ou arbitrria,

    Tentou-se dela escapar distinguindo duas espcies desaber: um positivista, que encontra facilmente sua aplica-o s tcnicas relativas aos homens e aos materiais e quese presta a tornar-se uma fora produtiva indispensvel aosistema, e uma espcie crtica ou reflexiva ou hermenu-tica que, interrogando-se direta ou iridiretamente sobreos valores ou os fins, ope um obstculo a qualquer"recuperao" .51

    37. Ver em particular Ta1cott Parsons, The Social System, Glencoe Free,P., 1967; id., Sociological Theory and Modem Society, N.Y., Free P.,1967. A bibliografia da teoria marxista da sociedade contemporneaocuparia mais de cinqenta pginas. Pode-se consultar a til catalo-gao (dossis e bibliografia crtica) feita por P. Souyri, Le marxismeopres Marx, Flammarion, 1970. Uma viso interessante do conflitoentre estas duas grandes correntes da teoria social e de sua mixagem apresentada por A. W. Gouldner, The Coming Crisis of WesternSociology (1970), Londres, Heineman, 2: ed., 1972. Este conceitoocupa um lugar importante no pensamento de J. Habermas, simulotaneamente herdeiro da Escola de Frankfurt e polemizando com ateoria alem do sistema social, sobretudo a de Luhmann.

    38. Este otimismo aparece claramente nas concluses de R. Lynd, Know-ledge for What?, Princeton U.P., 1939, 239, que so citadas por M.Horkheimer, Eclipse of Reason, Oxford U.P., 1947; t.f. Laiz, Eclipsede Ia raison, Payot, 1974, 191: na sociedade moderna, a cincia deversubstituir a religio "usada at a exausto" para definir a finalidadeda vida.

    39. H. Schelsky. Der Mensch in der wissenschaftlichen Zeitalter, Col'nia, 1961, 24 sq.: "A soberania do Estado no se manifesta mais pelosimples fato de que ele monopoliza o uso da violncia (Max Weber) oudecide sobre o estado de exceo (Car! Schmitt), mas antes de tudopelo fato de que decide sobre o grau de eficcia de todos os 1l1j:iostcnicos existentes em seu seio, que reserva para si aqueles cuja eficcia for mais elevada e pode praticamente colocar-se ele mesmo forado campo de aplicao destes meios tcnicos que impe aos outros."Dir-se- que uma teoria do Estado, no do sistema. Mas Schelskyacrescenta: "O prprio Estado v-se submetido, em funo da prpriacivilizao industrial: a saber, so os meios que determinam os fins,

  • 49.

    11'I

    1;111 50."1,I

    51.

    Lcwis Mumford, The Myth of the Machine. Tecnics and HumanDevelopment, Londres, Secker & Warburg, 1967; t.f. Le mythe deIa machine, Fayard, 1974.A hesitao entre estas duas hipteses se evidencia, no entanto, noapelo destinado a obter a participao dos intelectuais no sistema:Ph. Nemo, "La nouvelle responsabilit des deres", Le Monde, 8septembre 1978.A oposio entre Naturwissenschaft e Geistwissenschaft tem sua origem em W. Dilthey (1863-1911), t.f. Rmy, Le monde de l'esprit,Aubier-Montaigne, 1947.

    A NATUREZA DO VNCULO SOCIAL:A PERSPECTIVA PS-MODERNA

    NO seguimos uma soluo de diviso como esta. Pos-tulamos que a alternativa que ela busca resolver, mas queno faz seno reproduzir, deixou de ser pertinente emrelao s sociedades que nos interessam, e que ela mesmapertence a um pensamento por oposies que no corres-ponde s manifestaes mais doqentes do saber ps-moderno. O "redesdobramento" econmico na fase atualdo capitalismo, auxiliado pela mutao das tcnicas e dastccnologias segue em paralelo, j se disse, com umamudana de funo dos Estados: a partir desta sndromeforma-se uma imagem da sociedade que obriga a revisarseriamente os enfoques apresentados como alternativa. Di-gamos sumariamente 'que as funes de regulagem e, por-tanto, de reproduo, so e sero cada vez mais retiradasdos administradores e confiadas a autmatos. A grandequesto vem a ser e ser a de dispor das informaes queestes devero ter na memria a fim de que boas decisessejam tomadas. O acesso s informaes e ser da aladados experts de todos os tipos. A classe dirigente e sera dos decisores. Ela j no mais constituda pela classepoltica tradicional, mas por uma camada formada por di-rigentes de empresas, altos funcionrios, dirigentes dewandes rgos profissionais, sindicais, polticos, confes- 52SlonalS.

