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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES Relatório final CNPQ/PIBIC Projeto TEATRO AMADOR A contribuição dos grupos amadores de teatro para a vida cultural da cidade de São Paulo apesar da censura e o controle do Estado. Luciana Penas da Silva Bolsista Profa. Dra. Roseli Fígaro Orientadora São Paulo, agosto de 2011

A contribuição dos grupos amadores de teatro para a vida cultural da cidade de … · 2014-01-30 · doutores, doutores, mestrandos, graduandos e bolsistas de pré-iniciação científica

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

Relatório final CNPQ/PIBIC

Projeto

TEATRO AMADOR

A contribuição dos grupos amadores de teatro para a

vida cultural da cidade de São Paulo apesar da censura

e o controle do Estado.

Luciana Penas da Silva

Bolsista

Profa. Dra. Roseli Fígaro

Orientadora

São Paulo, agosto de 2011

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Sumário

1 - Introdução ................................................................................................................. 3

Apresentação ............................................................................................................. 3

Descrição do grupo de pesquisa ............................................................................. 3

Descrição do eixo de pesquisa ....................................................................... 4

Recorte do objeto ........................................................................................... 4

2- Atividades Desenvolvidas ........................................................................... 5

Participação em Seminários e Simpósios ....................................................... 5

Seminário Internacional Comunicação e censura ....................................... 5

SIICUSP ...................................................................................................... 6

Segundo Seminário de Pesquisa ................................................................ 6

Treinamento e Catalogações .......................................................................... 7

Reuniões do núcleo ........................................................................................ 8

Reuniões do Eixo temático ............................................................................. 9

Entrevistas .................................................................................................... 10

Pascoal da Conceição............................................................................... 10

Toninho Macedo ....................................................................................... 11

Celso Frateschi ......................................................................................... 11

Hilda Breda (Regina Pacis) ....................................................................... 11

Projeto Cinema na Biblioteca (pesquisa e extensão cultural) ....................... 12

Dificuldades Encontradas ............................................................................. 12

3- A contribuição dos grupos amadores de teatro para a vida cultural da cidade de São Paulo apesar da censura e o controle do Estado ..................... 14

Introdução ..................................................................................................... 14

Objetivos ................................................................................................... 14

Metodologia ............................................................................................... 15

Contextualização ....................................................................................... 17

O teatro amador em São Paulo nas décadas de 30 a 70 ............................. 19

O teatro amador de 1970 a 1980 .................................................................. 27

O controle do Estado sobre o Amador .......................................................... 32

Do amadorismo ao profissionalismo ............................................................. 41

Considerações finais .................................................................................... 44

Referências bibliográficas ................................................................................ 46

Anexos ............................................................................................................. 50

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1 - Introdução

Apresentação

O Arquivo Miroel Silveira guarda pouco mais de seis mil processos de

censura feitos entre os anos de 1930 e 1970.

A política da censura às diversões públicas, aí incluído o teatro, era

realizada nos estados da federação. As secretarias de segurança pública

controlavam a censura. Em São Paulo, dentro da Secretaria, o responsável era

o Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo (DDP-SP).

Todos que quisessem representar uma peça dentro do estado de São Paulo

deveriam enviar uma solicitação ao DDP, que emitiria um certificado liberando,

vetando ou fazendo cortes na peça para a apresentação.

Os processos foram trazidos do Departamento Estadual de Imprensa e

Propaganda (DEIP-SP) para a Universidade de São Paulo em 1988, pelo Prof.

Dr. Miroel Silveira, após a extinção da censura prévia ao teatro. Ele utilizou os

processos para a sua tese de doutorado, porém ainda não sabia da riqueza e

abrangência dos documentos.

Após seu falecimento, os processos ficaram na biblioteca da Escola de

Comunicações e Artes (ECA-USP). Hoje eles têm sala própria na ECA,

pertencem ao acervo da Biblioteca, e o arquivo foi batizado de Arquivo Miroel

Silveira (AMS). A partir da redescoberta dos processos da censura, Maria

Cristina Castilho Costa, foi quem primeiro debruçou-se sobre eles, dando

origem, posteriormente, ao Grupo de Pesquisa do Arquivo Miroel Silveira.

Atualmente, esse grupo adquiriu o status de Núcleo de Pesquisa em

Comunicação e Censura da USP (Comunicação e Censura – análise teórica e

documental de processos censórios a partir do Arquivo Miroel Silveira da

Biblioteca da ECA/USP Comunicação).

Descrição do grupo de pesquisa

O Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura surgiu a partir dos

projetos realizados sobre o Arquivo Miroel Silveira. O núcleo é interdisciplinar e

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se dedica a estudar temas como a censura e a liberdade de expressão nos

meios de comunicação e artes, tais como televisão, cinema, jornais, rádios e

principalmente o teatro.

O Projeto Temático Comunicação e Censura: análise teórica e

documental de processos censórios a partir do Arquivo Miroel Silveira da

biblioteca da ECA-USP atualmente é dividido em três eixos temáticos. Maria

Cristina Castilho Costa coordena o eixo Comunicação, Censura e Liberdade de

Expressão no Mundo Contemporâneo. A Profª. Drª. Mayra Rodrigues, por sua

vez, coordena o eixo Liberdade de Expressão: Manifestações no Jornalismo. O

último eixo é Censura, Mídias e Teatro Amador: Antropofagias e Mestiçagens,

orientado pela Profª. Drª. Roseli Fígaro.

Descrição do eixo de pesquisa

O Arquivo Miroel Silveira contém um número abundante de peças

encenadas por grupos que não fizeram parte do grande circuito de teatro

comercial. A partir destas peças a Profª. Drª. Roseli Fígaro começou a estudar

o teatro amador e sua relevância dentro da sociedade. Destes estudos surgiu o

primeiro projeto sobre os amadores: Na cena paulista, o amador, que resultou

no lançamento do livro Na cena paulista, o teatro amador, circuito alternativo e

popular de cultura (1927 - 1945), no ano de 2008. Em breve (setembro/2011)

outro livro será publicado Teatro, comunicação e sociabilidade. Uma análise da

censura ao teatro amador em São Paulo (1946-1970).

Recorte do objeto

Inserido no eixo de pesquisa apresentado está este projeto de pesquisa

que foi intitulado “A contribuição dos grupos amadores de teatro para a vida

cultural da cidade de São Paulo apesar da censura e o controle do Estado”. Os

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projetos anteriores estudaram o teatro amador nas décadas de 1930 a 1970, a

partir deste ano as pesquisas iniciaram os estudos das atividades do circuito

popular a partir da década de 1970. O recorte dos anos foi decidido, pois as

mudanças culturais e políticas ocorridas a partir do final da década de 1980 são

refletidas no teatro amador, assim podendo ser tema de um próximo projeto de

pesquisa.

Além disto, foi decidido explorar mais as ações do Estado em relação

aos grupos amadores, assim como a presença de artistas que fizeram parte do

amadorismo e hoje são profissionais inseridos nas áreas culturais. Muitas

atividades da pesquisa foram desenvolvidas juntamente com Verônica

Rodriguez, também bolsista de iniciação científica, tais como as entrevistas,

pesquisas de entidades e o projeto de extensão cinema na biblioteca.

Realizamos em conjunto estas atividades, pois projetos de pesquisa

abordavam temas semelhantes, facilitando o trabalho de ambas as partes.

1- Atividades Desenvolvidas

Participação em Seminários e Simpósios

Seminário Internacional Comunicação e censura

O seminário foi realizado pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação em

Censura (NPCC), nos dias 17 a 20 de agosto de 2010, no Auditório Freitas

Nobre - prédio do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA – USP.

Este foi um dos meus primeiros contatos com o núcleo em si e com as

pesquisas desenvolvidas. Por este motivo foi extremamente útil assistir às

mesas do seminário, principalmente a última, coordenada pela Profª Draª

Roseli Fígaro, que se tornaria minha orientadora.

As mesas apresentaram assuntos contemporâneos como “A Censura na

Atualidade” e, mesmo quando o tema era a censura ao longo da história, a

discussão de como se dá e se há censura atualmente estava presente. Os

convidados das mesas e palestrantes enriqueceram os temas do seminário,

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demonstrando visões diferentes, não somente daqueles que sofreram com a

ditadura ou dos pesquisadores. Uma das mesas mais interessantes foi com o

ex-secretário nacional de justiça, Pedro Abramovay que explicou como

funciona atualmente o sistema de classificação indicativa de meios

audiovisuais e seu ponto de vista sobre as indicações por faixa etária.

No mês de maio de 2011, ainda fizemos a transcrição das mesas do

Seminário, o que possibilitou relembrar o que foi discutido, bem como contribuir

com o coletivo na produção de material para futuras pesquisas.

SIICUSP

De 16 a 18 de novembro de 2010, a Escola de Comunicações e Artes

(ECA) sediou o 18º Simpósio Internacional de Iniciação Científica da

Universidade de São Paulo (SIICUSP). Para auxiliar aqueles que iriam

apresentar suas pesquisas foram convocados alguns alunos da graduação e

também integrantes do NPCC. Como parte do Núcleo, fiz monitoria do evento

e foi uma atividade muito importante, pois proporcionou maior conhecimento

das atividades de iniciação científica em diversas áreas das humanidades.

Também foi possível traçar um panorama da importância da iniciação científica

no meio acadêmico.

Ficou evidente quão afortunados os alunos da Universidade de São

Paulo são no que se refere a incentivo e apoio à iniciação. Muitos dos

estudantes de outras instituições que lá estavam não recebiam apoio para suas

pesquisas e a realizavam com muito esforço. Outra característica importante

desta atividade foi a troca de experiências entre pessoas de diferentes

universidades, áreas e estados.

Segundo Seminário de Pesquisa

A Comissão de Pesquisa da ECA realizou nos dias 12 e 13 de maio de

2011 o Segundo Seminário de Pesquisa da ECA. O evento teve como objetivo

mostrar as pesquisas desenvolvidas nos últimos dois anos por pós-

doutorandos e supervisores de grupos de pesquisa. Foram abordados temas

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de diversas áreas da comunicação e das artes como música, teatro, cinema,

jornalismo e tecnologia.

O evento é importante para que as pesquisas sejam difundidas no meio

acadêmico, assim como também entre profissionais. Além disso, foi possível

acompanhar a pesquisa do Prof. Dr. Walter de Souza cuja produção está

voltada para o circo-teatro de Piolin, e também vinculada ao Arquivo Miroel

Silveira.

Treinamento e Catalogações

As catalogações foram uma etapa importante da pesquisa, pois assim os

bolsistas entram em contato direto com o objeto das pesquisas. Na primeira

etapa foi realizado um treinamento para aprendermos como era feita e depois

catalogamos as peças que mais se aproximavam do universo da pesquisa. Nós

do eixo Censura, Mídias e Teatro Amador: Antropofagias e Mestiçagens

cuidamos dos processos referentes a encenações por grupos de amadores.

A catalogação consistia em analisar os documentos e listar dados

pertinentes para uma futura inserção no banco de dados Winsis. Alguns dados

que eram levados em conta eram: nome da(s) peça(s) e do(s) autor(es),

nacionalidade do(s) autor(es), gênero da peça, pessoas que participaram do

processo, datas, tipos de veto, documentos contidos no processo.

O processo de catalogação é cansativo e delicado, já que é feito

manualmente e é preciso prestar atenção aos detalhes para que

posteriormente a base não contenha dados incorretos. A catalogação também

é difícil, pois consiste em agrupar as características de um processo de registro

de documentos de modo quase matemático. Outros fatores que dificultam

ainda mais a catalogação é o fato de algumas informações serem complicadas

de se classificarem e por faltarem dados em alguns processos. Porém é

curioso e extremamente interessante manusear documentos antigos e que

contribuem tanto para o conhecimento da sociedade e da história daquela

época.

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Apesar de tantas dificuldades é um esforço necessário, porque a

catalogação e o banco de dados facilitarão o acesso para a população em

geral, deixando os dados mais fáceis de serem encontrados e manuseados. É

um esforço coletivo para que o banco sirva no futuro para outras pesquisas,

facilitando a coleta de dados em relação aos processos. Por mim foram

catalogados 58 processos durante os seis primeiros meses da pesquisa

(ANEXO I).

Reuniões do núcleo

Durante todo o período da iniciação ocorreram reuniões do núcleo.

Inicialmente aconteciam a cada mês aproximadamente e a partir de março de

2011 passaram a ser quinzenais. Nestes encontros os professores pós

doutores, doutores, mestrandos, graduandos e bolsistas de pré-iniciação

científica integrantes do núcleo eram reunidos para uma conversa sobre cada

projeto individual e também sobre o plano geral do grupo. Estas reuniões

ajudaram a esclarecer dúvidas sobre o funcionamento do grupo, assim como

ajudaram a compor o repertório para a iniciação. Houve ocasiões em que foi

ensinado a criar um projeto de iniciação científica, também havia dicas de

palestras, seminários e livros interessantes.

Em um destes encontros foi organizada uma troca de experiências entre

o Núcleo e o Memórias do ABC da Universidade Municipal de São Caetano do

Sul, o que possibilitou um intercâmbio, muito interessante, de informações e

conhecimento entre ambos os projetos. O Memórias do ABC é um projeto que

resgata depoimentos de pessoas importantes para a memória social da cidade,

este projeto possui um eixo sobre o teatro amador. O projeto também é

multidisciplinar e pretende disponibilizar brevemente um acervo com os

resultados as pesquisas realizadas até o momento. Por todas estas

características citadas percebe-se que ambos os núcleos de pesquisa

possuem muitos aspectos comuns e por isto foi tão interessante o seminário

onde foi apresentado o Hipermemo (seu acervo, que atualmente está

disponível dentro da universidade), houve uma palestra sobre como são

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produzidos os vídeos e também uma discussão sobre os dados e métodos

apresentados. Esta reunião proporcionou acúmulo de conhecimento para

ambos os núcleos.

Reuniões do Eixo temático

As reuniões do eixo temático eram frequentes e nelas eram discutidos

pontos mais específicos de cada pesquisa. Do eixo fazem parte: Profª. Drª.

Roseli Fígaro, a Mestre Maria Marta Jacob, a bolsista de iniciação científica

Verônica Rodriguez e eu. Além disso, o teatro amador possui um banco de

dados próprio desenvolvido no programa SPSS e alimentado com as

informações obtidas no AMS. Nos encontros do eixo era discutido o

planejamento das atividades de pesquisa, assim como reflexões que ajudariam

nas pesquisas individuais.

O banco de dados do teatro conta com dados, tais como nome da(s)

peça(s) e do(s) autor(es), nacionalidade do(s) autor(es), gênero da peça,

companhia teatral, local de apresentação, tipo de instituição, entre outros. Este

banco foi feito para facilitar a pesquisa e o cruzamento de dados específicos do

teatro amador e a partir dele que foram criados mapas das organizações,

origem estrangeiras e locais dentro da cidade de São Paulo. Desde sua criação

é alimentado com os dados das peças amadoras encontradas no AMS pelos

bolsistas que trabalham com o eixo. A base inicialmente foi alimentada com

dados referentes há alguns anos julgados relevantes até o ano de 1945, estes

dados serviram de base para as primeiras pesquisas do eixo. Com a evolução

das pesquisas peças dos anos entre 1945 e 1968 também começaram a ser

inseridos no banco. A expansão do banco permite resultados cada vez mais

conclusivos em relação ao panorama amador. Atualmente desejamos esgotar

as catalogações referentes ao teatro amador, completando assim a base do

programa de estatística SPSS.

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Entrevistas

No mês de abril, já na segunda parte da iniciação, demos início ao

período de entrevistas com artistas de grupos de teatro amador que se

profissionalizaram. Parte essencial da pesquisa, pois entramos em contato com

os artistas para sabermos o outro lado da história, por aqueles que a viveram.

Também é importante devido à falta de uma bibliografia ampla sobre o tema.

Inicialmente realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre os entrevistados e

depois fomos entrevistá-los. Foram feitas quatro entrevistas filmadas e

transcritas, nosso objetivo é disponibilizar o material on-line para que outros

pesquisadores e curiosos possam acessar o material coletado, para isto iremos

trabalhar na edição das entrevistas realizadas.

Pascoal da Conceição

A primeira entrevista realizada foi com o ator Pascoal da Conceição. Ator

que iniciou sua carreira como amador na cidade de São Caetano, depois

cursou a Escola de Artes Dramáticas e ingressou em um dos mais importantes

grupos de teatro do país: o Teatro Oficina. Mais tarde o ator ainda migra para a

televisão e torna-se famoso com as personagens Dr. Abobrinha, da série

infantil “O Castelo Rá-Tim-Bum” e, mais recentemente, como o escritor Mário

de Andrade, na minissérie JK da Rede Globo. Juntamente com Verônica

Rodriguez e Paula Venâncio, fomos até a casa do ator para filmagem da

conversa. Apesar do nervosismo por ser a primeira entrevista, tudo correu

perfeitamente bem. Pascoal foi extremamente atencioso e nos emprestou um

material repleto de documentos sobre o Festival de Teatro Amador dos anos 76

e 78, época da censura Federal que o arquivo Miroel já não engloba mais.

Esses documentos serão digitalizados e incorporados aos documentos sobre

teatro amador e os originais serão devolvidos ao ator.

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Toninho Macedo

Aproximadamente duas semanas após a primeira entrevista, o

questionário foi revisado e uma reunião foi feita para aprimorarmos o método

de entrevista. E assim realizamos a segunda entrevista com o produtor cultural

Toninho Macedo. Quando começou suas experiências com o teatro amador,

era professor de Francês na escola estadual Stefan Zweig, na Zona Leste da

Capital. Devido à censura, ele foi demitido por suas atividades com o grupo que

havia formado. Depois Toninho Macedo tornou-se produtor cultural do grupo

Abaçaí que completa, em 2011, 33 anos.

Celso Frateschi

A entrevista com o ator Celso Frateschi foi realizada no Espaço Ágora,

teatro de sua propriedade, no dia 3 de junho de 2011. A prof. Dra. Roseli

Fígaro foi quem nos acompanhou nesta entrevista, juntamente com Raphael

Alario para a filmagem. Celso iniciou sua prática teatral também dentro da

escola, juntamente com suas atividades políticas. Pouco tempo depois de sair

do ensino médio o ator se une ao grupo Teatro de Arena, um dos mais

importantes da cena teatral brasileira. Frateschi também desenvolveu

atividades com grupos de teatro de periferia, foi presidente da FUNARTE e

Secretário Municipal de Cultura em Santo André. Atualmente dá aulas na

Escola de Artes Dramática, na ECA-USP, é diretor do Teatro da USP - TUSP e

é dono do Espaço Ágora.

Hilda Breda (Regina Pacis)

Hilda é integrante e atual diretora do grupo teatral amador Regina Pacis.

O Grupo Cênico Regina Pacis foi criado em 1962 por Antonino Assumpção na

comunidade da Igreja Matriz de São Bernardo do Campo. O grupo nunca

deixou o amadorismo de lado e foi extremamente importante no cenário do

ABC paulista, tornando-se praticamente o grupo oficial da cidade, que a

representava em festivais e no restante do país. Durante sua trajetória, que

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completará 50 anos em 2012, o grupo encenou mais de setenta peças, entre

adultas, infantis, nacionais ou estrangeiras, com textos políticos ou religiosos.

No arquivo Miroel Silveira encontram-se dois processos com o nome do grupo

são eles: O segredo do padre Jeremias (DDP2352), liberada sem restrições no

ano de 1963 e Pedreira das Almas (DDP4657), liberada para maiores de 14

anos no ano de 1964. Hilda Breda nos recebeu em sua casa, em São Bernardo

do Campo no dia 11 de agosto de 2011 e também nos forneceu documentos

referentes à censura federal (ANEXO VIII), além de fotos de peças encenadas

nas décadas de 1970 e 1980. Estiveram presentes para a realização da

entrevista esta pesquisadora, Verônica Rodriguez e Roseli Fígaro

(entrevistadora) e nos acompanharam Raphael Alario (para captação de

imagem e som), Paula Venâncio.

Projeto Cinema na Biblioteca (pesquisa e extensão cultural)

Apesar de não estar propriamente inserido nas atividades da pesquisa o

projeto surgiu a partir da ideia da Profª Draª Roseli Fígaro de passar filmes

clássicos na sala de vídeo da biblioteca, que por sua vez, quase não era

utilizada. O projeto consiste em duas sessões quinzenais de importantes filmes

do cinema mundial, seguidos de uma discussão com os participantes. Com

este projeto eu e Verônica Rodriguez tivemos uma experiência interessante de

construção de repertório e também de organização de um projeto para de

extensão cultural. Cuidamos da divulgação em geral com a criação, impressão

e distribuição de cartazes e flyers on-line. Também criamos um blog para o

projeto, trabalhamos com mídias sociais e fizemos todos os contatos com o

público, além da exibição dos filmes nas sessões e breves discussões após o

final das obras.

Dificuldades Encontradas

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Através da iniciação foi possível perceber o quão meticuloso é o trabalho

do pesquisador. A leitura constante e atualização dos temas relacionados são

imprescindíveis ao trabalho. Foi necessário um período de adaptação às

práticas de pesquisa, já que antes apenas havia trabalhado com trabalhos

acadêmicos de natureza muito mais simples.

Em relação ao tema da pesquisa as maiores dificuldades encontradas

foram no que concerne à busca de informações sobre uma época mais recente

e um objeto que não possui muitos estudos acerca. Sobre o passado existem

vários estudos, porém pesquisar algo relativamente recente apresenta muitos

empecilhos, pois existem poucas fontes acadêmicas, mas muitos lugares para

se fazer pesquisa de campo.

O que também merece ser citado é o esforço para a catalogação dos

processos. Foi um trabalho que demandou bastante tempo e cuidado, além de

alguns processos proporcionarem certa dificuldade para adequação à

catalogação. Outra dificuldade encontrada foi o banco de dados Winisis, pois é

um sistema ultrapassado, além disso, existem muitos erros nesta base de

dados, algo que deveria facilitar o trabalho do pesquisador termina por dar

alguns problemas, felizmente essa base será modificada, o que deverá sanar

esses problemas.

Outra dificuldade a ser superada foram os processos de entrevistas. Foi

necessária uma preparação com busca de informações sobre os entrevistados,

ensaio de perguntas, assim como coletar equipamentos que fossem eficientes

para as gravações. Após as primeiras entrevistas, tivemos maior sucesso com

a captação de áudio e vídeo, pois conseguimos equipamentos melhores e a

ajuda de Raphael Alario. Também foi trabalhoso entrar em contato com alguns

artistas e agendar dia, local e horário para as entrevistas, dependendo sempre

das possibilidades que eles ofereciam.

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2- A contribuição dos grupos amadores de teatro para a vida cultural

da cidade de São Paulo apesar da censura e o controle do Estado

Introdução

Objetivos

Esta pesquisa pretende demonstrar a relevância do teatro amador para

a cidade de São Paulo apesar da censura exercida pelo Estado. Seguindo a

linha cronológica dos projetos temáticos1, as décadas de 1970 e 1980 foram

escolhidas como objeto de estudo, pois o período anterior já havia sido

abordado em outras pesquisas e, a partir do final da década de 1980, há outra

configuração social na cidade de São Paulo com a volta da democracia ao

país, tema que possibilita uma nova abordagem em outro estudo futuro. De

acordo com a proposta do eixo, o teatro é estudado como uma manifestação

de sociabilidade, deste modo esta pesquisa pretende destacar o papel que os

grupos amadores exerciam na sociedade das décadas de 1970 e 1980.

A hipótese inicial é de que houve mudanças nas entidades promotoras

do teatro amador e também dos espaços utilizados. Crê-se que houve uma

migração de locais populares com o objetivo de sociabilidade para lugares

criados e promovidos pelo Estado e os grupos passaram a possuir uma

inclinação mais artística e cultural do que social.

É necessário, portanto continuar o levantamento de dados do Arquivo

Miroel Silveira em relação ao teatro amador para compor um mapa completo

do perfil do circuito popular e alternativo na cidade de São Paulo. Além deste

levantamento é um objetivo pesquisar e estudar os impactos das atividades do

Estado causados nos grupos amadores e a posição destes grupos em relação

ao Estado. Para obtermos dados mais significativos, já que não dispomos mais

dos dados do AMS (os processos passam a ser executados pela Federação e

1 O primeiro projeto sobre os amadores: Na cena paulista, o amador, que resultou no livro Na cena

paulista, o teatro amador, circuito alternativo e popular de cultura (1927 - 1945), no ano de 2008. Em

breve (setembro/2011) outro livro será publicado Teatro, comunicação e sociabilidade. Uma análise da

censura ao teatro amador em São Paulo (1946-1970).

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não mais pelo Estado e estes novos dados não se encontram no arquivo), foi

preciso buscar artistas e grupos do circuito popular e alternativo que ainda hoje

estão presentes na mídia para a reconstrução da memória deste teatro e da

sociedade paulista daquela época.

A pesquisa é importante, pois resgata a memória do teatro amador na

cidade de São Paulo e ajuda a compreender melhor os fenômenos sociais da

metrópole, visto que analisar o passado é uma forma de se entender o

presente. É um estudo que gera reflexões sobre o tema e ainda permite várias

ramificações. Sua importância também recai no fato de ser uma pesquisa que

vê o teatro de uma forma diferente, não somente pelo lado artístico do teatro,

mas como uma forma de comunicação e sociabilidade. Além disto, o tema da

pesquisa foi pouco explorado no meio acadêmico, já que se trata de um estudo

de uma época relativamente recente. Pelas razões acima citadas, esta

pesquisa se torna relevante no cenário atual, suscitando novas reflexões e

pensamentos sobre a importância e participação do teatro amador na vida

social da cidade de São Paulo.

Iniciaremos o artigo com a apresentação do contexto, onde será

introduzido o conceito de teatro amador e sua importância. Em seguida será

apresentado o panorama do teatro amador na cidade de São Paulo nas

décadas de 1930 a 1970, depois será analisado o circuito alternativo nas duas

décadas seguintes. Posteriormente será dissecada a relação entre o teatro

amador e o Estado durante todo o período citado e a profissionalização dos

amadores. Estas questões são permeadas pelo contexto histórico e social da

cidade de São Paulo.

Metodologia

A pesquisa foi constituída de métodos quantitativos e qualitativos.

Durante todo o estudo houve uma pesquisa bibliográfica, na qual foram lidos

artigos e livros para a consolidação de uma base teórica. Livros e estudos

sobre tema específico do teatro amador não existem em abundância, porém

outros conteúdos são essenciais para a pesquisa, tais como a questão da

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indústria cultural no Brasil, o contexto histórico do período que será estudado, o

movimento teatral em São Paulo e no país todo e o teatro operário.

Além da leitura da bibliografia realizamos entrevistas, trabalhamos com a

memória oral de artistas que participaram do movimento amador. São de

extrema relevância as entrevistas, pois nos permitem enxergar a história por

um ângulo diferente e descobrir detalhes que a história oficial não apresenta,

além de oferecer informações que são difíceis de serem coletadas. A técnica

de entrevista utilizada foi de entrevistas semi-estruturadas, mesclada com a

história de vida tópica. As perguntas eram feitas a partir de um questionário

pré-definido (elaborado com base na pesquisa de vida do entrevistado e dos

tópicos que desejávamos abordar), mas havia a possibilidade do entrevistado

discorrer sobre as questões. Escolhemos este tipo de entrevista, pois

necessitávamos saber mais sobre os temas teatro amador e censura, porém

também nos interessavam fatos históricos e a trajetória de vida dos

entrevistados. Estas técnicas permitem que surjam informações reprimidas

sobre as épocas determinadas e assim podemos extrair o reflexo da dimensão

coletiva a partir da experiência individual dos entrevistados.2

Para a consolidação do banco específico do teatro amador, realizamos

as catalogações dos processos do AMS e inserção dos dados nas bases

WINSIS e SPSS. Outra atividade realizada no início da pesquisa foi a busca de

entidades e grupos que produziam teatro amador, porém estas buscas não

foram muito bem sucedidas já que a maioria destas entidades não existe mais.

Alguns endereços fornecidos foram modificados, assim fizemos tabelas com a

localização atual de algumas entidades para inserção no próximo livro do

projeto temático.

2 BONI, Valdete; QUARESMA Silvia Jurema. Aprendendo a entrevistar: como fazer

entrevistas em Ciências Sociais. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia

Política da UFSC. Ano 2005,Vol. 2 nº 1 (3), janeiro-julho/2005, p. 68-80, 9 de Mai 2010.

Disponível em: http://www.emtese.ufsc.br/3_art5.pdf. Acesso em: 7 de Agosto de 2011.

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17

Contextualização

A importância do amadorismo vem de tempos antigos e remete às

origens da arte teatral. Na Grécia antiga, por volta dos séculos VI e V a.C.

nasce o teatro como prática profissional, a palavra teatro deriva do grego thea

(visão) e dá nome ao lugar para assistir espetáculos, ao espetáculo e também

àqueles que vão assistir às peças. Inicialmente os gregos (assim como muitas

outras culturas) utilizavam o teatro como forma de cultuar seus mitos e heróis

em forma de rituais, o teatro ainda não era considerado uma atividade

profissional. Somente depois da inauguração de festivais competitivos que o

teatro começa a ter um caráter profissional, a cidade subsidiava atores,

produtores e também escritores para a realização dos festivais que ocorriam

duas vezes ao ano. Os participantes viviam da arte teatral, somente o coro era

interpretado por amadores. Outra característica semelhante à prática amadora

era que o teatro grego era uma atividade social, um acontecimento cívico, a

cidade de Atenas parava para acompanhar os festivais e havia a presença de

quase todos os cidadãos3.

No Brasil, o teatro chega oficialmente por meio do padre Anchieta e já no

final do século XIX apresenta dois circuitos diferentes: o oficial, no qual se

apresentam grupos comerciais e estrangeiros e o circuito popular, onde os

grupos eram formados majoritariamente por imigrantes e trabalhadores em

locais como escolas, igrejas, clubes, este circuito amador era feito com um

caráter de sociabilidade. Este cenário alternativo é de grande importância para

a metrópole, pois ajudou a formar público para o teatro e artistas, não somente

para os palcos, mas também para outros meios de comunicação como o rádio,

a televisão e o cinema. Além disto, o teatro amador exerceu um papel

importante para o perfil socioeconômico da cidade, por meio dos imigrantes

que passaram a integrar a população paulista. Sobre a denominação deste

circuito alternativo e popular, Roseli FÍGARO escreve:

3 A respeito do teatro grego ler DUARTE, Adriane Silva. A gênese do teatro; Sófocles, o

mais clássico; Eurípides, o mais preservado; Ésquilo, o mais premiado; Aristófanes, o

maior comediante. Biblioteca Entrelivros: Grécia em cena., São Paulo/SP, p. 34 - 51, 01 out.

2005.

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Circuito alternativo porque diferente do profissional e oficial, que recebia destaque na imprensa e que montava suas produções nos teatros profissionais. Popular porque produzido, encenado e fruído pelas camadas populares, chamadas por Gramsci de classes subalternas. Constituiu-se esse circuito como modo próprio de garantir lazer, cultura para aqueles que não pertenciam às elites intelectual e econômica da cidade. Ou seja, não pertenciam à esfera do poder hegemônico. (2009:5)

Definimos teatro amador como aquela atividade que não é realizada

para o sustento daquele que o pratica. Os amadores são aqueles que fazem

teatro simplesmente pela paixão, para se reunir com um grupo de pessoas ou

expressar suas ideologias. As razões para sua realização são muito variadas,

porém o teatro amador nunca é exercido como uma atividade que gera fins

lucrativos para os participantes. Muitas vezes esses artistas se reuniam após

um dia inteiro de trabalho e ainda encontravam tempo para dedicar ao teatro.

Nas pesquisas anteriores do eixo foi constatado que o perfil do teatro se

modificou ao longo das décadas influenciado por muitos fatores como o

crescimento de São Paulo, a censura feroz exercida na área e a mudança

sociocultural da cidade. De 1930 a 1950 eram os imigrantes que constituíam a

maior parte dos grupos amadores. A partir da década de 1950, o teatro torna-

se cada vez mais orientado para o mercado artístico-cultural e assim o teatro

amador também se modifica. Também já foi comprovado que houve a queda

da participação de entidades de imigrantes e de trabalhadores na realização

teatral amadora, após os anos de 1950. Um dos fatores que influenciou este

esvaziamento foi a presença dos meios de comunicação de massa. As

pessoas passaram a ficar mais em seu espaço privado, causando a diminuição

de sedes populares de cunho social. Ao mesmo tempo os incentivos das

políticas culturais do governo aumentaram, motivando os grupos amadores a

tornarem-se profissionais. Por estas razões alguns dados apontam para o

esvaziamento de sedes populares e a transferência da atividade teatral para

espaços oficiais, com promoção do Estado4.

4 Conferir em FIGARO, Roseli. (org.) Na cena paulista, o teatro amador, circuito alternativo e

popular de cultura (1927 - 1945). São Paulo: Icone/Fapesp, 2008. ____.Teatro, comunicação e sociabilidade. Uma análise da censura ao teatro amador em São Paulo (1946-1970).São Paulo: Balão/Fapesp, 2011.

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19

Apesar de suas modificações ao longo dos anos, uma característica que

sempre acompanha o teatro amador, durante todas as suas fases estudadas

até o momento, é a inovação teatral. Por não depender de sucesso comercial,

o circuito alternativo sempre pode ousar mais em suas apresentações, assim

se deve ao teatro amador o mérito da inserção dos novos métodos e modos do

fazer teatral brasileiro. Grande parte das renovações ocorridas no teatro se

iniciou neste circuito popular.

O teatro amador em São Paulo nas décadas de 30 a 70

O teatro oficial só começa a despontar realmente na cidade de São

Paulo no início do século XX, esse teatro comercial era muito influenciado pela

cultura portuguesa. Diferentemente deste tipo de teatro também havia na

cidade o teatro amador, um circuito alternativo, que por sua vez não era

apenas uma forma de diversão, mas sim um meio de comunicação e

sociabilidade entre a população, principalmente entre os imigrantes recém-

chegados a São Paulo.

Com o crescimento que o café proporciona para a cidade de São Paulo

e a abolição da escravidão, ao final do século XIX, vêm para a cidade um

grande número de imigrantes que ajudam a economia a prosperar. Estes

estrangeiros iniciam a prática de um teatro amador nesta cidade. Os grupos de

teatro amador foram extremamente importantes para a cidade de São Paulo,

inicialmente muitos deles se reuniam para “manterem a cultura da terra natal e

cultivarem a vida em comum nos novos bairros da cidade” (FÍGARO, 2009: 6).

Esses grupos formados pelas classes operárias populares sofriam com a

censura, pois alguns deles tinham relação com grupos sindicais e anarquistas.

No entanto, os grupos amadores não deixaram de fazer seu teatro, difundindo

a cultura entre as comunidades e consolidando os grupos de imigrantes na

cidade, que continuava a crescer.

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Além dos grupos imigrantes que se organizavam para manter viva sua

cultura e criar uma comunidade que lhes fosse mais próxima, também existiam

grupos amadores em igrejas, associações de bairros, clubes esportivos,

associações beneficentes. São Paulo cresce junto com a chegada dos

imigrantes e da indústria, logo o teatro amador também ajuda a formar a futura

metrópole que a cidade se tornaria. Os grupos amadores adquirem um papel

social importante para a população, que ia além do divertimento era uma forma

de exercer sua cidadania em conjunto.

Sem dúvida, essas instituições exerceram um papel fundamental na agregação do novo corpo social que se constituía na cidade de São Paulo. Mediante as dificuldades básicas para a sobrevivência (trabalho, habitação, saneamento básico, água potável, energia elétrica, transporte, escolarização), elas eram o recurso para o amparo social e cultural da população. Um lugar de encontro, de comunicação, de aprendizado para viver em conjunto, para divertir-se, viver a cidade, ser cidadão. (FÍGARO, 2008: 49)

É também no início do século XX que se inicia a modernização da

cidade, que começou a se desenvolver tardiamente, em um cenário

completamente diferente do Europeu ou Norte Americano. Apesar da Semana

de Arte Moderna acontecer na década de 1920, somente décadas mais tarde a

modernidade realmente começaria a ser implementada em São Paulo. O

desenvolvimento industrial dará seus primeiros passos a partir dos anos de

1940, com o projeto da indústria de base do governo Vargas. Do ponto de vista

da indústria cultural, um exemplo é o rádio que se torna um veículo para as

massas nos anos de 1940, antes disso a transmissão não era contínua e a

maioria da população não tinha condições de ter um aparelho de rádio.

O Brasil ainda não fazia parte da chamada indústria cultural, pois ainda

estávamos vivenciando o início de uma fase moderna. ORTIZ explica a

situação brasileira daquela época da seguinte forma:

Seria difícil aplicar à sociedade brasileira deste período o conceito de indústria cultural introduzido por Adorno e Horkheimer. Evidentemente as empresas culturais existentes buscavam expandir suas bases materiais, mas os obstáculos que se interpunham ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro colocava limites para o crescimento de uma cultura popular de massa. Faltavam a elas um traço característico das indústrias da cultura, o caráter integrador. A análise frankfurtiana repousa numa filosofia da história que pressupõe que os indivíduos no capitalismo avançado se encontram atomizados no mercado e, desta forma, podem ser agrupados em torno de

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determinadas instituições. (...) Penso que no caso brasileiro é justamente este elemento que se encontra debilitado pelo fato, que Shils aponta, de vivermos uma „fase inicial da sociedade moderna‟. Apesar de todo o processo de centralização iniciado pela revolução de 30, e fortalecido pelo Estado Novo, a sociedade brasileira, no período que a consideramos é fortemente marcada pelo localismo. (1991: 48,49)

O consumo era regional até que, em torno de 1940, a situação começa a

se modificar. O governo Vargas utiliza o rádio como forma de propaganda,

cultura e identidade nacional; ele é utilizado para tornar a população mais

integrada. Com a chegada da modernização e dos meios de comunicação de

massa, o que antes era um sistema restrito às camadas de maior poder

aquisitivo e quase amador em sua forma de fazer, começa a se aperfeiçoar.

Havia um fluxo muito grande de pessoas entre as diversas áreas

culturais, atores trabalhavam no rádio e na televisão, ou na televisão e no

teatro, ou em todos eles. Este intercâmbio entre áreas ocorria devido a uma

falta de profissionais competentes e especializados para cada meio. Com o

crescimento das áreas culturais surge a necessidade de especialização dos

trabalhadores. Criam-se, então, as primeiras universidades em cada segmento

(a Cásper Líbero, em publicidade, a Escola de Artes Dramáticas para Atores,

entre outras), e muitas outras após as pioneiras. Destacavam-se os

movimentos artísticos genuinamente brasileiros que começavam a despontar

no país como a Bossa Nova, o Cinema Novo e o teatro brasileiro.

Surgem entre os anos de 1940 e 1950 importantes grupos de teatro

amador no país, como Os Comediantes, que transformam o fazer teatral. A

peça que inaugura o modernismo no teatro brasileiro é Vestido de Noiva (de

Nelson Rodrigues), dirigida por Ziembinski e encenada pela primeira vez no

Theatro Municipal do Rio de Janeiro, ano de 1943. Outro grupo amador que se

destaca no cenário nacional é o Teatro do Estudante do Brasil, nascido em

1938, o grupo tem seu auge com a representação de Hamlet no ano de 1948.

O Teatro do Estudante, como o próprio nome diz era formado por estudantes

universitários e apresentava muitas de suas peças em locais inusitados como

caminhões, fábricas, escolas, entre outros. O Teatro do Estudante viajou pelo

país com suas apresentações itinerantes e revolucionou a forma de fazer

teatro, influenciando a criação de vários grupos universitários como, por

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exemplo, o Teatro do Estudante de Campinas (TEC). A importância do Teatro

do Estudante pode ser notada na fala de Paschoal Carlos Magno, no livro de

Teresa AGUIAR:

Com o tempo, verificamos que o Brasil inteiro copiava os processos do Teatro do Estudante. Eram grupos de amadores, operários, funcionários públicos, uma multiplicação de pequenos teatros pelo Brasil afora, seguindo o meu modelo. Em todos os estados do país. Mas por outro lado, eu acho que a coisa mais importante do teatro do Estudante nessa época, foi impor a língua „brasileira‟ no nosso palco. Naquele tempo o ator nacional falava português com um terrível sotaque lusitano. (1992: 15)

Era papel das companhias amadoras ousar e criar novas linguagens.

