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Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.6, n.6, jul./dez.2007 34 A CONVENÇÃO PELA ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER (CEDAW) E A CONDIÇÃO FEMININA NAS “SOCIEDADES OPRESSORAS CONTEMPORÂNEAS” Fernanda Bernardo Gonçalves 1 RESUMO Tendo como norte a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a principiologia por ela inaugurada, o presente artigo tem por escopo problematizar a condição feminina em sociedades ditas opressoras, através de uma reflexão sobre a polêmica entre as concepções universalista e relativista de direitos humanos. Nesse sentido, serão analisados livros escritos por mulheres que viveram nessas sociedades, de modo a suscitar aspectos relevantes para o debate em curso. ABSTRACT Having the Convention on the Elimination os All Forms of Discrimination against Women and its principiology as a guideline, the present article has as a scope the discussion about the female condition in some so-called opressive societies, through a reflection about the polemic between the universalistic and the relativistic conceptions of the human rights. In this sense, some books written by women who lived in those societies will be analyzed in a way to promote relevant aspects for the current debate. Indicadores: CEDAW, proteção internacional dos direitos das mulheres, universalismo e relativismo dos direitos humanos. Keywords: CEDAW, international protection of women rights, universalism and relativism of human rights. 1 Bacharela em Direito pela UFPR. Pesquisadora do Núcleo de Direito Internacional da UFPR – “Mania de ter fé na vida”: a condição feminina nas sociedades opressoras.

A Convenção Pela Eliminação de Todas as Formas De

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    A CONVENO PELA ELIMINAO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAO CONTRA A MULHER (CEDAW) E A CONDIO FEMININA NAS SOCIEDADES OPRESSORAS CONTEMPORNEAS

    Fernanda Bernardo Gonalves1

    RESUMO

    Tendo como norte a Conveno pela Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher e a principiologia por ela inaugurada, o presente artigo tem por escopo problematizar a condio feminina em sociedades ditas opressoras, atravs de uma reflexo sobre a polmica entre as concepes universalista e relativista de direitos humanos. Nesse sentido, sero analisados livros escritos por mulheres que viveram nessas sociedades, de modo a suscitar aspectos relevantes para o debate em curso.

    ABSTRACT

    Having the Convention on the Elimination os All Forms of Discrimination against Women and its principiology as a guideline, the present article has as a scope the discussion about the female condition in some so-called opressive societies, through a reflection about the polemic between the universalistic and the relativistic conceptions of the human rights. In this sense, some books written by women who lived in those societies will be analyzed in a way to promote relevant aspects for the current debate.

    Indicadores: CEDAW, proteo internacional dos direitos das mulheres, universalismo e relativismo dos direitos humanos. Keywords: CEDAW, international protection of women rights, universalism and relativism of human rights.

    1 Bacharela em Direito pela UFPR. Pesquisadora do Ncleo de Direito Internacional da UFPR

    Mania de ter f na vida: a condio feminina nas sociedades opressoras.

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    1 INTRODUO

    O presente trabalho versar sobre uma problemtica do Direito Internacional dos Direitos Humanos, aplicada a um caso especfico. Trata-se da polmica universalismo versus relativismo dos direitos humanos, vista sob a perspectiva da defesa dos direitos das mulheres. Como norte, utilizar-se- a Conveno pela Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Contra a Mulher (Convention on the Elimination of All Forms of Discriminations Against Women CEDAW), e a principiologia por ela inaugurada na proteo e reconhecimento da condio feminina, especificamente quanto questo de gnero em sociedades ditas opressoras na contemporaneidade.

    Neste artigo, problematizaremos a realidade de mulheres orientais que vivem sob padres distintos daqueles vigentes em nossa sociedade, exemplificadas pela observao das realidades chinesa, muulmana e africana, sem pretenso de exausto do tema. As aspas do ttulo justificam-se pelo fato de que, em relao condio feminina, a mentalidade ocidental pode ser to ou mais opressora que aquelas, objeto da presente pesquisa2. No entanto, mantemos a denominao, mesmo tendo em considerao o alerta acima mencionado, pelas condies extremas de tratamento dispensado s mulheres nessas sociedades.

    A CEDAW representa mais uma forma de concretizao dos direitos humanos no plano internacional, compondo o Sistema Global de Proteo aos Direitos Humanos da ONU. Nada obstante, discute-se se o documento no expressaria valores precipuamente ocidentais, a despeito de sua pretenso de universalidade.

    possvel, ento, pensar em compatibiliz-los aos valores das sociedades ditas opressoras no mundo contemporneo, as quais relegam

    2 Haja vista o recente relatrio chins acerca das constantes violaes aos direitos humanos

    nos Estados Unidos (2004), o qual aponta diversos casos de violncia sexual e fsica (Cf. GOYOS JNIOR, Durval Noronha. O Novo Direito Internacional Pblico e o Embate contra a Tirania, p. 119-121). Da mesma forma, a realidade brasileira encontra-se permeada de pssimos exemplos de discriminao e violncia contra a mulher, ensejando inclusive a promulgao da Lei Maria da Penha. Por outro lado, a competitividade com os homens e a busca constante por um padro de beleza so caractersticas das mulheres ocidentais que recebem crticas profundas de outras culturas, justamente por imporem ao sexo feminino verdadeira escravido.

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    mulher um papel secundrio no contexto social, de forma a dar conta da necessidade premente de fuga das condies em que vivem as mulheres oprimidas? Responder sim questo sem maiores consideraes seria leviano, representando uma defesa aos padres ocidentais das sociedades civilizadas e contribuindo para a destruio de culturas to ricas. Mas respostas negativas podem ser to perigosas, ao expressar uma concordncia irrefletida com as teorias do relativismo dos direitos humanos. No haveria algo de universal nos direitos humanos que permitiria reconhecer sua necessidade de proteo e afirmao a todas as pessoas, independentemente de sua origem? Especialmente no que tange condio feminina oprimida por sociedades machistas?

    Eis o escopo do presente trabalho, que se basear em relatos reais de mulheres provenientes das sociedades que iremos investigar. Para tanto, partiremos de livros cujas histrias, primeira vista chocantes se tomarmos como paradigma a sociedade liberal-ocidental, desvendam a alma feminina e denunciam as atrocidades cometidas contra o sexo feminino em nome do dogma da superioridade masculina.

