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RENATO KEILA
A CONSIDERAÇÃO DO CONFORTO EM PROJETOS DE CABINE DE AVIÕES: CONTRIBUIÇÕES DA ERGONOMIA
Trabalho de Formatura apresentado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do diploma de Engenheiro de Produção
São Paulo
2007
RENATO KEILA
A CONSIDERAÇÃO DO CONFORTO EM PROJETOS DE CABINE DE AVIÕES: CONTRIBUIÇÕES DA ERGONOMIA
Trabalho de Formatura apresentado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para obtenção do diploma de Engenheiro de Produção
Orientador: Prof. Dr. Laerte Idal Sznelwar
São Paulo
2007
FICHA CATALOGRÁFICA
Keila, Renato
A consideração do conforto em projetos de cabine de aviões:
contribuições da ergonomia / R. Keila. -- São Paulo, 2007. 113 p.
Trabalho de Formatura - Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo. Departamento de Engenharia de Produção. 1.Ergonomia (Engenharia de produção) 2.Projetos de produ-
tos 3.Interior de aeronaves I.Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia de Produção II.t.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Prof. Laerte Sznelwar, pelos momentos de aprendizagem e pelo apoio e
incentivo constantes, desde a definição do tema deste trabalho.
Aos meus pais, Gerson e Silvia, por terem me criado com tanto amor e carinho.
Aos meus avós, Diva e Shmil, por serem exemplos a serem seguidos e por fazerem
questão de participar da minha vida.
À Glê, minha namorada, por me amar e estar sempre presente, mesmo quando
estávamos distantes.
À minha sogrinha, por ser co-orientadora extra-oficial do meu trabalho.
Aos meus amigos da Produção – Germano, Xté, Paty, Pepa, Paulinho, David, Diogo,
Gustavo, entre outros – pelo companheirismo, pelas longas e entusiasmadas conversas,
almoços, festas e por tornarem as madrugadas de estudo uma atividade mais prazerosa.
A todos os professores da Poli que tentaram me ensinar alguma coisa.
À Tuca, por suas formidáveis anotações de aula.
Aos funcionários da Escola – Samy e Vanda da Secretaria do Departamento, Márcia
do Serviço de Graduação e Ângela da Assistência Acadêmica, entre outros – por me livrarem
das diversas enrascadas em que me meti.
À Cris e ao Osni, por cuidarem dos alunos como filhos e por serem meus psicólogos
durante as crises acadêmicas e profissionais.
Ao povo da Embraer – Flávia, Mateus, Fernando, Taka, Liziane e demais funcionários
entrevistados – por acreditarem na minha proposta de trabalho e por me receberem tão bem
durante minhas visitas à empresa.
A todos aqueles que contribuíram de alguma forma para minha formação e para a
elaboração deste trabalho, registro o meu sincero MUITO OBRIGADO.
RESUMO
Esse trabalho surgiu a partir da necessidade de se investigar como os conceitos e
práticas ergonômicas estão incorporados aos processos de projeto de cabine de aviões. O
autor realizou uma revisão da literatura e uma pesquisa de campo para entender os fluxos de
atividades para se projetar um avião, o relacionamento entre os diferentes departamentos, as
interfaces com os compradores e os futuros usuários e quais são as atividades específicas das
áreas de design e ergonomia. O autor analisa o material coletado em termos de como a
estrutura favorece a consideração do conforto nos projetos, como acontecem na prática os
relacionamentos e interfaces, em que momentos as áreas de ergonomia e design são
envolvidas e qual é a natureza das demandas ergonômicas. Ao final, o autor oferece sugestões
para que a empresa seja capaz de oferecer soluções mais adequadas em termos de conforto
para o usuário.
Palavras-chave: Ergonomia, Projeto do Produto, Conforto, Cabines.
ABSTRACT
This report came from the need of investigating how the concepts and ergonomic
practices are incorporated into the project of aircraft cabins. The author carried out a scientific
review and a field research in order to understand the activity flow of designing an aircraft,
which are the relationships between different areas and the interfaces between the company
and the customers. This paper also helps to understand which are the specific activities
performed by the design and ergonomics areas. The author analyses the collected material in
terms of how the structure helps the consideration of comfort in projects, how these
relationships and interfaces occur, how specific the demands were, and when their work was
required. The author gives suggestions for the company, so that it could offer better solutions
in terms of comfort to the user.
Keywords: Ergonomics, Product Engineering, Comfort, Cabins.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Criação de Metodologia Integrada para Consideração do Conforto (GASPAROTTI, 2007)........................................................................................13
Figura 2 – Estado do Conhecimento sobre Conforto a Bordo.................................................16
Figura 3 – O Setor Aeroespacial .............................................................................................19
Figura 4 – Fatores Críticos de Competitividade na Indústria de Aeronaves Civis..................21
Figura 5 – A Cadeia de Suprimentos Aeronáutica (BASTOS, 2006) .....................................22
Figura 6 – Ilustração do ERJ 145 XR (EMBRAER, 2007).....................................................26
Figura 7 – Ilustração da família EMB 170/190 (EMBRAER, 2007) ......................................27
Figura 8 – Ilustrações: Legacy 600 (acima); dois leiautes para a cabine do Legacy Shuttle (EMBRAER, 2007).................................................................................28
Figura 9 – Ilustração do Phenom 100 (acima) e Phenom 300 (EMBRAER, 2007)................28
Figura 10 – Ilustrações das vistas internas do Phenom 100 (esquerda) e Phenom 300 (EMBRAER, 2007) .............................................................................................29
Figura 11 – Ilustrações do Lineage: vista externa e interna da cabine (EMBRAER, 2007)....................................................................................................................29
Figura 12 - Aeronave de Inteligência, Reconhecimento e Vigilância (EMBRAER, 2007)....................................................................................................................30
Figura 13 – Super Tucano (EMBRAER, 2007) ......................................................................30
Figura 16 – Modelo da Atividade do Trabalhador (LEPLAT; CUNY,1977 apud DANIELLOU, 2005)...........................................................................................34
Figura 17 – Diferenças entre a tarefa e a atividade(GUÉRIN, 2001)......................................35
Figura 18 – Comparação entre as visões da atividade.............................................................36
Figura 19 Visão geral das áreas de conhecimento e dos processos de gestão de projetos (PMI, 2000). ........................................................................................................40
Figura 20 – A estrutura projetizada .........................................................................................41
Figura 21 – A estrutura matricial (PATAH, 2006)..................................................................42
Figura 22 – A escolha da estrutura organizacional .................................................................43
Figura 23 – O projeto do produto (baseado em modelo de Garotti, 2006)..............................44
Figura 24 – Articulação entre abordagem ascendente e descendente (adaptado de Maline, 1994) ......................................................................................................48
Figura 25 – Três combinações de articulações entre as abordagens (adaptado de Maline, 1994) ......................................................................................................49
Figura 26 – Pirâmide de necessidades do usuário (JORDAN, 2000)......................................50
Figura 27 – Possibilidades de ação cooperativa ......................................................................60
Figura 28 – Estrutura matricial na Embraer ............................................................................67
Figura 29 – Fluxo do produto..................................................................................................70
Figura 30 – Relação do Grupo de Concepção com outras áreas (MENDES, 2007) ...............71
Figura 31 – O processo de concepção (MENDES, 2007) .......................................................73
Figura 32 – Modelo de concepção “de dentro para fora” (MENDES, 2007)..........................74
Figura 33 – Fluxo de Desenvolvimento do Projeto.................................................................76
Figura 34 – Fluxograma da Requisição de Alteração do Produto...........................................78
Figura 35 – Organograma da Engenharia Ocupacional...........................................................81
Figura 36 – Organograma da Gerência de Conforto de Cabine ..............................................82
Figura 37 – Organograma do Embraer Design Studio ............................................................83
Figura 38 – O processo de concepção de objeto realizado pelo time de produto....................85
Figura 39 – Seção transversal do EMB-170, comparativamente a seção do ERJ-145............89
Figura 40 – Diferença entre os parâmetros pitch e living space..............................................91
Figura 41 – Mapa de relacionamento entre os times do EDS e outras áreas.........................101
Figura 42 – Evolução da quantidade de trabalho por departamento e o envolvimento da ergonomia ..........................................................................................................102
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AET Análise Ergonômica do Trabalho
ANAC Agência Nacional da Aviação Civil
BRE Building Research Establishment Limited
CTA Centro Técnico Aeroespacial
CUG Cabin User Guide
DAP Departamento de Anteprojeto
DT Desenvolvimento Tecnológico
EDS Embraer Design Studio
Embraer Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
GEEA Gerência de Estudos de Ergonomia na Aviação Civil
HEACE Health Effects in Aircraft Cabin Environment
IED Instituto Europeu de Design
IPD Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica
LOPA Layout of Passenger Accommodation
PCR Product Change Request
PICTA Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial
PITE Parceria para Inovação Tecnológica
PMI Project Management Institute
TTO Trabalho, Tecnologia e Organização
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................12 1.1 A escolha do tema...........................................................................................................12 1.2 O Projeto Embraer-FAPESP: Conforto Expandido e Design de Cabine .......................12 1.3 Objetivo principal ...........................................................................................................14 1.4 Relevância do tema de conforto em cabine ....................................................................14 1.5 Outros projetos de conforto ao redor do mundo.............................................................15 1.6 Contribuições do autor....................................................................................................17
2 REVISÃO DA LITERATURA ..........................................................................................18 2.1 A indústria aeronáutica...................................................................................................18 2.2 A Embraer: história, conceito, missão, visão, mercados e produtos ..............................24 2.3 Ergonomia ......................................................................................................................31 2.4 Projetos, programas e a gestão de projetos.....................................................................38 2.5 Estruturas organizacionais: adequação aos projetos.......................................................41 2.6 O projeto do produto ......................................................................................................44 2.7 A Ergonomia em projetos...............................................................................................52 2.8 Algumas questões da organização do trabalho...............................................................57
3 MÉTODO UTILIZADO .....................................................................................................63
4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS............................................................66 4.1 A estrutura da empresa ...................................................................................................66 4.2 O Desenvolvimento Tecnológico na Embraer ...............................................................67 4.3 O fluxo do produto .........................................................................................................69 4.4 O Departamento de Estudos Avançados ........................................................................70 4.5 Os programas..................................................................................................................76 4.6 A Engenharia de Desenvolvimento de Interiores ..........................................................79 4.7 A Ergonomia de Fábrica.................................................................................................80 4.8 A Ergonomia de Interiores .............................................................................................82 4.9 Atividades do time de ergonomia...................................................................................90
5 ANÁLISE DOS DADOS .....................................................................................................97 5.1 Sobre a estrutura da empresa ..........................................................................................97 5.2 Sobre a consideração do conforto em cada etapa do projeto..........................................98 5.3 As relações entre o EDS, o time de ergonomia e outras áreas .....................................100 5.4 As demandas ao time de ergonomia no fluxo do projeto .............................................102 5.5 Sobre a natureza das atividades do time de ergonomia ................................................103 5.6 Sobre o envolvimento dos usuários no projeto do produto ..........................................106
6 CONCLUSÕES..................................................................................................................107
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................110
APÊNDICE A – Guias para as entrevistas ........................................................................113
12
1 INTRODUÇÃO
1.1 A escolha do tema
Em julho de 2006, o autor deste trabalho decidiu por realizar seu Trabalho de
Formatura aplicado a um projeto de pesquisa da área de Trabalho, Tecnologia e Organização
(TTO) do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo.
O autor procurou informações sobre os temas correntes de TTO e interessou-se sobre
um projeto chamado “Conforto Expandido em Cabines de Avião”, que seria apoiado pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Empresa Brasileira
de Aeronáutica S.A. (Embraer). O aluno, juntamente com o coordenador deste projeto,
decidiu elaborar uma pesquisa na indústria aeronáutica com o macro-tema conforto, para
servir de base para o inicio do projeto da FAPESP.
1.2 O Projeto Embraer-FAPESP: Conforto Expandido e Design de Cabine
O projeto “Conforto Expandido e Design de Cabine” está inserido no âmbito do
programa de Parceria para Inovação em Ciência e Tecnologia Aeroespacial (PICTA), que é
destinado a projetos do setor aeroespacial e faz parte do programa Parceria para Inovação
Tecnológica (PITE), que estimula o financiamento de projetos conjuntos entre universidades,
institutos de pesquisa e empresas. O projeto acima, que tem como subtítulo
“Desenvolvimento e Análise Integrada de Critérios de Conforto e Metodologia de Design”,
foi proposto conjuntamente por pesquisadores coordenados pelo Prof. Dr. Jurandir Itizo
Yanagihara, da Universidade de São Paulo, e pelo Engenheiro André Gasparotti,
representante da área de Desenvolvimento Tecnológico da Embraer.
Conforme descrito na proposta enviada à FAPESP (YANAGIHARA; GASPAROTTI,
2006), este projeto visa investigar o relacionamento entre conforto e design de cabines de
forma que se possa “elaborar diretrizes para o desenvolvimento de interiores otimizados, com
nível superior de conforto e garantindo o bem-estar do passageiro”.
13
Faz parte do escopo deste projeto “criar modelos, parâmetros e indicadores de
conforto, além de uma metodologia integrada para a geração de soluções de compromisso que
melhor atendam às demandas de conforto” (GASPAROTTI 1 , 2007).
A justificativa apresentada à Embraer para a realização deste projeto passa por
capacitação tecnológica, consideração do conforto como sendo um diferencial, maximização
do bem-estar e aceitação do passageiro e a necessidade da criação de um design que integre
diversos aspectos.
Yanagihara e Gasparotti (2006) explicam que o projeto é composto, em uma primeira
etapa, pelo estudo de diferentes parâmetros que exercem influência na sensação de conforto,
separados em quatro pacotes de trabalho (ou módulos), a saber: conforto térmico – abordagem
numérica, conforto térmico – abordagem experimental, pressão de cabine e, por fim,
ergonomia. Em uma segunda etapa, esses parâmetros serão estudados conjuntamente e será
criada uma metodologia integrada visando “soluções de compromisso entre as competências
envolvidas”.
Figura 1 – Criação de Metodologia Integrada para Consideração do Conforto (GASPAROTTI, 2007)
1 GASPAROTTI, André. O Desenvolvimento Tecnológico na Embraer. Apresentação em workshop sobre
ergonomia em 24 jan. 2007. São José dos Campos, 2007. Não publicado.
14
De inicio, o autor tinha a expectativa de trabalhar no Projeto Embraer-FAPESP, mais
especificamente no módulo de ergonomia, coordenado por seu orientador, com demais
pesquisadores de TTO. Entretanto, devido à demora em aprovação do projeto pela FAPESP, o
autor se viu obrigado a trabalhar em um recorte inicial do projeto, sem o auxilio de outros
pesquisadores. Percebendo que não teria outras frentes de trabalho para se apoiar, o autor
dedicou-se a uma pesquisa de campo introdutória ao projeto da FAPESP.
Este trabalho, portanto, responde à primeira parte do módulo de ergonomia do projeto
Embraer-FAPESP, ao realizar levantamento de dados para o reconhecimento do estado da arte
dos processos de projetos de cabines, no que diz respeito ao conforto e à ergonomia em cada
fase do projeto. Cabe destacar que há uma dificuldade de se incorporar conceitos de
ergonomia e conforto em cabines de avião, tema este que é abordado nesta pesquisa.
1.3 Objetivo principal
Investigar como os conceitos e práticas ergonômicas estão incorporadas aos processos
de projeto da organização, quais são as atividades dos ergonomistas e quais são as atividades
relativas ao conforto dentro da organização, visando oferecer possibilidades de melhoria para
a indústria aeronáutica e servir de referência para a continuidade de pesquisas sobre o assunto.
1.4 Relevância do tema de conforto em cabine
O conforto é um tema muito em voga na mídia. A necessidade de se estudar os
impactos no conforto em cabines de avião surgiu devido a:
� aumento do número de passageiros transportados em todo o mundo;
� maior diversidade demográfica dos usuários (maior gama de idade, diferenças
interculturais, etc.);
� vôos cada vez mais longos;
� notícias relativas à saúde a bordo que causaram impacto geral.
As companhias aéreas, por sua vez, vêm sofrendo enormes pressões de redução de
preços de tarifas, que as fazem procurar por aeronaves que tenham o menor índice de custo
15
por passageiro. O grande desafio das fabricantes de aeronaves, caso da Embraer, é oferecer
um produto com um baixo índice de custo por passageiro e, ao mesmo tempo, fornecer
conforto para os usuários, sem descuidar-se de fatores como segurança, tempo de vida da
aeronave e facilidade de construção e manutenção. É neste contexto que nasce a demanda da
Embraer por estudar o conforto em suas aeronaves.
1.5 Outros projetos de conforto ao redor do mundo
Segundo Gasparotti (2007), há alguns projetos ao redor do mundo que estudam
diferentes aspectos do conforto. A Università G.d’Annunzio estuda aspectos da fisiologia, da
neurologia e da psicologia a bordo – além de temas como vibração e dinâmica de fluídos. Já a
Building Research Establishment Limited (BRE) – organização britânica de consultoria,
pesquisa e certificação de ambientes – possui um simulador de cabine, e estuda questões de
saúde, conforto e qualidade sonora. A Universidade de Oldenburgo, no norte da Alemanha,
também é proprietária de um simulador ambiental e desenvolve projetos envolvendo ruído,
vibrações e qualidade sonora. A Universidade de Viena estuda aspectos da psico-fisiologia e
da saúde dos passageiros. O Instituto Europeu de Design (IED), na Itália, realiza estudos
sobre o design integrado. Por fim, há um maior conhecimento por parte dos pesquisadores da
USP quanto ao projeto desenvolvido no Fraunhofer Institute, na Alemanha, o Health Effects
in Aircraft Cabin Environment (HEACE). O projeto HEACE envolve qualidade do ar,
conforto térmico, ruídos e vibrações e detém uma câmara hipobárica para estudos do efeito da
baixa pressão no ser humano.
Dentre os estudos europeus citados anteriormente, destaca-se o projeto HEACE, que
estuda diversos parâmetros como ruído, umidade, temperatura, pressão e etc. O Projeto
HEACE distingue-se por algumas razões. Primeiro, por estudar os parâmetros de maneira
conjunta – analisando as influências de uns sobre outros. Segundo, por serem realizados testes
com júri em ambientes simulados. Por fim, por ser estruturado na forma de consórcio,
envolvendo indústria, universidade e institutos de pesquisa.
16
Andreas Holm, pesquisador do Fraunhofer Institute, em workshop realizado no
Brasil2, sumariza o estado da arte das pesquisas de conforto ao redor do mundo. Para ele, há
fatores que já são bastante estudados e bem conhecidos – pelo menos em teoria – como
temperatura, umidade relativa, fatores químicos e padrões e regulamentações necessários. Por
outro lado, há itens que ainda exigem alguma pesquisa por não serem totalmente conhecidos,
como fluxo de ar dentro da cabine, fatores biológicos, questões de conforto e ruídos e
vibrações. Por fim, o pesquisador acredita que é necessário investigar com muito mais
profundidade os efeitos de mudança de pressão na cabine e também quais são os efeitos de
todos os fatores anteriormente citados no bem-estar e na mente dos usuários. Um quadro
resumo sobre o estado da arte das pesquisas de conforto é apresentado a seguir.
Razoavelm. Bem
Conhecido Conhecido
Temperatura
Umidade Relativa
Fluxo de Ar
Pressão da Cabine(*)
Fatores Químicos
Fatores Biológicos
Reclamações de Conforto
Fisiologia e Psicologia Humana(**)
Ruídos e Vibração
Padrões e Regulamentações.
(*) Desconhecimento de Resultados de Pesquisas
(**) Informações Contraditórias
Fatores Lacuna
Figura 2 – Estado do Conhecimento sobre Conforto a Bordo
2 HOLM, Andreas. Conforto de Cabine: Aspectos Fundamentos e Tendência das Pesquisas no Mundo. São
Paulo, Universidade de São Paulo, 11 abr. 2007. Palestra proferida em ocasião do 2º Workshop sobre Conforto de Cabines de Avião. São Paulo, 2007.
17
1.6 Contribuições do autor
Conforme descrito anteriormente, já existem projetos que investigam a sensação de
conforto em cabine. São desconhecidos, entretanto, trabalhos que investiguem como o
conforto é incluído na fase de projeto do produto. Assim, a principal contribuição deste
trabalho é o estudo da consideração do conforto – não como uma verificação empírica do que
é confortável, mas na consideração do mesmo ainda na fase de projeto, tentando entender
como a estrutura, os processos e a organização da empresa favorecem a construção de cabines
que sejam consideradas confortáveis.
18
2 REVISÃO DA LITERATURA
Neste capítulo, é apresentado o arcabouço teórico que fundamentará a análise dos
dados coletados em campo.
Primeiramente, são abordados aspectos da indústria aeronáutica e da Embraer. A
seguir, são introduzidos os conceitos de ergonomia e de gestão de projetos e são apresentados
modelos de estruturas organizacionais. Posteriormente, os conceitos de gestão de projetos e
ergonomia são aplicados ao contexto do desenvolvimento de produtos complexos.
Finalmente, apresentam-se algumas questões relativas à Organização do Trabalho, que
poderiam permear as observações do autor.
2.1 A indústria aeronáutica
Um dos maiores setores de alta tecnologia do mundo, a indústria aeronáutica está
inserida no setor aeroespacial, que engloba empresas e agências governamentais que
produzem aviões, mísseis guiados, veículos espaciais, motores de aviões, unidades de
propulsão e partes relacionadas. (BASTOS, 2006)
O setor aeronáutico caracteriza-se por produtos de alto valor agregado, produção em
escala, longos ciclos de desenvolvimento e forte desenvolvimento tecnológico. (BASTOS,
2006)
Divide-se comumente o setor em dois segmentos – civil (ou comercial) e militar.
Cassiolato et al (2002) explicam que estes dois segmentos são muito diferentes entre si em
termos econômicos, produtivos, tecnológicos e logísticos.
Cabe notar, entretanto, que as fronteiras entre as diferentes indústrias não são estáticas
nem instransponíveis, havendo diversas intersecções entre elas (o que indica desenvolvimento
tecnológico em comum). Existem também diversos fabricantes transversais, que utilizam suas
tecnologias para diversos segmentos e indústrias. Uma representação gráfica dessas interfaces
do setor aeroespacial é apresentada na figura abaixo.