Muitas dessas companhias eram de estudantes, eles trariam um novo olhar

para a forma de fazer teatro. Essa característica é percebida no discurso de

Clóvis GARCIA, em uma crítica publicada no jornal o Cruzeiro, em 1951:

(...) somos de opinião que cabe exatamente aos elementos amadores, em face da inexistência do risco, o papel de apresentar peças que as companhias profissionais não se arriscam a encenar. (2006: 44)

Em outra crítica sobre a apresentação do Grupo de Teatro Experimental

(GTE) em 29 de novembro de 1944, Lourival Gomes Machado fala sobre a

importância do amadorismo naquela época:

Dos amadores depende muita coisa, se não mesmo quase tudo na reconstrução do nosso teatro, terrivelmente comprometido por uma desgraçadíssima tradição de teatro comercial. (MAGALDI, VARGAS, 2000: 181)

Anos mais tarde, no final da década de 1940, início de 1950, surgem

algumas das mais importantes companhias profissionais paulistas. Estes

grupos ficaram com o título de renovadores do teatro nacional, muitos deles,

porém, traziam artistas bem sucedidos no amadorismo para encenar como

profissionais, além de apenas transporem para o circuito profissional algumas

das inovações já realizadas por amadores há tempos. E como salienta

FÍGARO:

O mérito da formação de uma linguagem teatral e de público para teatro deve ser dado a esses grupos. A fundação do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC não é o divisor de águas entre um teatro empostado, com ponto, com primeiro ator e atriz, e o teatro encenado naturalmente como representação da vida, visto que os grupos amadores já assim o faziam. O TBC vem coroar no

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circuito profissional um teatro que, de certa forma, já era realidade no circuito alternativo e popular, mesmo que a figura do diretor (encenador) e a preparação teatral fossem tímidas e/ou inexistentes. (2008: 36)

O surgimento do Teatro Brasileiro de Comédia é tido como um marco no

teatro, com a companhia criada por Franco Zampari, em 1948, e inicia a

modernização do teatro profissional. Importantes nomes do teatro participaram

do grupo como Paulo Autran, Cacilda Becker e Sergio Cardoso. A maioria dos

diretores era estrangeira como Adolfo Celi, Gianni Rato e Maurice Vaneau,

estes diretores trouxeram um jeito europeu moderno de se fazer teatro para os

palcos brasileiros. O TBC iniciou sua carreira no amadorismo e mesmo após a

profissionalização continuou a abrigar grupos amadores na sala menor de seu

teatro.

Os Festivais de teatro tornaram-se extremamente importantes a partir da

década de 1950 e tiveram seu auge até meados da década de 1970. Estes

eventos não eram apenas uma forma de competição e eleição de qual eram os

melhores grupos, peça, ator e diretor. Os festivais proporcionavam a

apresentação das peças para públicos novos e diferentes dos habituais. Essa

nova situação e a convivência com outros grupos geravam debates, troca de

informações e críticas que possibilitavam o amadurecimento dos grupos

amadores. Além destas características o prêmio em dinheiro auxiliaria as

encenações vencedoras, um incentivo ainda maior ao teatro amador. Assim

como o teatro grego inicia sua profissionalização a partir da criação de

festivais5, de certa forma os festivais amadores incentivaram a

profissionalização de alguns artistas que participavam destes eventos. Em

entrevista(11/08/2011, São Bernardo do Campo), Hilda Breda comentou sobre

algumas experiências de festivais que o grupo Regina Pacis participou a partir

do ano de 1965:

Foi um estímulo e isso funcionava bastante, porque era uma efervescência, os grupos se reuniam, discutiam, tinham duas semanas pelo menos aqui no ABC, pelo menos uns 15 dias só de apresentação de peça, então todo mundo ia toda noite e era muito legal e...então trocavam ideias. Às vezes pela federação tinham pessoas que vinham dar aula...a gente chamava

5 DUARTE, Adriane Silva. A gênese do teatro; Sófocles, o mais clássico; Eurípides, o mais

preservado; Ésquilo, o mais premiado; Aristófanes, o maior comediante. Biblioteca Entrelivros: Grécia em cena. São Paulo, 2005, p34-51.

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Workshop, mas vinha o Pacheco, esses professores que estavam na EAD, vinham dar palestras, algumas aulas. Então sempre tinha esse tipo de coisa, o pessoal foi desenvolvendo. (BREDA, 2011)

O perfil do teatro amador nesta época de grande efervescência cultural

da cidade era bastante variado, como demonstram os dados do AMS. Constam

no banco de dados, além dos já citados imigrantes e estudantes que muitas

vezes eram associados a grêmios políticos; as entidades de trabalhadores,

algumas ligadas a questões políticas como anarquismo e comunismo; os

clubes esportivos; as associações de bairros; as instituições religiosas

(espíritas e católicas eram a maioria), beneficentes, dramáticas, entre outros

tipos de entidades produtoras.

A década de 1960 é marcada pelo instável início político e em 1964

ocorre o golpe militar. Por outro lado, havia os movimentos estudantis e setores

que se mobilizavam contra o regime que era imposto. O teatro amador se

preocupava com a identidade nacional e com as situações internas do país. Há

tempos já utilizava espaços inusitados para fazer suas apresentações,

quebrando o paradigma da distância entre palco e público. No teatro

profissional se destacam novos grupos muito importantes para a renovação

teatral no país, são eles o Teatro de Arena, o Teatro Oficina e Opinião todos

buscando uma identidade brasileira. Estes grupos procuravam criar um teatro

nacional, com texto originalmente brasileiro que não apenas conversasse com

o público popular, mas que também mostrasse como era a vida cotidiana de

trabalhadores e pessoas comuns.

Há ainda a consolidação do mercado de bens culturais, gerido pela

mudança de estruturas sociais ocorridas no país. O aumento da realização de

atividades culturais é oposto ao pensamento autoritário da época, mas o

estado também era produtor de certas áreas culturais. A ditadura de 1964, ao

contrário da de Vargas, ligava-se à inserção do capitalismo no Brasil e algumas

empresas de cultura de massas, apoiavam e queriam o golpe para que o

capitalismo prevalecesse. Tanto o estado como essas empresas queriam uma

integração maior do território nacional, o primeiro queria uma integração

política, já as outras desejavam uma integração de mercado. Apesar de

censurar peças, filmes e outras atividades, o Estado alimentava a indústria

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cultural e incentivava o crescimento brasileiro. Devido a estes incentivos dos

governos e também pela grande efervescência cultural do país, o teatro

amador apresenta um número cada vez maior de grupos.

O relatório da CET informa que atuaram em São Paulo, em 1967, 41 grupos de amadores, e que existem no interior do estado cerca de trezentos grupos, reunidos em torno de dezoito federações. (MAGALDI, VARGAS, 2000: 387)

Deve-se ao teatro amador o mérito de formar as primeiras linguagens

teatrais realmente brasileiras e encenação realista, representação da vida. Os

estudos feitos a partir do AMS demonstram como foi essencial e vasta a

participação dos amadores para o crescimento e formação de público e

linguagens teatrais dentro da cidade de São Paulo. Além dos dados presentes

no arquivo que comprovam esta participação, importantes críticos e nomes do

teatro nacional como Décio de Almeida Prado, Gianfrancesco Guarnieri, Miroel

Silveira, Clóvis Garcia, e muitos outros atestam a importância destas atividades

amadoras6.

O perfil dos grupos amadores modificou-se com o passar dos anos,

como demonstra a análise dos dados obtidos no Arquivo Miroel Silveira. A

partir da década de 1950, os grupos de origem estrangeira diminuíram

significativamente, enquanto grupos de caráter estudantil e cultural

aumentaram. Esse fato pode ser explicado pela censura da Ditadura de Vargas

mais ferrenha com grupos operários ligados ao anarquismo e também pela

noção de pertencimento à nação brasileira que começa a existir nos filhos e

netos dos imigrantes, de modo que não precisavam mais se reunir em grupos

para exaltar a terra de seus antepassados. Além disso, como já citado, há

maior presença dos meios de comunicação, sobretudo, com o aparecimento da

televisão. O rádio, já um meio de comunicação de massa com as melhorias de

programação e transmissão, e mais tarde a televisão, que também começaria a

se destacar, criam um público fiel nos lares, com uma programação cada vez

mais popular contribuem para o crescimento do tempo ligado ao espaço

6 FIGARO, Roseli (coord.). Na cena, o amador. Relatório do eixo de pesquisa do teatro

amador. São Paulo, 2009.

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privado. Paralelamente, ao esvaziamento destes nichos, ocorre o aumento do

número de organizações culturais e educacionais como se pode observar nos

gráficos seguintes apresentados nos relatório das atividades do projeto de

pesquisa7:

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1,946

1948

1,951

1953

1,955

1957

1,958

tipo de associação que apresenta a peçaesportes

cultural

educacional

religiosa

dramática

beneficente

bairro

trabalhadores

recreação

filodramáticos

imigrantes

saúde

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1960

1,961

1963

1,964

1967

1,968

1970

tipo de associação que apresenta a peçacultural

educacional

dramática

esportes

imigrantes

religiosa

beneficente

trabalhadores

recreação

bairro

filodramáticos

saúde

Os processos do Arquivo se esgotam na década de 1970, contudo

acreditamos que nas décadas seguintes o número entidades promotoras de

cunho cultural e estudantis continuam a crescer. Este fato se deve à

7 Estes e outros gráficos em relação às atividades amadores presentes no AMS encontram-se

no relatório do eixo de pesquisa (FIGARO, 2009), parte já foi publicado no livro de 2008 (FIGARO, 2008, op. cit.) e alguns ainda serão publicados em um livro que será lançado, Fígaro,R. (org.) 2011.op. cit.

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importância que posteriormente apresenta o teatro amador estudantil na época

mais negra da ditadura brasileira.

O teatro amador de 1970 a 1980

Como contexto histórico da década de 1970 há a consolidação da

indústria cultural e também o recrudescimento da ditadura militar. Em oposição

à crise mundial do petróleo o Brasil continuava vivendo o milagre econômico. A

indústria cultural já era parte da vida dos paulistas na década de 1970, assim

várias escolas de comunicações e artes estavam se consolidando no cenário

nacional, como a própria EAD. Com mais dinheiro circulando, aumentam os

incentivos ao teatro e ao amador, assim cresce o número de festivais de teatro,

também como os cursos para profissionais e amadores. Em decorrência destas

últimas mudanças nos setores econômico e cultural da metrópole, nas décadas

seguintes a participação de estudantes e entidades culturais no teatro amador

tende a crescer cada vez mais.

O teatro paulista demonstrava sinais de amadurecimento artístico neste

começo de 1970, porém a ditadura militar cerceava o momento mais criativo do

teatro atrapalhando um crescimento ainda maior do fazer teatral. Mesmo com

as estratégias utilizadas para escapar da censura, o teatro sofreria bastante as

consequências deste período. A situação do teatro em São Paulo no início da

década de setenta, mais precisamente no ano de 1971, é descrita por Sábato

MAGALDI e Maria Thereza VARGAS do seguinte modo:

A temporada de 1971 distinguiu-se em nosso panorama não pelo número de estreantes de valor, nem pela quantidade de grandes espetáculos, mas pelas tomadas de posição, pelas escolhas conscientes, pelo propósito de definir um caminho. E o mais significativo não se mostrou um só, como acontece nos países dominados pelas palavras de ordem totalizadoras. (...) Apesar da comum crítica à realidade, em todas essas montagens, elas não puderam ir além do “recuo estratégico” imposto pela Censura. Dramaturgos e encenadores de talento, pressionados pelas circunstâncias, jogam com as armas que lhes permitem utilizar. Está claro que ninguém se sentiu realizado

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por inteiro, embora procurasse afirmar-se com a maior dignidade artística. (2000: 395, 396)

Os novos grupos de estudantes frequentemente tinham como objetivos a

manifestação cultural e artística. Mesmo não sendo uma meta específica

dentro dos projetos dos grupos, esse tipo de teatro amador continua com a

característica de sociabilidade atribuída antes somente aos amadores

imigrantes. Contrariando a hipótese inicial, o teatro amador das décadas de

1970 e 1980 se mostra semelhante, neste sentido, àquele praticado por

imigrantes, mesmo que agora muito mais concentrados nas questões artísticas

e culturais. Muitos estudantes procuravam o teatro como forma de expressão

neste período em que não eram possíveis manifestações, assim, ao contrário

da hipótese inicial, o teatro amador continua com o caráter de sociabilidade e

comunicação. Agora, porém, os jovens reuniam-se como uma forma de escape

do período mais bruto da ditadura militar que ocorria no país. O ambiente não

era propício para reuniões de grupos, assim o teatro tornava-se uma desculpa

para o encontro de pessoas. Esta característica é notada na fala de Pascoal da

Conceição:

O teatro vai ser fundamental porque nós estávamos ali discutindo política, discutindo a vida do país e ouvindo as músicas todas que tocavam nesse sentido. Eu, meu grupo de amigos, era um grupo que gostava de teatro que eu não me lembro exatamente talvez a gente teve, a gente já se pensava fazendo teatro, aliás até hoje. Eles não foram pra carreira, mas era uma coisa que a gente... um canal de expressão realmente. Pra todo mundo, pra nós, alguns foram pra música, eu me lembro que eu até comecei a estudar um pouco de música depois não desenvolvi, mas eu gostava muito dessa coisa do teatro, tinha muito prazer, não era ainda profissão, mas eu considero esse momento embrionário porque esse interesse me levou a assistir ao teatro, a ir aos teatros, porque na época o teatro era um ponto de encontro de gente, era muito efervescente. (CONCEIÇÃO, 2011)

O teatro profissional havia englobado muitas características dos

amadores e alguns espetáculos começam a ser apresentados em locais

inusitados como, por exemplo, galpões, ruas, presídios e outros locais. A

censura, porém não corroborava com este tipo de visão inovadora, de

subversão das características tradicionais, assim estas apresentações passam

a ser vistas com cautela pela censura. Muitas vezes eram os grupos de

orientação política que tentavam quebrar paradigmas teatrais, inserir

discussões sobre o poder e também conscientizar os públicos.

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Devido à situação econômica favorável, assim como à grande demanda

por políticas de incentivo cultural o governo aumenta o dinheiro disponível para

as práticas culturais. Porém neste contexto os amadores são prejudicados pela

inserção de um sistema empresarial que dificulta iniciativas que não sejam

comerciais:

No teatro a figura do empresário ganha vulto, passando a mediar as relações entre o artista e o Estado. Através da injeção de grandes quantias de dinheiro, via financiamentos, o Estado eleva consideravelmente os custos das produções, dificultando muito as iniciativas desvinculadas do esquema empresarial. (FAYA, 2005: 90)

Como consequência tem-se a utilização de instrumentos de mercado

para a divulgação do teatro de resistência, o que dá um valor comercial a este

tipo de teatro. Em oposição a este cenário há a reunião de grupos

independentes e coletivos, alguns realmente amadores que enfrentam esta

comercialização da arte teatral.

Os festivais de teatro amador tornam-se muito comuns e geralmente são

subsidiados pelo Estado. O aumento do número de festivais demonstra o

interesse cultural dos grupos amadores. Como já mencionado, os festivais

começam a acontecer na década de 1950, porém continuam cada vez em

maior número dentro da cidade e também se espalham pelos municípios

menores ao redor da metrópole. Os festivais continuam sendo uma ótima

oportunidade para a comunicação e discussão entre os grupos participantes,

público e também júri.

Como o perfil de quem praticava o teatro amador havia mudado o local

de encontro destes estudantes era diferente daqueles dos imigrantes. Ao

mesmo tempo em que as comunidades de imigrantes começam a minguar os

estudantes passam a utilizar locais subsidiados pelo governo para promoção

de suas atividades, muitas vezes era nas próprias escolas que os grupos

faziam o teatro. Existe um movimento contrário dos grupos que eram mais

perseguidos pela ditadura. Alguns grupos amadores e independentes criam

suas próprias sedes culturais, muitas vezes estes espaços eram localizados

nas periferias da cidade, por serem afastados dos centros de atenção do

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regime, por terem um valor inferior aos do centro e possibilitar um trabalho

junto às comunidades.

Muitos grupos também estavam interessados em defender suas ideias,

lutar pela liberdade de expressão e se opor ao regime. Durante o período da

ditadura o teatro em geral adotou uma postura de resistência contra a censura

dos militares. Assim o teatro amador adquire além da dimensão de espaço de

organização cultural um caráter político, onde a juventude se reunia, discutia a

situação do país e tentava extravasar suas opiniões de alguma maneira.

Na década de 1980, os movimentos contra o regime militar e as

discussões a favor da abertura política aumentam. A economia brasileira é

desacelerada em decorrência da segunda crise do petróleo. O milagre

econômico termina e dá lugar a dificuldades financeiras. A Anistia Ampla Geral

e Irrestrita de 1979, o movimento das Diretas Já, ocorrido em 1984, e a

promulgação da constituição em 1988 são os fatos que mais marcaram esta

década no Brasil. As atividades amadoras sofrem um escasseamento nessa

época, pois a luta política direta ocupa o interesse de todos aqueles que

organizaram grupos amadores com a intenção de incrementar a atividade

política no período mais duro da ditadura. O teatro amador começa a perder

espaço dentro deste cenário, seus públicos vão diminuindo na mesma medida

em que as instituições que os apoiavam também desaparecem.

O número de companhias de teatro profissional amplia-se

progressivamente, pois muitos dos artistas que antes estavam no amadorismo

agora querem fazer da atividade seu sustento. O público também migra para

outras opções de lazer, já que com a grande oferta de peças, o teatro amador

não é mais tão atraente quanto as muitas outras opções. O teatro estudantil

perde sua força, pois os grupos parecem se perder sem uma luta política para

combater. Muitos dos grupos tornam-se independentes ou voltam a se localizar

em periferias. Nos bairros distantes do centro de São Paulo ainda é possível

um trabalho comunitário e de discussão da sociabilidade dentro das

comunidades. Orleyd Faya em sua pesquisa de mestrado fala sobre o

crescimento deste tipo de grupo:

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(...) começam a despontar - com maior significação a partir de meados dos anos 1970 - duas tendências de Teatro de Grupo, que, embora com propósitos nitidamente distintos, tinham em comum a proposta de um projeto coletivo de criação teatral e a organização cooperativada de trabalho. A primeira das vertentes cm este perfil era a dos Grupos Alternativos de Periferia, dos quais já falamos no âmbito dessa pesquisa. (FAYA, 2005: 172)

Concomitantemente à diminuição das atividades amadoras a partir da

década de 1980 os grupos que antes se denominavam amadores passam a ver

este conceito de modo negativo. A palavra „amador‟ adquire a conotação de

superficial, inferior e não mais como algo que se faz apenas por prazer sem ser

pago financeiramente por isto. Os grupos estudavam e não desejavam ser

associados a iniciantes. Muitos grupos passam a adotar os termos

„independente‟, „coletivos‟ ou até mesmo „experimental‟, essa característica

permanece até os dias de hoje, o que dificulta o rastreamento do gênero

amador. Estes novos conceitos se devem também ao interesse dos grupos de

fazer arte teatral, seu principal objetivo não é o fim lucrativo, porém os atores

recebem uma pequena contribuição financeira, assim os grupos são

independentes monetariamente.

Finca-se um novo conceito que é o de grupo independente, ou seja, entre o amador e o profissional firma-se o conceito de independência comercial dos grupos artísticos interessados na arte teatral. (FÍGARO, 2009:30)

Mesmo com todas as dificuldades, as atividades amadoras ainda tiveram

relevância no cenário social, com muitos grupos lutando politicamente e artistas

se refugiando no teatro para se expressarem durante o tempo da censura mais

feroz. Nesta época surgiram grupos importantes, que existem até o período

atual, como o grupo independente União e Olho Vivo e um dos mais antigos

grupos amadores em atividade o Regina Pacis. Além desses grupos, as

décadas de 1970 e 1980 também forneceram grandes artistas que atualmente

são profissionais, como Luís Alberto de Abreu, Rosi Campos, Pascoal da

Conceição, Celso Frateschi, entre muitos outros. O teatro amador demonstrou

o vigor necessário para combater a repressão da ditadura e continuar a ser um

meio de sociabilidade, principalmente entre a juventude estudantil.

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O controle do Estado sobre o Amador

A censura é um modo de coerção para adequar as ações de um aos

“superiores” (a elite, as instituições religiosas, o governo, ou até os pais) e está

presente no Brasil desde a colonização, quando servia como ferramenta para a

aculturação e controle dos indígenas pela igreja lusitana. O teatro também logo

chegou a este país como um meio de comunicação entre aqueles que não

falavam a mesma língua. O padre José de Anchieta escrevia autos religiosos

para a catequização dos índios, este foi o nosso primeiro dramaturgo (e

também a primeira atividade de teatro de catequese com característica de

amador). Depois da independência do Brasil é criado o Conservatório

Dramático Brasileiro, departamento que defendia a moral e os bons costumes,

supervisionando e censurando peças que iam contra a monarquia. Artistas e

intelectuais famosos fizeram parte desse órgão como Machado de Assis e José

de Alencar.

Após a proclamação da República é criada a Censura das Casas de

Diversão, em decorrência os aparatos censórios cada vez mais se tornam

burocráticos e legitimados pelo Estado. Já no século XX, os períodos de maior

cerceamento artístico são os ditatoriais (Estado Novo e Regime Militar), porém

mesmo nos períodos democráticos a censura continua. Em 1939, já sob o

governo de Getúlio Vargas, cria-se o Departamento de Imprensa e Propaganda

(DIP), órgão que acumulou até mil novecentos e cinqüenta e três serviços

distintos8 e entre eles estava a propaganda, a censura e a fiscalização dos

meios de comunicação e das expressões artísticas, bem como era responsável

pelas políticas de incentivo cultural. Sobre o DIP, COSTA comenta:

(...) Megaórgão acumulava as funções de propaganda, publicidade, informação, documentação e pesquisa, publicações, promoção da cultura em escolas e quartéis, controle e fiscalização de espetáculos, censura prévia de jornais e diversões públicas, regulamentação de contratos de trabalho por empresas culturais, produção e distribuição de filmes, defesa de idioma, incremento do turismo no país, e muitos outros assuntos (...) (2006: 105)

O DIP institucionaliza a censura e mais do que todas as outras

atividades, desempenhava a repressão aos meios de expressão cultural.

8 COSTA, Cristina. Censura em cena. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

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Apesar da magnitude do órgão e da burocratização, a censura não possuía

padrões regulamentados, portanto muitas vezes era a opinião e os valores do

censor que julgavam as peças. O processo da censura consistia em enviar a

peça para o órgão regulador da época, depois a peça é avaliada por um censor

que emite um parecer (liberada, proibida para menores de 18 anos, vetada).

Por muitas vezes os censores cortavam palavras dos textos e ocasionalmente

até cenas inteiras. Também era necessário realizar uma apresentação a portas

fechadas para um ou dois censores, a fim de eles verificarem também a

encenação. Algumas vezes censores disfarçados entravam nas sessões para

vigilância das exigências feitas. Inicialmente o processo não era tão sofisticado,

porém a partir da Era Vargas a censura tornou-se burocrática e organizada.

Sob o governo de Vargas o teatro tradicional recebia muitos incentivos.

O teatro de revista e as comédias ligeiras podiam até fazer caricaturas do

governante, deste modo a imagem de Getúlio se fortalecia através desta forma

de propaganda.9 Com relação às políticas de incentivo cultural houve a

promoção de concursos de textos dramáticos e a criação do Serviço Nacional

do Teatro (SNT), fundado em 193710. Por outro lado, o circuito paralelo sofria

com repressão, pois muitos dos artistas amadores eram ligados a imigrantes.

No contexto da Segunda Guerra Mundial e da queda do Fascismo e do

Nazismo, Vargas impede a realização de atividades relacionadas a estas

ideologias, assim muitas organizações - de origem italiana principalmente – são

fechadas e proibidas de exercerem suas atividades.

Com a saída de Vargas e o encerramento das atividades do DIP em

1945, a censura torna-se mais branda, vetando mais palavras e cenas de

nudez do que ideologias e ideias. O Estado continua a exercer uma censura,

porém uma censura mais burocrática do que violenta nesses tempos. Também

a partir de 1945 o Brasil começa a ter muita influência internacional,

principalmente dos Estados Unidos. Neste momento se inicia um movimento

para modernizar o país, tendo como exemplo os países industrializados. No

9 COSTA, Cristina. Censura em cena. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

10 ROSA, Marcus Wesley Guimarães. Cultura de Estado: políticas públicas e censura em

relação ao teatro amador. Relatório de iniciação científica Cnpq/PIBIC, 2009.

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campo cultural são realizadas manifestações em busca de um nacional-

desenvolvimento. Há uma expansão cultural muito grande.

Assim como em outras áreas, a cultura também demonstra o início da

profissionalização e o governo começa a investir nela. Vários museus e locais

para expressão artística são criados na mesma época, a década de 1950, tais

como a Escola de Arte Dramática (EAD), o Museu de Arte Moderna (MAM), a

Bienal e o Museu de Arte de São Paulo (MASP). Nesse contexto, o Estado

novamente não é somente repressor, mas também um disseminador,

incentivador de cultura e criador de uma identidade nacional como enfatiza

MICELI:

O papel do Estado em relação à cultura é complexo: ele não é apenas o agente de repressão e de censura, mas também o incentivador da produção cultural e, acima de tudo, o criador de uma imagem integrada do Brasil que tenta se apropriar do monopólio da memória nacional. (1984: 50-51)

O teatro amador, assim como o teatro profissional passou a receber

incentivos do governo. Instituições como a Comissão Estadual de Teatro

(CET) e a Federação Paulista de Amadores Teatrais (FPAT) foram criadas com

o intuito de melhorar a situação do teatro e auxiliar os grupos teatrais. Suas

ações tornam-se essenciais para o teatro profissional e amador, já que nesta

época ocorre um grande crescimento do número de grupos devido à

efervescência cultural da época.

De 1955 a 1960 a CET (Comissão Estadual de Teatro), órgão criado por

profissionais do teatro para o crescimento desta arte, se encarregou de

distribuir verbas, melhorar teatros, criar seminários, cursos e outras atividades

que proporcionassem o desenvolvimento do teatro no estado de São Paulo. Os

grupos amadores estavam incluídos nos planos, muitas vezes por meio de

parcerias com a Federação Paulista de Amadores Teatrais (FPAT), criaram

cursos, organizados festivais e alguns diretores profissionais eram subsidiados

para trabalhar com grupos amadores. É certo que as companhias mais

famosas recebiam as maiores verbas, contudo os menores também eram

lembrados e beneficiados, assim a CET realiza os 1º e o 2º Festival de Teatro

Amador, o que já é uma grande evolução em termos de amadorismo. A CET

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sabia que eram os amadores que alimentavam a indústria de entretenimento e

por isso decidiu investir neles, havia um diretor para representar o teatro

amador em sua comissão, que inicialmente foi João Ernesto Coelho Neto,

também presidente da FPAT e censor (Coelho Neto era visto como um bom

censor, que sempre auxiliava na liberação de peças11).

No ano de 1952 é fundada a Federação Paulista de Amadores Teatrais

(FPAT). Apesar de não ser um órgão oficial do governo, a Federação mantinha

relação íntima com os órgãos fomentadores do teatro como, por exemplo, a

CET, a Secretaria de Educação e Cultura de São Paulo e a Comissão

Municipal de Teatro, a fim de garantir os interesses do teatro amador. Os

grupos se filiavam à FPAT, que em contribuição ajudava-os com a legislação,

organizava cursos, criou a Revista de Teatro Amador e realizou festivais. A

organização a FPAT foi muito importante, pois auxiliou o teatro amador a se

destacar ainda mais naquele cenário e a se fortalecer como uma classe unida.

A ajuda da Federação não era unânime entre os amadores, alguns grupos

diziam que a FPAT beneficiava a poucos, porém é evidente que a instituição foi

relevante de algum modo.

Outra instituição que se destacou neste período de democratização foi o

Clube do Teatro, que auxiliava os grupos com relação ao local de

apresentação e burocracia em troca de uma pequena contribuição. Além de

também ser um grupo amador, o Clube do Teatro atuava como mais uma

instituição de congregação do amadorismo. Vários artistas de destaque

passaram pelo Clube como, por exemplo, João Ernesto Coelho Neto e Antunes

Filho. Existem 32 requerimentos de peças no AMS que comprovam a vasta

participação do Clube do Teatro no cenário paulista.12 De acordo com Marcus

ROSA:

11

Sobre Coelho Neto ver a entrevista concedida ao Arquivo Miorel Silveira presente no livro: COSTA,

Cristina. Censura, repressão e resitência no teatro amador. São Paulo: Annablue; Fapesp,

2008. 12

ROSA, Marcus Wesley Guimarães. Cultura de Estado: políticas públicas e censura em

relação ao teatro amador. Relatório de iniciação científica Cnpq/PIBIC, 2009.

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O Clube de Teatro foi fundado em 21 de abril de 1951, com sede à rua Riachuelo, 275, como relata o primeiro número da Revista de Teatro Amador, de 1955, que traz uma entrevista com Nicolau Cinelli, então presidente. Essa instituição recebia a inscrição de interessados que contribuíam financeiramente e, em troca, tinham direito a uma apresentação teatral por mês.(2009: 33)

Como já citado, na fase democrática do país a censura atuava de forma

mais branda, principalmente no circuito popular. Muitas vezes, porém, camadas

da sociedade pediam por censura como no caso de Perdoa-me por me Traíres

(DDP4469), de Nelson Rodrigues, que passou por várias fases e possui carta

da sociedade de mulheres Cruzada das Senhoras Católicas de Santos e

abaixo-assinado da Ação Católica de São Paulo para que houvesse a proibição

da peça. Curiosamente a CET interveio (após muitos ofícios e discussões) no

processo pela liberação com cortes para maiores de 21 anos, exercendo o já

descrito papel dúbio do Estado de estimulador e ao mesmo tempo limitador.

Por quase duas décadas tem-se certa “liberdade” e crescimento cultural

e intelectual do país, período que é interrompido em 1964 pelo Golpe Militar. A

censura no regime foi mais violenta do que em qualquer outro período da

história do Brasil, com a criação do Departamento de Ordem Pública Social

(DOPS). Em oposição a essa ditadura mais forte a classe teatral enfrenta a

censura mostrando a sua arte em fase muito inovadora e frutífera. Muitos

grupos de teatro amadores e profissionais adotam uma posição política. Quase

como uma antítese à repressão. Nesta época, o Estado continuava a oferecer

incentivos culturais e criam-se órgãos que ao mesmo tempo controlam e

mantêm as práticas teatrais profissionais e amadoras.

É interessante citar que neste período há uma ruptura com o padrão de

público que estava sendo construído por grupos como o Arena, já que passam

a constituir este público estudantes de classe média:

O Golpe de 64 trouxe como consequência imediata o desmantelamento das organizações populares. Interrompe-se abruptamente o contato entre a intelectualidade de esquerda e as classes oprimidas. Dentro deste novo contexto, a classe artística passa a produzir para um novo público: a pequena burguesia. A partir de então, os grupos que buscavam uma ação cultural transformadora passaram a ter na classe média estudantil sua principal platéia. (FAYA, 2005: 149)

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A Confederação de Teatro Amador do Estado de São Paulo (COTAESP)

surge em 1967, num momento que o número de artistas amadores chegava a

15 mil13. A COTAESP adota uma postura não-política, o que facilita seu trânsito

em meio ao regime. Sua primeira ação é conversar com a Sociedade Brasileira

de Autores Teatrais (SBAT) para que os amadores tivessem maior acesso aos

textos e também obtivessem condições especiais de pagamento sobre os

direitos autorais das peças. Esta iniciativa funcionou e assim os amadores

puderam aumentar e diversificar seu repertório. A COTAESP também

contribuía com os Festivais Amadores e auxiliava os grupos a buscar apoio

público e privado para a apresentação das peças.

Em 1968 se inicia o período mais nefasto da ditadura militar com a

instauração do Ato Institucional nº5, o chamado AI-5. A censura passa a ser

mais ferrenha, tratando com muita violência àqueles que tentavam se opor ao

regime. Como já mencionada, a posição de alguns grupos de teatro

profissionais era de enfrentar a ditadura, assim grupos como o Oficina,

adotaram uma postura política, mas juntamente com as glórias do ótimo teatro

que vinha sendo produzido vinham os danos causados pela repressão do

governo. Durante este período, diretores e atores teatrais foram presos e esta

época modificou o teatro para sempre. Pode-se notar na declaração de Celso

Frateschi, concedida em entrevista, os sentimentos em relação ao período de

ditadura militar e as consequências para o teatro:

Não faz falta nenhuma, a ditadura não faz falta nenhuma pra ninguém. É claro que a gente viveu aquela época e resolveu viver aquela época batendo de frente né?! E isso a gente tem um certo orgulho disso, sobrevivemos, o país se transformou e acho que de alguma forma essa geração ajudou o país a se transformar bastante, mas sorte de vocês que não tem mais isso. A censura atrapalhou, a censura destruiu o teatro brasileiro. (FRATESCHI, 2011)

Além do teatro engajado também começa a existir um número maior do

chamado teatro alienado, que durante este período passa a apresentar muitas

comédias e exportar os chamados musicais da Broadway. Esta destruição do

teatro mostra seus efeitos atualmente, o teatro nacional ainda é pequeno em

13

VILELA, Ney. Teatro Amador Paulista: voz libertária em tempos de silêncio (1964- 1985).

Revista leituras da História nº5, 2008.

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relação ao número de textos importados. No circuito alternativo também ocorre

algo parecido, já que muitos estudantes, que se envolviam com grêmios

estudantis e política, utilizavam concomitantemente o teatro como uma forma

de expressão. Sobre este teatro de resistência feito por estudantes comenta

GAMA:

Durante o período da ditadura, o Teatro Estudantil, vindo das universidades, assumiu um papel de resistência política, transformando São Paulo no epicentro do movimento das produções estudantis. A partir dos festivais, essas produções se transformaram num dos mais importantes espaços de discussão política e artística. (2008: 88)

No final da década de 70, já com a ditadura instalada e a censura sendo

realizada em Brasília e não mais pelos estados, os incentivos ao teatro

passaram a diminuir cada vez mais e quem mais sofria eram os amadores,

Nesta época alguns grupos mudam suas sedes para as periferias da cidade. O

depoimento de Frateschi aponta uma explicação para a volta à periferia :

E foi muito interessante pra nós do núcleo, porque era um grupo que não estava só preocupado com a ação política não, de alguma forma, toda a esquerda, a partir de 76, começa a ir pro bairro, então essa turma toda que foi presa, 69,68, 70, quando começou a sair da prisão, percebeu a partir de autocrítica e tal que o trabalho deles precisava ter uma base popular mais sólida e aí foi quando teve um grande avanço a educação de base. (FRATESCHI, 2011)

O produtor cultural Toninho Macedo também chama atenção para este

mesmo fato:

E foi um momento difícil, um governo militar, uma ditadura militar, em cada canto tinha um olheiro e o movimento de teatro amador naquela época era muito forte, mas também era um fonte de consciência, na minha avaliação, de maior brilho de consciência da produção teatral, então nós tínhamos muito grupos que estavam na periferia circulando na periferia, nas escolas e que tinham, bom, era a opção até de levar o teatro, já se configurava algo diferente, uma postura diferente do teatro instalado no Bixiga e dentro dos espaços constituídos, nesse período também circulavam muito pela periferia, e continuam circulando, o União e Olho Vivo, era de uma importância muito grande a produção do União e Olho Vivo e ao mesmo tempo ela era um elemento complicador, porque era tão contundente as posturas do União e Olho Vivo, do mesmo jeito que eles faziam o teatro bem acabado e tudo que por onde eles passavam iam deixando rastros de segmento, os militares e a censura sabiam que por ali deveria estar acontecendo alguma coisa. Então todos ficávamos de sobre aviso, por onde o União e Olho Vivo passava a gente tinha que tomar um pouco mais de cuidado também. (MACEDO, 2011)

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A relação entre a censura e os artistas era delicada, pois não eram

somente regras morais que deveriam ser seguidas. Também entravam em jogo

as relações sociais entre censores e artistas que envolviam negociações,

recursos literários, relações de poder e outras interferências. A falta de um

mercado de arte, assim como o baixo poder aquisitivo da população faziam

com que o Estado fosse o maior produtor e incentivador de cultura, assim a

liberdade artística ficava dependente do Estado, a censura era algo com o que

se viam obrigados a conviver. Muitos grupos não buscavam mais apoio no

governo, mas improvisavam para conseguir dinheiro para as apresentações,

porém no meio popular os grupos não podiam se arriscar tanto e utilizavam

muitas artimanhas para fugirem da censura. Assim Hilda Breda explica como o

grupo Regina Pacis agia ao apresentar sua peça:

Isso a gente tinha que mandar o texto e tinha que liberar isso. Teve liberação, vieram os censores, teve que buscar em São Paulo, trazer, eles assistiram, praticamente não teve corte. Claro...na hora de fazer censura, não fique empolgado em falar certas palavras, aquelas que eui falei pra dar mais ênfase, faz meio né?!...não faz...Faz uma coisinha assim...que você não sabe nem o que tá falando. Então ele...[o diretor Assunção] meio macaco velho, não dá aquelas intenções mais assim...[não] faz nenhum arroubo, faz aquela coisinha bem inocente, bem...de quem não sabia bem o que tava falando...Era uma estratégia dele, ele fez isso durante todo o período que teve censores com a gente. Então essa cena que a gente fez desta forma, vamos fazer ela mais... Ele até mudava a marcação às vezes, pra não passar aquela ideia né?! Então isso também a gente fazia. Era estratégia pra gente burlar a censura. Teve muito disso. (BREDA, 2011)

Para a maioria dos grupos amadores a censura não agia com repressão,

porém o maior dano causado era pelo medo provocado naqueles que

produziam cultura. Ao contrário dos grandes diretores e produtores do circuito

comercial, os amadores não possuíam condições para rebater qualquer ação

repressiva, assim o medo impedia muitos grupos de fazerem peças mais

criativas, a chamada autocensura era muito utilizada. A censura sofrida pelo

Oficina tornava-se conhecida no meio intelectual, porém a repressão aos

amadores não ia a público, o que prejudicava somente a estes últimos.

Portanto, os amadores tinham medo de se apresentar e este é uma das piores

consequências da censura. Como afirma Maria Cristina COSTA:

A censura prejudica os menores, os amadores, os alternativos – O poder torna sempre mais frágil o artista iniciante, aquele justamente que pode,

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por estar longe das grandes fontes de auxílio e incentivo, ousar e inventar o novo. Os artistas clássicos, consagrados, que Pierre Bourdieu chamava de capital financeiro da indústria cultural, inventam menos, ousam menos, expõem-se menos, pois temem perder o lugar de destaque que possuem. Os artistas e intelectuais novos, que nada têm a perder constituem a renovação e a vanguarda da produção artística e da intelectualidade. Por isso Bourdieu os chama de capital simbólico. As formas de repressão são mais poderosas diante deles que ainda não são conhecidos nem consagrados. (2006: 263)

A partir de 1979, com a segunda crise do petróleo e os governos

passando por dificuldades começam a cortar e diminuir gastos com a cultura e

o teatro é novamente prejudicado. Os grupos profissionais sofreram muito,

entretanto aqueles que mais apresentaram danos foram os grupos amadores

que não mais possuíam condições financeiras para se apresentar, sufocados

pela censura e sofrendo com a falta de público.

Ao final da década de 1980 se dá a abertura política no Brasil e a

censura oficial é extinta. Porém dá-se início a censura econômica, pois

somente são patrocinadas peças que contém a “moral e os bons costumes”

adequados à marca da empresa, ou daquele que será o mecenas. As políticas

culturais também exigem uma adequação e por isso os que precisam e

desejam receber seus incentivos têm que se autocensurar para entrar nos

padrões exigidos. Renata Pallottini, dramaturga e professora, no livro

organizado por Maria Cristina COSTA, comenta sobre esta censura atual:

(...) Existe a censura de faixa etária na televisão. No cinema, nem sei se ainda existe. No teatro também tem alguma coisa. Mas a censura oficial, tal como era, não existe mais. Porém, existe ainda com toda certeza uma censura privada. Hoje em dia o teatro brasileiro dificilmente pode subsistir sem o incentivo das grandes empresas. Não creio que se você escrever uma peça contra o imperialismo norte-americano conseguirá um patrocínio de uma Empresa dos Estados Unidos. Assim, um autor precisa ficar fugindo de temas que possam incomodar gregos ou troianos, senão eles não vão mais te ajudar a montar seus espetáculos. É triste isso. (2006)

Com o país imerso na chamada indústria cultural e o teatro enfraquecido

por anos de uma censura forte, este último acaba tornando-se um produto que

fica à mercê do mercado. Esse novo esquema dá margem à nova censura

existente, a chamada censura do mercado, onde apenas as peças que

condizem com o pensamento de empresas conseguem patrocínio para serem

encenadas. O teatro independente ganhou muita força e são estes que

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continuam a inovar, sempre buscando uma linguagem diferente. Talvez um

caminho que o teatro amador tenha seguido é ocorrer em locais subsidiados

pelo governo, já que existem projetos como Escolas de Tempo Integral e

Escola da Família que mantém alunos e familiares dentro do ambiente escolar,

um ambiente que a princípio dissemina a cultura e por isto seria propício para a

montagem de peças de grupos amadores. Os festivais amadores não

acontecem mais como antigamente, porém o formato de mostra surgiu e

muitos grupos de cunho amador se apresentam neste formato. Também

continuam a existir muitos grupos independentes em locais afastados do centro

da cidade. Estes podem ser algumas direções que o teatro amador segue nas

décadas anteriores.

Do amadorismo ao profissionalismo

A importância do circuito popular fica evidente se analisados os dados

do Arquivo Miroel Silveira juntamente com as críticas feitas por Décio de

Almeida Prado, Clóvis Garcia e outros críticos que atuaram nas décadas de

1930 a 1980. Os amadores sempre tiveram o papel de inovar a cena teatral,

justamente por serem livres dos fins comercias. Décio de Almeida Prado, em

sua crítica sobre o Teatro Amador de Pernambuco ressalta as qualidades

quase profissionais destes amadores:

O que é surpreendente, espantoso mesmo, nestes amadores de Pernambuco, é a sua tranqüilidade profissional. Não nos referimos propriamente à qualidade artística do conjunto – que é muito boa – mas a outra coisa, a essa impressionante segurança com que se apresentam, certos de si, da peça e do público. Tudo neles, a extraordinária homogeneidade do elenco, a evidente facilidade e prazer com que estão no palco, e até a escolha do repertório, comercial sem deixar de ser artístico, lembra o profissionalismo, não tal como é, mas tal como deveria ser no Brasil. Os outros grupos amadores, Os Comediantes, no passado, O Tablado, no presente, desejam inovar, revolucionar, acrescentar alguma coisa ao nosso teatro. (PRADO, 2001: 220)

Aqueles que participaram de algum movimento amador possuem

características essenciais para se tornarem bons profissionais, pois aliam o

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conhecimento das técnicas aprendidas à experiência de discussões sobre os

mais variados assuntos e certa liberdade artística que não é tão certa no meio

profissional. O teatro amador sempre criou profissionais que mais tarde

migrariam para outras áreas da comunicação. Vários nomes importantes das

décadas de 1930 a 1970 iniciaram suas carreiras no cenário amador tais como

Itália Fausta (saída do teatro dos imigrantes), Walmor Chagas, Gianfrancesco

Guarnieri, Antunes Filho, Raul Cortez, John Herbert e muitos outros atores e

diretores.