    Assim, primeiramente, analisaremos a CEDAW e seu significado na proteo de gnero, para, na parte final, aps a anlise dos relatos supra mencionados, discorrermos acerca das possibilidades de salvaguarda da dignidade e dos direitos das mulheres que vivem em sociedades opressoras.

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    2 A CONVENO PELA ELIMINAO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAO CONTRA AS MULHERES CEDAW

    A Conveno pela Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as Mulheres foi firmada em 18 de dezembro de 1979, pela Resoluo n 34/180 da Assemblia Geral das Naes Unidas, e faz parte do amplo rol de mecanismos internacionais de proteo aos direitos humanos, os quais, de natureza e efeitos jurdicos distintos, tiveram o propsito e acarretaram a conseqncia de ampliar o alcance da proteo a ser estendida s supostas vtimas3.

    A CEDAW inclui-se no sistema global de proteo aos direitos humanos, no mbito da Organizao das Naes Unidas. Com pretenso de alcance mundial, o sistema global encabeado pela Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948, seguida pelos Pactos de 19664 e pelas demais Convenes de Direitos Humanos. A idia predominante a de que o sistema global e os sistemas regionais se complementem, de forma a conceder s vtimas a efetiva proteo de seus direitos.

    A concepo de que determinadas pessoas ou grupos mereciam proteo especial, pois os Tratados gerais de direitos humanos no eram capazes de compreender sua vulnerabilidade, representa o processo de especificao dos direitos humanos5 no plano internacional. Nas palavras de Flvia Piovesan:

    O sistema especial de proteo reala o processo da especificao do sujeito de direito, em que o sujeito de direito visto em sua especificidade e concreticidade. Isto , as Convenes que integram este sistema so endereadas a determinado sujeito de direito, ou seja, buscam responder a determinada violao de direito.6

    3 CANADO TRINDADE, Antnio Augusto. A proteo internacional dos direitos humanos:

    fundamentos jurdicos e instrumentos bsicos, p. 1. 4 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos e Pacto Internacional dos Direitos

    Econmicos, Sociais e Culturais. 5 Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 68-69.

    6 PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 202.

    semelhante entendimento expressa CANADO TRINDADE, A. A. A proteo internacional dos direitos humanos, p. 39: A expanso e a generalizao da proteo internacional dos direitos humanos tambm possibilitaram que se voltasse a ateno aos direitos atinentes a distintas categorias de pessoas protegidas, tidas como necessitadas de proteo especial, o que levou

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    nesse contexto que surge a CEDAW, compreendendo-se que o sexo feminino vtima de diversas formas de discriminao ao redor do mundo, sendo que as mais cruis consistem nas diversas formas de violncia praticadas contra as mulheres, e que tal discriminao representa, muitas vezes, um padro de conduta de sociedades marcadas pelo machismo e pelo patriarcalismo, como apontado pelo Relatrio do Comit de Ministros do Conselho da Europa:

    (...) les caractristiques particulires des violences exerces contre les femmes qui les diffrencient des autres types de violences : en effet, elles traduisent lexpression dun rapport de domination dun sexe sur lautre et sont souvent davantage toleres par le corps social : les violences concernant les filletes sont souvent les manifestations culturelles ou religieuses qui reprennent les mmes schmas . 7

    Por essa razo, a CEDAW traz em seu artigo 1 uma definio ampla acerca do alcance de sua proteo, ao definir da seguinte maneira a discriminao contra o sexo feminino:

    Para os fins da presente Conveno, a expresso discriminao contra as mulheres significa toda distino, excluso ou restrio fundada no sexo e que tenha por objetivo ou conseqncia prejudicar ou destruir o reconhecimento, gozo ou exerccio pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos poltico, econmico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

    A Conveno estabelece uma srie de deveres aos Estados-partes, no sentido de que atuem internamente de forma a eliminar progressivamente a discriminao contra as mulheres, no apenas abstendo-se de prticas discriminatrias no mbito pblico, mas promovendo a igualdade substancial entre os gneros tambm nas relaes privadas. Em seus dispositivos, h o

    ao enunciado de, e.g., direitos dos trabalhadores, direitos dos refugiados, direitos das mulheres, direitos da criana, direitos dos idosos, direitos dos invlidos.

    7 Cf. CONSEIL DE LEUROPE. La protection des femmes contre la violence: Recommandation

    Rec (2002)5 du Comit des Ministres aux Etats membres sur la protection des femmes contre la violence adopte le 30 avril 2002 et Expos des motifs, p. 172 .

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    reconhecimento de que as distores existem em diversos mbitos da vida social, como no que se refere aos costumes e educao, no trabalho, na proteo sade da mulher, nas relaes familiares e matrimoniais, na aquisio e administrao de bens e na proteo contra a explorao e a prostituio. Por isso, prev como deveres dos pases a modificao das estruturas legislativas e a introduo de mecanismos afirmativos como forma de defesa e promoo do status da mulher nos pases signatrios.

    Como mecanismos de monitoramento do cumprimento de suas disposies, a CEDAW prev o Comit para Eliminao da Discriminao contra as Mulheres, formados por vinte e trs peritos provenientes dos pases signatrios, para o qual os Estados-partes devem enviar a cada quatro anos, ou quando solicitados, relatrios informando acerca das medidas tomadas para assegurar os direitos previstos pela Conveno8. Em 1999, a ONU adotou o Protocolo Facultativo CEDAW, que permite o reconhecimento da jurisdio do Comit para receber peties individuais com reclamaes sobre violaes Conveno9.