19
Figura 3 – O Setor Aeroespacial
As indústrias de manufatura da aviação civil são compostas por fabricantes de aviões
de grande porte, aviões regionais (médio porte), jatos executivos (pequeno porte),
helicópteros e seus componentes. Essas empresas são bastante importantes dentro da indústria
aeronáutica devido ao forte crescimento da aviação comercial em geral (de acordo com
SCHMITT3, 2000 apud BASTOS 2006).
Enquanto os principais clientes da aviação militar são as forças armadas, os maiores
clientes dos fabricantes de aviões civis são as linhas aéreas comerciais e as empresas de carga
(BASTOS, 2006).
A frota mundial de aeronaves comerciais com mais de 14 assentos atingiu 25.570 unidades em outubro de 2006. Depois do difícil período pós 11-setembro de 2001, quando o número de aeronaves ativas declinou rapidamente, em 2003 uma reversão de expectativas fez com que a frota crescesse, pelos dois anos seguintes, em média 5% ao ano. (BETING, 2006)
Os maiores fabricantes de aeronaves civis são a Airbus e a Boeing para aviões de
grande porte (acima de 120 assentos), e a Embraer e a Bombardier para aviões de médio porte
(entre 10 e 120 assentos). (BASTOS, 2006)
3 SCHMITT, Burkard. From co-operation to integration: defense and aerospace industries in Europe. Institute
for Security Studies of Western European Union; Chaillot Paper 40; Paris; July 2000.
20
A indústria aeronáutica é bastante concentrada (CASSIOLATO et al, 2002). É
possível expor algumas razões para a concentração da mesma:
� a dependência tecnológica induz a formação de pólos de desenvolvimento e estimula
fusões, aquisições e alianças entre competidores;
� a forte regulamentação funciona como barreira de entrada a novos concorrentes.
Niosi e Zhegu4 (2005) apud Bastos (2006) explicam que uma outra razão para a
formação de pólos de desenvolvimento são os altos valores imobilizados, em grandes fábricas
e em equipamentos caros e sofisticados. Exemplos de pólos são: a região de Seattle nos
Estados Unidos (sede da Boeing), a região de Toulouse na França (pertencente a Airbus), a
região de Montreal no Canadá (sede da Bombardier) e a região de São José dos Campos no
Brasil (sede da Embraer).
Cassiolato et al (2002) apresentam um quadro com os principais fatores críticos de
competitividade na indústria de aeronaves civis, traduzido por Bastos (2006):
4 NIOSI, Jorge; ZHEGU, Majlinda. Aerospace clusters: local or global knowledge spillovers? Industry and
Innovation; 12,1; p.5; Mar 2005.
21
Figura 4 – Fatores Críticos de Competitividade na Indústria de Aeronaves Civis
Para Esposito5 (2004) apud Bastos (2006), o sucesso das empresas aeronáuticas está
baseado em uma complexa rede de relacionamentos a longo prazo, envolvendo competição e
colaboração entre as mesmas.
2.1.1 A cadeia de suprimentos aeronáutica: montadoras e seus fornecedores
É interessante observar o modelo da estrutura da cadeia de suprimentos da aviação
civil apresentada por Bastos (2006):
5 ESPOSITO, Emilio. Strategic aliances and internationalization in the aircrafts manufacturing industry.
Technology Forecasting and Social Change; 71; pp. 433-468; 2004
Fonte: Cassiolato et al, 2002 apud Bastos, 2006
22
Figura 5 – A Cadeia de Suprimentos Aeronáutica (BASTOS, 2006)
À medida que se sobe na cadeia, ficam em evidência os papéis de integrador
tecnológico e de especialista em projeto e desenvolvimento de produto. Por outro lado, na
base da pirâmide, cresce a especialização em tecnologia e processos de produção.
De acordo com Niosi e Zhegu (2005) apud Bastos (2006), as empresas montadoras de
aeronaves têm alterado suas práticas de relacionamento, ao longo da cadeia de suprimentos,
do tradicional estilo americano de mercado puro para o modelo colaborativo japonês,
envolvendo os fornecedores das diversas camadas, através do compartilhamento de
conhecimento sobre produtos, processos e custos.
Segundo Bastos (2006), cabe às montadoras prospectar os mercados, comprar as
submontagens da segunda camada e a manufatura do produto. Para o desenvolvimento do
produto, o autor afirma que as montadoras buscam identificar as necessidades das empresas
aéreas, baseadas em uma série de fatores, como: rotas de vôo, tamanho desejado de aeronave,
capacidade de carga, alcance, arranjo e número de assentos, consumo, velocidade, etc. O
sucesso do produto, ainda segundo o autor, está atrelado a dois aspectos: (i) ao atendimento
dessas necessidades pelo menor custo total e (ii) às condições favoráveis de financiamento.
23
2.1.2 A indústria aeronáutica no Brasil
Até a primeira metade da década de 40, houve algumas iniciativas para a fabricação de
aeronaves, como, por exemplo, a Companhia Nacional de Navegação Costeira e a Fábrica
Nacional de Aviões na década de 30; e a Fábrica do Galeão e a Companhia Aeronáutica
Paulista, no início da década de 40. (BASTOS, 2006)
Em 1941, foi criado o Ministério da Aeronáutica. Desta forma, o governo passou a
traçar estratégias para o setor da aviação, visando a viabilização da indústria de fabricação de
aeronaves no país, buscando a autonomia em aviões de defesa. (BASTOS, 2006)
Com o apoio federal, começam a surgir instituições de pesquisa, como o Centro
Técnico Aeroespacial (CTA) em 1946 e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em
1947, cujo objetivo era formar engenheiros especializados em aeronáutica. No início, o CTA
e o ITA tinham suas sedes no Rio de Janeiro, porém, ambos foram transferidos para São José
dos Campos em 1950. (CASSIOLATO et al, 2002).
Até a metade da década de 50, o foco de ambos era a formação de trabalhadores
especializados e de conhecimento técnico. Com a criação do Instituto de Pesquisa e
Desenvolvimento (IPD), houve o início da pesquisa de motores, materiais, eletrônica, projetos
e testes de aeronaves. O IPD tinha como objetivo “estudar os problemas técnicos, econômicos
e operacionais relacionados com a aeronáutica, cooperar com a indústria e buscar soluções
adequadas às atividades da aviação nacional”. (CTA, 2007)
Em 1968, o IPD lançou o Bandeirante – um avião bimotor turboélice para 12
passageiros – demonstrando a existência de condições, competência e capacidade para a
criação de uma indústria aeronáutica brasileira.
Em 1969, a partir do desenvolvimento tecnológico e dos recursos humanos
capacitados anteriormente, surgiu uma empresa estatal para a fabricação de aeronaves, a
Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), ligada ao Ministério da Aeronáutica, tendo o
governo brasileiro como acionista majoritário (51% do capital votante). (EMBRAER, 2007)
Desde então, a evolução da indústria aeronáutica brasileira se confunde com a própria
história da Embraer.
24
2.2 A Embraer: história, conceito, missão, visão, mercados e produtos
2.2.1 História
De acordo com Cassiolato et al (2002), desde sua fundação, a Embraer direcionou seus
esforços para o treinamento e desenvolvimento de competências em duas áreas básicas:
projeto de avião e integração de sistemas e componentes não fabricados por ela. A idéia era
desenvolver competências e habilidades próprias, ao invés de importar pacotes tecnológicos
(“caixas pretas”) para adaptação e eventual otimização.
Na década de 70, a empresa desenvolveu e iniciou a produção e as vendas de diversos
modelos, como o Bandeirante, Ipanema, Xavante e Xingu, que atendiam aos mercados
nacional e internacional, tanto no segmento civil como no militar. Em 1979, a empresa
estabeleceu uma subsidiaria nos Estados Unidos e, em 1983, fez o mesmo na França, com o
objetivo de concentrar atividades de vendas no território europeu e prover apoio técnico aos
novos clientes da Embraer na Europa, Oriente Médio e África. (EMBRAER, 2007)
O governo federal mantinha suporte financeiro sólido e contínuo através de alocação
de recursos orçamentários para a gestão da empresa, para infra-estrutura de ciência e
tecnologia em São José dos Campos e para aquisição de produtos (CASSIOLATO et al,
2002).
No final dos anos 80 e início dos anos 90, a Embraer foi fortemente afetada pela crise
política e econômica no Brasil, em função das reformas estruturais que levaram a uma
significativa redução dos investimentos e gastos governamentais nos setores de aeronáutica,
espaço e defesa, e pela recessão mundial no mercado de aviação regional.
Além disso, a empresa teve problemas financeiros pelos seguintes motivos citados por
Cassiolato et al (2002):
� a empresa havia iniciado novos projetos sem amparo financeiro apropriado;
� os projetos foram desenvolvidos sem pesquisa detalhada de mercado e sem
preocupação com as necessidades dos clientes potenciais;
� a gestão da empresa era fortemente baseada em uma visão técnica, focada em
capacitação tecnológica e desenvolvimento de produto;
� os aspectos financeiros e de custo não tinham alta prioridade.
25
Com isso, a empresa perdeu muito de sua competitividade, tanto no mercado interno
como no externo. Os problemas econômico-financeiros e de desempenho empresarial da
Embraer, associados a uma mudança estrutural na visão do papel do estado pelo governo
federal, levaram à privatização da empresa em 1994.
Em dezembro de 1994, as instituições financeiras Bozano-Simonsen, Wasserstein e
Perella adquiriram a participação majoritária da empresa, juntamente com os fundos de
pensão Previ e Sistel.
De acordo com Cassiolato et al (2002), após a privatização, a Embraer traçou um
plano de negócio que alterou sua estrutura organizacional e produtiva, visando a obtenção de
melhores resultados financeiros, apoiado em uma estratégia diferenciada de mercado e de
relacionamento com clientes e fornecedores.
Em 2000, a empresa realizou abertura de capital, lançando ações nas bolsas de São
Paulo e Nova Iorque. Neste mesmo ano, abriu escritórios na China e em Cingapura,
reafirmando sua inclinação ao mercado internacional executivo.
Em março de 2006, a maioria dos acionistas da Embraer aprovou uma simplificação
da estrutura do capital social da empresa, que passou a ser composto apenas por ações
ordinárias, o que proporcionou, segundo a EMBRAER (2007), “um aumento da liquidez a
todos os acionistas da Embraer, que se beneficiarão com o maior potencial de valorização de
suas ações e aprimoramento dos padrões de governança corporativa”.
Até o final de 2006, a Embraer já havia produzido quase 4.000 aviões, que operam em
65 países, em cinco continentes. Entre os anos de 1999 e 2004, sempre se manteve como a
primeira ou a segunda maior empresa exportadora brasileira. Em 31 de dezembro de 2006,
contava com 19.265 empregados e sua carteira de pedidos firmes totalizava US$ 14,8 bilhões.
(EMBRAER, 2007)
2.2.2 Conceito da empresa
A Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A (Embraer) projeta, desenvolve, fabrica,
vende e oferece manutenção a aeronaves destinadas aos mercados globais de aviação
comercial, aviação executiva e ao mercado de defesa. Sua sede é em São José dos Campos, no
Estado de São Paulo. (EMBRAER, 2007)
26
2.2.3 Missão
O negócio da Embraer é satisfazer seus clientes do mercado aeronáutico e de defesa
com soluções competitivas e inovadoras de elevado padrão tecnológico, atendendo à plena
satisfação de suas necessidades, maximizando os resultados dos acionistas e promovendo o
desenvolvimento de seus empregados e das comunidades em que atua. (EMBRAER, 2007)
2.2.4 Visão
A Embraer continuará a crescer para ser uma das principais forças globais dos
mercados aeronáutico e de defesa, líder nos seus segmentos de atuação, reconhecida pelos
níveis de excelência em sua ação empresarial. (EMBRAER, 2007)
2.2.5 Mercados e produtos
A Embraer atua em três mercados: aviação comercial, aviação executiva e mercado de
defesa.
Aviação comercial – jatos regionais
Os aviões da família ERJ 145 são os menores aviões dentre os comerciais. Têm
velocidade de cruzeiro de 0,78 mach6, e, dependendo do modelo, possuem autonomia de vôo
entre 2.800 km e 3.700 km e transportam entre 37 e 50 passageiros.
Figura 6 – Ilustração do ERJ 145 XR (EMBRAER, 2007)
6 Razão entre a velocidade do objeto e a velocidade do som no ar. Como é uma relação entre duas velocidades,
não tem dimensão. 1 mach = aproximadamente 1.200 km/h a 0 ºC.
27
As aeronaves da família Embraer 170/190 têm entre 70 e 110 assentos, com autonomia
de vôo entre 3.300 km e 4.200km, e velocidade de 0,82 mach.
Figura 7 – Ilustração da família EMB 170/190 (EMBRAER, 2007)
Aviação executiva
Baseada na plataforma já testada do ERJ 135, a Embraer entrou no mercado da
aviação executiva em dezembro de 2001 com a introdução do Legacy.
A aeronave está disponível nas versões Legacy 600 e Legacy Shuttle, que se adequam
a uma variedade de aplicações mercadológicas, inclusive ao segmento de transporte de
autoridades. O layout do Legacy 600 varia para acomodar de 10 até 16 passageiros. A cabine
do Legacy Shuttle, por sua vez, pode ser rearranjada para acomodar desde 16 até 37
passageiros. O Legacy está em operação nos Estados Unidos, Europa, Oriente Médio,
América Latina e China. (EMBRAER, 2007)
28
Figura 8 – Ilustrações: Legacy 600 (acima); dois leiautes para a cabine do Legacy Shuttle (EMBRAER, 2007)
Em maio de 2005, a Embraer anunciou o lançamento de dois novos jatos, Phenom 100
e Phenom 300, nos segmentos Very Light e Light Jets. O Phenom 100 comporta de 4 a 6
ocupantes (passageiros e tripulação), enquanto que o Phenom 300 possibilita 8 a 9 ocupantes.
Os novos aviões têm suas entradas em operação previstas para meados de 2008 e meados de
2009, respectivamente.
Figura 9 – Ilustração do Phenom 100 (acima) e Phenom 300 (EMBRAER, 2007)
29
Figura 10 – Ilustrações das vistas internas do Phenom 100 (esquerda) e Phenom 300 (EMBRAER, 2007)
Em maio de 2006, foi anunciado o lançamento do Lineage 1000, que tem a mesma
plataforma do Embraer 190, que comercialmente transporta até 110 passageiros. Para atender
ao segmento ultra-large da aviação executiva, seu arranjo interno comporta até 19
passageiros, oferecendo flexibilidade de configurações de cabine.
Figura 11 – Ilustrações do Lineage: vista externa e interna da cabine (EMBRAER, 2007)
Mercado de defesa
Para atender às necessidades de defesa, a Embraer fabrica aeronaves de Inteligência,
Reconhecimento e Vigilância, que são baseadas nas plataformas das aeronaves comerciais da
família ERJ 145.
30
Figura 12 - Aeronave de Inteligência, Reconhecimento e Vigilância (EMBRAER, 2007)
A Embraer fabrica também aviões de combate, como o “Super Tucano”. É uma
aeronave militar para treinamento e aplicações operacionais de vigilância de fronteiras e
espaço aéreo, derivado do “Tucano”, líder mundial em seu mercado.
Figura 13 – Super Tucano (EMBRAER, 2007)
31
2.3 Ergonomia
O termo “ergonomia”, segundo o dicionário Houaiss (2001), é derivado dos radicais
gregos ergon – que significa “trabalho, ocupação, obra, ação” – e nomos, que significa “uso,
costume, opinião geral, regra de conduta, lei”.
Wisner (1997) apud Daniellou (2004) define ergonomia como sendo o “conjunto de
conhecimentos científicos relacionados ao homem necessários na concepção de instrumentos,
máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e
eficiência no trabalho”.
Guérin (2001) relata que, como muitos dos sistemas concebidos pelo homem são
incompletos, os responsáveis pela organização do trabalho acabam adaptando os meios
humanos às características técnicas do sistema de produção. Essa lógica, segundo o autor,
ignora as especificidades do funcionamento humano e acaba conduzindo a freqüentes
desilusões no inicio das operações de uma indústria. Para o autor, deve haver um ajuste mútuo
entre o ser humano e os sistemas técnicos.
Guérin (2001) deixa claro no início da sua obra que a principal finalidade da ação
ergonômica é a transformação do trabalho.
2.3.1 Análise ergonômica do trabalho
Segundo Daniellou (2004), uma das principais ferramentas da ergonomia é a Análise
Ergonômica do Trabalho (AET), que é utilizada para responder a uma questão precisa
referente ao trabalho e é orientada para a proposição de soluções, sempre a partir de uma
visão ascendente (primeiramente são ouvidos os trabalhadores, depois seus supervisores
diretos e assim sucessivamente).
Wisner (1997) apud Daniellou (2004) considera a ergonomia como “a arte que utiliza
o saber tecno-científico e o saber dos trabalhadores sobre sua própria situação do trabalho”.
Esta análise precisa então de um “espaço e processo de elaboração” do qual devem
participar os diferentes atores envolvidos, com seus pontos de vista e interesses próprios
(GUÉRIN, 2001).
32
Para Daniellou (2004), a AET é uma ferramenta essencial de orientação da intervenção
ergonomia e permite a alternância de fases de construção e de resolução de problemas. A
AET conduz a transformações dos sistemas técnicos, da organização e até mesmo da gestão
da empresa, podendo sugerir novos programas de formação, outras escolhas relativas a
formação dos operadores e dos executivos. (DANIELLOU, 2004).
Para Versmersch (1990) apud Daniellou (2001), a AET não é uma ferramenta de
reconstituição de incidentes, como alguns poderiam pensar, mas, ao contrário, permite
reconstituir os acontecimentos das atividades mais comuns e repetitivas do trabalho industrial.
Para este autor, a reconstituição das atividades pode ser realizada através da autoconfrontação,
que é um meio potente de exprimir o inconsciente cognitivo. A autoconfrontação citada é uma
entrevista, na qual se apresenta ao trabalhador a gravação ou os elementos pertencentes a sua
atividade, para que o mesmo possa comentar a atividade realizada.
Guérin (2001) contextualiza que a AET começou a ser utilizada nas indústrias quando
houve a necessidade de se verificar e administrar a “distância entre o prescrito e o que é
realmente necessário para que o trabalho realmente aconteça”. A distinção entre o trabalho
prescrito e o realizado será discutida a seguir.
2.3.2 Definição do trabalho
Guérin (2001) define o trabalho sob duas óticas distintas: o trabalho prescrito e o
efetivamente realizado.
O trabalho prescrito tem como objeto as tarefas. Acredita-se que o executor da tarefa
estará sob condições determinadas e que, a partir da correta definição da tarefa, o executor
chegará a um resultado previsto e desejado. A tarefa está portanto relacionada com as
condições e resultados pré-determinados, conforme modelo da figura a seguir.
33
Six (1999) apud Daniellou e Béguin (2007) distingue entre as tarefas descendentes,
que são aquelas prescritas pelos superiores na estrutura organizacional, e as tarefas
ascendentes, que são resultado do contato com outras pessoas, como colegas de trabalho ou
clientes, que também prescrevem o que o executor do trabalho deve fazer.
Já o trabalho realizado é aquele definido pelas “atividades”, que é a maneira como os
resultados são efetivamente obtidos e como os meios são realmente utilizados. O trabalho
efetivo é a conjunção entre a atividade, suas condições de realização e seus resultados. A
atividade, as condições e os resultados da atividade não existem independentemente uns dos
outros: o trabalho é a unidade destes três fatores, fato que pode ser observado na figura a
seguir.
Por exemplo, para se descrever o trabalho de um lavador de automóveis deve-se
explicitar não apenas que há uma pessoa esfregando a lataria de um carro, mas também que há
um automóvel que foi entregue sujo e, após seu trabalho, foi devolvido limpo.
Leplat e Cuny (1977) apud Daniellou (2005) propõem um modelo um pouco mais
robusto, que considera também as características do trabalhador e os objetivos propostos
(além das condições para realização do trabalho, já proposto por Guérin, 2001). Este modelo
divide os resultados da atividade do trabalho entre as conseqüências para o trabalhador e as
conseqüências para a produção. O modelo completo pode ser observado na figura seguinte.
Figura 15 – Modelo de Atividade (GUÉRIN, 2001)
Condições da
Resultados da
Atividade de trabalho
Condições determinadas
Resultados antecipados
Tarefa
Figura 14 – Modelo de tarefa (GUÉRIN, 2001)
34
Figura 16 – Modelo da Atividade do Trabalhador (LEPLAT; CUNY,1977 apud DANIELLOU, 2005)
As setas indicam quais elementos influem sobre os outros. Cabe observar a
originalidade deste modelo, ao propor um ciclo de retro-alimentação entre o resultado do
trabalho e a atividade do trabalho.
Seguindo o mesmo exemplo apresentado anteriormente – do lavador de automóveis –
o modelo de Leplat e Cuny adiciona então as condições físicas do trabalhador (se ele é forte
ou alto o bastante para alcançar e limpar partes de difícil acesso), os objetivos a ele propostos
(deixar o carro brilhante em até cinco minutos) e também quais são as conseqüências para sua
saúde (cansaço, fadiga muscular, etc.).
Através dos modelos propostos, entende-se que algumas possíveis causas das
diferenças entre o resultado real e o esperado são:
� diferenças entre a tarefa e a atividade, que surgem a partir das adaptações que o ser
humano faz em suas atividades de trabalho;
� diferenças entre as condições determinadas a priori e as condições reais sob as quais o
trabalho acontece;
� objetivos propostos difíceis de serem alcançados que modificam a própria atividade e
a distanciam cada vez mais da tarefa prescrita e do resultado esperado.
Características do trabalhador
Objetivos Condições para realização
Atividade do trabalhador
Conseqüências para o trabalhador
Resultado (Desempenho)
35
Figura 17 – Diferenças entre a tarefa e a atividade(GUÉRIN, 2001)
2.3.3 Visões da atividade
Para Lomov (1977) apud Rabardel e Béguin (2005) e também apud Nosulenko et al
(2005), há duas maneiras de se abordar a atividade: uma visão “antropocêntrica” e outra
“tecnocêntrica”.
Na abordagem antropocêntrica, o dispositivo técnico é examinado em função da
atividade humana e dos problemas encontrados. O homem não é considerado como simples
elemento do sistema homem-tecnologia, mas como núcleo organizador das funções para
atingir os objetivos previamente estabelecidos.