Diferentemente de antes, na década de 1970 as grandes escolas que

formam profissionais voltados para estas áreas específicas já existem, porém

por ainda serem novas até então não criavam profissionais completos. Por esta

formação ainda carente, ex-atores de teatro amador permanecem tendo muita

importância nesse cenário. Ainda hoje podemos notar atores que iniciaram a

carreira desta forma na década de 70 e hoje trabalham como profissionais

como, por exemplo, a atriz Rosi Campos, o ator e diretor Celso Frateschi, o

produtor cultural Toninho Macedo, Antonio Fagundes, Alexandre Borges, Ney

Latorraca, Ulysses Cruz, a atriz Cássia Kiss, a também atriz Regina Duarte e o

ator Pascoal da Conceição.

Em nossa pesquisa entrevistamos alguns destes artistas sobre suas

carreiras e como foi tornar-se profissional naquela época. A maioria dos

entrevistados começou suas atividades amadoras em colégios, o teatro sempre

esteve desde cedo em suas vidas. Este dado aponta para o fato de que as

atividades em locais estudantis eram essenciais para o posterior

desenvolvimento profissional do artista. Muitos dos artistas abandonavam a

prática amadora quando terminam o ensino médio, mas alguns seguiam

realizando outros cursos relacionados ao teatro e iniciando uma carreira que

poderia tornar-se profissional.

Sobre o começo das atividades teatrais na vida dos entrevistados, é

relevante notar que somente Hilda Breda, e seu grupo Regina Pacis, iniciaram

sua carreira mantendo relação com igreja, ou seja, era uma entidade de cunho

religioso, enquanto os demais entrevistados iniciaram a prática do teatro em

grupos estudantis. O Regina Pacis foi o único grupos dos entrevistados que

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começou suas atividades no início anos 1960, os outros artistas, no entanto

têm suas primeiras experiências em grupos amadores no final desta década,

início de 1970 isto também demonstra a relevância dos estudantes nas

atividades amadoras.

Ao trabalharmos com a memória, que sempre é enaltecida por

acontecimentos pessoais, precisamos ter cuidado para não generalizar ações

individuais. Porém é interessante utilizar este tipo de técnica para podermos

notar algumas características da sociedade da época. Em seus depoimentos,

quando perguntados sobre o início da carreira profissional, todos os artistas

alegaram que foi algo que fluiu naturalmente e quase de modo acidental, ao

acaso, levados pela sorte. Esta característica dos depoimentos não pode ser

levada a risca, contudo ao deslocarmos para o contexto geral, pode-se apontar

para a troca de posições, uma mobilidade entre as áreas artísticas e

comunicacionais muito grande.

Um fato interessante que é citado por Celso Frateschi é que, a maioria

dos atores de teatro são, de certa forma, amadores, já que poucos conseguem

sobreviver deste ofício. É algo comum os atores também exercerem trabalhos

em publicidade, telenovelas e outras atividades para complementar a renda

mensal. Além disso, também toca em outro fato importante: de que os grupos

não se importavam do fato de não viverem de teatro, já que possuíam maior

liberdade deste modo. Vendo-se por este prisma praticamente só existe

amadorismo com relação ao teatro:

(...)eles encaravam o fato de não sobreviver de teatro com muita naturalidade, eles achavam que tudo bem, que vale a pena ter a liberdade para fazer o que bem entende, portanto nós vamos dar meio período para ganhar o nosso sustento onde for e isso era tranquilo para nós, mesmo porque quando a gente olhava os grandes atores, ditos profissionais, eles eram profissionais de fato, raramente a pessoa vive só de teatro, né, fazia publicidade, fazia televisão, teatro era raríssimos, talvez, a única pessoa que viveu só de interpretar foi o Paulo Autran, talvez o único, mas mesmo assim ele fazia rádio, televisão, mais uma série de outras coisas, então era tranquilo isso pra ele. Então essa profissionalização sempre foi assim, como é hoje, eu vivo de teatro, mas não posso dizer que vivo de interpretar, aqui a gente se endivida, daí faz televisão e paga as dívidas, daí faz uma outra coisa, dá aula, gira entorno da coisa do ator, mas eu não posso dizer que eu vivo de ser ator(...)(FRATESCHI, 2011)

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Considerações finais

O estudo dos processos de censura do Arquivo Miroel Silveira

demonstra que o perfil do teatro amador mudou durante os anos. As políticas

de apoio à cultura e a construção de lugares próprios para essas atividades

proporcionaram o aumento das entidades promotoras culturais e estudantis,

em oposição a esse crescimento vê-se a diminuição de espaços como os

centros de imigrantes e trabalhadores. Grande parte dessa mudança se deve à

indústria cultural e à censura. A partir da década de 1960 o número de grupos

amadores estudantis aumenta significativamente e adquire uma enorme

relevância no cenário de combate à repressão exercida pelo governo ditatorial

militar.

Grande parte destes estudantes tinha ligação com grêmios acadêmicos

e também exerciam um papel político. Muitos dos grupos estudantis adotaram

um papel político de resistência contra a ditadura militar. Os mesmos

estudantes que integravam o teatro amador posteriormente participariam do

movimento das Diretas Já. Na época em que a censura foi mais repressora o

teatro a combateu com um movimento de engajamento muito forte, assim os

estudantes amadores foram de grande importância no cenário de luta da

época.

Apesar do perfil daqueles que praticavam o teatro amador se modificar,

o motivo para a reunião de pessoas não muda: em ambos os casos é a

sociabilidade. Enquanto antes a reunião de pessoas era pela manutenção de

cultura e noção de pertencimento à sua terra natal, nas décadas de 1970 e

1980 as pessoas usam o teatro como forma de escape da repressão e

desculpa para discutir a situação política e social do país, num ambiente em

que reuniões eram proibidas.

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O fato de o teatro amador ser realizado por estudantes contribuiu para a

manutenção da importância do amadorismo. Num período de grande

efervescência cultural e de embate contra a repressão do regime militar o

teatro amador conseguiu seu espaço, com voz para lutar. Por causa das

características daqueles que realizavam o teatro amador surgiram grandes

profissionais que atuam até hoje em áreas correlatas às artes.

Inicialmente o teatro amador era praticado em bairros, porém com o

passar dos anos o local de encontro começa a se modificar tornando-se mais

próximo do centro da cidade. Os amadores eram ajudados pelas políticas de

subsídio do Estado, assim na década de 1960 muitos grupos utilizavam

espaços do governo para realizar suas atividades amadoras.

Concomitantemente também ocorre um movimento de volta para as periferias,

pois uma grande quantidade de grupos monta suas sedes em zonas mais

afastadas do centro para se afastarem da repressão e da censura, mais

presentes nos centros onde havia maior fervor cultural. Assim são iniciados

trabalhos em comunidades de periferia, ainda hoje muitos grupos como estes

se mantêm nestas regiões marginais da cidade.

Durante todo o período desde a década de 1930 até 1980 o Estado

exerceu um papel duplo em relação ao teatro: de fomentador e de censor de

suas atividades. Essa característica dúbia é mais percebida nas épocas de

regimes totalitários como na ditadura militar, onde vários órgãos de fomento ao

teatro e ao teatro amador foram criados e houve uma enorme expansão neste

campo, porém concomitantemente houve o período mais difícil da repressão,

onde artistas e peças eram censurados, presos e alguns até desapareceram

durante esta época, é o caso de Eleni Ferreira Teles Guariba, professora

universitária e diretora do Grupo de Teatro da Cidade do teatro de Santo

André, desaparecida em 1971, após ser presa pelo regime militar.

A pesquisa permitiu traçar o perfil para o teatro amador nas décadas de

1970 e 1980. Pode-se agora dar continuidade à busca por entidades e grupos

contemporâneos verificando se o teatro amador ainda possui a relevância que

exercia em épocas anteriores, onde ele se manifesta e quais suas

características.

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Anexos

Anexo I – Lista de peças amadoras catalogadas para o Arquivo Miroel

Silveira

Ano Título Autor

1956 Côco-Melancia-Abacaxi Abelardo Pinto Piolin

1956 Demônios em el cuerpo Miguel Echegueray

1956 La Mujer del Sereno Miguel Ramos Carrion

1956 Como se Arranja um Marido Veloso da Costa

1949 Máscaras Menotti Del Picchia

1957 A Mulher do Chico Oliveira Lima

1947 Joaninha Buscapé Luiz Iglezias

1949 O Desertor Castro Viana

1951 Tudo Azul Ferreira Neto

1959 O tio Boêmio Walter Sequeira

1959 O caso dos 10 negrinhos Ágatha Cristie

1959 Casamento Russo Ikonnikov

1959 O Padre Protestante Boanerges Ribeiro

1959 A Cocaina George Effeiche

1956 Os ladrões Avertchenke

1948 Balduíno Armando Gonzaga

1966 Show do Bicho Vinícius de Morais

1956 O Filho de David Richet

1948 Tudo por Você José Wanderley

1956 Pluft, O Fantasminha Maria Clara Machado

1962 O Discípulo do Diabo Bernard Shaw

1965 Natal na Praça Henri Ghéon

1959 Que Sogra!(Sogra nem pintada) J. Pontes Vieira

1956 O Herói João Alexandre Petõfi

1962 A Ilha do tesouro Cyd Ferreira dos Santos

1956 O Judas no Sábado de Aleluia Martins Pena

1956 A casa de Quiros Carlos Arniches

1954 A Tal que Entrou no escuro Gastão Tojeiro

1965 História dos irmãos Soga Desconhecido

1965 Barco sem pescador Alejandro Casona

1945 O Maluco nº4 Armando Gonzaga

1949 O Pivete Luiz Iglezias

1958 Entre o vermute e a sopa Arthur Azevedo

1956 Terra de Amor Ocirema Almeida Barbosa de Silveira

1956 Isca para Homem José Pires da Costa

1956 Esta Noite te Matarei Orlindo Dias Corleto

1956 O Morto da meia noite Odilon Pinheiro de faria

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1956 Dona Xepa Pedro Bloch

1955 O Acrobata Octave Feuillet

1963 Ciúmes de Um Pedestre Martins Pena

1956 Vai graxa, doutor? Olindo Dias Corleto

1962 Cinderella Desconhecido

1956 O Segredo que a Lua não conta a ninguém Ernst Bernhoeft

1947 Fatalidade Barros de Almeida

1940 O Tigre Armando Prazeres

1946 O beijo que era meu José Wanderley

1948 Consciência Adormecida Iris Avanzi Moya da Silva

1955 O Oráculo Arthur Azevedo

1959 A Torre em Concurso Joaquim Manoel Macedo

1957 Essa Mulher é minha R. Magalhães Jr.

1966 Os Cegos Michel de Ghelderode

1966 O Jovem Aventureiro Desconhecido

1966 Uma rosa no cárcere José Alberto de Marchi

1961 O Living Room Graham Green

1962 Donna Rossa Guglelmo Gianini

1962 Don Juan Moderno Moliere

1962 Maria do Samba José Sampaio

1965 Consulta Arthur Azevedo

1962 Signore Il Poltrona Gavi

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Anexo II - Certificado de participação do SIICUSP

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Anexo III - Certificado Seminário Comunicação e Censura

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Anexo IV – Entrevista Pascoal da Conceição Data: 6 de maio de 2011 Local: Residência do entrevistado

Entrevistadora Paula: Pra começar eu gostaria que o senhor falasse Pascoal: Não precisa chamar de senhor. EP: Como você começou a fazer teatro? PC: Eu comecei a fazer teatro é... você quer saber...por exemplo... que eu me lembre

eu faço teatro desde que eu era criança, porque... falando especificamente da arte de fazer teatro, da arte de representação eu me lembro que eu comecei a me interessar por isso quando eu era criança. Eu ia na missa, gostava de ver o padre rezar missa, gostava de ver o aquela coisa do celebrante, ficava vendo o ritual da missa, essa aproximação ritual... depois eu saia muito... quer dizer...na época da minha 1ª comunhão essas coisas... eu me lembro que eu ficava em casa, eu sei disso porque em casa eu ficava rezando missa também, punha uns cobertores nas costas e chamava minhas irmãs pra receber hóstia e batizava e abençoava... inclusive uma vez teve um incidente grave porque minha irmã ganhou uma boneca de natal e na hora que tinha que ajoelhar, a boneca não ajoelhava e eu quebrei os joelhos... pra ficar todo mundo assim na filinha de joelhos. Isso deu um problema lá em casa que foi uma confusão... quebrou os joe... então eu me lembro desses momentos, mas são momentos ainda... como eu posso dizer pra você? Daquele período da era das cavernas, que você... que você não tem exata dimensão do que se trata isso.

Mais pra frente eu comecei... que eu estudava em uma escola primária, e as escolas primárias, eu tenho, esse ano eu faço 58 anos, então eu estudei na década de 60, 62, 63 por exemplo. Na minha escola tinha uma professora de português e a Dona Maria Teresa era organizadora das festas, ela era professora de português, e Dona Maria Teresa falou pra mim, na 3ª série isso, “- Você fala bem, você fala alto e você lê bem, vamos fazer 21 abril, 15 de novembro, 7 de setembro, as festas cívicas e também... sei lá... as festas folclóricas, juninas”. Eu acabei sendo aquele menino que participa de tudo e... me lembro principalmente da minha formatura, na minha formatura eu cantei, dancei, fazia mil coisas na formatura. Então essas coisas foram o início assim...

Depois veio o ginásio, no ginásio também fui me ligar ao centro acadêmico, centro cívico, trabalhar com o centro cultural... porque a minha adolescência coincidiu exatamente com o período mais forte, mais recrudescido, mais duro do regime político na vida do brasileiro, isso vai mexer muito com a vida de todos os brasileiros de uma maneira nacional e minha juventude vai coincidir exatamente com este momento.

A formação da minha juventude é... o teatro vai ser fundamental porque nós estávamos ali discutindo política, discutindo a vida do país e ouvindo as músicas todas que tocavam nesse sentido. Eu, meu grupo de amigos, era um grupo que gostava de teatro que... eu não me lembro exatamente talvez a gente teve, a gente já se pensava fazendo teatro, aliás até hoje... eles não foram pra carreira, mas era uma coisa que a gente... um canal de... de... expressão realmente. Pra todo mundo, pra nós... alguns foram pra música, eu me lembro que eu até comecei a estudar um pouco de música depois não desenvolvi, mas eu gostava muito dessa coisa do teatro, tinha muito prazer, não era ainda profissão, mas eu considero esse momento embrionário porque esse interesse me levou a assistir teatro, a ir aos teatros, porque na época o teatro era um ponto de encontro de gente, era muito efervescente.

E as peças eram muito interessantes, tinha muita peça interessante, eu to falando aí da década de 70, quando eu to com... quase 17 anos. Porque eu morava na Vila Prudente, como se eu morasse hoje Parelheiro, em distância do centro da cidade, então morava muito longe do centro, isso era uma dificuldade porque você não conseguia pegar ônibus, nem táxi, essas coisas... não tinha nada disso...táxi, nem pensar, ônibus então... até hoje, nós estamos em 2011, meia noite termina... eu morava muito longe então a acessibilidade era muito prejudicada, mas mesmo assim a gente ia ao cinema... a gente ia incentivados pelos professores, principalmente professores que incentivavam a gente e eu me liguei com professores ótimos, professores de português, de física era muito bom... Colégios estaduais, meu colégio estadual, os colégios estaduais tinham uma tradição de ser bons colégios, né?! Todos eles tinham tradição, antes de ter toda essa grande investida sobre os colégios... os colégios particulares eram todos bundão... quem estudava em colégio particular... quem pagava... só bundão... hoje é o contrário. Hoje conseguiram, quer dizer, depois que colocaram o Ministério, efim... colocaram na estrutura universitária, na estrutura escolar brasileira, um pessoal que tava fora... que é o pessoal que conseguiu subir, conseguiu chegar, destruímos

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tudo... enfim... a gente ta na situação que a gente ta... mas... é... a escola era muito forte e também pode se dizer o seguinte os estudantes tiveram papel muito grande na redemocratização do país... muito grande... na redemocratização do país e na... na resistência a tortura na resistência, na resistência a censura, na resistência a tudo isso, foram atacados mesmo, os estudantes, por que estudante na verdade você tem... é natural que seja assim, que os movimentos sejam, por que o estudante... quando a gente ta estudando a gente ai ta... os nossos compromissos assim com a família, são mais soltos, os estudantes são mais livres e tal e é uma época de muita testosterona, de muita libido, essa coisa muito forte, então os estudantes assim tão... tem muita potência, tem muita inveja de quem não é estudante mas quem é estudante tem muita potência, vai atrás, procura, quer fazer...não tá conformado, tal e os adolescentes...os estudantes foram fundamentais...os adolescentes e os estudantes, porque eram nas escolas que eles se encontravam, nas escolas que... tanto que tem coisas terríveis sobre os estudantes, o decreto 447 não sei se vocês já ouviram falar do decreto, o decreto que proibia a reunião dos estudantes essas coisas todas, as escolas todas, as estaduais principalmente, e as universidades que tieram gestores diretores que eram militares, quer dizer, teve até policiais e depois toda a repressão militar, que a gente não tem idéia do que seja uma repressão militar, fica parecendo uma coisa assim muito... soviética repressão militar, mas acontece que no Brasil... é... no Brasil o exército brasileiro não tem uma tradição de repressão ao povo... teve lutas como Canudos e tudo mais, mas quem reprime o povo, quem reprime as pessoas é a polícia né? Quem reprime, quem vai a linha de frente da repressão popular é a polícia, que reprime os costumes, e a polícia... o regime se valeu da polícia, quer dizer, estudaram estudaram “- Como a gente vai fazer?” e se valeram da polícia, então quer dizer, os policiais ganharam poder militar e essa foi uma grande...essa foi a grande mudança, quer dizer, você tá na rua derrepente chegava um...investigador de polícia falava “- É a polícia, tá preso” e prendia você sem habeas corpus nem nada... agia principalmente sobre a juventude, imagina dessa gente a gente soube de poucas pessoas.

EP: Nesse período que você estava nesse teatro amador ainda, não é? Tinham grupos formados então? Você começou com essa questão na escola você já era maior, tinham grupos mesmo?

PC: Não, é o que vai acontecer EP: Como funcionava? PC: O que acontece, você tem como eu disse a coisa tava muito na juventude e o

teatro... o teatro você tinha lá um grupo de pessoas... porque era proibido reunião de mais de 2 ou 3 pessoas, era proibido nessa época, com o grupo de teatro pelo menos você tinha o álibi de estar fazendo uma peça.

EP: Você tinha mais ou menos quantos anos? PC: Eu tenho ai 17 anos... 18 anos, na verdade ai começa em 53... não tem... começa

com uns 15... 16 e vai os 20 e poucos anos. Tem assim... porque... a gente ta no Brasil assim, o Brasil ta... o jovem... o jovem começava a trabalhar muito cedo, a gente não ta ainda... nós não estamos como a gente tem essa possibilidade de escola pra todo mundo, tanto que teve uma coisa grave porque as escolas, porque os estudantes iam passando de ano a ano, por exemplo você fazia... depois quando chegava na universidade você fazia mais um exame e passava pra universidade só que esse contingente foi crescendo de tal maneira que derrepente começou a ter gente que sobrava ai inventaram o vestibular, quer dizer sobrava, você tirava sete você passava e ia pra universidade até determinado momento, dali a pouco você tirava sete ou cinco e você não passaria, se você tirasse, por exemplo, pra medicina se você tirasse dez ponto 1, entendeu? Que é o excesso de contingente, começo-se a haver porque claro por conta da década de 50, aquele período, as coisas...

Mas você perguntava sobre o teatro na escola, que que vai acontecer, os... com a repressão militar, com a falta de... você não tem jornal, você não tem televisão, tudo é muito careta, tudo é muito fraco tal, você vai nos grupos, os grupos são proibidos, como fazer se os grupos são proibidos, é proibido reunião de 2 ou mais pessoas, você faz uma reunião em casa tal, você vai para os grupos possíveis, o mais possível de todos, o que mais facilitava a reunião de mais gente era o teatro, era o que mais facilitava porque no teatro você tem que montar uma peça, tem dez pessoas, tem o cenógrafo... então onde você vai ter mais gente. Os teatros então passam a ser... você vai no teatro, você vai ver que o teatro passa a ter uma função gigantesca, porque lá você pode ir, você não necessariamente precisa estar fazendo o personagem, então.. o álibi ta feito... entendeu? Pra turma política e pra turma que não é política, vai todo mundo pra lá, a gente vai lá fazer as peças, então são peças que se você reparar são peças com elenco de 30 pessoas, 20 pessoas, um monte de gente, e porque tem

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essa, eu acho né, opinião minha, porque que tem tanta gente ali? E esse 30 levam mais 30, porque levam a namorada, os amigos, leva todo mundo, então são 30 que se juntam, o meu grupo era assim eu tenho um grupo de teatro tinha... sei lá... tinha umas 30 pessoas, sendo que às vezes eram cinco ou seis que faziam as peças, eu era um desses que faziam as peças, mas tinham músicos, tinha todo mundo, se juntava todo mundo e essa tropa, esse bando, se falava sobre tudo.

Então meu contato, quer dizer, começa na escola, ai a gente começa a se organizar, porque o que acontece... existem os festivais de música que estão acontecendo e começa a ter um desdobramento porque você vai discutindo, vai quer fazer, praticar e vão fazer festivais de teatro, os grupos amadores nessa época se você for reparar, nessa época os grupos amadores são muito grandes o que vai ter um... porque o que acontece, a repressão política no Brasil ela vai se organizar nos anos 60 todo, depois nos anos 70 ela recrudesce completamente e nos anos 80, vamos dizer, ela começa a abertura lenta, gradual e segura, então até 70 ela ta se organizando, mas a sociedade também, ta todo mundo se organizando, então até 70 você vai ver não ta ai a censura federal essas coisas, o Departamento de Diversões Públicas é ainda da polícia e ele tinha caráter... cunho mais de costumes do que político. Agora a presença da atividade política dentro dos teatros, por exemplo, o Arena, Opinião, Oficina e tal, a presença da atividade política vem grupos de jovens da política que vêm trabalhar nesses grupos, que vêm discutir a realidade brasileira, vêm falar sobre a pobreza, vêm falar sobre a liberdade de expressão, essa coisa começa a se organizar na década de 60 e imediatamente começa a ter uma reação, ai você vai ter por exemplo eu tenho quinze anos de idade e vou fazer uma peça no meu colégio ai se juntam os meus amigos vou fazer a peça, para fazer essa peça você precisava ter o certificado de censura, o certificado de censura exigia que você mandasse para a censura federal um texto escrito esse texto ai pra lá, ficava 30 dias (como eu disse à vocês) ficava 30 dias lá, depois vinha o censura, você tinha que buscar, vinha 2 censores, não era 1, você ia buscar de carro, ou de táxi, tinha que pagar o táxi, tinha que juntar os alunos, cotizava para trazer o censor, daí ele assistia às 8 da manhã, às 9 a peça, e assistia a peça, e ficava bocejando a peça, imagina comédia para 2 pessoas, puta coisa chata, ai apresentava e ele falava assim “- Café de merda, merda não pode, só café” e riscava a palavra “merda” do texto, ai você recebia um texto com algumas palavras riscadas que ficava lá e você não podia falar aquelas palavras que estavam riscadas, ou aquelas expressões, ou aquela idéia, alguma coisa assim, ai você vai ter... enfim

EP: Mesmo dentro desses grupos amadores... desse teatro da escola existia todo esse processo?

PC: Exatamente, não importa onde você estivesse, qualquer lugar tinha esse processo, então a liberdade de expressão praticamente não existia, ai o que eu tava querendo dizer agora a pouco, a repressão militar no Brasil, a repressão política militar como ela não tinha sido desenvolvida pra reprimir a população, muito capilar(?) chegando assim na população toda, a polícia comum que vai ser o braço capilar, e a polícia ta em todo lugar né, os nosso parentes são policiais e esses policiais tava na escola, infiltrados, trabalhando, estudando, eram parentes, então o denuncismo foi muito incentivado, então se o diretor, o próprio diretor da escola se ele permitisse uma apresentação de uma peça de teatro e se essa peça de teatro não tivesse certificado ele poderia ser denunciado por alguém lá e era preso, nós estamos numa época que não tem hábeas corpus, numa época que não tem liberdade jurídica, então você fica com medo.

EP: Mesmo nesse período da escola como era o nome do grupo? PC: Meu primeiro grupo era “Soma”, na verdade o primeiro que eu montei foi no 2º ano

ginasial... 3° ano ginasial, a gente fez uma peça chamada “A máquina”, eu até escrevi a peça, não sei onde ela está mais... e era uma situação mais ou menos assim os operários tavam trabalhando e chegava a máquina e a máquina ia significar que metade dos trabalhadores não iam... iam perder o emprego ai eles resolvem fazer uma greve, se juntam, fazem uma assembléia de fazer uma greve, só que vaza, o patrão fica sabendo que eles iam fazer uma greve, eles se fodem e tal, e depois eles se juntam para descobrir quem foi que traiu e peça começa para saber quem foi que traiu, discutir quem foi o traidor, quem foi que entregou.

EP: O senhor quem escreveu? PC: Eu e meus amigos escrevemos. EP: Na escola? PC: Na escola, aquelas peças de escola que a gente escreve na escola, aquelas

coisas horríveis, mas que tem lá o seu sentido. E ai vai, pega um... pra achar o cara, quem foi o cara, eles começam a torturar, começa a achar que é ele e tortura, na verdade é um assunto

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até interessante hoje em dia, porque a gente tem ai a questão do Osama Bin Laden, a questão da tortura que entrou em jogo, a questão do Obama torturar o Osama, se é legítimo, quer dizer, prender um da qualidade do Osama... da má qualidade do Osama Bin Laden e mata-lo principalmente, quer dizer, é uma questão, mas esse não é o assunto de hoje, a gente vai falar disso numa outra oportunidade, muito obrigada senhoras e senhores! (risos)

EP: E esse primeiro espetáculo foi com outro grupo, não foi com o Soma? PC: Não, porque o que acontece, os grupos de teatro, como é que eles fazem, como é

que os grupos se formam, pela minha experiência, um tem interesse de fazer teatro, dai o aluno junta um grupo, que o teatro ele precisa fazer no coletivo, não dá pra fazer sozinho, às vezes até você quer fazer um monólogo, mas pra fazer um monólogo precisa de um cara pra por a música, outro cara pra colocar a luz e não tem, tem que ter uma coisa do grupo, então você junta o coletivo para fazer a peça, junta as pessoas pra fazer a peça, a gente fez peças também por exemplo, nas festas cívicas também fazia peça, me lembro que uma vez a gente fez uma inconfidência mineira, que aliás essa “Máquina” também deve tá ligada a inconfidência mineira, fez uma inconfidência mineira, teatralizamos ai o Barbacena, aquela coisa toda, eu me lembro que tinha uma reunião dos inconfidentes a gente chegou uma hora que os inconfidentes “- E ai? Pra onde a gente vai?” “- Vamos pra liberdade... nós faremos isso... eu farei isso... eu farei aquilo” ai um amigo meu assim, isso a gente apresentando a peça, todo mundo improvisando que ia fazer e tal “vou fazer escolas, vou fazer hospitais, fazer isso, fazer aquilo” ai o meu amigo (?) “- Fazeremos uma universidade” ai pu... ai a molecada, os meus amigos da escola, puta virou fazeremos uma universidade todo mundo “aaaah... uuuuh... fazeremos” ai meu amigo “- Pô, não pode improvisar?!” ai “- Pode né, mas não assim desse jeito”, mas ai enfim, a gente fazias essas peças, ai eu tava contando da estrutura dos grupos, os grupos normalmente às vezes começa a escrever suas próprias peças porque você escreve pra você, pra você fazer, mas eu já fazia, eu fiz no ginásio também, porque antigamente, agora é diferente, antigamente você tinha era primário, despois do primário, quatro anos de primário, depois admissão, um ano da admissão pra você fazer um exame pra entrar no ginásio, ai o ginásio era mais quatro anos, primeira, segunda, terceira e quarta série do ginásio, depois o clássico, científico e o... clássico, científico e sei lá... são três definições do colegial que eram três anos de colegial, depois você ia pra universidade, já passava direto, mas depois com a questão do excesso de contingente, de alunos e tal, houve o... apareceu a figura do cursinho, mas o... então, mas no ginásio eu já fazia, eu tinha aquele grupo meu, que eu dirigia, que eu juntava pra fazer aquelas peças, a gente escrevia as peças, as peças às vezes eram situações familiares, sabe que você tava vivendo, coisa de jovem, com as peças... o assunto você inventava e escrevia a peça, fazia peça, que é o mais fácil, que é o inicio de tudo, dai você começa escrevendo, dai depois você tem contato até você saber que existe já, que existem autores que escreveram sobre isso, dai você tá numa fase já melhor.

EP: E existiam mais de um grupo dentro da mesma escola por exemplo? Ou de certa forma cada escola tinha um grupo?

PC: Na minha escola... olha tem aquele grupo que predomina, porque eu lembro que do pessoal de música tinha bastante, o pessoal de música tinha mais, mas pessoal do teatro nem tanto, porque também o teatro implicava você, o show de música, rock, o caramba, é mais fácil, você tem os LPs tal, naquela era LP tal, e vai chegando, e chega as músicas gravadas, que vão chegando pra todo mundo tal, e você vai tendo acesso, o teatro a gente tinha que ir ao teatro, a gente ia ao teatro no centro da cidade, no Bexiga principalmente onde tinha muito teatro, assistir as peças, que ia todo um sem querer, sem a gente saber, uma espécie de uma osmose, você vai lá ver como eles fazem, fica interessado, então vê o Plínio Marcos, depois vai ver o “Hair”, depois vai ver uma peça do Paulo Autran, depois vai ver uma peça do Teatro Oficina, depois vai ver... e vai vendo que tem gêneros diferentes, tem outra peças, ai copia uma peça, a gente fez uma peça que, depois que meu grupo foi montado, a gente fez uma peça “O casamento do pequeno burguês” que eu vi no Teatro Oficina, eu adorei e tal, refiz lá. Então tem isso, agora a quantidade de grupos por colégio, ai era... acho até que podia ter mais de um grupo, mas quem prevalecia, eu acho que era a música, porque até na época tinhas os festivais da Record, de música né, e esse festivais davam muito pano pra manga pra música, e música também é mais bonitinho e tal, você junta os músicos, as meninas gostam mais.

EP: O senhor lembra de nomes desses grupos nesse período? Você disse Soma, lembra de outros?

PC: Vou até dizer pra você onde está os outros, estão aqui (abrindo arquivo), tenho vários grupos, tem o Trama, aqui ó, Tema, Sucata, o Soma era o meu que era o... que “soma” em grego é corpo, que a gente tinha essa idéia de um coletivo que formava um corpo só,

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ArtShow, Trama, Teslu, Cetec, República, ProArte, Trimparte, João Carlos, Jori, Na Porta, que às vezes é abreviaturas essas coisas assim, nomes assim que o cara inventa, “Jori” sei lá o que é isso, mas enfim, grupos de teatro que... tem até um cartaz vou mostrar pra vocês.

EP: E esses grupos eram a maioria de estudantes ainda, que estavam ligados a essas escolas esse teatro?

PC: Ah, tudo amador, olha só, era um cartaz do nosso festival, porque o que acontece, começou a aparecer grupos de teatro, depois inclusive isso vai sumir porque no meio das reuniões a gente descobriu que tinha um agente do DEOPS e tudo mais, essas coisas, porque começou a chamar muita atenção aquele grupo, a gente se reunião bastante, na verdade eu não me lembro exatamente, talvez outras pessoas tivessem intenções políticas com aquilo e tudo mais, mas a gente queria fazer só teatro, e fazer teatro discutia, fala mal dos militares e tudo mais, ai a gente soube que tinha lá um agente e tal, (mostra cartaz e lê:) “Finalmente a maior integração de jovens promovida em Vila Prudente. Participe. II Festival de Teatro Amador Jovem de Vila Prudente. Inscrições para os grupos teatrais e (tarará)”, aqui o cartaz, e tem um cartaz de um grupo que a gente gostava muito, aquelas coisas né, porque a gente ainda tá na época que isso se faz na gráfica, tem que fazer com aqueles tipos de gráfica, entendeu? Então a arte final era bem trabalhos, não era assim como hoje. Dai eu encontrei esse aqui que eu tava pensando em vocês, do meu grupo eu não encontrei, eu tenho uma crítica, nós ganhamos prêmios e tal, “A pane” do Dürrenmatt (mostra cartaz), do grupo Tema, que era um grupo lá da zona norte, um grupo bem bacana, tem uma vereadora do PT inclusive que era da “Pane”, uma menina bem bonita, eu gostava dela.

EP: Queria que você falasse um pouco sobre a organização desses festivais, existiam esses grupos e como começaram essas idéias de festivais de teatro amador?

PC: A idéia do festival... porque o que acontece, tem os grupos de teatro amador, eles se apresentam nas suas escolas e às vezes eles se reduzem as suas escolas, mas às vezes o grupo ensaia uma vez, quer fazer mais e começa a se desdobrar e parece uma tendência natural de buscar mais público, de buscar outros públicos que não são os estudantes e tudo mais, você sabe que estudante quando assiste uma peça, assiste assim, parece que é uma pessoa só, “hum...aah” tudo junto, então tem aquela coisa coletiva, então os grupos ficam com vontade de fazer uma coisa mais séria de teatro e tal, o festival oferecia isso, na verdade eu li aqui (na pasta de documentos) que a gente teve mais de 2.000 espectadores no total do festival, foram 10 grupos de teatro, que é bastante, mas com uma média de 180 por dia, que era legal, com cada grupo apresentando uma peças, um tema, tudo muito precário, muito mal feito, inclusive na interpretação, na maneira de fazer e tudo mais, mas eu vi aqui que o SESC tava envolvido, o Lupinassi e o Caetano Martins também tava envolvido, que era um... porque o que acontece, você tem os... que a sociedade não tá organizada pra atender uma população de jovens que quer fazer teatro e nem incentivar isso, nem nada, ai você precisa de uns agente que possam ir lá e falar “vamos fazer esse festival?”, sugere os grupos, você vai ver que a gente que faxinava, o tempo todo essa energia que ia se produzindo, ia se reproduzindo inclusive, que é o que vai acontecer lá na Vila Prudente com a gente, entendeu? Como isso vai se dar eu não tenho muita idéia, talvez lendo depois essas paperamas a gente vai ver, como isso vai se organizar porque depois inclusive isso tudo acaba né, porque pelos motivos todos que tem as coisas e tudo mais, se você tá lidando com adolescentes, com jovens, eles tão em formação, eles ainda não tão com... eles ainda tão em projeção, tão projetando o que vão ser, e essa projeção do que vão ser essa projeção muda “- Vou pra isso, vou pra aquilo, vou pra aquilo”, depois fica como eu sou hoje que agora eu já tenho que trabalhar com o que eu sou, tudo o que eu tenho pegar eu mesmo e me elaborar pra fazer o que eu vou fazer, quando você é, ainda não é nada, não é alguma coisa, não é um personagem ainda, você ainda tem a possibilidade de não ser, de ser outras coisas, mas agora assim você já começa... é como se fosse, pensando mais ou menos, você tivesse... os deuses te dessem tudo o que você é “- Ó, você é isso, vamos ver o que você vai fazer com o que você é, vai!” ai você ganha, eu sou mais ou menos isso, to nessa situação “- O que eu faço com o que eu sou?!” que é o que a gente é agora, quando você é jovem ainda não tem essa coisa, não chegou nesse balanço ainda, então as coisas ainda são voláteis né, vários modos, ai não se define, pra mim... tanto que meus amigos todos, tenho vários amigos que até hoje são amigos e depois se vocês quiserem dou o endereço de um que é professor que foi pra universidade Wanderley Capelosa, dou o telefone dele pra vocês conversarem com ele, que o Capelosa era o diretor do nosso grupo, eu e ele dividimos a direção e o Capelosa foi ser professor, estudando lá na USP, porque a gente estudou lá na Letras, ai ne Letras eu cheguei e pensei “- Vou participar do grupo de teatro daqui”, o grupo de teatro da Letras era difícil e tal e não deu certo e tal, ai eu falei “- Puta que

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pariu, eu não vou ficar aqui”, ai eu fui fazer EAD, Escola de Arte Dramática, fiz EAD, mas primeiro... porque o que acontece, o amador de teatro, que hoje é uma categoria que já não existe mais, ele era um... esse período de amador ele serviu pra uma espécie de uma triagem, você chegava no amadorismo você conseguia sem um compromisso, assim como era na escola, você, por exemplo, você tá fazendo um trabalho, você não tem um compromisso como você vai ter depois no futuro de...daquilo resultar no produto que é um compromisso importante, você deve ter. Eu, por exemplo se vou ensaiar uma peça, se eu vou fazer um trabalho, seja com quem...com o Zé Celso, com o Gabriel Vilela, com a Maria Alice Vergueiro, meus amigos...quer dizer, a gente vai fazer um produto no final disso aí, vai sair alguma coisa, alguma coisa, um produto. E esse produto vai ser a nossa negociação com a sociedade. A gente vai ganhar dinheiro com isso, a gente vai fazer...sei lá... qualquer coisa, não importa. Aí vai conversar sobre os temas e tudo mais, então essa...essa... esse compromisso o amador não tem, então claro... Tem toda a seriedade, toda dificuldade, todas essas coisas, porque não tem esse compromisso é como se você tivesse, mesmo quando eu estava na escola eu tive essa experiência na EAD. A gente tinha o guarda-roupa, a gente tinha o seu Sabiá, que fazia a cenografia, a gente tinha o.... a iluminação, os palcos, a gente tinha tudo e a gente fazia... ó... a gente fazia peça de tudo quanto é jeito lá... a gente se divertia, era uma delícia fazer espetáculo porque você fazia os espetáculos e tal... Isso também, de repente, dá uma espécie de... dá uma certa... o uso do cachimbo deixa a boca torta...a gente sai um pouco do eixo, porque o que acontece: esse experimentalismo, que é interessante, importante, ele, no mercado de teatro, no mercado de trabalho, ele não é uma coisa que dá pra você fazer o tempo todo. É que muita gente fica no experimentalismo por muito tempo e depois ele não ajuda na economia, enfim... coisas que tem que resultar, tem que ter.

A vida do teatro é muito difícil, porque a gente tem que ter público, agora o teatro quando foi criado sofreu um golpe muito forte, como eu estava dizendo, a gente teve o teatro como o lugar aonde a... o brasileiro, a classe média, os estudantes, a classe média, podiam se juntar pra conversar e tal... então ele foi atacado profundamente, o teatro ele foi ATACADO. Quando se descobriu, evidentemente, quando a conjuntura policial, a conjuntura de política de direita do Brasil descobriu que o teatro era um lugar desse cacife, ela... ela... ela atacou diretamente teatro, não só... por exemplo muita gente foi presa, muita gente foi exilada e algumas peças por exemplo foram censuradas no dia da apresentação, essas coisas assim, quer dizer, todo esse trabalho, o departamento de censura da censura federal, atuou profundamente no sentido de esvaziar o teatro, de transformar o teatro num lixo, num lugar inexpressivo dentro da sociedade brasileira e isso, claro, vai se configurar e vai... Inexpressivo, quer dizer, tirou a expressividade artística do teatro por conta da censura, mas ao mesmo tempo também tirou a sua expressividade como lugar de produção de espetáculo pra indústria, pro turismo, como você tem em Londres, como, ás vezes, no Chile. O teatro também, hoje, o teatro como nós temos, ele tá... continua mal das pernas, continua muito difícil trabalhar no teatro, porque depois ahn...você sabe que a televisão entrou no lugar do teatro, porque o teatro também é entretenimento, mas o entretenimento foi passado todo para a televisão, a estrutura de televisão dominou o país inteiro, você por exemplo antigamente você tinha grupos em Pernambuco, no Amazonas, no Brasil inteiro você tinha grupo de teatro, porque a vontade de arte, de entretenimento tá aí, tá acesa, latente e quem pegou esse negócio todo foi a televisão.

