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1 A CONTROVÉRSIA CTS DA GUERRA A PARTIR DE UMA HISTÓRIA EM QUADRINHOS CRISTIANO DA SILVA VIDAL 1 ALVARO CHRISPINO 2 Resumo: Este trabalho apresenta os resultados de um estudo de caso de um ensaio de pesquisa empírica em turmas de 1º e 2º anos do Ensino Médio utilizando a questão 20211 do formulário PIEARCTS e um trecho de 7 páginas da história em quadrinhos do personagem Homem de Ferro, intitulada Extremis, para motivar a discussão sobre a indústria da guerra em uma atividade de controvérsia controlada. O ensaio consistiu na aplicação da referida questão para seis turmas de uma escola técnica estadual no Rio de Janeiro, para servir como um pré-teste das concepções dos alunos a respeito da influência das indústrias sobre o desenvolvimento científico e tecnológico. O estudo continuou com uma atividade de controvérsia controlada motivada pelo material em quadrinhos citado anteriormente, que traz provocações a respeito dos impactos causados pelo desenvolvimento científico e tecnológico por parte das indústrias, suas aplicações bélicas, os potenciais benefícios e prejuízos e os critérios utilizados pelas indústrias ao pesquisar e desenvolver determinada tecnologia. A mesma questão do PIEARCTS foi reaplicada posteriormente como pós-teste e usada para comparação. Com este estudo analisamos as potenciais contribuições da atividade proposta na alfabetização científica dos estudantes a partir de uma perspectiva ampliada. Palavras-chave: CTS; Controvérsias; Educação; Quadrinhos; PIEARCTS. INTRODUÇÃO De acordo com a proposta curricular nacional para o Ensino Básico, teríamos como objetivo principal a formação do cidadão. Esta é uma proposta que se adequa bem às ciências humanas e às linguagens, porém ao pensarmos na formação do cidadão em ciências, geralmente nossos horizontes ficam um tanto quanto nublados. Surge uma necessidade de discutir ciências de um novo modo, diferente do que se está acostumado a fazer, sem a mecanização, que acaba sendo quase um treinamento para a resolução de problemas matemáticos que não fazem sentido para o aluno. A cultura CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) surgiu nos últimos anos como uma proposta atraente para transformar o trabalho dos professores de ciências nas salas de aula. Hoje nos deparamos com uma realidade que nos mostra de maneira bem clara que é muito mais interessante um cidadão que esteja preparado para participar em situações sociais envolvendo questões científicas e tecnológicas, do que um aluno que saiba, por exemplo, transformar uma temperatura da escala Celsius para a Fahrenheit. Ainda falando de 1 CEFET-RJ, PPCTE, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 CEFET-RJ, PPCTE, Brasil. E-mail: [email protected].

A CONTROVÉRSIA CTS DA GUERRA A PARTIR DE UMA HISTÓRIA EM ... · PIEARCTS e um trecho de 7 páginas da história em quadrinhos do personagem Homem de Ferro, intitulada Extremis,

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A CONTROVÉRSIA CTS DA GUERRA A PARTIR DE UMA HISTÓRIA EM

QUADRINHOS CRISTIANO DA SILVA VIDAL1

ALVARO CHRISPINO2

Resumo: Este trabalho apresenta os resultados de um estudo de caso de um ensaio de pesquisa

empírica em turmas de 1º e 2º anos do Ensino Médio utilizando a questão 20211 do formulário

PIEARCTS e um trecho de 7 páginas da história em quadrinhos do personagem Homem de

Ferro, intitulada Extremis, para motivar a discussão sobre a indústria da guerra em uma

atividade de controvérsia controlada. O ensaio consistiu na aplicação da referida questão para

seis turmas de uma escola técnica estadual no Rio de Janeiro, para servir como um pré-teste das

concepções dos alunos a respeito da influência das indústrias sobre o desenvolvimento

científico e tecnológico. O estudo continuou com uma atividade de controvérsia controlada

motivada pelo material em quadrinhos citado anteriormente, que traz provocações a respeito

dos impactos causados pelo desenvolvimento científico e tecnológico por parte das indústrias,

suas aplicações bélicas, os potenciais benefícios e prejuízos e os critérios utilizados pelas

indústrias ao pesquisar e desenvolver determinada tecnologia. A mesma questão do PIEARCTS

foi reaplicada posteriormente como pós-teste e usada para comparação. Com este estudo

analisamos as potenciais contribuições da atividade proposta na alfabetização científica dos

estudantes a partir de uma perspectiva ampliada.

