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Setembro 2009· N° 163· R$ 9,50 FAPESP AS BASES FíSICAS DA ESQUIZOFRENIA ENTREVISTA MARTíN-BARBERO UMA TEORIA DE COMUNICAÇÃO DA AMÉRICA LATINA A co•.•. ida pela segu~da geraçao do etaaol A BELA ÉPOCA DO CONSUMO PAULISTA . .1 1 I [

A corrida pela segunda geração do etanol

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Pesquisa FAPESP - Ed. 163

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Page 1: A corrida pela segunda geração do etanol

Setembro 2009· N° 163· R$ 9,50 FAPESP

AS BASES FíSICASDA ESQUIZOFRENIA

ENTREVISTAMARTíN-BARBEROUMA TEORIA DECOMUNICAÇÃODA AMÉRICA LATINA

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Page 2: A corrida pela segunda geração do etanol

AI DESCOBRIR QUE AS PAREDEMUSEUS PODEM TER TANTA HISTORIA QUA

AS OBRAS· PENDURADAS NELAS.

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*IMAGEM DO MÊS

o vírusvisívelCom 50 centímetros de diâmetro, uma versão gigante em resina plástica do vírusH1N1,causador da gripe A, tornou-se a grande atração da exposição Gripe, abertano dia 18 de agosto no saguão de entrada do Museu de Ciências e Tecnologiada Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em PortoAlegre. Seis painéis trazem explicações sobre formas de contágio, prevenção etratamento da doença. Os visitantes recebem folhetos com orientações de comose prevenir da nova gripe. "As pessoas também saem de lá sabendo a históriade evolução das gripes ao longo das décadas", explica Virgínia Minghelli Schmitt,professora da Faculdade de Farmácia da PUC e organizadora da exposição.A mostra sobre o Influenza H1N1termina no dia 17 de setembro.

PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 3

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163 SETEMBRO 2009

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> CAPA > ENTREVISTA > POLíTICA CIENTíFICA > CIÊNCIAE TECNOLÓGICA

16 Bagaço de cana dá 10 Jesús Martín-Barbero, PSIQUIATRIAvantagem competitiva um dos mais 32 PRODUÇÃO ACADÊMICA Proteínas aprofundamao Brasil na corrida respeitados teóricos Biblioteca eletrônica noção da esquizofreniapelo etanol da comunicação, SciELO chega à África como doença biológicade segunda geração analisa uma espécie do Sul e é elogiada

de entre-eras em que em editorial da revista BIOINFORMÁ TICA21 Especialista em vivemos, revolucionados Science Novo método para !

biocombustíveis, pela internet comparar genomaso norte-americano 34 RECURSOS HUMANOS pode ajudar a construirLee Lynd diz que o > HOMENAGEM Estudo mostra que a árvore da vidaetanol de celulose 8 Pioneiro da ciência alunos melhorarame o de cana da computação, habilidade em SAÚDEprometem ser mais Imre Simon, matemática ao Teste de sangue permitecomplementares morto aos 65 anos, participar de olimpíada identificar e tratardo que competidores formou uma geração de escolas públicas precocemente doença

de matemáticos genética que levaao retardo mental

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 26 ESTRATÉGIAS 36 LABORATÓRIO 64 SCIELO NOTíCIAS E

Page 5: A corrida pela segunda geração do etanol

> EDITORIAS > POLíTICA C&T > CIÊNCIA > TECNOLOGIA > HUMANIDADES

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WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR

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EPIDEMIOLOGIA ASTROFíSICA > TECNOLOGIA > HUMANIDADESQuase 60% dos Dezenas de estrelas deportadores uma formação em 70 TELECOMUNICAÇÕES 80 ECONOMIAassintomáticos do vírus órbita da Via Láctea Transrqissão Pesquisa revela ada Aids com resistência são feitas de diamante transcontinental de importância do consumoa drogas estão na filme em altíssima no desenvolvimentocidade de São Paulo MEMÓRIA definição inaugura linha do capitalismo nacional

Há 1QOanos, Carlos de fibra óptica deNEUROFISIOLOGIA Chagas descobria o ciclo 10 qiqabits para 86 HISTÓRIANeurotransmissor completo da doença que a internet acadêmica Naturalistas brasileirosassociado à leva seu nome criaram umarecompensa, dopamina 74 ENGENHARIA DE PESCA comunidade científicacontrola a consolidação Terapia de Tilápia resultante de nacional antesdas lembranças medicamentos já cruzamentos entre das universidades

te existentes pode ser mutante vermelho eEVOLUÇÃO a nova arma contra selvagem preto cresce 90 MíDIALinhagem de gaviões o Trypanosoma cruz i rapidamente em cativeiro Revistas femininassurgiu na América da década de 1920do Sul, colonizou 78 FARMACOLOGIA foram usadas na difusãoa América do Norte e Composto farmacêutico de um novo papel dase espalhou por promete elevar a maternidadequase todo o planeta eficiência do tratamento

da leishmaniose

................................66 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FiCÇÃO 98 CLASSIFICADOS CAPA MAYUMI OKUYAMAFOTO ALESSANDRA KIANKEK/FOLHA IMAGEM

Page 6: A corrida pela segunda geração do etanol

[email protected]

Revista

Admiro e visito regularmente o sitede Pesquisa FAPESP e como leitor emportuguês incentivo-vos a divulga-rem mais a revista. Estou a ver as di-ficuldades que em Angola e Moçam-bique, por exemplo, terão para leremem línguas estranhas porque não têmprodução nacional- até mesmo aquiem Portugal a informação de vocês éa melhor que se pode ler.Divulguemo vosso trabalho, convosco vai o co-nhecimento, a língua portuguesa eo desenvolvimento que tantos po-deriam ter. Agradeço-vos poder lergratuitamente tanta informação naminha língua.

ANT6NIO SANTOS CRISTOVÃO

Alcabideche, Portugal

SciELO

Meus parabéns à FAPESP pelo re-conhecimento ao trabalho relativoà base de dados SciELO,criada poresta Fundação, conforme mostradona reportagem "O impacto global doSciELO",veiculada na edição on-lineda revista Pesquisa FAPESP.

JOSÉ GIOVANNI ALVES ALBARELLI

Campinas, SP

Parabenizo a FAPESP pela visão einiciativa na criação da bibliotecaSciELO,cujo sucesso está sendo re-

6 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163

conhecido por toda a comunidadecientífica internacional. O recenteeditorial da revista Science é maisum exemplo desse reconhecimen-to. Como pesquisador da entidade,estou muito orgulhoso pelo papeldesempenhado pela FAPESP nessainiciativa.

GIORGIO DE TOMI

Escola Politécnica/USPSão Paulo, SP

Faço questão de parabenizar a equi-pe do professor Rogério Meneghini,coordenador científico da bibliote-ca eletrônica no Brasil (SciELO).Trabalho numa biblioteca escolarque atende alunos do 10 ao 50 anos,UME Prof. João Papa Sobrinho, daSecretaria de Educação de Santos(SP). Sempre utilizo as edições on-line, suas variadas temáticas, comofonte de pesquisa. Os alunos sãobastante incentivados para as áreasdo conhecimento, conforme seustalentos e potencialidades, e sem-pre cito a revista Pesquisa FAPESPon-line, caso queiram ler a íntegradas reportagens ou pesquisar outrosassuntos. Temos talentos em nossaescola, na área das ciências. Umabiblioteca on-line é de muita ajuda.Que essa iniciativa continue, pois éde extrema utilidade pública.

'LÊDA MARIA REIS ABREU

Santos,SP

Nota da redação: leia mais informaçõessobre o SciELO nesta edição na página 30.

Correções

O primeiro parágrafo da reportagem"Arquiteta da mudança", da edição162, foi divulgado com erros. Esta-mos publicando o texto correto a se-guir. Na mesma reportagem, o nomeda editora que era responsável peloslivros da área de arquitetura da CosacNaify é Cristina Fino, e não Filho."A italiana Lina Bo Bardi (1914-1992), nascida Achillina Bo, já faria

parte da história da arquitetura bra-sileira 'apenas' pelos cartões-postaisque criou e projetou, principalmen-te em duas importantes cidadesbrasileiras - São Paulo e Salvador.Quase duas décadas depois de suamorte, suas obras, uma notávelmistura de arquitetura modernae arte visual, ainda fascinam seuscolegas de profissão e a populaçãoque circula por entre os espaçosque criou. Na capital paulista, sãoseus os projetos do Museu de Ar-te de São Paulo (Masp) e do SescPompeia. Na Bahia, entre os anosde 1986 e 1990, a arquiteta fez umimportante plano de recuperaçãopara o centro histórico de Salvador,em que defendia a preservação da'alma popular' da cidade, mantera população residente: a recupe-ração da Ladeira da Misericórdia,com o bar Coati; o Belvedere daSé; o projeto Barroquinha; a Casado Benin; a Casa do Olodum e oTeatro Gregório de Mattos. Só paracitar alguns exemplos. No entan-to, quando perguntada qual o seumelhor projeto, declarava: 'Talveza mais importante seja a capelinhamiserável em Uberlândia, feita semdinheiro, com os padres francisca-nos e as prostitutas'. Lina, porém,além de ajudar a formar a históriaarquitetônica, mudava tudo à suavolta por diversos outros meios. Eraagitadora cultural e pensadora dedestaque, e procurava debater temasmais importantes da cultura urbanamoderna."

INST

As pesquisadoras Giniani CarlaDors, Renata Heidtmann Pinto eEliana Badia-Furlong são da Univer-sidade Federal do Rio Grande (Furg),e não da Universidade Federal doRio Grande do Sul (UFRGS), comofoi publicado na nota "Composiçãoquímica do arroz" (edição 160).

Cartas para esta revista devem ser enviadas para

o e-rnaü [email protected], pelo fax (11) 3838·4181

ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,

CEP 05468·901. As cartas poderão ser resumidas

por motivo de espaço e clareza.

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CELSO LiPRESIDE

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RICARDODIRETOR

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EDITORASDINORAH E

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PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 7

Entre urdiduras e tramas de celulose

O etanol vai se tornando mais e mais um tema caro a Pesquisa FAPESP, capaz de lhe render boas reportagens de capa. Desta

vez, o que o reconduz à posição mais nobre da revista é uma nova e bem fundamentada visão do quanto o bagaço da cana-de-açúcar, subproduto abundante da indústria canavieira no Brasil, pode garantir vantagem competitiva ao país na corrida internacional pelo etanol de segunda geração. Fabrício Marques, nosso editor de política científica e tecnológica, evi-dencia essa possibilidade numa bem construí-da reportagem (página 16) sobre a articulação inédita de diferentes grupos de pesquisa que, estimulados por consistentes políticas institu-cionais, voltam-se com arrojo para estudos que buscam novas vias e métodos de extração de álcool de celulose da planta. Fontes de celulose, o bagaço e a palha respondem por dois terços da energia da cana que não são convertidos em biocombustível. Ainda.

Enriquece muito a reportagem de capa a entrevista pingue-pongue com Lee Lynd (pá-gina 21), um pioneiro na pesquisa da utilização de biomassa para a produção de energia. Entre outros feitos, o grupo do pesquisador norte--americano desenvolveu a técnica do biopro-cessamento consolidado (CBP), pela qual se consegue reduzir a uma só fase as usuais quatro etapas de que se vale a maior parte das rotas biológicas para processar biomassa celulósica hoje em estudo. E isso sem dúvida representa um modo mais simples e potencialmente mais barato para a obtenção do etanol de segunda geração. Lynd, que neste começo de setembro participa de um workshop do Bioen na FAPEsP, acredita que o etanol de celulose e o de cana--de-açúcar serão, em futuro próximo, mais complementares que competidores.

Destaco também nesta edição o texto de abertura da seção de ciência (página 40), que em outras circunstâncias seria um quase im-batível candidato à capa. Elaborada pela edi-tora assistente Maria Guimarães, a reportagem mostra de forma detalhada como a identifica-ção de uma série de proteínas envolvidas nos mecanismos bioquímicos da esquizofrenia e uma melhor compreensão dos caminhos pe-los quais a doen ça se expressa terminam por

Mariluce Moura - Diretora de Redação

instituto vErificador dE circulação

Celso laferPrEsidEntE

josé arana varelavicE-PrEsidEntE

ConSElho SUPErIor

Celso lafer, eDuarDo moaCyr Krieger, HoráCio lafer Piva, Herman jaCobus Cornelis voorwalD, josé arana varela, josé De souza martins, josé taDeu jorge, luiz gonzaga belluzzo, seDi Hirano, suely vilela samPaio, vaHan agoPyan, yosHiaKi naKano

ConSElho TéCnICo-AdmInISTrATIvo

riCarDo renzo brentanidirEtor PrEsidEntE

Carlos HenriQue De brito CruzdirEtor ciEntífico

joaQuim j. De Camargo englerdirEtor administrativo

ConSElho EdITorIAlluiz HenriQue loPes Dos santos (coordenador científico), Carlos HenriQue De brito Cruz, franCisCo antonio bezerra CoutinHo, joaQuim j. De Camargo engler, mário josé abDalla saaD, Paula montero, riCarDo renzo brentani, wagner Do amaral, walter Colli

dIrETorA dE rEdAçãomariluCe moura

EdITor ChEFEnelDson marColin

EdITorES ExECUTIvoSCarlos Haag (humanidades), fabríCio marQues (PoLítica), marCos De oliveira (tecnoLogia), riCarDo zorzetto (ciência)

EdITorES ESPECIAISCarlos fioravanti, marCos Pivetta (ediçÃo on-Line) EdITorAS ASSISTEnTESDinoraH ereno, maria guimarães

rEvISãomárCio guimarães De araújo, margô negro

EdITorA dE ArTEmayumi oKuyama

ArTEmaria CeCilia felli júlia CHerem roDrigues

FoTógrAFoSeDuarDo Cesar, miguel boyayan

SECrETArIA dA rEdAçãoanDressa matias teL: (11) 3838-4201

ColAborAdorESana lima, anDré serraDas (Banco de dados), Daniel Das neves, Danielle maCiel, gonçalo junior, laurabeatriz, laura teixeira, leanDro negro, marCos garuti, simone CamPos e yuri vasConCelos

oS ArTIgoS ASSInAdoS não rEFlETEm nECESSArIAmEnTE A oPInIão dA FAPESP

é ProIbIdA A rEProdUção ToTAl oU PArCIAl dE TExToS E FoToS SEm PrévIA AUTorIzAção

Para anunciar(11) 3838-4008

Para [email protected](11) 3038-1434fax: (11) 3038-1418

GErência dE oPEraçÕEsPaula iliaDis tEl: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

GErência dE circulação rute rollo araujo tEl. (11) 3838-4304 e-mail: [email protected]

imPrEssãoPlural eDitora e gráfiCa

tiragem: 36.900 exemPlares

distribuiçãoDinaP

GEstão administrativainstituto uniEmP

faPEsPrua Pio xi, nº 1.500, cEP 05468-901alto da laPa – são Paulo – sP

sEcrEtaria do Ensino suPErior

GovErno do Estado dE são Paulo

issn 1519-8774

fundação dE amParo à PEsquisa do Estado dE são Paulo

dar sustentação sólida à ideia de que alguns de seus sintomas podem vir da degeneração do sistema nervoso. Uma degeneração talvez acentuada pela presença excessiva do cálcio em neurônios de determinadas regiões do cé-rebro. Ou seja, é a base eminentemente física da doença que assim se reforça.

Em relação aos demais destaques da edi-ção, vou ser muito breve dada a necessidade de conciliar pequeno espaço com informações variadas. Assim, começo pela reportagem de abertura da seção de tecnologia (página 70): o editor Marcos de Oliveira explica com grande clareza e precisão o que é e para que serve a linha de fibra óptica com capacidade de transmissão pela internet de 10 gigabits por segundo, agora à disposição da comunidade acadêmica de são Paulo. Ela foi inaugurada em 31 de julho com a transmissão para Estados Unidos e Japão do primeiro longa-metragem produzido no Brasil em altíssima definição. Prossigo com o primei-ro texto da seção de humanidades, no qual o editor Carlos Haag, partindo de um estudo do consumo em são Paulo entre os anos de 1890 e 1915, mostra que novas relações historiado-res vêm estabelecendo entre comportamentos sociais de compra e as feições particulares do capitalismo brasileiro.

Volto às primeiras páginas para destacar a entrevista pingue-pongue de um dos mais res-peitados teóricos contemporâneos da comuni-cação, Jesús Martín-Barbero. Com novas e pro-vocadoras visões sobre comunicação e cultura, alertando para uma espécie de entre-eras em que hoje vivemos, revolucionados pela internet e sem saber que mundo novo estamos gestando, o pensador de quase 72 anos deixou siderada uma plateia de mais de 800 pessoas, com pre-dominância absoluta de jovens estudantes, no Memorial da América Latina, na tarde de 17 de agosto. E vou ao final da seção de ciência, na página 56, para recomendar o texto memoria-lístico do editor-chefe, Neldson Marcolin, sobre Carlos Chagas, o genial médico brasileiro que há 100 anos descobriu o ciclo completo do mal de Chagas, combinado com um segundo texto que explica por que um coquetel de medicamentos já existente pode ser a nova arma contra o cau-sador da doença, o Trypanosoma cruzi.

carta da editora

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o homem que calculavaImre Simon foi um dos pioneiros da ciência da computação e formou uma geração de matemáticos | Marcos Pivetta

Teórico de sólida formação, mas dotado igualmente de um senso prático como poucos em sua área, Imre Simon morreu em casa na madrugada de 13 de agosto, um dia antes de completar 66 anos. Um câncer de pulmão diagnosticado no segundo semestre do ano passado abreviou a brilhante trajetória

do professor titular aposentado do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). Querido e respeitado por colegas, alunos e ex-pupilos da academia, admirado nos círculos da internet nacional por sua defesa dos softwares de uso livre e do acesso aberto à educação e ao conhecimento científico na grande rede de computadores, Simon figurava entre os pioneiros da ciência da computação no Brasil. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, era membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e foi um dos idealizadores do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) da FAPESP.

Simon viveu na Hungria, sua terra natal, até os 13 anos, quando a grave situação política no país levou sua família a emigrar para o Brasil. “Mas ele fazia questão de se apresentar como brasileiro”, diz Nataniel Simon, um dos três filhos do professor. E era visto como tal pela comunidade científica internacional, que denominou de geometria tropical o intrincado campo da matemática do qual o pesquisador da USP foi um dos precursores.

A carreira acadêmica de Simon começou em 1962, quando entrou no curso de engenharia eletrônica na Escola Politécnica da USP. Ali começou uma longa relação com a matemática e os computadores. “Naquela época, ele trabalhou com o primeiro computador da USP”, relembra Tomasz Kowaltowski, professor aposentado do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC-Unicamp), amigo de Simon desde os tempos de Poli. O brasileiro fez mestrado e doutorado em ciência da computação na Universidade de Waterloo, no Canadá, no início dos anos 1970. Seu pós-doutorado foi concluído na Universidade Paris Diderot – Paris VII em 1980. w

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8 n Setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

homenagem

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simon: atuação consolidou linhas de pesquisa e cursos de computação no país

da computação no país. Sempre colaborou intensamente com a FAPESP e suas ideias moldaram programas da Fundação”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. “Sentiremos sua falta.”

Em cinco décadas, Simon teve uma atuação destacada em várias frentes. Ao lado de Kowaltowski e Claudio Lucchesi, do então Centro de Computação da USP, ajudou a implementar o primeiro exame vestibular computadorizado do país, em 1965. Dois anos mais tarde, foi convidado por Delfim Netto, então ministro da Fazenda, para escrever um programa de computador que calculasse os índices de inflação, então na casa dos três dígitos. “Aquilo foi uma grande conquista, considerando que a memória dos computadores tinha apenas 20 mil dígitos

decimais”, escrevem Christian Choffrut, da Universidade Paris Diderot – Paris VII, e Yoshiko Wakabayashi, do IME-USP, no prefácio de uma edição especial da revista Rairo – Theoretical Informatics and Applications, publicada em homenagem a Simon em 2005. “Ele era uma fonte de inspiração”, diz Yoshiko, que foi aluna de mestrado de Simon em 1977 e depois colega no Departamento de Ciência da Computação da USP por décadas.

Num outro capítulo da publicação, o canadense Denis Thérien, da Universidade McGill, comenta a tese de doutorado defendida pelo brasileiro na Universidade de Waterloo em 1972, com o título Hierarchies of events with dot-depth one. “Seu trabalho teve um impacto enorme na teoria dos autômatos e agora, 30 anos depois, estamos em uma boa posição

para apreciar a sua sensibilidade em selecionar bons problemas e seu brilhantismo para resolvê-los”, afirmou Thérien. Para ele, a tese de Simon é uma “obra-prima”.

Os elogios que sempre recebeu nunca o fizeram mudar o jeito simples e acessível. “Era uma pessoa totalmente sem vaidade e pose”, testemunha Arnaldo Mandel, também professor do IME-USP e um dos primeiros alunos de mestrado que Simon orientou. “Tratava a todos de forma igual e sabia ouvir mesmo os que tinham ideias opostas às dele.”

