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A CONTEXTUALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES NO LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO 1 Marcio de Lana Abreu 1 Airton Carrião 2 1 UFMG/ICEX, [email protected] 2 UFMG/COLTEC, [email protected] RESUMO Este artigo apresenta uma análise dos contextos utilizados nas atividades de um livro didático de Matemática do ensino Médio, em particular as que abordam o tema funções. As categorias de contextos que utilizamos para classificar as atividades são: puramente matemático, semirrealidade, realidade, intradisciplinar e interdisciplinar. Descrevemos também o que os documentos curriculares, PCN+, PNLD, PCNEM orientam sobre a contextualização das atividades. Nossa análise revela que o livro didático apresenta uma concentração em um tipo de contextualização, que é o puramente matemático, bem distinto do que indicam os documentos, que recomendam que as atividades sejam contextualizadas no cotidiano do aluno. Palavras-chave: Livro Didático. Contextos das atividades. Contextualização. Documentos Curriculares. INTRODUÇÃO Este artigo é parte de um trabalho de pesquisa em que analisamos as atividades presentes em três livros didáticos de Matemática, selecionados pelo PNLD de 2015. Em particular, aqui faremos a análise de como são os contextos utilizados nas atividades em um desses livros e se estes estão de acordo com o que recomendam os documentos PCNEM e PCN+. No projeto de pesquisa foram analisados os livros, Matemática: Contexto & Aplicações de Luiz Roberto Dante; Matemática Ciência e Aplicações de Gelson Iezzi e et al; Matemática Ensino Médio e Kátia Stocco Smole e Maria Ignez Diniz. Porém, neste artigo, devido ao limite de espaço, iremos apresentar apenas a análise de um livro, Matemática: Contexto & Aplicações, pois é o livro mais comprado pelo FNDE, para distribuição em 2015, para o ensino médio no Brasil. O livro didático é destinado a dois públicos distintos o professor e o aluno, com funções distintas. O professor é o transmissor e mediador dos conteúdos e o aluno o receptor dos mesmos (SILVA JÚNIOR, 2007). O mesmo autor ainda descreve que o livro didático, é uma das formas de transmitir o conhecimento, nas escolas, para as próximas gerações. Desta forma, na relação entre professor e aluno, podemos incluir o livro, pois este participa do dialogo entre dois sujeitos do aprendizado (BRASIL, 2014). Sendo o livro, o “portador de escolhas sobre: o saber a ser estudado; os métodos adotados para que o aluno consiga aprende-lo mais eficazmente” (BRASIL, 2014). 1 Este trabalho foi financiado pela FAPEMIG, através de bolsa de PROBIC para o primeiro autor.

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A CONTEXTUALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES NO LIVRO

DIDÁTICO DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO1

Marcio de Lana Abreu1

Airton Carrião2

1UFMG/ICEX, [email protected]

2UFMG/COLTEC, [email protected]

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise dos contextos utilizados nas atividades de um livro

didático de Matemática do ensino Médio, em particular as que abordam o tema funções. As

categorias de contextos que utilizamos para classificar as atividades são: puramente

matemático, semirrealidade, realidade, intradisciplinar e interdisciplinar. Descrevemos

também o que os documentos curriculares, PCN+, PNLD, PCNEM orientam sobre a

contextualização das atividades. Nossa análise revela que o livro didático apresenta uma

concentração em um tipo de contextualização, que é o puramente matemático, bem distinto

do que indicam os documentos, que recomendam que as atividades sejam contextualizadas

no cotidiano do aluno.

Palavras-chave: Livro Didático. Contextos das atividades. Contextualização. Documentos

Curriculares.

INTRODUÇÃO

Este artigo é parte de um trabalho de pesquisa em que analisamos as atividades

presentes em três livros didáticos de Matemática, selecionados pelo PNLD de 2015. Em

particular, aqui faremos a análise de como são os contextos utilizados nas atividades em

um desses livros e se estes estão de acordo com o que recomendam os documentos

PCNEM e PCN+.