A televisão entrou e destruiu todo o mercado... quem que vai produzir alguma coisa, se você... quando chegou a TimeLife que bancou a televisão aqui no Brasil, quando ela chegou... bom...você produz um filme, um filme muito mais interessante, muito mais assim... a zero preço... como é que eu vou produzir alguma coisa nessa categoria? Então vai ficando cada vez mais e mais aquém, vai ficando cada vez menos pessoas... O teatro ainda conseguiu fazer bastante coisa, que fez... mas é muito pouco se tratando da população do Brasil, se tratando do público que o teatro pode atingir, onde o teatro pode cutucar, porque... claro... a gente... esse aspecto político do teatro que tinha antes é UM dos aspectos do teatro. O teatro como arte é muito mais vasto, esse foi o que existiu o que segurou e depois... hoje... com essa... como a situação do mundo mudou... a situação política do mundo é diferente, é outra situação, o teatro também teria que ter outras posições, outras mudanças e tudo mais. Eu não vejo isso com muita clareza no teatro, que é difícil a gente continua tentando atirar pra todos os lados, fazer sei lá... stand up comedy, ou sei lá peças pequenas, peça comercial, o teatro é TUDO... Mas ele está sofrendo, padecendo desse tipo de... quer dizer, ele padece porque precisava ser um poder mesmo, e o poder do teatro é... estar no ator, que tem o poder de falar e tudo... e esse poder foi muito... foi ele que foi tirado do teatro, esse poder, ao tirar esse poder do teatro, você enfraquecendo esse poder, você coloca esse poder num lugar ai nas celebridades, você

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coloca esse poder aqui e ali, você tirou o poder da... quer dizer o teatro perdeu uma força muito grande na sociedade, ao perder essa força, eu por exemplo, sou... eu tenho bastante poder assim... não muito, mas eu tenho poder assim pela minha biografia de ator, ela é... ela é tipo assim, forte, muito forte no teatro, mas a televisão também deu bastante poder como o Dr. Abobrinha, que eu faço e tal, deu bastante poder, que é um poder...s ó que o do teatro é a gente... você... não sei como dizer... é como se nosso... como se fosse meu, EU estou com o poder dele, de poder fazer. O teatro é o poder humano, eu tenho o poder humano, o poder de ser, o poder humano tá comigo, porque o teatro tem o corpo presente e isso daí foi muito enfraquecido nesse tempo que a gente tá falando da censura.

Porque quando você fala... achei legal quando vocês falaram que ia fazer uma pesquisa sobre o amador e censura, principalmente, porque eu vejo, pela minha experiência de vida, o quanto foi pesado pra gente, a censura no Brasil, é tão pesado, tão forte que é como se você fizer... por exemplo... Minhocão... Minhocão é uma obra arquitetônica no meio da cidade que é... que... se você andar no minhocão você vai falar assim: “pô... como é que os os caras... tem uma casa aqui a dois metros e agora construíram uma rua. Pô...esse prédio é bonito, mas agora essa casa tá cheia de furo, como é que é possível fazer isso?” isso foi feito em 67, 68 e... atendeu uma especulação imobiliária, quer dizer, uma interferência na maior cidade da américa do Sul, uma interferência arquitetônica daquele tamanho, sem discussão. Como foi possível? Nós estamos falando disso, você vai lá deteriorou tudo...tá tudo deteriorado, então vamos colocar que a ditadura foi uma intervenção desse tamanho... é muito maior, muito mais terrível na vida de todo mundo, de todo jovem brasileiro.

Eu me lembrei hoje que tinha um negócio, tinha um negócio que chamava “depósito compulsório”, você fazia o seguinte depositava dois mil dólares se você quisesse viajar pra qualquer país, era muito mais que dois mil dólares , se você quisesse viajar pro país você tinha que pedir autorização do governo pra viajar e tinha que, pra pedir essa autorização, depositar, fazer um depósito de dois mil dólares que ficariam presos não sei aonde lá...pra que você voltasse do Brasil, imagina como é que era... você só podia sair com esses dois mil dólares. Não sei como é... vocês são ricas... bilionárias... Quem pode sair?... a juventude hoje tem...enfim essa juventude que queria viajar pra fora do Brasil...imagem quem...você tinha que pagar a passagem e pagar dois mil dólares.Isso era uma coisa comum, tipo assim: “- Pago depósito compulsório pra viagem”. A gente pensava que isso era uma taxa qualquer, achava até legal porque os ricos não podiam viajar, mas os ricos...enfim...fodam-se...os pobres é que não viajam, os estudantes que precisavam...porque hoje eu vejo assim, na minha maneira de ver vocês tem mais é que sair fora, tem mais é que viajar muito, porque a gente tem essa facilidade, o dólar baixou, enfim...faz parte do conjunto do conhecimento de todo aluno, o intercâmbio mesmo, pra...pra sacar os seus interesses, aonde vocês vão...o que vai acontecer...eu imagina o que eu podia ter feito em termos de teatro, eu podia ter ido, o que podia fazer... Fiquei sabendo que tem bolsas de estudos, essas coisas todas lançaram até na época, a pesquisa.... lançou tudo. Tamo falando de um momento muito forte na vida política, em se tratando de democracia brasileira, eu não sei direito... as outras democracias, a do Chile, da Argentina, do Uruguai, elas foram tão ou mais terríveis quanto a nossa, então era toda uma conjuntura de continente terrível. Estamos falando de censura, meu filho tá gritando aí... Então é toda uma conjuntura de medo, uma conjuntura desfavorável pra renovação, pra criação, pra invenção e que... vamos dizer... o que a gente tem desenvolvido nesse momento é uma resistência, muita resistência, que criou a contra-cultura, os movimentos de resistência, resistência, resistência, que eram fortes resistência é uma coisa que você resiste, não é uma coisa que você avança. Enquanto instalada no Brasil, evidentemente, você tinham outras democracias que tavam....

EP: O grupo especificamente, você sofreu processo de censura? Ou de intervenção mais marcante que o Sr....?

PC: Então eu posso falar pra você que... a violência toda era, imagina, você pegar uma peça, montar essa peça, ter que mandar lá pra censura, ficar 30 dias lá não sei aonde, a gente até fazia essa burocracia, porque achava que era normal, levar...ficar essa burocracia, depois a pessoa que vinha buscar lá...ô Nicolau, tem que falar pro Nicolau parar, (levanta-se e vai à porta: “- Ô cacete...ô Nico, para, eu to gravando uma coisa...”) Ele deve tá gravando alguma coisa...a gente até dá uma força.

EP: Retomando então... grupo nesse período o amador ainda, esses processos de censura, você estava comentando esse processo de seguir uma burocracia.

PC: Isso de seguir uma burocracia, isso já era assim. Depois você ia apresentar a peça pra duas, que eram mulheres, não sei de onde elas vinham, devia ser da polícia.... mas mal-

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humoradas e as pessoas eram chatas... todo um trabalho jogado fora pra essa gente e apresentava. Só isso já era uma censura e eventualmente, eu não me lembro da gente ter tido um problema objetivo, mas, assim que eu pudesse citar, mas só isso já era lixo.

EP: Esse festival de 75 foi o primeiro que o seu grupo participou? PC: Foi...na verdade a gente organizou esse festival, o meu grupo depois continuou ,

esse é o segundo festival, depois não teve o terceiro porque depois que se soube que tinha essa pessoa infiltrada lá dentro, a Maria Luiza que era a organizador, desapareceu, não sei onde ela está hoje, enfim toda uma desarticulação da situação, eu não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas eu sei que desarticulou totalmente. E depois aí a gente começa, mas também uma outra articulação na vida das pessoas, porque aí começa, você tem 15, 16, 17, 18, 19 anos, aí você vai pra universidade, pro trabalho, casa, mas toda essa estrutura se desarticula por si só, mas todo esse movimento, esse terceiro festival foi legal por si só, depois a gente participou de um festival que tinha em Santo André, Santo André tinha um movimento teatral amador muito forte, tinha uma federação que se chamava Federação Andreense de Teatro Amador, a FEANTA, uma organização fortíssima de Santo André , que reuniu autores como Antonio Petrin, Dina Guedes e também o teatro que nós fizemos, o municipal de Santo André, aquele teatro Municipal de Santo André, na verdade é uma, um teatro que vai no bojo do grande trabalho teatral que a FEANTA vai fazer lá em Santo André, acaba resultando...enfim...o movimento teatral lá era muito grande, muito bacana lá. E a gente participou de alguns festivais lá em São Caetano do Sul, em Santo André, a gente participou fazendo algumas peças “Biterman e os Incendiários”, a gente fez, meu grupo né, e a gente fez “Jaques da submição”, do Ionesco e do Max Frish, a gente fez peça do Brecth, “Pequeno Burgues”, a gente fez Arrabal, a gente fez coisa assim até mais ou menos os anos 80, até 79 mais ou menos. Depois eu entrei no Banco do Brasil, não...já trabalhava no BB desde 75, mas em 80 eu vou entrar na EAD, porque eu fui trabalhar no banco, meu grupo acabou, pessoas casaram, enfim... Eu mesmo casei em 77, aí depois ficou aquela vontade de fazer teatro, eu trabalhava no banco , era caixa, aí depois fiz um teste, entrei na EAD, fiz a EAD, fiz um seminário com o teatro Oficina, nesse seminário o Zé Celso me chamou pra trabalhar com a...Me chamou, não, disse “- Olha o teatro oficina tá numa situação difícil, o Silvio Santos tá querendo comprar o lugar do teatro Oficina, então tem um trabalho enorme pra fazer aqui” aí eu entrei nesse trabalho, trabalhamos, trabalhamos em teatro, que é aonde eu fiz a minha “pós” no teatro.

EP: Então o senhor tava no Banco aí o grupo tinha acabado e ... P: Aí que eu fiz a EAD, porque o cara que faz teatro, o cara que se liga no teatro ele

acaba indo fazer teste com as pessoas, tá sempre fazendo, fazia peça... tinha esse gosto de ficar fazendo peça no banco, sabe assim?

EP: E o que levou essa opção senhor a essa profissionalização, o que impulsionou o senhor?

P: Não... foi se construindo sozinha, sem que eu soubesse. Como eu tava te falando, eu projetava, mas não sabia exatamente o que ia dar nisso, mas ela foi se construindo sem que eu soubesse e... porque o que que acontece, quando eu tava no Banco do Brasil se delineou uma perspectiva financeira e tal, no BB e tudo mais, que era bem interessante, eu gostava de trabalhar no Banco, só que eu... aí eu fui trabalhar, fui fazer o curso na EAD, fiz o curso à noite, trabalhava de dia e na EAD você, o que me ajudou bastante na EAD foi o contato com as pessoas que trabalhavam, faziam teatro, eu já conhecia e fui conhecer mais gente de teatro. Porque a USP, claro, fica, pra nós, eu morava na porra, no Parque São Lucas, dois ônibus, 1h e 30, terrível... Saía às 6h e chegava às 7 e 45, quando chegava... e depois saía de lá às 11h e chegava... aquelas coisas de USP que vocês conhecem. Aí... lá eu comecei a conhecer as pessoas que trabalhavam com teatro, que tinham amigos, porque aí na EAD, muita gente que vai pra EAD são parentes, filhos de gente que faz teatro, porque a Universidade, o grosso dela, são de famílias que sabem o que é uma Universidade, que tem idéia do que seja colocar um filho lá dentro, essas famílias tem poder aquisitivo pra poder ter um nível cultural mais alto, portanto são famílias, normalmente gente burguesa, que tem muito dinheiro, que não seja muito pobre, é claro que por isso que a faculdade nunca teve muito negro, muito pobre teve muito pouco, porque a faculdade inclusive é muito longe. Brasília tem que ter carro pra andar, se for depender de ônibus, aqueles ônibus, aliás o serviço de ônibus sempre foi essa BOSTA que você vê na cidade. Mas enfim... comprar livro, então... mas é nesse lugar, na universidade que você tem o contato das pessoas que estão ligadas ao que você quer fazer. Então você vai lá, vai pegar aquela massa humana, naquela massa humana também tem gente que você vai conhecer, vai trabalhar, foi lá que eu conheci o Zé Celso, conheci o Teatro Oficina, foi lá que

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me abriu as portas pra isso, entendeu? Evidente que a opção pelo Teatro Oficina, pra mim foi mais fascinante, embora fosse mais arriscada, porque o Teatro Oficina era um grupo com uma fama que o grupo Teatro Oficina tinha, mas era o que mais estava de acordo com meu pensamento do que é teatro, do que é fazer arte e tal. Um lugar onde... E foi lá... e eu achei assim “- Puta eu tomei uma decisão”... Porque aí depois eu ia tomar a decisão de profissionalização, porque chega lá no Teatro Oficina começa a trabalhar, esse é um capítulo à parte, não dá pra falar aqui, mas enfim... comecei a trabalhar e de repente fiquei assim, ou trabalha no banco ou no Oficina, trabalhar nos dois não dá, aí eu fiz uma proposta pro Banco do Brasil, “- Olha...”, eu fiz uma carta lá pra direção geral: “- Olha... Eu quero um patrocínio de vocês pra eu continuar a funcionário do banco e trabalhar no Teatro Oficina”, porque não dava pra trabalhar nos dois lugares, só trabalhar em um só, aí eles não aceitaram, evidente não, quer dizer... de uma maneira muito burra eles não aceitaram, ainda tá em tempo...(risos) Não... eles não aceitaram, mas a escola... O banco do Brasil não aceitou, eu fiz uma proposta de patrocínio pra eu continuasse funcionário do Banco do Brasil trabalhando na cultura brasileira, dentro do Oficina, porque era necessário que eu trabalhasse lá dentro do Oficina. Imagina um... se você fala... se você é um bibliotecário e você chega num lugar e tá correndo perigo, você vai fazer o que? Você vai pra casa? Você vai ficar lá, é evidente, tá correndo perigo... você vai ficar lá. Se um ator chega num teatro e tá correndo perigo, vai virar um shopping? Não... vou ficar aqui, porque é minha OBRIGAÇÃO cívica brasileira, era essa. Eu pedi patrocínio do Banco do Brasil pra que isso acontecesse, pra que eu continuasse lá, eles não deram patrocínio, MAS a própria EAD me reprovou como aluno, sendo que eu tinha feito um seminário sobre o Oficina, eu tinha conhecido no Oficina através da própria escola e, pô,o que eu iria fazer? Ia continuar na escola? Não dava pra continuar na escola, tinha que ir pro Oficina, era obrigatório. E a escola não me considera aluno aprovado pela escola, porque? Porque eu sou um desistente, pelo contrário eu sou um insis... sou um cara que não desisti da escola, pelo contrário, eu investi na escola, eu investi no teatro. Eu não podia ter saído, jamais, eu fiz um seminário do lugar, o lugar ia virar um shopping... Não... eu to completamente infiltrado, o Zé Celso é testemunha, pode até escrever sobre isso. Aliás um dia eu ainda vou pedir pra escola meu diploma de ator, porque eu não sou ator pela escola, num certo sentido, eu não sou ator formado pela EAD. Devia ser! Porque? Porque eu... foi essa pesquisa com o Teatro Oficina que me fez ir pro Teatro Oficina, entrar na luta cultural que o teatro estava enfrentando, hoje o teatro Oficina tá aí, quer dizer... eu não sou responsável, o teatro tá aí, mas eu dei muito de mim pra que isso acontecesse, isso estava presente nessa trajetória histórica que o Teatro Oficina tem na cultura brasileira e fiz isso a partir da EAD, a partir da Universidade de São Paulo, a partir daquilo pro que foi criada a Universidade. A Universidade foi criada pra trabalhar com a comunidade, pra trabalhar com São Paulo, a Universidade não é um bunker fechado. Não, ela foi criada, tá dentro dos estatutos da Universidade que ela é um lugar de convívio, de tato com a sociedade, a sociedade pode contar, DEVE contar com ela. Foi a sociedade paulista brasileira que criou a universidade, então é fundamental que ela não fuja dessa ligação e que tenha dentro da universidade pessoas com cabeça e com conhecimento pra aceitar isso... Aliás eu ainda... Um dia eu ainda vou falar isso... (risos)

EP: E como foi a transposição pro cinema, pra televisão? PC: Não... se você vai... se você for pensar na profissão, o que acontece com a

profissão? Você é... vai fazendo os seus contatos, porque você vai conhecendo, você vai tendo seus conhecimentos. Tem duas coisas que são... que acontecem: uma delas é você ter os contatos, e outra coisa é você ter sorte pra que isso aconteça. Eu, por exemplo, o Dr. Abobrinha, pra contar pra você: o Dr. Abobrinha eu fazia locuções na TV cultura, um dia eu tava passando lá e tinha um teste de uma coisa que iam fazer, eu tava dando uma carona e não sei quem disse “- Espera um pouco que eu vou fazer um teste” “- Ahh então eu vou fazer também”, fiz o teste e acabei pegando o Dr. Abobrinha. E o Dr. Abobrinha se encaixa, eu acredito que entendi bastante o Dr. Abobrinha, porque ele é um Especulador imobiliário, quer construir um prédio de 100 andares, trabalhava no Oficina, o Silvio Santos queria... Aí eu falei “- Pô, é sopa no mel” e mandei ver. Eu te digo uma coisa, são coisas assim... dá pra ser simples explicando, falando e tal, eu escrevo muito sobre isso, o que foi essa trajetória e tal. São coisas que você... o que eu acho... A gente tem que ser assim... Nós estamos a vida inteira, sem saber, construindo uma biografia, às vezes a gente... não se dá conta disso, porque isso é uma gotinha do dia-a-dia, vocês mesmo, vocês estão construindo a biografia de vocês, pode ser que vocês... o valor que essa biografia tem, vão... vai ser assim: as outras pessoas vão dizer o valor que ela tem ou você vai dizer, vai depender, vai depender muito, então aí você precisa... é... como se diz... ver se você quer, que os outros digam qual é o valor que vocês tem ou você.

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Aí você escolhe como é que vai ser, se você quiser que os outros digam... você vai... é foda, é mais difícil, porque você sabe como são os interesses das pessoas, mas aí quando é você, você faz a sua biografia, você faz ela e vai dando o seu caráter, a sua idéia, como você quer fazer... tem aqueles tropeços... aí você vai fazendo sua biografia, vai fazendo ela... aí depois... como eu falei agora pouco... que você faz da sua biografia, o que você faz dela...tem uma coisa assim, que eu vejo em mim, eu sou ator né?! Os atores são assim, eles fazem sucesso, faz isso, faz aquilo... e às vezes a gente faz sucesso, faz alguma coisa, mas a gente ainda continua... cresceu esse lado da sua projeção, mas você continua insignificante, assim, como pessoa, como ser social... então isso... você trabalhou muito pouco essa coisa na sua insignificância. Às vezes é o contrário, o cara não tem sucesso nenhum, mas ele conseguiu trabalhar o que ele é, o seu caráter, tudo mais e aí esse... é uma coisa que o Brecht fala: tem homens assim que são... necessários por um mês, outros por um ano, outros que são imprescindíveis, é desse que nós precisamos, o tipo de gente que seja imprescindível pra vida humana, pra raça humana. Não sei exatamente como é o poema do Brecht, mas ele tem um poema nesse caminho, que fala alguma coisa do que eu to querendo dizer pra vocês...

EP: Pra finalizar, como você percebe esse movimento do teatro amador, hoje? PC: Eu não sei, eu não conheço o teatro amador hoje. O que acontece... os grupos se

organizam, alugam uma granja e dá pra fazer um espetáculo, às vezes você vai assistir um espetáculo e você fala “o espetáculo tá meio esquisito e tal...”. Não tem mais o teatro amador, não tem mais essa categoria, normalmente você vai assistir o teatro e todo mundo já está na categoria ator... “- O que que você é?” “Eu Sou Ator” até porque tem uma coisa assim ... eu me lembro quando... na década de 50, 30, 20, as atrizes eram putas e os atores eram eles eram marginais e tal, então a família e tal não davam muita força pro trabalho, pros atores, depois com o aparecimento das celebridades a profissão de ator começou a ficar um negócio assim genial, que eu acho ótimo, mas se eu falasse pro meu pai “- Pô pai, eu...” quando eu falei pro meu pai, coitado como ele sofreu, eu falei “-Pai eu vou sair do Banco do Brasil, eu vou trabalhar no teatro”, meu pai “- Aaaaaaah”, meu pai policial militar, coitado, trabalhou ali que nem escrevo a vida inteira e tal “- Meu filho, você tá louco, que negócio é esse de teatro?!”, porque meu pai acho que nunca foi a teatro, meu pai falou “- Putz!”, bem, agora ele já foi, mas enfim, mas inda havia aquele pensamento que que era o teatro, mas depois com o surgimento da televisão e tudo mais, a classe média começou... hoje em dia quem que não quer ter uma filha que faça teatro e que vá para a televisão, tá certo que vá pra televisão “- Meu deus!”, que faça sucesso da noite pro dia, que é uma ilusão evidentemente, claro, é uma loteria, em cima da qual muita gente ganha grana e tal, porque você lá e olha e dá dinheiro ser ator, dá, mas são 10 milhões de atores, desses 10 milhões você conhece quantos? Você conhece 30? Ai você uma conta, é mais fácil ganhar na loteria da sena, você ganhar na sena, você quer ficar rico fazendo teatro é mais fácil ganhar na sena, claro que tem possibilidades, possibilidades, possibilidades, taí a Bruna Surfistinha que não me deixa mentir, tem muita coisa que você pode fazer na profissão, mas... é difícil gente, não é fácil, mas tem possibilidades, o teatro mesmo, o teatro é como escrever, eu acho, você pode escrever claro, o teatro o que eu mais gostei de fazer teatro era que eu podia fazer, sabe, não precisava tocar, podia fazer, que nem escrever, acho que no dia que eu quiser escrever vou fazer do mesmo jeito, falar “- Eu posso escrever” e vou escrever, ai você começa a escrever e tal, vou saber como é que escrever, sei lá, vou estudar as coisas, né, enfim, sacar como é que funciona e tal, mas vou escrever no dia que quiser, porque escrever também é uma coisa que você pode fazer sozinho, sei lá, tocar um instrumento já é mais complicado, você tem que saber as notas e tudo mais, eu acho que teatro já é uma coisa mais de gente preguiçosa (risos), brincadeira, não não, teatro é um... pra mim é uma coisa que eu gosto de fazer. Aliás isso é um... profissão gente, pelo amor de deus, profissão tem que ser uma coisa que você gosta de fazer, esse é o diferencial eu acho, acho não, tenho certeza, o diferencial de: você tem duas pessoas, que fazem a mesma coisa e bébébé, pega a que gosta porque essa ai é a melhor, essa vai fazer the best, né? A que gosta é a que vai fazer melhor, com certeza, aquela que ah, faz muito bem, eficiente, essa ai é legal, mas numa hora ela vai sair fora, tem que pegar a que gosta, se você gosta do negócio, claro que a gente um período, por isso que eu tô falando, existe um período de projeção, que a gente vai desenvolvendo esse gosto, vai sacando e tudo mais, mas se você prestar atenção tem uma hora que você fala “- Eu gosto disso, eu gosto de fazer esse tipo de coisa”, eu gosto de... por exemplo, eu fico pensando “- Gente, tem gente que não gosta de fazer teatro!”, não posso nem falar nada porque eu acho... acho até bom que gente não gosta, porque sei lá, porque tem gosto diferentes, ainda bem, a humanidade é essa coisa bacana, diferente, tem essa coisa de pessoas que gostam de uma coisa, que gostam, o cara gosta, e é lindo isso,

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muito bom, eu gosto de fazer teatro, eu adoro fazer teatro, tenho prazer naquilo, e também isso faz um diferencial porque quando fala de fazer uma peça “- Vou fazer uma peça, vou fazer uma peça” “- Sobre o que é?” “- Vou fazer sobre o...”, fui fazer uma peça sobre o salmo 91, sobre o Carandiru, ou então fazer uma peça com pra Mari Alice Vergueiro sobre o Chodorowski menograma, mas vou fazer sobre o Carandiru, dai eu vou, esse monte livro aqui, vou mostrar pra vocês, é tudo livro de ligado, quer dizer, não todos né, mas a maioria deles é assim “vou fazer uma peça”, aqui está o Stanislavski, que é um grande mestre, mas eu vou fazer uma peça, fiz uma peça sobre o Van Gogh, comprei um livro do Van Gogh, vou ler o livro, adoro ler, ler as cartas do Van Gogh, ai eu vou comprando um livro, aqui tem livro, tudo livro que, isso tudo vai vai, aliás e, por exemplo, eu vou lendo um livro do Balzac, comprem Balzac (risos), Balzac, pô você vai ler o Balzac cara, ai ele fala “- Balzac?!”, eu nunca tinha lido, achava uma frescura esse Balzac e tal, mas pô o cara meu, ele conta como é que as pessoas são, como é que elas reagem, hum, eu vou fazer um personagem, lê Machado de Assis, por exemplo, você Machado de Assis, outro dia eu tava lendo Machado de Assis aquele do Capitu, né, Dom Casmurro, cara, o José Dias tem uma hora que o Bentinho entra na sala e tá o José Dias e a mãe dele discutindo se vão colocar ele ou não no seminário, a mãe dele não quer colocar ele no seminário, ai o Machado começa a descrever o José Dias falando que o José Dias é o tipo que sabe opinar obedecendo, fiquei pensendo “- Como é isso? Um cara que opina obedecendo?”, porque aparentemente ele está dando a sua opinião, mas na verdade ele está dando, porque o José Dias começa a falar pra ela assim, porque o José Dias sabe que a mãe dele, ele é agregado na casa, ele depende de viver na casa, pra continuar vivendo na casa ele tem que agradar a patroa, né, então ele dá a sua opinião “- Olha, eu queria dizer pra senhora o seguinte, o menino tá crescendo, eu acho importante...”, mas é opinar, dar a opinião dele que é a opinião da mãe dele pra ele ir pro seminário, ele fala “- Puta que ódio, tenho um ódio do Zé Dias” que é o agregado. Ai você lê um clássico desses e o cara descreve, então derrepente você pode fazer um personagem que dá sua opinião obedecendo ao... sabe, ou então eu me lembrei, eu li um outro outro dia que era bem legal que ele falava assim que ela, a mulher faz uma pergunta pra personagem e a personagem reage como se tivesse sido mordida por uma abelha “- Quê? Como?” (interpretação) nem é a reação, tem a reação da mordida de uma abelha, fiquei pensando “- Engraçado uma reação assim”, porque a gente pensa assim com raiva “- Urgh!” mas a reação dela mordida por uma abelha “- Quê?”, é uma dor, achei isso interessante, é essas coisas que você vai, ai eu vou lendo esses livros nesse, li Mário de Andrade, que eu não sei tem Mario de Andrade ai, a gente fez o livro da loucura do Foucault, olha tem coisas bem interessantes, e ai vai. Então o teatro, em se tratando de como eu gosto, tava falando do amor, do gosto de fazer, toda vez que tem um desdobramento eu adoro, vou no desdobramento, ele me ajuda pra caramba. Então isso que é gostar da profissão, gostar é isso.

EP: Muito obrigada! P: (palmas) Okay! Obrigada!

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Anexo V – Entrevista Toninho Macedo

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Entrevista realizada com Toninho Macedo

Data: 1 de junho de 2011

Local: Sede do Grupo Abaçaí

Entrevistadora Verônica: Com quantos anos o senhor começou a fazer teatro? Qualquer tipo de teatro?

Toninho Macedo: Então vamos começar assim aqui eu não sou senhor, eu sou você, dentro do teatro caba mais assim, cabe melhor.

Eu comecei um pouco tardiamente, já estava com... porque você tem que calcular, o Abaçaí tá com 30 anos, com 30 anos eu comecei. Na periferia de São Paulo, no Colégio Estadual Stefan Zweig onde eu dava aula de francês, então nas horas de folga fazia teatro com os alunos. Quero registrar que foi ali inclusive que Roseli (Fígaro) começou a fazer teatro, na quadra da escola que ela, ali moleca, estudava. E foi ali a minha iniciação, a minha e a deles.

E foi um momento difícil, um governo militar, uma ditadura militar, em cada canto tinha um olheiro e o movimento de teatro amador naquela época era muito forte, mas também era um fonte de consciência, na minha avaliação, de maior brilho de consciência da produção teatral, então nós tínhamos muito grupos que estavam na periferia circulando na periferia, nas escolas e que tinham, bom, era a opção até de levar o teatro, já se configurava algo diferente, uma postura diferente do teatro instalado no Bexiga e dentro dos espaços constituídos, nesse período também circulavam muito pela periferia, e continuam circulando, o União e Olho Vivo, era de uma importância muito grande a produção do União e Olho Vivo e ao mesmo tempo ela era um elemento complicador, porque era tão contundente as posturas do União e Olho Vivo, do mesmo jeito que eles faziam o teatro bem acabado e tudo que por onde eles passavam iam deixando rastros de segmento, os militares e a censura sabiam que por ali deveria estar acontecendo alguma coisa. Então todos ficávamos de sobre aviso, por onde o União e Olho Vivo passava a gente tinha que tomar um pouco mais de cuidado também.

Mas foi um momento muito bom, acredito que entre as décadas de 70 até talvez metade da década de 90 foi um período brilhante para o teatro não convencional em São Paulo.

Então foi ai que nós começamos, fazendo um teatro que envolvia pesquisa, era uma coisa que já estava no meu DNA, investigar, investigar a linguagem, e, como se diz? O vírus da comunicação, das comunicações já estava embutido. Então nós começamos fazendo um teatro que nada ou quase nada se parecia com o que estava sendo feito

EV: E alguém da sua família participava de teatro ou não?

TM: Ah sim, eu sou do interior do Rio de Janeiro, vim para São Paulo com 14 anos, e na família do meu pai... a família do meu pai era uma família muito festeira, minhas tias todas, adoravam teatro, é tinha uma banda de música que era praticamente com meus tios, primos e até as minhas tias tocavam na banda, então a família do meu pai tinha esse estímulo todo, da família da minha mãe também tinha o estimulo das festas, eu quero dizer das festas mais populares, as folias de reis eram, aconteciam no quintal da minha vó, os boizinhos saiam do quintal da minha vó, quer dizer, da minha avó materna, então tudo girava e acontecia lá.

Eu também tive a sorte de ter um pai que era músico, o meu pai formou muitos músicos de banda da cidadezinha que nós morávamos, a minha mãe também acompanhava, compartilhava, eu tenho a impressão que tudo isso serviu de estimulo.

Eu não acho que isso tudo seja necessário, o espírito fala onde ele quer e do jeito que quer, mas no meu caso teve esse laço.

EV: E voltando para o grupo da escola, como que era organizado esse grupo?

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TM: Dentro do Stefan Zweig, ainda dentro do Stefan Zweig, nós fazíamos os encontros nos meus horários de folga e também nos horários que os alunos já confluído para o universo da escola. Então as aulas terminavam onze e meia mais ou menos e onze e alguma coisa já estavam lá os vários dos alunos que vinham a tarde, que era essencialmente os que faziam teatro conosco, já com lanche na mão, o sinal tocava, eu nem precisava abrir a porta, eles já abriam, botavam o lanche, pegavam as minhas coisas, para ganhar tempo, então nós íamos para a quadra da escola e como era uma linha de teatro que tinha na corporalidade a sua base de expressão, então nós íamos para a quadra e tinha todo um trabalho de dança, trabalho da expressividade corporal, e interessante que isso sendo feito num... era um espaço coberto, mas um espaço aberto, a comunidade acabava tendo um contato com isso, e estimulava também, desfiava outros alunos, imagine que na quadra eram quase oitenta alunos buscando, enfim, tudo ao mesmo tempo.

Foi muito bom. Fora isso, a gente dava... o trabalho que montamos foi com base em pequenas observações do dia a dia do cotidiano, então logo cedo esses adolescentes foram estimulados a observar o que estava acontecendo ao seu redor, e isso era muito legal de um lado e por outro lado era perigoso também, era tudo o que naquele momento não se queria, se hoje consegue, naquele momento não se podia, né?

Então que se observasse o mundo, a vida, tal qual (?) nas suas ruas, no bairro, e nós depois improvisávamos isso (?) escola laboratório, que era laboratório, laboratório, laboratório, e era muito bom isso, assim, uma forma muito interessante de estimular, sobretudo o adolescente, experimentando, presenciando, vivenciando.

Foi muito interessante também o trabalho de música, as músicas que levava para a escola, pra servir de estímulo, base para os trabalhos de corpo, vocês imaginem que extrema zona leste eu levava a fina flor dos clássicos, todos eles, toda uma gama que era também as minhas tendências, então, entre aspas seria um risco de rejeição, se bem que eu acho que naquele momento era mais fácil do que hoje, porque essa avalanche de lixo sonoro, não é nem musical, é muito grande. Mas uma coisa interessante é que na medida em que nós colocávamos essas músicas na quadra, recebíamos bilhetes das famílias que moravam em volta da escola perguntando qual tinha sido a música que tinha sido tocada na quadra, e a gente informava, então havia uma contaminação também da comunidade circunstante, isso é bem interessante.

Até que nasceu o espetáculo, era para termos feito três, quatro apresentações no âmbito da escola e acabou que as apresentações foram se multiplicando até que fomos proibidos de fazê-las por uma mudança que houve interna na escola, mas foi muito bom.

EV: E as apresentações e produções, o grupo realizava como?

TM: Ai foi um grande desafio, né? Se tínhamos o espaço da escola, mas nós não tínhamos outra coisa se não o espaço da escola, por outro lado, naquele momento nós tínhamos a cumplicidade do diretor da escola e de muitos professores, então, um corpo docente grande, a escola era grande, tinha três mil e duzentos alunos, tinha oitenta e cinco professores, e tinha uma parte dos professores que eram cúmplices, né, então o que nós precisávamos foi um trabalho essencialmente apoiado sobre o corpo, mas nós tivemos que fazer malhas, tivemos que fazer sapatilhas, fizemos uma série de coisas, mas ai foi a nossa imaginação, inventamos coisinhas para serem produzidas e vendidas, né, e todo mundo correu atrás, então também a comunidade, os pais, mães e irmãos, todos acabavam ajudando inventando coisas para que pudesse..., ajudavam também fisicamente, né, tinha que construir, fazer coisas, eles ajudavam, e muita criatividade, imagine que fomos fazer espetáculo numa parte aberta da escola, onde tinha um elevado mas não tínha tapadeiras, então os próprios professores ajudaram “- Vamos pegar as estruturas das barracas da festa junina, a gente vai emendando...” e depois, pela própria temática, ficou interessante, fomos fazendo cola de farinha de trigo e colando jornal em tudo.

Foi tudo muito, eu não vou dizer improvisado, acho que foi tudo muito buscado, descobertos, foram caminhos trilhados que a gente não poderia imaginar que daria certo. O certo é que não tínhamos dinheiro, a escola, escola do estado, também não tinha recursos,

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mas realizamos, se perguntarem hoje “- Como você conseguiu de tal forma” acho que gastaria um pouquinho de tempo para averiguar isso

Entrevistadora Paula: Dessa experiência do senhor, você era professor de francês até então, mas o que o estimulou a iniciar esse trabalho? Como o senhor começou, derrepente “- Vamos iniciar esse grupo de teatro”?

TM: Foi um estalo, eu já havia uma coisa encostada, eu então havia terminado a minha graduação em letras e durante o curso de letras, o curso que eu fiz, eu fiz na Faculdade Medianeiro com os jesuítas, já naquele momento, Dom Luciano Mendes, que o nosso decano, foi presidente, tornou-se bispo e foi presidente da CNBB. Dom Luciano Mendes e a equipe tinham um olhar muito arguto, então em vez de termos... nós tínhamos uma grade de letras, das matérias pertinentes, por exemplo, língua francês, como foi o meu caso, literatura portuguesa, brasileira e tudo, mas havia um horizonte que eles empurravam e ajudavam que se abrisse, seminários de literatura, então para isso eles levavam Alfredo Bosi, que eram matérias anuais, né, então com base nessas discussões das tendências de arte no mundo e no Brasil, eu acho que isso também foi me mexendo e fazendo uma conexão com, talvez, com as minhas tão modestas raízes de vivências artísticas e culturais lá no interior do Rio de Janeiro. O certo é que quando eu cheguei ao ultimo ano... ah! e também teve outro detalhe, é bom a gente focar nisso, nessas matérias optativas, a coordenação, o curso decano, eles tinham uma preocupação muito estratégica mesmo, tinha “história do cinema”, não sei né, “história do teatro” e à medida que nós cursávamos essas matérias, não era uma coisa “- Vamos ler um pequeno texto, vamos fazer uma discussão”, tínhamos que ir ver os filmes, sabe? Filmes de arte e voltávamos para a discussão e tome trabalho em cima, íamos no teatro e tome trabalho em cima.

Eu acabei pegando um gosto muito grande por ver filmes de arte, não só eu, mas os colegas como um todo, né, iam também ao teatro, tal sorte que começou a ter uma comichão que de algum jeito eu queria fazer algo ligado ao teatro, até fui a um curso, que não vale nem a pena citar, fui lá conversar, consegui ficar mais ou menos um mês, eu vi que era um grande exercício de vaidades, eu percebi que não era bem aquilo que eu estava buscando.

Então eu propus ao diretor da escola que eu estaria disposto, talvez se naquele momento ele tivesse tido alguma dúvida, tivesse colocado algum obstáculo, eu talvez não fosse com tanta sede ao pote, né. Mas como eu joguei na mês, inclusive deixei quinze aulas para fazer isto, ele acolheu, então eu achei que tudo se casou naquele momento, houve um congruência de intenções, de energias, de vibrações que me possibilitou jogar em vários momentos dentro da escola,

Havia também um antecedente que no período de 69, entre 68 e 69, quer dizer, também uma fase bastante complicada, eu morava no Jardim Aeroporto, atrás da antiga VASP, e ali tinha duas grandes favelas: favela do Buraco Quente e a favela do Buraco Frio, e naquele momento eu fazia canto no conservatório, no Conservatório Musical Ibirapuera, e lá eu conheci um rapaz que também fazia canto e era uma criatura adorável, o nome dele era Zeca, e um dia num intervalo de aula o Zeca disse “- Puxa Antonio, você é uma pessoa que me inspira tanta confiança, eu gostaria que você fosse conhecer a nossa casa e o trabalho que nós fazemos na favela do Buraco Quente”, até aquilo eu não morava no Buraco Quente, ai eu falei “- Ai que interessante, Zeca, você tem um trabalho na favela do Buraco Quente...”, ai ele olhou assim pra mim e disse “- Não Antonio, eu moro na favela”, ai eu fiquei parado olhando pra ele, imagine o contexto: numa ante sala de um conservatório musical, um estudante de canto vira e diz assim “- Não, eu moro na favela” com toda transparência. Isto ai foi decisivo para que, no começo do ano seguinte, eu me mudasse para perto da favela, e ai todas as manhãs de sábados e domingos eu ai pra favela e nós fizemos o que eu chamo de um centro cultural, embaixo de um caramanchão de chuchu, né, uma parreira de chuchu, nós nos reuníamos, bom eu me reunia com os adolescentes, tinha um outro pessoal que se reunia com as mães e tudo, né, e ai com a minha experiência de educador e a vontade e o fervor das letras, eu comprava jornal e a gente lia, né, comentávamos, levava esses adolescentes ao teatro, pra tudo que era canto.

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Eu tenho quase certeza que aquilo foi muito importante também pra gente... pra isso... pra essa vontade acontecer, eu ainda estava cursando letras mas já dava aula, naquele tempo era possível, eu a partir do segundo ano comecei nesse colégio. Então vocês vêem, começou haver uma ponte que me desafiava, durante a semana ou estava na faculdade ou estava dando aula na Vila Diva ou eu estava nos fim de semana na favela, chegava na segunda-feira voltava pra realidade. Houve uma necessidade de entre cruzar isso, porque também nós sentíamos que, apesar da comunidade da Vila Diva não ser de favelados, mas era uma comunidade que mandava, que precisava de um algo mais.

Eu acho que tudo isso juntou e é a primeira vez que eu estou fazendo estas relações, aqui agora! (risos)

EV: Sobre o grupo da escola, ele tinha um nome? E quem dirigia as peças?

TM: Então, a formação, que não era uma formação de ator, desde aquele momento nós fomos descobrindo o viés que é uma ação cultural, né, foram tendo leituras paralelas que já vinham do contato com os jesuítas também, de Paulo Freire e de outros teóricos, então eu não tinha formalizado isso ainda muito bem na minha cabeça mas já estava lá, eu me sentia muito mais um educador, por isso que um professor de francês vai fazer teatro nas horas de folga né, eu me sentia mais educador do que professor, e ao mesmo tempo investigando linguagem e investigando a linguagem teatral, cênica.

Então fora em pensar em fazer teatro e montar um espetáculo, nós cuidávamos muito do processo, do processo, então eu levava o pessoal ao teatro municipal, quase todo fim de semana a gente ia assistir os concertos matinais e etc e tal. Mas ao lado disto também, isto que ia aflorando nesses adolescentes, nós íamos buscando a forma e... olha isso que nós estamos... se nós pudéssemos dizer hoje “- Isso que nós estamos amealhando serve para alguma coisa, fora nós nos amelhorarmos, serve também para dizermos algo”.

E foi assim que surgiu a necessidade de montar um espetáculo. Eu dirigi e fiz o roteiro, a partir dos laboratórios e das experiências que os adolescentes traziam, não quero mais dizer alunos, que os adolescentes traziam, e também eles se exercitavam muito, havia algo que a gente tinha colocado naquele momento que era fast cênica, e nós fomos trabalhar fast cênica com eles, claro que eu li Kusnet, li Stanislavisky, li outros, mas o que adiantava ler tudo isso para a periferia? Não é? Então nós começamos a nos exercitar a partir dos jogos, uma coisa que ficou clara, a criança quando pega uma boneca ela acredita que aquela boneca não é de plástico, não é de pano, mas que ela é de verdade, ela não vai joga nunca a boneca no chão, ela vai cuidar, mas como também o cavalinho de pau, vai montar e vai acreditar que é um cavalo, entretanto se aquele cabo de vassoura relinchar a pessoa vai ficar assustadíssima, como se a boneca chorar no colo ela vai se assustar, não é muito difícil fazer essa ponte, fazer o adolescente acreditar nisso, claro que a gente não vai falar em “fast cênica”, ele vai pirar, mas que precisava acreditar, e essa distinção do até onde era pra acreditar eu acho que eles naturalmente conseguiam perceber, tanto que quando terminava os exercícios, terminou.Por isso foi fácil fazer laboratório.