Em texto publicado no site de Pesquisa FAPESP, Rogerio Meneghini, coordenador científico do programa SciELO Brasil, faz uma homenagem ao pioneiro da ciência da computação no Brasil. “Como leigo nessa área, posso apenas valer-me de minha autoconfiança adquirida de intuir características da individualidade daqueles com quem eu tive o privilégio de interagir”, escreve Meneghini. “Imre exalava inteligência, disposição para ensinar mesmo que numa conversa a dois, e uma paixão por compartilhar seus insights sobre este assombroso novo mundo da computação e da internet. Fazia isso dentro e fora da sala de aula, e isso marcou todos que o cercavam.”

Era um grande especialista em investigações algébricas combinatórias de autômatos finitos, mas tinha interesses amplos na ciência da computação. Do ponto de vista aplicado, a teoria dos autômatos é uma ferramenta para produzir algoritmos que podem ser usados em diversos tipos de software.

Para a pesquisadora Claudia Bauzer Medeiros, professora do IC-Unicamp, a atuação de Simon “consolidou linhas de pesquisa, cursos e departamentos” de ciências da computação no Brasil e no estado de São Paulo, em especial na USP e na Unicamp. “Ele perseguia as ideias em que acreditava e era muito respeitado até por quem discordava dele”, diz Claudia. “O professor Imre Simon deu insubstituível contribuição para o desenvolvimento científico do Brasil. Sua participação foi fundamental no estabelecimento da ciência

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PESQUISA FAPESP 163 n Setembro De 2009 n 9

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10 ■ SETEMBRO DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 163

ENTREVISTA

Jesús Martín-Barbero

As formas mestiças da mídiaPesquisador fez da América Latina laboratório de uma original teoria da comunicação num mundo globalizado

O vasto auditório do Memorial da América Latina, com 870 lugares, estava lotado na tarde da segunda-feira, 17 de agos-to. Viam-se sobretudo rostos jovens emergindo na quase pe-numbra da plateia, e era isso o

surpreendente: difícil entender de pri-meira por que tantos deles tinham livre-mente decidido participar da instalação do Fórum Permanente dos Programas de Pós-Graduação de Comunicação do Estado de São Paulo, programação no mínimo um tanto aborrecida para fases e tempos inquietos da vida. Registre-se, a propósito, que em São Paulo estão hoje 14 dos 34 programas de pós em comuni-cação existentes no país. Sem sinais explí-citos de impaciência, enquanto se suce-diam as falas dos integrantes da mesa, a verdadeira expectativa que dominava o auditório, entretanto, era a aula magna do professor Jesús Martín-Barbero que abordaria a comunicação no presente.

Barbero começou a falar e logo lan-çou a pergunta de caráter epistemológico sobre “como pesquisar a comunicação hoje”. Entrou pelo conceito moderno de incerteza e suas raízes fi ncadas na lógica difusa (ou lógica fuzzy), passou por Merleau-Ponty e sua descrença nas leis da história, declarada em 1956, junto com a afi rmação de que a história só é pensável em termos de ambiguidade, e deteve-se no medo que hoje nos provoca um conceito novíssimo de informação, o da informação genética.

O professor passeou o olhar pelas metodologias de pesquisa em comuni-cação fundadas no estruturalismo, no

Mariluce Moura

marxismo e no funcionalismo e aportou no ecossistema especial em que os ho-mens contemporâneos veem e são vistos (algo como o “terceiro entorno” de Javier Echeverría ou o “bios midiático” de Mu-niz Sodré). Estava na seara da imagem sob todas as formas, no campo especial da comunicação já nem tanto concebi-do a partir de um conjunto de meios e aparelhos que se transformam, se desfa-zem e refazem “ante nossos olhos”, mas tateado com uma atenção especial para a internet e o computador, que trazem “algo de radicalmente novo” à história dos homens. Um “algo”, para Barbero, ja-mais comparável à imprensa, ao avião ou a qualquer das máquinas fundamentais das mais conhecidas revoluções tecno-lógicas, e comparável, como quer Roger Chartier, à invenção do alfabeto. Algo radical a ponto de assinalar uma divisão entre épocas – ou eras. “Estamos na cri-se. O velho já morreu e não conhecemos ainda o que está por vir”, Barbero disse, trazendo Gramsci para a plateia.

Na véspera ele já dissera à Pesquisa FA-PESP que os meios e os gêneros que os meios produzem estão sendo reinventados à luz da interface da televisão com a inter-net, numa interação e contaminação que desestabilizam os discursos próprios de cada meio e criam o que ele tem nomea do de “as formas mestiças da comunicação”. Formas um tanto incoerentes que atuam transversalmente em todos os meios.

Esse homem de quase 72 anos é, co-mo apresentou Maria Immacolata Vas-salo Lopes, coordenadora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade de São Paulo (USP), um

“cidadão latino-americano nascido na Espanha”, em Ávila. Barbero escolheu a América Latina como lugar para viver e sobre o qual pensar muito cedo, quando a Espanha, sob a ditadura de Francisco Franco, “era um lugar muito triste”.

Autor, entre outras obras, do já clás-sico Dos meios às mediações: comunica-ção, cultura e hegemonia (Editora UFRJ, 5ª edição, tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides), Ofício de cartógrafo: tra-vessias latino-americanas de comunicação na cultura (Edições Loyola, 2004, tradu-ção de Fidelina González) e Os exercícios do Ver: hegemonia audiovisual e fi cção te-levisiva, este em coautoria com Germán Rey (Editora Senac, 2004, tradução de Jacob Gorender), Jesús Martín-Barbero é doutor em fi losofi a pela Universidade de Louvain e pós-doutor em antropo-logia e semiologia na Escola de Altos Estudos em Paris. Em seu currículo, há que se destacar a criação do Departa-mento de Ciências da Comunicação da Universidad del Valle, Colômbia, que se transformou em Escola de Comuni-cação Social, e suas atividades de pro-fessor e pesquisador nas universidades Complutense de Madri, Autônoma de Barcelona, de Guadalajara e na Escola Nacional de Antropologia e História do México. No segundo semestre de 2008 foi professor visitante na Escola de Co-municações e Artes (ECA) da USP. Hoje é professor e coordenador de pesquisa da Faculdade de Comunicação e Lin-guagem da Universidade Javeriana de Bogotá. A seguir, os principais trechos da entrevista (ver a versão mais completa no site www.revista.fapesp.br).

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PESQUISA FAPESP 163 ■ SETEMBRO DE 2009 ■ 11

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■ Eu gostaria de começar esta entrevista lhe perguntando como falar de comunicação hoje. O que é, em seu olhar, a comunicação? — Há basicamente três maneiras de enfocar a comunicação em nosso mundo latino-ameri-cano: as duas primeiras estiveram em contra-posição. Partimos da visão hegemônica que dois pesquisadores norte-americanos cons-truíram no fi m da Segunda Guerra Mundial, com base em um profundo mal-entendido: um engenheiro de telefonia chamado [Clau-de] Shannon teve a ousadia de chamar teoria geral da comunicação a um livro que fala de economia da transmissão de informação, ou seja, como fazer para que a transmissão de in-formação tivesse o menor ruído possível e du-rasse o menor tempo possível, portanto, com a menor redundância possível. Essa proposta de um engenheiro de telefones, manipulada por [Harold] Lasswell e [Paul] Lazarsfeld, se converteu na grande teoria da comunicação. Quando voltei à Colômbia em 1973, depois de meu doutorado, entrei no campo de co-municação e o encontrei identifi cado com essa concepção de transmissão de informação – ora, à luz do que vejo, a comunicação está nos modos de se comunicar das pessoas nas ruas, na casa, na igreja, na praça – nada tinha a ver com a ideia de transmissão da informa-ção como estava proposta. De maneira que entro nesse campo – em castelhano se diria – “como um burro na cacharrería”.

■ Mas quando Lasswell e outros fi zeram essa proposta, eles não tinham uma clareza de que havia uma distância enorme entre uma teoria proposta para a engenharia e aquilo que se da-va no campo humano das comunicações?— Shannon pensou seu objeto. Os que nos armaram uma armadilha foram Lasswell e Lazarsfeld, que passaram a estudar com base nessa teoria os grandes fenômenos de opinião pública, por exemplo, a grande propaganda para convencer as mães norte-americanas a aceitarem que seus fi lhos fossem lutar a guerra contra Hitler na Europa. O primeiro estudo foi esse e depois vieram vários ou-tros baseados nessa concepção de destinador/destinatário, fonte, canal etc. Era o que cabia no esquema. Para mim, o mais terrível foi se identifi car comunicação com transmissão, um conceito muito mecânico. Portanto, os dois propuseram uma concepção que depois chamamos de instrumental, o meio era um instrumento. E a elaboração dos marxistas, mais adiante, caiu na mesma armadilha, com a noção reduzida dos meios para manipular a consciência.

■ Como, ao voltar de seu doutorado em fi losofi a na França, em 1973, acontece seu interesse pela comunicação?

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americana, e havia aquele discurso do império cultural etc. etc. Em suma, tí-nhamos que tratar de meios modernos, contemporâneos, e estudar meios tinha então basicamente duas formas: econo-mia política dos meios e leitura ideoló-gica das mensagens.

■ Eram as vias propostas pelo marxismo, pelo estruturalismo... — Sim, eram os métodos que propu-nham para ler como a ideologia domi-nante domina. A mim isso sempre pa-receu muito estreito, porque já sabemos que a ideologia dominante é a da classe dominante, e o que a classe dominan-te faz é dominar do jeito que puder. Reprimindo, às vezes, como fez, por exemplo, na América andina em 1977, em episódios que contribuíram bastan-te para a criação da Associação Latino--americana de Pesquisadores de Comu-nicação (Alaic). Aliás, quando [Héctor] Schmucler fez na Universidade Autônoma Metropolitana (UAM-Xochimilco), no México, o I Encontro Latino-americano de Escolas de Comunicação, fi z ali uma conferência que marcou toda a minha vida. Porque eu disse coisas que acredi-tava elementares, mas eram grandes blas-fêmias, tanto para nossos funcionalistas quanto para os marxistas estruturais.

■ Por exemplo...— Esta frase: e se, em lugar de pensar a comunicação como dominação, pensás-semos a dominação como processo de co-municação? Porque Gramsci me ensinou que a dominação é de dois tipos. Primei-ro, há a repressão bruta, os tanques e tal. E

dei um exemplo que guardei para sempre: essa dominação é como a relação entre a bota do militar e a barata, entre uma e outra não pode haver uma relação senão de esmagamento, e a barata tem que cor-rer. Mas Gramsci nos ensinou também a noção de dominação como hegemonia, e a hegemonia é feita de cumplicidade, de sedução, de fascinação. E há que se pensar sobre “o que, nos dominados, trabalha a favor do dominador”.

■ Foi um escândalo!— Sim, começaram a dizer que, não bas-tasse a exploração, eu ainda queria tornar os pobres culpados da dominação. E então lhes disse que o problema na comunicação era justamente os meios terem sido esma-gados na queda produzida para explicar economicamente o seu funcionamento. E ainda se ter inferido dessa explicação econômica as análises das mensagens, as análises dos discursos. Mas quero ser justo: isso teve muito a ver com o percurso da teoria da dependência no desenvolvimento do pensamento social latino-americano. Para mim, a teoria da dependência é um pensamento bastante complexo, mas à comunicação se aplicou um pensamento muito menos complexo.

■ Ou seja, ao se usar a teoria da dependên-cia também para entender a comunicação e o funcionamento dos meios, terminou por se empobrecer nesse âmbito a própria teoria.— Sim. Veja, eu sempre tomei Paulo Freire como um autor-chave da teoria da dependência. Há um livrinho não traduzido para o português que fi z para uma coleção latino-americana chamada La Educación desde la Comunicación. E há nele um capítulo de minha tese sobre a concepção de comunicação que havia em Paulo Freire. Penso que Freire tem que ser incluído na história dos meios culturais, os estudos latino-americanos não podem alijá-lo, porque se há quem agregue a no-ção de cumplicidade do oprimido, se há quem a percebeu fenomenologicamente na vida cotidiana, é Freire. Tive a sorte de conhecer muitos que fi zeram a teoria da dependência, Teothônio dos Santos, por exemplo, e eles tinham uma concepção de economia muito menos economicista, muito menos de fundo positivista, do que os leitores dela no campo da comunica-ção. Mas resumindo: primeira concep-ção, comunicação como transmissão, e segunda concepção, os meios tomados de forma muito empobrecida, porque se tratava de economia política e análise de

— Foi uma mescla de conjuntura e cir-cunstâncias. Primeiro, a conjuntura: vol-tei à Colômbia apaixonado pela fi losofi a contemporânea. Fui aluno de Paul Ri-coeur e de Maurice Merleau-Ponty que, para mim, foi o grande fi lósofo ocidental do século XX – não foi [Martin] Heideg-ger ou [Richard] Rorty. Ele inverte o olhar ocidental porque inclui o corpo como o grande tema da fi losofi a. Mas não havia nenhuma universidade em Bogotá que me permitisse continuar nesse percurso, eu teria que seguir falando de Aristóte-les, de ética etc. Quanto à circunstância, aquela que é minha esposa hoje estava estudando comunicação em uma facul-dade que começara havia pouco. Era uma pequena universidade privada, mas reu-nira um grupo de loucos que tinham lido algo de Roland Barthes, de Lévi-Strauss e queriam fazer alguma coisa, ainda que não soubessem muito bem o quê. Con-versei com eles, lhes levei todos esses li-vros que queriam e outros que enchiam duas caixas que tinham chegado de bar-co da Europa. Eles me propuseram abrir uma área nova de pesquisa na faculdade. Aceitei e a organizei com dois semestres de linguística, dois de semiótica e dois de estética. Aí vem a segunda circunstância: podia-se aplicar de diferentes maneiras aquilo de que obtínhamos informação, mas aprendi ali que estudar comunicação era estudar meios: imprensa, rádio – pou-quíssimo –, cinema, visto como forma de arte, e a televisão, que era, digamos, “a prostituta da calçada”. Naquele momen-to as grandes emissoras de televisão na América Latina, nos melhores horários, tinham uma programação toda norte-

Um mapa para investigar as mutações culturais

TEMPOS

ESPAÇOS

cognitividade

identidade

ritualidade

tecnicidade

MIGRAÇÕES FLUXOS

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mensagem. Evidentemente, era o que se podia fazer naquele tempo.

■ E a terceira concepção de comunicação, em que não entramos até aqui?— Deixo de lado as brigas em que entrei para introduzir a ideia de que a comu-nicação de massa era mais ampla que os meios, e que os meios não podiam ser pensados só em sua economia e ideolo-gia, tinham que ser relacionados com a cultura cotidiana da maioria – portanto, havia grandes mediações que vinham de formatos históricos, de matrizes cultu-rais. Assim saltamos ao contemporâneo. Em resumo, travou-se uma luta entre uma concepção positivista e uma outra concepção muito mais fenomenológico--antropológica, que envolve Nestor Can-clini e todo o pessoal que foi forçando a entrada dessa nova visão a partir de outubro de 1983 – uma data-chave. O que aconteceu foi um encontro entre estudiosos de comunicação e de ciência política, crítica literária e arte, propicia-do pelo Conselho Latino-americano de Ciên cias Sociais (Clacso), em Buenos Ai-res, num momento muito rico de retorno da Argentina à democracia.

■ E então começam a se desenvolver as ideias que vão aparecer em seu livro de 1987, Dos meios às mediações. — Essas ideias começaram sete anos an-tes. Eu tinha fi cado por um ano e meio naquela pequena universidade para onde fora em 1973. Então a Universidad del Valle, a mais avançada da Colômbia, em Cali, me convidou para que eu fundasse um departamento de ciências da comu-nicação. Criei um departamento no qual estavam as ciências sociais, a economia, a sociologia, a ciência política e reuni alguns dos melhores sociólogos, politó-logos, historiadores que havia no país.

Armamos um plano de estudos no qual as ciências sociais iriam pensar, pesquisar os meios, os processos e as práticas de comunicação. Fiz isso por cima de todas as escolas de comunicação, que eram as de jornalismo, publicidade e relações públicas, o que as colocou em rota de colisão comigo e pôs em crise o Ministé-rio da Educação. Isso porque o diretor da instituição, que dentro do ministério era responsável pela aprovação dos planos de estudos, se encantou com o projeto e decidiu defendê-lo. E aprovaram o plano de estudos! Quero dizer que a segunda “cara” desse departamento foi muito im-portante, porque a imprensa em Cali era muito ruim, e então atendi os alunos, que me pediram cursos de música e ci-nema. Cali era a cidade da salsa, e fazia e segue fazendo fi lmes! Quase metade dos alunos estudava no conservatório de música e o que interessava às pes soas era rádio, que tem a ver com música e com realidades populares, e cinema. Fiz, as-sim, uma composição tão explosiva que na primeira reunião, em Lima, para a criação da Alaic, em que eu era um dos três conferencistas convidados, junto com um chileno e um peruano, quase me lincham. Na verdade, eu passei 10 anos na Colômbia muito ilhado. Eu vi-nha ao Brasil, ia à Argentina, ao México, aos Estados Unidos, a Barcelona, mas na Colômbia ninguém queria saber nada de mim. Fizeram-me uma guerra.

■ Quando foi seu primeiro contato com a América Latina? — Em 1963, quando eu era professor de fi losofi a na Espanha, fui à Colômbia num programa de intercâmbio de professo-res, e lá entrei em contato com aqueles anos loucos, divinos, tempo da teologia da libertação etc. Era muito forte o de-bate cristão-marxista na Colômbia, aliás tendência da igreja em toda a América Latina, e me encarregam de uma fun-dação cristã, mas para criar uma revista de debates. Então eu vivi o processo de Camilo Torres, a discussão da guerrilha, o debate na universidade nacional, traduzi-mos textos de [Louis] Althusser etc.

■ Mas por que um espanhol formado em fi losofi a se deixou seduzir pela Colômbia e pela América Latina? — Primeiro, o franquismo era horrível, muito triste, excessivamente estreito. Eu nasci e vivi em Ávila, um povoado pe-queno junto a Madri, e tive a sorte de ter meus amigos desde a infância por lá. E esse meu grupo importava discos da

América Latina, era ligado nessa música muito parecida à andaluza, e que era afi -nal a nossa música, porque o franquismo utilizou o folclore andaluz para convertê--lo na música da Espanha. No começo dos anos 1960, eu estava esperando uma bolsa para doutorado em Paris, quando soube que estavam pedindo professores de fi losofi a na Colômbia. Fui. Fiquei por cinco anos, vivi a aventura apaixonante de criar um espaço de debate cristão--marxista na universidade.

■ Mas voltando à teoria... — Só para lembrar, a segunda aborda-gem da comunicação entre nós é a versão latino-americana do que nos vinha dos Estados Unidos e da Europa ou o funcio-nalismo dos Estados Unidos traduzido em funcionalismo marxista. Há um texto famoso de Eliseo Verón que se chama O funcionalismo marxista. Mas podemos voltar a Dos meios às mediações.

■ No livro há um esforço para ir buscar lá no começo do século XX os fundamentos da radionovela, do cinema latino-ameri-cano. Como se processa esse diálogo entre teoria e história da comunicação?— Foi ao escrever a introdução para a quinta edição que percebi que fi z esse livro para as ciências sociais. Ou seja, a comunicação estava tomando uma tal envergadura que ia se tornar algo central no mundo e eu queria transformar os estudos de comunicação. Na América La-tina tinha sido passada uma ideia dema-siado técnica do que é comunicação. No livro situo o grande debate sobre a cultura popular, depois mostro como se estudou isso e, na terceira parte, falo da América Latina na história política da comunica-ção “popular”. Ou seja, como reagiram os populismos históricos, sob Getúlio Vargas, Perón, Cárdenas etc. Estes, sim, foram capazes de perceber o potencial de criação, à sua maneira, de cidadania com as massas urbanas.

■ Como sua teoria avança para dar conta do conceito de comunicação depois dos anos 1990?— As ideias do livro começam a funcio-nar entre os alunos com uma pesquisa que eu coordeno no fi nal dos anos 1980 sobre a telenovela em toda a América Latina. Fui ao México, Peru, Chile, Ar-gentina e Brasil. Li um montão de livros do Brasil. Aliás, pediram-me e fi z um ba-lanço trabalhoso que apresentei no IV Intercom com o título “O que os estu-dos de comunicação na América Latina

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devem às ciências sociais brasileiras”. E é muito o que devem a Octavio Ianni, a Milton Santos, a Renato Ortiz, a Rober-to da Matta, à coleção O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira, de vários autores... Mas essa pesquisa a que me refi ro é a que torna explícita a manei-ra como os estudiosos de comunicação latino-americanos leram meu livro. Ou seja, leram desde o descobrimento do sujeito, do ator do processo, que é o re-ceptor. Ou seja, contra a visão positivista, a descoberta era que o receptor reagia!