    A novidade que, neste contexto, os antigos plosde atrao formados pelos Estados-naes, os partidos, os

    27

  • profissionais, as instituies e as tradies histricas per-dem seu atrativo. E eles no parecem dever ser substitu-dos, pelo menos na escala que lhes prpria. A Comissotricontinental no um plo de atrao popular. As "iden-tificaes" com os grandes nomes, com os heris da hist-ria atual, se tornam mais difceis.53 No entusiasmanteconsagrar-se a "alcanar a Alemanha", como o presidentefrancs parece oferecer cpmo finalidade de vida a seuscompatriotas. Pois no se trata verdadeiramente de umafinalidade de vida. Esta deixada diligncia de cadacidado. Cada qual entregue a- si mesmo. E cada qualsabe que este si mesmo muito pOUCO.54

    Desta decomposio dos grandes Relatos, que anali-saremos mais adiante, segue-se o que alguns analisam comoa dissoluo do vnculo social e a passagem das coletivi-dades sociais ao estado de uma massa composta de tomosindividuais lanados num absurdo movimento browniano.55Isto no relevante, um caminho que nos parece obs-curecido pela representao paradisaca de uma sociedade"orgnica" perdida.

    O si mesmo pouco, mas no est isolado; tomadonuma textura de relaes mais complexa e mais mvel doque nunca. Est sempre, seja jovem ou velho, homem oumulher, rico ou pobre, colocado sobre os "ns" dos cir-cuitos de comunicao, por nfimos que sejam.56 prefe-rvel dizer: colocado nas posies pelas quais passam men-sagens de natureza diversa. E ele no est nunca, mesmo ~o mais desfavorecido, privado de poder sobre estas men- \sagens que o atravessam posicionando-o, seja na posiode remetente, destinatrio ou referente., Pois seu deslo-camento em relao a estes efeitos de jogos de linguagem(compreende-se que deles que se trata) tolervel pelomenos dentro de certos limites (e mesmo estes so ins-tveis) e ainda suscitado pelas regulagens, sobretudo pelosreajustamentos atravs dos quais o 'sistema afetado afim de melhorar suas performances, Convm mesmo dizer28

    que o sistema pode e deve encorajar estes deslocamentos,na medida em que luta contra sua prpria entropia e quelima novidade correspondente a um "lance" no esperadoe ao deslocamento correlato de tal parceiro ou de tal grupode parceiros que nele se encontra implicado, pode forne-cer ao sistema este suplemento de desempenho que eleno cessa de requisitar e de consumir .57

    Compreende-se atualmente em que perspectiva forampropostos acima os jogos de linguagem como mtodo geralde enfoque. No pretendemos que toda relao social sejadesta ordem; isto permanecer aqui uma questo penden.te; mas que os jggos ..de .linguagem~,sejam,~_poru11l1l:lg,.omnimo de rdao exigido para qu~ hja "o sQci~clacl~.1.no necessrio que I~e recorra a uma robinsonada para quese faa admiti-Io; desde antes do seu nascimento, haja vistao nome que lhe dado, a criana humana j colocadacomo referente da histria contada por aqueles que a cer-cam58 e em relao qual ela ter mais tarde de se deslocar. Ou mais simplesmente ainda: ~_~e~~xnculosocial, enquntQCnl~t~~ 19:o,jQgQ,de ..liugJlagem., o dainterrogao, que posiciona imediatamente aquele que aapresenta, aquele a quem ela se dirige, e o referente queela interroga: esta questo j assim o vnculo social.