O espetáculo que nós montamos, já vou falar do nome, o espetáculo que nós montamos era um espetáculo que era visceral, não era uma coisa ou falada ou simplesmente estilizada, era verdade interior mesmo, os movimentos eram os mais orgânicos possíveis e depois trabalhados. Naquele primeiro momento, isso há trinta e oito anos atrás, o nome que nós demos foi muito ingênuo, né, ingênuo naquele momento, hoje eu fico pensando “como que isso aconteceu?! Por que que isso aconteceu?!”, era “Verde, Amarelo, Vermelho: Poluição”, então nós trabalhamos isto que hoje, naquele momento o que nós fizemos na escola não era assunto da mídia, aliás a mídia era paupérrima, mas não se discutia muito questão da poluição, uma coisa era visível que nós, a cidade de São Paulo por vários momentos esteve a beira de epidemias mesmo, de... qual a doença naquele momento? Foi muito sério, que atinge o encéfalo, meningite, houve invernos de, fora o clima nebuloso do inverno, mas as almas das pessoas, a alma da cidade de São Paulo estava nebulosa, porque eram coisas que a gente tinha que discutir dentro da escola, às vezes tinha que suspender as aulas porque o nível de contaminação estava muito alto, com muitos óbitos, e isso se sucedeu alguns anos a finco.

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Então nessa coisa dos aglomerados humanos, os nossos aglomerados, da nossa cidade foi o tema central que nós trabalhamos com os desafios, a nossa falta de olhar, a nossa inconsciência, né, então a comissão vinha, tinha uma cena muito interessante, mas que era de gozação, que era a cena da vacina aparecia, e também não usavam nada, não tinha ciringa, entrava um menino ator dizendo “- Vacina! Vacina! Vacina!” e então vacina um, vacinava o outro, quebramos a parede, quer dizer, eram cenas que aconteciam no meio da platéia, usávamos a platéia, entendeu? E acho que isso também, o fato da gente quebrar a quarta parede e invadir a platéia, que não tinha novidade, o teatro do José Celso, o Oficina já tinha feito isso, não tinha novidade, a forma como nós fizemos, enquanto uns faziam para chocar, nós fazíamos para continuar quebrando a parede, inclusive as divisões que nos separam, tentar romper as epidermes, e isso se conseguia.

Era uma coisa muito impressionante ver aquela moçada, aqueles adolescentes de 13, 14 e 15 anos como eles conseguiam penetrar, conseguiam não perder o rumo, iam direitinho onde precisavam, tem algumas fotos disso, depois a gente pode compartilhar.

Então “Verde, Vermelho: Poluição”, ai no final do ano quando aconteceu aquele incidente, que nós citamos, mudou a direção da escola e nos deram uma brecada, eu perdi as aulas, é obvio né? Mas dai tivemos apoio dos pais dos alunos, de outros colegas, fui dar aula ainda na região e logo em seguida nós fomos para uma escola de dança, o Marina Aguiar e continuamos com o mesmo trabalho, aprofundamos aquele trabalho, até porque não se esgotava, e ai nós mudamos o nome do espetáculo, até porque na minha santa ingenuidade, mas também com um pouco de malícia né, nós demos um nome em latim, o nome era “De iurium machinarium”, o direito das máquinas, pensando também que nós íamos ficar livres da censura, mas também como alguma coisa que incomodava as pessoas ao ouvirem “- De iurium machinarium o que significa isso?”, hoje é moda, os nomes, né? Naquele momento não, isso foi uma forma de burlar mas de intrigar também, e ai o “Verde, Vermelho...” passou a ser o “De iurium machinarium” o direito das máquinas, essas alturasnós já estávamos incluindo rock progressivo na trilha sonora para mexer muito mais, eles também já estavam mais maduros, já não eram tão adolescentes, já discutiam mais, bem, foi aquilo.

EV: E o grupo dentro da escola e saindo da escola ele tinha um nome? Ele manteve esse nome?

TM: É dentro da escola... eu não me lembro como...Não, tinha! Tinha sim! É...O nome que nós demos...”gente, vamos batizar o grupo, né?!”. E aí, por culpa minha, acredito, eles também gostavam dessas idéias né?!. Então nós nos denominamos Corifeus Apocalípticos. O nome de onde surge o (?). E..eu não sei...pra mim naquele momento nós estávamos na beira do apocalipse que a gente tá vivenciando. Corifeus Apocalípticos, era esse o nome. Inconscientemente é como se eu também estivesse pensando nisso, é como se nós estivéssemos anunciando realmente o momento que se prenunciava. Se prenunciava nas epidemias que aconteciam lá, se anunciava também numa incipiente poluição, numa degradação – a poluição é o de menos- na degradação do meio. Mas uma coisa também que nós insistíamos muito a degradação das relações. É.. era um espetáculo que se tocava nas pessoas, o tempo inteiro se chamava atenção para isso como nós estávamos, o das máquinas depois, nos enclausurando. Tinha uma cena muito bonita inicialmente nós...Eles todos de malhas brancas, nós projetávamos uma cena de canto, era uma coisa muito impressionante o que a moçadinha fazia porque assim, escurecia tudo, mas em 10 seg, sem marcação eles formavam,e olha que eram quase 40 né?! Eles formavam um paredão certinho, de tal forma que todos os corpos formavam uma tela, uma tela de projeção. Então começava a música Luar do Sertão, picadeiro da paixão, uma música muito interessante que o Dalvas Friste, Dalvas Friste fez colocando cantos de passinhos, sabiá e tudo. Então tinha duas coisas: a natureza e talvez, nostalgia, mas não é nostalgia, não tem nada de nostalgia é importante você ver a lua e não ver a lua, não ver a natureza, a gente tá vendo o preço disso agora chamar atenção pra isso. Então abria-se, na época – imagina...hoje a gente faria isso com os pés nas costas – na época eu tive que abrir um financiamento de um projetor de slides da Kodak, o modelo mais avançado que tinha e consegui fazer porque tinha um amigo que trabalhava na fotótica e que facilitou tudo e eu fui pagando o diabo do projetor, mas que tinha uma lente muito boa, era medida exatamente no corpo deles. Aí abri assim a projeção de slides no corpo deles, e ninguém, juro que ninguém deve na platéia percebia que eram corpos. Então projetava...o

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pessoal ficava...enfim...Aí quando ia chegando no auge disso e havendo distorções eles começavam a se mexer aí que as pessoas se incomodavam e viam. Eles iam desmanchando e já dava início ao que a gente chamava de despertar e por aí a fora... Eles faziam muito bem.

EV: Essas apresentações chegaram a fazer parte de festivais?

TM: Chegaram, chegaram...Saindo da zona leste, em muito pouco tempo em dois anos a gente estava participando de festivais, né?!. Havia um festival no ABC, em São Caetano, no Tijuco Sul, Festival de Teatro Amador, neste ano que nós participamos, claro ali estavam as feras do teatro amador, o Portela com seu grupo Santo André...não sei quem, não sei onde...é que nós não conhecíamos. Então bando tinha gente que já tava assim dez, quinze anos de teatro e uma rapaziadinha que tava começando, engatinhando. Naquele ano o De iurium machinarium recebeu o prêmio de espetáculo revelação, melhor equipe por conta dessas doideras que fazíamos, depois também a grande parte do...acho que tanto das meninas quanto dos meninos, quase uma parte os maiores, entraram nas listas dos atores revelação. Depois disto... na sequência nós participamos de outro festi... tinha um antigo festival na COTARESP, que era uma briga de foice, e eu me lembro que esse festival e eu me lembro que o final desse...Agora acho que eu to misturando um pouquinho épocas. Mas de qualquer forma, numa sequência logo à frente, acho que não era mais essa formação, o próprio festival da COTARESP...não, foi com essa formação. Esse espetáculo do De iurium machinarium ele quando foi novamente - o verde, vermelho foi premiado – o De iurium machinarium ele vai então... num mês ele recebeu todos esses comentários elogiosos do júri e talz e logo em seguida no Festival da COTAESP ele foi massacrado, foi arrasado, porque o Ulisses Cruz tava decidindo o júri, teve uma atução, eu não estava lá, mas teve uma atuação que não foi a mais isenta. Ele disse “que era um espetáculo datado, que essa abordagem já tinha sido experimentada”. Então é muito estranho que um júri...mas isso acontece hoje ainda...um grupo de pessoas que eram sérias fazem essa abordagem e induzem outro grupo de pessoas a fazerem aquilo, mas nós sabíamos o que estávamos fazendo...Eu acho esse exemplo chato, então foi assim, mas não nos abalou. Então esse foi o início da participação em festivais né?!

EV: E, assim, quais as maiores dificuldades de fazer o teatro quando tinha censura militar e a repressão?

TM: É...eu diria que não era só fazer o teatro, era tudo, qualquer ação, até você andar, ir a uma livraria comprar um livro era uma coisa que tinha que ser pensada. E quando se tem que pensar muito naquele assunto você começa a colocar limites, você começa a definir. Isso acontecia também no teatro, às vezes a gente tava assim improvisando, tinham idéias maravilhosas, tinha que avaliar como é que aquilo ia ser visto pelos outros. Quando nós fizemos o De iurium machinarium, quer dizer quando passou de Verde, Vermelho-aquela primeira etapa lá na escola também foi examinada pela censura, nós fazíamos questão, mas eles não conseguiam entender, esse negócio de poluição era muito...muito distante do pensar deles, era muito...não tinha conotação política, não tinha relação com “a vida” eles não conseguiam pensar, o problema era quando eles faziam uma relação com o mundo mesmo aí fora. Quando nós passamos, reformulamos e passamos o De iurium machinarium, ele amadureceu, ganhou...ganhou...mais densidade né?! E o censor quando esteve, eu me lembro que foi o Dr. Dráuzio, que era o censor no momento. O Dráuzio... Todos eles eram advogados, os censores ou eram advogados, filósofa, comunicólogos, pegaram o pessoal da nossa área. E eu me lembro que o Dr. Dráuzio acabou sendo o chefe do setor de censura de São Paulo, mas em que pesa o fato dele ter que cumprir o papel dele, ele era uma pessoa, eu gostaria de frizar muito isto- pela experiência que nós tivemos- ele era uma pessoa muito consciente. Então quando nós fizemos a...o De iurium machinarium foi...o espetáculo seguinte se chamou Deféritus ET Murus- fiquei insistindo no diabo do latim, peguei a história das fábulas e o Deferitus ET Murus é sobre gatos e ratos, o latim camuflou o que significa isso. E foi um espetáculo muito mais contundente falava um pouco da repressão, não era da repressão, era a repressão com a família, tinham cenas familiares, sem uma palavra e optamos pela palavra porque o gestual você podia dizer “não você tá vendo assim”, quando você fala é isso, a gente pode argumentar “não, você tá entendendo assim”, mas fica mais difícil. Mas quanto ao gestual há sempre um...assim vamos dizer linhas de escape. Então o De iurium machinarium ele era 95% sem palavras, tinham os sons de uma trilha sonora que conduziam e o corpo, corpo,

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corpo, corpo. Então quando houve a censura. Você chegou a pegar censura nos seus espetáculos?

Entrevistadora Paula: Os que eu analiso do projeto do ABC?

TM: Os que você fez.

EP: Dos processos da memória que eu trabalho sim.

TM: Dos processos é claro, mas e do teatro, você chegou a... ou chegou a ver?

EP: Não...

TM: Gente, era uma coisa muito impressionante. Então você tinha que... ensaiou, ensaiou, ensaiou; “- Tá pronto o espetáculo?” Então tá e eles marcam...eles tinham que assistir a portas fechadas pra fazer a avaliação dele, saber se podia ser exibido ou não, então aí a gente chegava ao grau máximo de tensão. Porque o olhar de um cara, às vezes vinham dois, às vezes três, mas o olhar daquelas pessoas ali à portas fechadas podiam dizer “olha”... Então houve um espetáculo nosso que eles queriam que a gente cortasse isso cortasse aquilo, isso mais pra frente. Mas naquele momento como tinha essa dubiedade no gestual, no final Dr. Dráuzio.... Ah e naquele momento que foi uma fase, um momento que o grupo compartilhou comigo, eu tinha perdido meu irmão...ele se suicidou e tinha algo haver com a coisa da repressão. Então foi algo bem... eu dediquei o espetáculo ao meu irmão e o Dr. Dráuzio no final sentou-se comigo e disse assim “- O que significa esse nome?” Aí eu comecei “- Ah... é... ah... Dr. Dráuzio é...Quer dizer...” “- Não faz mal, eu vi que você dedicou aquilo, o espetáculo, ao seu irmão deve ter algum motivo especial, olha que legal, deve ter algum motivo, não vamos alongar isso. Eu vou liberar o espetáculo” Olha... uma pessoa dizer eu vou liberar, podia não liberar “- Mas eu vou pedir uma cumplicidade sua, você não fale, não abra o jogo – ou seja – o que está aí – ele disse – é bonito, mas não abra o jogo, não diga que você está falando disso, disto ou daquilo, não abra o jogo” Aí liberou, ainda mais, censura livre, podia ter botado censura dezesseis anos, pra teatro amador quatorze anos já derrubava, você imagina que eles colocavam dezesseis, dezoito anos pra teatro amador. Um pouco isso.

EV: O grupo acabou sofrendo uma censura direta, uma intervenção? Ou em outros espetáculos sofreu uma intervenção direta?

TM: Eu... ah... não... porque o tempo inteiro, pelo menos a gente na nossa trajetória toda, porque depois, dois ou três momentos, houve mudanças, pessoas que se desligaram das coisas, nessa nossa trajetória nunca tivemos cortes, proibições, até porque nós fomos aprendendo a lidar. Alguns até poderiam dizer, como foi o caso tanto do De iurium, quanto do Verde, Vermelho... alguém poderia dizer “- Ah, mas isso é um espetáculo burguês, um espetáculo inconsciente”. Pra se ter uma idéia, aquilo que nós trabalhamos inconscientemente naquele momento é o tema que nos assola, que nos preocupa no momento. Tá vendo hoje a cidade de São Paulo, reunião do grupo dos quarenta, quarenta prefeitos das quarenta maiores cidades do mundo estão reunidos aqui e... buscando... aqui exatamente onde nós fizemos essas discussões trinta e oito anos atrás, estão discutindo esta situação. Não é pra falar “- \o céu é mais azul aqui”, Não! Como nós vamos fazer pra acabar, o que que nós vamos fazer pra acabar os gases poluentes. Vai implantar mais árvores, mais isso, mais aquilo, plantaram no Ibirapuera. Então isso... não tivemos, porque mesmo tratando de assuntos que diretamente a vida, nós encontramos os caminhos pra fazer isso o mais artisticamente possível. Eu acredito que nós fizemos um teatro com um discurso. Quer dizer alguns anos depois, década de 80, aí começam se intensificar os grupos ligados a sindicatos, os nomes já dá pra ver: Grupo Forja, Grupo Usina, Coletivo não sei das quantas. E que nós chamávamos, talvez até com um pouco de preconceito, eram os grupos dos caixotes de maçã, caixotes de laranja e punhos cerrados, porque o importante para eles era o texto, era o discurso, então o texto tá ali, e o restante: cenário, figurino, iluminação, adereço nada disso era importante. Só colocava, literalmente, os caixotes e em vez de você ter uma interpretação, uma corporalidade, você falava o texto e falava o texto, tinha horas que tinha que dar força àquilo então a força não era orgânica, não era do corpo, mas era do gesto que você tinha que dizer que aquilo que era o caminho. Nem

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sei de onde isso apareceu... Mas foi um momento, um dos momentos do teatro amador também.

EP: O Senhor disse que foram três momentos, então teve a primeira mudança da escola...

TM: Aí fomos pro teatro, pro espaço Marina Aguiar, esse período durou cinco anos, essa passagem houve muita... muitas... muitas dores, mas estávamos ali juntos. O momento... agora não lembro...acho que de 1977 que as discussões políticas se intensificaram muito. Aí tinha o jornal em tempo...e também a sociedade começa a se polarizar aí começa a...começa-se a pensar em distensão e abertura, aí os partidos políticos com a promessa também a querer, querer não...começam a se organizar. E o pessoal, uma parte dos adolescentes eles transformaram-se em jovens e foram pras Universidades então houve um grupo deles que foi pra Geografia, na USP e pra escola de Sociologia e Política, na General Jardim. Então a Geografia, História e Geografia na USP era como que uma grande célula de discussão, de discordância, de politização. Então facialmente, e aqui na sociologia nem preciso falar né?! Então as pessoas foram, eles foram e começaram a trazer idéias, outras idéias para dentro do projeto e dentro de um grupo grande, nem todas as idéias partiam, até porque as idéias, elas eram...elas eram...muito vamos dizer... politizados nós já éramos, mas elas tinham um foco político muito definido, então causou desajustes e o caminho que encontramos é: bom a gente continua fazendo esse tipo de trabalho, e penso que as pessoas que querem fazer um trabalho mais politizado devem buscar um outro caminho. E assim alguns foram, seguiram seus caminhos, nós continuamos na Marina Aguiar. É... na Maguiar nós já demos o nome que temos hoje...quase o que temos hoje, nós passamos a ser Abaçaí Núcleo Experimental e não demorou muito pra gente perceber que não precisava ter experimental, experimental tava em todos os cantos, então que o mais importante, nós estávamos abertos pra contemplar aquilo que pretendíamos ver, daí virou Cultura e Arte. Eu acho muito importante, há tanto tempo atrás, nós percebermos esse paralelismo que às vezes, ainda hoje se confunde, você falou em cultura e quando fala em cultura é arte, você sai fora disso, então nós deixamos claro no nosso nome, Cultura e Arte, ali nós fazíamos teatro, nossa linguagem era aquela. Intensificamos os trabalhos, ampliamos pra outras linguagens, pra música e pra dança e aí já vieram o Revelando e muitas coisas mais. Tinha uma produção artística né?! O momento seguinte, o segundo momento de mudança ele foi mais suave, eu agora, sinceramente nesse momento aqui eu não sabia precisar, mas não foi algo que teve que marcar assim uma guinada, algo muito forte...Talvez estivesse embutida essa coisa da nossa maior consciência. Eu queria, eu queria soltar uma informação. Nesse período entre o Corifeus Apocalípticos, com toda aquela energia pulsante que o pessoal tinha, ah sim...depois de Corifeus Apocalípticos como nós fomos lá pra Marina Aguiar né?! Nós...era muito complicado o Corifeus Apocalípticos, nós queríamos colocar um nome mais saudável então nós escolhemos TRAMA. Tinha uma fachada que era Teatro Amador Marina Aguiar, mas também tinha todo o estofo semântico de trama, de tramar mesmo de você excluir, isso pra nós era consciente. Então quando perguntava o nome, o que a sigla significava Teatro Amador Marina Aguiar, mas nós internamente trabalhávamos introjetamos isso. Isso foi anterior ao... ao... ao Abaçaí Núcleo de Arte Experimental. O certo é que nós resolvemos fazer, uns dois ou três anos depois do Abaçaí, nós resolvemos mudar de estatuto, fazer uma reforma né?! E o Geraldo Vandré tinha voltado do exílio, e ele morava aqui perto do...da Martins Fontes... e ele voltou e... ele voltou como uma aura de perseguido, de estar desprotegido e tudo mais, mas uma pessoa do grupo naquele momento ela...eu me lembrei qual foi a mudança do grupo, uma pessoa do grupo foi procurar o Vandré, porque vocês estão voltando, os exilados, em seguida voltou o Zé Celso e todo mundo foi lá, mas Geraldo Vandré e a Tin foi, encontrou o Geraldo Vandré e começou a conversar, é lógico, uma menina loirinha etc e tal e foi conhecer o Vandré na casa dele. Então lá, ela dizia que no apartamento do Vandré tinham processos e processos, pilhas de processos, ele estava advogando, mas pra todo mundo parecia aquela pessoa “ohh”, desprotegida. Tinha também uma mística de que ele tinha sido tão torturado que ele estava meio demente, e ele passava essa idéia. E a Tin conversou... nós íamos fazer uma assembléia lá no Abaçaí e a Tin disse “- Você como advogado Vandré, você precisa ir!” E o Vandré foi na assembléia do Abaçaí. E foi muito curioso, o Vandré começou a polarizar comigo, ele percebeu quem era o diretor, então ele polarizava comigo o tempo todo. Então ele dizia, nós dizíamos, queremos formar uma associação, associação reflete bem o clima da nossa posição de grupo e tudo mais, de coletivo, e éramos quase quarenta pessoas, e uma associação que está dedicada à arte e tudo

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mais. E ele dizia do outro lado “- Não, vocês tem que formar uma empresa, pagar impostos, para com essa coisa do artista, tem que ficar pensando... forma uma empresa aí, não sei quanto”. Aí o certo... as palavras do Vandré encontraram eco, nós formamos uma empresa, o Abaçaí Cultura e Arte só pra apimentar um pouco o papo. Mas aí, a mudança que aconteceu, a outra, como é que a gente vai dizer... assim reorganizada no interior do grupo foi que nós decidimos que queríamos fazer teatro de manhã, de tarde e de noite e como fazer isso era muito complicado. Aí nós conversamos, conversamos, conversamos; grupo tem isso né?! Pra decidir a gente conversa e conversa e conversa, mas foi bom. E pra fazer o que nós queríamos, uma parte do grupo faria os trabalhos de manhã, de tarde e de noite, o restante nós juntávamos todo mundo nos finais de semana e continuaríamos fazendo o teatro amador como mandava o risco, todos os riscos. Então fim de semana nós estávamos no Marina Aguiar quarenta, cinquenta pessoas. Durante a semana, manhã, tarde e noite nós estávamos oito, nove pessoas que estávamos arriscando fazer alguma outra coisa e pra isso seis pessoas do grupos fomos morar juntos. No apartamento que eu morava, nós transformamos isso, como eu posso dizer, uma república? Não... uma mini cooperativa, juntos e pra podermos levantar o espetáculo, quer dizer não tínhamos dinheiro, um dava aula, outro fazia outras coisas, mas isso não garantia o espetáculo, pra prosseguirmos nós criamos – um parentesis naquele momento, nós ficávamos muito antenados com as experiências alternativas, com as experiências paralelas que aconteciam, então em 1976, começo de 1977, 76, 77, no Paraná havia um pessoal que montava teatro, teatro amador, e levava o espetáculo nas comunidades e então...e trocavam o espetáculo por pato do quintal, galinha, ovo, e eles recebiam isso dos camponeses e ajudavam a manter o clube né, então nós falamos “- Que coisa muito interessante!”.

Na outra ponta ficamos sabendo de um roteirista que morava em São Bernardo, era do Jequitinhonha (Vale do Jequitinhonha), e morava em São Paulo, então ele durante um tempo ele ficava em São Paulo uns cinco ou seis meses, produzia os cordéis, imprimia, montava, dai ele gastava meses percorrendo cidade por cidade até chegar na Bahia, então ele ia de cidade em cidade, cantando e vendendo os cordéis. Hoje os caras fazem isso facilmente por ai, naquele momento não. E ele sobrevivia assim, sobrevivia na cidade de São Paulo, olha que piada!

Então nós dissemos “- Então vamos montar um espetáculo e levar para a periferia de São Paulo”, mas não na periferia ai não, na periferia da periferia. Ai montamos dois espetáculos, um deles deu trabalho com a censura, porque tinha a ver com o sétimos centenário, o sétimo centenário foi em 1972, então sete anos depois, cinco anos depois, seis anos depois nós estávamos montando o espetáculo “O jogo da independência” da Inês de Almeida, que é um texto todo celebrativo, celebrando o sétimos centenário da independência do Brasil e a gente questionando essa coisa da independência, então nós montamos, estraçalhamos, dai no caso foi eu que estraçalhei, depois estraçalhamos mais nas improvisações e cada um foi colocando as suas coisas né. O texto da Inês de Almeida, reestruturamos em oito momentos contando... abordando oito momentos da nossa trajetória, da história política e isso dai politicamente era muito complicado.

E na outra ponta nós fizemos... montamos um outro espetáculo da Stela Leonardos, que era uma tensão entre um artesão que concertava brinquedos, o Tio Fábio, e a ganância imobiliária, eles queriam vender, gente parece que a gente tá falando de coisas de hoje né? Então o empresário lá, o construtor compra a área e então demolir e tinha que colocar o Tio Fábio pra fora, então tem toda uma mobilização para que o Tio Fábio não perca a loja. Era muito simbólico isso também, por perder a geração, perder isso, a possibilidade do jogo. E eram dois espetáculos que a gente fazia, quando terminava o espetáculo tudo dobrava e cabia no bagageiro de uma... de uma... Brasília, entretanto quando a gente armava tudo era muito rico, em qualquer lugar a gente fazia isso, e dai nós fomos para Itapecerica da Serra, Taboão, Embu, não sei onde, não sei onde, todos aqueles morros a gente conhecia e aplicamos o que nós tínhamos visto que estava dando certo fora de São Paulo.

Então durante a semana, porque tinha que manter a casa com seis ou oito que moravam e manter, então durante a semana o pessoal visitava a escola, preparava a escola, “- Ah, vocês fazer o espetáculo aqui?”, o espetáculo dentro da escola, que não era festinha de aniversário como se fazia, então durante uma semana os professores recolhiam dos alunos o referente a uma passagem de ônibus, três reais, mais ou menos três reais, e na véspera do

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espetáculo para não ficar aquela coisa uns podem e outros não podem pagar, “- Olha vocês que o papai não tem dinheirinho e tudo mais, vocês tragam alguma coisa que vocês tem lá no quintal, na cerca, na casa de vocês” e eles levavam, então, gente é engraçado dizer isso, houve um período do mês que era tanto ovo galado, ovo de galinha, ovo caipira, mas tanto ovo que a gente não sabia mais o que fazer, porque a imaginação, e é gozado dizer isso, e era arte, era teatro, então a gente fazia bolo, fazia suflê, fazia ovo frito, omelete, fazia, não comprava margarina, fazia maionese pra passar no pão, e o ovo não acabava. Ai vinha chuchu da cerca, vinha vegetais de hortas da periferia que a gente não tinha... nem imaginava que aquilo existia, teve momento da gente ter que voltar para guardar o cenário e voltar para buscar o que a escola tinha arrecadado, e sempre tinha um dinheirinho que ajudava a pagar a gasolina, pagar o aluguel, a repor as coisas.

Então essa foi uma experiência que foi feita, foi outro momento pelo o qual a gente passou, que foi muito interessante durou um período, e depois nós vimos que era muito interessante mas que a gente tinha que ir em frente.

Nesse período de transição ai, que foi como eu disse, um momento também até de euforia, os exilados estão voltando, Caetano Veloso tava voltando, Geraldo Vandré tinha voltado, Zá Celso fazia fila, todo mundo tava aí, nós fizemos o que nós queríamos, com base nessas experiências... pra montar esses dois espetáculos, em que pesa o fato de serem simples, né, mas eles eram visualmente muito ricos, então nós “- O que nós vamos fazer para levantar fundos?”, porque imaginem que tinha PROArte, tinha nada‟, não tinha... a Lei Rouanet tava ainda para ser pensada, né, nem tinha nome ainda, então a... “- O que nós vamos fazer”, então eu joguei pro pessoal, e nós todos tínhamos lido as noticias, a gente juntava tudo, o cara fazia as suas impressões e ia vender e ai nós decidimos fazer um pôster, porque pôster era uma novidade, resolvemos fazer um pôster “- Mas pôster de que?” (eu mostro depois o pôster, eu não sei se pode filmar), então naquele momento enquanto começa haver o inicio do pensamento de uma abertura aqui em São Paulo, aqui no Brasil, era o governo Geisel, se não me engano, no resto da América, especialmente no Chile, na Bolívia, no Uruguai, estava um acirramento da ditadura militar, então o pessoal fugia para o Brasil, e nessas fugas, muitos músicos, músicos de esquina, músicos simples, então nós começamos a conviver, nós abríamos o Espaço Marina Aguiar para vivências, trocas, então tinha um período do fim de semana que a gente dançava, dançava “carnavalito‟, eles traziam as músicas deles e nós, tinha sido lançado o, na época uma bolacha (como chama isso?) um long play da Violeta Parra onde uma foto muito interessante dela tocando charango, então nós decidimos que íamos fazer, porque o momento, naquele momento tinha show de musica latina em vários cantos e as pessoas precisavam dizer... nós precisávamos dizer que éramos latino-americanos, isso também era uma outra coisa, quando escolhemos o nome “Abaçaí” era para dizer “estamos voltados pra lá mas para cá”.

Ai montamos, fizemos o pôster e nós imprimíamos, ganhávamos papel, tinha um aluno meu que trabalhava numa gráfica, ele dava papel, nós juntamos tudo o que tínhamos para fazer uma tela, uma matriz, que era muito caro, hoje você faz isso brincando com uma impressora, né, custou caro a beça, as tintas eram carismas, e era uma matriz toda eletrônica, reticulada, e nós a cada quinze dias nós juntávamos todo mundo para imprimir pôsteres (risos), então nós ficávamos um dia inteiro imprimindo pôster, imprimia, dai um bota pra secar, vai ver se tá seco, recolhe, enrola, quando chegava sete horas começava a enrolar tudo e preparava as nossas sacolas para ir pra porta dos teatros vender, não o que vende hoje, porque hoje vende tudo, paçoca e etc e tal, mas vender alguma coisa que tivesse significação na porta do teatro e do cinema foi o Abaçaí que começou, acho que em 1977, é só ver quando Caetano e esse pessoal voltou a gente começou a fazer, até porque dava para fazer, só que nós fomos para a porta do teatro, o pôster tinha dois trechos de dois poetas, tinha da própria Violeta Parra e do Tejada Gomez, mas que eram contundentes, do Tejada Gomez “Cuándo será ese cuando, señor fiscal, que la América sea sólo un pilar?” e o da Violeta Parra... não me lembro mas a gente vai ver ali no pôster né. Gente era... criamos um tão grande que as pessoas olhavam e todo mundo comprava na porta do... e comprava por dois reais, três reais, voltava para a história lá.

E com isso a gente tinha dinheiro, montamos o espetáculo e fomos embora, eu acho que vocês perguntaram qual foi o outro momento de reviravolta e foi esse, acho que foi um

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momento assim de enorme aprendizado para nós, né, fomos, já íamos para a rua, trabalhos na rua, animações, intervenções na rua nós já fazíamos, e ai fazia o teatro mesmo e na periferia, e como diria o Clóvis Garcia, nosso querido Clóvis Garcia, nos espaços inusitados, uma vez eu encontrei com o Clóvis e ele me disse “- Vocês também são os precursores dos espaços inusitados, teatro em espaços inusitados”

EV: Se você pudesse fazer um apanhado da sua trajetória, um balanço da sua trajetória no movimento do teatro amador como seria esse balanço?

TM: Do movimento do teatro amador?

EV: Isso, sobre a sua trajetória dentro teatro amador

TM: Nesse momento, o teatro amador desde essa fase que vocês estão abordando lá dos imigrantes e tal, o teatro amador sempre foi um repositário, não vou dizer de revoluções nem nada, mas da busca da liberdade, né, de você fazer o que precisa ser feito do jeito que você acredita que precisa ser feito, sem ficar preocupado em olhar para bilheteria, sei isso. Bom, esse período da década de 70, fim da década de 60, 70 até 90, o teatro amador fez um... deu um salto muito grande no estado de São Paulo, no Brasil foi criada a CONFENATA – Confederação de Teatro Amador – que estava ligado, digamos assim, era oficial, estava ligado ao antigo INACEN, era do governo, CONFENATA era do governo, e cada estado, se era uma confederação, significa que em cada estado tinha um federação, então o governo pegou, fez a confederação das federações, São Paulo é diferente, São Paulo tinha muitas federações, tanto que São Paulo era o único estado que tinha uma confederação de teatro amador, que se chamava COTAESP, então no ABC tinha uma, nossa era no estado inteiro, olha, gente, no estado inteiro, a gente fala “- Ah, não tem acessibilidade...”, naquele momento tinha gente fazendo teatro amador no estado inteiro, tanto que tinha os grupos e tinham as federações que se reunião numa confederação, teatro amador, para se ter uma idéia houve a antiga, dos professores, APEOESP, eles resolveram, isso já entrando na década de 80 não sei, eles resolveram fazer um festival, né, do que estava acontecendo nas escolas, só de espetáculos, só de trabalho de teatro das escolas, foi uma enormidade, eles ficaram uma semana lá no Teatro Oficina mostrando isso, e só na cidade de São Paulo, na FEPAMA que se chamava, tinha mais de trezentos grupos filiados, sabe o que é isso? Mais de trezentos grupos nomeados e todos eles fazendo suas produções. Nesse exato momento, né, começa a acontecer no seio do teatro amador alguns questionamentos, né, então, tinha o teatro amador, mas tinha uma vertente que eram os grupos que vinham aqui da vertente sindicalista, aqueles grupos todos que a gente já citou, estavam aqui, então muito do que estava sendo feito aqui as pessoas, não era digamos assim por questões ideológicas, não, era por uma questão formal, se eu escolhi fazer teatro então eu tenho que fazer teatro e aprimorando ao máximo a linguagem teatral, o discurso vai pra outro lugar, né.

Então tinha essas duas coisas, já tinha esses dois blocos, deixa eu organizar aqui na minha cabeça, mas aqui dentro também vocês imaginem que era um emaranhado, tinham grupos que tinham uma preocupação bem radical mesmo, artística e radical, mas que não queria fazer teatro nos moldes europeus e tudo, mandacaru, mandacaru, não sei quanto, não sei quanto, e tinham outro que faziam teatro, e não tinha curso de teatro, cursos de teatro, então nesse miolo aqui, começa a juntar uma parte do pessoal, começa a haver uma preocupação, então surge uma CTI, foi chamado de “Comissão de Teatro Independente”, então FEPAMA e COTAESP e aqui Comissão de Teatro Independente, mas o que era o teatro independente? Eles simplesmente queriam mostrar que tinha um grupo, tem uma parte desse universo que estava fazendo algo com o pezão no chão, né, muitas discussões, nós nos reuníamos, eu não lembro nem mais direito a direção, tinha uma pessoa que tinha um sitiozinho mas ali logo, então a gente passava os fim de semana sentados embaixo da jabuticabeira, nos bancos de madeira e toca discutir, uma vez por mês pelo menos a gente reunia todo mundo para discutir, discutir, discutir e encontrar caminho, então ali era a CTI, ai descobrimos que nessa vertente aqui tinha uma outra CTI, surgiu uma outra CTI, esta outra CTI, tinha umas convergências aqui, né, tinha uma aproximação desse pessoal que diziam “- Nós não somos teatro amador, mas nós também não fazemos o teatrão, nós somos profissionais”, ai começa a embaralhar, esses que saíram daqui não ficavam preocupados se eram profissionais ou não “- Fazemos teatro”, quer dizer, “- Amamos fazer teatro”, ai tem uma

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aproximação aqui, bom no fingir dos ovos, essa CTI outra derivou para a Cooperativa de Teatro, ela nasceu assim, e eu acho que muita gente da Cooperativa não sabe disso, semana passada veio um diretor aqui e ele se lembrava dessas coisas.

E esses empates surgiram no Teatro Eugênio Kusnet, quando pela primeira vez a classe teatral, a classe artística começou a se unir para discutir as leis de incentivo, ai se percebeu que lá estava muito mais representada os profissionais, os chamados “profissionais de teatro” o pessoal do teatrão e tudo, e foi nessas assembléias, nesses encontros que o pessoal começou a dizer “- Não! Mas aqui também tem a CTI”, o pessoal do teatro independente e com o passar do tempo criaram a Cooperativa, eu tenho impressão que aquilo, aquela lenha, aquele combustível, tanto alimentou a alma do teatro amador durante esses tempos todos, né, elas esvaneceram, na hora que acabou censura, na hora que... surgem as leis de incentivo, os PACs etc e tal, eu sinto o movimento de teatro amador hoje muito enfraquecido, todo mundo ta ali, mas se você perguntar o teatro que ele faz ele quer ser ator da Globo, ele quer fazer alguma outra coisa que não aquilo que ele esteja fazendo. Por outro lado o que que nós estamos vendo, há uma fronteira também entre o teatro profissional e o teatro amador que foi se esgarçando de novo, esse encontro que a gente teve aqui foi exatamente para isso, tem uma série de grupos, quer dizer, agora está voltando a falar de grupos grupos, que estão surgindo, né, então por exemplo, veio aqui um pessoal que veio lá da Vila Guilherme, eles estão fazendo teatro, não têm onde cair mortos, tão fazendo teatro, mas por que estão fazendo teatro? Porque teve uma oficina, porque teve um cursinho, ai acabou, eles pegaram gosto e querem fazer teatro, um pouco diferente do que acontecia anteriormente que a gente não sabia porque a gente foi fazer teatro, então eles vão sendo um pouco deserdados e ficam esses pequenos grupos, que é algo que precisa ser avaliado.

Do teatro amador como concebido, eu tenho a impressão que a gente precisa sári caçando o que sobrou, né, e... tinha uma outra coisa importante para colocar. Então, a censura, os desfios, não ter apoio, não ter nada nos ajudou naquele momento, houve uma fase também desses grupos de sindicados, que foi muito estimulados pelo Sindicato dos Bancários, o Celso Frateschi foi o diretor... alguma coisa no Sindicato dos Bancário, o sindicato tinha um grupo de teatro, um grupo de teatro muito bom de bancários que montou “O Evangelho segundo Zabedeu”, já digo, deu um branco, dirigido pelo Solfelin(01:21:45)... pelo Silunei Siqueira, um cara do teatrão dirigindo, ficaram com o Circo dos Bancários lá no Ibirapuera, por um bom tempo com esse espetáculo, mas tinha todo o aporte, eles eram amadores mas tinha toda a estrutura do sindicato por trás, esse Circo dos Bancários depois foi aqui pra perto aqui dá... bom tá tudo diferente, as estações de metrô, as avenidas, mas era aqui no começa da João Alves perto da praça do avião ali, né, então o sindicato manteve num terreno esse circo durante muito tempo e esse circo tanto servia de antena para esses grupos de trabalhadores e tudo, como também para o teatro amador, esse circo fez “bloft” também.

Bom, eu tenho a impressão que é um pouco isso.

EV: Na sua carreira teve um momento em que houve a profissionalização? Como que aconteceu?

TM: Foi. É gozado eu também nunca me preocupei com isso, foi interessante você puxar isso, porque quando eu perdi as aulas eu virei e disse “- Meu deus, o que eu faço agora? Vou dar aula de português” e realmente consegui dar aula de português, consegui aula de francês, até aula de latim porque eu fiz... tinha ainda no final do ginásio tinha uma ou outra escola que tinha latim, então vagou lá e eu fui dar aula de latim.

Entretanto, nos finais de semana eu estava lá na periferia com os meus ex-alunos, era uma galinha choca com um monte de pintinhos, essa era a realidade, depois foi para a Academia Marina Aguiar, mas eu fui fazendo as duas coisas paralelamente.

Outro momento que na zona leste era tão maldita essa coisa da perseguição que as portas foram se fechando, entendeu? Eu não conseguia aulas inclusive em escolas onde eu tinha colegas como diretores e ninguém sabia por que, depois descobrimos: uma orientação da delegacia.

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Mas ai aconteceu um fato inusitado, o trabalho que eu comecei a fazer com a quadra da escola, trabalho de expressão corporal e que foi uma linha, que depois passou a ser uma linha de trabalho mesmo, eu fui convidado a participar de um congresso montessoriano, desculpa, eu fui convidado a dar aula na formação de professores montessorianos aqui na Lapa... Mooca, e na Mooca tinha uma professora que dava aula na formação lá e era professora do Pueri Domus, era uma escola que... naquela época escola de classe alta, então o Pueri Domus estava numa fase de ambigüidade, eles não sabiam direito o método que eles aplicavam, inicialmente era Montessori, mas era Piaget, então essas modas: já era Piaget, já era não sei quanto. Então eu fui convidado para fazer trabalho de corpo, o trabalho que eu fazia de graça na periferia eu comecei a ser muito bem pago para fazer. Então ali foi um momento de... aprofundar, participar de encontros, congressos e tudo mais e aprofundar, não sei por que mas aquele trabalho, que... saiu de um grande laboratório e passou a ser reconhecido. O Pueri Domus aqui e eles me pagavam passagem a cada quinze dias para ir, de avião, eu ia para o Rio pra fazer a mesma coisa com os professores de lá, e eu não entendia por que.

Ai comecei a dar aulas em academias e institutos de novo, curso de expressão corporal, o certo é que em um curto espaço de tempo, um ano e pouco depois, eu tinha muito mais do que eu tinha com o meu salário de professor, pasmem, piada! Ganhava muito mais, e quanto mais eu percebia isso, quer dizer, trabalhava menos para investir mais, pesquisar mais, e então houve um momento que, quer dizer, fui dar aula numa universidade também desse ... fazendo esse trabalho de dar o curso de formação de professores, expressão corporal e, uma outra coisa que entrou na vertente, que foi o folclore e a música popular, fui fazer isto, né.