■ E aí, quando Immacolata vai para a casa do receptor de novela, ela leva seu trabalho por essa mesma via no Brasil.— Immacolata foi a pessoa que instau-rou no Brasil a perspectiva do estudo das mediações para poder entender o proces-so inteiro. Já não se tratava do “por um lado, a política...”, “por outro lado, a audi-ência”, não, podíamos pensar tudo junto. Esse aporte é um feito: a investigação da telenovela aproveita meu aporte come-çando a atribuir valor à fi gura do sujeito. O sujeito da comunicação não é o meio, mas a relação. Importante não é o que diz o meio, mas o que fazem as pessoas com o que diz o meio, com o que elas veem, ouvem, leem... Esta é a mudança. E isso foi o que realmente produzi, o que propus. A telenovela vai ser ao mesmo tempo como que a demonstração da minha teoria – está lá a importância da cultura popular, dos formatos populares, dos gêneros populares para entender os meios, entender a comunicação – e a via para que se comece a estudar o contex-to local, quando para aquele marxismo catequético a ideologia era a mesma na Europa, nos Estados Unidos ou na Amé-rica Latina.

■ No trânsito dos anos 1990 ao presente, queria saber da crítica de seus amigos no sentido de que talvez já fosse hora de re-tornar “das mediações aos meios”.— Essa crítica de dois amigos eu respon-di no prefácio à quinta edição.

■ Gosto particularmente neste prefácio de seu mapa das mediações e deste trecho [respectivamente páginas 16 e 14]: “Mais do que substituí-la [a política], a mediação televisiva ou radiofônica passou a consti-tuir, a fazer parte da trama dos discursos e da própria ação política”. — Que proponho com o mapa? Eu sei que os meios estão tendo um protago-nismo cada vez maior. A televisão já não é simplesmente uma ajuda à política, é

a própria política, a política se faz na te-levisão, há muito menos rua para a po-lítica. O prefácio saiu originalmente em 1998. Aqui aceito a proposição de meus amigos, dizendo: “a investigação agora já não será sobre as matrizes culturais da comunicação, mas sobre as matrizes comunicativas da cultura [...]”. Natural-mente o computador pessoal levava a es-sa mudança, mas aqui há uma pergunta, um esboço para entender o que eu estava propondo. Digo: “Como assumir então a complexidade social e perceptiva que hoje reveste as tecnologias comunicacio-nais, seus modos transversais de presença na cotidianidade, desde o trabalho até o jogo, suas intrincadas formas de media-ção tanto do conhecimento como da po-lítica, sem ceder ao realismo do inevitável produzido pela fascinação tecnológica, e sem deixar-se apanhar na cumplicidade discursiva da modernização neoliberal – racionalizadora do mercado como único princípio organizador da sociedade em seu conjunto – com o saber tecnológico, segundo o qual, esgotado o motor da luta de classes, a história teria encontrado seu substituto nos avatares da informação e comunicação?” Esta é a mudança, pa-ra mim. E isto é o que nos situaria no presente.

■ Graças à tevê a cabo, programas de vá-rios países, sobretudo dos Estados Unidos, são cada vez mais vistos pela classe média brasileira e, imagino, de outros países da América Latina. Em paralelo, há o fenô-meno da expansão do acesso à internet. O Brasil tem hoje 65 milhões de pessoas acessando a internet— Quase 35% da população.

■ O que isso muda na confi guração das matrizes comunicativas da cultura? — No meu novo mapa [ver página 12]temos: tempo, espaço, migrações, fl uxos. Então as mediações passam a ser trans-formação do tempo e transformação do espaço a partir de dois grandes eixos, ou seja, migrações e fl uxos de imagens. De um lado, grandes migrações de população, como jamais visto. De outro, os fl uxos vir-tuais. Temos que pensá-los conjuntamen-te. Os fl uxos de imagens, a informação, vão do norte ao sul, as migrações vão do sul ao norte. E há a compressão do tempo, a compressão do espaço e é aí que eu re-componho as duas mediações fundamen-tais hoje: a identidade e a tecnicidade – eu adoto essa palavra não por esnobismo, mas sim porque um antropólogo francês, André Leroi-Gourhan, contemporâneo

de Marcel Mauss, forja a ideia de que a técnica entre os “povos primitivos” tam-bém é sistema, não apenas um conjunto de ferramentas. Eu ligo tecnicidade ao que está se movendo na direção da identidade. Por exemplo, a quantidade de adolescen-tes que inventam uma personagem para si mesmos é impressionante. Fiz uma pesquisa em Guadalajara sobre o acesso dos adolescentes à internet e constatei que era enorme a quantidade de meninas de 15 e 16 anos que fabricavam para si uma identidade de homem para escreverem a mulheres da Suécia. As mães quando descobriam diziam “não é minha fi lha”, não conseguiam acreditar.

■ É um campo livre de experimentação e invenção.— Sim, o próprio “eu” é o campo de experimentação. Portanto, a questão da identidade cultural hoje está sofrendo, na base da identidade subjetiva, uma trans-formação gigantesca. Porque os modelos de conduta, os padrões de conduta de que falavam Parson e Piaget não funcionam. Nós, os pais, não somos mais os modelos de nossos fi lhos, a televisão acabou com isso. Os modelos são os seus contemporâ-neos: ginastas, cantores, atrizes, jogadores de futebol, esses são os padrões de condu-ta, são seus pares. Então eu junto em meu mapa tecnicidade e identidade, ponho ri-tualidade ao lado de cognitividade. Retiro dele as duas mediações que eram mais sociais, institucionalidade e socialidade, para colocar a transformação.

■ Então, se colocamos seu mapa anterior junto com o novo temos qual foi o trânsito para a transformação ocorrida.

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— Temos quais são as chaves da mudan-ça. Ela é muito maior do que estamos pensando na comunicação. O fi lósofo basco Javier Echeverría, em El tercer en-torno, um de seus livros mais importan-tes, afi rma que o ser humano habitou durante milhares de séculos um entorno natural. A partir dele conseguiu sobre-viver e passar de nômade a sedentário. Depois de centenas ou milhares de sé-culos, criou a cidade. E a cidade, desde suas formas mais primitivas, é o lugar das instituições políticas e culturais. Esse é o segundo entorno, urbano, ligado às instituições da família, do trabalho, da religião, da política. Hoje estamos assis-tindo à emergência de um novo entorno que se chama tecnocomunicativo.

■ Não lhe parece que esse conceito tem parentesco com a noção de bios midiático de Muniz Sodré?— Sim, é isso, a imersão não é pontual, na base do eu ligo, desligo. Assim como es-tou imerso na natureza e nas instituições, agora estou imerso nesse terceiro entor-no. Eu não posso ligar o computador sem saber que sou visto. Vejo, mas sou visto, não há forma de impedir isso.

■ É um mundo de total visibilidade.— É um mundo onde somos vistos e ve-mos. E vemos ativamente. Produzimos vi-sibilidade. Construímos visibilidade para nós e outros. A ideia importante então é o “entorno”, o novo ecossistema. Não pode-mos mais falar de comunicação como um conjunto de meios, e tal como são eles não duram mais 10 anos. É uma mudança de tempo, lembre-se. Passamos do sino do convento que na Idade Média dizia aos camponeses quando deviam levantar, rezar, comer, dormir, ao rádio, tempo da notícia, da radionovela, da música, das dedicatórias aos noivos... E a televisão potencializou mais essa marcação.

■ E o que é hoje o nosso “sino da igreja”?— Não existe mais. Há uma liberação do tempo e, simultaneamente, uma mobili-dade que comprime o tempo – cada vez temos menos tempo. De fato, se o capi-talismo não tivesse enlouquecido quan-do o Muro de Berlim caiu, se tivesse tido um pouco de visão histórica, em vez de produzir a crise em que estamos mergu-lhados, teria criado um modelo no qual a humanidade trabalharia quatro horas, e não oito. Mas se pôs a produzir dinheiro com dinheiro, sem produzir nada. Então, há uma transformação radical do tempo e do tempo de trabalho.

ditava, aquilo que eu cria que sabia. Creio que a minha incerteza é não otimista, mas esperançosa. Sabe como tinha esperança um judeu ateu chamado Walter Benjamin? Sem esperança os judeus não existiriam. Veja o que disse Benjamin: “Não podemos viver sem esperança, mas a esperança só nos é dada pelos desesperados”. Eu vejo cada vez mais desesperados no mundo e daí a minha esperança cresce. Porque são pessoas que, à sua maneira, estão se rebelando, estão inventando.

■ Como essa sua visão fi losófi ca fl ui para o campo dos estudos de comunicação?— Percebi que eu só quero pesquisar o que me dê esperança. Temos que pesqui-sar não só o que permite denunciar, mas o que permite transformar, mesmo em pe-quena medida. Eu sempre recorro a uma teoria não escrita brasileira, a teoria das brechas, segundo a qual todo muro, por mais maciço que pareça, tem sempre uma brecha que alguém pode aumentar para derrubá-lo. Eu transmito cada vez mais esperança. Cada vez ponho mais paixão no que digo, porque é a única maneira de fazer as pessoas perceberem algum valor no que digo. A paixão é contagiosa, não se deve pedir desculpas pela paixão.

■ Em termos práticos, que pesquisas suas consideram essa ideia da esperança? — Dois temas. Um é o das transformações tecnológicas. Eu faço uma relação provo-cadora: García Márquez, quando ganhou o Prêmio Nobel, em seu discurso come-çou perguntando se os povos que tinham sofrido 100 anos de solidão teriam uma segunda oportunidade sobre a terra. Eu, agora, respondo que sim. Porque aquela cultura que foi desprezada pelos intelec-tuais da cultura letrada, que é a cultura vi-sual, a cultura oral, sonora e gestual, agora elas entram como cultura pela internet e se juntam no hipertexto. Como disse Manuel Castells, o computador acabou com a separação dos dois lados do cére-bro: o lado da razão, da argumentação, e o lado da paixão, da imaginação, que agora estão juntos. A imaginação não é mais um poder dos poetas e dos artistas. Então, viso às novas tecnologias enquanto permitem uma apropriação que, por sua vez, permitem a hibridação, a mestiça-gem das culturas cotidianas da maioria com o que era a cultura da pequena elite que tinha a escritura. O segundo tema, as mudanças de sensibilidades das pes-soas jovens, aparece no título do livro que estou preparando: Sentidos da técnica e fi guras do sensível. ■

■ Mas a ideia de que o tempo de trabalho diminuiria parece morta a essa altura. — Sim, porque a morte é outra. A morte é a saída do mundo do trabalho de mi-lhares. O ideal do capitalismo, enquan-to existia o socialismo real, era o pleno emprego. O ideal era incluir, agora não, agora se desconecta e a população que trate de saber como viverá.

■ Nessa sua análise do encolhimento do trabalho, fi ca só uma visão pessimista? — No último número de uma revista brasileira [Cult], Zygmunt Bauman cita uma coisa que aprendi diretamente de Gramsci. Ele entende a crise como sendo um tempo em que o velho já se foi, mas o novo não tem forma ainda. Portanto es-tamos habitando algo para que ninguém nos preparou, segundo minha amiga Hannah Arendt, que é a incerteza. Nin-guém no cristianismo nem no marxismo nos ensinou a conviver com a incerteza. Então, eu habito um tempo de profunda incerteza. Não é uma incerteza que me dá o direito de fazer o que tenho vontade porque não sei para onde vai o mundo, e então passo a me dedicar aos grandes prazeres intelectuais, corporais, eróti-cos, o que seja, porque nada vale a pena. Desconfi gurou-se aquilo em que eu acre-

Hoje estamos assistindo à emergência do entorno tecnocomunicativo. Assim como estamos imersos na natureza e nas instituições, agora estamos também nesse terceiro entorno

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subproduto abundante da indústria da cana dá vantagem competitiva ao brasil na busca do etanol de segunda geração

A pesquisa brasileira do etanol de segunda ge-ração conquistou uma articulação inédita. Restrita até pouco tempo atrás a experiências isoladas de empresas e de grupos de pesqui-sa, a busca do álcool extraído de celulose está mobilizando um número crescente de pesqui-sadores, estimulados por políticas de pesquisa

voltadas para ampliar a produtividade do etanol de cana brasileiro. O alvo é aproveitar o bagaço e a palha da cana-de-açúcar, fontes de celulose que respondem por dois terços da energia da planta, mas não são convertidos em biocombustíveis. “Há uma corrida mundial pelo desen-volvimento do etanol de segunda geração”, diz Rubens Maciel Filho, professor da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Uni-camp) e um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), dínamo da articu-lação da comunidade científica em São Paulo. “O Brasil, embora tenha uma pesquisa jovem neste campo, possui vantagens comparativas na corrida, como a disponibi-lidade de uma enorme quantidade de matéria-prima barata, que é o bagaço pré-colhido, e uma infraestrutura já instalada de produção de etanol”, afirma.

Resíduos como aparas de madeira, bagaço de cana ou sabugo de milho são formados por celulose e podem transformar-se em biocombustível quando submetidos a reações de hidrólise, um processo químico de quebra de moléculas. Uma grande vantagem dessa abordagem seria reduzir a competição entre biocombustíveis e ali-mentos, produzindo, no caso do aproveitamento do bagaço, mais etanol por área plantada. Outra quimera é o barateamento da produção do etanol – nos Estados Unidos, o álcool extraído do milho é fortemente sub-sidiado, ao contrário do etanol de cana brasileiro. Do ponto de vista tecnológico, há várias rotas de hidrólise testadas, mas com rendimentos e investimentos que não viabilizam economicamente a operação.

A articulação envolve iniciativas como a construção de várias plantas-piloto para desenvolver rotas tecnológicas

Fabrício Marques

do etanol celulósico. A Dedini Indústrias de Base prepa-ra uma nova planta de hidrólise ácida, processo em que a quebra de moléculas de celulose usa um ácido como catalisador. A planta vai incorporar inovações relaciona-das a materiais e processos com base no conhecimento acumulado entre 2003 e 2007, período em que funcionou uma outra planta da empresa na Usina São Luiz, em Pi-rassununga (SP). “A experiência mostrou que precisamos atenuar algumas das condições severas em que a unidade funcionava”, diz o vice-presidente da Dedini, José Luiz Olivério. “Estamos testando materiais mais resistentes, porque as condições abrasivas do processo impunham um desgaste que acabava comprometendo o funciona-mento contínuo da unidade”, afirma. Segundo Olivério, a Dedini segue acreditando na viabilidade comercial de sua tecnologia, estudada desde os anos 1980, que utiliza o processo Dedini Hidrólise Rápida (DHR), pioneiro no país. A empresa mantém um convênio de coo peração científica com a FAPESP envolvendo a pesquisa de pro-cessos industriais para fabricação do etanol.

A Oxiteno, uma das maiores empresas brasileiras do setor químico, tem interesse em dominar o processo de hidrólise do bagaço e da palha para a fabricação de produtos usados na indústria química e farmacêutica, obtidos atualmente pela rota petroquímica. Também em parceria com a FAPESP, a empresa lançou em novembro de 2006 uma chamada pública de propostas em 16 áreas temáticas de pesquisa que selecionou projetos no campo da tecnologia para a produção de açúcares, álcool e deri-vados. A maioria das sete propostas contempladas e em andamento, que envolvem parcerias com pesquisadores da Universidade de São Paulo, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas e do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, relaciona-se a processos vinculados ao etanol de celulose. As parcerias da Fundação com a Dedini e a Oxiteno fazem parte do programa Bioen.

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O alvo é o bagaço

Bagaço em usina no interior paulista: matéria-prima promissora para o álcool de celuloseH

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A Petrobras investe em hidrólise enzimática, que utiliza, no lugar de ácidos, enzimas produzidas por mi-crorganismos capazes de quebrar o açúcar da celulose, transformado em álcool combustível após o processo de fermentação. Uma planta-piloto insta-lada no Cenpes, centro de pesquisa da empresa localizado na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, começou a operar em 2007. A intenção da empresa é alcançar o domínio da tecnologia e exportar eta-nol de celulose na próxima década.

Em Campinas, no interior paulista, será construído até meados do ano que vem uma planta-piloto que servirá a pesquisadores de todos os estados. Sím-bolo da articulação de esforços, a planta vai ser instalada no recém-criado Centro de Ciência e Tecnologia do Bioe tanol (CTBE), vinculado ao Ministério da Ciên cia e Tecnologia, e terá uma estru-tura de seis módulos, que vão do trata-mento físico do material lignocelulósico à fermentação, passando pela produção de microrganismos e a hidrólise enzimá-tica. A ideia é que pesquisadores possam fazer experiências diversas usando pe-daços específicos de uma mesma plata-forma. “O objetivo é permitir avanços simultâneos que ajudem a superar os vários gargalos tecnológicos ligados ao etanol de segunda geração”, explica Car-los Eduardo Vaz Rossell, coordenador da planta-piloto do CTBE.

A pesquisa básica relacionada ao etanol de segunda geração também vem ganhando impulso. Pesquisadores da Embrapa Agroenergia, por exemplo, desenvolvem estudos para caracteri-zar a parede celular da cana-de-açúcar. Os trabalhos estão em andamento no Laboratório de Genética Molecular da

Embrapa Recursos Genéticos e Bio-tecnologia, em parceria com o Insti-tuto de Botânica da USP. O objetivo é compreender melhor a composição e a estrutura da parede celular da cana, para manipulá-la de maneira específica visando aumentar a produção de etanol de segunda geração.

P aíses como os Estados Unidos, o Canadá e a Suécia têm uma produ-ção científica mais destacada que a

do Brasil no desenvolvimento do etanol de segunda geração. Os Estados Uni-dos, que são o principal produtor de etanol do mundo, enfrentam críticas por haver apostado no milho, fonte de alimentação humana, para extrair o biocombustível, que ainda recebe pe-sados subsídios para ter um preço ra-zoável. A procura do etanol de celulose, explorado a partir de resíduos agrícolas ou de plantas que não servem para co-mer, pretende garantir o suprimento do combustível renovável sem prejudicar a segurança alimentar do país.

O interesse brasileiro pelo etanol de celulose tem um pano de fundo diferen-te. Busca tornar ainda mais competitivo o etanol de cana, ampliando sua produ-ção sem precisar aumentar na mesma proporção a área plantada de cana-de- -açúcar. Estudos conduzidos no âmbito do Projeto Bioetanol, uma rede de pes-quisa financiada pelo governo federal, apontam que uma destilaria que produz hoje 1 milhão de litros de etanol por dia do caldo da cana poderia inicialmente, com a tecnologia de hidrólise, gerar um adicional de 150 mil litros de etanol do bagaço. Em 2025, com a técnica aperfei-çoada, a mesma produção poderia ter um acréscimo de 400 mil litros prove-

nientes do bagaço recuperado. A palha da cana é outra fonte potencial para a extração de etanol. Com o abandono da prática das queimadas, tende a ser utilizada como fonte de celulose.

No caso brasileiro, a tecnologia pre-cisa reduzir custos a ponto de compen-sar a mudança do uso, já eficiente, que se faz hoje do bagaço de cana, baseado na queima para gerar eletricidade nas usinas de álcool e açúcar. Rubens Maciel Filho, da Unicamp, lembra que não bas-ta encontrar soluções tecnologicamen-te viáveis – é essencial que elas tenham um custo baixo. “Não é uma tarefa fácil justificar grandes investimentos para melhorar o álcool de primeira geração, porque o processo já tem uma produ-tividade bastante elevada, e ainda existe o desafio de produzir álcool de segunda geração a preços competitivos”, diz. No entanto, é importante ressaltar que a tec-nologia de primeira geração ainda tem margem de aperfeiçoamento. Ao mesmo tempo que investe no desenvolvimento do processo de hidrólise, a Dedini não parou de apostar em tecnologias incre-mentais, que vão desde a criação de usi-nas de etanol autossuficientes em água até a produção de um biofertilizante que incorpora resíduos diversos, como vinhoto e fuligem. “A cana tem uma con-dição imbatível no armazenamento de energia”, diz Olivério, da Dedini.

É difícil prever em quanto tempo o etanol de celulose terá viabilidade eco-nômica, dadas as dificuldades de conhe-cer em detalhes os avanços obtidos por empresas, protegidos por sigilo. “Mas se houvesse um processo de fato compe-titivo para transformar bagaço de cana em etanol, ele já estaria disponibilizado para o mercado e as usinas o estariam

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utilizando”, afirma Rubens Maciel, da Unicamp. O pesquisador calcula que o Brasil tem cinco anos para vencer os desafios tecnológicos. “Caso contrário, estaríamos dependentes de processos e insumos importados. Mas o esforço vale a pena porque levamos a vantagem de ter a matéria-prima, que é o bagaço, disponível na unidade de produção de etanol”, diz, referindo-se ao preço da tonelada de bagaço de cana seco, de cer-ca de US$ 15, comparado ao da mesma quantidade de resíduo disponível nos Estados Unidos, que custa US$ 35. Até nos custos de transporte há vantagens, pois o bagaço não precisa ser levado até a usina – está disponível lá mesmo.