No projeto de pesquisa foram analisados os livros, Matemática: Contexto &

Aplicações de Luiz Roberto Dante; Matemática – Ciência e Aplicações de Gelson Iezzi e

et al; Matemática – Ensino Médio e Kátia Stocco Smole e Maria Ignez Diniz. Porém, neste

artigo, devido ao limite de espaço, iremos apresentar apenas a análise de um livro,

Matemática: Contexto & Aplicações, pois é o livro mais comprado pelo FNDE, para

distribuição em 2015, para o ensino médio no Brasil.

O livro didático é destinado a dois públicos distintos o professor e o aluno, com

funções distintas. O professor é o transmissor e mediador dos conteúdos e o aluno o

receptor dos mesmos (SILVA JÚNIOR, 2007). O mesmo autor ainda descreve que o livro

didático, é uma das formas de transmitir o conhecimento, nas escolas, para as próximas

gerações. Desta forma, na relação entre professor e aluno, podemos incluir o livro, pois

este participa do dialogo entre dois sujeitos do aprendizado (BRASIL, 2014). Sendo o

livro, o “portador de escolhas sobre: o saber a ser estudado; os métodos adotados para que

o aluno consiga aprende-lo mais eficazmente” (BRASIL, 2014).

1 Este trabalho foi financiado pela FAPEMIG, através de bolsa de PROBIC para o primeiro autor.

O livro didático representou uma evolução do modo de ensinar, pois o aluno passou

a ter em mãos um material que traz o conhecimento matemático considerado importante de

ser aprendido. Todos os povos tentam preservar sua cultura, e a transmissão para as futuras

gerações se dá de várias maneiras. Ao longo dos anos, registrar o conhecimento de forma

escrita, passou a ser uma das formas importantes de preservação e transmissão. Esse

registro escrito passou por varias mudanças, desde antes da invenção do papel, quando esta

reprodução era bastante difícil, até uso da imprensa em larga escala. Segundo Silva Junior,

“o surgimento da imprensa dá um novo rumo à produção de livros textos para fins de

ensino, pois barateou os custos das cópias, e o armazenamento dessas, passou a ser

facilitado, com os formatos dos impressos” (2007, p.15-16). O papel e o livro passam de

um artigo de luxo a um produto acessível ao publico, devido a seu barateamento.

Muitas vezes o livro é o único material didático que o aluno tem contato no

processo de aprendizagem. Além disso, como apontam Dante (1996) e Vilela e Fonseca

(2014), o livro tem influenciado o trabalho e planejamento das aulas de muitos professores,

sendo muitas vezes o único meio utilizado. Como o livro didático tem uma proposta de

ensino-aprendizado bem definida, isso pode influenciar o trabalho dos professores na sala

de aula (DANTE, 1996). Logo analisar o livro didático, ajuda a entender como são

conduzidas as aulas em grande parte das escolas.

Apesar de o livro didático ser um importante instrumento, não deve ser a única

ferramenta para o professor, pois existem outras que podem ser utilizadas em sala de aula.

Segundo Dante (1996), o foco não deve ser o livro e o conteúdo contido nele, mas o

aprendizado do aluno, pois essa prática pode dificultar o aprendizado do aluno, tornando as

aulas menos interessantes, e assim reduzir a interação entre o professor e o aluno. Ou seja,

o livro didático não deve ser a única forma de o professor planejar suas aulas, o livro deve

servir como auxilio, para sua consulta (DANTE, 1996), e (BRASIL, 2014).

Segundo o PNLD uma das competências importantes para o ensino de Matemática

é a resolução de problemas, pois o aluno deve desenvolver estratégias e capacidades de

decisão. Assim a resolução de problemas é uma estratégia importante na educação do

aluno. A resolução de problemas, além de ajudar o aluno a criar estratégias, possibilita o

desenvolvimento de linguagem e comunicação, tomada de decisões; hábitos de

investigação; capacidade de argumentação; desenvolvendo habilidade de leitura e

interpretação da realidade e de outras áreas de conhecimento. Dessa forma nestas

atividades, o aluno está se preparando para resolver situações novas, que serão colocadas

dentro e fora da escola. (BRASIL, 1999).