E aconteceu um fato curioso, eu nunca tinha preocupação de mostra nenhum profissionalização, nem de corpo, nem de cultura popular, se bem que cultura popular eu fui fazer um curso no museu de folclore.Então na escola, no curso de educação artística, eu não lembro como chamava na época, de Bragança Paulista, vagou a cadeira, eles estavam lá desesperados, seis meses sem professor de expressão corporal, e eu fui convidado para dar folclore e o diretor... inspetor do MEC foi quem falou pro diretor da escola “- Mas você está nos dando dor de cabeça, você já analisou o currículo do seu professor de folclore? De longe ele está preparado para dar as aulas de expressão corporal. Apresenta a proposta que eu já vou autorizar” e ele autorizou.

Então é muito gozado, eu não tinha a formação, não tinha curso de dança, de educação artística educação física, e fui aprovado para fazer isso e fui fazendo. Ao lado disto, não sei por que cargas d‟água eu fui ao sindicato dos artistas e pedir a sindicalização, porque teve uns negócios ai no meio e naquele momento o sindicato negava, eu podia ser, eu queria como diretor de teatro que era para dar algum respaldo pro grupo, e eles disseram que iam me dar como assistente de direção, que era um cargo que não correspondia bem ao que estava fazendo, e foi também um ator de Santo André, que lidava com teatro amador e que também se profissionalizou e que era do sindicato que disse assim “- Vocês estão equivocados! Vocês não conhecem o trabalho nem do Toninho Macedo, nem do Abaçaí, nem do não sei o que!” ele... eu tenho tudo isso guardado, dai mudaram, eu fui sindicalizado como diretor. Então quer dizer, eu me tornei profissional, se vocês me perguntarem por que eu não sei, como eu também não sei.

Ai comecei a advogar numa série de causas, na coisa do teatro de bonecos, nós é que trouxemos para dentro do sindicato a profissionalização do teatro de bonecos, porque a nossa querida amiga da USP ela queria ser sozinha, a Ana Maria do Amaral e nós trouxemos para dentro do sindicato as discussões do teatro de bonecos, que também passava por aquilo que nós fazíamos, foi mais ou menos assim

EV: E o seu trabalho como diretor cultural começou...

TM: Também não sei te dizer, foi tudo assim, você percebeu que tudo vem, vai se desdobrando, talvez pra... nós criamos a Abaçaí e Abaçaí passou a ser uma diferença, a nossa tragetória não tem... não tem calombos, a Roseli (Fígaro) prefere, a Roseli preferia que eu separasse o momento do Trama como um momento especial e foi um momento especial, especialíssimo, a minha tragetória é assim mesmo, descontados os 5 anos, são 33 anos. Eu

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respeito totalmente e acho que a Roseli , por exemplo a Roseli era perfeitamente racional, era racional, a Roseli era racional, apesar de o fato de alguns momentos a emoção dela vinha à tona, as lágrimas né?! Mas é uma coisa que a Roseli sempre teve, desde o tempo do Sthefan Svagel, dos adolescentes todos a Roseli era aquela que dizia “por que não pode ser assim? Por que que nós não vamos fazer assim?” e vai por aí...então a Roseli advoga isso, que é um período de 5 anos, mas são 38. Não sei porque que eu comecei a fazer lá no Sthefan Svagel, mas lá dentro eu sei como é que a gente virou profissional, como é que eu fui dar aula de dança...é...dei aula de expressão corporal e de folclore num formação de professores de dança e de educação artística, quer dizer eu fui 10 anos, ajudei a levantar o curso de dança, sem ter passado por uma escola de dança.É uma piada isso... E então acredito o seguinte: foi...de minha parte foi ...eu me debrucei sobre aquilo que eu queria, sobre a de dança, eu vou ler muito, vou trabalhar, vou participar de workshops, vou ver isso vou ver aquilo e não vou fazer aquilo que todo mundo tá fazendo. No caso da cultura popular, me deu muito mais projeção do que a arte, daí foi que nasceu o „Revelando SP‟, que está no estado inteiro, já são 15 ano, o Brasil inteiro reconhece, elogiado... é um projeto-programa respeitável. Então o reconhecimento...eu preferia dizer assim: houve um reconhecimento que foi acontecendo passo a passo.

EV: E você vê relações entre as atividades dos grupos...

TM: To falando demais, não to?!

EV: Não.

TM: Acho que estiquei muito...Se quiser que encurte fale...

EV: Não...Existe relações entre as atividades de grupos de cultura tradicional com os grupos de teatro amador?

TM: Muito pouco. O que nós vemos é o seguinte: houve momento em que a cultura tradicional, a cultura popular, o termo cultura popular, ainda mais hoje, ficou muito vago, tanto é popular o funk, o hip hop, blá blá blá, tudo pode ser entendido como popular, quanto as congadas, os moçambiques, as folias de reis, nós optamos, nos últimos anos, ou dizemos cultura popular tradicional ou simplesmente cultura tradicional. Não tem o menor problema em dizer folclore também, porque o importante é que o você...o que a gente tá expondo fique bem claro, mas o mais das vezes a gente usa o cultura tradicional. No Brasil tem... bom...talvez a gente deva recuar. Na década de 60 CPC no Rio de Janeiro, tinha na cultura popular, cultura popular era muito claro naquele momento, era cultura tradicional e que tinha uma fonte de inspiração, entretanto descaracterizava cultura tradicional, por todos os locos negativos, com adjetivos todos pejorativos que vocês possam imaginar. Tava muito, ela tava muito, o conceito muito embutido de idéias marxistas, etc e tal, então sobretudo achava que a cultura tradicional era uma cultura alienada, então folião de santo reis era alienado, como ele fazia era uma alienação, a congada, era uma outra, e vai por aí a fora...entretanto esse universo cultural conseguia criar um liame muito grande com o povo e o que eles precisavam, fazer arte, fazer música, escrever pro povo. Então eles iam buscar inspiração na cultura alienada tradicional, davam um banho de conscientização. Isso tá no manifesto, tem um manifesto, se vocês não tiverem acesso, eu localizo depois pra vocês. Tava no manifesto da UNE e então eles iam- tinham grandes nomes do teatro, Fernando Peixoto, etc tal tal, num certo momento César Vieira do „União e Olho vivo‟ compartilhou disso, por isso que nasce o „União e Olho Vivo‟, por isso que „União e Olho Vivo‟ tem uma dedicação tão grande ao universo da cultura popular como fonte de inspiração, só que ao contrário de o César, o atual autor, ele é um grande dramaturgo, eis a qustão, né?! Procura sempre bons atores, bons músicos, etc e tal. Então esse fato muito curioso está relatado no livro do Fernando Peixoto, que no Rio de Janeiro a Olho então montou um caminhão, eles iam fazer teatro nas ruas, nas praças, e que pesa o fato de que eles tivessem todo o aparato para...tinha meia dúzia de gatos pingados, ou seja, aquele filtro, aquele banho de intelectualidade, de intelectualismo que deram não chegava ao povo, e acho que é o Fernando que diz isso. Nós começamos a ler os textos lá que houve um momento que nós estávamos na praça com nossos aparatos e meia dúzia de gatos pingados, do outro lado da praça tinha lá o sanfoneiro, não sei o que, fazendo lá o forró e uma multidão em torno deles, aí nós vimos que tinha algo... Na contrapartida, na contrapartida não, na outra ponta do

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nordeste surge o movimento, com raízes na década de 40 MCP, Movimento de Cultura Popular, nesse movimento participavam Altimar Pimentel, Luís Marinho, o Ariano Suassuna, o meu Deus... Tá aqui... O nosso querido Paulo Freire, que era um movimento muito mais abrangente, não era um movimento de arte, era de cultura, movimento de cultura popular. Tanto eles buscavam lidar com a cultura erudita, quanto a cultura tradicional. Respeitavam a cultura tradicional, o manifesto do Ermilho Borba Filho (Ermilho Borba Filho é um nome que vocês precisam olhar), o manifesto do Ermilho Borba Filho é muito claro, também tá aqui né?! Então enquanto aqui no Sul a UNE, o CPC diziam que essa cultura era alienada, do outro lado diziam: essa cultura tem uma carga histórica muito grande, digna do nosso respeito e enquanto um dizia “vamos pegar e vamos usar” o outro dizia “nós reverenciamos essa cultura, nos inclinamos diante dela”. Taí Ariano até hoje, dos grupos que saíram, que derivaram disso. Está aí todo o trabalho de alfabetização do Paulo Freire, que nasceu disso também, tava dentro do próprio movimento que era um movimento abrangente e se você pega o Paulo Freire, olhando por aí, há um respeito muito grande pela cultura do povo. Você está buscando oferecer elementos para que a pessoa também, TAMBÉM, não é que mude aquilo ali, também possa enxergar outras estâncias do viver, tava lá o Paulo Freire.

Ahn.... Eu fui buscar muito lá atrás a coisa... Bom de qualquer forma... A sua pergunta foi?

EV: Existem relações entre as atividades de grupos de cultura tradicional com os grupos de teatro amador?

TM: Então... Em alguns momentos alguns grupos, que a gente não pode tomar como uma tônica, mas assim quando o grupo se prontificou a fazer...a falar com a entidade maior de pessoas, ele foi estimulado, ele pelo menos tinha alguém à frente que tava fazendo experiência com o CPC e o CPC sempre serviu de guião, de que a gente precisava saber, precisávamos entender as formas de fazer teatro e arte que o povo usava, como ele fazia e como a gente falava pra um público maior. Foi muito interessante que a gente fazendo, essa etapa que vocês estão estudando na ECA, do teatro das comunidades , como eles também reconheceram isso, né?! Então tinha sim os componentes das revoluções, etc e tal, mas aquilo tratado de tal forma que a sua cultura, a cultura da comunidade acabava sendo o guião. È interessante ver as experiências das classes laboriosas, fica ali perto ali...a sede do clube era perto da praça da Sé. Então ali era o espaço, tinha o teatro, tinha um texto que falava da realidade da fábrica e tudo, mas ao mesmo tempo a cultura dos migrantes, dos imigrantes e dos que foram aderindo estava ali presente. Então terminava o sarau e já tinha comida, já tinha o baile, as coisas se interpenetravam. Eram poucos os grupos. Nós tivemos grandes autores que sempre reconheceram esse filão, um deles foi Altimar Pimentel, e que o fato de ter sido muito amigo do Altimar, ele é um grande pesquisador de cultura popular, mas um GRANDE autor de teatro, tanto que sempre era premiado nos concursos do INACEM, nós montamos, o último texto que nós montamos “o auto da conquista” é do Altimar Pimentel. Nós tivemos aqui em SP vários momentos assim e nos últimos...nós estamos vivendo, vivenciando nesses últimos 15 anos, de forma especial, os últimos 2 anos, de 10 anos atrás, uma febre de grupos de teatro do interior, os caras que se inspiraram em cultura popular com espetáculos muito bonitos. Por exemplo “Até onde o lugar onde o peixe para” aqui de piracicaba, um grupo de lá que montou dois ou três espetáculos fantásticos. Aqui no litoral vários espetáculos, nós ficamos sabendo, ficamos sabendo não...participaram do mapa cultural que nós fizemos um grupo de sem terra que fez um espetáculo belíssimo em cima das experiências deles, são muitas as experiências que vem sendo feitas. Eu...é um período ,muito datado, muito delimitado, eu não sei como vai...não só no teatro, isso acontece também nas artes plásticas, aconteceu também na dança. O „Revelando SP‟ teve um papel muito importante nisso, eu digo isso sem falsa modéstia, mas também sem ficar com pudores né?! Porque muitas das inspirações, muito do que as pessoas acabavam buscando, eles passavam por uma discussão com o próprio Abaçaí, por conta de nós estarmos cuidando do mapa cultural, mas eu sei...resultante de descoberta, das pessoas, dos atores estarem se descobrindo e perceber que não precisam deitar os olhos tão longe pra descobrir algo que possa servir de inspiração pra eles. Não tem nenhuma novidade nisso e no século XiX, os artistas plásticos brasileiros estavam indo pra Paris, pra conviver com Picasso, etc e tal, e descobriram que o que eles estavam buscando não estava lá na Europa, aos pés desses grandes ídolos, mas o que eles tinham deixado aqui. Portinari fez o que fez, Tarsila fez o que fez, não só no Brasil, mas Cuba, México, os muralistas, Torres Garcia no Uruguai. Então

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nós temos momentos de pico em que as pessoas se voltam pra sua identidade e depois ...nós estamos num momento em que, em São Paulo, voltou ao lar, acendeu isso...po quanto tempo não sei.

EV: E pra gente finalizar, você acha que existe algum tipo de censura atualmente?

TM: Existe sim...não existe uma censura que nos mete medo. Porque naquele momento era assim: se eu pisar em falso eu sou preso e se eu for preso, eu não sei o que pode acontecer, que é a história que todo mundo sabe. Mas eu não quero citar, não quero nomear, mas todas as instituições tem espaços de fruição exercem suas censura, todas...todas tem. Você pode pensar no Estado...que não é uma censura, você pode dizer assim: a mas não é uma censura política, censura ideológica; não...às vezes passa simplesmente pelo gosto de quem tá sentado atrás da mesa. A diferença que é a gente olha pra cara do fulano e diz assim “bom eu não faço aqui, faço em outro lugar”. Nós nos demos conta disso quando o Clóvis Garcia abriu as discussões de „teatro em espaços inusitados‟, por que que surge? Primeiro por uma necessidade de ampliar, mas também se você não pode fazer daqui, você vai fazer em outro lugar- caso emblemático do grupo que não conseguiu espaço e foi fazer na olaria abandonada e foi sucesso. Esse tipo de censura também passa financiamento, se você tem acesso legal, se você não tem...e o ter acesso é algo muito complicado porque uma dica... às vezes as dicas que deveriam ser dadas, são dadas na direção certa, que é o tipo de censura...não sei se de censura, mas de filtro, de entrada que nós temos. Mas eu acho que no momento que nós estamos vivendo, se comparado com o que vivenciamos é uma bênção. É um desafio você continuar encontrando mais caminhos pra falar o que você quer dizer, sem mutilar por demais a forma como você quer fazer.

EV: É isso...Obrigada

TM: Nada.

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Anexo VI – Entrevista Celso Frateschi Data: 3 de junho de 2011

Local: Teatro Ágora

Entrevistadora Luciana: A minha primeira pergunta é como e onde foi a sua primeira experiência no teatro?

Celso Frateschi: Bem, a primeira experiência no tetro foi na escola como público.

EL: Público?

CF: É. Na época, década de 60, a escola pública era um pouco diferente, eu estudava em uma escola de periferia na época: Anastácio e... existia, eu lembro até hoje, um professor abrindo a porta e recebendo o que era o presidente da Comissão Estadual de Teatro, e ele tava fazendo propaganda das peças que fazia temporada em São Paulo, e organizava grupos, chamou o professor de literatura, no meu caso era até um professor que não tinha nada haver com a área de humanas, era um professor de ciências, que organizava grupos de estudantes pra ir assistir à peças, a partir daí gerava debates e tudo mais.

A primeira peça que eu vi foi o meu irmão que me levou foi o Arena conta Zumbi, no... falsifiquei minha carteirinha de estudante pra poder entrar, foi uma experiência inesquecível. Aí no teatro essa experiência foi um pouco assim, nós formamos um grupo de teatro na escola, a professora de português, de extrema direita, era uma peça horrível, chata pra caramba, mas era divertido de fazer, eu não lembro direito qual era a... o... qual era o tema. Mas em seguida nós deixamos o professor e montamos uma do Lauro César Muniz, A morte do Imortal, esse mesmo grupo. No ano seguinte a gente já que organizava os grupos de estudante, de colegas, pra assistir, ia lá no Oficina, no Arena, nesses lugares pra pedir ingressos mais baratos, e foi assim que eu entrei em contato com o Teatro. Comecei a fazer teatro e paralelamente também política, porque as discussões das peças eram um pouco pra entender o mundo que a gente vivia, as peças tinham isso como tema. A gente assistia Zumbi, a gente discutia o Brasil; a gente assistia Liberdade, Édipo Rei, Esperando Godot, eu tive a felicidade de ver lá atrás ainda, com a Cacilda, com o Walmor, o Paulo, a gente via sempre as peças do Paulo...

Roseli Fígaro: Quem é Paulo?

CF: Paulo Autran...E era assim que gerava muitos debates, as peças do Arena, do Oficina, também as peças do grupo que a gente fez pra assistir Galileu, Galilei e o debate que gerou. E essa prática de discussão também levou a gente ter uma prática política dentro da escola, do próprio Grêmio. Construímos o Grêmio naquela escola de periferia e começamos a fazer política. Isso tudo durou, 68 e 69 foram os anos auge, mas em seguida eu fui vítima, eu era presidente do Grêmio, fui preso a primeira vez eu tinha 16 pra 17 anos. E... logo isso...fui expul... na época tinha uma lei chamada decreto 47, não sei se você se lembra, que jubilava o aluno que tinha alguma participação política, você já não podia estudar em escola pública. E eu fui expulso já no primeiro clássico, então pra poder continuar o estudo depois eu tive que fazer uma coisa que se chamava Madureza, parecia um supletivo, um EJA, alguma coisa assim. E foi assim... depois daí foi mais auto-didata do que qualquer outra coisa.

RF: Que escola de periferia que você diz que estudou?

CF: Na época, na margem do Tietê, que era o Alexander Von Humboldt lá na Vila Anastácio. Tenho grandes memórias de lá, me formei muito lá.

EL: E como funcionava esse seu grupo dentro da escola? De onde vocês arrecadavam recursos, vocês tinham encontros periódicos, assim?

CF: Dentro da escola a gente arrecadava recurso... hoje você tem... gozado... eu ainda trabalho muito com os grupos não profissionais e a primeira preocupação sempre são os recursos pra fazer, a gente nunca pensou nisso. Os recursos, antes dos recursos a gente pensava no que a gente queria fazer, na idéia, e os recursos apareciam a partir dessas

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necessidades. Pra fazer o cenário eram os móveis de casa, pra fazer o figurino eram as roupas do pai, do irmão mais velho, de outro; pra arrecadar dinheiro, cada ensaio se depositava o equivalente a um real, cinqüenta centavos. Existia uma preocupação mais em descobrir o que fazer e o como fazer vinha mais... a partir da formulação da pergunta. Isso é engraçado, isso não tem mais, às vezes a gente vai em um grupo operário, to trabalhando na CUT agora, um grupo de periferia que eu também trabalho e como é que a gente vai arrecadar dinheiro? Como é que nós vamos entrar em uma lei? Nunca a gente teve isso, mesmo quando teatro profissional a gente não tinha essa preocupação, a gente usava o recurso a partir do momento que a gente formulava uma pergunta bastante sólida. O que nós estamos querendo fazer? Que peça nós vamos fazer? Por que nós vamos fazer? Pra quem nós vamos fazer? Em cima disso a gente construía a maneira de levantar esses recursos.

Os locais de ensaio... também a gente nunca pedia muita autorização, se conseguisse uma sala de aula pra depois do periodo das aulas e ficasse ensaiando muito bem, se não podia ia pro pátio, se não ia pra rua, ia pra casa de alguém. As barreiras que hoje parecem intransponíveis, na verdade a gente nem considera barreira, era uma circunstância, um dado de realidade, e que tinha que se lidar com ela, tinha que lidar com essa realidade. Isso eu aprendi e acho que até hoje é assim, porque se for por no papel isso aqui não dava pra existir não, isso aqui o Ágora não existiria, porque a gente tinha uma coisa clara pra fazer, vou continuar desenvolvendo, você acaba criando respostas pras perguntas. Hoje as empresas, tem essa impressão às vezes, que a gente tem lá na prateleira de casa uma série de respostas, sem ter perguntas formuladas antes. Essas respostas existem independente das perguntas,e aí elas são completamente inúteis.

EL: Então depois que você saiu da escola, você entrou direto no profissionalismo no teatro ou teve uma passagem por grupos independentes...

CF: Não... eu tive... quando eu... depois que eu fui jubilado no clássico eu li no jornal que tava tendo um curso no teatro de Arena, um curso de interpretação dado pela Cecília Tomi, a esposa do Boal, recém casado, a Heleni Guariba. A Heleni Guariba, se vocês estão trabalhando essa coisa do Miroel vão ouvir falar muito dela, ela foi uma diretora dada por desaparecida, mas ela foi morta pela ditadura. Mas ela trabalhou no Arena, ela fez um curso de especialização dela todo na Alemanha e na França, com o Berlini com o Prosson do teatro popular da França, e desenvolveu aqui um grupo que foi muito importante na época, na Universidade de Santo André, ela fez um espetáculo que marcou a vida dela pra sempre, mas em 70, 71 ela já foi dada como desaparecida. Elas faziam um curso lá, ela dava Brecht, a Heleni e a Cecília dava mais noções de Stanislávski e é a primeira experiência que eu tive de curso. Eu adorei, adorei, a gente ficou um ano trabalhando com muito afinco lá no Arena. Quando acabou o curso a gente não tinha muito pra onde ir, lugar pra ir, e aí eu me lembro que a gente tinha ouvido falar, o Boal falava muito na época que antes da... de 64, da censura prévia, ele gostaria muito de ter construído uma coisa que ele chamava, uma espécie de revista teatral, revista jornal. Mas com a censura prévia, vocês sabem o que é, 30 dias pra análise do texto e tal, não tinha o menor sentido fazer uma revista com três meses de atraso, mas aí a gente pediu pra ele “- E se a gente pesquisar o que seria isso um pouquinho o que seria isso”. E ele liberou o Areninha, que era uma sala em cima do Arena, uma sala com cinqüenta, sessenta lugares e eu a Denise Del Vecchio, Eduardo Santana, a... dos vinte e tantos do grupos, mergulhamos naquela salinha lá e começamos a procurar o que seria a teatralização de notícias de jornal. E a gente começou a fazer espetáculos fechados, a gente convidava os amigos que iam chegando e a cada semana, a cada quinze dias a gente fazia um jornal novo. Na época a censura não era só ao teatro, era muito rígida com jornais, o Estadão teve aquela saída fantástica, apesar do Estadão ter apoiado o golpe, talvez menos que a Folha, a Folha apoiou mesmo, a Folha era dos militares. Meu pai negociou a saída do meu irmão na sala de reunião da redação da Folha da tarde, eles eram completamente alinhados com a ditadura, por mais que pousem de democratas até hoje.

R: Só pose né?! Entende bem...

CF: É...então já tinha as notícias de bolo, as receitas de bolo no Jornal da Tarde e no Estadão era trechos de Camões, “Os Lusíadas”. Então o jornal era muito restrito, a gente tentava pegar a notícia e revê-la, retrabalhá-la de uma outra maneira que o jornal apresentava,

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então era uma contra-notícia, um trabalho de quase contra. E começou a fazer muito sucesso lá, a gente fazia essas sessões e superlotava, começou a chamar a atenção do próprio Boal, do Guarnieri, que estavam ensaiando lá embaixo, e eles foram ver e ficaram impressionados, com a vibração que acabava tendo aquilo lá. Aí o Boal falou “- Então vamos fazer o seguinte, vamos pegar as notícias menos perecíveis, que coloquem questões mais permanentes e transformar isso em mais peças” e o que acontecia, como a gente era um grupo de estudantes e mais estudantes também viam a gente começou a sugerir “- A façam também o seu teatro de jornal”. Aí começou a se multiplicar, a quantidade que teve de grupos de teatro de jornal chegou a quarenta em um ano, espalhados pela universidade, pela periferia de São Paulo. E o Boal, genial que era, entendeu essa potência do teatro jornal e falou assim “- Vamos fazer um espetáculo mostrando como é possível fazer teatro em qualquer lugar”, inclusive o texto do teatro jornal começava assim, dizendo que o teatro não era popular como o futebol, porque o futebol o pessoal sabia como chutar a bola, podia não saber muito bem, mas sabia mais ou menos as regras do jogo; e ele achava que tinha que popularizar as regras e o teatro jornal era um espetáculo que ensinava como fazer teatro, transformar teatro em um jogo de salão. E isso multiplicou, multiplicou, a gente acabou fazendo um sucesso muito rápido. O Boal percebendo que ele tava ficando cercado aqui no Brasil, começou a fazer contatos fora, ele que tinha feito uma excursão pelos Estados Unidos, pelo México. E a gente tava preparando pra ir pra França e fomos, nesse ínterim pra Buenos Aires, e ele falou “- Não... vai o teatro de jornal também” e aí a gente, dezoito anos, dezenove anos, ficamos todos felizes, fomos pra lá e foi um aprendizado fantástico com essa... com essa outorga de responsabilidade que o Boal nos deu naquele momento.

E aí eu, a Denise, juntou mais o Hélio, depois o Elísio, a gente preparou o elenco pra ir para a França, a gente já fazia parte do elenco do Zumbi, que era o espetáculo mais carro-chefe. Na preparação o Boal foi preso, a gente ia em três meses pra lá, então foram três meses de discussão e de... briga pra tentar libertar o Boal, e a discussão de vale a pena ir pra lá pra divulgar a prisão dele para ver se consegue libertá-lo. E a gente teve um grande aliado, o Jack Lang, ele era o diretor do teatro, Festival de Teatro de Nancy, e depois virou o Ministro da Cultura, e sem dúvida nenhuma é o paradigma da questão cultural, ele estabeleceu coisas muito importantes. Ele resolveu comprar a briga pra libertar o Boal e ele foi fundamental nessa briga, nessa...divulgação da prisão deles. Quando a gente tava na França a gente fez Nanci e depois fizemos uma turnê grande até Marselha, depois até Paris, ficamos em Paris, nesse cinturão vermelho, que chamava na época, toda a grande Paris...era toda dominada por comunistas, então a gente fazia os espetáculo. Foi uma experiência muito interessante, a gente teve muito contato com portugueses, que era uma mão de obra barata lá da França, os exilados do regime do Salazar e tinham já umas quatro gerações, o Salazar ficou anos em cartaz. Cartaz, não...

R: Em cartaz porque ele era teatral... (risos)

CF: Anos no poder, com uma ditadura muito violenta, e os portugueses acabavam indo pra França pra poder arrumar trabalho, mas eles eram muito politizados, foi uma relação muito forte, os debates que a gente fazia, a gente fazia praticamente teatro jornal e o Boal acabou saindo da prisão e foi nos encontrar em Paris, antes de voltar pra Argentina. Então foi um pouco esse – acho que eu me estendi demais – foi um pouco esse o começo da história, mas foi sempre muito marcada por essa relação entre teatro e política, sempre. Não tinha nem a perspectiva de separação desse binômio, foi natural, como no grêmio foi organizando os grupos pra assistir os espetáculos que criou o Grêmio e depois com o teatro jornal já começou essa coisa de multiplicação. O Boal costumava dizer que o teatro jornal é a pré-história do teatro do oprimido, porque tem um pouco o mesmo princípio de estar fazendo com que o público seja ator, seja atuante dentro do espetáculo. Foi esse o início, mas isso faz muito tempo, você não tinha nem pensado em nascer, 70, 71 acho que o Boal foi preso...

EL: E quais você acha que eram as maiores dificuldades nessa época de ditadura e censura?

CF: A ditadura e a censura, hoje a gente jovem tem uma certa natureza mais de esquerda, mais política, pô aquela época pelo menos você sabia um pouco quem era o inimigo. Uma certa nostalgia de um tempo que não viveram... não faz falta nenhuma, a ditadura não faz

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falta nenhuma pra ninguém. É claro que a gente viveu aquela época e resolveu viver aquela época batendo de frente né?! E isso a gete tem um certo orgulho disso, sobrevivemos, o país se transformou e acho que de alguma forma essa geração ajudou o país a se transformar bastante, mas sorte de vocês que não tem mais isso. O que atrapalharam...a censura atrapalhou, a censura destruiu o teatro brasileiro, a ditadura destruiu a educação brasileira. Não estou fazendo nenhum jogo de palavras, a perspectiva de popularizar a educação, se destruiu completamente o próprio conceito, você ... porque... porque pra formar mão-de-obra barata, que era um pouco o que cabia ao Brasil dentro do sistema da divisão internacional do trabalho, aqui a gente tinha que produzir mão de obra barata. Então não precisava formar grandes cientistas, grandes... então fez o que, fez com que se formasse primeiro pra formar uma quantidade maior de gente tinha que ter muitos professores, e alguns professores foram muito mal formados. E o que acontece? O professor mal formado forma mal quem tá dando aula, que vai ser um outro professor e nisso tem um ciclo que vai demorar pelo menos mais uns vinte anos, se continuar com essa energia, que eu acho, por exemplo o governo Lula teve e que parece que a Dilma vai ter também, mesmo assim ainda vai demorar uns quinze a vinte anos pra sair do buraco que foi arrumado pela ditadura, porque é um ciclo vicioso que não se rompe. Como é que você vai atender sessenta milhões de crianças se você não tem gente formada para formá-los, né?! É um nó que o governo tem, que o país- não é o governo- tem que vai enfrentar. Então eu acho que a grande dificuldade era essa, a grande dificuldade era você lidar com um inimigo muito poderoso, muita grana, e que veio pra destruir, destruir é fácil né?! Então tudo que estava se construindo a ditadura veio pra destruir e veio construir uma outra coisa, que era uma...uma...a ilusão do capitalismo do consumo fácil.

Eu me lembro que em 74, 73, 74, quando a gente saiu do São Pedro, a gente saiu do Arena foi pro São Pedro, com o Mauro Segall e depois de muitas peças censuradas nós falamos “- Esquece esse negócio, vamos pra periferia”. E a gente foi pra periferia, nessa época a gente não tinha mais o nosso público, o público que nos ajudou a formar o teatro de jornal, que eram os estudantes que estavam de alguma forma organizados, a partir de 71, 72, foi uma destruição total das organizações populares, das organizações estudantis, com prisão né?! Quando você tem idéia de que em uma noite se prende mais de mil, que foi a (?), mil líderes, não eram os estudantes, mil líderes que estavam lá pra discutir o movimento estudantil, foram presos de uma vez. O nosso público foi preso, não era nem uma figura de linguagem. E aí isso foi desestimulando e eles foram estimulando um outro tipo de teatro que começou a agradar muito a classe média que apoiava o regime militar. Era um teatro de muitos musicais importados, comédias ligeiras, muito digestivo, aquele teatro mais engajado forjado pelo Plínio, Plínio Marcos, Boal, Guarnieri, pelo Zé Celso, Fernando Peixoto, Flávio Rangel, Paulo Autran, eram pessoas muito, artisticamente, Cacilda Becker, muito poderosas, esse teatro foi impedido de se desenvolver. E aí começou a se importar... “Hair”, até tentavam importar espetáculos legais, mas a sensação que a gente tinha era que se comprava, como se baixou a taxa de importar, se comprava o Black Label muito barato no supermercado, Whisky importado, era a mesma sensação uma peça importada também e a sensação de que você estava entrando no primeiro mundo. E isso era ruim na ditadura, essa dificuldade é que eu acho que foi a maior que a gente enfrentou e que eu devo dizer que a gente ainda enfrenta, eu acho que eles foram vitoriosos, a ditadura foi vitoriosa. E ainda você tem muito respaldo aí pra... pra transformar, porque eu acho que o Brasil optou por uma mudança não radical, eu acho que até acertadamente, o pior dos mundos é uma guerra civil, né?! Então não foi uma... não foi uma mudança violenta da ditadura, foi uma mudança negociada e isso tem seu preço... você não vira a página, tem muita coisa da ditadura que ainda nos assombra.

EL: E como foi essa experiência nas periferias?

CF: Ela foi, e continua sendo, uma das coisas mais gratificantes que eu eventualmente faço mesmo que em menor intensidade que na época. Isso foi a partir de seten... a gente sempre trabalhava na periferia, mas quando a gente saiu de São Pedro a gente falou “- Bom, vamos encarar isso aí”. A questão do popular era uma questão muito presente no Arena, inclusive a definição do que seria popular, o Boal tem um panfleto que chama “Categorias de teatro popular”, que ele colocava que o Arena fazia o teatro popular, porque fazia o teatro do ponto de vista do povo, não necessariamente diretamente pro povo. E a gente achava isso... tudo bem eu até concordo , mas porque não fazer se é popular não fazer do povo, pro povo e a primeira perspectiva era checar essas teorias do Boal. E foi muito interessante pra nós do

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núcleo, porque era um grupo que não estava só preocupado com a ação política não, de alguma forma, toda a esquerda, a partir de 76, começa a ir pro bairro, então essa turma toda que foi presa, 69, 68, 70, quando começou a sair da prisão, percebeu a partir de auto-crítica e tal que o trabalho deles precisava ter uma base popular mais sólida e aí foi quando teve um grande avanço a educação de base. Os teatros, os grupos de teatro, os grupos de educação popular, tudo isso, os movimentos por moradias, o movimento que culminou no primeiro grande movimento contra a ditadura que foi o movimento contra a Caristia, em 75, 76, então foi onde o povo começou a se reorganizar. Então ir pro bairro foi um movimento geral, você tá buscando apoio e tudo mais, mas além dessa visão crítica que a gente tinha desse movimento, não era alinhado ao movimento, mas era organicamente ligado, a gente tinha uma discussão estética, a gente queria saber se o que a gente dizia batia naquele público e a gente foi fundo nisso, porque a gente começou a criar alguns núcleos de artistas populares e começar a entender não só como eles recebiam a nossa criação, mas eram os mecanismos de ficção deles. E isso foi pra mim uma grande virada do meu trabalho artístico, entender a liberdade que eles lidavam os signos que no primeiro momento lá até no Arena, a gente achava alienados, alienantes, e esses signos, essas histórias se transformarem em elementos de debates extremamente vigorosos e bons de assistir e participar. As histórias que eles criavam nas improvisações eram muito diferentes das nossas, do que a gente propunha e a gente começou a entender por que é isso. Se eu citar um exemplo vocês vão ter idéia, tinha um texto que tava sendo organizado por um grupo que também saiu do núcleo, que chamava “De um homem não se perde nada, Se dum boi só se perde o berro, de um homem não se perde nada”. O motor da história surgiu um pouco dessas improvisações, que uma pessoa estava com problema debaixo do braço e ia fazer uma consulta no INSS e o médico roubava o coração dele e ele tinha sete minutos, ninguém sabe por que, mas tinha sete minutos de vida e ele resolve prestar queixa em uma delegacia de que roubaram o coração dele. E essa situação completamente fantástica, maluca, leva a um segundo e um terceiro ato que a coisa pira de uma vez. E a gente fazia exercícios mais tradicionais, como é o teu dia na fábrica, e eram mais realistas, e a gente percebeu que a cabeça do brasileiro naquela época não tinha nada de naturalista, de cartesiana, já era completamente quântica a forma como eles raciocinavam, os saltos que eles davam. E quando a gente via o debate das nossas peças, era muito legal, vibrava também, mas quando via da peça deles, era um salto de interesse, de expansão de idéias, era muito maior, e a gente começou a se questionar esteticamente, e também politicamente. Então pra mim foi uma experiência de formação, talvez a mais...a mais...fundamental...ficamos lá primeiro de 74, rodamos primeiro, depois fixamos na Penha, em São Miguel, na Av São Miguel. Depois abandonamos esse espaço fomos mais longe ainda, um bairro bem interno lá, foi uma experiência bastante radical, ficamos seis anos nesse tipo de trabalho.

R: O núcleo tinha algum nome?

CF: Núcleo, Teatro Núcleo. Depois teve uma...tinha já um Teatro Núcleo do Arena, então a gente colocou Núcleo Independente, mas era conhecido como teatro Núcleo.

R: São Miguel, Penha, e depois você não lembra o bairro?

CF: Era entre Penha e São Miguel, as duas eram...

R: Cangaíba?

CF: Não, não... a gente foi mais pro lado de São Miguel mesmo era... Assis eu acho. Ficou bastante tempo lá mesmo, e a gente tinha sede, também não perguntamos muito por recursos. A gente vivia daquilo, eu vivia daquilo, sempre fazendo espetáculos, dando curso, fazendo outra coisa, fazendo....eu me lembro que a gente tinha uma perua, perua Kombi, nas horas vagas eu fazia carreto pra sustentar o filho. Claro que na juventude a gente não tinha preocupação com isso né?! A juventude hoje não se atira tanto.

RF: Não se atira nada!

(risos)

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CF: Acho que foi a grande importância ai, lá também a gente mantinha esse trabalho da sede, e fazia espetáculos de extrema qualidade, espetáculos premiados nacionalmente, eram espetáculos, eu gostava muito do que a gente fazia lá e também fazia espetáculos na própria... na periferia da periferia, ia lá pro Itaim, pra Nhocuné, Camargo Velho, Camargo Novo, todas essas regiões a gente percorria tudo com os espetáculos e formava grupos nesses locais, participávamos do movimento cultural da região e na época também tínhamos um jornal, que chamava “Espalha Fato”, acho que chegou a ter uns quatro, cinco números, mas era um jornal não cultural, era um jornal de bairro mesmo, discutia os movimentos populares e tudo mais, uma discussão mais política, digamos assim.

EL: Você lembra de algum nome desses grupos que vocês passavam e formavam na comunidades?

CF: Que a gente formou... eu não posso dizer que a gente formou porque o projeto de formação de grupo nunca tem uma paternidade, mas de qualquer forma a gente trabalhou junto com muita felicidade com alguns grupos lá da... que participaram de um trabalho que o... (fugiu o nome)... lá em São Miguel, o Arantes, da UNICAMP, ele também já foi presidente da UNIFAN, ele fez um trabalho com um antropólogo, um trabalho de antropologia sobre a possibilidade de se utilizar, esse era o tema geral da pesquisa dele, prédios históricos para atividade culturais e ele resolveu desenvolver um trabalho muito particular lá, que eu acho uma aula de ação cultural o que ele fez, ele se mudou pra lá, praticamente ele ia todo o dia lá pra São Miguel e começou a visitar botecos, e percebia que um cantor aqui, um poeta lá, um grupo de teatro lá, e ele foi juntando, uma metodologia completa que eu passei a utilizar sempre na minha ação de gestor público ou de agente cultural, que é de uma organização progressiva e que a organização deixa de ser do agente que tá organizando e passa a ser do coletivo. E ele foi juntando, juntando grupos importantes, a gente entrou nisso com ele, e se formou lá o movimento popular de arte que até hoje ecoa lá na região de São Miguel, Matéria Prima, Sachcaberuã, artistas importantes que tocavam muito com o Tom Zé, que acabou indo prá lá aproveitando, trabalhava muito com o Matéria Prima, grupos de extrema qualidade que acabou se formando a partir desse movimento popular de arte, que só deixou de existir pra valer na gestão do Guarnieri que, por uma boa vontade do Guarnieri, ele acabou de alguma forma remunerando esses agentes como agentes culturais da secretaria municipal de cultura e ai curto-circuitou, né, gozado essas coisas de... como ás vezes uma ação positiva gera um curto-circuito que talvez apresse ritmo natural do desenvolvimento daquela ação e acaba destruindo a ação, tem um cara que escreveu sobre maio de 68 que fala isso que o que acabou com maio de 68 foi a televisão, porque a mensagem que se transmite por..., é... eu acho super interessante a tese dele, antigamente você transmitia a mensagem por pichação, por jornal, por...

RF: Outro tempo, né?

CF: Com papelzinho, com panfleto, com apostilas, você transf..., com notícia de jornal, quando você começou a ter a transmisão ao vivo dos acontecimentos de maio de 68, o que aconteceu: Marselha acabou fazendo aquilo que Paris estava fazendo mas não com a organização que Paris tinha, o que acontece? Curto-circuitou, acabou... apressou um movimento que teria um ritmo natural de crescimento, abortou a história. E eu achei isso interessante, e eu acho que a gente também ás vezes nesse movimento popular de arte sofreu um pouco com isso. Só um parênteses, não tem nada que ver com a sua pergunta.

Mas a... muita gente, eu não... eu continuei trabalhando com formação de grupos, participando de algumas invasões que eu achei legal, o grupo... lá o Mazzaropi do Belenzinho, gostei muito do trabalho que a gente fez no Tendal da Lapa, que acabou dando certo, que é uma invasão né, aquilo lá a primeira vez que a gente entrou lá dentro tinha dois corpos de pessoas que tinham sido justiçadas, essa era o estado daquele lugar, muito sujo, muito podre, muito ermo mesmo, abandonado total e a gente invadiu e hoje é um centro cultural, e isso a gente acha legal, e acho que hoje você percebe. Lá no TUSP a gente tá fazendo um trabalho agora que vai ser sobre periferia, militância teatral em periferia, que o Milaré tá fazendo a curadoria, você percebe vários grupos que invadiram e tão lá, entendeu? Que tão segurando e transformando espaços às vezes completamente perdidos em centros culturais importantes

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EL: E nessa época que você estava na periferia, vocês sofriam muita censura ou algum tipo de censura específico?

CF: A gente sofria como todo mundo, mas com um pouco menos de rigidez. Por que? Porque a gente acredita que, acho que pela época que deu uma afrouxada depois de 74, mas também porque censor também é funcionário público, graças a Deus, eles não iam na Penha nem ferrando! (risos) Eles não se deslocavam. Então a gente o que, como é que funcionava a censura: você mandava o texto, depois fazia um espetáculo e depois você tinha que mandar, por semana, dois ingressos por dia pelo menos pra polícia federal e a policia federal decidia se ia alguém ver ou não, então você podia ser censurado no texto, podia ser censurado no ensaio geral, mas você também podia ser censurado no decorrer da temporada, você tava sempre sob o olhar da censura, vários espetáculos saíram de cartaz por isso, né, porque depois de entrar em cartaz tiraram, lá a gente nunca teve nenhum censor indo até a Penha, a gente olha... eles faziam a gente buscá-los para assistir o ensaio geral, a gente tinha técnicas específicas com relação à censura, que o Boal nos ensinava, “- Façam o pior espetáculo da vida de vocês... esqueça, qualquer exercício de dicção... falem mal”, falava pro sonoplasta “- Aumenta o som para deixar inaudível as frases mais perigosas que estão no espetáculo”, tinha algumas técnicas que a gente fazia pra driblar a censura e sabia quando chegava aqueles ingressos carimbados pela polícia federal que tinha censor na platéia, coitada da platéia daquele dia, sofria, assistia um péssimo espetáculo. Mas lá eles nunca foram além do ensaio geral e isso facilitava a nossa vida.