O bagaço e a palha são constituídos por celulose, um polímero da gli-cose formado por seis carbonos, as

hexoses; por hemicelulose, composta por açúcares de cinco carbonos, cha-mados de pentoses e não aproveitados ainda para a produção de açúcar; e pela lignina, um material estrutural da plan-ta, associado à parede vegetal celular, responsável pela rigidez, impermeabi-lidade e resistência a ataques aos tecidos vegetais. Para que as biomassas possam ser utilizadas como matérias-primas para processos químicos e biológicos, elas precisam ser submetidas a um pré- -tratamento capaz de desorganizar o recalcitrante complexo lignocelulósico. A lignina é um grande obstáculo nesse processo. Sua quebra libera substâncias que inibem a fermentação.

Para chegar a um processo economi-camente viável, há vários gargalos que necessitam ser superados. O primeiro deles tem a ver com o pré-tratamento do bagaço e da palha. “As matérias-primas têm decomposição lenta. O desafio é fa-zer um pré-tratamento dessa estrutura que a torne mais lábil. Os primeiros pro-cessos eram muito destrutivos e levavam à perda de muito açúcar”, diz Rossell, do CTBE. “Nós não temos domínio com-pleto das propriedades químicas, físicas e mecânicas do ba-gaço, da palha e de suas frações. É preci-so conhecer melhor a matéria-prima e as-sim desenvolver fu-turamente processos que sejam eficientes”, afirma.

Um segundo gargalo tem a ver com os catalisadores usados para decom-por a celulose. No caso da hidrólise ácida, é preciso melhorar a eficiência do processo, que não permite um con-trole tão preciso da quebra das ligações químicas. “Enquanto o ácido sulfúrico destrói parte do açúcar formado, o áci-do clorídrico, mais eficiente, tem um problema ligado à corrosividade, exi-gindo ligas de metal de custos elevados”, afirma Rossell. Já no caso do processo de hidrólise enzimática, o entrave é o custo das enzimas, além da quantidade

A tonelada do bagaço seco custa US$ 15, menos da metade do que fontes disponíveis nos EUA

delas exagerada necessária para provo-car o desdobramento da celulose em glicose. Um dos desafios da pesquisa é encontrar microrganismos capazes de produzir enzimas mais produtivas.

Os Estados Unidos apostam numa técnica chamada bioprocessamento consolidado, no qual as quatro trans-formações biológicas envolvidas na produção do bioetanol (produção de enzimas, sacarificação, fermentação de hexoses e fermentação de pento-ses) acontecem numa só fase. Micror-ganismos geneticamente modificados

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produzem anaerobicamente enzi-mas com melhor atividade que as utilizadas pelos outros processos (leia entrevista na página 21). “Tais microrganismos precisam ser bem testados, pois, mesmo quando fun-cionam em laboratório, podem ser atacados por outros que sobrevivem melhor no ambiente”, diz Maciel. “Mas não podemos ficar de fora do desenvolvimento de microrganis-mos sofisticados, pois eles podem nos ajudar a compreender melhor os processos, além de trabalharem a nosso favor.”

H á ainda gargalos como o aprovei-tamento dos açúcares de cinco carbonos, as chamadas pento-

ses. “Não há rota eficiente para trans-formar esses açúcares em etanol. A maior parte das leveduras não possui essa rota ou possui em magnitude tão pequena que não tem impacto”, diz Rossell. “A criação de novas leveduras ou outros microrganismos é crítica para a transformação de pentoses em etanol. Hoje, do ponto de vista comercial, só tería mos o álcool de hexoses.” Restam ainda outras pen-dências a resolver, como a necessi-dade ainda elevada de consumo de água no processo de pré-tratamento e a destinação do vinhoto, resíduo da destilação para recuperação do eta-nol. Ocorre que, quando a produção do etanol é proveniente de hidróli-se, o resíduo não contém potássio e fósforo e perde sua vantagem como fertilizante. Poluente, deverá ter uma outra destinação segura.

Rossell vê as perspectivas com otimismo. “O número de pesquisa-dores e técnicos envolvidos com a pesquisa tende a crescer de forma exponencial”, afirma. Para Maciel, da Unicamp, a articulação de esfor-ços é fundamental para fazer valer as vantagens competitivas do país. “Em toda linha de pesquisa, é bom haver certa dose de redundância pa-ra comparação das diferentes formas de abordar o problema. No caso do etanol de celulose, porém, talvez não precisemos de muitas plantas- -piloto. Com algumas plantas, e a mobilização integrada de muitos pesquisadores, podemos chegar a melhores resultados”, conclui. n

Existe um amplo espaço no qual pesquisadores do Brasil, da Argentina e dos Estados Unidos podem somar esforços para compreender e reduzir impactos das tecnologias de produção de biocombustíveis sobre o uso da água e da terra. Mas, para viabilizar as colaborações, será preciso superar obstáculos como a falta de um padrão de dados que lastreie estudos comparativos, construir modelos capazes de explicar os efeitos de fenômenos complexos ou encontrar formas de analisar cientificamente correlações como as que sugerem a influência do aumento da área plantada com milho nos Estados Unidos no desmatamento da Amazônia brasileira. Essa conclusão emergiu nas discussões finais de um workshop, realizado em agosto, que mobilizou cientistas de três países com grande interesse em biocombustíveis – enquanto Brasil e Estados Unidos são os principais produtores de bioetanol, um derivado da cana-de-açúcar e o outro do milho, a Argentina tem um enorme potencial para a produção tanto de etanol quanto de biodiesel.

“Juntos, esses países do continente americano querem definir estratégias que permitam usar ciência de alta qualidade a fim de que os recursos naturais sejam utilizados de forma sustentável”, diz Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, coordenador do workshop. Realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), o evento foi organizado e patrocinado por agências financiadoras como a FAPESP, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a norte-americana National Science Foundation, além de instituições como a Universidade de São Paulo, a Universidade de Buenos Aires e a Universidade do Estado de Iowa. “O uso da água e da terra associado à produção de biocombustíveis tem consequências sociais, econômicas e ambientais importantes, além de questões tecnológicas complexas. Novos modelos, com equipes multidisciplinares e multinacionais, são necessários para investigar esse tema”, disse Robert Anex, professor da Universidade de Iowa.

União pela sustentabilidadeWorkshop reúne norte-americanos, brasileiros e argentinos para debater impacto dos biocombustíveis sobre o uso da água e da terra

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A transição será suaveo pesquisador norte-americano diz que o etanol de celulose e o de cana prometem ser mais complementares do que competidores

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Lee Rybeck Lynd, 52 anos, é um pioneiro na pesquisa da utilização de biomassa para produção de energia. Seu interesse sobre o tema surgiu do final dos anos 1970, quan-do a possibilidade de converter celulose em biocombustíveis inspirou sua monografia de graduação – e não arrefeceu desde então. Há

22 anos, o professor de engenharia e biologia lidera um grupo de pesquisa na Thayer School of Engine-ering, no Dartmouth College, instituição de ensino superior de 240 anos situada em Hanover, estado de New Hampshire. Sua equipe, que já produziu mais de uma centena de artigos científicos e uma dezena de patentes, é responsável por uma parte fundamen-tal da pesquisa norte-americana sobre o etanol de segunda geração, extraído de celulose, que encerra a promessa de produzir biocombustíveis a partir de

madeira, resíduos agrícolas e vários tipos de plantas, sem rivalizar com a produção de alimentos.

Enquanto a maioria das rotas biológicas em estu-do para processamento de biomassa celulósica tinha como foco a produção em separado de enzimas, num processo em várias etapas, o grupo de Lynd identi-ficou em uma outra técnica um modo mais simples e potencialmente mais barato de chegar ao mesmo resultado. Trata-se do bioprocessamento consolidado (CBP), no qual as quatro transformações envolvidas na produção do bioetanol (produção de enzimas, sa-carificação, fermentação de hexoses e fermentação de pentoses) acontecem numa só fase. Segundo a técnica, microrganismos produzem anaerobicamente comple-xos enzimáticos com melhor atividade que as enzimas utilizadas pelos outros processos. O grupo de Lynd é um dos mais ativos no planeta nessa abordagem.

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mente a indústria de biocombustíveis de celulose. É possível acelerar esse pro-cesso, mas isso exigirá o alinhamento de interesses e de recursos envolvendo múltiplos atores.

n Quais são as fontes mais viáveis para a conversão de celulose? Como o senhor avalia o potencial do bagaço de cana- -de-açúcar? — Um amplo espectro de fontes de lig-nocelulose é potencialmente atrativo para a conversão ao etanol, incluindo gramíneas, plantas herbáceas, árvores e resíduos de diversos processos. O ba-gaço é uma das matérias-primas mais atraentes, pois está disponível em gran-des quantidades e pode ser processado através de infraestrutura disponível em uma usina de etanol de cana e/ou açúcar. O bagaço já tem valor atual-mente como fonte de calor e, cada vez mais, de eletricidade. Para incorporá-lo à produção de biocombustíveis se-rá preciso adicionar valor para além das opções atuais de processamento. Não analisei esta questão em detalhes, mas minha avaliação preliminar e de outros especialistas com quem tenho falado é de que é provavelmente viável. A conversão da palha de cana-de-açúcar representa outra oportunidade poten-cial de transformar a lignocelulose que também merece ser avaliada.

n Quais são as vantagens do bioproces-samento consolidado (CBP) em rela-ção a outras vias para obter o etanol celulósico?— A estratégia do CBP obteve baixos custos financeiros e operacionais por meio da simplificação de processos e da eliminação da adição de enzimas,

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Em 2005 o pesquisador aliou-se a investidores de venture capital para fun-dar a Mascoma, empresa de pesquisa em biocombustíveis que recebeu apor-tes de capitalistas como Vinod Khosla, o fundador da Sun Microsystems. A empresa tem a patente de micróbios capazes de produzir as enzimas e, se-gundo Lynd, está próxima de obter a aplicação comercial do processo.

Além de seu trabalho como pes-quisador e empreendedor, Lynd é um requisitado conselheiro de autoridades. Testemunhou sobre biocombustíveis no Senado norte-americano e partici-pou de um comitê sobre o assunto no governo Clinton. Também produziu relatórios em coautoria com organiza-ções não governamentais, como a Na-tural Resources Defense Council. Em sua empreitada mais recente, é um dos líderes do projeto Global Sustainable Bioenergy: Feasibility and Implemen-tation Paths, uma equipe internacional de cientistas que vai debruçar-se sobre o estudo das possibilidades de uso dos biocombustíveis em nível mundial e em larga escala e buscar um consenso científico sobre o assunto. As reuniões do grupo acontecerão em cinco países – Estados Unidos, África do Sul, Malásia, Holanda e Brasil (ver Pesquisa FAPESP nº 162). Os físicos José Goldemberg, reitor da USP entre 1986 e 1990, e Carlos Henrique de Brito Cruz, dire-tor científico da FAPESP, participam do comitê organizador das reuniões do projeto. O estudo é importante para o Brasil pela oportunidade de discutir as evidências científicas sobre a via-bilidade de produzir biocombustíveis em larga escala, tanto o etanol de cana, cuja produção mundial o país lidera,

quanto o etanol de celulose, que pode colocar outros países no mapa do uso do combustível.

Palestrante principal de um work-shop do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia, programado para o dia 10 de setembro, Lynd deu a Pesquisa FAPESP a seguinte entrevista:

n O quanto estamos próximos de produ-zir etanol celulósico em larga escala? Que desafios tecnológicos ainda precisam ser solucionados? — O preço de compra da biomassa de celulose no mercado futuro, de cerca de US$ 60 a tonelada, é competitivo com o petróleo a US$ 20 o barril. O obstáculo é o custo de processamento, não o da matéria-prima. A conversão de açúcares em etanol é obtida atual-mente a um custo muito baixo, usando tecnologia madura e em larga escala, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. A barreira, portanto, não é es-sa. A indústria do etanol celulósico já existiria hoje não fosse a dificuldade de produção de intermediários reativos, notadamente os açúcares, a partir des-te material de baixo custo disponível. Superar a resistência da biomassa de celulose com uma tecnologia de baixo custo é a questão-chave, sendo que o custo das chamadas enzimas celulases é o principal componente. Recentemen-te, a Mascoma Corporation mostrou que a necessidade de adicionar enzimas celulases pode ser reduzida várias vezes, e até eliminada para algumas fontes de celulose, utilizando-se uma abordagem chamada bioprocessamento consolida-do, ou CBP. À luz deste avanço, acredito estar claro que a barreira da resistência será derrubada, viabilizando comercial-

Usina de produção de álcool nos EUA: opção pelo milho em xeque

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que são caras. Conforme afirmou um painel de especialistas convocados pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, o DOE Joint Task Force - 2006, o CBP é “considerado a melhor configu-ração de baixo custo para a hidrólise e a fermentação da celulose”. Embora haja um amplo consenso sobre os benefícios de transformação do CBP, existe uma diversidade maior de opiniões sobre se a tecnologia tem perspectiva de curto ou de longo prazo. No CBP as enzimas ce-lulases são produzidas pelo mesmo mi-crorganismo que fermenta os açúcares e os converte em etanol. Assim, todos os processos biológicos ocorrem numa única etapa. Como o CBP é realizado sob condições anaeróbicas, evitam-se os custos ligados à aeração, e a energia metabólica para produção de celulases é fornecida pela fermentação, resultando em etanol. Com o CBP, produzir etanol de lignocelulose parece-se muito com a produção de etanol de cana, com a diferença de que a lignocelulose pré- -tratada recebe micróbios fermenta-dores de celulose, enquanto o caldo de cana recebe micróbios fermentadores de açúcar. Já as outras rotas alternati-vas biológicas de produção de etanol de celulose envolvem múltiplas etapas, e uma delas requer a produção aeróbica de celulases, na qual a energia metabóli-ca para a sua produção é fornecida pela respiração, resultando em CO2, água e perda de valor calorífico da matéria--prima. Também existem formas não biológicas para superar a recalcitrância da celulose, como a hidrólise ácida ou gaseificação. O CBP tornou-se possível graças a avanços em biotecnologia que só recentemente puderam ser demons-trados em condições industriais. Já a hidrólise ácida e a gaseificação vêm sen-do testadas industrialmente há décadas e nunca vi avanços nestas tecnologias com impactos comparáveis às do CBP.

n É verdade que a sua monografia de graduação, de 30 anos atrás, já sugeria essa solução?— O CBP foi o foco central da minha monografia de graduação concluída em 1979, embora essa estratégia de processamento tenha recebido um no-me diferente. Eu venho trabalhando nisso desde então. Fico satisfeito que esse longo caminho pareça estar perto da realidade.

n Quais são as perspectivas da tecnologia patenteada pela Mascoma? O capital de risco está ajudando a fomentar as pes-quisas para o etanol celulósico? — Eu prevejo que a tecnologia CBP da Mascoma, incluindo tanto os avan-ços já obtidos quanto os que estão em andamento, vai viabilizar plantas comerciais de etanol celulósico num futuro próximo, ao mesmo tempo que deve agregar valor para os agricultores e criar uma plataforma a partir da qual será possível produzir uma diversidade de produtos provenientes de matérias--primas lignocelulósicas. É importante compreender que a abordagem do CBP é propícia para a produção de todos os combustíveis e os produtos obti-dos de biomassa celulósica, e não só para o etanol. O capital de risco teve um papel vital para levar a Mascoma ao patamar atual, e eu espero que os primeiros investidores da empresa se-jam recompensados. Olhando para o futuro da empresa, prevejo um maior investimento de parceiros estratégicos e de investidores institucionais, bem co-mo o venture capital. A Mascoma adota um modelo de negócio de “franquia” em que nós tomamos uma participa-ção acionária em uma fábrica operada

por parceiros, em oposição ao modelo “construa-possua-e-opere”. Parcerias estratégicas representam uma saída na-tural e promissora para conseguir um impacto rápido do mercado.

n A cana-de-açúcar tem um bom equi-líbrio energético e sua produção pode-ria se expandir em áreas degradadas ou de pastagens no Brasil e na África. A produtividade aumentou 4% ao ano nos últimos 30 anos no Brasil. Qual, na sua opinião, será o futuro do etanol de cana-de-açúcar? Por que não continuar a investir em pesquisa de etanol de pri-meira geração? — A crescente demanda mundial por combustíveis renováveis e de baixa emissão de gases estufa exige a explo-ração e o desenvolvimento de maté-rias-primas diversas, incluindo aque-las das quais se extraem facilmente açúcares simples e aquelas em que há mais dificuldades. A diversificação das matérias-primas irá melhorar a pre-visibilidade global dos negócios para os produtores de etanol, diminuindo o impacto das flutuações de preços de matérias-primas, como a cana, que possui mercados alternativos – como se viu na recente duplicação dos preços do açúcar no mundo. O etanol de cana- -de-açúcar é reconhecido por combinar, em maior medida do que outros bio-combustíveis, baixas emissões de gases estufa, elevada produção de combustível por hectare e impactos modestos sobre a poluição da água. Figura, dessa forma, entre as principais opções consideradas por países que buscam aumentar a pro-dução de biocombustíveis. O etanol de cana e a experiência adquirida com a sua produção também são importantes no que diz respeito às tecnologias emer-gentes para produzir biocombustíveis a partir de lignocelulose. O bagaço de cana é um ponto lógico de entrada e um campo de provas para tais tecnologias. Da mesma forma, parentes próximos da cana-de-açúcar, incluindo-se aí, sem prejuízo de outros, o Miscanthus, têm potencial como matéria-prima para conversão de lignocelulose e podem ser produzidos em climas temperados, onde a cana não cresce atualmente. Os biocombustíveis celulósicos também oferecem oportunidades para respon-der às preocupações sobre a disponi-bilidade de terra. No entanto, o pro-

O bagaço é

usado como

fonte de calor e

eletricidade. É

preciso agregar

valor para além

dessas opções,

a fim de

incorporá-lo à

produção de

biocombustíveis

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cessamento de lignocelulose precisa avançar muito até que seu custo seja competitivo com a produção de etanol de cana. No curto prazo, o etanol de celulose e o etanol de cana prometem ser muito mais complementares do que competidores. No longo prazo, qual-quer transição do etanol de cana para o celulósico ocorrerá provavelmente de forma suave, não abrupta, vinculando-se apenas a processos e matérias-primas que ofereçam melhorias em relação a práticas correntes. Quanto à pesquisa, temos evidentemente de melhorar as coisas boas que estamos fazendo agora – mas também viabilizar coisas boas que ainda não somos capazes de fazer. Dessa forma, faz sentido darmos sequência à pesquisa com etanol de cana, mas também incluirmos uma linha agres-siva de investigação para estabelecer o etanol lignocelulósico, especialmente agora que a aplicação comercial está ao nosso alcance.

n Em um artigo que o senhor escreveu com Nathanael Greene diz-se que “os biocombustíveis são uma pequena parte do cenário de preços de alimentos, consu-mindo apenas 4% de grãos no mundo, e há pouca evidência de que os preços dos alimentos seriam muito menores se não houvesse a produção de biocombustíveis”. Qual é o tamanho real do risco em ma-téria de segurança alimentar? — Embora as questões envolvendo segurança alimentar, biocombustíveis e suas interações sejam complexas, al-gumas observações importantes podem ser feitas. Há evidências fortes que con-firmam uma afirmação recente, feita por um grupo de pesquisadores na revista Science, segundo a qual não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar os ga-nhos propiciados pelos biocombustíveis produzidos da maneira correta, tanto no combate ao efeito estufa quanto em relação a benefícios ambientais e sociais. Mas tampouco devemos aceitar os im-pactos indesejáveis dos biocombustíveis feitos de maneira equivocada. É parti-cularmente importante neste contexto entender dois pontos. Primeiro: os ris-cos ambientais e relacionados ao uso da terra associados aos biocombustíveis feitos de maneira errada são evitáveis e não necessariamente uma consequên-cia da produção dos biocombustíveis. Segundo: há riscos ao meio ambiente

e a outros interesses importantes asso-ciados justamente quando se abre mão de pesquisar os biocombustíveis. Os re-sultados prováveis de não perseguir os biocombustíveis incluem o aumento da produção de petróleo a partir de óleo de xisto e areias betuminosas ou o des-perdício de oportunidades para o de-senvolvimento econômico rural e da se-gurança energética. Em decorrência da escassez de alternativas de combustíveis líquidos para veículos pesados, é mais fácil desenvolver um setor de transporte sustentável com os biocombustíveis do que sem eles.

n Quais são as suas expectativas em re-lação ao projeto Global Sustainable Bio-energy (GSB)? Que contribuição os pes-quisadores convidados podem oferecer?— Há atualmente grande confusão e incerteza sobre algumas questões. Uma delas é a seguinte: vale a pena apostar que a bioenergia desempenhará um pa-pel importante no futuro? E, em caso afirmativo, quais políticas são necessá-rias para garantir um resultado susten-tável? Essa incerteza é péssima. Por um lado, pode significar que desviamos o nosso foco graças a uma visão distorci-da do potencial da bioenergia. Por ou-

tro, que nossa ambivalência em relação a ela está fazendo com que invistamos menos no seu potencial do que os mé-ritos recomendam. Ou, pior, as duas coisas ao mesmo tempo. Espero que o projeto GSB traga clareza e consenso para estas questões. Um dos objetivos- -chave do projeto, e de sua fase 2 em particular, é buscar ativamente cenários para o uso futuro da terra não vincu-lados a tendências atuais. Tais cenários são, por definição, improváveis hoje. Entretanto, os cenários improváveis de hoje são exatamente o que precisamos, pois não podemos alcançar um mundo seguro e sustentável dando continuida-de às práticas que deram resultados tão insustentáveis e inseguros no presente. A análise das possibilidades de uso fu-turo intensivo da bioenergia, realizada na fase 2, trará motivação e informação para a fase 3 do projeto, que então vol-tará ao presente, abordando caminhos e políticas de transição, questões éticas e financeiras, e análises de escala local. Para alcançar viabilidade, relevância e impacto globais, é essencial que o pro-jeto envolva analistas e tomadores de decisões do mundo todo.

n Espera-se uma contribuição específica dos pesquisadores brasileiros?— A participação brasileira no proje-to é importante por várias razões. Pri-meiro: o Brasil tem muito a ensinar ao mundo sobre sua estratégia no campo dos biocombustíveis. A participação do combustível proveniente de biomassa em sua matriz energética é maior que a de qualquer outro país do mundo. Em segundo lugar, no curso das discussões informais associadas ao planejamento do projeto GSB, especialistas brasileiros lembraram que a preocupação expressa nos Estados Unidos e na Europa em relação à mudança do uso da terra é vista sob uma perspectiva bem dife-rente na América do Sul e na África. Perspectivas como essa são essenciais para que os objetivos do projeto GSB se realizem. Finalmente, como um país que detém uma grande indústria de biocombustíveis, uma infraestrutura moderna e uma extensa população pobre, o Brasil está numa posição pri-vilegiada para ajudar na compreensão dos impactos dos biocombustíveis no mundo em desenvolvimento e no com-bate à pobreza.