    Atualmente, 185 Estados so signatrios da CEDAW, o que perfaz um total de mais de 90% dos membros das Naes Unidas. Entretanto, justamente por seu carter abrangente, buscando a proteo integral dos direitos das meninas e mulheres, a Conveno pela Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher o tratado de direitos humanos no mbito da ONU com maior nmeros de reservas aos seus dispositivos, sendo que muitas delas acabam por comprometer a aplicao mesma da CEDAW, pois tais Estados no se obrigam a garantir em seu territrio direitos essenciais dignidade da condio feminina. Sua pretenso de universalidade, portanto,

    8 Segundo Andrew Byrnes, In: STEINER, Henry J.; ALSTON, Philip. International Human Rigths

    in context: Law, Politics, Morals, p. 188: (...) the CEDAW Committee was constituted as a body os independent experts given the task of monitoring states efforts to meet their obligations through review of periodic reports submitted by the states parties. The Committees importance has steadily increased over its life, partly as a consequence of the greater attention given womens rights on the world scene, from world conferences to new international instruments. 9 Cf. CENTRO DE JUSTIA GLOBAL. Programa de Capacitao Marcio Baccarin Possebon:

    Treinamento em mecanismos internacionais de direitos humanos e estratgias de mdia, p. 4: Trata-se de um importante instrumento jurdico para garantir o acesso s mulheres aos mecanismos internacionais de proteo de forma eficaz e direta, quando o sistema nacional se mostrar falho ou omisso no que se refere aos direitos humanos consagrados na Conveno.

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    coloca em xeque-mate exatamente a aplicabilidade de seus princpios e dispositivos.

    Essa situao mostra quo complexa a proteo dos direitos humanos das mulheres no plano internacional, bem como a garantia de um ncleo mnimo de direitos das quais possam gozar. A Declarao de Viena, documento final da Conferncia de Direitos Humanos de 1993, assim dispe acerca da temtica:

    Aes e medidas para reduzir o amplo nmero de reservas Conveno devem ser encorajadas. Dentre outras medidas, o Comit de Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher deve prosseguir na reviso das reservas Conveno. Os Estados so convidados a eliminar as reservas que sejam contrrias ao objeto e ao propsito da Conveno, ou que sejam incompatveis com os tratados internacionais.

    A retirada urgente das reservas substanciais feitas CEDAW por diversos pases apenas uma das muitas medidas necessrias salvaguarda dos direitos das mulheres ao redor do mundo.

    Como referido alhures, a problemtica relativa aos direitos humanos do sexo feminino requer vrias providncias rumo erradicao da discriminao de gnero. Nesse sentido, muitos temas se entrelaam e aparecem continuamente nas discusses sobre a questo feminina, e sobre ela exercem influncia, tais como: normas e costumes dos diferentes pases, que podem relegar a questo tradio, compreendendo o tratamento dispensado s mulheres como sinnimo de garantia de preceitos morais; mudanas scio-econmicas, direcionando a mulher ao mercado de trabalho, o que implica em modificaes nas estruturas de famlia e matrimoniais10.

    De igual modo, outras situaes atingem as mulheres de forma diferente, e mesmo mais severa, que os homens. o caso, por exemplo, das zonas de conflito, onde muitas vezes estupros e violncias so utilizados como forma de coero da populao. Nas situaes de pobreza extrema, igualmente, s mulheres so negados remdios e alimentos, numa

    10 Cf. STEINER, H.; ALSTON, P. International Human Rigths in context.

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    demonstrao de discriminao que coloca o sexo feminino em posio de inferioridade frente ao masculino11.

    para fazer frente a situaes como essas, dentre tantas outras, que a CEDAW assume importncia crucial na defesa da igualdade de tratamento mulher. Diante de inmeros casos de discriminao aberta, corroborados pela religio e pelos costumes, de denncias de maus-tratos a esposas e filhas, de casamentos forados, danos integridade fsica, ou mesmo assassinatos12, no h dvidas de que a situao da mulher ao redor do planeta merece uma maior ateno por parte da comunidade internacional.

    Nesse sentido, a anlise da condio feminina em sociedades conhecidas por subjugar a mulher ganha relevo, permitindo o conhecimento da situao rela dessas mulheres e meninas, to distantes de ns geograficamente, mas cuja dor e sofrimento tornam-nos prximas e solidrias.

    11 Cf. In: CONSEIL DE LEUROPE. La protection des femmes contre la violence, p. 18:

    Certaines situations conomiques difficiles (engendrant chmage et pauprisation), les crises politiques et les conflits arms ( lorigine de flux migratoires importants) fonctionnent comme des facteurs aggravants, dans la mesure o les femmes, se trouvant souvent dans des situations prcarises, deviennent les cibles privilgies du systme. 12

    O Comit de Direitos Humanos da ONU, emitiu um Relatrio em 2000, abordando a igualdade de oportunidades de gozo dos direitos expressos pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, concluindo que os Estados precisam adotar uma srie de medidas para assegurar a proteo do sexo feminino contra a discriminao nos mais diversos setores da vida social. Cf. HUMAN RIGTHS COMMITTEE. General Comment N 28: Equality of rights between men and women, (Art. 3), 2000.

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    3 A CONDIO FEMININA NAS SOCIEDADES OPRESSORAS

    Apresentamos agora relatos reais acerca da vida em sociedades onde a condio feminina extremamente inferiorizada frente aos homens, e onde as condutas machistas constituem-se em standard de comportamento. No h a pretenso de esgotar os assuntos apresentados pelas obras de referncia; todavia, preocupamo-nos em suscitar os aspectos mais relevantes para o tema exposto, de forma a dar vida ao clamor de mulheres que no desistem de lutar.

    3.1 A CONDIO DE MULHER NA CHINA REVOLUCIONRIA

    Nosso ponto de partida a realidade das mulheres chinesas, contada pela jornalista Xinran, no livro As Boas Mulheres da China. A autora viveu em Pequim, onde apresentava um programa de grande audincia em uma rdio estatal chinesa, o Palavras na brisa noturna. Nele, Xinran lia cartas enviadas por mulheres de todo o Pas, nas quais elas contavam suas histrias, seus dramas, e realizavam suas denncias contra o sistema opressor e violento ao qual eram submetidas. Com a inteno de publicar as histrias que mais lhe chamaram a ateno, e consciente de que o governo chins jamais permitiria tal afronta, a jornalista abandonou Pequim e mudou-se para Londres, onde publicou o livro que agora apresentamos.

    O livro retrata a condio feminina em uma China ainda fortemente marcada pela Revoluo Cultural, levada a cabo para a instaurao do regime comunista no pas. Os anos 60/70 representaram o auge da Revoluo, onde o regime buscava livrar a China de qualquer influncia capitalista. A partir dos anos 80, o pas entra em um perodo de maior abrandamento nos costumes; contudo, os anos rgidos jamais sero esquecidos.