RF: Mas vocês mandavam a peça pra censura...

CF: Mandava, mandava. Um dos últimos espetáculos que a gente fez no São Pedro, que foi “A Queda da Bastilha” foi muito censurado, eles chegaram a cortar a frase “liberdade, igualdade, fraternidade” dizendo que era de um revolucionário mineiro e pronto não pode, eu fui preso no palco, a gente conseguiu suspender, mas eles tinham cercado o teatro e me prenderam no espetáculo, era muito violento, a gente fala assim com uma certa brincadeira tal, mas não era fácil não, era uma pressão muito violenta, a gente enfrentava, não reclamava, como agora não reclama, mas que era um cerceamento violento era.

RF: Qual o nome da peça que você foi preso?

CF: “Queda da Bastilha”, eu fazia um... o espetáculo começava na rua, era um espetáculo muito inspirado no Misuschini, inspirado mas muito diferente, Minuschini era pra duas mil pessoas, era outra coisa, na Cartoucherie, a gente fazia num teatro de cento e poucos lugares. Ma a gente começava na rua e eu fazia um mendigo guardador de carros, e eu percebi o cerco quando tava guardando os carros, e ai a gente tentou suspender o espetáculo mas já era tarde, ai fui eu, a Denise foi reclamar, foi também, presa também, mas é... era esse o nível, nós saímos do São Pedro porque tivemos a segunda peça censurada diretamente, o Maurício Segall pagava nosso salário na época, a gente era um grupo de centro muito bem pago para o teatro brasileiro, era... tava bem de vida, mas ele teve... a gente teve duas peças censuradas de cara, tiradas de cartaz, “Queda da Bastilha” e depois “Os dois homens na mina” do Ivo di Bonaventura e não teve como ele manter o grupo

EL: O que motivou a sua profissionalização? Foi um processo natural...

CF: É, acho que foi, foi um processo natural. A gente tinha na época um paradigma do Arena, dessa coisa de teatro de grupo, ter uma origem de teatro de grupo do teatro brasileiro, moderno, tem a companhia do TBC, mas em contraponto ao TBC surgem dois grupos que são paradigmáticos, que é o Arena e o Oficina. E tinha também, a gente teve contato já na França e depois na Colômbia, com um cara muito importante que desenvolveu um trabalho em Cali chamado Enrique Buenaventura, um grande diretor, foi um grande diretor, que desenvolveu um trabalho grupal que também independente, que era meio modelo para nós, eles encaravam o fato de não sobreviver de teatro com muita naturalidade, eles achavam que tudo bem, que vale a pena ter a liberdade para fazer o que bem entende, portanto nós vamos dar meio período para ganhar o nosso sustento onde for e isso era tranqüilo para nós, mesmo porque quando a gente olhava os grandes atores, ditos profissionais, eles eram profissionais de fato, raramente a pessoa viva só de teatro, né, fazia publicidade, fazia televisão, teatro era raríssimos, talvez, a

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única pessoa que viveu só de interpretar foi o Paulo Autran, talvez o único, mas mesmo assim ele fazia rádio, televisão, mais uma série de outras coisas, então era tranqüilo isso pra ele. Então essa profissionalização sempre foi assim, como é hoje, eu vivo de teatro, mas não posso dizer que vivo de interpretar, aqui a gente se endivida, daí faz televisão e paga as dívidas, daí faz uma outra coisa, dá aula, gira entorno da coisa do ator, mas eu não posso dizer que eu vivo de ser ator, o meu ganha pão cotidiano é o da USP, que me dá uma certa liberdade para fazer outras coisas também, como não tenho dedicação exclusiva no regime lá eu posso fazer outras coisas, mas é... nunca foi uma... uma angustia isso pra mim, eu sinto nos alunos essa isso, essa angustia e sinto muitos desistirem por essa angustia, eles terminam a escola, que forma um cara de nível de excelência na sua profissão, só que o mercado nem sempre está interessado na excelência e ai a pessoa fica, sai da escola e fica esperando ser chamado por alguma coisa e não é, e ai acaba o Estado perdendo, porque aplicou quatro anos na formação daquela pessoa, e a pessoa também perdendo porque fica frustrada de fazer uma coisa que não é o que... porque eu acho que o nosso nível de profissionalização ainda é precária, ainda é muito ruim, a situação da economia do teatro é muito incipiente ainda, falsa, se sustenta em bases muitos frágeis.

EL: Você acha que existe censura atualmente?

CF: Existe, existe a censura econômica que é muito violenta, hoje você não... e pior, sem critérios, o governo, na sua estrutura de financiamento público ele abriu mão e decidiu que o que ele financia e o que não financia, ele dá essa decisão na mão de um gerente de marketing de uma empresa, então o gerente de marketing obviamente vai escolher o que é melhor para a empresa, faz parte do jogo e ai tem censura, tem censura sim, eu já participei de leituras de peças e de filmes para patrocinador, um diretor amigo fala “- Faz a leitura desse roteiro que vai um patrocinador ver e tal” eu vi o patrocinador “- Porque eu aprovo mas se mudar o final, porque com esse final não é legal pra nós” e o diretor aprova, porque deixou de ser uma coisa autoral, passou a ser industrial, passa a ser uma coisa que interessa a empresa e não ao artista que está criando, então acho que essa censura é muito mais sutil, ela não é regulamentada, ela é mais obscura, mas ela existe, aqui por exemplo a gente teria parado várias vezes se não fosse a teimosia, a gente não tem patrocínio a mais de dois anos, então é difícil você segurar a peteca. (risos)

EL: Então eu acho que era isso.

CF: Isso.

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Anexo VII - Entrevista Hilda Breda Data: 11 de agosto de 2011

Local: Residência da entrevistada

Entrevistadora Roseli: Hilda, eu quero que você me conte como foi a criação do grupo. Primeiro diretor, que rapidamente você me diga a localização, o que estimulou a criação desse grupo de teatro amador Regina Pacis,que vai já completar 50 anos, não é isso?! Eu acho que é um dos grupos de teatro amador mais antigos que nós temos.

Hilda Breda: É... quando o Armando Lazário – só antes de começar – quando o Armando Lazário foi escrever uma tese de mestrado, doutorado, sobre o grupo ele falou que ele pesquisou em todo o Brasil e que não encontrou nada que tivesse essa idade. Porque assim... os grupos amadores é quase sempre um trampolim pro profissionalismo. Então eles diminuindo, vão acabando, dura alguns anos, mas... mesmo hoje, eu faço parte de coletivos que são feitos de grupos do ABC, poucos grupos tem a minha característica, quase todos eles já estão sendo formados pro profissionalismo mesmo, aqui nosso grupo não... é declarado de utilidade pública, ou seja ninguém do nosso grupo pode receber nada. E todo dinheiro que entrar, de uma verba ou bilheteria, isso aí vai pro grupo e é pra pagar despesas com montagens, gravação de DVDs e assim por diante.

Voltando à sua pergunta inicial: o grupo foi formado em 1962, especificamente no dia 21 de abril. Por quê? Porque dia 21 de abril foi um pic nic, naquela época se fazia picnic, onde se reuniram os filhos de Maria e os Marianos da comunidade religiosa aqui da igreja matriz de São Bernardo do Campo. E o Assumpção, via nesses jovens, de vez em quando fazia umas brincadeiras, assim, eles faziam algumas esquetes, algumas coisas assim meio divertidas e tal...Brincava! E ele ficava observando tudo isso – isso também me contaram, porque na época eu não fazia parte do grupo – e ele resolveu agregar essas filhas de Maria, esses Marianos pra que tivesse uma atividade ali, porque a cidade era carente de... tinha dois cinemas, tinha alguns salões de bairro, mas eles como filhas de Maria e Marianos não freqüentavam, então não tinha muita diversão, entretenimento, lazer, não tinha nem teatro na cidade. Então ele, o Assumpção, resolveu juntar esses jovens pra fazer um grupo de teatro. Então nesse dia ele falou “- Gente, vamos formar um grupo de teatro.” Formou a primeira esquete se chama “Dor de Dentes”, que eu também descobri um dia, e assim depois eles fizeram outros espetáculos e começou por aí. Foi assim que começou... por aí. E mesmo entrevistando os mais antigos, a idéia partiu do Asssumpção, a idéia foi dele.

ER: Antonino Assumpção?

HB: Antonino Assumpção. E... nesse primeiro momento ele teve junto com ele o Antonio Bechelli, o Carlinhos de Abreu, que é irmão do Luís Alberto de Abreu, e logo em seguida teve o Alcides Médici, o Antonio José Guazelli e Leodelina Montibeller, que faz parte do grupo até hoje, ela é a única remanescente do grupo que se mantém até hoje.

ER: Como é o nome dela?

HB: Leodelina Montibeller. Ela está com setenta e dois anos, nós estamos com um espetáculo em cartaz, que é o Bate papo na feira e ela é a sonoplasta. Ela está sempre firme.

ER: Que maravilha...

HB: É. Ela está firmona. É... então começou assim.

ER: E por que ser teatro amador? Por que ser um grupo amador de teatro? Por que essa, é uma opção?

HB: É... na época era, na época eu acho que nem tinha muito profissionalismo, porque naquela época mesmo os profissionais, eles, assim pelo que a gente lê, porque tinha o TBC, o TBC estava se formando. Não tinha muito profissionalismo, todo mundo fazia teatro porque gosta... não tinha esse... quem vivia de teatro? Era diferente né?! Então... a televisão tava

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começando, o cinema que tinha a Vera Cruz que era aqui em São Bernardo... tinha essas pessoas, mas era assim uma coisa diferente, era um época completamente diferente. Foi uma opção, mas eu acho que todo mundo fazia assim naquela época.

ER: E qual é esse grupo que você disse que nasceu de duas congregações, as filhas de Maria e os Marianos, qual o papel que ele desempenhava de inicialmente proporcionar entretenimento aqui pro pessoal da comunidade. Como é que ele foi crescendo e como é que... que papel que ele teve nesses anos 70, 60, 70 no cenário cultural da cidade?

HB: É o seguinte, na verdade o grupo... como também as cidades do estado de São Paulo acabaram formando a CONFENATA. Confederação Nacional de Teatro Amador, tinha a CONFENATA que era presidido pela Cacilda Becker, que era uma profissional, por isso que eu to falando não tinha muito essa distinção, mas ela que era a presidente. E no estado de São Paulo que era a COTAESP, Confederação do Estado de São Paulo, congregava os grupos do estado de São Paulo. Então o pessoal da COTAESP resolveu fazer um festival congregando os grupos do estado. Porque toda cidade tinha, era aquele pessoal de.. da.. igreja, da escola, tinha alguém. Eles fizeram e no ABC tinha... no ABC se chamava FEANTA, Federação Andreense de Teatro Amador, que congregava os grupos das sete cidades, então fazia uma fase regional desse festival. Então logo no início, tinha o grupo aqui em São Bernardo, o Regina Pacis se inscreveu que era o grupo da cidade, se inscreveu. E logo de cara ganhou prêmio, porque o Assumpção era muito assim, ele queria qualidade, ele era meio rigoroso, não levava muito na brincadeira não, levava muito a sério as coisas, brincando, mas levando a sério. Então a gente se inscreveu e logo de cara foi premiado, que era... esqueci o nome da peça, deixa eu ver aqui senão eu me atrapalho... “Os ossos do Barão”.

ER: “Os ossos do Barão” foi o primeiro prêmio de vocês?

HB: É... foi isso mesmo... não foi “Pedreira das Almas”. É... “Pedreira das Almas” foi antes que é do Jorge Andrade, peguei os olhos senão eu não enxergo direito... Bom... mas então já ganhou prêmio, passou a representar São Bernardo, passou pra fase regional do ABC, depois tinha a fase.

ER: Estadual?

HB: Semi-final, passava pela baixada Santista, São Paulo, Grande ABC, depois foi pra final e acabou indo pra final e lá ganhou... acabou ganhando o Prêmio Governador do Estado, que era o grande prêmio, em cenário. E foi indicado pra outros prêmios, mas não ganhou, que era o primeiro... já ficaram muito felizes.

Então... foi um estímulo e isso funcionava bastante, porque era uma efervescência, os grupos se reuniam, discutiam, tinham duas semanas pelo menos aqui no ABC, pelo menos uns 15 dias só de apresentação de peça, então todo mundo ia toda noite e era muito legal e... então trocavam idéias. Às vezes pela federação tinham pessoas que vinham dar aula... a gente chamava workshop, mas vinha o Pacheco, esses professores que estavam na EAD, vinham dar palestras, algumas aulas. Então sempre tinha esse tipo de coisa, o pessoal foi desenvolvendo. E o próprio Assumpção, ele também falava assim “- Não, vamos contratar pro nosso grupo alguém pra dar aula aqui”. Então ele trouxe profissionais, você vê, nós fomos dirigidos pelo Eugênio Kusnet, que era discípulo do... Stanislávski, que até hoje o teatro segue muito os ensinamentos dele. A Miriam Muniz, o Silvio Zilber, foram pessoas que vieram: “- Não, vamos dar um jeito de contratar, não sei o que...” e corria atrás pra ver patrocínio pra esse tipo de coisa. Então o grupo... pra... ter uma excelência artística. E... ele batalhava muito por isso.

E o que aconteceu em termos de cidade, você perguntou: a gente passou a ser o representante oficial de São Bernardo do Campo. Não era só a gente que ia se apresentar, era o grupo de São Bernardo do Campo, apesar de ser a Federação Andreense, por causa desse Andreense, “- Ah...vocês são de Santo André” “- Não, nós somos de São Bernardo”. Era sempre nós, acabou quase sempre sendo nós, então éramos o representante oficial. Então a prefeitura dava ônibus, caminhão pra levar o cenário, o próprio cenário muitas vezes era confeccionado por funcionários da prefeitura. Porque tinha que ser o melhor cenário e não sei o que, e pra montar o cenário, às vezes ia lá funcionário da prefeitura, ia lá e ajudava. Então a

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gente tinha uma infra-estrutura, porque nós representávamos a cidade. E o prefeito ia às vezes até aquela cidade pra prestigiar a gente. Os prefeitos das estréias nossas daqui, que às vezes era feito na Igreja São José, que tinha um teatro, posteriormente no salão paroquial da Igreja, porque não existiam outros teatros. Porque o Cacilda Becker mesmo só foi em 68, porque a própria Cacilda, teve um festival feito aqui em São Bernardo, porque era pra fazer a estréia, Santo André deu pra trás e o Assumpção falou: “- Não...eu faço em São Bernardo”, porque tinha que ser feito no ABC. Então o Assumpção conseguiu e a Cacilda Becker falou: “- Você sabe como é que vai chamar este teatro?”, ele falou “- Não sei... tá em construção, só acabaram pra fazer o festival”. Acabaram pra fazer o festival, ele estava assim... todo em reboco, mas fizeram o festival. Aí ela morreu e acabou tendo o nome dela... ah...e ainda ela falou: “- Que não coloque o nome de alguém que não tem nada que ver com teatro!”, uma coisa... uma ironia isso né?! Aí ela morreu e o teatro teve o nome dela.

Aí enfim... foi isso... nós tínhamos esse apoio do poder público, nós éramos representantes oficial da cidade. E assim... pra cidade também, nós colocávamos uma peça, era uma coisa assim impressionante, vinha muita gente pra assistir.

ER: E você entrou pro grupo em que época?

HB: 68. Então o grupo foi formado em 62 e eu só entrei em 68. Tinha treze, quatorze anos.

ER: Durante todo esse período dos anos 60, a atividade do grupo era grande? Vocês tinham uma peça nova a cada ano? Isso que você acabou se nos contar sobre os festivais, a participação nos festivais foi nesse período, de 62 até 68?

HB: Até um pouquinho mais pra frente... porque a cidade foi aumentando, aumentando todos os grupos, os festivais também foram se diluindo. A cidade mudou, culturalmente, socialmente.

ER: E nesse período vocês tinham uma peça nova todo ano?

HB: Sempre, praticamente uma peça todo ano. Uma ou mais do que uma ao ano. Porque nós começamos a investir no público infantil pra ter o público de amanhã. Não... nós vamos fazer infantil, pra nós formarmos um público, pra amanhã nós termos esse público já. E nós temos um público adulto que nos acompanha... A gente tinha realmente muito público e... mas nós temos que também formar esse público pra nós não perdermos. Então ele via já lá na frente, e nós começamos a produzir peças infantis, então a gente tinha adulto e infantil pelo menos uma por ano. E tinha anos que a gente teve mais do que uma, porque todo mundo queria fazer teatro e no nosso grupo nunca se exigiu nada pra entrar. A pessoa falava “- Ai quero fazer teatro, mas eu não fiz nem na escola.” “- Você quer fazer?” “- Quero.” “- Então o que precisa?” “- Dedicação e vontade.” Então até hoje é assim...você quer entrar no grupo, entra, “- Mas eu não sei...” não tem importância, a pessoa entra. Tem pessoas que tem dificuldade até pra ler com intenção e a gente ensina isso, ensina voz, usar o diafragma. Até hoje fazemos isso, a pessoa entra e não sabe, então não precisa... “- Ahh, mas precisa fazer teste?” Não... o Assumpção brincava “- Precisa sim, e vai ser comigo.” Mas na verdade não...então as pessoas não precisam de nada até hoje pra entrar no grupo.

ER: Nesses anos 60 ainda, nós tivemos o golpe militar em 1964, você que entrou em 68, era muito novinha ainda, mas você tem memória, ou algum registro do grupo com a censura nesses anos 60?

HB: Temos... é... eu entrei em 68 e logo em seguida nós encenamos uma peça infanto-juvenil do Vendramini, que era “Ponto de Partida”. Foi a primeira peça que eu participei e logo depois ele falou: “- Vamos montar „Liberdade, Liberdade.” Peça de grande sucesso com o Paulo Autran, do Millor Fernandes. Oi?

ER: Mas ele também... o Assumpção... justo “Liberdade, Liberdade”.

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HB: Ele era... ele falou nós vamos montar essa peça... e nós montamos, aí na época tinha que mandar pra Brasília os textos, mimeografar, mandar pra Brasília, depois ir na Xavier de Toledo.

ER: Isso foi em que ano ?

HB: 69. Isso a gente tinha que mandar o texto e tinha que liberar isso. Teve liberação, vieram os censores, teve que buscar em São Paulo, trazer, eles assistiram, praticamente não teve corte. Claro... na hora de fazer censura “- Não fique empolgado em falar certas palavras, aquelas que eu falei pra dar mais ênfase, faz meio né?!... não faz... faz uma coisinha assim... que você não sabe nem o que tá falando”, então ele... meio macaco velho “- Não dá aquelas intenções mais assim... faz nenhum arroubo, faz aquela coisinha bem inocente, bem... de quem não sabia bem o que tava falando..”, era uma estratégia dele, ele fez isso durante todo o período que teve censores com a gente, “- Então essa cena que a gente fez desta forma, vamos fazer ela mais... “, ele até mudava a marcação às vezes, pra não passar aquela idéia né?! Então isso também a gente fazia. Era estratégia pra gente burlar a censura. Teve muito disso.

Veio, nós recebemos o certificado de censura, nós começamos uma temporada com bastante público, nós chegamos a apresentar. Só que durante essa trajetória, desse espetáculo o Assumpção tinha uma distribuidora de jornais e revistas, que distribuía jornais aqui em São Bernardo, e eu trabalhava lá, porque na época começava a trabalhar bem jovenzinha, na época eu tinha 14 anos... trabalhando na banca de jornais e revistas. E o Sérgio também.

ER: Sérgio?

HB: Sérgio Luiz Rossetti, ele tinha ganho o prêmio Governador do Estado e também... fazendo a “Raposa e as Uvas”, isso foi em sessenta e...64, 65, né?

Entrevistadora Paula: 67.

HB: 67, ele tava fazendo a EAD (Escola de Artes Dramáticas), então ele falou assim “- Eu vou participar da peça e ao mesmo tempo também vou ajudar na direção”.

Então estavam os dois juntos fazendo e então o Sérgio todo o dia chegava nessa distribuidora de jornal e revista, pega os jornais, começa a ler, começava a falar com o Assumpção, e eu trabalhando e atendendo as pessoas lá, derrepente ele abre o jornal, “O Estado de São Paulo” e fala “- Gente! Olha o que ta escrito aqui!”, tava escrito assim: “‟Liberdade, liberdade‟ proibida em todo o território nacional” e tinha outros grupos fazendo, porque o Millôr Fernandes provavelmente deve ter dado pro grupo, então ta proibido a partir de hoje em todo território nacional, então falou “- Assumpção o que nós vamos fazer?”, o Sérgio era assim, a voz grossa, ele era um escândalo, ele chegava num lugar, sabia, ele era bem assim, tinha aquela voz bem postada, ele chegava todo assim. Bom, enfim, ele falou “- Como nós vamos fazer? A gente vai” era no salão paroquial atrás da Igreja onde o grupo começou, “- Vamos lá, o público vai aparecer e vamos ver o que a gente faz na hora”, quando nós chegamos lá, fomos tudo, ai nós perguntamos pro Assumpção “- A gente vai se arrumar? Se trocar?”, ele falou “- Não”, “- Por que?”, lá do outro lado da rua tinha duas Veraneios, sem placas, paradinha lá, e a gente sabia que essas Veraneios eram...

ER: Eram tradicionais.

HB: É, muita gente que viveu o período sabe, elas vinham assim e ficavam lá, então o Assumpção falou assim “- Nós vamos ficar aqui para dar uma satisfação ao público, mostrar o recorte de jornal” porque não tinha nem como tirar cópia na época, tinha que mostrar, mostrar para as pessoa s que nós estávamos... e assim foi, a noite toda, noite toda não, mas até um período que a gente sabia que as pessoas vinham, veio muita gente, a gente foi mostrando, explicando, as pessoas voltavam, ai a gente... apagamos as luzes, resolvemos ir embora e eles, as duas Veraneios foram embora, quer dizer, em nenhum momento ninguém veio conversar com a gente, falar nada.

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ER: Mas já estava lá.

HB: Então aconteceu, esse foi o primeiro contato com a censura, mas teve outros momentos.

ER: E eu quero que você me conte, mas nesse primeiro momento, quando você diz que fizeram as copias e mandaram a peça para Brasília, tal, quando voltou de Brasília veio sem nenhum corte?

HB: Sem nenhum corte.

ER: Nenhuma palavrinha?

HB: Nada, nada. Foi liberado na íntegra e nós chegamos a apresentar.

ER: Você tem esse certificado de censura?

HB: Tenho. Se você quiser depois eu mostro

ER: Depois eu quero que você me mostre sim. E me diz uma coisa...

HB: Eu não lembro se tava para ter faixa etária, porque tinha faixa etária.

ER: Ah sim, então essa restrição etária veio?

HB: Provavelmente sim.

ER: Mas sem cortes?

HB: Mas sem cortes.

ER: E o movimento nos anos 70? Como foi a participação de vocês nos anos 70 e que outras experiências vocês tiveram com a censura nos anos 70?

HB: Um pouquinho antes também teve um probleminha...

ER: Ah é?

HB: É, porque logo em seguida, não sei se é o caso de contar...

ER: Sim, pode!

HB: Com a censura mesmo, o que aconteceu, com a “Liberdade, liberdade” foi podada, o Assumpção falou assim “- Não pode ser! Nós vamos montar outra peça!” e como estava se aproximando o período do festival ele falou “- Nós temos que montar uma peça, participar...”, eu sei que em um mês, o Sérgio falou “- Lá na Escola de Arte Dramática tem uma moça que escreveu um texto assim e assim, ela também ta tentando se projetar como dramaturga”, que era a Miriam San Juan, ele falou assim “- Que tem „O veredicto‟, e se a gente montasse o espetáculo dela?” e montamos. O espetáculo foi e voltou, acho que teve cortes em duas ou três ceninhas, mas não impediam muito, coisinha pequena, ai nós fomos apresentar, passamos em Santo André pela fase regional e fomos para Santos na fase semi-final, e durante o espetáculo tinha um personagem que era um tipo mineiro, o rapaz era preso, então tinha um dos rapazes que era guarda, um dos personagens que era guarda, foi feita uma farda para ele, que inclusive era bem alto, tinha quase dois metros de altura, foi feito tal e tal, durante o espetáculo, nós fazendo a cena, a peça e tudo lá, isso depois que nós ficamos sabendo, então foi um censor e queria saber quem era o responsável pelo espetáculo, era o Assumpção que tinha dirigido, e ai então vieram conversar com ele, esse censor foi conversar com ele perguntar sobre essa farda do guarda, como é que ele tinha conseguido, como é que era, ele falou “- Não, nós fizemos...” (censor) “- Mas vocês não podem! Como é que vocês usam uma roupa

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militar!” “- Não, mas foi feita para a peça, para o espetáculo...” “- Não! Eu vou parar o espetáculo!” e a peça correndo, ele falou “- Tem que ir até o fim”, bom no fim ele consegui, falou “- Tá bom! Vou falar para o rapaz não entrar mais”, porque o rapaz não entrava mesmo depois, falou “- Você vai ver que ele não vai entrar”, “- Mas eu vou ver! Vou chamar não sei o que” e o Assumpção, enquanto a peça ia, foi, levou, eu sei que é o seguinte: acabou a peça, a gente entrava para se apresentar, conforme a gente saiu pros bastidores que acabou ele falou “- Corre pegar as coisas que vocês vão se trocar no ônibus, o ônibus está parado na porta de trás, vocês vão entrar e nós vamos embora!”, então foi assim, nós pegamos as roupas e “- Não vão nem fazer xixi, sai!” e foi isso, porque ele poderia correr o risco de ser preso e eu, por exemplo, era menor de idade e tinha outra, era muita responsabilidade, então nós saímos do teatro, já fomos entrando e o ônibus foi embora, foi embora e foi parar só aqui em São Bernardo, porque era uma preocupação, ele falou “- Nem sei se o homem era... não quero nem saber!”, isso ele contando depois, que durante todo o espetáculo ele segurou tudo isso ai.

ER: Só uma coisa, foi em 69?

HB: Foi em 69 isso ai.

ER: E o nome da peça era?

HB: “O veredicto”

ER: Agora me diz uma coisa, você está falando desses festivais e dessas apresentações, o Regina Pacis você me disse que tinha bastante público aqui em São Bernardo, me diga, e os festivais?

HB: Sempre teve muito público, festival sempre teve, sempre teve justamente porque participam vários grupos, mobiliza a cidade que realiza, então sempre tem público, festival... é isso que eu sinto muita falta dos festivais é disso, pela falta de público, de ter assim uma coisa mobilizada, e um público diferente, né, e os outros grupos também, ter um entrelaçamento.

ER: O que você chama de “público diferente”? O que você quer dizer com isso?

HB: Um público diferente é o seguinte: porque derrepente faz um espetáculo, e vai uma escola, os professores resolvem levar os alunos, ele é diferente esse público de escola, porque derrepente esses alunos não têm fôlego para teatro e vão porque os professores querem que eles vão assistir uma peça, então eles azucrinam as vezes, atrapalham e tal; e agora não, quem vai assistir um festival de teatro é um público, assim, muito respeitoso qualquer que seja o espetáculo, respeitoso assim, que vai lá pra assistir, pra curtir, se a peça é um drama ou uma comédia não interessa, não interfere, porque as vezes você pega um grupo de estudantes, como eu falei, mais uma vez, eles as vezes interferem na peça, começam a fazer gracinha.

ER: Isso você diz hoje?

HB: É, mais hoje, mas na época também tinha sim, a partir dos anos 70 eu acho que as pessoas começaram a ficar um pouco mais mal educadas... os alunos começaram a ficar, infelizmente, mas é uma realidade.

ER: E esse “público diferenciado”, além de – a palavra “diferenciado” hoje é perigosa, né?

HB: Talvez eu tenha usado errado, mas além do público que ia para assistir os espetáculos, tinham os próprios componentes dos outros grupos, quer dizer, tinha dez, quinze grupos participantes, que fosse cinco pessoas de cada grupo já dava quase cem pessoas na platéia que também fazia teatro, então tinha uma comunhão diferente de idéias, nesse sentido. O “diferenciado” que eu falo é isso.

ER: E de várias faixas etárias?

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HB: É.

ER: Um pessoal mais simples?

HB: Ah, isso também

ER: Era um pessoal do bairro?

HB: Sim, sem dúvida.

ER: E uma coisa que eu não te perguntei é quantas pessoas, quantos componentes tinha o grupo nessa primeira fase? Tinha muita gente?

HB: Olha, o grupo sempre foi uma coisa assim, é uma pergunta que as pessoas fazem e que é difícil responder, por que? Você faz uma montagem, vamos supor, aquela montagem tem umas quinze pessoas em cena, mais uns três ou quatro na quitéia, tem umas vinte pessoas, daí você vai fazer na outra montagem, tem dez pessoas no elenco, daí acaba tendo umas doze, treze, tem pessoas que estavam no outro espetáculo e não estão nesse porque ela não pode, por uma série de circunstâncias, tem a mãe doente, casou, derrepente tem os filhos pequenos, mudou, ta indo trabalhar e chegando tarde, então tem uma série de circunstancias que fazem, e tem pessoas que falam “- Agora não vai dar mais, porque eu tenho que estudar... durante um período eu não vou poder” e assim vai, depende da montagem, nós já fizemos montagens com duas pessoas, as vezes por falta de mais elementos naquele período, então assim, é relativo, nós temos que... por exemplo, nós temos um espetáculo agora em cartaz, tem seis pessoas no elenco, os atores, tem mais dois na técnica, tem mais a diretora, que sempre acompanha, eu como autora e, como presidente do grupo, eu acho que a minha função é acompanhar sempre, fora as pessoas que estão fora desse espetáculo.

ER: Qual é esse espetáculo?

HB: É o “Bate papo na feira”, que é uma peça infantil, só que a gente ta num período com as adultas, a gente quer dar um tempo porque a gente quer montar um pro ano que vem que faz cinqüenta anos, só que nós estamos em um período que as pessoas estão pedindo muitos trechos de peças curtas para nós, então a gente acaba ensaiando uma semana, uma semana faz uma cena, na semana passada nós fizemos, a mesma que fizemos aqui, o “Quarta-feira lá em casa sem falta” pro serviço de memória que quis gravar um trecho, também falando de como o grupo começou, serviço de memória aqui de São Bernardo, nós fizemos, e nós fizemos a... três semanas atrás nós fizemos um trecho de “Mulher”, da “Escola de mulheres” de Molière, que entrou no Festival do Cassimiro lá de Santo André, Cassimiro de Abreu no Espaço, e também fizemos um trecho da “A megera domada” de Shakespeare, e agora nós devemos fazer, talvez, para setembro, a gente ta pensando qual cena seria, eu não sei se vai ser um trecho do “Fala baixo senão eu grito” da Leillah Assunção, então to estudando o que vai ser feito. Então a gente ta num período que está fazendo muita coisa “picadinha”, como a gente chama, então agora tenho que me antecipar, até o final do ano, para começar uma montagem com mais pessoas, mas no momento é essa que nós estamos fazendo, todo o final de semana.

ER: E voltando um pouco no tempo, nos anos 70 quais foram as principais peças? Que peças que você lembra que foram relevantes para o grupo? E também gostaria, depois, que você dissesse qual foi o momento difícil do grupo?

EP: Aproveitando, vocês montaram em 74 “Quatro num quarto”, esse espetáculo também problema com censura?

HB: Teve.

EP: Uma das irmãs Vezzá me contou.

ER: De quem que é a “Quatro...”

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HB: Do Valentin Kataiev. Teve problema, o texto veio censurado, mas a gente já tava prontinho, porque no inicio... veio censurado em termos, ele foi feito, liberado o texto, montamos tudo, falaram que podíamos fazer, mas quando vieram os censores, nós não tivemos a liberação da censura no texto, então a gente montou, não sei nem se chegamos a fazer o que chamava de... “ensaião geral”, que algumas pessoas assistem, então o ensaio geral que a gente fazia, então ficou até algumas pessoas, muitas até, mas que não era nada oficial, convidava os amigos e tal, mas naquela época você convidava e eles iam, não é como hoje que você chama e “- Ah, vou ver”, naquela época todo mundo ia, porque também não tinha muito... então infelizmente só essas pessoas viram, foi proibido.

ER: No ensaio geral então?

HB: A gente fazia ensaio geral assim... onde a gente pode melhor, a gente fazia então sempre tinha público.

ER: Mas na presença dos censores?

HB: Foi.

ER: E quando veio a censura ao espetáculo foi no ensaio geral censurado? Foi proibido?

HB: Foi proibida. A gente acha, e não alegaram por que, a gente acha que foi por causa de um personagem que eu fazia, eu era uma ativista política... (risos)... na Rússia! (risos)

ER: Por que será, né?

(Risos)

HB: Então eles acham que foi por causa do meu personagem, né?

Enfim, tinha isso dai. E antes disso, nós tivemos a proibição de “A visita da velha senhora” de Friedrich Dürrenmatt, também dirigida pelo Eugênio Kusnet, ele ficou fruatradissimo o Eugênio, e também foi proibida, já tinha cenário pronto, figurino, e foi mais ou menos o mesmo caso, também foi proibida, só algumas poucas pessoas assistiram.

ER: Que ano foi essa segunda?

HB: 73.

ER: Um período duro, do governo Médici, foi um período duro.

HB: Foi, foi. Mas ai nós tivemos outras peças nesse período de 70 que você perguntou, em 72 que foi “O homem do principio ao fim”, foi um sucesso estrondoso, e tinha uns textos lá também que a gente dizia assim “- Acho que os censores não entenderam muito bem o que é isso”, né? Que era um tipo de uma colagem, então como ia de um texto para o outro, talvez eles não tivessem idéia de tudo aquilo, mas era um texto que tinha trechos fortíssimos nesse espetáculo, foi “O homem do principio ao fim”, nesse período também teve “A ralé”, do Máximo Gorki quem dirigiu foi o Silvio Zilber, que também era um espetáculo fortíssimo, que também ganhamos muitos prêmios, teve muito público, foi muito marcante também.

EP: Montaram o Guarnieri, duas.

HB: É, o “Zumbi” também, “Zumbi” foi um dos grandes sucessos de público, que na época além de ter o festival do estado, tinha o festival do SESC, festival do SESC que também era um festival até mais forte o do estado, assim, a gente acha em termos de... porque o SESC sempre foi uma potência, então eles mandavam pessoas para assistir cada espetáculo no estado todinho, então não era por fases, então derrepente tinha dois espetáculos de uma mesma cidade, porque a cidade tinha dois bons espetáculos, porque o do estado uma acabava

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eliminando uma, esse dai não. Então eles tinham um grupo de pessoas, eram sempre as mesmas, que escolhiam os melhores espetáculos do estado, eles iam em cada cidade assistir e selecionavam, e nós fomos selecionados com “Zumbi”, por exemplo, em 1970, e nós fomos no festival do SESC, que era um espetáculo que era feito lá do lado do Mackenzie, na rua Maria Antônia, que também era um lugar de um agito só na época da ditadura, era um lugar assim, e nós fomos apresentar o “Zumbi” e na época...

ER: Foi em 72?

HB: Foi 70

EP: Depois vocês montaram em 74 de novo.

HB: Isso. Então em 70, por exemplo, como era muito perto do Mackenzie ali, aquele lugar, a Maria Antônia foi uma rua muito agitada na época, então todo mundo ia assistir, lotava os festivais.

Então era o nosso dia da nossa apresentação, quando nós chegamos que nós fomos tomar um lanche da tarde, nós vimos “- Olha, já tem gente na fila” e tudo bem, e toda noite nós íamos para São Paulo para assistir todas as peças, a gente acompanhava tudo. Então, e todas lotavam e tudo, os que esgotavam eles davam um jeito, que podia naquela época, hoje os bombeiros não deixam, mas ficavam os corredores lotados, então a gente assistia às peças. Então foi o nosso espetáculo, só que o Assumpção falou assim pra gente “- Gente, nós vamos começar um pouquinho antes o espetáculo, tudo bem?”, “- Tudo bem”, “- Porque é o seguinte, tem tanta gente lá fora que nós vamos ter que fazer dois”, falamos “- Mas ninguém fez”, “- Mas nós vamos fazer, porque tá lotado e sabem que é o nosso grupo”, e a gente tinha isso também, a gente carregava público, então foi, nós fizemos o primeiro espetáculo, começamos tipo, uma hora, meia hora antes, que já tava cheio de gente, lotou, e assim, foi um dos espetáculos que nós nos surpreendemos pela reação da platéia, que nós sabíamos o que queria dizer por trás do texto, o Guarnieri tinha muito disso também, ele fazia muita coisa velada, mas que tinha... nossa a platéia reagia a certas coisas que nós mesmos, as vezes falávamos “- Nossa!”, porque a gente estudava muito o texto antes para saber o que ele estava dizendo, então a gente sabia, mas nem sempre a platéia entendia, mas essa platéia era muito intelectualizada, então o teatro veio a baixo, a platéia aplaudiu muito tempo, e depois fizemos outro espetáculo lotado também, ficaram esperando na rua e nós fizemos, bom, ai veio o resultado do festival, e ai toda noite o público votava, então só o pessoal da primeira turma que votou, o segundo... da segunda sessão não, e só nós fizemos duas sessões, e o pessoal dessa primeira sessão que votou, então eles votavam, era “bom”, “mal”, “regular”, “péssimo”, qualquer coisa assim, eu sei que ente “bom” e “ótimo” nós recebemos noventa e sete por cento, e tinha o troféu popular e o troféu do júri oficial, o júri oficial por coincidência, nós não conhecíamos ainda, não havíamos sido dirigidos por Eugênio Kusnet, o Carlos Miranda, que era o grande incentivador de teatro na época, e o Sidney Siqueira, que levou o “Morte e vida Severina” para um na França, então eram o júri, enfim, nós ganhamos tanto pelo júri oficial como pelo juripopular, então para nós foi uma grande coisa assim, um grande acontecimento, essas coisas que cada vez mais a gente fala “- Nossa, precisamos montar aquele espetáculo! O que nós vamos ter que fazer?” Então a gente se suplantava justamente para poder continuar mantendo esse nível nosso.

Acho que são esses os anos 70 mais, nem sei se eu esqueci algum ai, tem mais mas eu não estou lembrando. O “Castro Alves” também foi em 70?

EP: Vocês montaram “O boi e o burro” também, você lembra?

HB: Esse infantil. O “Castro Alves” também é de 70 e pouco?

EP: “Castro Alves” foi em 76.

HB: O “Castro Alves” também, que era do Guarnieri, era a história do Castro Alves, contando também, foi um estrondoso sucesso de público.

ER: Uma questão nacional que o Guarnieri trata nessa peça, sobre liberdade...

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HB: Sobre liberdade, o próprio Castro Alves já era um...

ER: Contra a escravidão.

HB: Sim, ele já tinha toda essa parte de liberdade assim, nós também fizemos.

ER: E me diz uma coisa, essa escolha das peças do Guarnieri, mas vocês em algum momento se relacionaram com o Teatro de Arena?

HB: Não. Quando a gente montou esses espetáculos a gente tinha que pedir autorização para a SBAT, que é a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, que a gente sempre pedia, e muitas vezes o Assumpção era meio metido, então ele ia conversar com o Guarnieri, ele falava “- Vou montar seu espetáculo”, a gente ia, conversava, chegamos a ir na casa do Guarnieri, “- Nós queremos montar, assim, assim, tudo bem?”, “- Tudo bem”, nós nunca tivemos problemas com os autores de conversar, quando a gente foi montar o “Auto da Compadecida” ele foi, como tinha filho morando em Recife, foi até lá conversar com o Suassuna, que era na época diretor de cultura de Recife, então ele sempre falava “- Vamos conversar com o autor...”, quando a gente fez “Porandubas populares” foi falar com o Carlos Quiroz Telles, com a Leillah Assunção, ele conversar para falar “- Olha, eu quero montar, to pensando em fazer isso...”, nunca teve problema, então. E quase sempre partia dele “- Vamos montar isso?” e o pessoal “- Vamos!”, a gente sempre aceitava, mesmo porque eu, por exemplo, era muito criança na época, a gente aceitava, e mesmo essa questão da censura, a gente sabia tudo, porque passou, sofreu na pele, assim, a gente queria fazer teatro, a gente curtia, queria fazer bem feito, porque ele falava “- Tem que fazer bem feito! Se tiver dez pessoas, três, duas, uma na platéia! Respeite esse público”, ele falava “- Tem que respeitar” e com o tempo a gente foi percebendo isso mesmo, porque nós chegamos a fazer casa lotada com pessoas que não estavam afim de assistir, como eu disse, as vezes os professores levam os alunos, e chegamos a fazer com cincos pessoas que elas se transformou, como aconteceu de ter uma pessoa na platéia que nos convidou para levar o espetáculo para o interior, assim, duas, três cidades com casas lotadas, então tem tudo isso, ele falou “- Se tem uma pessoa na platéia tem que respeitar” e até hoje a gente leva isso, quer dizer, é uma semente que ele plantou e nós tentamos seguir o máximo possível os bons ensinamentos.