As atividades de resolução de problemas podem se tornar desafiadoras para o

aluno, podendo se relacionar a diferentes conhecimentos em situações diversas e

instigantes, tendo o aluno a pensar por si mesmo e perseverar na busca de solução

(BRASIL, 2000). As atividades utilizadas na resolução de problemas, sempre apresentam

um contexto, logo analisá-los é de suma importância para sua relação com o aprendizado

do aluno.

Atividades contextualizadas podem ser um atrativo para o aluno, em particular,

quando se relacionam com fatos do cotidiano do aluno. Segundo o PCNEM (BRASIL,

1999) o ensino de Matemática deve explorar atividades contextualizadas, principalmente

desenvolvendo a interdisciplinaridade. Podendo também relaciona-las, além da própria

matemática, com varias ciências, tecnologia, técnicas, realidades e a realidade do aluno. As

atividades contextualizadas têm potencial do uso de um tema especifico “permitir

conexões entre diversos conceitos matemáticos e entre diferentes formas de pensamento

matemático” (BRASIL, 1999, p.38), com aplicações internas e externas a Matemática.

Então para o aluno as atividades contextualizadas desenvolvem competências e

habilidades para a sua formação, favorecendo a compreensão e interpretação de situações,

não só na escola, mas no âmbito geral, a apropriação de linguagem especifica e a analise e

avaliação de situações problemas (BRASIL, 2000).

Nos livros didáticos do ensino médio, há uma concentração no estudo de funções,

no livro do primeiro ano, com cerca de 60% do texto são dedicados a esse campo

(BRASIL, 1999). Os documentos oficiais mostram a importância de se estudar funções e

quais as habilidades que o aluno desenvolve para esse estudo. Segundo eles, com o

conceito de função os alunos adquirem conexão entre vários campos de conhecimento,

além de ajudar no estudo de fenômenos em outras ciências, conseguindo ainda fazer

ligação entre conteúdos na própria Matemática. (BRASIL, 2014) e (BRASIL, 1999).

Além disso, o aluno aprimora habilidades importantes, como a interpretação, leitura

e construção de gráficos. Esse estudo se torna também necessário para, “buscar a solução,

ajustando seus conhecimento”, “para construir um modelo para interpretação e

investigação em Matemática” (BRASIL, 1999) e também modelar situações em outras

áreas de conhecimento. (BRASIL, 2000).

Consideramos pelo que foi exposto, que estudar a contextualização das atividades

presentes nos livros didáticos de Matemática é importante para compreendermos vários

aspectos da aula de Matemática, e para tanto optamos por analisar os capítulos que

exploram o conceito de função, que é um tema importante e que contribui com a integração

com outras áreas, como afirmam os documentos oficiais.

A CONTEXTUALIZAÇÃO

As atividades usadas em sala de aula, ou mesmo no livro didático, podem, ser bem

distintas, e para Skovsmove (2000) elas são dividas, quanto à abordagem, em dois casos, o

paradigma do exercício e o cenário para investigação. No paradigma do exercício as

atividades têm uma resolução mecânica, pois o aluno já observou um exemplo que foi

resolvido anteriormente no livro didático, ou pelo professor. Desse modo, o aluno apenas

reproduz o procedimento, já sabendo de antemão como fazer as atividades, ocorrendo

assim um aprendizado mecânico (SKOVSMOVE, 2000). Para esse autor, a educação

tradicional se enquadra no paradigma do exercício.

Já o cenário de investigação é o oposto desse paradigma, Skovsmove (2000)

descreve que nele “os alunos são convidados a se envolverem em processos de exploração

e argumentação justificada” (p.1). Nestas atividades, o aluno se envolve mais, tendo um

papel central. Nos dois casos os papeis do professor e do aluno são distintos: no paradigma

do exercício o papel do professor é central na aula, já no cenário de investigação o centro é

o aluno.

O paradigma do exercício organiza a aula com certa „rotina‟: exposição do tema,

exemplo resolvido e exercícios de fixação, que são semelhantes aos exemplos dados.