    Sobretudo no que tange proteo da mulher contra a violncia sexual e discriminao. A rgida moral chinesa, vigente no perodo pr-revolucionrio, impunha a submisso das mulheres a seus pais e maridos. Somada ao regime poltico que se instalou, fortemente autoritrio e invasivo no que se refere vida privada dos chineses, o resultado foi a perpetuao da

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    cultura machista e a destruio do direito intimidade das chinesas, expostas a crimes sexuais, casamentos forados (por vezes em nome da Revoluo), e ao mais completo abandono por parte do frgil sistema legal. Xinran quem descreve:

    De modo geral foram as crianas, sobretudo as meninas, que arcaram com as conseqncias do desejo sexual frustrado. A menina que cresceu durante a Revoluo Cultural viu-se cercada de ignorncia, loucura e perverso. As escolas e as famlias eram incapazes e proibidas de lhes dar a mais elementar educao sexual. Muitas mes e professoras tambm eram ignorantes nesses assuntos. Quando a menina amadurecia, a menina se tornava vtima de ataques indecentes ou estupro (...) Os perpetradores foram seus professores, amigos, at seus pais e irmos, que perderam o controle dos instintos animais e agiram da maneira mais feia e egosta de que um homem pode agir. As esperanas das meninas foram destrudas, e sua capacidade de sentir o prazer de fazer amor foi danificada para sempre. Se pudssemos ter acesso aos pesadelos delas, passaramos dez ou vinte anos ouvindo o mesmo tipo de histria.13

    essa posio de inferioridade que faz uma garota de apenas dezessete anos, que se entrega morte para no sofrer mais os abusos de seu pai, perguntar-se: O que so as mulheres exatamente? Os homens devem ser classificados exatamente na mesma espcie que as mulheres? Por que que eles so to diferentes?14.

    A diferena brutal entre homens e mulheres, contudo, no demonstrada somente atravs da represso e dos abusos sexuais sofridos por meninas e mulheres, resultado de uma educao machista e repressora, mas que tambm fora utilizado sistematicamente como meio de tortura das mulheres cujas famlias eram consideradas descendentes de capitalistas.

    Essas boas mulheres tambm sofreram srios abalos em sua estrutura individual e familiar, em nome do regime comunista. Muitas vezes, as mes tiveram os filhos arrancados de seus braos, entregando-os para serem educados pelos revolucionrios, enquanto elas prprias serviam ao Estado em outro ponto do pas. Essas mes, quando seus casamentos no foram arranjados pela famlia ou pelo Partido, ocupavam uma posio apenas de

    13 XINRAN. As boas mulheres da China: vozes ocultas, p. 235-236.

    14 XINRAN. As boas mulheres da China, p. 46.

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    coadjuvante ao lado do marido, numa vida repleta de deveres, mas sem amor. A moral rgida imposta s chinesas legitima desde as agresses fsicas s companheiras, at a condenao pblica de mulheres mais liberadas sexualmente ou de homossexuais, chegando s raias de determinar a priso delas pela violao dos costumes.

    Na ltima histria do livro, so problematizadas a pobreza extrema e a ignorncia das mulheres, em uma regio da China conhecida como Colina dos Ventos; justamente por essas razes, afirma Xinran, as mulheres da Colina dos Gritos foram as nicas a me dizer que eram felizes15.

    3.2 A REVOLTA SILENCIOSA DAS MULHERES DO IR

    Lendo Lolita em Teer um belo livro escrito pela professora de Literatura Azar Nafisi, acerca da vida das mulheres no Ir aps a Revoluo Islmica que levou o Aiatol Khomeini ao poder. Vivendo hoje nos Estados Unidos, a autora conta a histria iraniana nos tempos mais difceis da Revoluo, quando o regime teocrtico endureceu o respeito aos costumes, submetendo mulheres que, at ento, levavam uma vida livre e em posio de igualdade (ao menos formal) com os homens.

    O regime foi marcado por ciclos de maior ou menor tolerncia, mas sempre mesclando religio e poder, com a imposio da moral islmica populao, que poca no era formada apenas por muulmanos. As Universidades, no incio proibidas de funcionar, logo se tornaram centros de disseminao do regime poltico, com a vigilncia constante de professores e alunos, bem como dos contedos ministrados.

    Azi (apelido da autora) era professora da Universidade de Teer e de l foi expulsa por recusar-se a lecionar usando o chador, vestimenta que cobre os cabelos e quase a totalidade do corpo da mulher. Voltou a ministrar aulas em outras Universidades, somente quando aceitou submeter-se s regras impostas pelo regime.

    15 XINRAN. As boas mulheres da China, p. 275.

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    Durante aproximadamente dois anos, a professora reuniu em sua casa um grupo de mulheres iranianas que haviam sido suas alunas na Universidade, com o fim de praticar uma transgresso silenciosa: a leitura de obras literrias ocidentais. Por meio de livros como O grande Gatsby, Orgulho e Preconceito, e, especialmente, Lolita, essas mulheres reunidas em uma sala de estar no estavam diretamente interessadas no confronto direto com o governo, mas sim em recuperar aquilo que o regime autoritrio tentava roubar, qual seja, a capacidade de imaginar. Azar Nafisi quem escreve:

    Nos que vivemos na Repblica Islmica tanto a tragdia quanto o absurdo da crueldade aos quais ramos submetidos. Nos tnhamos que achar graa em nossa prpria misria para sobreviver. Tambm reconhecamos instintivamente o poshlust no somente nos outros, mas em ns mesmos. Essa era a nica razo pela qual a arte e a literatura se tornaram to essenciais para nossas vidas: no eram luxo, mas necessidade. O que Nabokov capturou foi a textura da vida numa sociedade totalitria, onde se est completamente sozinho num mundo ilusrio cheio de falsas promessas, onde no se pode mais diferenciar entre seu salvador e seu carrasco.16

    O autoritarismo do novo regime imps s mulheres a observncia estrita dos valores islmicos, da forma como o governo os interpretava. Havia, inclusive, um grupo denominado Sangue de Deus, formado por mulheres e homens armados, e que tinham por tarefa assegurar que as mulheres (...) vistam seus vus adequadamente, no usem maquiagem, no caminhem em pblico com homens que no sejam seus pais, irmos ou maridos17. A imposio do uso do vu representou a maior expresso da opresso sofrida pelas mulheres. A prtica, que antes da Revoluo era o modo de as muulmanas manifestarem sua f e sua religio, com a obrigatoriedade, transformou-se em ato poltico, concebido como marca do regime teocrtico.