Palavras-chave: CTS; Controvérsias; Educação; Quadrinhos; PIEARCTS.

INTRODUÇÃO

De acordo com a proposta curricular nacional para o Ensino Básico, teríamos como

objetivo principal a formação do cidadão. Esta é uma proposta que se adequa bem às ciências

humanas e às linguagens, porém ao pensarmos na formação do cidadão em ciências, geralmente

nossos horizontes ficam um tanto quanto nublados. Surge uma necessidade de discutir ciências

de um novo modo, diferente do que se está acostumado a fazer, sem a mecanização, que acaba

sendo quase um treinamento para a resolução de problemas matemáticos que não fazem sentido

para o aluno. A cultura CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) surgiu nos últimos anos como

uma proposta atraente para transformar o trabalho dos professores de ciências nas salas de aula.

Hoje nos deparamos com uma realidade que nos mostra de maneira bem clara que é

muito mais interessante um cidadão que esteja preparado para participar em situações sociais

envolvendo questões científicas e tecnológicas, do que um aluno que saiba, por exemplo,

transformar uma temperatura da escala Celsius para a Fahrenheit. Ainda falando de

1CEFET-RJ, PPCTE, Brasil. E-mail: [email protected]. 2CEFET-RJ, PPCTE, Brasil. E-mail: [email protected].

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temperatura, mesmo que este aluno saiba fazer a referida transformação é indispensável que ele

saiba se posicionar, opinar e decidir nos assuntos que dizem respeito às alterações climáticas e

acabam envolvendo o mesmo conteúdo supracitado.

Para que um trabalho deste tipo possa ser bem executado com a intenção de desenvolver

o que hoje chamamos de alfabetização científica em uma perspectiva ampliada, que visa superar

uma visão reducionista da ciência e da tecnologia e seus efeitos na sociedade (AULER e

DELIZOICOV, 2001), é importante conhecer a forma como os alunos pensam a respeito dos

temas que serão trabalhados em sua formação básica em ciências. O PIEARCTS é uma

ferramenta que pode nos ajudar neste objetivo, pois é estudo de investigação cooperativa

internacional que trabalha com dois formulários contendo questões que envolvem a relação

ciência, tecnologia e sociedade que podem ser avaliadas de maneira estatística a partir de

critérios definidos por um grupo de peritos da área.

A partir do momento que se conhece bem o modo de pensar do grupo com o qual se

pretende trabalhar (suas concepções), o desafio sempre será descobrir boas metodologias de

ensino. A utilização de controvérsias controladas é interessante, pois cria situações que fazem

com que os participantes percebam que a ciência e a tecnologia são importantes para o cidadão

e tenham um aprendizado prático e social da participação pública nas decisões com respeito a

assuntos de ciência e tecnologia através de seu protagonismo na atividade.

Um dos pontos importantes da utilização de controvérsias controladas é que os

participantes da controvérsia devem ser motivados e alimentados com material a respeito do

tema em torno do qual a atividade irá se desenvolver. Para alunos do Ensino Médio, as histórias

em quadrinhos (HQs) são uma mídia muito atraente e leve, de fácil compreensão. Quando

falamos sobre ciência e tecnologia e seus impactos na sociedade, com uma boa pesquisa é

possível encontrar material muito rico já publicado que pode se relacionar com vários temas da

área.

Este trabalho se apresenta como um estudo de caso que tem como objetivo analisar as

possíveis contribuições de discussões de cunho CTS sobre a NdC&T (Natureza da Ciência e da

Tecnologia) em uma atividade de controvérsia controlada motivada por um trecho de histórias

em quadrinhos para a alfabetização científica dos alunos de turmas do Ensino Médio. Os

resultados serão analisados qualitativamente a partir das respostas da questão 20211 do

PIEARCTS aplicada como pré-teste e pós-teste e através de falas dos alunos durante a atividade

de controvérsia controlada.