Os exercícios são formulados por uma autoridade externa à sala de aula.

Isso significa que a justificação da relevância dos exercícios não é parte

da aula de matemática em si mesma. Além disso, a premissa central do

paradigma do exercício é que existe uma, e somente uma resposta

correcta. (SKOVSMOVE, 2000, P.1)

Consideramos que os livros didáticos analisados podem ser classificados como

paradigma do exercício. Por exemplo, no livro de Dante (2013) a metodologia de ensino e

aprendizagem é apresentada da seguinte forma: os conteúdos são expostos por situações

contextualizadas e/ou históricas; teorias e definições, exemplos exercícios resolvido e

exercícios propostos. (BRASIL, 2014).

Segundo Ponte (1995) o uso de atividades investigativas facilita a compreensão do

aluno. Para esse autor as atividades investigativas “constituem uma oportunidade de

promover, junto dos alunos, processos matemáticos característicos amiúde esquecidos no

processo de ensino-aprendizagem” (p.1). Ponte, citando Lerman (1989), destaca que “a

matemática é identificada por modos particulares de pensar, conjecturar, procurar

contradições formais e informais, etc., e não pelo „conteúdo‟ específico”.

Skovsmose (2000) classifica as atividades quanto ao seu contexto em três tipos:

matemática pura, semirrealidade, realidade. O contexto da matemática pura é descrito por

ele quando “questões e actividades matemáticas podem se referir à matemática e somente a

ela” (p.7). Outro contexto, definido por Skovsmose é a semirrealidade, que “não se trata de

uma realidade que 'de fato'”, mas de “uma realidade construída”. Por fim, o terceiro tipo de

contextualização, segundo Skovsmose é a Realidade, onde “alunos e professores podem

trabalhar com tarefas com referencias a situação da vida real” (p.7). Assim, estes três

contextos se combinam com as duas formas de abordagens: paradigma do exercício e

cenário para investigação, gerando seis diferentes classificações para elas. A seguir, vamos

descrever alguns exemplos de contextos, com algumas das suas características.

Nas atividades onde o contexto é a matemática pura, o aluno deve executar um

procedimento para encontrar a resolução. O enunciado da atividade, não tem referencia ao

cotidiano do aluno, sendo interna à matemática, usando somente: sinais, símbolos,

números e letras. Como exemplo, de atividades que classificamos o contexto como

matemática pura, usaremos uma apresentada pelo próprio Skovsmose: “(27a - 14b) + (23a

+ 5b) - 11a =” (SKOVSMOSE, 2000, p. 8).

Para a semirrealidade, Skovsmose apresenta o seguinte exemplo:

Um feirante A vende maçã a 0,85 € o Kg. Por sua vez, o feirante B vende

1,2 Kg por 1,00 €.

(a) Que feirante vende mais barato.

(b) Qual é a diferença entre os preços cobrados pelos dois feirantes por

15 Kg de maças?

(SKOVSMOSE, 2000, p.8)

Nesta atividade mesmo, tendo “maçãs, compra, preço”, provavelmente a situação

não emergiu cotidiano de quem vai resolvê-la, podemos considerar, com alguma

dificuldade, que comprar 15 Kg de maças possa ser relevante em certo contexto, para

alguns alunos, porém não em geral. Logo a semirrealidade é uma “situação artificial”,

apenas com referência na realidade, criada pelo autor, no nosso caso do livro didático. Na

semirrealidade alguns dados não são importantes e nem são comentados na atividade

proposta, como por exemplo, quem são os feirantes, a qualidade da maçã e todos os demais

elementos do contexto envolvidos na atividade, como cita o autor, “nenhuma outra

informação é relevante para resolução do exercício, mais informações são totalmente

irrelevantes, o único proposito de apresentar o exercício é resolvê-lo.” (2000, p. 9).