    Como relata a autora, naqueles tempos, a idade para o casamento foi diminuda para nove anos, o adultrio e a prostituio voltaram a ser punidos com a morte por apedrejamento, e a lei estabelecia que uma mulher valia a metade de um homem. Para a condio feminina, foi um retrocesso

    16 NAFISI, Azar. Lendo Lolita em Teer: uma memria nos livros, p. 45.

    17 NAFISI, A. Lendo Lolita em Teer, p. 49.

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    significativo, vez que a gerao anterior de mulheres pde escolher seu marido, estudar livremente, e sair s ruas sem medo de ser considerada imoral.

    Nas ltimas pginas do livro, Azar Nafisi noticia a lenta mudana em sua terra natal, por meio da luta de mulheres e jovens por maior liberdade. O caminho longo, mas a esperana no futuro do Ir continua a alimentar a professora de literatura inglesa, que deixou seu Pas, mas jamais deixar para trs as memrias de sua Teer.

    3.3 QUEIMADA VIVA: DEPOIMENTO DE UMA SOBREVIVENTE

    Souad, hoje, uma mulher que luta pelo fim dos chamados crimes de honra ao redor do mundo, tendo escrito o livro Queimada viva, que agora apresentamos. Baseada em sua experincia pessoal, ela, que sequer possui este nome e que no pode declarar o pas da Europa em que vive, com medo de que sua famlia a encontre, denuncia a prtica de atos brutais contra as mulheres em nome da defesa da honra, aps ter sobrevivido milagrosamente a uma tentativa de homicdio, autorizada por seus prprios pais, em virtude de ter engravidado antes de se casar.

    Nascida em um aldeia da Cisjordnia, governada por rgidos padres de comportamento, Souad cresceu como todas as garotas da regio, sonhando com um casamento que a libertasse do jugo paterno (apesar de ter conscincia de que o marido poderia ser ainda pior que o genitor) e temendo ser tachada de charmuta pela comunidade em que vivia. Uma charmuta uma mulher sem honra, e que por conseguinte desonra toda a sua famlia, merecendo a pena capital, ou seja, o assassinato, para que seus familiares recuperem o prestgio na comunidade. Uma garota, segundo Souad:

    (...) deve andar depressa, a cabea curvada para o cho, como se estivesse contando os passos. Seu olhar no pode levantar-se, nem vagar esquerda ou direita do caminho, pois se seu olho encontrasse o de um homem, toda a aldeia a chamaria de charmuta.18

    18 SOUAD. Queimada viva: um documento, p. 9.

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    As mulheres na terra de Souad tinham menos valor que um animal. Elas eram proibidas de freqentar a escola, no podiam sair sozinhas de casa e sofriam espancamentos constantes, seja de pais e irmos, seja dos maridos. A vida de uma mulher, ali, pertencia sempre a algum homem, responsvel por seu destino. Nascer mulher era uma maldio, chega a dizer Souad, narrando uma cena de sua infncia, quando presenciou sua me enforcando uma filha recm-nascida, apenas pelo fato de esta ser mulher, situao que deve ter ocorrido outras vezes naquela famlia, segundo a autora. Ela tambm v a morte de uma irm mais nova, assassinada pelo prprio irmo, mas nunca fica sabendo qual o motivo da morte; apenas sabe que os pais no estavam em casa, como sempre acontece nos crimes de honra.

    Souad sonhava em se casar, mas a tradio impunha a obrigao de a irm mais velha casar-se antes. A autora j estava com dezessete anos, quando se apaixonou por um vizinho que tinha interesse nela e, com medo de perd-lo, entregou-se a ele mediante uma promessa de casamento. Grvida, foi abandonada pelo namorado e tornou-se a vergonha da famlia, que decidiu sem titubear: ela deve morrer. A tradio diz que o assassinato sempre cometido por algum da famlia, sem a presena dos pais. Seu cunhado foi o eleito para devolver a honra aos familiares. Ele iria queim-la viva. Ela narra seu calvrio: De repente, senti uma coisa fria escorrendo pela minha cabea. E logo em seguida estava coberta pelo fogo19.

    Souad fugiu para a rua e foi socorrida em um hospital, onde foi deixada para morrer, porque ningum ousa intrometer-se em questes de famlia. Ainda no nosocmio, ela deu luz a seu filho, e sofreu uma tentativa de envenenamento por parte de sua me. A autora somente foi salva graas ativista sua Jacqueline Thibault, que conseguiu tir-la com seu filho do pas e lev-la Europa, para tratar-se. Entregou seu menino para a adoo, mas hoje mantm contato com ele. Casou-se novamente, e atualmente trabalha na Organizao No-Governamental Surgir, cuja tarefa precpua a denncia dos crimes de honra. Souad assim define sua histria, que serve de alerta para tantas outras mulheres e meninas que vivem beira da morte:

    19 SOUAD. Queimada viva, p. 112.

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    Meu senhor, l uma mulher no tem uma vida propriamente. Muitas moas so espancadas, estranguladas, queimadas, mortas. Para ns, l, perfeitamente normal. Minha me quis me envenenar para acabar i trabalho do meu cunhado, e para ela, era normal, faz parte do mundo dela. A vida normal para ns, mulheres, isso. Se voc espancada, normal. Se queimada, normal, ou estrangulada, normal, ou maltratada, normal. A vaca e os carneiros, como dizia meu pai, so mais respeitados que as mulheres. Se no quisermos morrer, temos de nos calar, obedecer, rastejar, casar virgens e fazer filhos. Se eu no tivesse encontrado um homem no meu caminho, essa a vida que eu teria tido. Minhas filhas se teriam tornado como eu, minhas bisnetas, como minhas filhas. Se tivesse continuado vivendo l, me teria tornado normal, como minha me, que sufocou suas prprias filhas. Talvez que tivesse matado minha filha. Talvez tivesse deixado que a queimassem. Hoje eu acho isso uma monstruosidade! Mas se tivesse ficado l, teria feito a mesma coisa!20

    3.4 MULHERES MUTILADAS

    Khady, senegalesa que hoje vive na Frana, conta sua histria no livro Mutilada, histria que, ainda nos dias de hoje, continua a fazer parte da trajetria de vida de milhares de mulheres ao redor do mundo. a autora viveu em uma realidade distinta da de Souad, pois em sua sociedade, embora as mulheres fossem submetidas aos homens (haja vista a prtica que iremos descrever abaixo), elas eram bem mais livres que na aldeia de Souad.