Já na visão tecnocêntrica é dada uma ênfase na técnica, em que a atividade da pessoa é
analisada em termos dos artefatos dos quais se utiliza. Nesta visão, assume-se que o homem é
um elemento do sistema, e que, se não houvesse dispositivos técnicos, a atividade da pessoa
não precisaria existir.
No caso de um piloto de avião, adotando-se uma visão tecnocêntrica, se o avião não
existisse, a atividade de piloto não existiria. Considerando uma abordagem antropocêntrica, a
atividade de piloto só existe porque existe um homem que quer voar, que precisa de algum
instrumento para isso.
Outro tipo de distinção entre duas visões possíveis da atividade é proposta por Norman
(1991) apud Rabardel e Béguin (2005). Com base na distinção proposta por Lomov (1977),
Norman (1991) introduz os conceitos de visão pessoal e visão sistêmica.
Condições determinadas
Resultados antecipados
Tarefa
Condições reais
Resultados
efetivos
Atividade de trabalho
Trabalho prescrito
Trabalho real
36
Em uma visão pessoal, os objetos presentes na atividade promovem a alteração da
tarefa e conseqüentemente da atividade. Esse tipo de visão é característico dos próprios
sujeitos da atividade.
Em uma visão sistêmica, o sistema é composto pela pessoa, pela tarefa e pelos objetos.
Esse tipo de visão é característico de projetistas e pesquisadores, que enxergam os objetos
como elementos que promovem a melhoria do desempenho do sistema.
Independentemente do modelo escolhido, cada uma das visões é bem diferente. Há,
em ambos os modelos, uma abordagem intrínseca à atividade (a visão pessoal de Norman e a
visão antropocêntrica de Lomov) e outra abordagem extrínseca à atividade (a visão sistêmica
de Norman e a visão tecnocêntrica de Lomov). Rabadel e Béguin (2005) observam que os
usuários costumam adotar uma abordagem mais intrínseca, por estarem diretamente
relacionados à atividade, enquanto que os projetistas – que estão mais relacionados ao
desempenho do sistema – costumam ter uma abordagem mais extrínseca. Para os autores,
ambas as abordagens são relevantes para a resolução de problemas e para o processo de
projeto do produto. Os autores concluem então que é vital que o usuário tente adotar uma
abordagem extrínseca e sistêmica da atividade, e que o projetista se coloque na visão pessoal
e intrínseca do usuário.
Figura 18 – Comparação entre as visões da atividade
2.3.4 Um pouco mais sobre a atividade
O conceito de atividade aparece na Ergonomia como um contraponto à tarefa. Porém,
alguns autores, como Schwatz (1997) apud Daniellou (2005), propõem que a atividade
observada não pode ser totalmente entendida como uma resposta à situação de trabalho, mas
também como um “recorte de sua vida”. Assim, há inúmeros fatores extrínsecos ao trabalho
(como motivação, auto-estima, problemas afetivos, desejos pessoais) que também devem ser
considerados. Clot (1999) sugere que a atividade não é apenas o que o trabalhador executa,
37
mas “o que ele gostaria de fazer mas não pode”, incluindo o que ele está pensando sobre a
situação e quais são seus projetos pessoais que interferem em seu trabalho.
Segundo Daniellou (2005), essa ampliação do conceito da atividade dividiu os
ergonomistas em duas correntes. Para alguns, a atividade deveria ser analisada em termos da
“descrição cognitiva e fisiológica”. Para outros, entretanto, a atividade humana no trabalho
não poderia ser explicada sem se considerar também “fatores psíquicos, relacionais, sociais e
culturais”.
2.3.5 Postura do ergonomista frente a recomendações e normas ergonômicas
Existem diversas normas regulatórias que tratam, por exemplo, da saúde do
trabalhador, das condições de trabalho, das condições de segurança em obras de engenharia,
etc. Mas, qual deve ser o comportamento do ergonomista com relação às normas e às
recomendações? Daniellou e Béguin (2007) acreditam que, além de dominar o conteúdo
dessas normas, o ergonomista deve ser capaz de discutir suas condições de validade – ou seja,
o ergonomista deve considerar, como um todo, as diversas combinações de fatores que podem
aumentar ou minimizar fatores de risco não previstos pelas recomendações e normas já
estabelecidas.
2.3.6 Sobre o uso de bibliotecas de situações
Schön (1994) apud Daniellou e Béguin (2007) acredita que uma importante fonte de
conhecimento do ergonomista são as “bibliotecas de situações” (ou “base de dados de
situações”), que são o conjunto de experiências em ergonomia, próprias ou relatadas, que
contém diversos estudos de casos.
Para este autor, o uso da biblioteca permite adotar procedimentos baseados em casos,
associando o problema atual a um problema já encontrado. As vantagens sobre um
procedimento unicamente analítico é ser mais rápido que este último e menos custoso em
termos de recursos. A partir de uma investigação com base em um caso presente na biblioteca
de situações, é possível traçar “hipóteses de exploração do caso particular, de procedimentos
que se revelaram fecundos [produtivos] ou de elementos de solução”.
38
2.4 Projetos, programas e a gestão de projetos
2.4.1 Projeto
Um projeto é um “empreendimento temporário com o objetivo de criar um produto ou
serviço único”. (PMI, 2000). Temporário significa que cada projeto tem início, meio e fim
bem definidos. Produto ou serviço único denota que é diferenciado.
Miguel7 (2004) utiliza-se também da definição da ISO 10.006 para definir projetos:
“Processo8 único, consistindo de um grupo de atividades coordenadas e controladas
com datas para início e término, empreendido para alcance de um objetivo conforme requisitos específicos, incluindo limitações de tempo, custos e recursos” (ISO apud Miguel, 2004, p.4).
Um projeto é diferente dos trabalhos repetitivos conduzidos na organização. Como
tem relação com as estratégias da organização, diversos níveis hierárquicos estão envolvidos.
Além disso, um projeto está dividido em diversas fases, cuja duração e consumo de recursos
são variados. Projetos podem causar impactos econômicos, sociais e ambientais para toda a
organização.
Quanto maior a qualidade necessária em termos de recursos e quanto maiores forem os
benefícios esperados do projeto, maior será a prioridade do projeto para a organização.
(KERZNER9, 2002 apud MIGUEL, 2004)
2.4.2 Programa
Segundo o PMI (2000), um programa é um grupo de projetos gerenciados de forma
coordenada, visando obter benefícios não possíveis de serem obtidos se gerenciados
isoladamente.
Coincidentemente, é citado na obra acima o exemplo de um “Programa Avião XYZ”,
que inclui o projeto, a fabricação e o suporte oferecido para esta aeronave. Um programa,
portanto, pode envolver projetos e atividades repetitivas.
7 MIGUEL, Paulo A. Cauchik. Aula de PRO 2803 – Gestão de Projetos. Universidade de São Paulo, São Paulo,
17 ago. 2004. Anotações de aula, São Paulo, 2004. 8 conjunto de atividades que logicamente interligadas utilizam recursos para produzir um resultado final
específico (produto ou serviço) (MIGUEL, 2004) 9 KERZNER, H. Gestão de Projetos: As Melhores Práticas. Porto Alegre: Bookman, 2002.
39
Dá-se o nome de “portfólio” ao conjunto de programas ou projetos relacionados aos
objetivos estratégicos da organização e recursos disponíveis para sua realização. (PMI, 2000).
2.4.3 Gestão de projetos
“É a aplicação de conhecimentos, habilidades, e técnicas para projetar atividades que
visem atender os requisitos do projeto” (PMI, 2000, p.6)
Entende-se que ‘atender aos requisitos’ implica atingir os objetivos e atender (ou
superar) as expectativas dos stakeholders10.
O projeto é acompanhado através de processos de iniciação, planejamento, execução,
controle e encerramento (PMI 2000).
Na fase de iniciação, é necessário que se reconheça que há um problema e que um
projeto deve ser iniciado. Já na fase de planejamento, cria-se um sistema de trabalho para
satisfazer a necessidade do projeto, abrangendo os seguintes itens: escopo, tempo, custos,
qualidade, comunicações, riscos, aquisições e recursos humanos. Na fase de execução,
mobilizam-se os recursos necessários à implementação do projeto. Conforme o mesmo vai
sendo executado, controla-se cada um dos itens anteriores, monitorando e mensurando o
progresso do projeto, realizando ações corretivas quando necessário. Para o encerramento,
define-se a entrega, como será a comunicação e a desalocação dos recursos necessários.
2.4.4 Áreas de conhecimento da gestão de projetos
O PMI (2000) indica nove áreas de conhecimento da Gestão de Projetos. Cada área
inclui processos que compõem as práticas que devem ser executadas para completar o projeto
com sucesso. Miguel (2004) sintetiza da seguinte maneira:
� Escopo: processos exigidos para assegurar que estejam no projeto todas as tarefas
necessárias, e somente as necessárias, para completá-lo de forma bem sucedida.
� Prazo: processos exigidos para assegurar a conclusão do projeto no tempo planejado.
� Custo: processos para assegurar que o projeto seja concluído dentro do orçamento
aprovado.
10 Partes envolvidas.
40
� Qualidade: processos necessários para assegurar que o projeto satisfaça às
necessidades planejadas.
� Recursos Humanos: processos exigidos para administrar eficientemente o pessoal
disponível para o projeto.
� Comunicação: processos necessários para assegurar a produção, coleta, divulgação,
armazenamento e disposição de informações a tempo e de forma adequada.
� Risco: processos relacionados com a identificação, análise e resposta aos riscos do
projeto.
� Aquisição: processos exigidos para obter bens e serviços de terceiros.
� Integração: processos exigidos para assegurar que os vários elementos do projeto
sejam devidamente coordenados.
A figura a seguir ilustra as nove áreas do conhecimento, e os principais processos
necessários à gestão de projetos.
Figura 19 Visão geral das áreas de conhecimento e dos processos de gestão de projetos (PMI, 2000).
41
2.5 Estruturas organizacionais: adequação aos projetos
Nos últimos trinta anos, uma evolução vem ocorrendo na forma da estruturação de
grandes empresas. Os executivos perceberam que a estrutura da deveria permitir que a
empresa fosse mais dinâmica, para atender às mudanças cada vez mais rápidas do mercado. É
neste contexto que surgem os projetos e a disciplina de Gestão dos Projetos. (KERZNER11,
2001 apud PATAH, 2004)
Os projetos então, já relevantes na organização, exigem novas formas de estrutura
além da funcional tradicional. A principal razão é que essa estrutura não é capaz de lidar com
projetos que envolvam muitos departamentos diferentes, pois a gestão destes projetos é
conduzida a partir de um único departamento, o que dificulta a gestão dos recursos e
conhecimentos, reduz o comprometimento das equipes e pode prejudicar os resultados do
projeto.(PATAH, 2004)
Surgem então as estruturas projetizadas e matriciais, que serão vistas mais abaixo.
2.5.1 A estrutura projetizada
Segundo Kerzner (2001) apud Patah (2004), a estrutura projetizada coloca o gerente de
projeto no topo da estrutura, dando-lhe autoridade sobre o projeto como um todo. Um
exemplo de estrutura projetizada pode ser visto a seguir.
Figura 20 – A estrutura projetizada
11 KERZNER, H. Project Management – A System Approach to Planning, Scheduling and Controlling.
New York: John Wiley and Sons, 2001.
42
Como todos os membros do projeto respondem para o mesmo gerente, as
comunicações são facilitadas e as decisões ficam mais ágeis. Com isso, os membros do
projeto têm uma identificação e uma lealdade muito grande para com o projeto, o que pode
resultar em maior comprometimento e desempenho.
A estrutura projetizada apresenta algumas desvantagens para a empresa e para os
funcionários. Para a empresa, pode ocorrer a duplicidade de trabalho: por exemplo, a empresa
precisaria de um analista para cada projeto, enquanto que se houvesse um departamento de
custos (como há na estrutura funcional), apenas um analista seria necessário. Além disso, a
empresa estruturada por projetos precisa arcar com o custo de diversas estruturas de projeto
que não existem na estrutura funcional. Já para o funcionário da empresa, são pontos
negativos a incerteza quanto a alocações em projetos futuros e a falta de contato com
profissionais da mesma especialidade, que podem estar alocados em projetos diferentes.
2.5.2 A estrutura matricial
É uma estrutura organizacional híbrida, que contém características tanto da estrutura
funcional como da estrutura projetizada. Ambas as estruturas co-existem: há os grupos
funcionais com seus “gerentes funcionais”, e existem também grupos de projeto, sob a
responsabilidade dos “gerentes de projetos”. A maneira mais conhecida de se representar esta
transposição de estruturas é a forma de uma matriz, cujas linhas exibem os projetos, e colunas
exibem as áreas funcionais:
Figura 21 – A estrutura matricial (PATAH, 2006)
43
Neste tipo de estrutura, os trabalhadores passam a ter dois “chefes”, um gerente da
área funcional, e outro gerente de projeto. Dependendo da influência de cada um deles sobre o
trabalho, a estrutura matricial se divide em fraca, forte e equilibrada: no caso dos gerentes
funcionais terem mais poder que os gerentes de projeto, tem-se uma estrutura matricial fraca,
mais parecida com a estrutura funcional; se os gerentes de projeto possuem mais influência,
teremos uma estrutura matricial forte, mais próxima da estrutura projetizada; se é consenso na
empresa que ambos os gerentes detém do mesmo poder e exercem a mesma influencia, temos
uma estrutura matricial equilibrada.
2.5.3 Sobre a escolha da estrutura organizacional
É evidente que não existe uma estrutura ideal. A decisão de qual estrutura deve ser
adotada depende das características do setor de atuação da empresa, das demandas do
mercado, da cultura organizacional, do perfil dos funcionários, etc. De maneira simples, é
consenso entre diversos autores12 que quanto mais projetos e quanto maiores e mais
complexos estes forem, mais a organização deve caminhar para a estrutura projetizada. A
figura a seguir ilustra esse raciocínio.
Figura 22 – A escolha da estrutura organizacional
12 Exemplos são Kerzner, 2001 e Carvalho et al, 2001 (apud PATAH, 2004)
44
2.6 O projeto do produto
2.6.1 Projeto do produto sob a ótica da engenharia tradicional
Estorilio (2003) explica que há inúmeras referências sobre como representar um
projeto do produto. Segundo a autora, a maioria das formas de representação reconhece que
(i) há uma necessidade a ser satisfeita, (ii) que o processo é composto por diversas atividades
consecutivas, e (iii) que o resultado do projeto do produto não é único, não existindo um
projeto ideal, apenas baseado na demanda e independente das condições de desenvolvimento.
Slack et al (1995) definem o projeto do produto como um conjunto de tarefas
executadas pelos projetistas, que visam atender às necessidades e expectativas do consumidor,
segundo a interpretação do grupo que capta informações do mercado.
Seguindo essa mesma linha, Garotti (2006) apresenta um modelo que se estende por
cinco etapas, a saber: definição das necessidades do cliente, projeto conceitual, projeto básico,
projeto de detalhamento e, por fim, construção do produto. Esse modelo pode ser
representado graficamente através da figura a seguir, elaborada pelo autor deste trabalho.
Figura 23 – O projeto do produto (baseado em modelo de Garotti, 2006)
Na primeira etapa, são os interesses do cliente que originam as premissas do projeto.
Essas mesmas premissas servirão de base no futuro para comparações com o produto
construído.
A etapa de se elaborar o projeto conceitual, segundo Pugh13 (1998) apud Garotti
(2006) é caracterizada pela alternância entre os processos de geração de idéias e o processo de
seleção de soluções, que somente termina quando se chega em uma única solução que será o
projeto conceitual definitivo.
13 PUGH, Stuart. Total design: integrated methods for successful product engineering. Workingham: Addison-
Wesley Publishing Company, 1991.
45
Para Asimow14 (1962) apud Garotti (2006), o desenvolvimento do projeto básico nada
mais é que o momento em que a escolha da solução deve ser refinada, transformando o
conceito em algo factível. É importante nesta etapa validar se o projeto básico continua a
atender às necessidades iniciais dos clientes.
Durante a etapa de detalhamento, as ações se voltam para a garantia de que o produto
possa, realmente, ser produzido. Selecionam-se então os materiais e os componentes
necessários, ajustando seus detalhes para aumentar sua facilidade em passar por manutenção,
em ser testado e em ser produzido. (JONES15, 1998 apud GAROTTI 2006)
Após o detalhamento, um protótipo do produto é construído; uma vez aprovado, será
entregue ao cliente e será colocado em funcionamento.
Fica claro que um projeto de produto sob a ótica da engenharia tradicional, salvo a
etapa inicial de definição das necessidades, não abrange interações com o usuário final do
produto. Slack et al., limitam ainda mais esta participação, ao considerar o entendimento das
necessidades e expectativas dos clientes como sendo responsabilidade de outra área,
denominada de “inteligência de mercado”.
2.6.2 Atores do projeto do produto: projetistas e usuários
O processo de design16 está normalmente centrado sobre o projetista. Para Rabadel e
Béguin (2005), entretanto, o processo de design deve deixar de ser exclusividade do
projetista, cabendo também aos usuários, que podem oferecer uma visão da atividade mais
pessoal.
É evidente que a participação do usuário nem sempre é possível – no caso de um
produto que ainda não foi concebido, o consumidor não tem como saber de seu papel como
futuro usuário de um produto imaginário. Mesmo nesses casos, esforços devem ser feitos
pelos projetistas para se transportarem da visão sistêmica para a visão pessoal (e da visão
tecnocêntrica para a antropocêntrica).
É inegável que usuários não utilizam os produtos exatamente como os projetistas
imaginaram e que em diversas situações realizam alterações nos mesmos ou modificam suas
14 ASIMOW, Morris. Introduction to design. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1962.
15 JONES, James. Engineering design: reliability, maintainability and testability. New York: McGraw-Hill, 1988.
16 ‘design’ neste trabalho é sinônimo de projeto do produto, e ‘designer’ é o projetista responsável por isso.
46
atividades para facilitar a realização de suas tarefas. Há três grandes hipóteses formuladas por
diferentes autores que discutem a origem destas lacunas entre o design e o uso do produto.
� Projeto mal elaborado: Para Mackay (1988) apud Daniellou (2005), uma possível
razão para os usuários modificarem o produto é o mesmo não atender às suas
necessidades. Neste caso, o usuário “instrumentaliza” o produto à sua maneira,
criando novas funções para o mesmo.
� Projeto incapaz de antecipar as especificidades das situações: Para Daniellou (2005),
há uma diferença instransponível entre a atividade definida e a atividade realizada;
deste modo, nenhum projetista conseguiria elaborar um produto que atenda a todas as
situações às quais os usuários possam estar submetidos.
� Atividade real desconsiderada no projeto: Diferentemente das duas hipóteses
anteriores, em que as causas de falha são intrínsecas ao processo de design, a terceira
hipótese é intrínseca à atividade. Qualquer tarefa realizada em diferentes momentos,
sob diferentes situações ou por diferentes usuários resulta em um modelo mental
diferente (e em uma atividade por conseqüência diferente). Um exemplo que Rabardel
e Béguin (2005) fornecem é o de dirigir um veículo: dirigir como profissão e dirigir
não-profissionalmente são atividades distintas, mesmo que o motorista, a rodovia e o
objetivo de transportar algo sejam os mesmos.
2.6.3 Previsibilidade de usos do produto
Pinsky e Theureau (1987) apud Daniellou (2005) explicam que há um paradoxo do
projeto ergonômico do trabalho: “é impossível adaptar os meios do trabalho à atividade,
porque a própria atividade é parcialmente determinada pelos meios”.
Para o projeto ergonômico do produto, o paradoxo citado anteriormente ocorre da
mesma maneira: seria impossível adaptar o projeto do produto com base em seu uso, porque o
próprio uso do produto foi determinado em partes pelo seu design. E, o que seria ainda mais
paradoxal, se esse design fosse então alterado, sua utilização também se modificaria e,
portanto, seu projeto deveria ser reformulado novamente – e assim sucessivamente.
Para fugir deste paradoxo, Daniellou (2004) conclui que tentar prever a atividade
futura é, além de difícil, inútil. O autor conceitualiza então a “atividade futura possível”. Ao
invés de tentar prever a atividade futura, o autor procura prever as margens de manobra, o
47
espaço onde a atividade poderá ser realizada. Essa previsão permite verificar que se algumas
funções humanas forem solicitadas em excesso, algumas estratégias serão impossíveis,
comportamentos esperados serão improváveis, ou que a situação será custosa para a saúde.
Uma maneira de antever as atividades futuras possíveis é o uso da simulação. A
simulação, segundo Béguin (2007), é uma tentativa de recriar situações de referência,
“visando projetar certas dimensões das situações futuras para orientar a exploração”. Uma
recomendação de design nesta etapa não resultaria diretamente da análise de uma situação
existente, mas da análise de uma tentativa de entender a atividade futura através da simulação.
2.6.4 O projeto de produto como processo de aprendizagem coletivo.
Além dos interesses e motivações dos projetistas, há pessoas essenciais que exercem
influência sobre o projeto do produto: os usuários. É importante lembrar que estes últimos têm
orientações e objetivos diferentes dos projetistas. Para Rabardel e Béguin (2005), é essencial
para o desenvolvimento da ergonomia considerar ambos os sujeitos no processo de design.
Este ponto de vista é bem diferente da abordagem tradicional da engenharia, no qual o design
é percebido como um problema que deve ser solucionado da melhor maneira possível. A
ergonomia considera que as relações entre os atores e a organização das atividades de design
são tão importantes quanto o problema a ser resolvido.
Este processo de design deve então, em um primeiro momento, conceber produtos que
permitam a realização das atividades e possibilitem adaptações por parte dos usuários. Em um
segundo momento, o processo de design deve entender todas as construções e situações já
ocorridas com os usuários e oferecer propostas alternativas.
O processo de design sugerido pela ergonomia não tem início nem fim. É um processo
cíclico, que parte de uma concepção original do produto e passa por infinitas correções a
serem realizadas sobre o mesmo, envolvendo em todas as etapas os projetistas e os usuários.
Pinsky (1992) apud Daniellou (2005) reforça que não basta aos ergonomistas
recomendar alterações de design para os projetistas. Cabe ao ergonomista compreender não só
as atividades de uso do produto, mas as atividades dos projetistas e seus processos de
trabalho, para que suas recomendações sejam realmente utilizadas como uma importante fonte
para o processo de design. Assim, o ergonomista passa a fazer parte da “gestão do design”.