Para atividades baseadas na vida real, Skovsmose da o seguinte exemplo,

[...] diagramas representando o desemprego podem ser apresentados

como parte de um exercício, e, com base neles, podem ser elaborados

questões sobre períodos de tempos, países diferentes, etc. Todos os

diagramas utilizados vêm da vida real, oferecendo uma condição

diferente para a comunicação entre professor e os alunos, uma vez que

agora faz sentido questionar e suplementar a informação dada pelo

exercício. (2000, p.9-10).

Além dessas três contextualizações, usadas por Skovsmose, vamos utilizar mais

duas formas contextualizações, pois consideramos que as três categorias apresentadas, não

abrangem todas as atividades no livro didático. Duli (2014), citando Spinelli, destaca três

outros tipos de contexto para as atividades: uso da Historia da Matemática, a

interdisciplinaridade e a intradisciplinaridade. Utilizaremos, neste trabalho apenas os dois

últimos, pois não encontramos a ocorrência de atividades contextualizadas na História.

Segundo Duli (2014), “Contextualizar na Interdisciplinaridade trata-se de fazer a

ligação dos conhecimentos da própria matemática com os demais conceitos das disciplinas

da grade curricular” (p.53). Onde podemos destacar disciplinas como Física, Biologia,

Química, Geografia e etc. Assim, “as abordagens interdisciplinares acontecem nas

atividades matemáticas nas quais o aluno é chamado a lidar com informações de outras

disciplinas” (DULI, 2014. p.53).

Já a contextualização intradisciplinar, segundo Duli, é a utilização de “contextos

que estabelecem a ligação de um determinado conteúdo com outros campos dentro da

própria Matemática” (p.53). Nessa forma de contextualização, o aluno é chamado a lidar

com informações que relacionam diferentes campos da matemática.

ANALISE DO LIVRO

A seguir analisaremos o livro Matemática: Contexto & Aplicações (DANTE,

2013), observando as atividades segundo o contexto utilizado. Ressaltamos que

classificamos todas as atividades apresentadas no livro no paradigma do exercício, pois

sempre estas se encontram na sequência da apresentação do conteúdo e de exemplos.

A tabela abaixo mostra a distribuição das atividades segundo o contexto, nos

capítulos que abordam as funções. A distribuição é apresentada pelo em número total e

porcentagem de ocorrência.

Tabela 1 – Distribuição das atividades por contextualizadas

Puramente

Matemáticos

Semirrealidade Realidade Intradisciplinar Interdisciplinar Total de

atividades

Total

por contexto

290 53 25

35 48 451

Porcentagem 64,3 % 11,75% 5,5% 7,75% 10,7% 100%

Observamos que as atividades por contexto não apresentam uma distribuição

uniforme. Há no livro analisado certa tendência para a contextualização puramente

matemática, sendo que as demais são menos privilegiadas.

Vamos agora descrever algumas características das atividades apresentadas em

Dante (2013), em cada categoria descrita pelas formas de contextualizações: Puramente

matemático, Semirrealidade, Realidade, Intradisciplinar, Interdisciplinar. Apresentaremos

um exemplo de cada contexto, descrevendo o conteúdo matemático envolvido e as

características principais. Notamos que uma das características comuns a todas as

contextualizações são o uso de gráficos, tabelas, e fórmulas.

O livro apresenta atividades contextualizadas no que definimos como contexto

puramente matemático, que são caracterizadas por se referirem a matemática e somente a

ela, ou seja, não possuem relação com o cotidiano. Estas são as atividades mais numerosas

Fonte: elaborado pelos autores

do livro, em um total de 451 atividades, 290 são classificados como puramente

matemáticos, ou seja, 64,30% do total. Destaca-se que existem algumas atividades em que

o aluno tem que discutir questões teóricas a respeito do conteúdo estudado, com isso ele

tem de rever as definições, ou propriedades, trabalhadas. As características especificas

desse contexto para as atividades nesse livro são: completar tabelas; utilizar a definição,

propriedades ou conceitos matemáticos; verificar a função; encontrar uma expressão ou

equação; calcular a taxa de variação; determinar a equação da reta; resolver inequações;

encontrar as raízes de uma função; estudar as funções e a intercessão de gráficos;

operações com funções; resolver sistema de equações; determinar mudança de base. Outra

característica são os comandos utilizados: resolva, determine, calcule, reduza, simplifique,

encontre, observe; construa o gráfico; análise de gráficos.