    Khady descreve a poligamia como fenmeno comum e aceito sem reservas pelas mulheres de sua comunidade; ela mesma fora criada por vrias avs, esposas de seu av, e viveu com a presena de uma co-esposa na casa de seu marido. As meninas da aldeia casavam-se cedo (Khady casou-se aos treze anos), e o casamento civil no tinha qualquer valor para os membros da comunidade: os casamentos eram sempre realizados em famlia, e acordados pelos pais dos noivos. Os divrcios tambm somente dependiam de acordo entre os familiares.

    Khady pertencia etnia sonink, famlia na qual as mulheres deveriam ser purificadas ainda na infncia, para garantir um bom casamento. Purificar significa excisar, ou seja, extirpar o clitris da menina. O procedimento da

    20 SOUAD. Queimada viva, p. 203/204.

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    exciso era praticado pela etnia das ferreiras, sempre com a concordncia das mulheres da famlia e, claro, da aceitao tcita dos homens. Khady assim descreve sua mutilao, aos sete anos de idade:

    Duas mulheres me agarraram e arrastaram para o quarto. Uma, atrs de mim, me segura a cabea e seus joelhos esmagam meus ombros com todo o peso deles para que eu me mexa; a outra me segura os joelhos, com as pernas afastadas. (...) a mulher encarregada da operao dispe de uma lmina de barbear por menina, que as mes compraram para a ocasio. Ela puxa com os dedos, o mais possvel, o minsculo pedao de carne e corta como se cortasse um pedao de carne de zebu. Infelizmente, impossvel para ela faz-lo com um nico gesto. Ela obrigada a serrar.21

    Ainda, segundo Khady, uma dor inexplicvel, que no se parece com nenhuma outra22, e que marcar toda sua vida, a ponto de torn-la uma ativista contra a disseminao da prtica.

    Seis anos depois, Khady dada em casamento no lugar de sua irm divorciada, que pode recusar-se a casar. O casamento acertado pelos homens na mesquita, e meses mais tarde, o noivo, que morava na Frana, volta ao Senegal para a festa de casamento, e para exercer seus direitos de marido. A dor, em virtude da exciso, foi tamanha que Khady apagou da memria esse momento.

    Ela foi levada para viver na Frana, aps sua famlia burlar o sistema legal do Senegal, pois ela no tinha idade para casar-se. Porque freqentava a escola antes de mudar-se, Khady consegue trabalhar e ser relativamente independente do marido, o que levar o casal a brigas, com agresses fsicas constantes. Alm disso, ela descobre que a razo mais forte para o marido querer filhos e a manuteno do casamento era o seguro social pago pelo governo francs s famlias humildes, o que a leva a exigir o divrcio perante os Tribunais franceses e tambm frente a seu pai, que em uma reunio acorda o divrcio da filha.

    21 KHADY. Mutilada, p. 17.

    22 KHADY. Mutilada, p. 17.

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    Khady permite a exciso de trs filhas, uma delas com apenas um ms de idade. No entanto, aps a morte de uma menina na Frana, em virtude da mutilao, a prtica comeou a ser condenada e criminalizada, o que contribuiu decisivamente para o ingresso da autora na militncia contra a mutilao genital feminina, ingressando numa organizao chamada GAMS, e assim descreve seu trabalho:

    preciso fazer com que elas no deixem acontecer o mesmo com suas filhas, nascidas ou por nascer, a barbaridade que as far sofrer pelo resto da vida. explicar tambm que a religio nunca imps essa mutilao. E para isso precisamos do envolvimento dos chefes religiosos da frica. Compete a eles desmontar a vasta mentira mantida h sculos, por ignorncia dos textos. Na realidade, exciso ou infibulao so preconizadas pelos homens e executadas pelas mulheres, por razes erradas.23

    A misso de Khady, hoje, consiste em denunciar essa prtica tradicional que tanto sofrimento traz s mulheres, em nome da garantia da virgindade da noiva, ou de sua fidelidade, numa clara demonstrao da submisso feminina s realidades machistas.

    23 KHADY. Mutilada, p. 151.

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    4 A PROTEO DOS DIREITOS DAS MULHERES E A DIVERSIDADE CULTURAL

    De todo o exposto at agora, dessume-se que a proteo da mulher no plano internacional tema por demais complexo e umbilicalmente ligado questo da diversidade cultural presente nas vrias sociedades. Religio, moral e poltica so determinantes da maior ou menor garantia de direitos ao sexo feminino. A questo de gnero expressa, de forma contundente, a delicada problemtica entre as concepes universalista e relativista dos direitos humanos, das quais nos ocuparemos agora.

    A idia de direitos humanos, do modo como conhecemos hoje, iniciou-se com o movimento iluminista, que desenvolveu a concepo desses direitos como inatos ao homem, pelo simples fato de ser humano. Justamente por essa razo, esses direitos foram considerados como pertencentes a todos os homens, indistintamente. Nesse sentido, podemos afirmar que os direitos humanos surgiram e afirmaram-se como universais.

    A concepo universalista dos direitos humanos aparece com maior nitidez na Declarao Universal dos Direitos Humanos, firmada no mbito da ONU em 1948, ao proclamar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda a pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades da Declarao. A prpria ONU possui, dentre suas funes, a de monitorar a situao dos direitos humanos no mundo, e as Convenes que compem o Sistema Global de Proteo aos Direitos Humanos, como a CEDAW, tambm expressam o carter universalista de defesa e reconhecimento desses direitos, na medida em que se destinam indistintamente a homens e mulheres, sem considerao das peculiaridades regionais.