EP: Vocês não ajudavam na escolha do texto?

HB: Não, dificilmente, porque a gente era muito jovem.

ER: Era o Assumpção que tinha...

HB: Ele e o Sérgio que tinham mais um... derrepente “- Vamos montar esse? Vocês querem?”, a gente fazia uma primeira leitura e “- O que vocês acharam?” e todo mundo “- Maravilhoso!” porque eram textos bons mesmo, então todo mundo logo de cara aceitava e fazia, era bem assim.

ER: Que outros textos importantes que vocês montaram nos anos 70?

EP: Vocês montaram muitas adaptações do evangelho...

HB: Ah não, porque assim como o grupo começou na Igreja, sempre tinha aquele negócio, porque no começo também, como se fazia na semana santa “A paixão de Cristo”, então a gente fez muita coisa na semana santa durante vários anos, “- Vamos montar „A paixão de Cristo‟?”, “- Ah, vamos”, então montava, como na época do natal montava-se peça infantil, não era nem infantil, peça de natal que reportava o presépio, o nascimento de Jesus, então isso por muitos anos a gente fez, tanto na semana santa quanto no período do natal

ER: E isso ajudou também a formar público?

HB: Sem dúvida, sem dúvida.

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ER: E patrocínio? Apoios? Como é que vocês nessa época inicial, anos 60 e 70, como é que vocês resolviam esse problema? Porque vocês montaram textos importantes, iam para os festivais, você falou que a Prefeitura acabou dando esse suporte. Era mais a Prefeitura mesmo? Como era? Tinha política de Estado? Tinha Comissão Municipal... Estadual de Teatro? Tinha participação disso ou não?

HB: Não, não, na parte oficial que você falou da comissão, na época, como eu falei, a COTAESP às vezes pagava pessoas para darem cursos e palestras, só o que tinha era isso. Pra uma montagem em si, é o que eu falei, a Prefeitura dava esse suporte de cenário, figurino, figurino não, cenário, transporte, do pessoal, as vezes o ônibus para a gente, e o caminhão pro cenário, que eram aqueles cenários monstruosos, que hoje a gente não faz mais, tinha até o piso derrepente.

EP: Bem realista.

HB: É, bem assim, depois eu mostro as fotos e vocês podem ver, então era desse jeito. Agora de patrocínio, derrepente tinha, como se diz, você... como que eu vou dizer... você ia fazer um cartaz, tal, então a gráfica fala “- Eu posso por meu nome ali embaixo? Vou fazer um preço mais baixo”, não que não cobrasse, mas você sabia que ia fazer um preço menor, então punha esse apoio, as vezes você... que outra coisa tinha? Ah, você precisava de papel pra montar os textos, então papelaria, Papelaria Banbino, que eu me lembro, na época, então eles davam as vezes as folhas pra gente, então tinha o nominho deles no cartaz que era feito, então era coisa bem simples, derrepente dava as folhas, mas para nós era de grande ajuda, coisas assim. Ou então fazia uma apresentação num lugar e dizia “- A gente não tem nada, mas a gente vai dar um bolinho, um chazinho depois” e tudo bem, a gente aceitava também, porque a gente até hoje vai sem receber nada, então a gente não ligava, então tinha isso assim, tinha apoio, pequenos apoios, a parte administrativa do grupo, porque o grupo é formado administrativamente, tem um estatuto e tudo, então o escritório de contabilidade não cobrava nada e não cobra até hoje, então põe o nome, então eles não cobram nada até hoje, era esse tipo de apoio, mas para nós já era uma grande economia, porque como o grupo também recebe pouquíssimo, por ano, quase nada, então se você não tiver esse apoio você não vai, então derrepente precisa de uma roupa, eu lembro que teve uma tecelagem, uma... que deu os tecidos, e teve o nome da tecelagem lá, uma vez a gente precisou de pele, precisava de pele assim tinha aqui em São Bernardo tinha a Peles Merino, eles deram as pele, então tinha o nominho deles lá, então era coisa pouca, mas para nós era muito.

ER: E nunca ninguém teve um salário por trabalhar no grupo?

HB: Não, não. Nunca teve, o que teve foi assim como quando veio o Eugênio Kusnet, ai o grupo pôde pagar, porque ele não fazia parte do grupo, então tem recibo assinado por Eugênio Kusnetsov, era o nome dele, então ele recebia porque ele veio trabalhar para o grupo.

ER: O grupo é que o contratou?

HB: O grupo contratou.

ER: Nesse período, qual o período que o Eugênio Kusnet ficou com o grupo? Trabalhando no grupo?

HB: Foi... 74...

EP: Qual a primeira peça que vocês montaram com ele?

HB: Foi “A visita da velha senhora”.

EP: Em 73

HB: É... 73/74

ER: Foi um período difícil, né?

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HB: Foi, foi. Eu ia busca-lo na casa dele lá em São Paulo, lá na rua Painha, atrás do Teatro Maria della Costa, que era.

ER: E nos anos 80? O que você teria de destaque de montagem? De experiência com a censura... e de presença também do público, eu queria que você pensasse um pouco comparativamente, porque nos anos 80, nós temos ai, nós poderíamos pensar os anos 80 em duas fases: uma primeira fase ainda daquele período do movimento social pela redemocratização do país, e depois uma segunda fase da segunda metade da década de 80 já no período da nova Constituição, da Constituinte, um período de mais abertura, né ? Queria que você falasse dessa experiência.

HB: Bom, começando os anos 80 mesmo, então veio a anistia, a anistia irrestrita, como é que era... ampla, geral e irrestrita, o Assumpção falou “- Vamos remontar „Liberdade‟!” (risos) ele falou “- Não! Tá aqui (sinal de até o pescoço) nós vamos remontar „Liberdade‟! Vou pedir autorização”, autorização primeiro é pra SBAT, ai pediu e o Millôr Fernandes disse “- Não, estava com vocês, vocês não puderam continuar, continuem a partir dai!”, quer dizer, então nós pedimos, foi para a censura, fizemos toda a papelada outra vez e foi liberada e ai nós montamos “Liberdade, liberdade”, nós fomos estrear no Teatro Cacilda Becker, que é um teatro aqui do Paço Municipal, que vocês já devem ter visto imagens do Paço nas greves...

ER: Eu assisti a apresentação de vocês.

HB: Então ele fica junto ao Paço Municipal, o Teatro Cacilda Becker, ele é anexado ao Paço Municipal. E ai nós fomos montar o espetáculo, nós nos embonecando no camarim, as meninas lá tal, e começamos a ouvir um burburinho, burburinho, alguém olhou pela janela, quando olhou “- Nossa! Tem bastante gente!” disse “- Não dá nem pra ver... Vai ter bastante público!”. Não é que a gente não tava acostumado, sempre teve muito público, a gente tava acostumado com grande público, “- Nossa! Mas olhando aqui pela janela não dá pra ver até onde vai a fila” , ai alguém que tava do outro lado do Cacilda Becker olhou pela janela porque tava ouvindo barulho, a fila, não era uma pessoa, era um grosso assim de pessoas, que dava a volta no Paço todo, falei assim “- Nossa! Mas tem muita gente!”, ai veio o Assumpção e falou assim “- É o seguinte, tem muito público, não vai dar pra fazer um espetáculo só, vamos fazer dois, já falei com a administração, nós vamos fazer dois espetáculos, então nós vamos começar antes, para quem está lá fora não esperar tanto”, ai nós fizemos o espetáculo, o espetáculo foi assim e foi, o teatro veio a baixo, e tinha uma frase que era do Abraham Lincoln que ele falava assim “- Que o governo do povo, pelo ovo e para o povo não desaparecerá da face da Terra”, o Hélio, que era nosso grande ator, um dos grandes atores que o Regina Pacis teve, e que também jan faleceu, o Hélio não falou nada nem para nós, chegou na hora, ele falou só com o Assumpção que era o diretor, ou ele combinou com o Assumpção, eu nem sei de quem partiu a idéia, enfim, nós estávamos no meio do espetáculo e ele vai falar essa frase e ele pega e fala assim “- Que o governo do trabalhador, pelo trabalhador e para o trabalhador não desaparecerá da face da Terra!” e foi logo depois das greves, eu sei que a platéia assim caiu, foi aquele... eu sei que eu fiquei tão emocionada que cai lágrimas, tinha que falar depois de novo, foi uma coisa assim, que é uma emoção que você sente e fala “- Meu deus!” então já começou os anos 80 assim pra nós... e a “Liberdade” durante todo o período que nós montamos pra todo lugar que a gente levava, todo mundo saindo do sufoco, né?! E ela deu essa (respiro forte), foi uma redenção, então o espetáculo fazia isso.

Então esse primeiro espetáculo e o segundo depois também lotou... e foi... nós sempre levamos a todos os lugares, nós nunca nos importamos de fazer...vai fazer no Curucutu – Curucutu é um bairro que tem depois da balsa, aqui no Riacho Grande – nós vamos. Vai na escolinha, que não tem palco não tem nada, a gente faz o espetáculo. Então a gente carregou esse espetáculo com muito sucesso. Então foi assim nossos anos oitenta né?! Então foi muito bom! E nesses anos 80 nós montamos os espetáculos muitos infantis, mantendo o público e tal. Nós fizemos Toda Donzela tem pai que é uma fera, que foi um sucesso muito grande, era uma comédia de costumes, mas fez muito sucesso. Fizemos Estranho Procedimento que eram várias crônicas do Fernando Veríssimo, que também nos deu permissão especial. Quem montou foi o Armando Azzari, foi uma proposta que ele trouxe que ele falou “Posso digir”. Ele veio pedir pra dirigir o nosso grupo, falou “Posso dirigir, eu tenho uma vontade de ver vocês.” Então veio, fez o espetáculo. Também montamos Milagre na Cela, do Jorge Andrade, que foi

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proibida durante todo o período da ditadura, sobre uma freira que foi presa e estuprada na cela pelo delegado,então é uma peça muito pesada que também fizemos. A gente fez nos anos 80 né?!

EP: Isso...

HB: Ahh!! Tem também Em Defesa de Gigi Damiani, que é uma peça dos operários anarquistas, dos imigrantes da região do Brás principalmente aqui em São Paulo, nós fizemos esse espetáculo também foi muito sucesso, foi muito bonito, muito legal, que é da Jandira Martini e Eliana Rocha, foi feita uma pesquisa grande pra esse trabalho, tanto que eu recebi da Itália um e-mail que entrou no nosso site, uma pessoa que tava estudando Emma Ballerini que foi a companheira da Gigi Damiani. Ela pediu pra mim como tinha sido feita a pesquisa do personagem, ela falou que tinha feito a pesquisa e apareceu o nome dela no nosso grupo.E aí eu passei o endereço da Jandira Martini, que eu peguei lá na SBAT, na verdade não foi a gente que fez a pesquisa. Claro que quando a gente monta a gente vai atrás e lê tudo, mas a pesquisa específica foi feito por elas, eu repassei pra essa pesquisadora italiana, sendo que lá na Itália não tinha nada, porque eles foram banidos da Itália. Então foram assim...montamos esse espetáculo. Não sei se teve mais algum espetáculo...E aí fomos montar Martins Penna, que todo mundo começa com Martins Penna. E todo mundo montava Martins Penna e nós nunca montamos. E também teve Capitão do Mato que também foi muuito legal fazer, foi muito bacana. E todo mundo falando “Mas vocês vão fazer o Martins Penna, e todo mundo começa com Martins Penna, vocês vão fazer...” Isso que o nosso grupo tem: a gente monta o que quer, quando quer, pra quem quer. A gente não tem uma ideologia que é muitas vezes nós como grupo de teatro, a gente sabe disso pelos nossos colegas de teatro, sempre nos cobraram uma postura às vezes social, política, religiosa, sei lá, mas nós nunca tivemos...tem cada um no seu grupo tem a sua postura e acho que isso é muito democrático no nosso grupo, a gente recebia pessoas de qualquer facção, de qualquer jeito. Não interessa, nós tivemos pessoas até muito ricas no nosso grupo e pessoas muito pobres: “mas será que eu vou ter dinheiro, mas será que..” mas a gente sempre dava um jeitinho, isso não importa, é isso que eu falo, você fazer teatro é o que importa. Então nosso grupo muitas vezes foi cobrado por conta disso, que tinha que ter postura. Claro que...no período da ditadura, quem gostava? Ninguém gostava, principalmente a gente que fazia arte, cultura e não podia fazer, a gente foi podado. Mas nós somos ás vezes, porque de repente a gente foi fazer Martins Penna nessa época, nós queremos, e foi muito bom fazer, porque teatro é diversão além de tudo pra nós. “Vamos fazer o espetáculo?Vamos.” Isso que é legal, você não ter que fazer uma coisa que vai nesta direção, não, até hoje é assim.

ER: Que ótimo. E me diz uma coisa...nesses anos 80, você se lembra de algum momento de maior dificuldade do grupo, por falta de dinheiro, por falta de pessoas, de público, ou ainda resquício de censura? Que outros, vamos dizer assim momentos de dificuldade, e a televisão, anos 80, como é que era o público?

HB: Não, não... Vou começar pela sua última pergunta. Não adianta televisão a gente nunca teve apoio, assim nós fazemos parte da grande São Paulo, então a TV, Ela fica centrada na capital. Mesmo agora com essas TVs regionais, é muito pequeno o espaço que a gente tem, mas a gente já se acostumou com isso, então não é uma preocupação nossa ter este apoio. A imprensa de uma maneira geral, sempre deu uma coisinha ou outra, manda release eles publicam, publicavam, tá mais difícil agora. Acho que depois do fim dos anos 90 ficou mais difícil, porque a imprensa recebe release do mundo todo, então de repente ter uma notinha de sei lá quem, do artista, do Brad Pitt, então ele não vai por, vai interessar mais do que a gente. Então diminuiu também a imprensa escrita, mas fazer o que? Nós nunca dependemos muito disso pro público, claro que hoje é mais difícil ter público do que antes, porque as coisas mudaram. Mas voltando aos anos 80 eu acho que nós fizemos bastante montagens, foi bem profícuo em termos de montagens, tivemos público, muito público, já escassearam os festivais, porque a COTAESP também se esfacelou, terminou e tinham mostras de teatro. As mostras assim, você vai manda material, então você é escolhido pra você participar daquela mostra. A gente participava, era legal, mas não era igual festival. Já não tinha aquela...não era nem pela premiação que existia, mas ela tinha uma característica diferente, assim...tem outras prioridades, vai saber quem escolhia...que nem sempre a gente participou, mas toda vez que participou foi muito bom. E pro grupo assim a gente continuou fazendo, não teve assim, já não

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tinha problema de censura, então a gente deitava e rolava porque a gente tinha esse direito. Mas foi muito legal, e os festivais que teve também foi muito legal, a gente participou. Acho que o último que a gente participou foi Estanho Procedimento, que vinha no Sesc, que tinha já outra característica, mas vinha muito bem. Mesmo do Estado também foi muito bem, nós recebemos alguns prêmios também, foi legal...teve isso também.

ER: E como que era a relação de vocês, nesse período que tinha, que havia a organização maior e tal, anos 70 e 80, com os outros grupos? Vocês se encontravam, trocavam idéias, ou cada grupo ficava no seu pedaço e ninguém se conversava?

HB: Não... a gente se conversava, tinha...que nem a própria FEANTA quando fechou a COATESP também foi. Aí formaram uma Federação... FETASB que seria Federação de Teatro de São Bernardo, que foi assim, algum tempo, que o pessoal resolveu formar, mas não como dirigentes, mas foi... lá a gente tá cuidando do grupo, não vamos cuidar da federação que a gente sabe que dá trabalho. Mas a gente se reunia, nessas mostras a gente se encontrava e tudo, e coincidentemente em 82, a Ana e eu, a Ana até hoje também tá no grupo, ela entrou no mesmo ano que eu...

ER: Como é o nome dela?

HB: Ana Maria Medici, ela é a atriz mais premiada do nosso grupo, que a Ana é uma excelente atriz, ela ganhou inclusive o prêmio Governador do Estado no mesmo ano que o pai dela. Então foi o mesmo ano, pai e filha ganhando Governador do Estado, ela como coadjuvante, inclusive ela concorreu com a Cássia Kiss, também tava no teatro amador foi em.... São José do Rio preto. E o pai dela ganhou ator, foi com o Auto da Compadecida ganhou governador do Estado. E a Ana, coincidentemente em 82, teve um concurso público aqui em São Bernardo pra formar o departamento de cultura, porque não existia quase lugar nenhum, muito menos secretaria de cultura. Porque o Tito Corsi veio ser prefeito aqui da cidade, e a parte cultural ele sempre foi muito preocupado com isso, então os teatros que se formaram em São Bernardo ,centros culturais tudo isso é tudo da época dele, foi assim uma efervescência cultural. Bom...teve o concurso e era pra quem era formado em comunicação social, eu, a Ana e o Assumpção fizemos a mesma faculdade, o Assumpção voltou a estudar pra se formar jornalista e eu e a Ana fizemos relações públicas, que a comunicação social era junta, só no último ano que se dividia. Teve esse concurso só pra comunicação social e eu e a Ana passamos, mesmo porque caiu um monte de pergunta sobre teatro, cinema. Pô! Pra nós foi assim... a gente sabia tudo aquilo, a gente vivenciava aquilo, então foi pra nós super simples, passamos. Nós fomos trabalhar na secretaria de cultura, então os grupos também vinham até nós por conta do nosso serviço, nós éramos programadoras da cidade. Então a gente programava os filmes, com mostras, a gente fazia seguimentos de mostras de cinema sueco, ou então Federico Fellini; artes visuais, que englobava desde pinturas, fotografias; instalações, a gente sempre trabalhou com isso; folclore; com música, festivais de música, ou então apresentação pura e simples de shows musicais; teatro, toda gama de teatro; e dança, então sempre a gente ficou envolvida nesse meio; concursos literários. Então a gente sempre ficou envolvida nesse meio, toda essa gama de... nós fomos trabalhar com isso, então a gente tinha muito contato com esses grupos de teatro, independente disso. E coincidentemente depois, alguns dois, três anos depois, o Assumpção foi ser o diretor de cultura, ele foi convidado pra ser diretor de cultura de São Bernardo, então ele também. Só que pra nós como grupo de teatro aí teve uma coisa: a ética né?! Então o que acontecia, todo mundo queria se apresentar em final de semana no Cacilda Becker e na época tinha uma política assim de que realmente o povo, vinha muita gente pra São Bernardo, porque aqui tinha uma efervescência cultural muito grande, então nós partimos do princípio de que- isso nós falamos em reunião com todo o pessoal, artistas da cidade- falou assim: “- Olha o Cacilda Becker, como nós temos uma demanda muito grande de artistas que vem do Brasil todo pra se apresentar- isso desde Paulo Autran até Fernanda Montenegro, e os grandes cantores também, músicos- nós vamos deixar os finais de semana pra esse pessoal, porque é muito grande, agora os outros teatros vai ter final de semana pra todo mundo. Durante a semana no Cacilda Becker, também pra todo mundo, qualquer grupo de São Bernardo tem direito a se apresentar. Vai ter direito, mesmo que seja grupinho de escola, sempre vai ter que se (?), mesmo que seja final de semana”. Por conta disso todos esses anos que nós ficamos lá o Regina Pacis nunca se apresentou em nenhum final de semana, nunca. Ainda o pessoal nosso foi falar assim “- Mas

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vocês tão lá!”. Não...nós temos isso, foi um trato, então nenhum grupo também... eles sabiam dessa ética nossa. E até hoje esses grupos que ainda existem eles falam “- Como vocês faziam legal o negócio, vocês nunca foram privilegiados por conta disso.” Eu falei: “- Não.”. E teve um espetáculo que... e aí eu ousei também escrever né?! Porque com o tempo você vai ficando...eu tinha escrito uma infantil nos anos 80 e de repente eu resolvi escrever um espetáculo que era a história da cidade de São Bernardo, que ia ter um congresso de história. Eu resolvi escrever, então tinha esse espetáculo que se chamava Que história é essa Bernardo? E contava a história da cidade. Mas assim...ele era um espetáculo ele tinha um meio musial, ele tinha uma parte de drama e contava da escravatura, tinha a colonização italiana, mas tinha também uma parte, porque assim São Bernardo tem duas versões da fundação da cidade. A primeira que a cidade foi fundada em 1553, isto antes de São Paulo, um ano antes então, por João Ramalho e o Cacique Tibiriçá, antes deles irem pra São Paulo, quando eles fugiram que os franceses invadiram o litoral, eles fugiram pra São Paulo, de Piratininga, então tem essa primeira versão que é oficial e contada pelo município. Mas tem uma versão dos historiadores, o pessoal que pesquisa aqui em São Bernardo que, na verdade, São Bernardo somente só foi conhecido depois como Vila de São Bernardo, como realmente cidade, 1779 com a vinda dos monges beneditinos aqui pra cidade. Tem essas duas versões, eu peguei a briga do João Ramalho e o Cacique Tibiriçá brigando com Nossa Senhora da Boa Viagem e o São Bernardo no palco, explicava no palco, cada um brigando assim...e no meio tinha uma guia de turismo. Então ela ficava louca com esses quatro personagens, dois de cada lado, então foi muito feliz, eu não sei de onde veio a idéia, mas foi muito feliz e eu gostava muito. Então nesse período que nós trabalhamos lá, a gente não fazia de final de semana, então assim, a gente acabava de fechar a programação da cidade, era eu e a Ana, a gente falava assim “- Ana, vamos ver o que sobrou, o que ninguém quis – a gente ligava, via se ninguém queria- bom...sobrou uma terça aqui no (?) , sobrou uma quarta aqui no Cacilda, vamos fazer „Que história é essa Bernardo?‟?” “- Vamos.” E lotava, era fazer o espetáculo e lotava, porque os professores recomendavam o espetáculo, porque era bem melhor do que dar uma aula, porque eu contava a história da cidade, que tinha essas duas, até hoje tem, e eu contava história e ia contando os pontos turísticos, porque ela levava... junto com ela vinham turistas em São Bernardo, na Bernô City Tour, era o nome da agência de viagem. Então contava essas histórias e por...a Ana fez essa personagem, que era guia turística, falando com sotaque nordestino, porque a fluência nordestina depois dos anos, já 70, em São Bernardo era muito grande. Então ela fazia com sotaque, eu falei você vai fazer o personagem assim, Clodenilse. Então isso... você vê, nunca a gente fez de final de semana. “- Sobrou uma datinha aqui, vamos fazer?” E tal, então os grupos sempre nos respeitaram muito com isso de nós nunca sermos, termos sido privilegiados em função de estarmos lá. Então foi um período muito bom.

ER: O Assumpção morreu em que ano?

HB: 1995.

ER: Depois do final da ditadura, e redemocratização e essas mudanças todas que nós tivemos no panorama, com a globalização e tal, o que você percebe nos anos 90 e na atualidade com relação aos grupos amadores de teatro?

HB: Você falou a palavra amadores, eu não sei se é bem amadores, porque hoje, como eu já falei, mas eu cito outra vez eu tenho feito parte de uma reunião dos grupos do grande ABC, que são as sete cidades, em que eles se reúnem pra discutir justamente a...o que tá acontecendo e tal. E eu percebo, já percebi, nessas rodadas de reuniões que tem que o pessoal fala de suas dificuldades, aliás todo mundo só tem dificuldade, mas fala e cada um já contou sua história. E.. até um dia eles falaram “Hilda, fala do Regina Pacis” E... em quinze minuitos, eu falei “Tá bom vou resumir, todos os 49 anos, bem rapidinho nesses 15 minutos.” E realmente eu resumi tentei contar de uma forma assim...e as pessoas: “Não, mas depois você vai ter que contar lá, porque a gente fica curioso.” Eu falei tudo bem... Mas o que eu percebi: o amador, as pessoas hoje, os grupos, o que eles estão fazendo, eu não sei se pode se chamar amador como era o nosso, porque o nosso como eu disse: ninguém ganha nada. Agora esses grupos que eu disse, agora mesmo está tendo um edital pela prefeitura, e todo mundo vai, vai ganhar um cachê e tal. Mas aí ficam pra essas pessoas. Claro, eu não sei como cada um faz, mas pelo que eu entendi nessas rodadas de conversações aquele dinheiro, eles ficam um

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pouquinho pra eles, mas também fica um pouquinho pro grupo pra poder manter, fazer montagens e se manter, então tem um pouquinho de diferença aí.

ER: As pessoas estão vivendo do teatro?

HB: As pessoas estão vivendo, exatamente, exatamente.

EP:É um amador por condição e não por opção como vocês, é isso?

HB: Eu acho que é mais ou menos isso, mas assim eles tão sobrevivendo, também acho isso legal, não tenho nada contra, acho que é uma outra realidade hoje. E pra nós é até mais difícil, porque você tem que participar de edital. De repente você fala assim “- Não eu quero fazer de graça, não precisa ter nada de edital.” Então você tem dificuldade, por exemplo, desde que entrou essa administração eu fiz duas apresentações, uma no teatro e outra ao ar livre, que teve uma coisa especial, performance que eles chamam, né?! Foi só isso. E eu fazia, nós apresentávamos na cidade praticamente todo mês, nem que fosse uma apresentação, apresentava. Eu estou apresentando mais fora daqui do que aqui. Por conta do que? De editais. Então se pro pessoal é bom, acaba no edital você ganha um tanto, mas eu não quero ganhar, eu quero mostrar o meu trabalho, o trabalho tá pronto eu quero mostrar. Então já fui até o Secretário Frank Aguiar, já fui conversar com ele, mandei e-mail, deixei escrito: eu quero me apresentar, em qualquer lugar- até no Curucutu – quero apresentar. “- Ahh vou ver” Tal, tal... já faz praticamente quatro meses e não tem retorno, então eu fico triste por isso, eu quero mostrar o trabalho. „Eu‟, que eu falo pelo grupo, nós queremos mostrar nosso trabalho e nós não estamos mostrando por conta disso.Ontem mesmo eu estava lá na Secretaria de Cultura, foi elevado a secretaria, não mudou nada, só o nome. Mas é uma realidade... a gente tem que ser real. Então a gente tava lá esperando e chegou um rapaz que fazia muito tempo que eu não via: “- Ahh Hilda, que bom, fazia muito tempo que eu queria conversar com você...” Eu falei “- E você?” “- Eu desisti de fazer teatro.” “- Mas desistiu?” “- Eu desisti, eu fico muito desanimado com essas coisas todas e eu acho que esses editais atrapalham mais ainda.” Você vê, e ele não tem a nossa característica, porque as pessoas ficam viciadas em ter que ganhar alguma coisa e acabam produzindo em função dos editais, não produzindo que nem a gente produzia em termos de criar, em termos de fazer, de querer mostrar. Eu achei interessante ele falar isso, porque eu nunca esperava que os outros grupos também, pra nós pra muita gente que fazia teatro por exemplo há uns quinze, vinte anos atrás, ele falou assim e falou “- Eu to participando aqui porque eu sou professor da terceira idade da prefeitura, então meu grupo vai participar do edital, porque eu tenho um grupo a parte”. Mas ele falou “- Eu sou professor, não tenho mais porque depois eu desisti, toda aquela efervescência que a gente tinha das mostras, dos grupos se encontrando, que nem vocês faziam, enquanto vocês estavam funcionárias aqui, vocês faziam muitas reuniões com os grupos, e eu sei que vocês faziam não só com os grupos de teatro, mas de dança.” Claro a gente privilegiava assim o teatro, privilegiava não... mas a gente tinha mais afinidade, mas a gente fazia mostra de dança, fazia mostras de outras coisas, então a gente fazia tudo isso e a gente sempre teve muito contato, que nem domingo eu fui júri de dança. De um festival, mas eu falei “mas eu vou ser?” “não a gente sabe... você trabalhou com isso” Eu trabalhei a vida toda com isso, então eu fui. Então, por causa disso aí, a gente sente um pouco de falta disso... Esse termo amador eu não sei até que ponto seria tudo igual. Eu to falando assim pelo que eu senti conversando com os grupos. Talvez você tivesse que conversar com eles pra ver...

ER: E em termos de qualidade, to dizendo assim, artística, teatral mesmo, de continuidade desses grupos, existe alguma diferença? Você diz, eles estão atendendo a editais, eles estão recebendo, o que você tem vivenciado em termos dessa qualidade de produção, permanência no grupo, envolvimento com o público?

HB: Eu acho que tem muita qualidade, muita coisa boa. Claro, sempre tem aqueles que... principalmente os que estão começando, tem muita dificuldade, mesmo porque hoje, pela falta de leitura mesmo...as pessoas não conseguem...montam um espetáculo e não tem idéia do que está no contexto, principalmente os que estão iniciando né?! Mas muitos grupos, eles estão vindo também de pessoas que se formam nas escolas de... cursos de teatro por aí, então eles tem uma certa base, então esses daí eu acho que eles tem muita qualidade sim, tenho visto coisa boa.

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ER: E os grupos tem se reunido com constância?

HB: Então... é isso que eu to falando, eu tenho feito parte desse aí, claro que sempre vão praticamente os mesmos representantes nessas reuniões, mas tem uma reunião... o pessoal da Matilde, acho que é da Matilde...

ER: Quem é Matilde?

HB: È uma companhia de São Caetano.

EP: Companhia da Matilde.

HB: É... eu não sei se foi eles, mas pelo menos quem me convidou foi. Mas foi depois da quarta, quinta reunião. E assim, tem um pessoal que tem ido praticamente sempre na reunião, mas tem uns que foram um período que já largaram, então eu percebi isso.

ER: São grupos da região ou só de...

HB: Da região... e assim os que estão mais constantes são os grupos de Santo André e São Bernardo que tem mais ido nas reuniões.

ER: É uma região mais tradicional já...

HB: É.. tem São Caetano também, mas é menos e do Rio Grande da Serra nunca foi nenhuma vez nenhum representante, apesar de fazer parte das sete cidades. Diadema foi só uma vez. Na verdade tá centrada mais na região do ABC, que seriam os grupos mais atuantes mesmo.

ER: Você tem esse conhecimento da região, essa presença da cultura nessa cidade, na região do ABC. Eu... me lembro que as escolas, que as escolas eram um pólo de incentivo de produção teatral, os grupinhos de teatro, de formar, de apresentar pelo menos uma vez ao ano. Como é que é isso hoje? Você tem visto essa participação, esse fomento, esse incentivo?

HB: Olha... eu não posso responder muito pelas escolas, mas eu vou dar um exemplo do meu lado em relação às escolas. Essa peça minha “Bate papo na Feira”, que é uma peça que fala sobre o que? São... é um mamão, o ovo, tomate, a laranja e a biringela, o que eles fazem? Eles conversam entre eles e quando chega freguês eles ficam quietinhos e tal, então eles ficam inanimados, vamos dizer assim. E eles falam das propriedades que cada um tem, que nem o tomate fala “- Eu sou o rei das vitaminas, porque eu tenho isso, aquilo...”, então eles ficam discutindo, brigando, em termos, ou falando o que cada um tem de melhor, o que é bom pra alimentação do homem, ao mesmo tempo tem alguma coisa de ecologia, em termos de reciclar, porque vai um freguês com sacola plástica, então... essas coisas, então você pega um pouquinho do politicamente correto, da alimentação saudável. Bom enfim... fiz essa peça, assim logo que estreou no começo desse ano, eu fiz cartaz pra algumas escolas, tanto do estado quando particular. Mandei as cartinhas falando que nós estávamos a disposição pra fazer uma apresentação de graça, bem em negrito, gratuita, que estaríamos a disposição pra fazer, só que nós só podemos fazer nos sábados à tarde e domingos, pode ser de tarde, por conta que todo mundo... todos eles trabalham. Nós inclusive temos pessoas estrearam nessa peça. Nós estaríamos a disposição, o contato e ninguém respondeu. Acredita? Ninguém me respondeu. Inclusive mandei, porque minha sobrinha, minha sobrinha-neta, ela está na peça, ela faz a laranja, ela tem 13 anos, ela é mais alta...é grandona, vai ser uma meninona. Ela está na escola, escola particular, eu peguei o nome da pessoa responsável por essa área e escrevi assim: inclusive um dos personagens interpretados, que é a laranja, é aluna da escola, assim assim... expliquei o nome dela, tudo... ninguém respondeu. Ou seja, a gente percebe... tudo bem a gente tem os professores que dão aula toda semana, vai pra escola e vai mais pro final de semana, mas eu acho que às vezes abrir uma exceção, ou então vir conversar com a gente... É complicado né?! Que nem tem um professor que escreveu no nosso site, ele é novo, veio dar aula aqui, eu não me lembro agora, acho que... é de geografia, ele escreveu pedindo “- Como que eu poderia ajudar e tal?” Aí eu falei pra ele, escrevi, passei o telefone porque queria conversar. Aí expliquei pra ele, ele falou “- Você não pode vir aqui pra ensaiar os alunos

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assim, assim.” Eu já fiz muito isso, não cobro nada, ensaiei e tal. Eu falei “- Eu não tenho condições no momento, meu grupo vai fazer 50 anos, nós vamos escrever um livro, tem uma série de coisas, não tenho condições. Mas o que eu posso fazer é ir aí, fazer uma palestra, levar, fazer duas ou três cenas curtas como eu falei primeiro, mostrar, fazer isso e também posso levar a peça de final de semana, é o que eu posso fazer. Estou à disposição pra isso”. E aí...eu gosto de dizer “- De manhã eu posso levar duas ou três pessoas que eu se que vão trabalhar à tarde, à tarde eu posso ir com outra e à noite com outra”, porque ele falou que dava aula nos três períodos. Então você vê que eu estou à disposição. “- Ah, tá bom.” Também não teve mais, ele queria que eu fosse dar aula, não podia, mas podia isso pra ajudar, então dar uma orientação, eu falei se vocês tem um grupo de teatro, dar uma orientação da onde pode ir, que tipo de livros pode usar e posso de vez em quando até dar uma olhada, não posso é assumir. Mas também não deu mais retorno, é engraçado essas coisas... então eu não sei, eu estou falando o meu lado de contato com a escola, como é o retorno, eu não sei se eu errei no modo de abordar, eu não sei... mas em compensação eu fiz na Metodista esse final de semana, que também foi uma...uma pessoa que também tem o título de coordenadora de educação e lazer da universidade Metodista. Ela falou “- Vamos arriscar fazer.” Eu mandei todo o material, também fui lá conversar com ela, falei “- Ó, você tem que fazer isso”. Dei todas as dicas que eu sei. Lotou o teatro, lotou porque ela abriu pro público fora da faculdade, pros funcionários. E antes de começar ela falou : “- Ahh eu quero que você fale alguma coisa, tem um grupo tal,você fala?”, tá bom fui lá falei e falei olha tem uma coisa, se alguém quiser... foram duas pessoas de escola falar comigo, que gostariam muito que levasse o espetáculo, eu falei ta bom vocês me escrevem passei o e-mail, e a gente vê a possibilidade de ir , até agora ninguém me escreveu,porque elas iam falar com a diretora, a responsável, porque elas são só professoras tal e você vê, até agora não veio , meu contato foi esse, então tem tudo isso. Esse foi meu contato com escolas até hoje, então eu não sei até que ponto vai.

ER: E com relação à censura? Pra gente terminar... se vocês não tiverem mais nenhuma questão, censura... hoje.. você enxerga? A censura hoje mudou? Que tipo de censura? Se existe censura, ou não tem mais censura?

HB: Não vejo nenhuma censura assim...

HB: O grupo depois da constituição de 88 não teve nenhum tipo de censura em seus trabalhos?

HB: Não, não, não vejo assim... não sei... não percebo quando a gente vai apresentar... não percebo ninguém falando assim “- Aai !... vocês fizeram isso ,fizeram aquilo...” nunca senti nenhum problema sinceramente falando, pelo menos que eu me lembre não tem não.

ER: E a presença no grupo agora? A configuração do grupo? Vocês têm muitos elementos novos ou mantém uma tradição de participação dos mais antigos?

HB: É uma mistura, é uma mistura, assim a gente sempre faz trabalhos com novos e velhos. Então assim, por exemplo, esse grupo infantil, tem um rapaz que tem 28 anos de grupo, um outro tem 22, tem um que tem 4 anos de grupo, tem três que começaram tem dois anos e tem um que estreou nesse espetáculo, e tem a sonoplasta que tem quarenta e nove anos de grupo entendeu? A diretora tem vinte e seis ou vinte e sete anos de grupo

ER: E você quanto tempo tem?

HB: De grupo... eu estou com... ai... quarenta e nove tira quatro, estou com quarenta e cinco – comecei de fraldinha... (risos) – não tinha uns quatorze anos quando comecei .

ER: E pra memória do teatro que se produziu em São Paulo nesse período, pra memória da cidade e da cultural mesmo, da cidade, local, e do nosso estado? Qual foi a contribuição, você acha, do Grupo Regina Pacis?

HB: (risos) Não sei, eu estou falando do meu ponto de vista assim, eu acho que contribuiu muito, eu acredito porque... assim como eu falei no começo, o grupo representava

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São Bernardo, então todo mundo sabia que nós tínhamos, vamos dizer assim... aquele sub-título de um bom grupo de teatro, com um bom espetáculo, com bons atores. Então tinham pessoas que vinham questionar e diziam assim “- Como é que vocês têm tão bons atores (pessoas de outros grupos) e nós não ?”, não que... são bons atores mas, como eu falei, nós trabalhamos as pessoas. Eu vou em todas as apresentações (e não sou eu que dirijo), e quando acaba, antes de começar a nova apresentação, eu falo “- Olha....” eu pego no pé até hoje... “- Olha você não esta pronto errou isso”, não é errar texto não é isso, é errar na interpretação, na postura, não sei o que... o texto é de menos, se ele passar a mensagem pode errar no texto, mas é isso é pegar no pé pra crescer, não deixa, ficou pronto não liga mais, não, então eu pego no pé toda vez, tem a diretora que pega, mas eu pego mais, e eles falam “- Ai a tia Hilda...” eles me tiram mesmo, tiram muito sarro. Como um rapaz que chegou atrasado no sábado mesmo né... eu falei isso.. isso... isso... aí ele falou “- Ai! Hilda num sei o que, eu me atrapalhei com o horário...” então eu falei “- Não é a primeira vez que acontece isso” (porque você percebe né ?) então falei “- Num sei que ,num sei que ,num sei que lá...” falei, falei... ele olho pra mim.. falei “- Pronto dei a bronca, agora me da um beijo e fala bom dia”, porque você não pode levar tudo a ferro e fogo, todo mundo esta lá por boa vontade, peguei no pé, dei a bronca, pedi um beijo e vamos pra festa, pra quebra... mas é saber que você assumiu um compromisso,... ele não chegava,... agente fica preocupada, apesar que hoje tem celular, mas as vezes a gente fica com o coração na mão, ai ela ligou e ele estava dormindo, era onze horaas da manha, era oito e meia da manhã que eu marquei pra sair.

Então tem isso, entendeu, tem uma mistura dos novos com os velhos, sempre teve. Procuro sempre misturar. Agora, é difícil arrebanhar gente nova pro grupo, tá muito difícil, porque antigamente as pessoas ou só trabalhavam, vamos supor, trabalhavam das oito da manhã às cinco da tarde, acabou; hoje não, ela trabalha até sete, oito horas da noite e às vezes liga assim “- Ah, meu chefe me pediu isso, tenho que entregar!”, ai você fala “- Bom, de sábado e domingo?”, “- Mas eu trabalho de sábado e domingo”, tem pessoas que trabalham de sábado e domingo, tem isso, antigamente quem trabalhava de sábado e domingo? Ninguém. Bom, tem esse problema, ou tem aquele que só estuda, ele estuda mas faz escola regular, mas faz inglês a parte, faz informática a parte, futebol Jiu-jitsu, sei lá o que, então é assim, as pessoas tão muito...

ER: Ocupadas.

HB: Ocupadas, ou as pessoas, porque as vezes você trabalhava ou estudava, eu entrei no grupo praticamente estava começando a trabalhar, começando a estudar, mas eu consegui fazer tudo isso e deu certo! Na época de férias ensaiava durante a noite, e sábado e domingo ensaiava, então era diferente, era outro período. Hoje não, as pessoas são diferentes, tão muito... e os menores de idade dependem de pai, de mãe pra levar, não, a gente ia... pegava o ônibus e ia se tinha que ir, se ia a pé a gente ia, tinha toda essa liberdade que hoje a gente não tem.

Isso mudou muito, o que nós vamos fazer? E as pessoas que trabalham também são muito pressionadas no serviço, eu falo “- Não, vai trabalhar!”, porque a pessoa não pode perder o emprego, a gente faz teatro porque gosta, então... tem essa diferença, a diferença social e econômica, eu acho.

ER: Ninguém tem mais nenhuma pergunta? Então obrigada, nós vamos te incomodar mais vezes...

(Risos)

HB: Isso não é incomodo, é um prazer, prazer de falar do aque a gente gosta e com pessoas que estão interessadas em ouvir, porque são coisas do nosso passado e também do nosso presente, mas nem todo mundo gosta de ouvir, nós temos que, falo nós porque falo em nome do grupo, nós ficamos felizes em saber que tem pessoas que se interessam pela, não só pela história do nosso grupo, mas a história da cidade e do país, porque foi uma coisa que foi vivida em grande escala por todos.

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Então ficou muito feliz e agradeço, espero que não tenha atrapalhado pra falar, porque eu falo com as mãos, com a boca, passo de um assunto pra outro, mas espero que dê para entender, (risos), qualquer dúvida a gente refaz!

ER: Obrigada!

HB: Mas eu é que agradeço, obrigada!

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Anexo VII – Documentos fornecidos por Hilda Breda

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