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REFERENCIAL TEÓRICO

O PIEARCTS

O Proyecto Iberoamericano de Evaluación de Actitudes Relacionadas com la Ciencia,

la Tecnología y la Sociedad (PIEARCTS) surgiu em 2007 e se baseia em um estudo de

investigação cooperativa internacional com a participação de diversos grupos de investigação

de vários países, instituições e regiões de línguas ibéricas (espanhol e português). Seu objetivo

é de avaliar as crenças e atitudes dos estudantes e professores sobre as questões de NdC&T. O

diagnóstico conseguido a partir da utilização desta metodologia de estudo tem como intenção

ser de valiosa utilidade na elaboração de propostas educacionais a respeito das questões

levantadas. Seus resultados podem apontar para necessárias alterações do conteúdo curricular

e ajudar os professores a melhorarem sua maneira de ensinar de forma que torne a aprendizagem

dos alunos cada vez mais efetiva.

A metodologia do projeto se baseia na aplicação de questões do Questionário de

Opiniões sobre a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade (COCTS), que é aceito como um dos

melhores instrumentos que faz uso de lápis e papel para avaliar as concepções e atitudes sobre

NDC&T.

O COCTS é composto por 100 questões relacionadas a temas que envolvem ciência,

tecnologia e sociedade e suas relações. Os investigadores do PIEARCTS, após estudos e

discussões nos quais chegaram a um acordo, selecionaram 30 questões que foram articuladas

em dois questionários com 15 questões cada, com a intenção de adaptar o estudo às

necessidades dos países participantes do projeto.

As respostas diretas dos participantes que respondem o questionário de maneira objetiva

permitem gerar resultados quantitativos que podem ser analisados e comparados entre os grupos

participantes da pesquisa. Em cada questão aplicada é possível avaliar o índice atitudinal de

cada frase, o índice atitudinal de categoria (adequada, plausível ou ingênua), o índice atitudinal

da questão e o índice atitudinal pessoal.

Cada questão possui frases que devem ser classificadas com um valor de numeração de

1 a 9, indicando o grau de acordo do participante com aquela frase, sendo 1 referente ao menor

grau de acordo (total desacordo) e 9 referente ao maior grau de acordo. Ainda é possível

classificar cada frase com as letras E, que significa que o participante não entendeu a frase, ou

S, que significa que o participante não sabe o suficiente para opinar no assunto ao qual a frase

se relaciona.

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As frases presentes em cada questão já são previamente classificadas por um grupo de

peritos como adequadas, plausíveis e ingênuas, que significariam respectivamente uma maneira

correta de pensar, uma maneira aceitável de pensar e uma maneira equivocada de pensar. A

observância destas classificações é de suma importância na transformação da numeração

atribuída pelo participante em um índice atitudinal da frase para sua posterior avaliação.

A TÉCNICA DE CONTROVÉRSIA CONTROLADA

A controvérsia controlada é uma metodologia didática que visa criar uma atividade de

debate com o objetivo de consenso (pelo menos no debate) (CHRISPINO, 2008). Ela deve ser

cuidadosamente preparada e se desenvolver a partir de regras prévias, objetivando:

1 – Identificação de problemas que possam motivar a controvérsia;

2 - Estabelecimento de padrões mutuamente aceitáveis para sustentar o debate;

3 - Busca de informações pertinentes à argumentação relativa ao tema definido;

4 - Preparação da argumentação para a defesa de posição;

5 - Capacidade de escuta racional das posições controversas apresentadas por outros grupos;

6 - Exercício da contra argumentação levando em conta os argumentos colocados por outros

grupos;

7 - Reavaliar as posições – a sua e as demais – a partir de novas informações.

Esta técnica vem a ser muito benéfica porque permite discutir de forma muito dinâmica

uma grande variedade de assuntos CTS que poderiam parecem complexos demais dependendo

da abordagem utilizada. Também é importante ressaltar que a controvérsia controlada exige dos

alunos uma infinidade de outras competências e habilidades que só atividades como esta

poderiam trabalhar: falar em público, ouvir sem intervir de maneira inadequada, levar em conta

opiniões referentes a outros pontos de vista, argumentar e tentar chegar à resolução de impasses,

entre outras.