    A positivao internacional dos direitos humanos sempre levou em considerao seu carter universal. Contudo, em tempos de globalizao e num mundo ps-descolonizao geogrfica, a controvrsia entre relativismo e universalismo volta agenda de discusses. Aqueles que defendem a concepo universal dos direitos humanos afirmam que, em nome do

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    relativismo, muitas sociedades escondem barbries e violaes sistmicas dos direitos de seus cidados. A idia de um universalismo viria, portanto, como forma de garantia de dignidade humana, para assegurar um rol de direitos que possibilitasse uma vida digna a qualquer pessoa24.

    J os que se opem ao universalismo asseveram que essa concepo nasceu de uma perspectiva eurocntrica de direitos do homem, e que se desenvolveu sempre a partir de um ponto de vista ocidental, que tenta se impor ao restante do mundo, como nica resposta correta. Logo, os crticos vem o universalismo como instrumento de dominao de um modo de vida sobre os outros, e no em seu vis emancipatrio25. Ademais, os direitos humanos alados a valores universais, para aqueles que defendem o relativismo, ferem a soberania dos pases ao determinar de antemo quais os direitos e de que forma devem ser garantidos pelo governo interno.

    Contudo, a defesa dos direitos humanos, hoje, exige que se supere o embate entre universalistas e relativistas, em nome de uma proteo ampla desses direitos, inclusive o direito a ver respeitada sua cultura. Segundo Boaventura de Sousa Santos:

    Trata-se de um debate intrinsecamente falso, cujos conceitos polares so igualmente prejudiciais para uma concepo emancipatria de direitos humanos. Todas as culturas so relativas, mas o relativismo cultural enquanto atitude filosfica incorreto. Todas as culturas aspiram a preocupaes e calores universais, mas o universalismo cultural, enquanto atitude filosfica incorreto. Contra o universalismo, h que propor dilogos interculturais sobre preocupaes isomrficas. Contra o relativismo, h que desenvolver critrios polticos para distinguir poltica progressista de poltica conservadora, capacitao de desarme, emancipao de regulao.26 27

    24 Cf. PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 170-171: (...)

    reagem os universalistas, alegando que a posio relativista revela o esforo em justificar graves casos de violaes dos direitos humanos que, a partir do sofisticado argumento do relativismo cultural, ficariam imunes ao controle da comunidade internacional. Argumentam que a existncia de normas universais pertinentes ao valor da dignidade humana uma exigncia do mundo contemporneo. 25

    Cf. PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 170: Na anlise dos relativistas, a pretenso de universalidade destes instrumentos simboliza a arrogncia do imperialismo cultural do mundo ocidental, que tenta universalizar suas prprias crenas. A noo universal de direitos humanos identificada como uma noo construda pelo modelo ocidental. O universalismo induz, nesta viso, destruio da diversidade cultural. 26

    SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepo multicultural de direitos humanos, p. 110-111.

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    Portanto, afirmar o universalismo como nico meio de acabar com a barbrie praticada principalmente pelas sociedades menos civilizadas representa, sim, um modo de disseminao dos valores ocidentais, valores que tambm provm de uma cultura definida, porm, que muitas vezes so impostos a sociedades que deles no compartilham, ao menos no integralmente28. essa viso do universalismo como dogma que acaba por provocar a hostilidade das sociedades no-ocidentais frente desconsiderao da cultura como fonte dos direitos humanos.

    Entretanto, a adeso s teorias relativistas leva legitimao de muitas violaes de direitos humanos supostamente em nome da diversidade cultural. preciso atentar para o fato de que, muitas vezes, so os governantes que invocam a tese do relativismo cultural, til a seus propsitos, mas no garantia de direitos populao. Admitir que religio, moral, costumes tradicionais, sirvam como fundamento para a prtica de atos que atinjam a dignidade das pessoas, certamente, no a soluo para a proteo dos direitos humanos.

    A mescla entre as concepes universalista e relativista de direitos humanos, ao revs, pode trazer muitos avanos na defesa das garantias e na proteo dos direitos dos povos e de seus cidados. Primeiramente, porque a cultura um elemento inafastvel de qualquer concepo que se tenha acerca de direitos. Michael Freeman apresenta uma definio de cultura cuja citao faz-se oportuna: I shall take culture to refer the beliefs, values, norms, sentiments, and practices that give meaning and (at least in farourable cases)

    27 Nesse mesmo sentido, bem aponta IBHAWOH, Bonny. Cultural Relativism and Human

    Rights: Reconsidering the Africanist Discourse, p. 61: In the final analysis, it is significant to note that tha universalism versus cultural relativism debate over the legitimacy and priorities of human rights can be misleading. It is useful in so far as it calls attention to the ways in which the notions of liberty and individualism cab be, and have been used to rationalise the abuses of capitalism. Is is laso useful in so far as it highlights how notions of equality and collectivism can be, and have been used as excuses for arbitrary and authoritarian governance. 28

    Como, p.ex., no caso turco, que, numa tentativa de modernizao para facilitar o ingresso na Unio Europia, proibiu a utilizao do vu em reparties pblicas, inclusive nas Universidades, motivando o ingresso de uma muulmana na Corte Europia de Direitos Humanos, que decidiu favoravelmente ao governo turco.

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    value to human lives29. O contedo desses valores e crenas que varia, de sociedade para sociedade, e at mesmo dentro das diversas sociedades.

    Jack Donnely acertadamente observa que a filiao a um universalismo ou a um relativismo radical no so atitudes prudentes. O autor defende uma concepo de relativismo cultural fraco, que admite serem os direitos humanos direitos universais, mas que compreende ser a cultura como fonte de validade aos direitos afirmados, inclusive porque no se pode entender que valores e costumes sejam imutveis, mas sim contingentes, o que compatvel com a afirmao de universalidade dos direitos aqui referidos.30

    Da mesma forma, o que se defende aqui no a adeso a alguma das correntes, como se representasse a nica possibilidade de compreenso da temtica, mas sim uma concepo de diversidade cultural que leve a um dilogo entre os diferentes modos de vida, e que, de forma construtiva, busque a ampliao da defesa desses direitos. Socorremo-nos novamente de Boaventura de Sousa Santos, quando ele prope dilogos interculturais de direitos humanos, asseverando que a tarefa central da poltica emancipatria do nosso tempo consiste em transformar a conceptualizao e prtica dos direitos humanos de um localismo globalizado num projeto cosmopolita31, atravs de uma hermenutica diatpica, que reconhece a incompletude intrnseca s diversas culturas e, dessa forma, busca ampliar ao mximo a conscincia de incompletude mtua atravs de um dilogo que se desenrola, por assim dizer, com um p numa cultura e outro, noutra32 33.