Como exemplo, vamos analisar uma atividade envolvendo a função exponencial.

Para a sua resolução o aluno tem que saber fazer algumas interpretações necessárias para a

resolução desta atividade. Nela o cotidiano do aluno não aparece, temos somente

elementos da matemática a serem interpretados.

Figura 1: Atividade no contexto puramente matemático.

Nesta atividade o aluno deve deixar as desigualdades de potencias com a mesma

base; analisar se a base é maior, ou menor, que um (para manter, ou inverter, o sentido da

desigualdade); o aluno deve encontrar os valores que satisfazem a desigualdade,

resolvendo a equação; com os valores encontrados, representar a solução da desigualdade

na reta numérica; e por fim mostrar qual é o conjunto solução da desigualdade. Portanto,

utiliza-se somente de conceitos matemáticos e sua linguagem.

Algumas atividades apresentam um contexto que definimos como semirrealidade,

elas são relacionadas com o cotidiano, porém são criadas e não emergem de contexto real.

Nelas o autor explora, para criar as atividades, situações que podem ou não ter ocorrido, é

uma realidade construída a partir de elementos são próximos ao cotidiano do aluno. No

livro analisado esse contexto é o segundo mais utilizado, com cerca de 11,90%. Alguns

contextos que o autor usa para construir esse tipo de atividade no livro são: taxa

desemprego; previa eleitoral; produção de algum material; escolha do plano de saúde;

aluguel de um carro; vazão de uma torneira; desvalorização de algum produto; compra de

produtos; venda de passagens de ônibus; meteorologia; campo de futebol; bola de futebol;

empréstimo de dinheiro; unidades vendidas de um produto; porcentagem de indivíduos em

um país. Nota-se a grande variedade de contextos utilizando a semirrealidade.

Classificamos a atividade abaixo como semirrealidade. Ela apresenta uma realidade

construída, onde os dados fornecidos são os únicos necessários para a resolução. Nesse

contexto uma empresa produz trufas de chocolate e o aluno deve escrever um modelo

matemático que descreva o lucro.

Fonte – DANTE, 2013, p. 169

Figura 2: Atividade no contexto da semirrealidade.

O aluno deve perceber que a empresa tem dois modos de custo, que são chamados

de dependente e independente das quantidades vendidas. Depois deve escrever uma

expressão do custo de produção que considere a soma entre custo dependente (R$0,50 a

unidade) e o independente (R$1500,00). Por fim, deve perceber que a expressão do lucro é

a diferença entre a total da venda e o custo. Ou seja, o aluno tem de utilizar conhecimentos

como lucro, custo, ganho, que não são puramente matemáticos, para resolver a atividade.

Há atividades contextualizadas em fatos que ocorreram na vida real, mesmo que

não no cotidiano próximo do aluno, nesse caso como definimos anteriormente vamos

considerar essas atividades como contextualizados na Realidade. Sua caracterização geral é

contextos reais, que apresentam gráficos, tabelas e formulas. No livro analisado,

normalmente, essas atividades se referem a alguma matéria publicada em jornais ou

revistas, sites ou até mesmo algum livro ou artigo. O livro apresenta uma seção nomeada

“Outros contextos”, nela temos atividades contextualizadas na Realidade, os textos

relacionados são fatos reais, como por exemplo: obesidade; população brasileira; o

acidente radioativo com césio 137 no Brasil; Terremotos e Tsunami. Nestes textos o autor,

descreve um pouco sobre o tema abordado, como calcular alguma variação, desenvolvendo

algumas atividades utilizado o texto. As atividades, em geral, são: Trabalhe com o texto,

pesquisando e discutindo, veja mais sobre o assunto. E nestas atividades, o aluno vai

aplicar o conteúdo matemático que está estudando relacionando com o ocorrido. Assim, o

autor procura ligar o conteúdo matemático a fatos reais, estabelecendo uma relação entre a

matemática e o cotidiano. Em outras seções as características dos exercícios são

basicamente a mesma, mudando somente o assunto da atividade: previsão do crescimento

demográfico na América Latina; terremoto Kobe; barulho de vuvuzelas na copa do mundo.