O exercício da controvérsia controlada, mais do que um momento de discussão de

determinado tema que se relaciona a uma ou mais disciplinas, é uma oportunidade para

desenvolver nos alunos características que serão de grande valor para sua vida social e para o

mercado de trabalho.

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

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As histórias em quadrinhos, mais conhecidas como HQs, representam um tipo de arte

sequencial muito utilizado para contar histórias e promover comunicação de massa, como os

jornais e revistas em geral. Hoje este tipo de material já atravessou bom nível de escrutínio

acadêmico e inclusive faz parte do Programa Nacional Biblioteca da Escola (BERENBLUM,

2006). É importante ressaltar que estamos falando aqui de HQs como as que encontramos em

revistas de histórias em quadrinhos e não das tirinhas tão usadas em uma infinidade de materiais

didáticos e muitas vezes chamadas de histórias em quadrinhos. A maior parte dos leitores deste

tipo de material é representada por jovens, entre eles muitos de nossos alunos de ensino

fundamental e médio. Mesmo os que não são leitores de quadrinhos, muito provavelmente já

leram ou tiveram contato com mídias muito parecidas, como o mangá, que difere das HQs

apenas por ser lido ao contrário. Lisingen (2007) nos apresenta uma análise da proposta de

trabalho sobre temas CTS fazendo uso de mangás.

Explicitamente, as HQs fazem uso de duas linguagens, as imagens e o texto, que

necessitam um do outro para fazer sentido e se complementam de uma maneira muito

interessante (RAMOS, 2014), funcionando de uma forma totalmente diferente dos materiais

encontrados em livros didáticos. Nos livros didáticos, o texto traz quase toda a informação e a

imagem dá certa contribuição. Se retirarmos a imagem, o texto ainda fará sentido e na maioria

das vezes será suficiente por si só, já a imagem, de maneira isolada, fora de contexto, poderá

não apresentar o mínimo significado.

Sua narrativa é elaborada com a intenção de entreter o leitor e não ser uma leitura

cansativa, pois de outra forma, não venderia. Algumas revistas de HQs possuem várias histórias

que começam e terminam na mesma edição, porém estas costumam ser voltadas principalmente

para o público infantil. As HQs que nos interessam são as que possuem temáticas mais adultas,

estas costumam possuir histórias que se desenvolvem ao longo de várias edições antes de

terminar. A cada grande história, chamamos saga ou arco. O arco é a sequência de edições que

traz a história completa.

METODOLOGIA

Esta proposta de trabalho se baseia na metodologia de um estudo de caso em tecnologia

de ensino (COUTINHO e CHAVES, 2002) e visa desenvolver uma atividade que nos permita

trabalhar conceitos de NdC&T a partir de uma controvérsia controlada motivada por uma

discussão presente em uma sequência de HQ do personagem Homem de Ferro. A forma como

a atividade exercerá ou não algum efeito sobre os alunos participantes será avaliada através de

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uma análise qualitativa das argumentações dos alunos durante uma atividade de controvérsia

CTS controlada, levando em conta as concepções de grupo percebidas através dos resultados

de um pré-teste e um pós-teste realizados utilizando-se a questão 20211 da Forma 2 do

PIEARCTS.

A amostra será composta de alunos do 1º e do 2º anos do Ensino Médio de seis diferentes

turmas de uma escola técnica no Rio de Janeiro, com idades entre 14 e 17 anos, pertencentes a

diferentes cursos técnicos (duas turmas de mecânica, uma de edificações, uma de eletrônica,

uma de eletrotécnica e uma de telecomunicações) e totalizando 104 alunos (no momento da

atividade com maior participação). Em cada uma das turmas a atividade foi desenvolvida da

mesma forma, que será descrita a seguir.