    Essa tendncia em se respeitar a diversidade cultural vem ganhando fora inclusive nos instrumentos internacionais de proteo aos direitos

    29 FREEMAN, Michael. Human Rights and Real Cultures: Towards a Dialogue on Asian

    Values, [s.p.]. 30

    Apud PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 169. A temtica assim exposta em IBHAWOH, B. Cultural Relativism and Human Rights, p. 47: Weak cultural relativism on the other hand, holds that human rights are prima facie universal, but recognises culture as an important source of exceptions in the interpretation of human rights. 31

    SANTOS, B. S. Uma concepo multicultural de direitos humanos, p. 113. 32

    SANTOS, B. S. Uma concepo multicultural de direitos humanos, p. 116. 33

    Interessante nesse sentido a crtica que as sociedades orientais fazem concepo ocidental de direitos humanos, por ser individualista e dar primazia absoluta aos direitos, em detrimento dos deveres e das responsabilidades que da advm. Um dilogo que considerasse essa crtica como ponto de partida seria, certamente, benfico a ambas as concepes. Nesse sentido, MUZAFFAR, Chandra. Isl e direitos humanos, p. 316-317.

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    humanos, como na Declarao e Programa de Viena de 1993, que, apesar de reafirmar a universalidade dos direitos humanos, reconhece que as particularidades nacionais e regionais precisam ser levadas em considerao.

    Tomando-se as consideraes acima, possvel imaginar um caminho para a mudana de paradigma no que concerne aos direitos da mulher no plano internacional. Da leitura das histrias de vida e de luta das mulheres que viveram e sobreviveram s suas realidades opressoras, possvel ter uma viso muito clara da insuficincia do embate universalismo versus relativismo, para tornar suas vidas mais dignas. O relativismo cultural tornaria legtimas todas as violaes dos direitos dessas mulheres, e, com o isolamento das culturas, pouca esperana haveria para elas e para suas conterrneas. Mas essas mulheres forjam suas identidades em seus valores, em suas crenas, e a idia do universalismo mais radical no comportaria a dimenso tamanha que a cultura possui na vida dessas pessoas34.

    Dar voz a essas mulheres e meninas, e possibilitar a elas o conhecimento de sua real situao a maneira de fazer com que queiram lutar para ver reconhecido o valor que elas possuem, e acabar com a submisso do sexo feminino ao sexo masculino. O dilogo entre culturas, sem pretenso de estabelecer uma delas como certa, seria de utilidade mpar para o alcance desse fim, qual seja, libertar a mulher do jugo machista e patriarcal.

    O grande nmero de pases signatrios da CEDAW, embora muitos deles com reservas substanciais Conveno, revela, ao menos, uma esperana no sentido de se afirmar os direitos humanos das mulheres. O compromisso internacional de cumprir os dispositivos do tratado a luz de que a condio feminina precisa para continuar na luta pela efetivao de seus direitos.

    34 Como afirma MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Pblico,

    p. 788: No se pode negar o aspecto universal dos direitos humanos, mas eles tambm esto estreitamente vinculados s noes de nacionalidade e cidadania.

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    5 CONSIDERAES FINAIS

    O caminho para a conquista e efetivao dos direitos humanos ao redor do mundo longo, mas passos importantes nesse sentido j foram dados. A constatao, em 1979, de que condio feminina no bastavam os instrumentos gerais de proteo aos direitos humanos. A Conveno pela Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, nesse sentido, representa a consolidao de lutas dos movimentos feministas, na busca por maior dignidade e igualdade de condies e oportunidades s mulheres.

    A CEDAW assume crucial importncia como instrumento paradigma das reivindicaes pela defesa do gnero feminino. No apenas para os Estados-partes na Conveno, que se obrigaram a promover a igualdade entre os sexos em seus territrios. O fato de uma conveno como a CEDAW fazer parte da normativa internacional de direitos humanos significa a formao de uma conscincia internacional no sentido de preservar e assegurar o exerccio de direitos por parte das mulheres, o que representa efetivamente uma transformao de mentalidades, mormente se lembrarmos que durante grande parte da histria conhecida da humanidade o sexo feminino foi subjugado ao poderio masculino.

    Muita coisa mudou desde a adoo da Conveno. A China sediou o ltimo grande encontro de direitos humanos das mulheres, em 1995, cujo enfoque principal foram os direitos sexuais. As denncias internacionais contra os crimes de honra e as mutilaes genitais lentamente surgem efeito. Pases muulmanos mudam suas leis35. Esses indicativos de mudanas permitem que se tenha esperanas nos bons resultados de um dilogo que leve melhoria na vida de mulheres como Khady, Souad, Azar e daquelas cujas histrias vieram tona com Xinran.

    35 Como a promulgao do Novo Cdigo de Famlia no Marrocos, o qual, embora ainda no

    tenha conseguido equiparar os direitos de homens e mulheres no casamento e na famlia, resultando de um consenso entre o movimento feminista e os setores conservadores, traz avanos significativos, especialmente em se tratando de um Estado muulmano. Nesse sentido, ver GARRUDO, Alicia del Olmo. Democracia y derechos de las mujeres en Maruecos: el nuevo Cdigo de la Familia.

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    A ateno maior h que se voltar para o constante perigo da imposio de um modo de vida a outro, sob o argumento retrico da defesa dos direitos humanos36. No se olvide que a promoo da diversidade cultural tambm uma garantia de que essas mulheres, alm de verem afirmados seus direitos, podero ver respeitadas suas identidades culturais.

    36 Cf. HINKELAMMERT, Franz J. La inversin de los derechos humanos: el caso de John

    Locke, p. 80: Los derechos humanos de transformaron en una agressividad humanitaria: violar los derechos humanos de aquellos que los violan. (...) Esta es la inversin de los derechos humanos, en cuyo nombre se aniquila a los propios derechos humanos.

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