Vamos analisar uma atividade sobre a obesidade para exemplificar as atividades

que apresentam como contexto a realidade. Esta é a atividade que mais aproxima da

realidade de todos os alunos, pois a discussão sobre obesidade é de utilidade publica.

Como veremos vários jovens e adultos sofrem com isso, a atividade trás uma introdução do

que seria a obesidade, todo o mal que ocorre no organismo humano e a relação da

obesidade com outras doenças. Um dos parâmetros utilizados para ver se a pessoa é obesa

é o IMC, mesmo não sendo exato em alguns casos. No texto relacionado à obesidade,

temos o quadro de crescimento da obesidade no Brasil desde 2006. É descrito, que tipo de

alimentação prejudica, o ajuda, a saúde. Um gráfico compara o número de homens e

mulheres, adultos, em porcentagem que são obesos e com excesso de peso, com o calculo

do IMC. O texto discute sobre gordura e aonde se tem a maior concentração no corpo

humano.

Fonte – DANTE, 2013, p. 88

Figura 3: Atividade no contexto realidade.

Nesta atividade o aluno irá trabalhar com o texto, procurando o significado de

palavras desconhecidas; calcular e analisar o IMC de uma pessoa; o aluno irá pesquisar e

discutir sobre obesidade e responder algumas perguntas. Devemos observar que, quando o

se traz um fato da realidade para uma atividade, pode explorar a relação dele com a

matemática. Porém, o autor não o faz, mesmo quando a resposta envolve com conceitos

matemáticos, o não aproveita o potencial que tema tem para se explorar mais conceitos

matemáticos. O trabalho com a atividade matemática é superficial, tendo apenas o objetivo

de auxiliar o contexto social, não se discute a aproximação entre o modelo matemático e o

fenômeno estudado.

Existem atividades contextualizadas na própria matemática, que tem se relacionam

com outros temas da matemática, que chamamos de contextualização Intradisciplinar. As

características gerais são o uso de tabela, gráfico e formula. As atividades com contexto

intradisciplinar exigem que o aluno tenha algum conhecimento sobre o outro conteúdo

matemático envolvido, para a compreensão e resolução. Os conteúdos que são mais

utilizados para as atividades intradisciplinares são: calculo de área, perímetro e capacidade;

Fonte - DANTE, 2013, p. 66-67

sequencias, P.A. e P.G; elementos de uma circunferência; retas paralelas; área de uma

figura; polígonos, retângulo áureo; sequencia e razão de uma P.G; juros compostos.

Um exemplo de uma atividade intradisciplinar, relacionada com o cálculo do

numero de ouro. Na natureza temos vários exemplos onde podemos observar a proporção

áurea, como nas artes e nas construções. A atividade a seguir relaciona proporção e a

equação, usando a construção como citação.

Figura 4: Atividade no contexto intradisciplinar.

Nesta atividade, com a relação do retângulo entre comprimento e largura, temos um

retângulo áureo, assim com a equação φ2+φ-1 = 0, em que a raiz positiva é o numero de

ouro. O aluno para resolver está atividade deve calcular as raízes, e como já foi descrito a

raiz positiva é o número que procuramos.

No livro, são apresentados exercícios com contextualização em outras disciplinas, o

que definimos como Interdisciplinar. As disciplinas utilizadas são: Química, Física,

Biologia, Geografia e Ciências Sociais. As atividades podem conter, além do conteúdo

matemático, conceitos de uma, ou mais, das disciplinas. Podemos destacar algumas

características que apresentam essas atividades interdisciplinares, elas podem ser bem

abrangentes, pois tais disciplinas se utilizam de conteúdos matemáticos para resolução de

uma grande variedade de problemas. Destacamos alguns exemplos de usos em atividades:

Geografia: conhecimento cartográfico (latitude e longitude); Biologia: cálculo da

frequência cardíaca, crescimento no número de animais na fauna brasileira em extinção,

modelo para avaliar a altura de uma criança, número ou taxa de crescimento de uma

bactéria, meia vida de uma substancia, altura média do tronco de arvore, espécies em

extinção no Brasil, população de microrganismo no solo, teoria evolucionista de Darwin,

medicina nuclear; Química: núcleo atômico radioativo, radioatividade, carbono 14 presente

no corpo, átomos de elemento químico radioativo, ph de uma solução, desintegração de

uma substância, substancia radioativa, quantidade de nicotina, perda de massa de um

material radioativo; Física: distância entre lugares, velocidade de um corpo, posição do

veiculo, trajeto retilíneo, transformador de energia, trajetória e lançamento de uma bola,

distancia e velocidade de um móvel, partícula em movimento, potencia de chuveiro

elétrico, leis de resfriamento de Newton e ou entre dois corpos, pressão atmosférica,

intensidade de um terremoto; Ciências Sociais: como se espalha um boato, ou noticia.

Fonte – DANTE, 2013, p. 112

Alguns casos envolvem várias disciplinas como: Química e Física: fusão e ebulição;

Química, Biologia e Geografia: Sequestro de carbono.

As atividades normalmente não seguem um padrão, sendo bem variadas, como

podemos perceber acima. Mas, normalmente, envolvem gráficos, tabelas e formulas que

são utilizados para compreensão, facilitar leitura e para resolução dos problemas.

Vamos analisar uma atividade que classificamos como interdisciplinar. Ela foi

extraída do Enem e aborda a magnitude de terremotos, que tem escala MMS denotada com

Mw. Está escala substitui a escala Richter para medir a magnitude de terremotos, sendo

atualmente utilizada para medir os grandes terremotos.

Figura 5: Atividade no contexto interdisciplinar.

A escala MMS é logarítmica e é dada pela formula Mw = - 10,7 +2/3 log10(M0),

onde Mw é a magnitude do terremoto e M0 é o momento sísmico.

Na atividade é dado o valor da Magnitude do terremoto Kobe Mw = 7,3, e se deve

calcular o momento sísmico M0. O aluno para encontrar a resposta deve apenas substitui os

valores na expressão e calcular M0.

CONCLUSÕES

Na analise sobre as atividades, apresentamos cinco formas de contextualizações,

que são: Puramente Matemático; Semirrealidade; Realidade; Intradisciplinar;

Interdisciplinar. Analisamos as atividades do livro didático de Dante (2013), classificando

e apresentado exemplos de cada contexto identificado.

O livro didático apresenta os cinco contextos, mas a distribuição dos 451 atividades

analisadas se concentra em um dos contextos, são 64,3% classificadas no contexto

puramente matemático. Já outros contextos como semirrealidade, com um total de 11,75%;

realidade, com um total de 5,50%; intradisciplinar, com um total de 7,75% e

interdisciplinar, com um total de 10,70%, são pouco explorados pelo autor.

Segundo os documentos curriculares nacionais (PCN+/ PNLD/ PCNEM) as

atividades devem ter contextos próximos ao cotidiano do aluno, pois elas desenvolvem

habilidades que são essenciais para formação do aluno (BRASIL, 2000). Outra opção é a

contextualização em temas interdisciplinares (BRASIL, 2014). Podemos concluir que a

opção preferencial de contextualização adotada pelo livro analisado, pouco se aproxima do

recomendado nos documentos oficiais.

Além disso, a estratégia didática adotada pelo livro pode ser associada ao

paradigma do exercício, o que também contraria o que os documentos apontam. Segundo

eles as atividades devem ser baseadas em uma lógica próxima do que Skovsmove (2000)

chama de cenário investigação.

Fonte - DANTE, 2013, p. 197

Neste sentindo, nossa pesquisa conclui que o livro didático analisado não atende o

que é indicado nos documentos, sobre como devem ser contextualizadas as atividades, pois

neles o foco dos contextos deveria ser mais próximo ao cotidiano do aluno, o que não

ocorre no livro analisado.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.

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