Pode ser que a

ambivalência

em relação

à bioenergia

esteja fazendo

com que

invistamos

menos no seu

potencial do que

os méritos

recomendam

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n O grupo vai analisar apenas as tecno-logias de segunda geração ou também vai avaliar os progressos em tecnologias de primeira geração? Que matérias-primas serão consideradas?— O projeto partirá de uma abordagem neutra em relação a matérias-primas, levando em conta o desempenho de cada uma, considerando fontes de pri-meira geração e tecnologias na medida em que elas respondam aos objetivos. Não tomamos decisões em relação a matérias-primas específicas.

n O grupo avalia as emissões de gases e outros problemas relacionados com as mudanças no uso da terra?— Diferentemente de muitos estudos, nossa ênfase maior repousa em evi-tar impactos indesejáveis associados a mudanças indiretas no uso da ter-ra, presumindo que houve motivação para que eles acontecessem, em vez de quantificar tais mudanças, presumindo que não houve tal motivação.

n Quais são suas expectativas sobre os investimentos e os avanços das tecno-logias verdes, como o etanol celulósi-co, no governo do presidente Obama? — Como resultado tanto de um discer-nimento peculiar quanto do momento que estão vivendo, o presidente Obama, o secretário de Energia, Steven Chu, e outros membros do governo têm da-do uma prioridade maior a tecnologias “verdes” do que as administrações ante-riores. Ainda não sabemos ao certo co-mo isso vai traduzir-se em ações. Mas estou esperançoso, tanto pela consci-ência da administração sobre a impor-tância das energias renováveis como por alguns passos iniciais positivos, como os

US$ 2 bilhões em dinheiro para apoiar pesquisas sobre a produção sustentável de energia e sua conservação. Acredito que os Estados Unidos e outros países desenvolvidos têm uma obrigação moral e um interesse pragmático de modificar a nossa utilização de recursos tomando como exemplo práticas adotadas pelo mundo em desenvolvimento.

n Qual a sua opinião sobre as novas abor-dagens para a obtenção de biocombustíveis, como a gasolina verde, produzida a partir de açúcares derivados da biomassa? — Temos de considerar todas as tecno-logias de conversão capazes de produ-zir combustíveis de transporte aceitá-veis, desde que passem por um teste de viabilidade, mostrando-se rentáveis e passíveis de produção em escala. Existe claramente o interesse de vários atores, incluindo as empresas multinacionais do petróleo, em desenvolver biocom-bustíveis tanto para veículos pesados como para os leves. Acredito, aliás, que no longo prazo será maior a necessi-dade de biocombustíveis para veículos pesados que para veículos pessoais. A compatibilidade com a infraestrutura existente de petróleo combustível é importante, mas o preço e o desem-penho serão fatores determinantes no longo prazo. Elaborando isso um pouco, eu penso que uma abordagem de três etapas faz sentido com relação a novas tecnologias energéticas. O pri-meiro passo é o chamado sniff test, um teste para avaliar se a ideia tem poten-cial para ser rentável e produzida em escala. Desejamos que as tecnologias passem no teste, porque precisamos de múltiplos caminhos para obter sucesso. No entanto, não devemos gastar tempo

com ideias que não representem uma esperança realista de obter um impacto significativo. Na minha opinião, nem todas as tecnologias energéticas que estão sendo desenvolvidas tanto por governos como pelo setor privado pas-saram por este teste. Numa segunda etapa, atividades com foco na inovação devem ser fomentadas para explorar uma vasta gama de tecnologias que passaram no teste. Como faz o capital de risco, precisaríamos de um portfólio diversificado de uns dez investimentos, sendo que cinco podem falhar com-pletamente, três podem ter sucesso de forma marginal, mas dois precisam ter sucesso para pagar por todo o resto. Apostar em soluções únicas não é a melhor maneira de garantir uma pas-sagem bem-sucedida no processo de transição sustentável. E, após um gran-de investimento em inovação, as solu-ções que serão adotadas em larga escala devem ser determinadas pelos consu-midores, em resposta ao desempenho dos produtos e a seu valor, determina-do tanto pelo custo de produção como por valores sociais não contemplados pelas forças do mercado.

n Sobre a capacidade de fazer a transição para uma economia sustentável, o senhor disse certa vez que, em algumas cente-nas de anos, quando as pessoas olharem para trás e analisarem a nossa época, uma das coisas-chave sobre as quais vão nos julgar será nossa habilidade em lidar ou não com essa transição. Será que estamos indo bem? Está otimista? — Bem, acho que nossa situação é ainda perigosa em termos absolutos, mas a tendência no que diz respeito ao aumento da conscientização e do senso de urgência é positiva. As trajetórias atuais não são sustentáveis, e devemos, portanto, olhar para além delas a fim de encontrar futuros viáveis. Nesse contexto, é necessário admitir que o business as usual é, na verdade, uma fantasia, não um patamar. O primeiro passo para tornar reais cenários futuros tidos como improváveis é mostrar que eles são possíveis. Eu estou dedicando a minha carreira para desenvolver esta compreensão de possibilidade, tanto no nível da tecnologia como no dos recursos e questões ambientais. n

Fabrício MarquesMiscanthus, opção dos norte-americanos para produção de etanol celulósico

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> ESTRATÉGIAS MUNDO

Um relatório da Acade-mia Real de Engenhariado Reino Unido exortoua comunidade científicaa debater as implicaçõeséticas e jurídicas dacrescente robotizaçãode máquinas e sistemas."Não estamos falandode elevadores nem demáquinas de lavar auto-máticas, mas de sistemasque possuirão um nívelcrescente de autodeter-minação", disse à agênciaBBC Lambert Dopping-Heppenstal, membro dogrupo de trabalho deética da academia. Deacordo com o documento,a automatização permiti-rá, num horizonte de umadécada, que sistemas detransporte e até cirurgiassejam conduzidos quasesem intervenção humana.Mas como responsabilizar máquinas se algo der errado? "Oudiscutimos isso agora ou, mais adiante, vamos querer colo-car na cadeia o caminhão que causou o acidente", disse WillStewart, também membro da academia. Stewart afirma queo debate é espinhoso porque sistemas autônomos serão, pro-vavelmente, bem menos falíveis do que os atuais. "Os carros,por exemplo, tendem a ser mais seguros. Afinal, uma máquinapode funcionar 24 horas sem ficar cansada nem corre o riscode se distrair enquanto briga com a sua mulher sentada nobanco do passageiro. Mas ocasionalmente poderá fazer algoque nem o mais estúpido dos humanos faria", diz.

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> Caminhodos elefantes

Chunati, um corredorde circulação dos elefantesentre Mianmar eBangladesh que tambémabriga espécies ameaçadaspela exploração madeireira.Ao longo dos próximosquatro anos, árvores vão serplantadas para ajudara restaurar 2 mil hectaresde florestas. Outro objetivo

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e a Alemanha vão doarUS$ 19 milhões parao reflorestamento deum parque ecológico emBangladesh. O dinheiro seráutilizado para a recuperaçãoda degradada reserva

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do projeto é criaralternativas e oportunidadesde renda para mais de125 mil pessoas quevivem ao redor do parque.Segundo a agência Reuters,o interesse norte-americanoe europeu por projetosambientais em Bangladeshse justifica: trata-se de umdos países mais vulneráveisàs mudanças climáticasglobais, onde milhõesde pessoas vivem em áreasabaixo do nível do mar.Segundo o PainelIntergovernamental deMudanças Climáticas(IPCC), das Nações Unidas,parte do país poderásucumbir até 2100, coma previsão de que o níveldo mar poderá subir entre18 e 59 centímetros.

> Atentadonos Alpes

Ativistas dos direitosdos animais foramos responsáveis por umincêndio criminosoque destruiu a casa de camponos Alpes suíços domédico Daniel Vasella,executivo chefe dolaboratório Novartis. O chalévirou cinzas, mas ninguémsaiu ferido. Segundo aNovartis, houve pelo menosdez ataques recentes a seusfuncionários, o que inclui aprofanação de um túmulo dafamília de Vasella - as cinzasde sua mãe foram roubadas- e a descoberta de umabomba incendiária instaladano carro do executivoUlrich Lehner. O grupoStop Huntingdon AnimalCruelty (Shac) é suspeitode praticar as ações. Seusativistas haviam anunciadoataques contra empresasque contratam os serviçosda companhia HuntingdonLife Sciences, próximo aCambridge, no Reino Unido,especializada em fazer testescom animais. A Novartis nãoé mais cliente da Huntingdonhá muito tempo. Vasellaargumenta, contudo, queé impossível evitar o usode animais em testes demedicamentos. "A lei exigeque a segurança de remédiosseja determinada através detestes com animais. Ninguémgosta de fazer isso, masos testes são indispensáveispara manter os padrõesde qualidade", disse Vasella,de acordo com o jornalsuíço Blick am Sonntag.

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o país vizinho obteve noperíodo de 2003 a 2007.Os investimentos ematividades científicase tecnológicas cresceram183%. Já em pesquisae desenvolvimentoo aumento foi de 168%.O número de pesquisadores,estimado em 2007em 46.884, cresceu 30%no período, enquantoo de bolsistas subiu 64%,chegando a 12.168.A comunidade científicarejuvenesceu um pouco.Os pesquisadores de até30 anos, que em 2003respondiam por 14% do total,cresceram para 17% em 2007.O número de projetosde pesquisa em execução era,em 2007, de 22.134, 32%a mais do que em 2003.Nos últimos anos, políticasde incentivo à pesquisaaplicada fizeram com queo investimento nesse campocrescesse 12%, diante deapenas 2% da pesquisabásica. "Apesar desse grandeavanço, o país só dedicaa atividades científico--tecnológicas 0,61 % deseu PBI, menos que Brasil,Chile e Cuba", observou NoraBar, do jornal La Nación.

Com os recursos dis-poníveis atualmente, aNasa não conseguirácumprir sua meta de,até 2020, identificare monitorar asteroi-des potencialmen-te perigosos para oplaneta. De acordocom um documentopreliminar divulgadopelo Conselho Nacio-nal de Pesquisa dosEstados Unidos, seránecessário reforçar oorçamento de proje-tos como o PanoramicSurvey Telescope andRapid Response Sys-tem (Pan-Starrs) e o LargeSynoptic Survey Telescope,que devem entrar em opera-ção plena, respectivamente,em 2012 e 2015. Também é ci-tada a importância do radiote-lescópio de Arecibo, em PortoRico, vocacionado para carac-terizar asteroides. Em 2005o Congresso norte-americanoestabeleceu o ano de 2020como prazo final para a Nasadetectar, monitorar e caracte-rizar 90% dos asteroides commais de 140 metros. Esse é otamanho de objetos que im-põem riscos significativos secaírem em áreas urbanas.

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Representação de impacto de asteroide: faltam recursos

PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 27

> As dores daavaliação

do país prejudica-as nadisputa com as instituiçõesdo centro e do nortepor fundos de pesquisa.Além disso, diz Lornbardo,as altas taxas de desempregoem sua região atrapalhamos estudantes na conquistade uma vaga de trabalho,um dos critérios usadospara mensurar a eficiênciado ensino. Os reitoresqueixam-se de que amudança acontece num anoem que o governo planejacortar 10% do orçamentouniversitário. "Será umdesastre,para todas asuniversidades, inclusivepara a nossa", disse à revistaNature Davide Bassi,reitor da Universidade deTrento, uma das mais bemavaliadas no ranking.

O governo italiano começa aimpor critérios mais rígidospara medir a qualidade dapesquisa científica no país.De um lado, anunciou acriação da Anvur, umaagência incumbida de avaliaro trabalho dos pesquisadores,que iniciará suas atividadesdentro de um ano. De outro,divulgou um ranking deuniversidades que servirápara nortear a distribuiçãode pouco mais de 7% doorçamento do Ministérioda Pesquisa e EducaçãoSuperior. Tais movimentosforam comemorados porcientistas que semprereclamavam da resistênciado governo em premiaras instituições de pesquisade acordo com o mérito.Políticos e reitores, contudo,estão preocupados coma mudança. RaffaeleLombardo, presidente daregião autônoma da Sicília,classificou o ranking dediscriminatório. Segundo ele,a infraestrutura precária demuitas universidades do sul

> O gramadodo vizinho

Indicadores de ciênciae tecnologia na Argentinadivulgados pelo Ministérioda Ciência, Tecnologiae Inovação Produtivaenumeram avanços que

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> ESTRATÉGIAS MUNDO

Começa a ser construído no Sene- TALENTOS DAgal, no ano que vem, o Instituto MATEMÁTICAAfricano para Ciências Matemáticas(Aims, na sigla em inglês). Trata-sedo segundo dos 15 centros de pós-graduação que deverão surgirno continente nos próximos 10 anos, no âmbito do Aims NextEinstein Initiative (Aims-NEI), cujo objetivo é estimular o surgi-mento de talentos na matemática e nas ciências da computação.O primeiro centro já opera na África do Sul e estão previstas uni-dades em países como Nigéria, Etiópia e Gana. Se o cronogramafor cumprido, o Aims singalês receberá seus primeiros 50 estu-dantes em 2011. Mamadou Sangharé, professor de matemáticada Universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar, disse à agênciaSciDev.Net que o centro deverá ser sediado em Mbour, cidade de180 mil habitantes a 80 quilômetros da capital. O objetivo não selimita a fomentar talentos científicos na África. "Trata-se de ligara África à ciência mundial", afirmou Marie-Pierre Barre, uma dasresponsáveis pela Aims Next Einstein Initiative, programa que tementre os patrocinadores os milionários Richard Branson e MarkShuttleworth, o astrofísico Stephen Hawking, além dos governosdo Reino Unido, da França e de vários países africanos.

> Tanzânia tomafôlego

de pesquisadores, àrecuperação de laboratóriose à transferência detecnologia para o setorprodutivo. "Com essesrecursos, poderemosfazer bem mais do quepagar salários e despesas",disse à agência SciDev.NetHassan Mshinda,diretor-geral da Comissãopara Ciência e Tecnologiada Tanzânia.

o governo da Tanzâniaantecipou para este ano ameta de investir 1% do PIEem ciência e tecnologia,seis anos antes do previsto.Os gastos com pesquisa noano fiscal de 2009-2010devem atingir US$ 235milhões e serãodestinados ao treinamento

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> BRASIL

> Bibliotecasequipadas

A FAPESP lançou a sextachamada do ProgramaFAP-Livros, que apoiaa compra de livros,e-books e publicaçõesem várias mídias e buscaatualizar o acervo debibliotecas vinculadasa universidades einstituições de pesquisa,públicas ou privadas,no estado de São Paulo.Após a aquisição, asobras obrigatoriamentedeverão comporo acervo da bibliotecada unidade contempladae ser disponibilizadaspara acesso público.No caso dos e-books ede publicações de outrasmídias, as bibliotecasdeverão garantir amanutenção do acessopor up1 período mínimode cinco anos. Ovalor reservado paraa chamada é de atéR$ 25 milhões. Podemconcorrer bibliotecasde unidades que tiverampesquisadores vinculados

a solicitações apoiadaspela FAPESP no períodode 2003 a 2009.Cada biblioteca poderáapresentar uma únicaproposta consolidada.As obras solicitadasdeverão ser avalizadaspor pelo menosum pesquisador comtítulo de doutor,entendendo-se o avalcomo uma declaraçãode que o livro érelevante para a sualinha de pesquisaapoiada pela Fundação.Serão valorizadaspropostas que envolvamconsórcios de bibliotecaspara aquisição unificadae disponibilização amúltiplas instituições.Na chamada anterior,foram distribuídosmais 130 mil títulos, amaior parte provenientedo exterior. As propostasdevem ser encaminhadasaté o dia 18 denovembro, por meioeletrônico pelo Sistemade Apoio à Gestãoda FAPESP (SAGe), emwww.fapesp.br/sage

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USP SOBE NO RANKING DA WEB

A Universidade de São Paulo (USP) subiu para o 38° lugarno ranking mundial de universidades Webometrics, queconsidera o volume, a visibilidade e o impacto do conteúdocientífico abrigado nos domínios da web de cada instituição.A escalada da USP no ranking é impressionante. Em 2007estava em 97° lugar (ver Pesquisa FAPESP nO 134). No iníciodo ano havia subido para a 87a colocação. Nas primeirasposições aparecem três instituições norte-americanas, oMassachusetts Institute of Technology e as universidadesHarvard e Stanford. O Webometrics não é um ranking dequalidade acadêmica como os publicados pelo Higher Edu-cation Supplement do jornal britânico The Times e pelaUniversidade Shangai Jiao Tong (nos quais a USP aparece,respectivamente, em 196a e 121a posições). Em vez de seate r a números de pesquisa e de produtividade acadêmi-ca, o Centro de Informação e Documentação (Cindoc) doConselho Nacional de Pesquisa da Espanha (CSIC), criadordo ranking, leva em conta a ideia de que as universidadesdevem disponibilizar ao público a sua produção científicaatravés da internet - e mede esta visibilidade no indicador.Por esse critério, as universidades brasileiras se destacam.A segunda instituição do país que aparece na lista é a Uni-camp (Universidade Estadual de Campinas), na 115a colo-cação. A terceira é a UFSC (Universidade Federal de SantaCatarina), no 134° lugar. Num artigo publicado no jornalFolha de S. Paulo, a reitora da USP, Suely Vilela, afirmouque a evolução da USP em rankings acadêmicos reflete aqualidade da pesquisa desenvolvida por .docentes e estu-dantes da universidade e repercute o aumento substantivo(58,1%) da produção científica indexada de 2005 a 2008.

"Reflete, além disso, a qualida-de da pós-graduação e

sua importânciacomo indicador

de visibilidade'institucional,tendo-se emvista que aoredor de 90%da pesquisa é

desenvolvidapor pós-graduan-

dos e que a USP éresponsável por 28%

dos programas de excelênciado Brasil", afirmou.

Celso Lafer, Horácio Lafer Piva e Yoshiaki Nakano

> Reconduçãono conselho

o presidente da FAPESP,Celso Lafer, e osconselheiros Horácio LaferPiva e Yoshiaki Nakanoforam reconduzidosao Conselho Superior daFundação para um mandatode seis anos. Os trêshaviam sido indicadospara o primeiro mandatoem setembro de 2003.A nomeação, em decretodo governador José Serra,foi publicada noDiário Oficial do Estadono dia 22 de agosto. CelsoLafer, professor titularda Faculdade de Direito daUniversidadede São Paulo (USP),é membro da AcademiaBrasileira de Ciênciase da Academia Brasileirade Letras. Foi ministrodas Relações Exterioresem 1992 e novamenteentre 2001 e 2002,e ministro doDesenvolvimento,Indústria e Comércioem 1999. Horácio Lafer Pivaé industrial, formadoem economia e

pós-graduado emadministração deempresas. É presidenteda AssociaçãoBrasileira de Celulosee Papel (Bracelpa)e membro do conselhode administraçãodas Indústrias Klabin.Foi presidente daFederação e Centrodas Indústrias do Estadode São Paulo (Fiesp-Ciesp)e membro do Conselhode DesenvolvimentoEconômico eSocial da Presidênciada República. YoshiakiNakano é professore diretor da Escolade Economia deSão Paulo da FundaçãoGetúlio Vargas.Foi secretário-adjuntoda Secretaria de Governodo Estado de São Pauloe ocupou o mesmocargo na Secretaria deCiência e Tecnologia.Também foi secretárioespecial de AssuntosEconômicos do Ministérioda Fazenda, secretário daFazenda do Estadode São Paulo e consultordo Banco Mundial.