Em outras palavras, a recomendação do ergonomista não pode apenas constar nos registros do
48
projeto, mas, ser considerada de fato. A maneira de o ergonomista conseguir isto é participar
da gestão do design, garantindo que o design seja conduzido “de maneira reflexiva”.
2.6.5 Abordagens descendente e ascendente
A abordagem tradicional da engenharia se caracteriza como descendente, ou top-down.
Isso significa que, uma vez definidos os objetivos gerais pelos gerentes do projeto do produto,
definem-se as linhas mestras, as opções técnicas, o detalhamento da estrutura, até se chegar no
detalhamento de cada parte do produto. Apesar de existir projetistas preocupados com o
usuário futuro, tal consideração só ocorre mais ao final do projeto.
Uma outra abordagem, chamada de ascendente ou bottom-up, parte do princípio que a
consideração do uso do produto, desde o início, pode ajudar nas escolhas do projeto do
produto.
Maline (1994) propõe um diagrama que relaciona as abordagens ascendentes e
descendentes frente às possibilidades de ação sobre o sistema produtivo projetado. Se
considerarmos, ao invés de um projeto de um sistema produtivo, o projeto de um produto, o
diagrama adaptado seria:
Figura 24 – Articulação entre abordagem ascendente e descendente (adaptado de Maline, 1994)
Assim, o quanto antes houver uma abordagem ascendente, maior vai ser o leque de
alternativas de soluções para o projeto do produto – esse é o ponto principal de Maline (1994)
ao propor esse diagrama.
49
Na figura a seguir, apresentam-se três possibilidades de articulação entre as
abordagens ascendente e descendente. A linha A representa o caso da abordagem ascendente
se iniciando muito tardiamente – nesse caso, só há informações relativas a detalhes de como
os usuários utilizam o produto. A linha B, por sua vez, representa uma abordagem ascendente
que, apesar de ter tido um início cedo, apenas se encontra com a abordagem descendente mais
perto do final do projeto – o que significa que essa abordagem não teve a profundidade
necessária para sugerir novas demandas de projeto a partir de condições de uso. Nos dois
casos, as margens de manobra para mudanças no projeto estão reduzidas, pelo fato de as
principais decisões já terem sido tomadas de maneira descendente, e as etapas de
detalhamento já terem sido realizadas.
Na abordagem ascendente representada pela linha C, torna-se possível a reflexão com
os gerentes de projeto a respeito das opções principais que configuram o projeto. É essa
combinação de abordagens que permite a descrição e compreensão das inter-relações entre os
diferentes componentes do produto, ampliando a capacidade de antecipação e reduzindo as
incertezas relativas à eficácia do produto.
Figura 25 – Três combinações de articulações entre as abordagens (adaptado de Maline, 1994)
2.6.6 O conforto no projeto do produto
Jordan (2000) propõe um modelo piramidal de necessidades do consumidor, em que
na base está a funcionalidade do produto, no meio sua usabilidade e, no topo, o prazer ou
conforto que o produto proporciona.
50
Figura 26 – Pirâmide de necessidades do usuário (JORDAN, 2000)
Jordan (2000) explica que primeiramente o consumidor deseja algo que cumpra o seu
papel, a sua função. Posteriormente, caso esta primeira demanda seja atendida, o consumidor
procura algo que seja fácil e cômodo de usar (usabilidade). Finalmente, no topo da pirâmide
está o prazer – estando aí a originalidade deste modelo. Para o autor, quando o produto atinge
essa etapa, deixa de ser uma ferramenta e passa a ser um “objeto vivo”. Ou seja, além de
entender como as pessoas usam os produtos, este modelo apresenta os papéis que os produtos
representam na vida das pessoas. O autor conclui então que o conforto não existe por si. O
conceito de conforto exige um usuário interagindo com o objeto.
Jordan divide o conforto em quatro esferas: conforto físico, conforto social, conforto
psicológico e conforto ideológico. Ele ressalta, porém, que esta não é a única maneira de se
traduzir o senso de conforto, e que, quase sempre, há sobreposição entre as esferas de
conforto. Para exemplificar, ele cita que um equipamento de som portátil com fones de
ouvido, além de cumprir suas funções e ser fácil de usar, proporciona o conforto físico e
psicológico de causar relaxamento corporal e aliviar ansiedade conforme as músicas são
reproduzidas. Além disso, o uso do produto pode proporcionar um conforto social, por
oferecer oportunidades de interação com outros usuários e até um conforto ideológico, caso a
pessoa tenha valores que o produto ou a empresa transmitam – como liberdade,
responsabilidade social, etc.
2.6.7 A influência da tecnologia sobre o projeto do produto
Sadler e Given (2007), ao tratarem do comportamento de pesquisadores dentro de uma
biblioteca, constatam que a tecnologia – além de alterar a interação entre o objeto e o usuário
– transforma a relação do usuário com o ambiente que o cerca. As autoras explicam que a
introdução de um e-journal em uma biblioteca, por exemplo, interfere não somente na
Prazer
Usabilidade
Funcionalidade
51
maneira em que os usuários visualizam periódicos, mas também no número de jornais que são
lidos, quanto tempo é despedido na biblioteca e que tipo de perguntas são feitas à
bibliotecária, de modo que novas atividades são criadas e o relacionamento com o ambiente é
alterado.
2.6.8 Propiciação: as influências do projetista e do usuário sobre o produto
A idéia de que o indivíduo não pode ser observado separado de seu ambiente foi muito
estudada na psicologia por James Gibson, o principal fundador da Ecological Psychology.
Segundo Gibson (1979), o mundo se consiste apenas do que é percebido por um organismo no
seu ambiente. O autor explica que uma pedra é desprovida de significado se não houver um
sujeito que interaja com a mesma.
É nesse contexto que surge o termo affordance, traduzido como “propiciação”. A
pedra propicia ao sujeito a realização de determinadas atividades: uma lagartixa reconhecê-la-
ia como um local para se proteger do sol; um homem, por sua vez, utiliza-la-ia como arma ou
material de construção.
Norman (1999), ao estudar a propiciação sob a ótica do design gráfico e da interação
homem-máquina, vai mais longe ao sugerir que nossa experiência anterior interfere em nossa
percepção sobre os objetos. Haveria assim dois tipos de propiciação: aquela intencional
(propiciação real) e aquela que é percebida pelo usuário (propiciação percebida). Norman
(1999) explica que as propiciações intencionais (ou reais) é apenas uma parcela das
propiciações que um ser humano acaba percebendo. Um exemplo fornecido pelo autor seria o
uso de uma faca: apesar de ter sido concebida para cortar, a mesma pode servir de chave de
fenda, de cunha para gravar uma mensagem na madeira, de dardo, de régua, de ferramenta
para refletir luz, para limpar unhas, etc.
Retomando o exemplo do projeto do serviço de uma biblioteca, há as propiciações
sugestionadas pelos projetistas da biblioteca, e há as propiciações percebidas e não percebidas
pelos usuários. Há, então, uma diferença entre a intenção de prestar um serviço e a percepção
de que determinado serviço está sendo prestado.
Um exemplo de propiciação percebida mas não intencionada fornecido por Nardi e
O’Day (1999)17 apud Norman (1999) é o uso da geladeira como porta-ímãs: além de ter a
17 NARDI, B.A; O’DAY, V.L. Information Ecologies: Using Technology with Heart. Cambridge: MIT Press,
1999.
52
função de manter objetos resfriados, a geladeira passa a ter um papel decorativo – contendo
fotos, lista de compras, desenho dos filhos, etc.
A partir do exposto acima, é possível extrair lições do conceito de propiciação para a
ergonomia. Como o projetista não consegue imaginar todas as interações do usuário com o
objeto e o ambiente, a comparação entre as tarefas sugeridas e as atividades realizadas é uma
importante fonte de informações para a análise ergonômica. Além disso, surge um espaço
para o ergonomista pesquisar propiciações percebidas mas nunca sugeridas pelos projetistas.
Norman (1999) afirma que o trabalho do projetista é garantir que as ações relevantes
desejadas sejam rapidamente percebidas. O ergonomista de projeto, portanto, além de permitir
que os passageiros executem determinada tarefa, deve sugestionar o usuário a realizar o que
lhe for mais conveniente (em termos de conforto ou segurança, por exemplo).
2.7 A Ergonomia em projetos
Para Dejean e Naël (2007), a ergonomia de projeto do produto está inserida em uma
lógica de mercado e concorrência, em que há incertezas muito grandes sobre as evoluções dos
produtos e seus usos. Assim, a concepção do produto deve levar em conta todos os problemas
que poderiam ocorrer durante e depois de sua fabricação.
O ergonomista que trabalha em projetos, segundo Daniellou (2001), pode:
� esclarecer como as decisões de projeto interferem na usabilidade do produto;
� dar sugestões aos projetos de produto a partir de dados da usabilidade do mesmo.
Ao ergonomista, caberiam então dois papéis: um técnico e outro social.
Primeiramente, ele pode contribuir com uma construção técnica, ao analisar o desenho do
projeto e avaliar as conseqüências sobre a maneira da utilização do produto. Posteriormente, o
ergonomista pode construir um espaço de idéias que possibilite a confrontação das lógicas dos
diferentes atores e permita uma negociação de compromissos, visando chegar a definições
comuns do projeto.
Para Daniellou (2001), cabe por fim um terceiro papel ao ergonomista: refletir sobre a
sua própria prática, para melhorar a previsão de seus efeitos e guiar a ação.
53
2.7.1 Modos de envolvimento de ergonomistas em projetos
Diversos ergonomistas18 passaram a se interessar pelas atividades de outros
profissionais envolvidos em projetos, como arquitetos, engenheiros e desenhistas. Estavam
também interessados na atividade dos tomadores de decisão e dos clientes dos projetos.
(DANIELLOU, 2005).
A partir desse interesse, foram criadas diversas metodologias que visavam tornar a
atividade dos ergonomistas em projetos mais compatíveis com a estrutura da atividade desses
outros atores. Após analisar essas metodologias, Daniellou (2005) cita dois aspectos
inseparáveis:
� o ergonomista deve estruturar o processo de design, o que significa influenciar a
gestão do processo e possibilitar a inclusão de participação de outros atores.
� a intervenção do ergonomista implica em arranjar os meios de se pensar sobre o
resultado do processo de design (através de simulações, por exemplo), iniciando um
processo de entendimento das atividades e usos de produtos já existentes.
Esses dois aspectos são inseparáveis porque não é suficiente para o ergonomista
predizer corretamente os efeitos prováveis do design sobre o produto, mas deve estar em uma
posição de influência para que a alteração do design ocorra a tempo de ser executada.
2.7.2 A ergonomia de concepção e a ergonomia de correção
As intervenções ergonômicas podem ser classificadas, segundo Laville (1976) apud
Garotti (2006), em intervenções de concepção e intervenções de correção.
A ergonomia de concepção é realizada quando sua contribuição ocorre durante a fase
inicial de um projeto de produto, processo ou trabalho. A ergonomia de concepção tem a
vantagem de ter menos restrições quanto à adequação das soluções, pois o ergonomista pode
introduzir os conceitos e as soluções desejadas em sua totalidade, independendo de espaço ou
de produtos já existentes.
A ergonomia de correção é desenvolvida em situações sobre as quais é necessário
aperfeiçoar as condições de trabalho, melhorar a ergonomia de um produto ou a eficiência de
um processo. Sua atuação é parcial e de eficácia limitada, pois a ação ergonômica nesse caso
é mais custosa ao ter que se adaptar a uma realidade já fornecida. 18 Exemplos são Falzon, Visser, Terssac e Friedberg (DANIELLOU, 2005)
54
Garotti (2006) lembra porém de um risco da prática da ergonomia de concepção: como
é baseada em situações hipotéticas, aumenta-se a incerteza de cada decisão e da proposta de
solução.
2.7.3 Uma outra forma de se classificar a prática ergonômica
Apesar de haver a proposta de classificação das práticas ergonômicas em ergonomia
de concepção e de correção, há alguns aspectos semelhantes entre elas, assinalados por
Daniellou e Béguin (2007):
� ambas compartilham o mesmo objetivo (promover uma situação futura melhor)
� ambas necessitam de situações já existentes para analisar (a ergonomia de concepção
utiliza situações de referência ou cria situações através de simulações)
� em ambas as práticas o ergonomista precisa trabalhar com diversos atores.
� uma prática de correção pode ser tão abrangente que acaba se tornando uma
ergonomia de concepção.
Assim, Daniellou e Béguin (2007) sugerem que, ao invés de se procurar classificar os
tipos de intervenção como sendo de correção ou de concepção, o ergonomista pode avaliar
seu trabalho em função de outros fatores, a saber :
� natureza da demanda inicial e dos desafios identificados;
� posicionamento dos demandantes;
� identificação dos freios e dos aliados em potencial;
� prazos fixados para a ação do ergonomista e meios postos à sua disposição;
� margens de manobra financeira, social, etc.;
� outros projetos em curso.
2.7.4 Critérios ergonômicos
Dejean e Naël (2007) propõem alguns critérios que devem ser considerados durante o
projeto do produto. São eles: segurança (tanto referente à prevenção de acidentes no momento
de uso, como referente à prevenção de doenças futuras), eficácia, utilidade, tolerância ao erro,
impressão ao primeiro contato, conforto e prazer.
55
2.7.5 A influência da ergonomia sobre a aceitabilidade do produto
A aceitabilidade de um produto é uma resultante de diversos fatores. O componente
ergonômico, segundo Dejean e Naël (2007), pode exercer um destes três papéis:
� a qualidade ergonômica é real e evidente, sendo uma vantagem em relação à
concorrência
� os defeitos de ergonomia são graves e desqualificam o produto.
� o produto não apresenta defeitos ergonômicos graves, nem sua ergonomia é uma
vantagem diferencial em relação aos concorrentes.
No primeiro caso, o respeito aos critérios ergonômicos aumenta a aceitabilidade do
produto. No segundo caso, o desrespeito aos critérios leva à diminuição da aceitabilidade do
produto. Quando não há desrespeito aos critérios ergonômicos, mas estes são vagos ou
abstratos, a aceitabilidade do produto não é alterada de forma significativa pelas práticas
ergonômicas.
2.7.6 Papeis e tarefas da ergonomia na vida de um produto
Segundo Dejean e Naël (2007), cabem aos ergonomistas os seguintes papéis durante a
vida do produto: (i) a definição do produto e suas funções, (ii) o dimensionamento sensorial
do mesmo e (iii) o desenvolvimento dos itens que o acompanham.
i. Definição do produto e suas funções. Deve ser realizada com base na descrição das
características dos usuários e na descrição dos contextos de uso. Não se trata de
apresentar uma lista de recomendações, mas de ressaltar os pontos mais importantes
do ponto de vista dos critérios ergonômicos. Uma maneira seria descrever roteiros de
utilizações previsíveis, sob forma narrativa ou gráfica, ilustrando o respeito aos
critérios ergonômicos, de forma que possam ser compreendidos por todos os atores da
concepção. O ergonomista deve fornecer indicadores verificáveis e quantificáveis das
exigências que formula.
ii. Dimensionamento sensorial do produto. Cabe ao ergonomista buscar uma coerência
entre as formas do produto e o entendimento dos usuários. Por exemplo, a localização
e as formas de um painel de comando podem facilitar ou não sua utilização A
sensação tátil, os sons, os aspectos visuais adicionam significado ao produto. A
56
escolha dos materiais, das cores, da condutibilidade térmica, da permeabilidade, das
características acústicas é capaz de afetar a relação entre o produto e seu usuário.19
iii. Desenvolvimento dos itens que acompanham o produto. O ergonomista pode
exercer influência sobre todas as comunicações do produto, como a publicidade, a
embalagem, a demonstração do mesmo e as instruções de uso, para ressaltar as
funcionalidades e situações de uso esperadas. Dejean e Naël (2007) destacam uma
parte de seu artigo para as instruções de uso, pois as consideram um assunto difícil e
problemático, pois são com freqüência elaboradas tardiamente no ciclo de
desenvolvimento do produto e consideradas como um requisito de última hora antes
do lançamento comercial. Para os autores, a organização do documento contendo as
instruções de uso, sua apresentação gráfica e a linguagem utilizada estão repletas de
defeitos de ergonomia. Apesar de serem parte integrante do produto, as instruções
raramente são submetidas a testes com usuários. Além disso, o manual de instruções
acaba ficando sobrecarregado, por terem sido incluídas soluções de problemas
ergonômicos não resolvidos. Ainda que os usuários raramente consultem as
instruções, as mesmas ainda são úteis na descoberta do produto e podem ajudar a
resolver dificuldades.
2.7.7 Os desafios da concepção de produto
Para Dejean e Naël (2007), o ergonomista precisa cooperar não só com os projetistas,
mas também com os responsáveis pelo marketing do produto. Enquanto que o marketing se
concentra no cliente como sendo o comprador, a ergonomia aprofunda e prolonga esse
conhecimento do cliente, e considera-o como usuário do produto.
Além disso, o ergonomista pode contribuir com o processo de concepção, escolhendo
as melhores ferramentas e métodos de intervenções ergonômicas (como análise de campo,
teste em maquete, simulação, ou análise de reclamações), comunicando os resultados dessas
análises aos projetistas técnicos, aos desenhistas e aos responsáveis do marketing sob a forma
de sínteses, esquemas, esboços e ilustrações, (evitando longos relatórios por escrito).
19 Vide item 2.6.8 Propiciação: As influências do projetista e do usuário sobre o produto
57
O ergonomista pode também estudar o interfuncionamento entre vários produtos e a
imprevisibilidade dos contextos de utilização dos mesmos. É um desafio para o ergonomista
inserir os clientes na concepção, envolvendo-os nos processos de detecção de expectativas e
funcionalidades desejadas.
2.8 Algumas questões da organização do trabalho
2.8.1 A transformação das tarefas
Maggi (2006) coloca que o modelo de tarefa definido por Taylor já está superado. A
tarefa taylorista é uma atribuição estável de ações e procedimentos para diversos sujeitos que
não se comunicam. Este modelo revelava então a expropriação do saber do operador, a
exclusão de sua iniciativa e, como conseqüência, propunha o isolamento de cada operador e o
controle de cada execução.
As tarefas encontradas nas situações de trabalho admitem e requerem iniciativa,
comunicação e trocas entre os operadores, para construir maneiras viáveis de executar o
trabalho.
2.8.2 O sentido do informal
A organização, enquanto coordenação consciente de ações, se expressa a princípio de
maneira informal, para depois se expressar, somente em parte, de maneira formal. Por um
lado, a organização informal é uma condição que precede necessariamente a organização
formal. Por outro lado, o funcionamento da organização formal pede e ativa certa organização
informal. (MAGGI, 2006)
Simon (1947) apud Maggi (2006) define uma organização formal, como sendo uma
especificação dos processos de ações e decisões, que a diferencia assim da simples
cooperação, não-coordenada. Nenhuma organização formal, entretanto, uma vez estabelecida,
pode ser detalhada de maneira a evitar a necessidade de uma integração informal. Para este
autor, a organização efetiva e operacional será sempre diferente do esquema formal por duas
razões: porque todo esquema formal tem lacunas e nunca pode ser completo e porque há
sempre mudanças no decorrer da ação.
58
2.8.3 Autonomia e Discricionariedade
Os sujeitos na organização estão envolvidos duplamente com os processos e
procedimentos: há momentos de estruturação e de execução dos mesmos. Maggi (2006) nota
que as regras mudam conforme a sua implementação e a maneira de se executar um processo
pode ser alterado conforme a estruturação do mesmo é modificada. Segundo o autor, dentro
da organização formal, vem ocorrendo essa transformação das tarefas em termos de
discricionariedade, do aumento dos graus de liberdade do sujeito agente, de controle de sua
ação, de sua autonomia.
Maggi (2006) define a autonomia como sendo a capacidade de produzir as próprias
regras, de gerir seus próprios processos de ação – implica em independência. A
discricionariedade, por sua vez, indica espaços de ação dentro de um processo regrado, onde o
sujeito agente é obrigado a decidir e escolher – e se encontra em um quadro de dependência.
O autor ressalta que em toda a regulação sempre há, ao mesmo tempo, autonomia e
heteronomia: todo processo em parte define suas próprias regras e em parte recebe regras do
exterior que o governam.
O estudo da autonomia nas organizações expõe diferentes níveis de autonomia para os
sujeitos em momentos distintos. Cabe salientar que a organização se revela constrangedora,
por reduzir a autonomia de decisão dos sujeitos e por substituir em partes a racionalidade
individual pela racionalidade do processo. Esse constrangimento é variável e modificável,
dependendo do grau de autonomia que os sujeitos conseguem expressar na estruturação e no
desenvolvimento do processo.
Maggi (2006) explica que a discricionariedade não é afirmada pelos sujeitos
envolvidos, mas que a discricionariedade é deles exigida durante o processo do qual
participam. Quanto mais o processo enfrenta a incerteza, maior é a discricionariedade de que
ele necessita. Isso explica porque a concepção taylorista do trabalho não considerava a
discricionariedade – porque negava todas as incertezas, dentro de uma representação não
realista dos processos de ação do trabalho. (MAGGI, 2006)
Se posicionarmos a discricionariedade como uma forma de lidar com incertezas,
concluímos que esta não faz uma oposição à autonomia: enquanto que a autonomia se
59
exprime pela “vontade de iniciativa e responsabilidade”, a discricionariedade vem de
“iniciativa e responsabilidade impostas”. Em resumo, entende-se a discricionariedade ainda
como uma tarefa prescrita, porém transforma-se de uma “tarefa que impõe não escolher” para
outra “tarefa que impõe escolha e decisão”. (MAGGI, 2006)
Assim, a tarefa discricionária implica em uma obrigação de decidir, gerando um
constrangimento duplo: primeiro pela obrigação da decisão, depois pelo escopo da decisão já
ter sido definido por outro.
Para avaliar a prática da discricionariedade, é preciso considerar a capacidade e a
motivação de exercê-la. Maggi (2006) observa que os indivíduos podem evitar a
discricionariedade quando:
� a incerteza pode parecer maior que a capacidade de enfrentá-la;
� as conseqüências de uma má escolha podem ser consideradas graves demais, a ponto
de levar à recusa de ter que escolher;
� a demanda de discricionariedade pode implicar sacrifícios pessoais e até mesmo
conseqüências negativas para saúde.