A questão 20211 da Forma 2 do questionário PIEARCTS foi aplicada para o grupo de

alunos sem a necessidade da explicação de que haveria outras etapas na atividade, este pré-teste

foi conduzido desta forma por ter a única intenção de fazer uma análise preliminar das atitudes

dos alunos quanto à influência das indústrias sobre a regulação do desenvolvimento científico

e tecnológico. Eles responderam à pergunta como se fosse uma simples pesquisa de opinião,

desconexa de qualquer outra atividade.

Figura 1: Questão 20211 da Forma 2 do questionário PIEARCTS

Fonte: Editada pelo autor com base em na questão presente no material utilizado na pesquisa (2016).

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Na aula seguinte a atividade de controvérsia foi explicada e os alunos foram distribuídos

em grupos escolhidos pelo professor, buscando a separação de grupos de afinidade formados

pelos próprios alunos e a maior diversidade possível de pensamento em cada grupo da atividade.

Detalhes da atividade de controvérsia utilizada neste trabalho serão explicados mais

detalhadamente no próximo item deste trabalho.

A questão 20211 da Forma 2 do questionário PIEARCTS foi aplicada ainda outra vez

depois da atividade de controvérsia, como pós-teste, para avaliar se houve mudanças na maneira

de pensar dos alunos dois meses após a aplicação da atividade de controvérsia controlada.

A CONTROVÉRSIA DA INDÚSTRIA DA GUERRA

Na controvérsia proposta, o material motivador para discutir a influência e participação

da indústria no desenvolvimento da ciência e da tecnologia foram sete páginas do arco de

histórias Extremis do personagem Homem de Ferro. Entre muitas críticas – sempre ligadas à

indústria da guerra – a história mostra uma imprensa que aborda temas polêmicos demonizando

os envolvidos na questão armamentista e usando as Indústrias Stark como exemplo de conduta

errada. É bastante interessante ver como o Homem de Ferro é visto como uma figura que gera

admiração e Tony Stark é visto como um bilionário alvo de manifestações e associado a

assassinatos e crimes de guerra, através da indústria que representa. É uma visão bem dual da

tecnologia que depende da forma como ela é empregada.

Em cada uma das seis turmas onde a controvérsia foi trabalhada, os alunos receberam

as páginas da história que foram utilizadas como motivadoras do debate. Cada turma foi

dividida em 4 grupos de alunos, da seguinte forma:

1- Donos de indústrias

2 - Líderes militares

3 - Pessoas nas regiões de conflito

4 - Pessoas fora das regiões de conflito

Os grupos foram orientados individualmente sobre qual deveria ser a linha de pesquisa

para o estabelecimento de uma posição para defesa e os alunos tiveram o tempo de uma semana

para ler os quadrinhos, discutir suas concepções, pesquisar material e montar sua argumentação.

Cada atividade durou em média uma hora e quarenta minutos (2 tempos de aula) e

ocorreu da seguinte forma:

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- Primeiramente cada grupo expôs seus argumentos e defendeu sua postura dentro da

controvérsia.

- Na segunda etapa os argumentos de um grupo eram comentados pelos outros três grupos.

Após os comentários, o grupo podia fazer uma réplica enriquecendo, explicando ou mudando

seus argumentos. Cada um dos 4 grupos passou por esta etapa.

- O fim da atividade foi um momento muito rico, pois na terceira etapa os alunos foram livres

para abandonar suas visões preestabelecidas para os grupos e poder argumentar utilizando suas

posições pessoais construídas ao longo das etapas anteriores.

RESULTADOS

As respostas do pré-teste e do pós-teste com a questão 20211 da Forma 2 do PIEARCTS

não apresentaram variações consideráveis que levassem à necessidade de uma análise, por este

motivo fizemos aqui a opção por enfatizar a análise da argumentação dos alunos na atividade

de controvérsia.

Gráfico 1: Índices atitudinais por frase da questão 20211 dos alunos participantes da

atividade.

A análise dos resultados da atividade de controvérsia controlada será feita levando em

conta as falas dos alunos durante a argumentação no que se refere à presença e à superação dos

mitos referentes à ciência e à tecnologia, citados por Auler e Delizoicov (2001) como os mais

importantes a serem superados quando temos por objetivo uma alfabetização científica a partir

de uma perspectiva ampliada.