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> ESTRATÉGIAS BRASIL~ >

> Nomes para adireção do Inpe

o Ministério da Ciênciae Tecnologia (MCT) abriuprocesso para seleçãode candidatos para o cargode diretor do InstitutoNacional de PesquisasEspaciais (Inpe). Caberáa um comitê de especialistaselaborar uma lista comtrês nomes e encaminhá-Iaao MCT. Presidido porMarco Antônio Raupp,da Sociedade Brasileirapara o Progresso da Ciência,o comitê tem comomembros Alberto PassosGuimarães, do CentroBrasileiro de PesquisasFísicas, Carlos Henrique deBrito Cruz, diretor científicoda FAPESP, Hadil Fontesda Rocha Vianna,do Ministério das RelaçõesExteriores, e MichalGartenkraut, da AssociaçãoBrasileira de Tecnologiade Luz Síncrotron. Podemse candidatar pesquisadoresou tecnologistas brasileirosou naturalizados, com

o Conselho Na-cional de Desen-volvimento Cien-tífico e Tecnoló-gico (CNPq) divulgou os resultados do novo censo degrupos de pesquisa do país. Responderam ao levantamento422 instituições, registrando 22.797 grupos de pesqui-sa compostos por mais de 104 mil pesquisadores, sendo66.785 doutores. O censo anterior, divulgado em 2007,contabilizava 403 instituições, 21 mil grupos e 90.320pesquisadores, dos quais 57,5 mil tinham soutoredo. Fo-ram registradas 86.075 linhas de pesquisa, 10 mil a maisque em 2006, com destaque para as áreas de medicina,educação e agronomia. Dos pesquisadores cadastradosem 2008, 49% são mulheres e 51% homens. Quando aliderança dos grupos é analisada, a participação femininacai para 45%. Se o critério comparativo for por não líde-res, o percentual de mulheres supera o de homens. Masos números indicam uma evolução da presença femininana comunidade científica. Em 1993, de cada 100 pesqui-sadores, apenas 39 eram mulheres.

O AVANÇO DOSGRUPOS DE PESQUISA

competência profissionalreconhecida e visibilidadejunto à comunidadecientífica e tecnológica,entre outros requisitos.Os documentos paraa candidatura ao cargodevem ser enviados até30 de setembro, para MarcoAntônio Raupp, Parque

Tecnológico de São Josédos Campos, via PresidenteDutra, km 138 - BairroEugênio de Melo, CEP12247-044, São José dosCampos (SP), endereçoeletrônico: [email protected] documentação abrangecarta solicitando inscrição,curriculum vitae com

30 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163

produção científica e/outecnológica e texto de atécinco páginas descrevendoa visão de futuro para o Inpee aderência do projeto degestão do candidato como plano diretor do instituto.

> Destaque emdoenças tropicais

Em editorial na sua ediçãode agosto, a revista PLoS -Neglected Tropical Diseases,da Public Library of Science,destacou o Brasil comoo segundo país do mundoa submeter artigos científicospara publicação na revista,depois dos Estados Unidos.Inglaterra e Françadividem a terceira posição nomaior número de submissõesde artigos. A revista foilançada em 2007, comoa primeira publicaçãode acesso livre dedicadaà divulgação de estudossobre doenças tropicaisnegligenciadas, comohanseníase, esquistossomoseou Chagas. O editorialaponta que "as submissõesdo Brasil têm sidode qualidade extremamentealta e abrangemuma amplitude de tópicos".

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> Universidadevirtual

A Universidade Virtualdo Estado de São Paulo(Univesp) lançou seusprimeiros cursossemipresenciais. Um deles,de graduação em pedagogiaoferecido pela UniversidadeEstadual Paulista (Unesp),terá 1.350 vagas iniciais.O curso começa em 2010,com três anos de duraçãoe 40% das atividadesno modo presencial.Já o Centro Estadualde Educação TecnológicaPaula Souza deve oferecer3.200 vagas no curso degraduação Tecnologiaem Processos Gerenciais,programado para o segundosemestre. Vinculado àSecretaria Estadualde Ensino Superior,o Univesp busca ampliar oacesso à educação superiorpública, em parceria com astrês universidades paulistas,USP,Unicamp e Unesp, ecom o Centro Paula Souza."O programa trabalha como compromisso pelaqualidade do ensino a seroferecido", disse CarlosVogt, secretário do EnsinoSuperior. "Com o auxíliodas tecnologias dainformação e comunicação,vamos ampliar o númerode vagas e dar maiorabrangência geográficaà oferta de cursos."

A falta de bancos de dadoscom informações sobre o se-tor cinematográfico motivou acriação do Centro de Análisedo Cinema e do Audiovisual(Cena). Coordenada pela pes-quisadora Alessandra Meleiroe vinculada ao Centro Brasilei-ro de Análise e Planejamen-to (Cebrap), em São Paulo, ainiciativa pretende organizarum núcleo permanente deinformações sobre as indús-trias audiovisuais no mundoe é resultado do projeto depós-doutorado Economia doaudiovisual: dinâmica e estru-tura da circulação internacio-nal de produtos audiovisuais,concluído recentemente porAlessandra Meleiro, que tevefinanciamento da FAPESP. Esse projeto deu origem a umacoleção de cinco livros sobre as características e os contex-tos econômicos e políticos do mercado de cinema na Ásia,Europa, América Latina, África e Estados Unidos, com textose análises de autores desses continentes. Essa comunidade deespecialistas segue articulada e deve colaborar na produçãode conteúdo para o Cena. Além da produção e difusão de umboletim eletrônico (disponível no site www.cenacine.com.br).o Cena também busca desenvolver atividades de pesquisa eprodução por outros meios, como um canal de TV pela web.

> Em memóriade Pavan

o Conselho Nacional deDesenvolvimento Científicoe Tecnológico (CNPq)lançou o livro CrodowaldoPavan - Memória de suatrajetória, que reproduzuma série de entrevistasque o pioneiro da genética,

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morto em maio aos 89 anos,concedeu entre 2005 e 2006ao Programa lnstitucionalde História Oral do CNPq.Os depoimentos abordamtoda a trajetória de Pavan,de sua origem familiarà contribuição comopesquisador e professor daUniversidade de São Paulo,passando pela atuaçãopolítica à frente da SociedadeBrasileira para o Progressoda Ciência (SBCP) e dopróprio CNPq. "Pavan sabiaque, mais importante do quea contribuição individualdo pesquisador, é a herançaque ele deixa nos jovensque educou e nos cientistasque formou", disse MarcoAntônio Zago, presidentedo CNPq.

> Vencedores doPrêmio Bunge

O Prêmio Fundação Bungeanunciou a lista de seusganhadores na edição 2009.Os professores João LúcioAzevedo e Carlos EduardoPellegrino Cerri, da EscolaSuperior de AgriculturaLuiz de Queiroz (Esalq), daUniversidade de São Paulo(USP), foram os vencedoresna área de AgriculturaTropical, nas categoriasVida e Obra e Juventude,respectivamente.Azevedo, 72 anos, professortitular aposentado pelaUSP, é coordenador demicrobiologia do Centrode Biotecnologia daAmazônia (CBA) e membroda Comissão TécnicaNacional de Biossegurança(CTNBio). Cerri, de35 anos, é professor doDepartamento de Ciênciado Solo da Esalq. O prêmiotambém foi concedido,na categoria Pintura, aosartistas plásticos ReginaSilveira, na categoria Vidae Obra, e Rodrigo Cunha,na categoria Juventude.

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32 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

produção acadêmica

Expansão ultramarina biblioteca eletrônica scieLo chega à África do sul e recebe elogio em editorial da Science

A influência internacional da bi-blioteca científica eletrônica SciELO (Scientific Electronic Li-brary Online), programa criado há pouco mais de uma década pela FAPESP em parceria com o Centro Latino-Americano e

do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), é cada vez maior na di-fusão da produção científica do Brasil e dos outros países que aderiram à iniciativa. Em novembro do ano passado, a África do Sul, que ostenta nove prêmios Nobel em sua história, quatro deles em áreas cientí-ficas, optou por adotar o SciELO como a plataforma de publicação de suas revistas científicas de maior qualidade e os primei-ros periódicos sul-africanos já entraram na biblioteca eletrônica ainda como parte de um projeto-piloto. Além de ganhar espaço entre nações em desenvolvimento fora do mundo ibero-americano, ampliando sua área de atuação para outro continente, o SciELO começou a chamar positivamente a atenção de atores de peso da ciência global. Um caso exemplar recente é o da revista científica norte-americana Science, uma das vozes mais respeitadas da pesquisa de primeira linha.

Em editorial intitulado “Globalizando a publicação da ciência”, a edição da Science que circulou com a data de 21 de agosto elogia a atuação do SciELO e o aponta como um modelo de difusão da produção cien-tífica feita por países em desenvolvimento. De acordo com o texto, assinado por Wie-land Gever, professor emérito de bioquí-mica médica da Universidade do Cabo, na África do Sul e ex-presidente da Academia de Ciências da África do Sul, “esse sistema (SciELO) já revelou a existência de revistas e artigos científicos produzidos localmente que são altamente citados em revistas in-dexadas pela base de dados ISI (Institute for Scientific Information)”, além de terem

igualmente um grande impacto dentro da própria base de revistas do SciELO. O ar-tigo na Science defende a ideia de que mais países não desenvolvidos, sobretudo os da África, deveriam optar por publicar suas revistas científicas no SciELO ou num sis-tema semelhante, escolha que provavel-mente aumentaria a penetração mundial de seus periódicos científicos. “O editorial é um marco, um reconhecimento ao bom trabalho do SciELO”, diz Abel Packer, coor-denador operacional do SciELO.

Historicamente, a FAPESP tem contri-buído com cerca de 75% do investimento no programa SciELO Brasil, que surgiu como um projeto-piloto em 1997 e foi de-finitivamente implantado no ano seguinte. De 1997 até o fim deste ano, a Fundação terá aportado cerca de R$ 17 milhões à iniciativa (ver quadro com a evolução dos investimentos no SciELO). Do orçamento total de R$ 4 milhões destinados ao SciELO em 2009, a FAPESP entrará com R$ 3,3 milhões, a Bireme arcará com R$ 450 mil e o Conselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (CNPq), que passou a apoiar a iniciativa em 2002, com R$ 250 mil.

“O SciELO nasceu dentro da FAPESP, com apoio entusiasmado da direção”, afirma Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica no Brasil e um de seus idealizadores. “Ela foi uma das primei-ras iniciativas a implantar o modelo de aces-so aberto a artigos científicos.” Para o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, os resultados do SciELO “têm sido exemplares e reconhecidos por obser-vadores independentes de várias entidades estrangeiras”. Brito Cruz afirma também que “as revistas que fazem parte do SciELO tiveram seus artigos mais citados interna-cionalmente, gerando com isso benefícios para o desenvolvimento científico em São Paulo e no Brasil”.

política ciEntífica E tEcnológica>

Marcos Pivetta

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PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 33

por pares) e concordem em manter seu conteúdo totalmente aberto e de acesso gratuito. A coleção cobre revistas de to-das as áreas científicas, embora algumas coleções nacionais, como a de Cuba e a da Espanha, tenham começado sua participação no projeto com títulos das ciências da saúde. Ainda hoje boa parte das revistas do sistema é da área médica, mas há publicações também das humanas e exatas.

Segundo Packer, a penetração glo-bal das revistas científicas brasileiras no SciELO é evidente. Todo mês as páginas da biblioteca eletrônica contabilizam em média 9 milhões de acessos, tendo em 100 países registrado ao menos 2.500 visitas. “O fator de impacto das revistas brasileiras que estão indexadas na base de dados Web of Science (da empresa Thomson Reuters) e no SciELO desde o início teve aumento médio de mais 200% no período 1997-2008”, afirma

o coordenador operacional da biblio-teca eletrônica. “Pela primeira vez na história, temos publicações nacionais com fator impacto maior do que 1.” Isso quer dizer que no ano passado os artigos científicos publicados entre 2006 e 2007 nesses periódicos foram citados em mé-dia ao menos uma uma vez por outras revistas que integram a mesma base de dados. Quatro publicações atingiram esse patamar: Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (da Fiocruz), Brazilian Journal of Medical and Biological Rese-arch (da Associação Brasileira de Divul-gação Científica), Journal of the Brazilian Chemical Society (da Sociedade Brasi-leira de Química) e a Revista Brasileira de Psiquiatria (da Associação Brasileira de Psiquiatria). n

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reprodução do editorial da

Science

Quando entrou pela primeira vez no ar, o SciELO contava com 10 revistas científicas, todas brasileiras. Atualmen-te o sistema agrupa 637 periódicos de 8 países ibero-americanos, dos quais 197 são do Brasil. O segundo país com mais títulos é o Chile (81 revistas) e o terceiro, a Argentina (54). Revistas de outras partes do mundo, como da Jamaica e da já citada África do Sul, co-meçam a entrar no sistema. “Hoje há 5 periódicos da África do Sul no SciELO, mas devemos ter 100 revistas deles nos próximos três anos e também teremos um periódico da Itália em breve e outro do Oriente Médio na coleção temáti-ca de saúde pública”, diz Packer. Essa estratégia de expansão geográfica dos títulos da biblioteca eletrônica “aumen-tou ainda mais o valor de toda a cole-ção, beneficiando todas as publicações envolvidas”, comenta Brito.

O SciELO só indexa e publica revis-tas científicas que tenham periodicida-de regular, trabalhem com o modelo de peer review (antes de aceitos, os artigos são submetidos ao processo de revisão

Globalizing Science Publishing PUBLISHING IN SCIENTIFIC JOURNALS IS THE MOST COMMON AND POWERFUL MEANS TO DISSEMINATE

new research fi ndings. Visibility and credibility in the scientifi c world require publishing in

journals that are included in global indexing databases such as those of the Institute for Scien-

tifi c Information (ISI). Most scientists in developing countries remain at the periphery of this

critical communication process, exacerbating the low international recognition and impact of

their accomplishments. For science to become maximally infl uential and productive across

the globe, this needs to change.

The economy of electronic publication, open access, and property rights fuel current aca-

demic and policy debates about scientifi c publishing in the industrialized world. The con-

cerns in the developing world (with few ISI-indexed journals) focus on more fundamental

questions, such as sustaining local research activity and achieving the appropriate global

reach of its science activities.

The essence of the African situation is captured by R. J. W. Tijssen’s

analysis of publications by African authors,* which was based not only

on data from ISI indexing databases, but also on publications not indexed

in this system. Surprisingly, half of the South African citations in the

indexed ISI literature are to articles in nonindexed, locally published jour-

nals. Also, several nonindexed local journals are cited in the ISI system at

about the same rate as are indexed journals. The share of indexed articles

with at least one author with an African address remains steady at about

1%. About half of the ISI-indexed papers with at least one author with

an African address have non-African partners outside of the continent.

These fi gures vary, country by country, sometimes in surprising ways.

For example, 85% of the papers published from Mali or Gabon involve

collaborations on other continents, versus 39% and 29%, respectively, for

South Africa and Egypt, the continent’s leading research producers. Thus,

much of the African research system is now highly dependent on collaborations.

How can the global reach and potential impact of scientifi c research in Africa and other

developing countries be optimized? Of primary importance is boosting the quality and quantity

of work that is locally published, through measures including review of submissions by peers

from within and outside the country, skilled editing, and exploitation of local niches and special

research opportunities. A proliferation of journals, short-lived publications, print-only journals,

and poor distribution constitutes a picture that must change. A nationally organized project can

probably make the biggest difference, with investment by government and research-support

agencies, as well as wide participation by local and regional scientifi c communities.

The work published in local journals must become more visible through search engines and

bibliometric tools. An open-source software-based system called Scientifi c Electronic Library

Online (SciELO), in development since 1998 with government support in Brazil, has two major

aims. One is to index high-quality local journals, extending beyond the ISI-indexed titles, through

a selection based on transparent assessment and performance monitoring. The second aim is to

provide free worldwide electronic access to the content of these journals. This system has already

revealed the existence of local journals and articles that are highly cited in ISI-indexed journals; it

has also revealed journals and articles that have a high impact within the SciELO system itself.†

The SciELO system is now being extended to South Africa, with government support. Exten-

sion to other African countries and regions is readily possible with the appropriate program lead-

ership and government support at national and international levels. Few forms of foreign aid

would be more likely to yield real and recurrent dividends than the facilitation of a connected

system of national and regional, open-access, quality-assured SciELO sites (or similar) throughout

Africa, and even more so, across the entire developing world.

*R. J. W. Tijssen, Scientometrics 71, 303 (2007). †R. Meneghini, R. Mugnaini, A. L. Packer, Scientometrics 69, 529 (2006). CR

ED

ITS:

21 AUGUST 2009 VOL 325 SCIENCE www.sciencemag.org 920

EDITORIAL

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Wieland Gevers is

Emeritus Professor of

Medical Biochemistry at

the University of Cape

Town in South Africa;

he was President of the

Academy of Science of

South Africa from 1998

to 2004.

10.1126/science.1178378

– Wieland Gevers

Published by AAAS

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Fonte: scieLo

Investimento no SciELO Brasil | FAPESP é responsável por 75% dos recursos do programa

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(Em milhões de reais)

Page 34: A corrida pela segunda geração do etanol

34 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

RecuRsos humanos

contasAprovAdAs

estudo mostra que alunos melhoraram habilidade em matemática ao participar de olimpíada de escolas públicas

Criada há apenas quatro anos, a Olimpíada Brasileira de Ma-temática das Escolas Públicas (Obmep) já contabiliza um impacto positivo no desempe-nho dos estudantes brasileiros na disciplina. Um estudo feito

por pesquisadores da Universidade de São Paulo e do Banco Itaú Unibanco mostrou que os estudantes do 9º ano do ensino fundamental que partici-param da olimpíada tiveram médias 2,14 pontos superiores no teste de ma-temática da Prova Brasil, que avalia as habilidades em leitura e em solução de problemas matemáticos, em relação a alunos de escolas que não aderiram à iniciativa. O impacto é mais significati-vo nos colégios que participaram mais vezes das edições anuais da olimpíada, assim como na fração de alunos com rendimento escolar mais elevado.

O estudo vai além e aponta o pro-vável retorno econômico da iniciativa. O aumento na competência em mate-mática conferido pelo treinamento pa-ra a olimpíada deverá propiciar a esses alunos ganhos salariais de até 0,30% quando eles chegarem ao mercado de trabalho. Parece pouco, mas a soma total dos ganhos dos participantes até o final da carreira foi estimada em R$ 901 milhões. “A olimpíada parece um bom investimento em termos de política pública, pois os custos são relativamente baixos e o número de beneficiários é ele-

Fabrício Marques

vado”, diz Naercio Aquino de Menezes-Filho, professor da Faculdade de Eco-nomia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, que coordenou o es-tudo com Lígia Vasconcellos e Roberta Biondi, do Itaú Unibanco.

A Obmep é promovida desde 2005 graças a uma parceria do Instituto Na-cional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Rio de Janeiro, e a Socie-dade Brasileira de Matemática com os ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Em sua quinta edição, rea lizada neste ano, teve 19 milhões de participantes, quase o dobro de 2005. A iniciativa busca estimular o estudo da matemática nas escolas públicas, identificar jovens talentos e incentivar o aperfeiçoamento de professores. A Obmep foi estruturada para influenciar o cotidiano das escolas. Uma apostila com questões de matemática e suas soluções, elaborada por matemáticos ligados à Obmep, é encaminhada aos professores das escolas participantes. “É um material de alta qualidade e aparên-cia desafiadora, que coloca as escolas em contato com o que há de melhor na comunidade matemática”, afirma César Camacho, diretor-geral do Impa.

A olimpíada acontece em duas fa-ses. A primeira é realizada e corrigida nas próprias escolas. Os 5% melhores alunos dessa etapa participam da fase seguinte. Três mil alunos de melhor

desempenho recebem bolsas de ini-ciação científica. A ideia de fazer uma avaliação econômica dos impactos da Obmep foi proposta pelo economis-ta Sérgio Werlang, vice-presidente-executivo do Itaú Unibanco. Ele fazia parte do conselho de administração do Impa e, impressionado com o alcance da olimpíada, sugeriu que se aplicasse à iniciativa uma metodologia de ava-liação de impacto econômico e social utilizada na Fundação Itaú Social para mensurar os resultados de projetos de organizações não governamentais.