Maggi (2006) ressalta que não cabe julgar a transformação da tarefa referindo-se ao
modelo de Taylor: devem-se observar as características intrínsecas dessas novas tarefas e cabe
à ergonomia estudar a atividade que corresponde à tarefa discricionária e estudar os
constrangimentos derivados da mesma.
2.8.4 A cooperação
A tarefa discricionária implica em interação e comunicação entre os operadores
(LEPLAT,1993 apud MAGGI 2006) – e a partir dessas interações são observadas trocas
mútuas e relações recíprocas de cooperação.
Maggi (2006) define cooperação como sendo uma ação dirigida ao mesmo objetivo,
pela qual diversos sujeitos participam de uma obra ou objetivo comum.
Essas ações cooperativas podem ser comuns ou separadas (compartilhando meios,
havendo comunicação direta – ou não), e a finalização da ação cooperativa pode ser
espontânea ou imposta (o objetivo pode ser escolhido pelos sujeitos que cooperam ou por
outros). As quatro combinações podem ocorrer.
60
Maggi explica que a cooperação ficara oculta na visão taylorista, mas tornou-se
evidente a partir da consideração das trocas mútuas, das comunicações diretas, das ações
comuns, etc. Entretanto, a tarefa do trabalho continua a ser imposta.
Se por um lado a ação cooperativa comum pode restringir a autonomia no momento de
execução, nada impede a autonomia no momento da criação das regras do processo. Ainda, a
autonomia pode coexistir com uma cooperação por ações separadas. Cabe observar que
objetivos impostos não são obstáculos para o exercício da autonomia, “como acontece na
maioria das vezes nas situações de trabalho” (Maggi, 2006, p.117). Para melhor entender as
possibilidades de ações cooperativas, segue a figura abaixo:
Figura 27 – Possibilidades de ação cooperativa
Maggi (2006) ressalta que a cooperação também pode ser uma fonte de
constrangimentos. Ele questiona se as comunicações são, de fato, indicadores de autonomia,
principalmente quando a cooperação é imposta. Para ele, a análise ergonômica pode
justamente fazer aparecer as modalidades da cooperação, ao mesmo tempo em que avalia as
conseqüências dos constrangimentos.
2.8.5 A coordenação
Para Maggi (2006), as ações cooperativas precisam ser colocadas em ordem para
atingir um resultado, pelo fato de que as ações cooperativas não-ordenadas correm o risco de
serem ineficazes. Essa coordenação pode ser contextual à ação (autocoordenação), de
maneira autônoma, ou decidida anteriormente (ações cooperativas pré-ordenadas), de maneira
tanto autônoma como heterônoma.
A coordenação pode ser, portanto, definida por outros antes da ação, ou pelos próprios
agentes, antes ou simultaneamente à ação cooperativa.
61
A coordenação, ainda, pode ser:
� por relações recíprocas, com regras de ajuste mútuo;
� por seqüência, com regras de programa;
� somente visando o resultado, com regras-padrão.
No primeiro caso, cada unidade está em relação simétrica com todas as outras
unidades. Para garantir a coordenação, são necessárias regras de ajuste mútuo entre as
unidades.
No caso de coordenação por seqüência, cada unidade tem relações diretas mas não
simétricas com outras unidades (a saída de umas constitui a entrada de outras). Assim, a
ordem é assegurada por regras de programa. Nesse caso, as comunicações são menos
numerosas porque há menos relações, com a maioria das informações seguindo o
encadeamento do programa.
No terceiro caso, onde há a coordenação somente para o resultado, cada unidade dá
uma contribuição ao resultado final, sem estar diretamente relacionada com outras unidades.
Assim, a coordenação ocorre via regras-padrão – iguais para todas as unidades, para que
sejam coerentes umas com as outras. As comunicações acontecem ainda menos, podendo até
ser reduzidas às transmissões de informações por regras de rotina.
A autocoordenação contextual implica em relações recíprocas e regras de ajuste
mútuo. A coordenação decidida anteriormente à ação, por sua vez, pode implicar nas três
modalidades de coordenação citadas anteriormente, seja essa autônoma ou heterônoma.
Os três tipos de coordenação – por ajuste mútuo, por programa e por regra padrão –
têm uma complexidade decrescente, mas, por outro lado, têm uma capacidade decrescente de
comunicação e decisão.
2.8.6 Relação entre as formas típicas de coordenação
Em seu inicio, uma cooperação pode estar não-coordenada. Assim, que ocorre um
problema de falta de coordenação, a primeira solução é recorrer à modalidade mais complexa,
pelo fato ela ser sempre possível – ou seja, um ajuste mútuo. Porém essa coordenação
exigiria muito tempo, muitas trocas de informações. Procura-se assim, substituir as soluções
complexas, sempre que possível, pelas soluções mais simples.
62
Depois de decidida a modalidade de coordenação, a primeira abordagem de
coordenação costuma ser heterônoma, por buscar não somente a eficácia mas também a
eficiência e o menor emprego de recursos.
Maggi (2006) nos revela que os três tipos de coordenação têm entre si uma relação de
‘inclusividade’, e não de exclusividade. Essas possibilidades de coordenação, principalmente
a coordenação por ajuste mútuo coexistindo com as coordenações por padrões não era
reconhecida pelo modelo clássico.
Descobrir os tipos de coordenação existentes e saber quais escolhas são mais ou
menos constrangedoras é uma questão crucial para a abordagem ergonômica. A contribuição
específica que a ergonomia pode oferecer é “estudar as atividades e as conseqüências aos
constrangimentos implicados nas diversas formas de coordenação” (Maggi, 2006).
2.8.7 Um outro olhar sobre a organização
Para Maggi (2006), o importante é poder se libertar das representações da organização
herdadas da “gestão cientifica”, e das “correntes funcionalistas, interacionalistas e
fenomenológicas”. Quando livres dessas heranças, é possível compreender que o trabalho
sempre é ‘organizante’ ao mesmo tempo em que é ‘organizado’ (Hubault, 1994 apud Maggi
2006). Quando se considera o conjunto de todas as escolhas possíveis, a organização deixa de
ter um sentido passivo (de ter seu organograma e procedimentos), mas se apresenta em seu
sentido ativo, de possuir uma identidade própria.
A organização é o resultado, a partir de uma negociação implícita e explícita, de um
compromisso entre diferentes tipos de regra, das formais, informais, tarefas autônomas e
heterônomas, coordenações por ajuste ou por padrão; é uma ‘regulação conjunta’, que explica
o caráter necessariamente transitório e local das regras. A regulação conjunta não se trata de
um produto de uma entidade ou de atores pré-definidos, mas constitui um ‘ator social’. A
organização se produz através da produção de suas próprias regras.
63
3 MÉTODO UTILIZADO
Para investigar como os conceitos e práticas ergonômicas estão incorporados aos
processos de projeto da organização, é necessário entender qual é o fluxo de atividades para
se projetar um avião (ou parte dele), quais são as áreas envolvidas e como se dá o
relacionamento entre elas. Além disso, é objetivo deste trabalho investigar como o conforto é
considerado por cada área da empresa nos momentos de projeto, qual o contato de cada área
com os compradores e futuros usuários dos aviões projetados, e como é o trabalho da equipe
de ergonomia de interiores da empresa estudada. Por fim, entender quais são as relações de
compromisso (trade-offs) entre conforto e outros quesitos, como custo ou preço de venda,
também é interesse deste trabalho.
É intenção do autor oferecer sugestões para a indústria, através da indicação de novas
atividades e formas de relacionamento interdepartamentais que proporcionem soluções
melhores em termos de conforto aos ocupantes de cabines.
Visando atingir os objetivos propostos, nos primeiros seis meses, o autor coletou
informações sobre o mercado da aeronáutica, sobre a empresa que seria estudada e sobre o
próprio projeto da FAPESP, para tentar delimitar seu escopo de atuação. Realizou ainda
levantamento bibliográfico sobre ergonomia, teoria de gestão de projetos e especificidades de
projetos de produto, inclusive estendendo-se até as áreas do design e da psicologia.
Para a coleta de material de campo, o autor deste trabalho realizou visitas à sede da
Embraer com a freqüência aproximada de uma vez por semana, durante três meses. Seu
acesso à empresa foi garantido pela equipe de ergonomia de interiores, por ser esta a
coordenadora do módulo de ergonomia do projeto Embraer-FAPESP.
O autor definiu os seguintes métodos de investigação:
1. Entrevistas semidirigidas e abertas com diferentes funcionários da Embraer.
2. Observações de reuniões de área.
3. Participações em workshops do projeto Embraer-FAPESP.
4. Presença em apresentações sobre os trabalhos desenvolvidos em áreas da Embraer.
5. Entrevistas coletivas (“mesas-redondas”) com o time da ergonomia de interiores.
64
Dentre os métodos de investigação acima, as entrevistas e as mesas-redondas
permitiram compreender melhor as atividades desenvolvidas nas diferentes áreas da Embraer,
e, por isso, são detalhadas a seguir.
A primeira entrevista foi aberta e realizada com o time de ergonomia da empresa. A
partir desta, foram realizadas as demais, à medida que áreas de interface eram mencionadas e
que o autor sentia a necessidade de entender o trabalho por elas desenvolvido. Os funcionários
entrevistados foram sempre apresentados por um integrante do time de ergonomia, que
explicava que o autor estava realizando um mapeamento de processos, e precisava entender as
atividades que o mesmo realizava.
O autor deste trabalho, logo de inicio, explicava que se tratava de um trabalho
acadêmico, que os nomes dos entrevistados seriam ocultados, e que suas colocações não
seriam expostas para outros funcionários com a finalidade de conferir a veracidade do relato.
Também, garantia-se que este trabalho ao final seria lido por alguém envolvido com o
desenvolvimento tecnológico, que garantiria que não houvesse a divulgação de dados que a
empresa considerasse sigilosos.
Houve a elaboração de dois guias para as entrevistas, haja vista que há perguntas mais
relacionadas com a função/departamento, e outras relacionadas com os programas/projetos.
Nem todas as perguntas foram realizadas em todas as entrevistas, pois não eram pertinentes ao
assunto, ou para deixar o entrevistado à vontade. Os roteiros das entrevistas são apresentados
no Apêndice A ao final deste trabalho.
Um item que merece destaque é que os funcionários entrevistados foram
majoritariamente apresentados por alguém da área de ergonomia, o que indica que a pessoa já
conhecia alguém da área, ou que já havia alguma interface entre as áreas. Assim, a amostra
dos entrevistados não foi aleatória: o entrevistado pode ter uma preocupação com ergonomia e
conforto muito maior que a média dos funcionários da empresa. Além disso, percebeu-se que
alguns entrevistados, ao perceber que havia uma ênfase em questões sobre conforto e
ergonomia, reafirmavam a importância do tema apenas para evitar constrangimentos. Por isso,
tentou-se perguntar como seus colegas de trabalho executavam a mesma tarefa, para retirar o
caráter pessoal das entrevistas.
Como este trabalho não era do conhecimento da diretoria da empresa, é importante
mencionar que é possível que algumas áreas ou fatos relevantes possam ter sido
desconsiderados.
65
Para a realização das mesas-redondas, agendou-se em três oportunidades um horário
com todos os integrantes do time de ergonomia. Criou-se um espaço para reflexões conjuntas,
onde os participantes pudessem apresentar idéias mais favoráveis para suas atividades de
trabalho e para os ocupantes do avião. O autor assumiu que o discurso dos funcionários é uma
representação válida das atividades que os mesmos realizam.
Para um melhor entendimento, pediu-se que os participantes explicitassem as
atividades realizadas em termos de “o que”, “como”, o “onde” e o “por quê”. A compreensão
das condições para a realização das atividades – instrumentos, fontes de informações e as
metas propostas – mostra-se fundamental para o entendimento da atividade.
66
4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS
Neste capítulo são apresentados todos os dados coletados a partir das visitas do autor à
empresa. Nessas visitas, o autor primeiramente investigou como a empresa está estruturada e
como se dá o desenvolvimento tecnológico. Em seguida, foram entrevistadas diferentes áreas,
para que fosse elaborado o fluxo da vida do produto. A ordem das seções referentes às áreas
investigadas obedece à ordem aproximada do processo de desenvolvimento de uma aeronave
(da concepção até as modificações).
Na seqüência, são investigadas como é o trabalho das áreas de design e de ergonomia
da empresa. A área de design, o Embraer Design Studio (EDS), está inserido na Gerência de
Conforto de Cabine. Já a ergonomia é praticada em duas áreas distintas: na Ergonomia de
Interiores – abaixo do EDS – e na Ergonomia de Fábrica – que trata da ergonomia dos postos
de trabalho dos funcionários das fábricas.
A última seção desse capítulo trata das atividades do time de ergonomia de interiores,
discutidas durante as mesas-redondas.
4.1 A estrutura da empresa
A empresa está estruturada de forma matricial. Por um lado, há as áreas funcionais,
que são conhecidas como departamentos, gerências ou mesmo áreas. Exemplos de áreas
funcionais são: Departamento de Recursos Humanos, a Gerência de Conforto de Cabine, a
Área de Engenharia de Sistemas, etc. De maneira transversal às áreas funcionais há os
programas, que são o conjunto de projetos e processos ordenados, de forma a realizar entregas
com o apoio das diversas áreas envolvidas. Os programas costumam ter o mesmo nome do
produto sobre o qual o programa é responsável, como Programa Lineage, Programa Phenom e
Programa Legacy. Os programas envolvem diversos profissionais das diferentes áreas
funcionais para atingir seus objetivos. Uma representação da estrutura matricial na Embraer
pode ser vista a seguir.
67
Lineage
Phenom
Legacy
Programas:
Diretoria de Engenharia
Eng. de
Sistemas
Eng. de
Interiores
Eng.
Aeronáutica
Eng. de
Estrutura
Figura 28 – Estrutura matricial na Embraer
Assim, no exemplo acima, o Programa Lineage utiliza-se de recursos das diversas
áreas de Engenharia (engenheiros, projetistas, designers, computadores, salas, etc.). Cabe
notar que os recursos podem ser cedidos em tempo parcial ou em tempo integral. Isso
significa que os recursos podem ser utilizados em mais de um programa simultaneamente e
que os funcionários podem destinar algumas horas para trabalhos de rotina dentro de sua área
funcional – para a realização de treinamentos, por exemplo.
4.2 O Desenvolvimento Tecnológico na Embraer
A partir da visão da empresa de que ela está inserida em um cenário de alta
competitividade, onde é evidente a escassez de recursos do governo brasileiro (em
comparação com o forte suporte dos governos dos Estados Unidos da América e da União
Européia), assume-se que a defasagem tecnológica é insustentável na indústria aeronáutica de
hoje. Assim, estruturou-se a área de Desenvolvimento Tecnológico (DT), que tem como
objetivo criar diferenciais competitivos para os produtos da empresa. A Embraer define a
macro-atividade desta área da seguinte maneira:
Desenvolver as competências que suportarão a concepção, o projeto e a fabricação de novas soluções que sejam competitivas e inovadoras, de elevado padrão tecnológico, atendendo e antecipando às necessidades do mercado em que a Embraer atua. (GASPAROTTI, 2007)
Assim, cabe a esta área coordenar as atividades de pesquisa e desenvolvimento de
novas tecnologias e de novos processos de gestão, que tenham potencial de aplicação em
programas e atividades de produção, sempre visando a geração de resultados para e empresa.
68
Os projetos de DT devem ter como objetivo, então, promover inovações incrementais,
ou até mesmo inovações radicais, que tornem mais competitivo o processo de projetar,
desenvolver, certificar, fabricar e suportar a operação de aviões. (GASPAROTTI, 2007)
É escopo da área desenvolver (i) novos processos produtivos ou gerenciais de qualquer
área da empresa, (ii) novas metodologias de análise e desenvolvimento de produtos e (iii)
melhoria destes processos e metodologias, através da inovação. (GASPAROTTI, 2007)
Os projetos de DT apenas são executados quando não há acesso às tecnologias na
empresa. Além disso, problemas que podem ser resolvidos com a compra de uma solução
pronta, ou através de sub-contratação/parceria não são considerados pela empresa como
desenvolvimento tecnológico.
Os projetos de DT aprovados são então organizados matricialmente, envolvendo
diversas áreas de tecnologia. Projetos que envolvam informações sensíveis, propriedade
industrial ou necessidades de curto prazo são realizados e gerenciados sob total controle da
Embraer.
O conforto é entendido pelos integrantes do Desenvolvimento Tecnológico através das
seguintes definições, propostas por Gasparotti (2007):
� Conveniência, facilidade, bem-estar físico e mental, relaxamento, satisfação,
contentamento, livre de dor, ansiedade, aborrecimento e problemas
� Estado positivo ou a falta de um estado negativo
� Avaliação das interações homem-ambiente.
Para o DT, o conforto abrange o estudo de diversos aspectos, como: iluminação,
pressão da cabine, qualidade do ar, vibrações, conforto térmico, entretenimento, expectativas,
segurança, ergonomia, conforto espacial, qualidade sonora, comunicação e necessidades
especiais.
A questão do conforto tem importância para a empresa devido a algumas razões
internas e outras razões externas. As razões internas são o aumento do foco no mercado
executivo e o aumento de projetos novos que necessitam de “soluções confortáveis”. Já as
razões externas para o estudo do conforto são o aparecimento de novos regulamentos, a
existência de projetos sobre esse assunto no exterior, a consideração do conforto como valor e
como uma maneira de se evitar a guerra de tarifas.
69
Para se atingir soluções de conforto, presume-se que devem ser integrados aspectos
humanos (fatores físicos, fisiológicos, psicológicos e sociais), tecnologias (interiores, design,
pressurização, ruído & vibrações, eletrônica, aerodinâmica, estruturas, materiais, etc.) e
aspectos de cabine (espaço, assentos, iluminação, temperatura, qualidade do ar, pressão de
cabine, ruídos, entretenimento, etc.)
Na Embraer, a equipe de DT acredita que faltem os seguintes recursos (citados em
GASPAROTTI, 2007):
� métricas para conforto, incluindo capacidade de predição e medição das mesmas;
� capacidade de simulação física e computacional destas métricas;
� processo integrado de design para concepção e desenvolvimento do produto.
4.3 O fluxo do produto
Podemos entender o fluxo do produto, desde o início do projeto da aeronave até a
venda e o suporte técnico oferecido ao cliente, através das seguintes etapas:
1. No Departamento de Estudos Avançados, o grupo de concepção e o grupo de projeto
integrado elaboram um anteprojeto da aeronave.
2. A partir do anteprojeto definido anteriormente, o produto é anunciado para o restante
da empresa e para a mídia; é formada a estrutura do programa para este produto.
3. O programa faz a gestão do projeto do produto como um todo, “contrata” outras áreas
de engenharia para desenvolver o projeto do produto e envolve diversas áreas da
empresa.
4. As áreas de contato com o cliente fecham os pedidos de venda da aeronave, repassam
solicitações para que possam configurar o avião para os clientes, e, se necessário,
transmitem pedidos de modificação do projeto, conforme as necessidades dos clientes
potenciais. Além de coletar informações sobre o mercado, podem interferir no trabalho
de concepção, sugerindo novos produtos a partir das necessidades observadas.
70
Figura 29 – Fluxo do produto
4.4 O Departamento de Estudos Avançados
O Departamento de Estudos Avançados é também conhecido por Departamento de
Anteprojeto (DAP). O objetivo da área está explicitado na empresa da seguinte maneira:
Desenvolver as atividades necessárias para a proposição conscienciosa de novos produtos (projetos de aeronaves e outros), que sejam dotados de elevado potencial de sucesso, com comprovada viabilidade técnica e econômica, e bastante competitivos contra produtos existentes ou emergentes. (MENDES20, 2007)
O DAP é dividido em 5 grupos de trabalho: concepção, projeto integrado, sistemas
aviônicos, sistemas estruturais e sistemas aerodinâmicos. Daremos enfoque aos grupos de
concepção e projeto integrado.
4.4.1 Grupo de Concepção
O grupo de concepção é a porta de entrada de qualquer projeto de produto novo para a
empresa. É este grupo que recebe solicitações da diretoria da empresa, da área de inteligência
de mercado e até de outros integrantes do DAP, e propõe estudos preliminares de um novo
produto. Após o envio da proposta do time de concepção é que os outros quatro grupos vão
detalhar o projeto.
20 MENDES, Mauri. A Concepção de Novos Produtos. Apresentação em workshop sobre ergonomia em 24 jan.
2007. São José dos Campos, 2007. Não publicado.
71
Figura 30 – Relação do Grupo de Concepção com outras áreas (MENDES, 2007)
Os estudos propostos pelo grupo de concepção levam em consideração: (i) a
viabilidade para a Embraer, (ii) o atendimento das necessidades do comprador, e (iii) estudo
sobre os produtos dos concorrentes. (MENDES, 2007)
(i) viabilidade para Embraer
Os aspectos que influem sobre a viabilidade para a Embraer são:
� Análise de custos: quantia monetária necessária para se desenvolver, produzir,
comercializar, oferecer garantia e assistência técnica para o novo produto.
� Análise de valor de mercado do produto: é o preço que o cliente estaria disposto a
pagar pelo bem. No caso da aviação comercial, está fortemente atrelado à
capacidade de gerar receitas.
� Faixa de Preço: qual seria o preço sugerido pela empresa e qual é o preço mínimo
que poderia ser praticado pela equipe de vendas.
� Solidez: Espera-se que a aeronave tenha longevidade no mercado e possua um
elevado valor residual.
A viabilidade técnica para Embraer é obtida através da maximização da seguinte
expressão matemática:
(Valor de Mercado – Custo Unitário) X Quantidade de Unidades Comercializáveis
72
(ii) atendimento das necessidades do comprador
As necessidades do comprador apenas podem ser atendidas se o grupo de concepção
estudar quais são os custos operacionais da aeronave. Isso implica em entender quais são os
custos operacionais do cliente também – como os custos de financiamento e arrendamento,
salários da tripulação, manutenção, combustíveis, taxas e encargos, etc. A Embraer deve
proporcionar à companhia aérea um bom equilíbrio entre custos e valor agregado oferecido ao
passageiro.
(iii) estudo sobre os produtos da concorrência
Por fim, o estudo do grupo de concepção deve abranger uma análise dos
competidores, para avaliar quais são os produtos já disponíveis no mercado, e quais seriam os
principais produtos concorrentes do novo produto em desenvolvimento.