-0,4-0,3-0,2-0,1

00,10,20,30,4

Co

efi

cie

nte

s

20211 - Índices atitudinais por frase

pré-teste

pós-teste

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O mito da superioridade do modelo de decisões tecnocráticas carrega a interpretação

de uma ciência quase religiosa, que seria resposta incontestável a qualquer questionamento,

sem uma necessidade de argumentação, pois estaria sempre certa e com garantia de sucesso em

si mesma. Por este ponto de vista, não há necessidade de democracia nas decisões, já que os

tecnocratas estariam mais capacitados para tomar todas as decisões envolvendo ciência e

tecnologia do que o cidadão comum.

Apesar do pré-teste com o PIEARCTS ter apresentado um comportamento um tanto

ingênuo em relação a este primeiro mito por parte dos alunos, seu discurso durante as

argumentações na atividade de controvérsia trouxe interessantes surpresas. A maior parte dos

grupos de alunos nas diferentes turmas defendia que os donos de indústrias (tecnocratas) não

deveriam ter o controle do desenvolvimento científico e tecnológico porque:

Existem interesses envolvidos.

Eles não teriam uma séria preocupação com os usos.

O principal interesse das indústrias seria o lucro.

A posição que os técnicos ocupam é dual, antes de serem técnicos são cidadãos, como as outras

pessoas.

Em três das turmas, os grupos que representavam os líderes militares usaram como

argumento que as forças armadas deveriam controlar o desenvolvimento e aplicação da ciência

e da tecnologia, pois estariam mais qualificados para tomar estas decisões do que as empresas

que buscam lucro ou os cidadãos normais. Esta postura se explica pelo fato da discussão

envolver o tema da tecnologia armamentista, porém é importante ressaltar que na terceira etapa

da atividade os alunos apresentaram a opinião hegemônica de que é importante que a sociedade

como um todo participe das decisões relativas ao desenvolvimento e ao uso das tecnologias que

a afetam como um todo (PRAIA, GIL-PÉREZ e VILCHES, 2007).

O segundo mito apresentado é o da perspectiva salvacionista da CT (ciência e

tecnologia), que carrega a ideia de que mais ciência significa mais tecnologia, que significa

mais progresso, que significa mais bem-estar social, o que chamamos de modelo de progresso

linear. Também carrega fortemente a ideia de que a ciência e a tecnologia são desenvolvidas

sempre para solucionar problemas da humanidade. Os argumentos apresentados neste ponto da

atividade por alguns grupos apresentam uma visão predominante que se encontra de acordo

com o este mito:

É importante que haja crescimento econômico e a economia se aquece com a produção e venda

de armamento, que faz com que a produção deste tipo de tecnologia se justifique.

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Os países desenvolvidos são potências mundiais através do crescimento da economia, que se

dá a partir do domínio da tecnologia.

Para ter segurança, é necessário ter tecnologia. A tecnologia faz as pessoas se sentirem

seguras.

As pessoas em regiões de conflito se encontram em desvantagem tecnológica, por isso não

possuem condições de bem-estar social.

Por outro lado, já na fase inicial da atividade, alguns grupos que desempenhavam o papel das

pessoas em regiões de conflito combateram a visão de neutralidade da tecnologia ou um papel

puramente progressista desta. O argumento principal usado por estes grupos foi o de que para

as regiões de conflito só chega a tecnologia bélica, que traz morte e destruição. Um dos grupos

ainda terminou argumentando que “quando a tecnologia causa mortes, ela deixa de ser evolução

e passa a ser retrocesso”.

O terceiro mito, o determinismo tecnológico, remete à ideia de que a tecnologia é

autônoma e tanto a sociedade como o próprio ser humano são produtos do avanço tecnológico.

Os avanços tecnológicos definiriam os limites de uma sociedade e não dependeriam de

influência social alguma. Este foi o ponto menos presente no discurso dos alunos, porém ainda

é possível encontrar traços desta forma de pensar quando os argumentos usados são que:

O desenvolvimento se baseia na tecnologia.

A responsabilidade do uso não é dos desenvolvedores.

A tecnologia é usada para a destruição porque ela está disponível para este fim.