Metodologia - O estudo estimou o im-pacto da olimpíada nas notas médias de matemática das escolas públicas na Prova Brasil, que desde 2005 avalia as habilidades em leitura e em matemática dos alunos do 5º e do 9º anos do ensino fundamental. A metodologia selecionou dados de 22.703 escolas cujos alunos de 9º ano participaram da Obmep e da Prova Brasil em 2007, comparando-os com os de um grupo de controle de 1.756 escolas que não participaram da olimpíada. Os dados foram tratados de modo a comparar escolas com carac-terísticas semelhantes, aproveitando a existência de informações como o perfil dos alunos e o grau de escolaridade de professores e diretores. Se a diferença de nota entre os dois grupos de escola chegou a 7,44 pontos, feita a pondera-ção da metodologia essa diferença caiu para 2,14 pontos. A escala da prova é de 0 a 500 pontos e as médias das escolas participantes oscilaram de 178 a 306 pontos. O ganho de 2,14 pontos leva a uma elevação do Índice de Desenvol-vimento da Educação Básica (Ideb) no estrato dos participantes de 3,5 para 3,6 pontos (numa escala de 0 a 10), ul-trapassando a meta estabelecida pelo

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PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 35

governo para 2009 e chegando perto do índice esperado em 2011.

Os pesquisadores resolveram avaliar também se o número de participações na olimpíada potencializava o impacto. As escolas foram divididas em três gru-pos: um com as que participaram só em 2007, outro com as que participaram duas vezes e o último com participantes de três edições. Os grupos foram com-parados novamente com escolas que não aderiram à Obmep. Verificou-se que, entre as escolas com apenas uma participação, a média era de 0,76 pon-to maior que o grupo de controle. Já entre as que haviam participado duas vezes o ganho foi de 1,51 ponto. Nas que participaram de três edições a elevação chegou a 2,38 pontos. “O efeito é cumu-lativo, embora ainda não saibamos até que limite esse rendimento possa me-lhorar”, diz Sérgio Werlang.

Os pesquisadores projetaram o re-torno econômico dessa conquista. A estimativa baseou-se em dados que re-lacionam o desempenho de jovens em avaliações educacionais na década pas-sada e os salários que obtiveram depois de formados. Espera-se um aumento nos salários anuais futuros de 0,10%, para os que participaram uma vez; e 0,19% e 0,30% para os que participa-ram, respectivamente, duas e três vezes. César Camacho, o diretor-geral do Im-pa, ficou surpreso com os resultados do estudo. “Trata-se de um programa jovem, que enfrentou resistências em alguns estados no primeiro ano”, afir-ma. Para Camacho, o sucesso da ini-ciativa permite sonhar em aproximá- -la com a experiência de países como a Coreia do Sul, que encaminha os meda-lhistas para universidades especiais, ou a Austrália, onde a olimpía da passou a integrar o currículo escolar. nA

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Page 36: A corrida pela segunda geração do etanol

> LABORATÓRIO MUNDO

"Um café, por favor.""Para mim uma água.""Eu quero um suco" ...Os clientes pedem e ogarçom não toma no-tas. Em seguida aten-de outra mesa e talvezaté converse sobre ojogo de futebol dodia. Na volta entregacada bebida a quemde direito, sem erros.Curioso com essehábito comum na Ar-gentina, onde garçonstêm reputação de se-rem os melhores domundo, um grupo do Institutode Neurociências da Univer-sidade Favaloro, em BuenosAires, foi a um café e testounove garçons com no mínimonove anos de profissão e oitovoluntários inexperientes. Nu-ma primeira etapa os garçonsatenderam oito convivas semenganos, mesmo com a inter-ferência de uma segunda me-sa. A história foi bem diferen-te quando os pesquisadorestrocaram de lugar entre si - osprofissionais cometeram er-ros, assim como os amadores.Entrevistas revelaram que osgarçons usam esquemas paraauxiliar a memória, como as-sociar o rosto de cada pessoaà cadeira onde está sentada evisualizar o ponto de cozimen-to da carne a cada localizaçãona mesa. Com base nisso, ogrupo descreveu o "efeito Tor-toni", em homenagem a umdos cafés mais tradicionais dacapital argentina: as associa-ções permitem aos garçonsligar a memória de trabalhoà de longo prazo e consolidarrapidamente a nova informa-ção (Behavioural Neuro/ogy).

('.a::LaJa::LaJ:::>OO1«>LaJ:::>OO > Mistério nas

colmeias

Diversas causas foramaventadas para explicaro distúrbio do colapso dascolônias (CCD), o sumiçode abelhas que desde 2006preocupa lavradorese apicultores (ver PesquisaFAPESP n° 131). Nenhumadelas, porém, explica ofenômeno sozinha. ReedIohnson e May Berenbaum,da Universidade deIllinois (EUA), agoraacrescentaram uma novapista à investigação(PNAS). Em análises dernicroarranjos em queexaminaram a expressãogenética das abelhasde colmeias afetadase não afetadas pelo CCD,eles encontraram umaquantidade anormal defragmentos de RNAribossômico, o moldepara fabricação deproteínas. Eles acreditamque essa fragmentaçãoseja causada por vírusdo tipo picorna, comoo vírus israelense deparalisia aguda, umdos principais suspeitosde provocar a síndrome.A infecção viral não seria

36 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163

Marselha, na França,descreve um materialcapaz de controlara propagação de certos tiposde onda, que contornariamo material, evitando queatingissem a construçãosituada no centro da "capa".Baseado em modelosmatemáticos que descrevemas equações que governamo comportamento dasondas, o material é uma finalâmina composta por anéisconcêntricos de váriosmateriais diferentes,com propriedades que nãoexistem em matérias-primasnaturais. O novo materialpoderá também serusado para eliminarvibração em carros e aviões.

o motivo direto da mortedas abelhas, mas afragmentação do RNAribossômico tornaria asabelhas incapazes de reagira pressões ambientais, comooutros patógenos, pesticidasou falta de alimento.

> Capa deinvisibilidade

Um análogo da capa queHarry Potter, herói da sagade J. K. Rnwling, usa parase tornar invisível podeser adotado para protegeredificações de terremotos.Em artigo na PhysicalReview Letters, um grupodo Instituto Fresnel em

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iões.

> Zumbis entreas formigas

Uma formiga-carpinteira(Camponotus leonardi)desce de seu ninho em meioàs copas das árvores numafloresta tailandesa, escalaum broto e finca asmandíbulas na face internade uma folha a cerca de25 centímetros do solo.Ali ancorada a formigamorre, e poucos dias depoisbrota de dentro delaum minúsculo cogumeloesférico. É exatamente essefungo o responsável pelomisterioso comportamentoda formiga, segundo artigona edição de setembroda American Naturalist.

Quando infectada,a formiga caminha comoum zumbi até se fixar noambiente mais propíciopara o desenvolvimentode seu parasita e condutor.Ali, com temperatura,umidade e exposição ao solideais, o fungo se reproduze lança seus esporos deum ponto onde facilmenteinfectarão outras formigas.E isso é só o começo:o parasita também dissolveas entranhas da formiga,transformando o conteúdoem açúcares queo alimentam. Só ficamintactos o músculo quemantém as mandíbulaspresas à folha e a carapaça,um excelente abrigo.

Um planeta que dá voltas no sentido errado em torno de suaestrela é uma das descobertas surpreendentes do consórciobritânico que forma a Busca por Planetas em Ampla Área(Wasp), em parceria com o Observatório de Genebra. É oWasp-17,o primeiro planeta em que foi detectada uma órbitaretrógrada, sugerindo que tenha sido lançado para uma novaórbita por uma colisão com um planeta maior (AstrophysicalJournal). Os planetas são formados pelo mesmo redemoinhogasoso que cria uma estrela, por isso se espera que girem nomesmo sentido de rotação daestrela. O tamanho foi o pri-meiro indício de que Wasp-17não é um planeta qualquer:ele tem metade da massa deJúpiter e o dobro de seu ta-manho. Isso faz do Wasp-17 omaior planeta de que se temnotícia. Acredita-se que, emsua órbita retrógrada e elípti-ca, ele estaria sujeito a efeitosde maré que o comprimiriam,esticariam e aqueceriam atéchegar ao que é hoje, com umadensidade 70 vezes menor doque a da Terra. Outra desco-berta recente do consórcio éo Wasp-18b, que dá a volta emsua estrela em menos de umdia e, estima-se, será engolidopor ela em cerca de 500 milanos, um instante em termosastrofísicos (Nature).

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> Bom paraa mãe e o bebê

Amamentar protege docâncer de mama mulherescom histórico da doença nafamília. A conclusão está noestudo liderado por AlisonStuebe, da Universidadeda Carolina do Norte, nosEstados Unidos (Archivesoflnternal Medicine). Suaequipe acompanhou maisde 60 mil mulheres quetiveram filhos em 1997,registrando detalhes doaleitamento e quantas delasdesenvolveram câncerde mama até 2005. O riscofoi 59% menor para as queamamentaram, não importapor quanto tempo, mas sópara mulheres cuja mãeou irmã teve a doença.Ainda não se sabe por queisso acontece, mas nãoamamentar após o partocausa uma inflamação quepode provocar mudançasno tecido mamário eaumentar o risco de câncer.O mesmo não vale paramulheres sem histórico na

Amamentação: seiosprotegidos do câncer

família, talvez porqueo risco seja baixo a pontode o estudo não conseguirdetectar. Mais um pontoa favor da amamentação.

PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 37

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> A sociedadeinvisível do mangue

Águas com níveis de hormônios além do seguro

> LABORATÓRIO BRASIL

Os rios que abastecem asprincipais cidades do estado doRio de Janeiro podem conterhormônios sexuais naturais ousintéticos em níveis superioresaos considerados seguros. Umaequipe do Instituto de Químicada Universidade Federal do Riode Janeiro, em conjunto compesquisadores do Instituto deDiagnóstico Ambiental e Estu-dos de Água e da Universidadede Girona, ambos da Espanha,detectou até 7 nanogramas porlitro (ng/L) de compostos estro-gênicos e hormônios sexuaisfemininos, como o estriol, e 47ng/L de progesterona, outrohormônio feminino. Essas con-centrações foram medidas em20 amostras de água colhidasdos rios Paraíba do Sul, Guan-du e Macaé nos municípios deResende, Volta Redonda, BarraMansa, Seropédica, Campos deGoytacazes, Duque de Caxias,Rio de Janeiro e Lumiar, assimcomo nas lagoas Rodrigo deFreitas e de Jacarepaguá, na capital fluminense. Um nanogramade compostos estrogênicos ou de progesterona em cada litro deágua já pode causar efeitos indesejados, alterando o crescimentoe o equilíbrio hormonal de peixes e de seres humanos, segundoesse levantamento publicado em junho na Environment Inter-national. Os níveis de três fitoestrógenos, compostos naturaisque mimetizam os hormônios sexuais femininos, chegaram a366 ng/L, valores jamais vistos na literatura científica, prova-velmente em função do uso desses compostos em fitoterápicose da falta de tratamento de água e esgoto.

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> A vida e a mortedos neurônios

da Universidade Federal doRio de Janeiro. Eles viram queo córtex cerebral de um ratocom uma semana de vida tem44 milhões de células, quaseo dobro de neurônios doanimal ao nascer. Ganhose perdas são intensos emdiferentes regiões do sistemanervoso central. De 60 a 70%

Neurônios não se formamsó na gestação, mas tambémnas primeiras semanas apóso nascimento. Ao menos emratos, verificaram FabianaBandeira, Roberto Lent eSuzana Herculano-Houzel,

38 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163

dos neurônios do córtexe do hipocampo existentesna primeira semana de vidasão eliminados na semanaseguinte (PNAS). O númerode outras células tambémvaria. O cérebro de um ratotem 4 milhões de células nãoneuronais (6% do total decélulas) no nascimentoe 140 milhões quando adulto(50% do total). O volumefinal do cérebro resultada combinação de perdase ganhos de neurônios eoutras células e do aumentode tamanho dos neurônios.

Galerias no caule deRhizophora mangle:

proteção para crustáceos

Três biólogas do Paráafundaram o pé nomanguezal e encontraramuma notável diversidadede seres convivendo nasgalerias de teredos(moluscos perfuradores)em troncos de árvores emdecomposição. Abrindonove amostras de árvoreda espécie Rhizophoramangle, Daiane Aviz,da Universidade Federaldo Pará, Clara Ferreira deMello, da UniversidadeFederal Rural da Amazônia,e Patrícia Fernandes daSilva, da Secretaria deEducação do Estadodo Pará em São Caetanode Odivelas, encontraramvários vermes marinhos,como nemertíneos eanelídeos, além de moluscose artrópodes (pequenosinsetos e crustáceos) - umtotal de 452 exemplaresde animais, descritos naedição de janeiro-abril doBoletim do Museu ParaenseEmílio Goeldi. Eramos sobreviventes domanguezal, ambiente hostil,devido às constantesentradas de água do mar.

Page 39: A corrida pela segunda geração do etanol

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Bactris gasipaes: variedade selvagem (vermelha) e cultivada

o interior das árvoresos protegia das oscilaçõesda maré, da salinidade,dos predadores e do riscode secarem ao sol.

editorial. Ali o leitorencontra perfis de quemfaz ciência, entra no espaçoonde eles trabalham naseção "estação de trabalho",lê reportagens sobreas pesquisas realizadasna Unesp, acompanha oslançamentos da editoraUnesp e ainda pode sedeleitar com a beleza visualda ciência na seção 'click'. Oprimeiro número comemoraos 400 anos de ciência,quando o italiano GalileuGalilei apontou uma lunetapara o céu e descobriuum novo mundo. A equipecapitaneada pelo diretoreditorial Maurício Tuffanipromete celebrar muitomais da ciência a cada mês.

unes iencia

> Nova vitrinepara a ciência

A ciência brasileira acaba deganhar mais um veículo parasair dos laboratórios. É arevista Unesp Ciência, queserá distribuída nas unidadesda Universidade EstadualPaulista e em instituiçõesde ensino e pesquisa.O conteúdo também estáinteiramente disponível nosite www.unesp.br/revista"Nosso compromissoaqui é fazer um jornalismocrítico, pluralista, atentoàs contradições do próprioprocesso científico eequilibrado entre astrês grandes áreas doconhecimento (exatas,humanas e biológicas). Coma curiosidade de buscar oque nunca ninguém viu, ouousou ver", escreve a editorachefe Giovana Girardi no

Pesquisadores do Acre, Amazo·nas e Pará estudaram duas varie-dades silvestres da pupunheira,palmeira que produz a pupunha,

fruto saboroso de alto valor nutritivo. Os frutos das variedadessilvestres são menores e mais oleosos que os das cultivadas,importantes para a produção de palmito. Seria uma boa notícia seas variedades silvestres não estivessem numa faixa da FlorestaAmazônica que vai do Maranhão ao Acre conhecida como Arcodo Fogo, sujeita a intenso desmatamento. Por meio de análisesde fotos aéreas, levantamentos botânicos e expedições financia-das pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), Charles Clement,Evandro Ferreira e Sylvain Desmouliere, do Instituto Nacional dePesquisas da Amazônia, Ronaldo Santos, do Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária, e João Farias Neto, da EmbrapaAmazônia Oriental, viram que as populações silvestres de Bactris

gasipaes são pequenas e ocupam áreas próximas a rios e riachos(PLoS One). Muitas já desapareceram. As análises mostraram quea rodovia BR-163 favorece essa extinção. "A blindagem ambientalnão funciona como o MMA espera", conta Clemente. Muitas popu-lações remanescentes estão isoladas em fragmentos florestais,o que ameaça a reprodução e a reocupação de outros espaços."As implicações são evidentes, uma vez que a conservação ex situ

[fora da área de origem] é economicamente invlável."

PUPUNHAS NOARCO DO FOGO

> Os riscos doalisamento caseiro

Descontentes com os cabeloscrespos, os cachos ou asmexas rebeldes, muitasmulheres recorrem à químicapara deixá-los lisos. Algumasarriscam formulações maisbaratas, com componentesnem sempre conhecidos -produtos aprovados pelaAgência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa)podem custar mais deR$ 250. A equipe de IsraelFelzenszwalb, da Universidadedo Estado do Rio de Janeiro,fez análises químicas etoxicológicas em três cremescaseiros fornecidos porusuárias. Quem os usa correriscos que vão além do desofrer queimaduras na peleou desenvolver alergias, porcausa do excesso de formol,cuja adição permitidapela Anvisa é de 0,2%.Os pesquisadores verificaramnos cremes um forte

potencial de danificar omaterial genético das células- e causar câncer - porconterem de 50 a 200 vezesmais formol do que opermitido. Esse potencialcancerígeno possivelmentese deve ao excesso de formole a compostos queintensificam seus efeitos(Journalof Applied Toxicology).

PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 39

Page 40: A corrida pela segunda geração do etanol

40 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

psiquiatria

Um quebra-Proteínas aprofundam noção da esquizofrenia como doença biológica

A esquizofrenia não é novidade para quem assiste à no-vela Caminho das Índias, exibida pela TV Globo entre ja-neiro e setembro de

2009. Tarso, representado por Bruno Gagliasso, ouve vozes, acredita que lhe implantaram um chip debaixo da pele pa-ra roubar seus pensamentos, imagina que vai se dissolver e se descontrola em crises violen-tas. Os sinais que apresenta for-mam um quadro completo típi-co dessa doença que atinge uma em cada 100 pessoas – estima-se que sejam cerca de 1,8 milhão no Brasil. O biólogo Daniel Martins- -de-Souza, agora pesquisador de pós-doutorado no Instituto Max Planck para Psiquiatria, na Ale-manha, identificou uma série de proteínas envolvidas nos mecanis-mos bioquímicos da esquizofrenia que vêm ajudando a entender os detalhes de como ela causa todos esses sintomas.

Durante o doutorado no De-partamento de Bioquímica da Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp), Souza examinou as proteínas produzidas no cérebro de sete pessoas saudáveis e de nove com esquizofrenia. “Cada região ce-rebral expressa milhares de proteínas diferentes”, conta. “Nós conseguimos reduzir para poucas dezenas as rela-cionadas à doença.” São proteínas que aparecem em quantidade alterada nos cérebros dos pacientes e podem dar

Maria Guimarães

pistas importantes sobre como a esquizo-frenia surge e se manifesta. O trabalho foi orientado pelo biólogo Emmanuel Dias Neto, do Laboratório de Neurociências do Insti-tuto de Psiquiatria (IPq), parte do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e teve apoio financeiro da FAPESP e da Associação Beneficente Alzira Denise Hertzog da Silva (Abadhs).

Em busca dos estragos que a esquizo-frenia causa no cérebro, Souza selecionou regiões que já se sabia relacionadas à doen-ça: o córtex pré-frontal, responsável por certos tipos de memória, diferenciação de pensamentos contraditórios, determinação dos conceitos de certo e errado, comporta-mento social e expressão da personalidade; a área de Wernicke, uma porção do córtex ligada à fala, à linguagem e à comunicação; e o lobo temporal, que participa de proces-sos cognitivos e afetivos. Essa distribuição de zonas afetadas dá uma dimensão da complexidade da esquizofrenia, palavra que significa cisão da mente.

Vários grupos de pesquisa no mundo todo têm se concentrado em analisar alte-rações genéticas associadas à doença, mas Souza defende o foco nas proteínas, o pro-duto desses genes alterados. “Elas são os jogadores reais que agem no organismo”, justifica, já que um gene mais ativo não necessariamente se traduz numa concen-tração maior da proteína cuja produção ele comanda. “Confirmamos achados prévios e acrescentamos proteínas que ainda não tinham sido consideradas.” Es-te ano, os resultados já renderam quatro artigos científicos. Ele agora se concentra em algumas dessas moléculas alteradas para ver como elas participam do de-senvolvimento da doença.

Comparar as zo-nas do cérebro altera-das na doença mental é tarefa complexa. “A maioria das proteínas aparece em quantida-des distintas nas dife-rentes regiões cerebrais”, diz Souza. O que ele pre-tende não é caracterizar o funcionamento de cada parte do cérebro, mas ver o que há de comum entre elas e que pode servir co-mo um marcador da doen-ça, que diferencie pacientes de pessoas saudáveis. “É isso que pode nos ajudar a compreender a esquizofre-nia”, aposta. Ele começou então a caça por proteínas – algo como procurar estrelas específicas num céu estrelado – no laboratório de proteômi-ca da Unicamp, liderado por José Camillo Novello e Sérgio Marangoni.

Com resultados promissores em mãos, o pesquisador partiu para o Instituto Max Planck de Psiquiatria na Alemanha em busca de um método mais sen-sível, que permitisse detectar até mesmo concentrações muito pe-quenas de proteínas: a análise de proteoma por shotgun, ainda não usada no Brasil. Com esse méto-do mais refinado, foi possível usar até mesmo proteínas muito pouco abundantes para distinguir amostras de cérebros saudáveis daqueles com esquizofrenia.