O processo de concepção de novos produtos inicia-se a partir da atividade de pesquisa
de oportunidades no mercado de aviação produtos. A partir deste acompanhamento e das
solicitações da diretoria e da área de inteligência de mercado, o grupo de concepção imagina
novos produtos ou imagina produtos derivados dos atuais produtos da empresa. O grupo então
realiza as análises de viabilidade técnica, de viabilidade econômica e de competitividade das
propostas. Este processo é cíclico, até que se esteja satisfeito quanto ao desenvolvimento das
soluções. Neste caso, são elaborados um estudo preliminar de potencial de mercado e uma
pesquisa de opinião de clientes potenciais – havendo assim uma nova chance de melhoria do
projeto original. Caso a proposta seja aceita, ocorre uma reunião para validar a concepção
deste produto, que passará por análises mais profundas realizadas por todo o Departamento de
Estudos Avançados, que poderá ou não lançar este produto em forma de um novo programa.
Este processo está sintetizado na figura a seguir.
73
Figura 31 – O processo de concepção (MENDES, 2007)
Para arquitetar o conceito de um novo avião, o grupo de concepção inicia o
amadurecimento de sua idéia a partir da configuração interna da aeronave. Pensa-se como
será a disposição dos assentos, se haverá a necessidade de serviço de bordo, qual é a
necessidade de portas e saídas de emergência, quais equipamentos serão necessários e como
seria uma visão em corte da seção transversal da cabine. A partir da determinação inicial da
configuração interna, chega-se às medidas mínimas internas requeridas e parte-se para o
desenho da configuração externa da aeronave. Nesta etapa materializam-se os parâmetros
técnicos relativos ao desempenho da aeronave e às medidas exteriores. É então realizada uma
análise econômica – considerando o potencial de mercado – e uma pesquisa de opinião entre
os prováveis clientes. O grupo de concepção define seu método como sendo “de dentro para
fora”, ou seja, um método em que se pensa primeiramente sobre a configuração interna ideal
para depois se pensar na viabilidade da idéia.
74
Figura 32 – Modelo de concepção “de dentro para fora” (MENDES, 2007)
4.4.2 Projeto Integrado
O grupo de projeto integrado trabalha em conjunto com os grupos de sistemas
aerodinâmicos, sistemas estruturais e sistemas aviônicos. O objetivo, nesta etapa, é começar
um detalhamento do que foi proposto pelo grupo de concepção, considerando todos as
tecnologias envolvidas no produto.
É o Projeto Integrado que realiza as amarrações entre os diferentes aspectos ao se
projetar uma aeronave e também que é responsável pela configuração interna do avião (não
apenas pela cabine, mas também pelo bagageiro, janelas, dutos, cockpit21, etc).
Após o recebimento do trabalho do grupo de concepção, o grupo de projeto integrado
deve primeiramente alinhar as “filosofias” da concepção apresentada anteriormente.
Questionado sobre o que seriam filosofias, o entrevistado forneceu algumas palavras-chave
como exemplos: agressivo, versátil, leve, robusto, comandado por joystick, silencioso,
executivo, etc.
21 Área da cabine reservada ao piloto e ao copiloto. O projeto integrado não especifica os instrumentos – apenas
o espaço interno, o tamanho e o posicionamento dos assentos e das janelas.
75
Após o alinhamento das filosofias, o Projeto Integrado deve especificar as “definições
básicas” da nova aeronave juntamente com os outros três grupos, pois os valores dos
parâmetros fornecidos pelo grupo de concepção eram até certo ponto aproximados. Assim, as
definições básicas são passíveis de alterações para atender as necessidades de todas as partes
relacionadas. Todos os grupos exercem influência sobre as definições básicas, pois cada um
tem seus interesses em aumentar ou diminuir as proporções da aeronave. Exemplos de
definições básicas são: quantidade de passageiros, vistas e cotas da seção transversal, leiaute
da cabine, quantidade e localização das portas, dimensões principais dos principais sistemas e
componentes que deverão estar presentes no avião.
Respondendo ao grupo de Projeto Integrado, há funcionários que cuidam do Projeto de
Interior, que é responsável por determinar como as definições básicas afetam a configuração
da cabine. Estuda-se por onde passarão os dutos de água, ar condicionado e detritos.
Os grupos realizam então um desenvolvimento mais detalhado: são projetados os
sistemas elétricos, hidráulicos, trens de pouso, sistema de ar condicionado, motores, estrutura
em geral, formato externo, etc.
Conforme se dá o desenvolvimento de cada uma das tecnologias, ocorrem reuniões de
acompanhamento para que as áreas tomem ciência do trabalho dos outros e para que haja um
espaço de negociação de recursos escassos (como espaço, dutos e cabos, energia elétrica, etc).
O entrevistado comentou que o principal argumento para que o grupo de Projeto de
Interior não permita a redução do tamanho da cabine provém dos requisitos da Inteligência de
Mercado e dos requisitos que o grupo de concepção manteve como destaque em sua proposta.
Ao final do desenvolvimento, ocorre a Revisão de Fase do Projeto (REFAP), da qual
participam os líderes do projeto, o chefe do DAP e os diretores da empresa, para decidir se
este projeto se transformará em um programa da empresa. Um diagrama representando o
desenvolvimento das atividades de desenvolvimento do projeto pode ser visto a seguir.
76
Figura 33 – Fluxo de Desenvolvimento do Projeto
4.5 Os programas
Os programas são as estruturas que suportam a vida do produto. Sob o comando está o
gerente do programa, que tem três grandes áreas abaixo dele: Controle de Configuração,
Gestão da Modificação e Planejamento.
O Controle de Configuração é responsável pela configuração de cada aeronave e sabe
exatamente o que deve constar em cada unidade produzida.
Já a Gestão de Modificação trata especificamente dos projetos a serem realizados: é
responsável por garantir a qualidade, o prazo e o custo dos projetos do programa.
A área de Planejamento, por sua vez, faz a gestão do programa propriamente dito,
ajustando o orçamento do mesmo e de cada projeto em execução. O Planejamento combina
com a fábrica os prazos de entregas e especifica a quantidade de mão de obra necessária na
linha de montagem.
Um Programa não tem uma duração máxima pré-definida – na realidade, a duração do
programa tem relação com o tempo de vida do produto – informação que é indisponível para a
grande maioria dos funcionários que não são da diretoria da empresa.
77
Os projetos dos programas são conhecidos como pacotes de trabalho, que serão
desenvolvidos para a modificação das aeronaves. Pode haver pacotes relativos a projetos de
artefatos novos e a melhorias em objetos já existentes.
Para que qualquer alteração na aeronave ou em qualquer objeto seja iniciada, é
necessário haver uma ficha de solicitação para a criação de novos pacotes de trabalho, a Ficha
de Requisição de Alteração do Produto (ou PCR em inglês). Para se ter uma idéia, cada
programa tem algumas centenas de PCRs. Há diversas áreas que podem elaborar PCRs, como
por exemplo:
� a área de suporte ao cliente, que pede desenvolvimento a partir de idéias provenientes
de aeronaves em operação;
� a área de contratos, que necessita de algo específico para atender algum cliente;
� a inteligência de mercado, que enxerga potencialidades através de benchmarking;
� as áreas de engenharia, que promovem a melhoria contínua de seus produtos.
Após ser criado, o PCR passa por um conselho formado pela área de Controle de
Configuração e por diversas engenharias, que pode enviar o PCR para análise técnica ou
apenas para estudo, quando não há escopo de atividades bem definido. Quando o PCR evolui
para uma análise técnica, cabe à Gestão das Modificações chamar as áreas competentes e o
time de integração. Realiza-se, a seguir, um estudo de necessidades e é elaborada uma
estimativa de orçamento para iniciar o pacote de trabalho. O PCR é então enviado para o
solicitante, que aprova ou não a execução. Em caso positivo, o pacote de trabalho é iniciado e
a Gestão das Modificações também é responsável pela execução em tempo do projeto. Ao
final da execução, o projeto é entregue e o PCR encerrado. Esse fluxo pode ser observado na
figura a seguir.
78
Figura 34 – Fluxograma da Requisição de Alteração do Produto
Os times de integração oferecem acompanhamento às alterações e modificações
propostas pelos programas. Há um time de integração para cada programa, que faz a interface
entre os projetos do programa e as áreas funcionais de Engenharia – também chamadas de
áreas de tecnologia. Há três tipos de integradores:
� Integradores de Desenvolvimento do Produto: são responsáveis por projetos que
incluem elementos novos ao produto.
� Integradores de Suporte ao Produto: são responsáveis pelos projetos de alteração dos
elementos da aeronave.
� Integradores de Apoio à Linha: são responsáveis pelos itens que interferem nos
processos produtivos da empresa.
As principais atividades de um integrador foram listadas abaixo a partir de entrevistas
com integradores:
� Recrutar os líderes das tecnologias que serão envolvidas no pacote de trabalho
� Expor o problema aos líderes envolvidos e realizar um brainstorming de possíveis
alternativas para o projeto.
79
� Transmitir à área de Planejamento do Programa a quantidade de recursos necessários
para cada tecnologia envolvida.
� Fornecer apoio aos líderes das tecnologias caso haja necessidade de alterações de
escopo e cronograma.
Assim, durante uma parcela significativa de seu tempo, o integrador está trabalhando
em conjunto e se relacionando com os líderes de tecnologia. Segundo um integrador
entrevistado, não é necessário consultar uma lista de líderes que devem ser envolvidos no
projeto, devido ao contato intenso que os integradores têm com eles.
A pedido do autor do trabalho, o integrador entrevistado citou todas as áreas das quais
conseguiu se recordar, às quais ele tem acesso e que poderiam ser necessárias para o
desenvolvimento dos projetos:
� Manuais de manutenção
� Engenharia de estruturas
� Projeto de estruturas
� Engenharia de interiores
� Projeto de interiores
� Design
� Sistemas hidro-mecânicos
� Comandos de vôo
� Elétrica / entretenimento
� Sistemas de propulsão
� Boletim de serviço
� Catálogo de peças
4.6 A Engenharia de Desenvolvimento de Interiores
Também chamada de Engenharia de Interiores, é uma das tecnologias envolvidas
quando são solicitados alterações ou desenvolvimentos de objetos de cabine. Cada programa
tem um líder de engenharia de interior, que é responsável por distribuir os pacotes de trabalho
para os diversos engenheiros.
Trabalhar na Engenharia de Interiores implica em ter contato muito intenso com os
fornecedores (afinal, a Embraer não fabrica o mobiliário interno). O Engenheiro de Interior
tem assim mais trabalhos de análise sobre os protótipos criados pelos fabricantes que
trabalhos de criação. Como faz a interface com o fabricante, elabora pedidos de alteração,
80
estuda os requisitos para posicionamento e montagem e dá seu parecer sobre a qualidade do
produto oferecido pelo fornecedor.
Uma limitação é que este engenheiro nem sempre consegue realizar mudanças
significativas sobre o produto (alterações relevantes da forma, que impliquem em mudanças
na estrutura ou no processo produtivo do objeto). Isso porque a tecnologia pertence ao
fornecedor, que pode alegar dificuldade em efetuar as modificações requeridas.
Segundo um funcionário entrevistado, não há reuniões com engenheiros de interiores
de outros programas, porém pode haver algum relacionamento informal entre esses
engenheiros (não previsto pela organização); assim, é possível descobrir como outros
funcionários resolveram questões análogas àquela enfrentada.
Perguntado se há alguma regra ou critério para se envolver o EDS ou o time de
ergonomia no desenvolvimento do produto, o entrevistado disse que essa decisão não
competia a ele ou à Engenharia de Interiores.
4.7 A Ergonomia de Fábrica
A área de Engenharia Ocupacional, que cuida da saúde dos trabalhadores e dos riscos
aos quais os mesmos estão submetidos, está subdividida em:
� Higiene Industrial, que avalia os riscos físicos, químicos e biológicos;
� Segurança de Contratados, que especifica e verifica as condições do trabalho de
funcionários terceirizados;
� Segurança Diária, responsável pelos Equipamentos de Proteção Individual e
conscientização;
� Almoxarifado, que se responsabiliza pelos materiais e instrumentos utilizados pelos
trabalhadores;
� Núcleo de Ergonomia, que procura projetar o trabalho e corrigir as posturas dos
trabalhadores visando a manutenção da saúde dos empregados e a produtividade do
sistema; conta com apoio da área de melhoria contínua e de pesquisadores e
pesquisadores externos.
81
O organograma da Engenharia Ocupacional, com destaque ao Núcleo de Ergonomia,
pode ser visto a seguir.
Figura 35 – Organograma da Engenharia Ocupacional
O Núcleo de Ergonomia na Embraer começou a ganhar forma em 2001, quando foi
formado o Núcleo de Ergonomia dentro da área de Engenharia Ocupacional. Este núcleo, na
ocasião, elaborou um projeto em conjunto com a Universidade Federal de São Carlos e o
Instituto Nacional de Tecnologia, que tinha como objetivo criar um modelo de análise
ergonômica do trabalho. Seu primeiro resultado foi uma pesquisa antropométrica da
população de trabalhadores da Embraer – publicada em abril de 2002. Até então, o núcleo de
Ergonomia atendia às reclamações dos trabalhadores: formavam-se grupos de trabalho com o
pessoal da produção, com os engenheiros de segurança e com os médicos do trabalho, com o
intuito de modificar os postos de trabalhos mais problemáticos.
Foi a partir do projeto mencionado anteriormente que a Embraer passou a ter também
uma postura mais pró-ativa, construindo um tripé com os seguintes objetivos:
1º - Criar a cultura para a Ergonomia, através de treinamentos e avaliando postos de
trabalho de maneira preventiva.
2º - Eliminar fatores de risco na produção, procurando participar da concepção junto
com a área de Anteprojeto.
3º - Continuar priorizando o homem, mesmo após incidentes no trabalho, visando a
reinserção do trabalhador.
O Núcleo de Ergonomia desenvolve as seguintes atividades:
� realização de treinamentos;
� análise de postos de trabalho através do modelo Embraer Workplace Analysis (EWA);
82
� ajuste das atividades e dos postos de trabalho;
� gestão dos impactos das alterações na linha de produção;
� estudos de estabilidade postural dos trabalhadores;
� manual de boas práticas e soluções aprendidas;
� análises de força para a determinação dos movimentos possíveis para os trabalhadores.
O núcleo de Ergonomia da Engenharia Ocupacional possui um plano de ação para o
futuro, no qual constam os seguintes objetivos:
� Integração com a área de Ergonomia de Interior
� Difusão dos conceitos de ergonomia para as outras sedes
� Utilização de software de manufatura digital
4.8 A Ergonomia de Interiores
A Ergonomia de Interiores faz parte do Embraer Design Studio (EDS), que, por sua
vez, responde à Gerência de Conforto de Cabine. Essa gerência, juntamente com a Gerência
de Aviação Executiva e com a Gerência de Aviação Comercial e de Defesa formam o
Departamento de Engenharia de Interiores. Este organograma pode ser observado na figura a
seguir.
Figura 36 – Organograma da Gerência de Conforto de Cabine
83
O EDS é formado por aproximadamente 30 profissionais que são responsáveis pelo
design da cabine dos aviões. Em outras palavras, o EDS é responsável pelo projeto dos
objetos com os quais os passageiros e a tripulação têm contato, mas que não têm relação com
o desempenho do avião – como assentos, barras, apoios, armários, mesas, etc. O EDS é
responsável por oferecer condições de conforto ao passageiro, ao escolher a melhor
disposição dos objetos na cabine, seus formatos, cores, materiais adequados, etc. Além disso,
é intenção da empresa que o EDS seja uma referência em design, de modo que suas
competências não são utilizadas exclusivamente para projetos de interiores, mas também para
projetos relativos ao lado externo do avião, por exemplo. Os profissionais do EDS têm
formações profissionais diversificadas: há designers, arquitetos, publicitários, administradores
e engenheiros.
O EDS está dividido em quatro times, que trabalham reunidos na mesma sala. São
eles: time de produto, time de gráfico, time de ergonomia, e time de materiais, cortes e cores
(este último também conhecido por time de materiais). A seguir, é apresentado um
organograma do EDS e são exploradas as atividades dos quatro times.
Figura 37 – Organograma do Embraer Design Studio
4.8.1 Time de Produto
Realizam atendimento aos programas do mercado de aviação executiva, como o
Programa Legacy, o Programa Phenom e o Programa Lineage. Estes programas solicitam ao
time de produto que desenvolva novos conceitos, idéias, desenhos e formas para objetos da
cabine que necessitam de melhorias. Profissionais deste time são então convidados a
participar dos programas e realizam reuniões para receber o resumo (ou briefing) da demanda
contida no pacote de trabalho.
84
A partir daí, o time de produto realiza as seguintes atividades do processo de
concepção de um objeto:
1. Realiza reuniões internas no EDS para brainstorming sobre soluções para o
problema proposto.
2. Produz sketches, que são desenhos conceituais dos objetos, que tentam exprimir as
principais características da nova forma e novos usos para o objeto conforme a solicitação;
seleciona as melhores idéias e prepara um conjunto de propostas.
3. Consulta os outros times do EDS, os engenheiros de outras áreas e elimina as
alternativas tecnicamente inviáveis ou que deixem de atender à demanda inicial.
4. Apresenta as melhores propostas ao programa, que autoriza ou não a continuidade
do desenvolvimento de uma delas.
5. Se for necessário para garantir a fidelidade do sketch aprovado, elaboram um
modelamento tridimensional do objeto no computador e produzem ilustrações digitais com
diversas vistas do objeto (processo de rendering)
6. Consulta novamente os outros times e, em especial, o time de Ergonomia, que dá
seu parecer sobre o conforto em termos de postura e usabilidade dos objetos.
7. Envia o projeto aos responsáveis pela fabricação ou montagem do objeto.
8. Acompanha o recebimento e o entendimento dos desenhos de projeto no fabricante,
participando de uma reunião de revisão preliminar do design (Preliminary Design Review),
antes da fabricação de um protótipo.
9. Dá suporte às dúvidas do fabricante e realiza uma reunião final (Critical Design
Review) já com o protótipo, antes da fabricação, para verificar se não há divergências entre o
projeto entregue e a proposta do fabricante, e para avaliar se todas as demandas iniciais do
pacote de trabalho foram atendidas.
O fluxograma das atividades do time de produto para a concepção de um objeto pode
ser visto na figura a seguir.
85
Figura 38 – O processo de concepção de objeto realizado pelo time de produto
Segundo os designers do time de produto, os pacotes de trabalho podem se referir ao
projeto de um objeto, de vários, ou até mesmo ao projeto de toda a cabine. Assim, a duração
do tempo de trabalho em cada pacote varia muito, de dias a meses. Até mesmo a flexibilidade
do cronograma é variável, dependendo da importância e da urgência deste pacote para o
programa como um todo.
A demanda por um pacote pode resultar na necessidade de se elaborar uma pesquisa
de campo. Foram citados como exemplos de pesquisa:
� Pesquisa com “clientes”: reunião para tentar exprimir a opinião dos futuros ocupantes
das aeronaves. Participam (i) designers do EDS, (ii) funcionários da área de
inteligência de mercado e da equipe de vendas e (iii) pilotos e comandantes dos
clientes da Embraer.
� Pesquisa periférica: coletânea de idéias e conceitos de outras empresas de design
relativas a objetos não diretamente relacionados com aviação, porém sobre os quais é
86
possível traçar paralelos. Soluções de design para móveis, banheiros e cozinhas de
domicílios podem ser aproveitadas pelo EDS, assim como o design de cabine de trens
e navios.
� Pesquisa dos concorrentes: coletânea e classificação dos produtos de outros
fabricantes de aeronaves, para enxergar comportamentos comuns, divergências e
tendências dos próximos produtos da concorrência, buscando oportunidades de
diferenciação para os produtos da Embraer.
Cabe observar que há dois momentos de troca entre os integrantes do EDS que
resultam em aprendizagem para os designers de produto – antes de apresentar as propostas
formais de conceito para o programa e durante o desenvolvimento das versões finais dos
desenhos técnicos.
Os designers de produto, após desenvolverem o pacote de trabalho, passam a ser
representantes do EDS nas reuniões sobre o produto desenvolvido com a gerência do
programa e com o fabricante.
4.8.2 Time de Materiais
Estuda os materiais que podem ser utilizados no interior das aeronaves, como carpetes,
couros, madeiras, etc. Especifica também cores e estilos que podem ser utilizados.
Seu trabalho está dividido em duas funções. A primeira é atender aos programas,
desenvolvendo os materiais internos da cabine. A segunda é atender à equipe de vendas e
auxiliar os clientes a escolher os materiais das aeronaves compradas.
� Atendimento a Programas
Cada um dos integrantes do time de materiais é especializado no atendimento de ao
menos um programa. Desenvolvem as paletas de cores e texturas que serão empregadas e que
podem ser combináveis, elaborando assim os temas disponíveis da aeronave. Em seguida,
procuram fornecedores que tenham os materiais necessários para atender às especificações
desejadas. Por fim, solicitam ao Departamento de Suprimentos que negocie com os
fornecedores encontrados os preços e prazos para que os materiais possam ser comprados pela
Embraer.
87
� Atendimento à Equipe de Vendas
Conforme a equipe de vendas fecha os pedidos das aeronaves, o time de materiais é
chamado para atender às demandas dos compradores com relação às cores e estilos internos
da cabine. Caso o avião comprado já tenha os temas de cores definidos, o time de materiais
participa de reunião para ajudar o comprador a escolher o tema desejado e aconselhar quanto
à mistura e combinação de elementos de diferentes temas. Caso o avião comprado não tenha
temas definidos ou a equipe de vendas dê liberdade para o comprador determinar os materiais
que deseja em seu avião (materiais às vezes trazidos pelos próprios clientes, a partir de suas
idéias pessoais), o time de materiais prestará um aconselhamento de combinações entre os
materiais escolhidos, e, após a reunião com o cliente, procurará fornecedores e desenvolverá o
material, assim como ocorre dentro do contexto dos Programas.
O desenvolvimento de novos materiais específicos para algum cliente ocorre
geralmente para aeronaves executivas de médio porte (como o Legacy ou o Lineage) ou para
clientes compram frotas de aviões, pois o investimento em pesquisa de materiais precisa ser
justificado economicamente. Esse desenvolvimento poderá ser utilizado para compor novas
opções de personalização para os próximos pedidos.
4.8.3 Time de Gráfico
Tem a função básica de elaborar desenhos e gerar perspectivas digitais dos aviões.