Alguns grupos ainda defenderam que o caminho do desenvolvimento tecnológico inicial para

fins armamentistas com posterior desenvolvimento para aplicações civis benéficas à população

em geral seria o caminho natural da tecnologia, que isso seria perceptível através de um simples

estudo dos desenvolvimentos posteriores aos grandes conflitos armados ao longo da história da

humanidade. Esta é uma visão que nos deixa um bom indicador dos rumos que poderiam ser

definidos para um trabalho continuado de alfabetização científica com uma perspectiva

ampliada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação da questão 20211 do questionário PIEARCTS nos deu resultados

suficientes para uma primeira análise das concepções do grupo de alunos a respeito da

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influência das empresas e indústrias sobre o desenvolvimento de ciência e tecnologia. A análise

destas respostas permitiu a elaboração da atividade de controvérsia controlada proposta neste

trabalho.

A atividade de controvérsia controlada foi extremamente satisfatória por si só. Uma boa

parte dos alunos mostrou satisfação em participar de uma atividade na disciplina de Física que

não tratava apenas de cálculos e conceitos isolados, mas da discussão sobre o desenvolvimento

da ciência e da tecnologia e a forma como estas duas influenciam a sociedade como um todo.

Foi percebida no debate uma noção por parte dos alunos de que a própria sociedade pode

influenciar também os rumos da aplicação da ciência e da tecnologia, desde que perceba e possa

avaliar de maneira clara os impactos que estas aplicações causarão (PRAIA, GIL-PÉREZ e

VILCHES, 2007).

O pós-teste com a mesma questão do PIEARCTS não apresentou uma melhora nos

índices atitudinais dos alunos, porém isto não representa uma preocupação e nem invalida a

atividade. Até mesmo os índices de frases que apresentaram uma piora são indicadores de uma

mudança de pensamento e reavaliação da situação por parte do grupo. É importante lembrar

que a atividade de controvérsia não visa modelar opiniões ou definir um certo ou errado, mas

oportunizar a discussão no grupo de alunos, permitindo a análise de variados pontos de vista.

A HQ utilizada como material motivador da discussão desempenhou o papel esperado

e permitiu aos alunos uma clara visão dos temas a respeito dos quais eles deveriam argumentar.

Os resultados da atividade até este ponto nos permitem acreditar que esta foi muito válida para

contribuir para o processo de alfabetização científica dos alunos a partir de uma perspectiva

ampliada ao trabalhar temas que fogem ao currículo tradicional, mas permitem discussões

valiosas sobre a NdC&T.

REFERÊNCIAS

AULER, Décio; DELIZOICOV, Demétrio. Alfabetização científico-tecnológica pra quê?

ENSAIO – Pesquisa em Educação em Ciências, v.3, n.1, 2001.

BENNÀSSAR-ROIG, Antoni et al. (Org.). Ciencia, Tecnología y Sociedad en

Iberoamérica: uma evaluación de la comprensión de la naturaliza de ciência y tecnología.

Madrid: gráfica futura, 2007.

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BERENBLUM, Andréa. Por uma política de formação de leitores. Brasília: Ministério da

Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.

CHRISPINO, Alvaro. Ciência, Tecnologia e Sociedade. Módulo do Curso de Especialização

em Educação Tecnológica, UAB/CEFET-RJ, aula 11. Mimeo, 2008.

COUTINHO, Clara Pereira; CHAVES, José Henrique. O estudo de caso na investigação em

Tecnologia Educativa em Portugal. Revista Portuguesa de Educação, v.15, n. 1, 2002, p.

221-243.

LISINGEN, Luana von. Mangás e sua utilização pedagógica no ensino de ciências sob a

perspectiva CTS. Ciência & Ensino, v.1, n. especial, 2007.

PRAIA, João; GIL-PÉREZ, Daniel; VILCHES, Amparo. O papel da natureza da ciência na

educação para a cidadania. Ciência & Educação, v.13, n. 2, 2007, p. 141-156.

RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014.

REIS, Pedro. A escola e as controvérsias sociocientíficas. Perspectivas de alunos e

professores. Lisboa: Escolar Editora, 2008.