    -, --'-' _._ .....~---..,.,.~,".,,~""~... ,~"~-....,-_..-~."""- ..Por outro lado, numa sociedade em que a componente

    comunicacional torna-se cada dia mais evidente, simulta-neamente como realidade e como problema,59 certo que() aspecto de linguagem (langagier) adquire uma nova im-portncia, que seria superficial reduzir alternativa tra-dicional da palavra manipuladora ou da transmisso uni-lateral de mensagem, por um lado, ou da livre expressoou do dilogo, por outro lado.

    Uma palavra sobre este ltimo ponto. Expondo-seeste problema em termos simples de teoria da comunica-(,"o, se estaria esquecendo de duas coisas: ~s. !p~~~,-so dotadas de formas e de efeitos bastante diferentes,conforme forem, por exemplo, denotativas, prescritiv,a,s,

    _~ __ .~,_.,,_.. 0.0 , .. ,.~. ' . ' ..

  • avaliativas, performativa, etc. certo que elas no ope-o. ram apenas ria-medida em que comunicam informao. Re-duzi-Ias a esta funo adotar uma perspectiva que pri-vilegia indevidamente o ponto de vista do sistema e seunico interesse. Pois amqyina ciberntica que funcionapela informao, mas, por exemplo, os fins que lhe sodados quarido de sua programao provm de enunciadosprescritivose avaliativos que ela no corrigir no cursodo funcionamento, por exemplo, a maximizao de suasperformances. Masc0tIl0 garantir que a maximizao dasperformances constill sempre o melhor fim para o siste-.ma social? Os "tomos" que formam a sua matria so,em todo caso, competentes em relao a estes enunciados,e notada mente a esta questo.

    E, por outro lado, a teoria da informao em sua ver-so ciberntica trivial deixa de lado um aspecto decisivo,j evidenciado, o aspecto agonstico. Os tomos so colo-cados em encruzilhadas de relaes pragmticas, mas elesso tambm deslocados pelas mensagens que os atraves-sam, num movimento perptuo. Cada parceiro de lingua-gem sofre por ocasio dos "golpes" que lhe dizem respeitoum "deslocamento", uma alterao, seja qual for o seugnero, e isto no somente na qualidade de destinatrioe de referente, mas tambm como remetente. Estes "gol-pes" no podem deixar de suscitar "contragolpes"; ora,todo mundo sabe pela experincia que estes ltimos noso "bons" se forem apenas reacionais. Pois, ento, elesno so seno efeitos programados na estratgia do adver-srio; eles a realizam e vo assim a reboque de uma modificao da relao das respectivas foras. Da a importn-cia que existe em agravar o deslocamento e mesmo em \desorient-lo, de modo a conduzir um "golpe" (um novo \enunciado) que no seja esperado.

    O que preciso para compreender desta maneira asrelaes sociais, em qualquer escala que as consideremos,no somente uma teoria da comunicao, mas uma teo-

    ria dos jogos, que inclua a agonstica em seus pressupos-[os. E j se adivinha que, neste contexto, a novidade re-querida no a simples "inovao". Encontrar-se- juntoa muitos socilogos da gerao contempornea matriacom que se possa apoiar este enfoque,60 sem falar de lin-gistas ou filsofos da linguagem.

    Esta "atomizao" do social em flexveis redes dejogos de linguagem pode parecer bem afastada de umarealidade moderna que se representa antes bloqueada pelat b ,. 61 I ' 1ar rose urocratlca. nvocar-se-a pe o menos o peso das

    instit~ies que impem limites aos jogos de linguagem,c aSSIm restringem a inventividade dos parceiros em ma-tria de lances. Isto no nos parece constituir uma difi-culdade particular.

    No uso ordinrio do discurso, numa discusso entredois amigos, por exemplo, os interlocutores lanam mo detodos os meios, mudam de jogo entre um enunciado eoutro: a interrogao, a splica, a assero, o relato solanados confusamente na batalha. Esta no desprovi-da de regra,62 mas sua o regra autoriza e encoraja a maiorflexibilidade dos enunciados.

    Ora, deste ponto de vista, uma' instituio diferesempre de uma discusso no que ela requer de presses1