Esta equipe atende aos três mercados da empresa (comercial, executivo e de defesa).
No caso dos aviões comerciais, elabora o esquema de pintura externa da aeronave,
definindo a posição, o tamanho e as cores dos textos, logomarcas e desenhos que serão
futuramente pintados na fuselagem do avião. Os solicitantes destes esquemas de pintura são
as áreas de contrato – quando o pedido do avião está sendo negociado com o cliente – e a área
de Marketing – quando a mesma precisa criar maquetes ou imagens virtuais do lado externo
dos aviões para o website da empresa ou para outro material publicitário.
Para os aviões executivos, além da atividade de esquemas de pintura já descrita, o time
é responsável pela criação de perspectivas internas virtuais da cabine, imagens estas chamadas
de “rendering” que são perspectivas artísticas ilustrativas geradas por computador. Neste
88
caso, é a área de contratos que solicita o rendering; o time de materiais separa então as
amostras dos materiais que serão utilizados na aeronave e disponibiliza-as para que sejam
digitalizadas pelo time de gráfico. Depois da digitalização, o time de gráfico cria os
renderings da cabine da aeronave.
O time de gráfico além de atender ao time de Materiais, à área de Contratos e à área de
Marketing, auxilia o time de Produtos, criando renderings das soluções que serão
apresentadas pelo EDS. Cabe notar que o contato do time de gráfico com a ergonomia ocorre
fundamentalmente através do designer do time de produtos.
4.8.4 Time de Ergonomia
Por fim, há o time de ergonomia, também chamado de time de ergonomia de produto
ou ergonomia de interiores. É responsável pelo posicionamento dos objetos de dentro da
cabine e estuda o comportamento dos passageiros. Assim, cabe a este time analisar os objetos
já existentes e em fase de concepção e avaliar o modo como os usuários interagem com os
mesmos. Além disso, este time valida o leiaute final da cabine. Faz ainda análises técnicas de
incidentes envolvendo passageiros dentro da cabine e é responsável pela gerência das
pesquisas em Ergonomia de Cabine.
Os integrantes da área de ergonomia realizam análises sobre diversas famílias de
aeronaves. Embora não haja uma divisão formal, houve uma espécie de especialização entre
eles: quatro dos cinco membros do time estão mais habituados a realizar análises sobre uma
determinada família, enquanto que um integrante realiza análises sobre duas famílias.
O time de ergonomia foi formado há menos de dez anos e já esteve inserido em
diferentes gerências. Segundo um entrevistado, a preocupação com a ergonomia ficou
evidente com a produção do EMB-170, que foi desenvolvido “de dentro para fora”.22 O
principal diferencial é que a seção transversal da cabine não é redonda, mas é formada por
dois círculos sobrepostos, oferecendo mais espaço para os passageiros posicionarem suas
pernas e menos risco de os passageiros baterem a cabeça no teto. Para clarificar esta
diferença, uma figura comparativa é apresentada a seguir.
22 Vide figura: modelo de concepção “de dentro para fora” (adaptado de MENDES, 2007)
89
Figura 39 – Seção transversal do EMB-170, comparativamente a seção do ERJ-145
A seguir, são listados os principais tipos das atividades realizadas pelo time de
ergonomia, que foram comentados durante as entrevistas.
� Desenvolvimento de projetos de objetos de cabine (assentos e
mobiliário): realizam em conjunto com a Engenharia de Desenvolvimento
de Interiores e com o time de produto do EDS.
� Análises antropométricas: a partir das medidas das aeronaves e das
medidas humanas disponíveis, extraem medidas relativas ao
posicionamento do usuário dentro da cabine. São exemplos:
posicionamento de móveis na cabine, disposição do painel no cockpit,
extração de medidas como a distância entre o joelho do passageiro e o
banco da frente, etc.
� Análises de biomecânica: investigam quais são as forças e as pressões
necessárias para apertar um botão ou abrir uma porta ou janela.
� Análises de visibilidade: verificam qual é a visão do passageiro ou de um
membro da tripulação. Como exemplo, foram citados: projeção do campo
visual de quando se olha em direção à saída de emergência a partir de
determinada posição; projeção do campo visual do piloto, para verificar se
é possível visualizar o painel de determinado instrumento.
� Análises de acessibilidade: determinam se o usuário consegue executar
determinada atividade sem dificuldades no que se refere ao espaço para a
realização da mesma.
90
� Análises de usabilidade: estudam se o usuário consegue usar determinado
objeto e atinge seus objetivos satisfatoriamente.
� Análise de cognição: pesquisam se a execução de alguma atividade exige
conhecimento e habilidades específicas dos usuários e procuram minimizar
estas necessidades.
4.9 Atividades do time de ergonomia
O autor teve a oportunidade de conversar com os integrantes do time de ergonomia
durante o expediente dos funcionários e durante as mesas-redondas organizadas pelo autor.
Foi criado um espaço para a reflexão sobre algumas atividades que são realizadas pelo
time. São apresentadas sete atividades discutidas, sem nenhuma ordem de importância ou
cronologia. Cada atividade está descrita em função de seu contexto e da natureza das
demandas (como as mesmas foram enunciadas e qual foi o fluxo até chegar ao time de
ergonomia); há o relato de quais foram as atividades que precederam a atividade principal e
quais foram os acontecimentos que as modificaram. Ainda, há comentários referentes às
restrições encontradas, aos fatores críticos percebidos e as sugestões obtidas durante as
conversas.
4.9.1 Suporte ao GEEA
Contexto: a Gerência de Estudos de Ergonomia na Aviação Civil (o GEEA) é um
órgão da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) com a qual foi estabelecida uma
parceria.
Atividades já realizadas: realização de apresentações e estudos para a ANAC,
transmitindo conceitos de ergonomia em cabines de avião – por exemplo, foi apresentado que
o pitch, a distância entre os bancos, não é uma medida suficiente para indicar o conforto do
passageiro, mas que outras medidas também são relevantes, como a medida do living space
91
(espaço medido entre o final da poltrona da frente e onde o passageiro apóia a lombar).
Interferem no conforto, entre outros, a espessura do estofado e a inclinação do assento. Vide a
figura a seguir.
Figura 40 – Diferença entre os parâmetros pitch e living space
A área de ergonomia de interiores foi também abastecida com dados de uma pesquisa
de dados antropométricos dos passageiros brasileiros realizada pelo GEEA.
Demanda: auxiliar o GEEA na determinação de parâmetros de conforto e ajudar a
compor um quadro da situação de conforto das aeronaves comerciais presentes no Brasil.
Restrições: dados fornecidos pelo GEEA podem não ser suficientes para uma análise
adequada do time de ergonomia. Podem faltar dados para a determinação dos parâmetros
antropométricos ou podem faltar informações das cabines das aeronaves que operam em
território nacional.
Análise: o GEEA oferece dados antropométricos muito importantes para a Embraer,
enquanto que a Embraer oferece recursos e conhecimento para discutir questões de ergonomia
em cabines de avião. A equipe de ergonomia poderia então sugerir parâmetros mínimos de
conforto para servir de padrão para a aviação brasileira, o que poderia tornar a Embraer a
primeira empresa a conhecer tais parâmetros determinados pela ANAC. Cabe ressaltar,
entretanto, que há o risco de nem a própria Embraer ser capaz de entregar esses requisitos
mínimos de conforto sugeridos.
Sugestão: desenvolver as pesquisas juntamente com o GEEA, para que todos os
parâmetros necessários sejam incluídos no trabalho de campo.
92
4.9.2 Detalhamento de leiaute da cabine
Contexto: o vendedor define junto com o cliente qual será o leiaute da cabine da
aeronave que está sendo adquirida. Cada avião vendido pode ter uma configuração interna
desenvolvida sob encomenda, conforme o cliente desejar e conforme as condições de
montagem permitirem. Assim, o cliente faz com o vendedor um rascunho do leiaute de
acomodação dos passageiros – ou Layout of Passenger Accommodation (LOPA).
Atividade: cabe à Ergonomia refazer este leiaute considerando as medidas exatas e
considerando também questões como segurança e certificação
Fluxo da demanda: Contratos solicita à Engenharia de Interiores, que contata a
Ergonomia
Restrições: poucos fatores que envolvem ergonomia eram alterados. O único exemplo
mencionado foi a avaliação do índice de impacto de cabeça em caso de acidente. O time de
ergonomia, ao elaborar a LOPA, simplesmente “tentava encaixar” os assentos na vista
superior do avião, considerando as saídas de emergências e divisórias necessárias.
Fatores críticos: essa atividade exigia muito tempo e sempre era urgente, pois era
para ser devolvido para o cliente o mais breve possível. Arquivos de computador eram
enviados em um formato antigo, inapropriado para o trabalho do time, sendo necessária a
conversão de formato.
Acontecimento relevante: o desenvolvimento de LOPAs passou a ser realizado pela
Engenharia de Interiores, já que, segundo o time de ergonomia, esta atividade não exigia
conhecimentos de ergonomia.
Novo fator crítico: é necessário que o a Ergonomia verifique se a disposição proposta
pela Engenharia de Interiores não é totalmente nova para a empresa, pois, nesses casos, ainda
é necessário realizar a análise do ponto de vista ergonômico.
4.9.3 Concepção de assento
Contexto: Empresa de design terceirizada já havia feito o projeto do assento para uma
aeronave, porém pediram ao EDS que concebesse um assento melhorado, considerando
aspectos funcionais, de conforto e de acabamento.
93
Fluxo da demanda: Programa solicitou à Engenharia de Interiores, que contatou o
EDS, que encaminhou ao time de ergonomia.
Atividade: o time de ergonomia desenvolveu, juntamente com o time de produto,
diversos desenhos conceituais para o assento. Após adequar o estilo desses desenhos às
formas antropométricas, criou protótipos com formas, cores e densidades desejadas.
Realizou na seqüência uma “análise subjetiva”do assento23 – entrevistas semi-abertas
com amostra da população de funcionários de diferentes perfis antropométricos, para procurar
pontos positivos e negativos sobre o item estudado.
Em seguida, contratou uma empresa para realizar um mapeamento de forças e pressão
ao se sentar no protótipo do banco. A ergonomia, a partir das queixas obtidas na análise
subjetiva, determinou quais parâmetros seriam investigados e comparou-os com valores de
referência e de outros assentos já existentes.
Somente após a criação de diversos protótipos, análises subjetivas e mapeamentos de
pressão, o projeto do banco foi entregue e a atividade da ergonomia tida como encerrada.
Fatores críticos: as queixas durante a simulação podem ser diferentes das queixas
reais de uso.
Sugestões: Procurar na empresa (ou pesquisar junto a clientes) uma biblioteca de
queixas de conforto sobre os assentos. Criar um checklist baseado nesta biblioteca, onde
constem itens que sempre devem ser verificados, como curvatura dos encostos, tamanho da
base e altura do banco. O time de ergonomia poderia coletar conhecimentos do
desenvolvimento de outros assentos já desenvolvidos pela empresa.
4.9.4 Posicionamento de luzes de leitura
Contexto: aeronave ainda em fase de projeto; Empresa de design terceirizada havia
feito o design da cabine, porém projetou as luzes de leitura no teto apenas para um assento por
fileira.
Demanda: refazer o posicionamento das luzes no teto, pois a cabine teria também
filas de assentos duplos que necessitariam de mais lâmpadas no teto.
23 O autor não concorda com essa denominação, pois toda análise é realizada por algum sujeito – então acaba sendo sempre de alguma forma subjetiva.
94
Fluxo da demanda: Programa solicitou à Engenharia de Interiores, que contatou o
EDS, que encaminhou ao time de ergonomia.
Contexto específico: para que a leitura seja possível, a fonte de luz deve estar entre a
cabeça do passageiro e o material de leitura, sem projetar a sombra do passageiro sobre o
material. A dificuldade se encontra no fato do banco correr sobre trilhos e ser reclinável, o
que torna faz com que não haja uma única posição ótima para a luz de leitura.
Restrições: apenas era solicitado alterar o posicionamento da luz no teto; não era
permitido mexer em nenhum outro objeto de cabine.
Sugestões: realizar duas entregas – primeiramente posicionar a luz, da maneira que foi
solicitada; em seguida, entregariam estudos com sugestões, tais como: desenvolvimento de
luzes presas ao banco, luzes com articulações reguláveis ou trilhos.
4.9.5 Colocação de um assento adicional para a tripulação
Contexto: Engenharia de Desenvolvimento de Interiores inicia o projeto para
adicionar um assento extra para a tripulação.
Fluxo da demanda: a Engenharia solicita diretamente à Ergonomia.
Demanda: analisar se um assento já projetado pela Engenharia de Interiores que seria
colocado “no meio da cabine” iria “dificultar muito o acesso” [sic]; definir local exato para
instalação, e definir banco a ser comprado.
Fato relevante: área de vendas pede urgência, pois ofereceu a solução para um
cliente, antes do fim de desenvolvimento.
Restrições: como o projeto já estava em desenvolvimento, já estava definido pela
Engenharia de Interiores que o assento seria instalado no “meio da cabine”.
Sugestões: realizar duas entregas – entregar primeiramente o que foi solicitado (vistas
e a especificação do assento requerido); em seguida, propor o posicionamento do assento em
outros locais mais favoráveis.
Fatores críticos: o envolvimento foi tardio. Havia muitas limitações quanto a
fornecedor, prazo e posicionamento. Como desconhecem a demanda exata do cliente, têm
95
dificuldade em projetar o produto sem saber a necessidade do cliente e a atividade futura dos
ocupantes da aeronave.
4.9.6 Projeto do aviso de segurança localizado próximo à saída de emergência
Contexto: na frente dos assentos que dão acesso às portas de emergência deve haver
um aviso aos passageiros que lá sentarem, para que os mesmos aprendam o procedimento de
abertura da porta de emergência.
Fluxo da demanda: Engenharia de Interiores contatou o EDS que encaminhou ao
time de Ergonomia.
Fato relevante: a área de suporte solicita urgência, pois necessitava alterar o aviso das
próximas aeronaves a serem fabricadas e um cliente especificamente solicitara a troca de seus
avisos.
Demanda: propor o design de uma nova placa de aviso, considerando sua visibilidade,
cognição e conformidade às leis.
Restrições: os prazos eram curtos e o time de ergonomia desconhecia as normas e as
dificuldades para certificação, pois não era chamado em atividade de certificação. Não havia
biblioteca sobre a influência das cores sobre a visibilidade e sobre o bem-estar do passageiro,
bem como não havia estudos sobre o estado mental do passageiro próximo à saída de
emergência.
Fatores críticos: o aumento do prazo para estudos e para a realização de testes, aliado
à criação de bases de conhecimento, aumentariam a capacidade de convencimento para a
proposição de soluções mais favoráveis.
4.9.7 Bancos com apoio para as pernas
Contexto: empresa fornecedora dos bancos não havia incluído no projeto os apoios
para as pernas (leg-rest).
Fluxo da demanda: a Engenharia de Interiores solicita diretamente à Ergonomia.
96
Demanda: avaliar em quais assentos os leg-rests poderiam ser instalados,
considerando os demais móveis e a altura dos passageiros.
Causas: a dúvida de se instalar os leg-rests é justificada porque os mesmos podem
atrapalhar o passageiro quando for levantar ou danificar outros mecanismos da cabine.
Restrições: não se sabe com antecedência qual será a configuração proposta pelo
vendedor para que sejam estudadas as configurações possíveis antecipadamente. Os
vendedores podem prometer algo que os objetos de cabine não cumpram.
Fatores críticos: sempre há algum estudo a ser feito, pois precisam realizar o mesmo
tipo de análise para cada assento e para cada configuração de cabine proposta pelo vendedor.
Além disso, o time de ergonomia acredita que suas análises ficam restritas ao solicitante
(Programa) e não viram lições aprendidas para a área de atendimento a clientes (vendedores,
inteligência de mercado, contrato, etc.)
Sugestões: desenvolver biblioteca de atividades e biblioteca de possibilidades de uso
dos assentos. Compartilhar essa biblioteca com os gerentes de configurações dos programas e
com a equipe de vendas. A Ergonomia poderia ter mais contato com o vendedor para (i)
explicar quais atividades são possíveis dentro da cabine, conforme a configuração desejada, e
(ii) ouvir as solicitações de configurações mais comuns e desejos dos clientes, para elaborar
estudos previamente e abastecer essa biblioteca.
97
5 ANÁLISE DOS DADOS
Os dados coletados foram analisados sob a luz do referencial teórico, em seis
enfoques, a saber: a estrutura da empresa; como o conforto é considerado em cada etapa do
projeto; quais são os relacionamentos existentes entre os times do EDS e as outras áreas da
empresa; quais são os momentos do projeto em que aparecem as demandas ao time de
ergonomia; qual é a natureza das demandas à ergonomia; e, finalmente, qual é o envolvimento
dos usuários em projetos de produtos.
5.1 Sobre a estrutura da empresa
A Embraer está estruturada de forma matricial. Nenhum entrevistado explicitou se era
matricial forte, fraca ou equilibrada, nem este era o enfoque deste trabalho. Todavia, o autor
percebeu uma estrutura matricial forte, pois grande parte dos funcionários entrevistados e
observados durante o expediente dedicam-se em tempo integral aos programas; além disso,
parece que os gerentes do programa solicitam mais demandas aos trabalhadores que os
gerentes funcionais. Como o número e a complexidade dos projetos em execução são grandes
e como os programas são críticos para a realização das vendas da empresa, a estrutura
matricial parece ser adequada. Conforme Kerzner apud Miguel (2004), quanto maior a
qualidade e beneficio esperados e quanto mais recursos forem necessários administrar, mais
prioritários são os projetos para a organização. A organização dos projetos na forma de
programas também é válida, pois visa atender benefícios “não possíveis de serem obtidos se
gerenciados isoladamente”.
É possível também entender a criação dos programas e o fortalecimento da estrutura
matricial a partir do contexto histórico da empresa. Quando a Embraer deixou de ter como
objetivo atender a “aviação nacional” e passou a ter menos financiamentos e investimentos do
governo, a empresa passou por uma crise financeira. A empresa, já focada no mercado de
aviação civil, passou a dar mais importância a áreas como inteligência de mercado, visando
entender as necessidades de clientes potenciais, e passou a pensar em famílias de produtos,
para atender a nichos específicos do mercado. A criação de programas, portanto, passa a ser
fundamental para a gestão do portfólio de produtos da empresa, tornando-a mais ágil na
98
gestão dos projetos (em comparação com a gestão de projetos isolados, inseridos em uma
estrutura funcional).
A questão do conforto surgiu nesse contexto: como a empresa passa a buscar o
atendimento da demanda dos clientes – e uma delas é por cabines confortáveis24 - o conforto
serve como diferencial competitivo sobre as aeronaves das concorrentes.
5.2 Sobre a consideração do conforto em cada etapa do projeto
Cada área/departamento da empresa considera o conforto de maneira diferente e tem
uma visão diferente do que é importante ser feito para que se obtenha um produto final
‘confortável’.
O Departamento de Estudos Avançados exerce um papel importante dentro de uma
montadora de aeronaves: para Bastos (2006) é dever da montadora identificar as necessidades
das empresas aéreas. E quem faz estudos sobre isso é o grupo de concepção.
Para o grupo de concepção do DAP, o conforto da aeronave que está sendo projetada é
importante para aumentar o valor de mercado da aeronave e para oferecer uma solução
melhor que a da concorrência.
Como a concepção da aeronave é feita “de dentro para fora”, conforme descrito
anteriormente, o grupo tem uma grande liberdade criativa e tem mais possibilidades de
conceber produtos que atendam às mais diferentes necessidades, condições e situações de uso.
O grupo de projeto integrado também considera o conforto de cabine como
fundamental no seu trabalho. Uma prova disso é que o projeto de cabine está sob a gestão
direta do projeto integrado, não sendo essa responsabilidade pulverizada pelos outros grupos
do DAP. O grupo de projeto integrado faz também a gestão das soluções de compromisso
entre as áreas (sistemas aviônicos, estruturais e aerodinâmicos), priorizado os requisitos
provenientes da inteligência de mercado e do grupo de concepção, garantindo que os
parâmetros básicos definidos anteriormente (as definições básicas da cabine) não se alterem.
Para que o conforto seja privilegiado pelo grupo de projeto integrado, é necessário haver
parâmetros ergonômicos claros e tangíveis.
24 Há espaço para se investigar o que os clientes consideram como sendo cabines confortáveis, pois cada cliente pode observar um parâmetro para sua tomada de decisão.
99
Como o método utilizado neste trabalho não envolveu a participação de todos os
funcionários do DAP, é possível que as atividades da concepção e do projeto integrado não
sejam realizadas exatamente da maneira descrita para todas as propostas de novos produtos.
Este fato, juntamente com a idéia de que a alta administração pode interferir em decisões
técnicas sobre o desenvolvimento do produto, daria margem para se discutir se este modelo
“de dentro para fora” é executado linearmente, ou se na prática é um processo retro-
alimentado, em que se podem alterar as dimensões da cabine em função de uma análise
econômica elaborada posteriormente. Poderia, então, estar havendo uma relação de
compromisso entre a configuração interna e outras análises que se colocam como posteriores
no modelo apresentado – isto é, se há ou não a possibilidade de haver uma redução nas
medidas internas, devido a algum compromisso em se atingir determinado custo por
passageiro ou aumento de potencial de mercado. Neste caso, a idéia de conforto fica refém de
outros interesses, tornando a busca pelo conforto desejado limitada por esses outros fatores,
diminuindo as possibilidades de se propor um arranjo interno favorável para o passageiro.
Se o conforto da cabine foi um assunto muito comentado nas entrevistas com os
funcionários do DAP, não foi observado um destaque na consideração do conforto por parte
dos funcionários alocados no planejamento, na gestão das modificações e no controle de
configurações de aeronaves dos programas. Isso não significa que eles não se importem com o
conforto dos passageiros, mas indica que não há nenhum parâmetro que seja analisado em
todos os projetos, ou indica que não há alguma instrução de trabalho ou procedimento que
determine em quais situações algum representante da Gerência de Conforto deva ser
envolvido.
A partir das entrevistas, não pareceu que os pacotes de trabalho tenham objetivos
claros quanto a critérios ergonômicos. É patente a necessidade de requisitos ergonômicos, e
que se saiba com clareza quais são as limitações de tempo, custos e recursos para a execução
de cada pacote de trabalho, assim como sugere o PMI (2000).
Conforme mencionado na entrevista sobre a gestão das modificações, os pacotes de
trabalho são avaliados pela qualidade, tempo e custo do projeto – mas a medição dessa
“qualidade” não é formalizada e segmentada por análises de resultado. Assim, esse atributo
qualidade é subjetivo e acaba não dando diretrizes ao desenvolvimento do projeto. Aliás,
segundo o PMI (2000), caberia à gestão das modificações um controle dos riscos de projeto, e
um estudo das comunicações e aquisições necessárias – atividades estas não destacadas no
decorrer das entrevistas.
100
O prazo para a execução dos projetos parece ser determinante para a definição da
maneira de desenvolvimento dos mesmos. Ou seja, quanto mais curto o prazo, menos áreas
são envolvidas e mais simples devem ser as soluções propostas. Outro estudo seria necessário
apenas para investigar quem determina os prazos do projeto, quem tem o poder ou a
influência de alterá-lo, quais são os constrangimentos decorrentes dessa mudança e como a
alteração de prazo possibilita o desenvolvimento de soluções mais comprometidas com o
conforto.
A área de integração, que envolve as tecnologias para o desenvolvimento do pacote de
trabalho, não considera a ergonomia como uma área de tecnologia a ser chamada,
provavelmente devido ao fato da mesma estar sob a gerência de conforto, e não abaixo da
Engenharia de Interiores da Aviação Comercial ou da Aviação Executiva. Assim, se o
integrador entende que determinado projeto precisa apenas de algum desenvolvimento para o
interior da cabine, sem influenciar no conforto, o EDS e o time de ergonomia acabam não
sendo envolvidos. No caso de projetos que envolvam a modificação de objetos relativos ao
acesso à aeronave (portas, por exemplo), pode acontecer de nem a Engenharia de Interiores
nem o time de Ergonomia serem consultados.
5.3 As relações entre o EDS, o time de ergonomia e outras áreas
O EDS e o time de ergonomia são áreas muito novas, comparativamente a áreas da
engenharia tradicional. O time de ergonomia existe há menos de dez anos, enquanto que o
EDS, concentrando as funções de design, materiais, cores e ergonomia, há menos de cinco
anos. Como são áreas novas, podemos supor que estão ganhando tarefas novas, e estão
começando a ser reconhecidos pelo seu trabalho, e passam a ser referência na empresa para
assuntos relacionados a suas competências.
Os quatro times do EDS (produto, materiais, gráficos e ergonomia) estão reunidos no
mesmo ambiente de trabalho e podem se comunicar, cooperar entre si e trocar experiências,
apesar da grande maioria estar alocada integralmente a um programa. Essa organização é
diferente das Engenharias, que passam a trabalhar no mesmo espaço físico da gerência do
programa. Se por um lado há a vantagem de estar próximo aos tomadores de decisão do
programa, por outro lado, dificulta a cooperação entre os diferentes engenheiros, que passam
101
a saber pouco sobre os outros programas e não têm contato com engenheiros que podem estar
fazendo trabalhos semelhantes.
A partir das entrevistas com os times que compõem o EDS, é possível visualizar o
relacionamento entre eles. O time de produto costuma consultar o time de materiais para o
desenvolvimento de projetos; o time de materiais, por sua vez, além de especificar materiais
para o time de produtos, fornece amostras para o time de gráfico utilizar em suas criações; já
o time de ergonomia muitas vezes trabalha junto com o time de produto no projeto de novos
objetos.
Já o relacionamento com as demais áreas foi entendido da seguinte maneira: o EDS
atende a área de Vendas através do time de materiais. As áreas de Contratos e Marketing são
atendidas pelo time de gráfico. Já a Engenharia de Interiores trabalha em conjunto com os
times de produto e de ergonomia.
A figura a seguir apresenta um mapa dos relacionamentos citados.
Figura 41 – Mapa de relacionamento entre os times do EDS e outras áreas
A principal vantagem do time de ergonomia estar próximo aos outros times do EDS é
que a proximidade com o time de produto proporciona ao ergonomista o entendimento dos
processos e das atividades do projetista, auxiliando na gestão do design – o que segundo
102
Pinsky apud Daniellou e Béguin (2007) é importante para garantir que os aspectos
ergonômicos sejam incorporados ao design.
5.4 As demandas ao time de ergonomia no fluxo do projeto
A ergonomia executa trabalho de atendimento às demandas, e não tem uma rotina de
análise para cada projeto que se inicia.
Com base na descrição das atividades executadas pelo time de ergonomia e nos fluxos
das demandas, pode-se entender em que momentos o time de ergonomia é requisitado.
A ergonomia foi na totalidade das vezes acionada após o início do desenvolvimento do
pacote de trabalho, após as engenharias já terem iniciado suas atividades. Na maioria das
vezes, o trabalho de desenvolvimento precisa ser acelerado a partir do envolvimento do
cliente, pois, a partir da colocação da ordem de produção na fábrica, o desenvolvimento passa
a ter uma data mais curta para a entrega de seus projetos. Também, logo antes da entrega, é
possível que apareçam novos pedidos de alteração do produto (após a percepção de
inconsistências de acabamento final ou alterações no contrato do cliente).
Podemos observar na figura a seguir o volume de trabalho de concepção,
desenvolvimento e suporte. O volume de trabalho no momento de concepção é sempre
crescente até a criação do programa; o volume de trabalho do desenvolvimento atinge seu
ápice na entrega da primeira aeronave, quando surge a função da engenharia de suporte.
Figura 42 – Evolução da quantidade de trabalho por departamento e o envolvimento da ergonomia
Além disso, observa-se que o time de ergonomia não é envolvido nas etapas de
concepção, na elaboração do projeto integrado, no início do programa e nos primeiros
103
momentos de desenvolvimento dos projetos. Este fato diminui as possibilidades de mudanças
no projeto, pois conforme Maline (1994), quanto antes a ergonomia e o conforto forem
considerados a partir da ótica dos usuários, mais alternativas haverá para o desenvolvimento
da cabine.
5.5 Sobre a natureza das atividades do time de ergonomia
Comparando com Daniellou (2001), que propõe três papéis principais aos
ergonomistas, o time de ergonomia executa apenas dois destes. Se por um lado esclarecem
como as decisões de projeto interferem na usabilidade do produto que está sendo estudado,
por outro lado não conseguem oferecer muitas sugestões de projeto aos projetistas, por não
possuírem dados reais da usabilidade do produto, por não disporem de tempo ou de
colaboração de outras áreas de desenvolvimento. O terceiro papel proposto por Daniellou
(2001) é exercido nas reuniões semanais do time, quando os ergonomistas têm espaço para
refletir suas práticas.
A partir da constatação de que a ergonomia é envolvida tardiamente no decorrer dos
projetos, este time freqüentemente não consegue ter uma posição de influência para que a
alteração do design ocorra a tempo de ser executada.
O time de ergonomia executa tanto a ergonomia de correção (caso de ajustes no leiaute
da cabine ou do posicionamento das luzes de leitura) como a ergonomia de concepção
(desenvolvimento de assentos e novos objetos para a cabine). Neste contexto, entretanto, a
necessidade de classificação das atividades entre concepção ou correção perde sua força, já
que suas atividades não acontecem na fase inicial de projeto de produto. Ainda mais, algumas
de suas atividades começam como correção (análise de determinada situação) e passam a ser
de concepção (desenvolvimento de objeto).
É pertinente, então, avaliar suas atividades em termos da natureza das demandas
iniciais e os desafios, o posicionamento dos demandantes, os prazos, os meios, as margens de
manobra, os freios e aliados, e quais outros projetos em curso.
A maioria de suas demandas é proveniente dos gerentes de programa e não dos
gerentes funcionais. Os primeiros solicitam análises pontuais de determinado objeto de
cabine. Apesar de o conteúdo da demanda ser claro, os objetivos muitas vezes são vagos –
104
como verificar “se está bom”, “se vai incomodar”, “se está confortável”. O time de
ergonomia busca então traduzir o que seria isso: quais seriam os parâmetros que eles vão
medir, e quais são valores aceitáveis para os mesmos. Para isso, utilizam referências
bibliográficas, consultas a outras áreas, estudos já realizados e softwares de modelagem
ergonômica. Como principais restrições, comentou-se que os prazos eram curtos e que outras
decisões já haviam sido tomadas ou ocorrem durante o desenvolvimento do trabalho do time
de ergonomia.
O time de ergonomia precisa trazer à luz dos projetos de desenvolvimento os pontos
mais importantes dos critérios ergonômicos de maneira simples, porém quantificando
“objetivos de desempenho ergonômico para a realização das atividades”. (DEJEAN E NAËL,
2007). Com isso, é possível verificar se os critérios de qualidade estão sendo atingidos e se a
solução é adequada.
É curioso notar que há claramente um discurso da consideração do conforto como
diferencial, porém as atividades de ergonomia acontecem mais para evitar que a “falta de
ergonomia” ou a “falta de conforto” não seja prejudicial ao sucesso das aeronaves. A
ergonomia parece ter o papel também de consertar os defeitos de concepções elaboradas por
outros.
Dentre os critérios que devem ser ponderados pela ergonomia (DEJEAN E NAËL,
2007), o time da Embraer já se posiciona perante a segurança (segurança de curto prazo –
prevenção de acidentes), conforto, tolerância ao erro e impressão ao primeiro contato. O time
poderia estudar também aspectos de segurança de longo prazo (prevenção de danos futuros
aos usuários), real utilidade e eficácia das soluções para a execução das atividades dos
usuários.
O time de ergonomia está trabalhando juntamente com o time de materiais e o de
produtos o dimensionamento sensorial do produto. Eles trabalham como consultores internos
para verificar se a escolha de determinadas cores, formatos e materiais ajuda ou atrapalha na
execução de tarefas. Falta, entretanto, referencial teórico de ciência cognitiva para esses
funcionários, que são obrigados a usar de seu conhecimento empírico e de experiências
anteriores como base para a tomada de decisão.
Os ergonomistas têm pouca relação com o Cabin User Guide (CUG), que é o manual
de instruções entregue para o cliente com a aeronave, apesar de a atividade de
desenvolvimento do mesmo estar atribuída ao EDS. O CUG é elaborado após o produto já
105
estar pronto, o que significa que o CUG não tem utilidade para alinhar as expectativas de uso
com o desenvolvimento. Conforme encontrado em Dejean e Naël, 2007, as instruções, se
elaboradas no início do desenvolvimento, trazem à tona as necessidades de uso e as primeiras
idéias dos projetistas – de modo que servem como alinhamento das atividades de projeto
frente às expectativas do usuário final. Além disso, para o desenvolvimento do CUG, ainda
não há estudos sobre a adequação da linguagem, ordenamento dos textos, testes com usuários,
não se sabe quem e quantos dos usuários lêem e quando lêem. Enfim, não há análise
ergonômica do uso do mesmo.
Há muitas consultas informais ao time de ergonomia e ao EDS, observadas enquanto o
autor visitava a empresa. Estas consultas não podem ser desprezadas, e constituem atividades
desses profissionais. Essa é uma questão que pode ser estudada posteriormente, para avaliar se
estes contatos informais são suficientes para a transmissão dos conhecimentos e práticas, e se
há a necessidade de formalização destas consultas. A empresa já criou o cargo de
Representante Tecnológico, em uma tentativa de controlar esse tipo de consulta. Vemos pelo
referencial exposto anteriormente, porém, que o controle não inibe a colaboração informal,
nem oferece novas possibilidades se este representante não estiver dotado de ferramentas e
meios para consolidar diferentes consultas em projetos integrados.
As atividades do time de ergonomia têm um cunho mais antropométrico que
cognitivo, e este parece ser um tema de interesse para a melhoria de suas análises. Caberia ao
time de ergonomia estudar o interfuncionamento de diversos objetos de cabine – isto é, como
a presença de vários objetos na cabine interfere na biomecânica e na cognição do usuário.
Aliás, nem os times de produto e de ergonomia nem a gestão das modificações não
exploram a relação entre se adicionar um objeto à cabine e o conforto no ambiente. Esse novo
objeto proporciona novas atividades e se torna necessário estudar novos parâmetros
ergonômicos para isso. A introdução de novas tecnologias em uma cabine de avião, além de
facilitar as atividades que os passageiros normalmente executam, possibilita a realização de
novas atividades. Ou seja, a inclusão ou a retirada de objetos da cabine influencia a maneira
como passageiros e tripulação se relacionam e altera a percepção dos mesmos dentro da
cabine. Assim, a inclusão de novas tecnologias altera não só como o produto será utilizado,
mas os objetivos que os usuários terão ao interagirem com o mesmo. A tecnologia, por fim,
não pode ser considerada apenas como uma facilitadora para a execução das atividades, mas
como definidora da pertinência da mesma.
106
5.6 Sobre o envolvimento dos usuários no projeto do produto
O projeto dos objetos de cabine conduzido pelo time de produto em conjunto com a
ergonomia se assemelha muito ao modelo de Slack et al. (1995) pelo fato de ser linear, sendo
as necessidades do cliente provenientes dos gerentes dos programas (que recebe a demanda de
alguma área de atendimento ao cliente ou de inteligência de mercado). Tanto no modelo de
Slack et al. (1995) como no caso estudado, não há envolvimento do usuário final no
desenvolvimento do produto, salvo o contato com a inteligência de mercado que transmite as
necessidades do comprador (e não de todos os usuários)
O envolvimento do cliente (comprador) no projeto da aeronave acontece no momento
das escolhas da configuração interna da cabine, juntamente com o vendedor, e na escolha das
materiais internos e cores externas, em conjunto com a equipe de materiais. Parece não ser
relevante no contato com os vendedores quais serão as atividades que poderão ou não ser
realizadas dentro da cabine (como por exemplo, se será possível ligar a televisão a partir de
comandos da tripulação ou dos passageiros).
Os passageiros não estão envolvidos nem com o projeto do avião em si nem com os
objetos de cabine. O envolvimento dos usuários seria importante para detectar expectativas e
funcionalidades desejadas para aumentar o potencial de mercado da aeronave.
Além disso, o time de ergonomia não prevê as atividades futuras possíveis (através de
simulações, por exemplo), para verificar a usabilidade e utilidade da cabine.
Devido à falta de métricas e à falta de contato com os passageiros e com os
compradores das aeronaves, os times de ergonomia e de produto não ficam sabendo se o
projeto do produto foi bom ou não, não sabem se as atividades que foram imaginadas pelos
projetistas estão de fato sendo realizadas, se os usuários entenderam as propiciações
sugeridas, e se houve alguma adaptação do produto por parte dos usuários para a realização de
suas atividades. Desta forma, o trabalho dos mesmos não é avaliado pela satisfação dos
clientes ou dos usuários do avião.
A ergonomia não tem uma biblioteca de situações formalizada, com diversos estudos
de casos, atividades possíveis e soluções já encontradas para a realização de determinadas
atividades. Assim, segundo Shön (1994) apud Daniellou e Béguin (2007), gastariam menos
tempo de desenvolvimento e a solução poderia custar menos.
107
6 CONCLUSÕES
A partir deste trabalho foi possível investigar como são os processos de projeto de
produto na empresa, como a empresa está estruturada e quais são as áreas relevantes para o
projeto de cabines. Foi dado um enfoque na investigação das práticas da área de ergonomia de
interiores, com o intuito de entender onde a ergonomia se insere no projeto de cabine. O
entendimento de como cada área lida com o conforto durante seu trabalho e as relações de
compromisso que existem entre as áreas e as relações de compromisso entre o conforto e
outros critérios foram essenciais para compor uma imagem completa da organização.
A análise exposta anteriormente possibilitou vislumbrar algumas contribuições deste
trabalho para o projeto de cabines na empresa estudada.
A consideração de que a estrutura matricial parece ser apropriada para a empresa
permite explorar algumas vantagens, como a possibilidade de o time de ergonomia tentar
acompanhar o desenvolvimento do projeto da aeronave desde o início da concepção. Assim,
aumentar-se-ia o espaço para a proposta de sugestões que considerassem o conforto ainda em
fase de concepção e desenvolvimento inicial.
Além disso, o time de ergonomia precisa definir claramente os objetivos de
desempenho ergonômico para os projetos, a partir dos requisitos provenientes do DAP e de
outras áreas e também dos usuários - que, aliás, precisam ser envolvidos pelo time de
ergonomia.
A validação desses parâmetros e a compilação dos demais requisitos provenientes de
outras áreas da empresa poderiam ser realizadas por áreas não funcionais, como pelo grupo de
Projeto Integrado, na fase pré-programa, ou mesmo pela Gerência do Programa, quando o
mesmo já existir. É necessário que quando forem criados os pacotes de trabalho já estejam
explícitas a necessidade do projeto, as restrições já previstas, os critérios ergonômicos que
deverão ser respeitados e quais serão os indicadores para a mensuração da qualidade do
resultado entregue pelo projeto.
O alinhamento de todos os requisitos para o desenvolvimento do produto poderia ser
realizado pelos Integradores de Tecnologia, que se empenhariam em garantir que nenhum
108
critério estabelecido por outra área da empresa fosse prejudicado por um desenvolvimento
específico.
O cargo de Representante de Tecnologia, que surgiu há pouco na Gerência de
Conforto, é extremamente adequado para a estrutura matricial, pois privilegia um contato com
os mais diferentes projetos e áreas da empresa. O Representante do Design e Ergonomia deve
ser envolvido nos projetos em execução, para que critérios de conforto, usabilidade e
ergonomia sejam sempre levados em consideração.
É importante observar que não está sendo proposta nenhuma alteração na estrutura ou
no organograma da empresa, mas sim nos fluxos de desenvolvimento de projetos.
Como as áreas de design e ergonomia são recentes (pelo menos com essa formação
atual), a cultura por elas sugeridas pode não estar disseminada; por isso, cursos relativos aos
temas de conforto e ergonomia poderiam ser oferecidos aos demais funcionários da empresa.
Poderia ser aproveitada a experiência da Ergonomia de Fábrica, que já têm realizado tais
eventos com operadores da fábrica. Além disso, a ergonomia de interiores poderia realizar
análises de postura e forças em conjunto com a ergonomia de fábrica, que também já realiza
esta atividade - análises estas que são análogas e poderiam servir não apenas para os
funcionários que trabalham literalmente sobre o avião, mas também para os passageiros e
tripulação que estarão dentro dele. Haveria assim ganhos de experiência na execução dessas
análises e poderia ocorrer a padronização de softwares, das ferramentas utilizadas e do
formato dos resultados dessas análises.
A sugestão de parâmetros de conforto passa obrigatoriamente por um processo de
aprendizagem coletivo, que precisa ser discutido na prática. Isso implica em entender o que
significa o conforto para os usuários e para os projetistas.
Para entendermos as percepções do que seria a qualidade no produto, e o que o
tornaria confortável, é necessário que sejam explícitos os objetivos e os critérios de escolha de
alternativas de cada participante do projeto da aeronave. Uma sugestão para esse alinhamento
seria a realização de workshops com os diversos funcionários-envolvidos.
Para compreendermos o que significa conforto para os usuários, precisa-se investigar,
primeiramente quem são os usuários, quais são seus objetivos, quais são as atividades
vinculadas a cada um dos objetivos e quais são suas queixas de conforto.
Uma pesquisa de campo poderia ser realizada, em conjunto com companhias aéreas e
empresas de transporte executivo. Além disso, poderiam ser realizadas observações de vôos
109
reais, com a devida autorização dos passageiros, da tripulação, das empresas e autoridades
envolvidas.
A realização de simulações de situações de vôo pode ser interessante, haja vista a
dificuldade de realização de observações reais, e a possibilidade de inclusão de elementos ou
situações a serem testadas pelos coordenadores das simulações (com a criação hipotética de
fuga de emergência, por exemplo).
O time de ergonomia poderia construir uma biblioteca de situações, na qual estejam
descritas as atividades que podem ser realizadas pelos usuários. Assim, os ergonomistas
teriam detalhado quais são os contextos de cada atividade, que esforços são exigidos, quais
são as restrições e quais são as adaptações utilizadas pelos usuários para a realização dessas
atividades. Assim, conseguiriam vislumbrar de antemão quais seriam os formatos, os
materiais, as cores e as funcionalidades apropriadas de cada objeto de cabine para possibilitar
a realização das atividades. Se isso for feito, será possível deixar estudos já prontos antes do
surgimento das demandas, de tal modo que o time terá mais facilidade em atender a diversas
demandas simultâneas. Por exemplo, o time de ergonomia poderia prever o acesso de pessoas
com necessidades especiais, e já ter reunido soluções para atender a este requisito.
A realização de cursos relativos à cognição pode auxiliá-los a elaborar análises
cognitivas, podendo discutir as atividades dos usuários da cabine e suas dificuldades na
execução das tarefas. Isso poderia ajudá-los também a projetar produtos que sejam mais
tolerantes ao erro, mais confortáveis e prazerosos para os usuários.
Tendo em vista as conclusões e sugestões acima, o autor acredita que os objetivos
dessa pesquisa tenham sido atingidos – apesar dos contratempos e dificuldades – e que os
resultados obtidos podem abrir novas oportunidades de desenvolvimento sobre a consideração
do conforto em projetos de cabine de aviões, e podem oferecer subsídios para a continuidade
do projeto Embraer-FAPESP.
110
REFERÊNCIAS
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APÊNDICE A – Guias para as entrevistas
Roteiro 1 – Perguntas relativas à função
1. Conte-me sobre seu trabalho e sua área
2. O que é necessário para você fazer isso?
3. O que você entrega? Para quem?
4. Participa mais freqüentemente de algum Programa?
5. Em que momentos dessa atividade você pensa sobre conforto (ou a ergonomia)
para o passageiro?
6. Como seu trabalho é visto e avaliado? Você tem metas? Como você descobre se
seu trabalho ficou bom depois de entregue?
Roteiro 2 – Perguntas relativas aos projetos
1. Conte-me sobre seu trabalho e o programa do qual você participa.
2. O que é necessário para você fazer isso?
3. O que você entrega? Para quem?
4. Qual é a duração deste projeto? Quantas pessoas estão envolvidas? Há um
cronograma compartilhado?
5. Sua área funcional realiza reuniões para alinhamento? Há alguma filosofia de
trabalho?
6. Em que momentos dessa atividade você pensa sobre o conforto (ou a ergonomia)
para o passageiro?
7. Como seu trabalho é visto e avaliado? Você tem metas? Como você descobre se
seu trabalho ficou bom depois de entregue?