>ciência

-cabeça em construção

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PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 41

Exame detalhado - Metade das alte-rações detectadas pelo grupo do IPq diz respeito à produção de energia nas cé-lulas. Uma série de proteínas envolvidas na degradação de glicose e na produção de adenosina trifosfato (ATP), a molé-cula que fornece energia para as células, aparece em quantidade menor nos cé-rebros dos esquizofrênicos. Já existiam pistas de que o metabolismo da glicose fica prejudicado nessa doença, mas não se sabia se isso seria uma causa dela ou uma consequência do tratamento. Para Souza, os achados favorecem a primeira opção. “As proteínas que identificamos comprovam que a degradação da glico-se está alterada devido à ação de certas enzimas.” Mas a questão está longe de ser definida. Wagner Gattaz, diretor do IPq e orientador clínico do trabalho, explica que todos os pacientes tomavam medica-mentos que afetam a atividade cerebral. “A possibilidade de esses medicamentos influenciarem parte de nossos resultados não pode ser descartada”, afirma.

Souza detectou altos teores de proteí-nas que combatem o estresse oxidativo, indicando que, além de reduzir o apro-veitamento da glicose, as alterações no metabolismo celular geram mais radicais livres, causando danos às células do cére-bro. Ele explica que o próprio processo de gerar energia, dentro das usinas celulares que são as mitocôndrias, produz as mo-léculas oxidativas. Quando a concentra-ção dessas moléculas – os radicais livres – chega a determinado nível, o estresse é tal que as mitocôndrias se rompem e os radicais livres se espalham pela célula.

O método detalhado permitiu enxer-gar também uma queda na quantidade de proteínas produzidas nos oligoden- w

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42 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

drócitos. São células importantes por-que produzem a mielina, substância que reveste as projeções dos neurônios – as células nervosas responsáveis pela transmissão de informações. Sem mie-lina os nervos são como fios desenca-pados que deixam vazar a eletricidade pelo caminho. “Nossos achados suge-rem uma alteração em dois marcadores ligados aos oligodendrócitos”, comenta Souza. Três dessas proteínas, a proteína básica de mielina, a transferrina e a glicoproteína da mielina do oligoden-drócito, já tinham sido associadas a outra enfermidade sediada no cérebro: a esclerose múltipla. A descoberta suge-re que, assim como a esclerose múltipla, alguns sintomas da esquizofrenia podem vir da degeneração do sistema nervoso.

A capacidade dos nervos de trans-mitirem informação também é afetada pelo cálcio. Souza detectou, por meio de alterações na produção de diversas proteínas, que as células do cérebro dos esquizofrênicos absorvem mais cálcio. Esse importante sinalizador de diversas funções celulares também regula a ação de enzimas que degradam a mielina, por

isso um desequilíbrio em sua con-centração pode significar perdas importantes nas funções nervosas. O cálcio controla ainda o funciona-mento dos receptores de dopamina, um neurotransmissor cuja produ-ção é excessiva na esquizofrenia. Os achados de Souza ajudam a deter-minar a cadeia que leva à atividade excessiva da dopamina, combatida por psiquiatras com medicamentos que bloqueiam os receptores ativa-dos por ela.

As proteínas apontam ainda ou-tros aspectos da esquizofrenia que merecem investigação mais detalha-da, como as relações da doença com o sistema imunológico (estudos epi-demiológicos mostram que pessoas cujas mães contraíram gripe durante a gestação têm um risco maior de desen-volver esquizofrenia) e com a estrutura das células. Um quarto das proteínas produzida em maior ou menor quan-tidade participa na formação do citoes-queleto, cuja modificação afeta a forma

das células e também a capacidade dos neurônios transmitirem informações. As alterações têm até endereço certo: algumas das moléculas destacadas são exclusivas dos astrócitos, um dos tipos de célula nervosa que formam o arca-bouço do cérebro e mantêm a estrutura onde se encaixam os neurônios. Embora o efeito na estrutura de algumas células seja flagrante na esquizofrenia e ajude a

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PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 43

elucidar sua biologia, Souza não investi-rá nisso como marcador para diagnós-tico. “Qualquer doença dá alterações no citoesqueleto”, afirma.

De volta à Alemanha para o pós- -doutorado, Souza agora procura quan-tidades alteradas dessas mesmas proteí-nas no sangue e no líquor, o fluido que envolve o cérebro e a medula espinhal. Só assim – já que tirar amostras do cé-rebro de uma pessoa viva está longe de ser um exame trivial – será possível desenvolver um teste diagnóstico que poderia completar o exame clínico em casos nos quais a doença ainda não se manifestou por completo.

multidimensional - Mesmo com re-sultados promissores, a análise das proteínas deve ser vista com cautela. “Nenhum exame bioquímico sozinho pode detectar a esquizofrenia”, frisa o psiquiatra Helio Elkis, do Departamen-to de Psiquiatria da USP e coordenador do Programa de Esquizofrenia (Projesq) do IPq. Para ele, a única forma segura de diagnóstico é a avaliação clínica com critérios internacionais bem definidos, que incluem sintomas psicóticos, como delírios e alucinações; negativos, que envolvem diminuição da afetividade, dificuldade de tomar decisões e falta de interesse; de desorganização do pensa-mento que torna difícil entender o que o paciente diz; de ansiedade e depres-são, e distúrbios cognitivos.

Para ele, a credibilidade do trabalho de Souza é reforçada pelo diagnóstico dos pacientes cujos cérebros foram exa-minados, que seguiu critérios inter-nacionais e incluiu um longo acom-panhamento clínico. Mas ele ressalta que muito tem que acontecer antes que uma medição de proteínas possa ajudar no diagnóstico de um quadro psiquiá-trico. “Uma vez identificados os mar-cadores, serão precisos testes com uma grande população para comparar os resultados moleculares aos clínicos.”

Diante de uma enfermidade com tantas dimensões, quanto mais fer-ramentas melhor para se elucidar seu funcionamento biológico e, quem sabe, combatê-la. Essas ferramentas podem ter origens inesperadas, como outra doença que provoque efeitos semelhantes aos da esquizofrenia. “O estudo de outras

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cabeça em fatias: exames de imagem revelam o acúmulo de cálcio no cérebro típico da doença de fahr, cujos sintomas podem ser confundidos com a esquizofrenia

> Artigos científicos

1. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Proteomic analysis of dorsolateral prefrontal cortex indicates the involvement of cytoske-leton, oligodendrocyte, energy metabolism and new potential markers in schizophrenia. Journal of Psychiatric Research. v. 43, n. 11, p. 978-986. jul. 2009.2. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Proteome analysis of schizophrenia patients Wernicke’s area reveals na energy metabolism dysregula-tion. BMC Psychiatry. v. 9, n. 17. abr. 2009.3. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Prefrontal cortex shotgun proteome analysis reveals alte-red calcium homeostasis and immune system imbalance in schizofrenia. European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience. v. 259, n. 3, p. 151-163. abr. 2009.4. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Alterations in oligodendrocyte proteins, calcium homeostasis and new potential markers in schizophrenia anterior temporal lobe are revealed by shotgun proteome analysis. Journal of Neural Transmission. v. 116, n. 3, p. 275-289. mar. 2009.

doenças que têm sintomas psicóticos pode ajudar a entender a esquizofrenia”, defende o neuropsiquiatra João Ricar-do Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele estudou genes ligados à esquizofrenia há cerca de 10 anos, quando ainda cursava a gradua-ção em medicina. Agora é especialista na doença de Fahr, na qual o acúmulo de cálcio em vários pontos do cérebro causa uma combinação variável de sintomas como parkinsonismo, tremores, dificul-dades cognitivas, psicose e alterações de humor. “Quando começa com psicose, a doença de Fahr muitas vezes é tratada como esquizofrenia”, conta. Nesses casos a medicação não tem efeito e o engano só é descoberto quando a calcificação no cérebro aparece em tomografias.

Seu grupo agora estuda a genética e os padrões de calcificação da doença de Fahr e recentemente mostrou, com um par de gêmeos idênticos, o peso da genética na doença: o acúmulo de cál-cio começou a surgir ao mesmo tempo e evoluiu de maneira muito semelhante, atingindo as mesmas regiões no cérebro dos dois irmãos, segundo artigo deste ano na Parkinsonism and Related Disorders.

Para Oliveira, que tem amostras de cerca de 15 famílias, analisar como a composição genética e os padrões de deposição de cálcio dão origem a diferentes sintomas pode ajudar a entender a esquizofrenia e várias outras doenças.

A tarefa exige abordagens múlti-plas. Enquanto comemoram resulta-dos palpáveis, os pesquisadores veem estender-se adiante o percurso que ainda resta seguir. Para confirmar o significado das alterações observa-das pelo grupo do IPq, será preciso mostrar que elas são específicas para esquizofrenia e detectar se alguma delas decorre do tratamento, e não da doença. “A especificidade dos acha-dos só pode ser elucidada se, num próximo estudo, compararmos cérebros de esquizofrênicos e contro-les sadios com um terceiro grupo, os controles psiquiátricos (por exemplo, pacientes com transtorno bipolar)”, explica Gattaz. Emmanuel Dias Neto completa: “Por anos tentamos sim-plificar demais. Agora é hora de olhar a coisa com a sua complexidade real, examinando vias metabólicas, e não marcadores isolados – se estes existis-sem de fato, provavelmente já teriam sido identificados”. n

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Bioinformática

simplicidade

Novo método para comparar genomas pode ajudar a construir a árvore da vida

Cada vez é mais rápido e fácil ler o DNA completo de qualquer ser vivo, com os equipamentos modernos. Mas mesmo essa evolução da tecnologia ainda não tornou banal comparar genomas pa-ra avaliar semelhanças entre espécies e montar uma árvore da vida. “Com

os métodos atuais, os computadores demoram muito para comparar o material genético integral de um conjunto com mais de vinte espécies”, avalia o matemático João Meidanis, do Insti-tuto de Informática da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Não satisfeito com a solução habitual de buscar aproximações pa-ra dar sentido aos dados, ele e seu aluno Pedro Feijão desenvolveram um método novo para comparar genomas, que em setembro passará por uma prova de fogo: será apresentado a co-legas do mundo todo no workshop Algoritmos em Bioinformática, nos Estados Unidos.

O que torna tão lenta a análise dos dados não é mais obter as sequências, mas compará-las. Isso porque cada genoma é representado por bilhões de letras enfileiradas (cerca de 3 bilhões, no caso humano). Os métodos de comparação entre espécies usam representações matemáti-cas dos modelos de como as mutações naturais aos poucos substituem letras ou quebram essa longa cadeia que volta a emendar-se em outro ponto – uma contabilidade extenuante até para os computadores mais possantes.

A fórmula proposta pela dupla de matemáti-cos simula uma situação em que o genoma seria quebrado num só ponto e depois emendado ou-tra vez de maneira aleatória. Se isso acontece su-cessivas vezes, a sequência genética é aos poucos embaralhada. Daí vem o nome single-cut-or-join (único corte ou ligação) que batiza o método. O processo simula o tipo mais comum de rear-ranjo genético, em que um trecho do DNA fica invertido. Se a vírgula da frase anterior fosse o ponto de ruptura, a frase poderia virar “ociténeg ojnarraer ed mumoc siam opit o alumis ossecorp O, em que um trecho do DNA fica invertido” ou “em que um trecho do DNA fica invertido, O processo simula o tipo mais comum de rearranjo genético”, entre outras possibilidades. “Essa é uma das formas de alteração mais comuns no genoma”, explica Meidanis, “pois ela preserva trechos intactos e assim mantém propriedades genéticas”. O programa que ele desenvolveu

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PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 45

(breakpoint), usado desde o início do século XX quando surgiu a genética de populações, e o double-cut-or-join (du-plo corte ou ligação), mais usado nos últimos tempos. O método mais antigo é conceitualmente muito parecido com o agora proposto, mas difere na for-malização matemática; o mais recente considera que o genoma é quebrado em três partes que voltam a se juntar aleatoriamente – uma complexidade desnecessária, aos olhos de Meidanis. Para ele, a simplicidade de seu mo-delo torna mais fácil a resolução dos problemas. E talvez torne sua solução mais próxima da realidade, completa, citando o físico Albert Einstein: “Ele disse que tudo deveria ser considerado da maneira mais simples possível, mas não mais simples do que isso”.

Num próximo passo, discussões e colaborações com geneticistas serão es-senciais para avaliar se a simplificação matemática excede a da natureza. Por enquanto, Meidanis e Feijão têm testa-do o modelo com conjuntos de dados que a comunidade de bioinformatas usa justamente para testar métodos no-vos. Ao comparar o formato das árvores obtidas pelo programa, eles constatam que seu método chega a resultados se-melhantes ao que outros encontraram – mas com um tempo de processamen-to muito mais curto.

Mesmo antes da discussão deste mês e da publicação formal do trabalho, um grupo de pesquisa alemão já mostrou interesse em receber a versão final. Mais um sinal, para o professor da Unicamp, de que sua proposta é inovadora. n

Maria Guimarãesfot

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Lado a lado: matemática desvenda parentesco entre espécies

faz uma série de cortes aleatórios no genoma selecionado e determina a semelhança com outro genoma pelo número de cortes necessários para que o primeiro fique igual ao segundo. Ao comparar o material genético de várias espécies – com esse método é possível comparar até 100 genomas em poucos dias – o programa de Meidanis e Fei-jão produz uma árvore filogenética que mostra o parentesco entre os seres vivos comparados.

Debate - O trabalho teve uma recepção longe de unânime na comissão científica que analisou os trabalhos submetidos à conferência. “Dois revisores acharam que não estávamos apresentando nada útil e três ficaram em cima do muro”, conta Meidanis. Em vez de motivo para desânimo, a resposta foi um estímulo. A começar pelo artigo ter sido analisado por cinco revisores em vez dos habituais três. “Pelo visto eles tiveram dificuldades em decidir, mas mesmo assim possivel-mente aceitaram o trabalho porque é algo novo que pode dar origem a um debate importante”, postula.

Eles estão preparados para a dis-cussão. Já refizeram todos os cálculos para demonstrar que sua proposta é sim matematicamente distinta dos métodos em uso: o ponto de quebra

> Artigo científico

FEIJÃO, P. e MEIDANIS, J. SCJ: a variant of breakpoint distance for which sorting, geno-me median and genome halving problems are easy. 9th Workshop on Algorithms in Bioinformatics. 2009.

Page 46: A corrida pela segunda geração do etanol

46 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

O pediatra José Simon Camelo Junior tem agora um argumento forte para tentar convencer as autoridades de saúde do país a incluir na triagem neonatal o popular teste do pezinho, o exame para identificar a galactosemia, doença genética marca-da pela incapacidade de metabolizar a

galactose, o açúcar típico do leite. A razão não é apenas de saúde. É também econômica. Examinar todos os anos as 600 mil crianças que nascem no estado de São Paulo – e tratar precocemente as doentes – sai 33% mais barato do que lidar com os problemas de saúde que as 17 crianças desse grupo, com galactosemia identificada tardiamente, desenvolverão ao longo da vida, como catarata, danos no fígado e retardo mental.

Foram necessários cinco anos de trabalho para o pediatra da Universidade de São Paulo em Ri-beirão Preto (USP-RP) e sua equipe comprovarem que a inclusão do exame para a galactosemia no teste do pezinho é vantajosa também do ponto de vista econômico. Antes, porém, tiveram de con-seguir uma informação muito mais básica sobre

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a enfermidade: o número de casos que surgem a cada ano no estado de São Paulo, dado anterior-mente estimado apenas com base em levanta-mentos feitos no exterior.

Nessa primeira e mais trabalhosa etapa da pes-quisa, os grupos de Ribeirão Preto e de outros três centros de triagem neonatal do estado analisaram amostras de sangue de 59.953 crianças nascidas em 2006, o equivalente a 10% dos nascimentos registrados por ano nos municípios paulistas. O levantamento inicial indicou que 158 recém- -nascidos possivelmente apresentavam galactose-mia. Um exame mais específico, porém, revelou que das 158 crianças apenas três tinham de fato a doença – e necessitavam de tratamento urgente. Essa proporção indica que cerca de um em cada 19 mil bebês paulistas nasce com uma das alte-rações genéticas associadas à galactosemia, o que corresponderia a quase 30 novos casos por ano no estado de São Paulo. É uma incidência relativa-mente baixa, mas superior à que se imaginava.

“A incidência dessa enfermidade no estado de São Paulo é muito mais elevada do que a dos

O futuro em uma

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identificar e tratar precocemente doença genética que leva

ao retardo mental

Saúde

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PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 47

– uma lata de leite de soja custa cerca de R$ 30, enquanto o leite usado pa-ra crianças com fenilcetonúria sai por quase R$ 300 –, Camelo Junior vem de-fendendo nos últimos anos a inclusão do exame para galactosemia no teste do pezinho realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente esse exa-me, oferecido gratuitamente para os recém-nascidos desde 2001, avalia a ocorrência de outras três enfermida-des: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito e hemoglobinopatias. Três estados (Paraná, Santa Catarina e Mi-nas Gerais) realizam também o exame para detectar fibrose cística, enfermi-dade que reduz a hidratação do muco e de outras secreções, afetando os sis-temas digestivo e respiratório. “Nos-sos dados mostram que em São Paulo a galactosemia é tão frequente quanto a fenilcetonúria, que afeta um em ca-da 19 mil recém-nascidos”, diz Camelo Junior, comparando seus dados com os da equipe de Lea Zanini Maciel.

Determinada a incidência da galac-tosemia, o pediatra de Ribeirão decidiu verificar quanto a realização do exame custaria ao estado. Com a ajuda de Jair Santos, da medicina social, e de Alceu Camargo Junior e Cláudia Passador, da Faculdade de Economia e Administra-ção da USP-RP, Camelo Junior pôs na ponta do lápis os gastos relacionados ao

teste para galactosemia – valor do kit diagnóstico, do transporte até o centro de testagem, dos contatos telefônicos e do tempo de trabalho perdido pelos pais. Somou ainda as despesas decor-rentes da detecção tardia da doença – custos de atendimento ambulatorial e de internação em unidade de terapia intensiva, gastos com cirurgias e me-dicamentos, além dos dispêndios com estrutura hospitalar –, tomando por ba-se dados coletados ao longo de 20 anos de atendimento em diferentes unidades do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP.

Economia - Somando os gastos, a tes-tagem de 600 mil recém-nascidos sairia por R$ 937,3 mil, descontados os ju-ros anuais. A identificação precoce da doen ça evitaria que as 17 crianças com a forma de galactosemia que evolui pior tivessem de passar por tratamento crô-nico e lhes permitiria levar uma vida produtiva. No total, representa uma economia de R$ 1,245 milhão ao sis-tema público, revelam os pesquisadores em dois artigos – um deles publicado no Journal of Inherited Metabolic Disease. “Detectar a doença nos primeiros sete dias de vida sai 33% mais barato do que tratá-la mais adiante”, afirma Camelo Junior, que atualmente trabalha para mostrar esses dados às autoridades públicas de saúde. “Não vou descansar enquanto não reconhecerem esses dados.”

Esses resultados, segundo o pediatra, representam apenas parte do trabalho que precisa ser feito para se conhecer a frequência com que essa enfermidade ocorre no país. “Outros estados deve-riam realizar estudos semelhantes, pois a proporção observada em São Paulo não pode ser extrapolada”, diz. É que os defeitos genéticos associados à galacto-semia são mais comuns nas populações de origem africana do que entre os des-cendentes de europeus. Por essa razão, é provável que sua incidência seja mais elevada, por exemplo, na Bahia do que nos estados do Sul do país. n

Estados Unidos ou a de vários países da Europa e está mais próxima à da África do Sul”, conta Camelo Junior, mem-bro da equipe dos pediatras Lea Zanini Maciel, Maria Inez Fernandes e Salim Jorge, da USP-RP. Nos Estados Unidos um em 30 mil ou um em 40 mil bebês nasce com galactosemia, enquanto na Inglaterra essa taxa é de um em 60 mil e na África do Sul de um em 14 mil.

Quem tem galactosemia apresenta uma das 230 alterações já identificadas

nas duas cópias do gene responsável pela produção da

enzima galactose-1-fosfato-uridiltrans-ferase (Galt). Essa enzima transforma o principal açúcar do leite, galactose, em outro açúcar, a glicose, usada pelas células como fonte de energia. A pro-dução de enzimas Galt defeituosas ou em baixas quantidades leva ao acúmulo da galactose no sangue e nos tecidos. Em concentrações elevadas, a galacto-se gera compostos tóxicos que afetam o fígado, causando cirrose, e tornam opaco o cristalino (a lente natural dos olhos), provocando catarata. Surgem ainda consequências mais graves. Co-mo a galactose não é convertida em gli-cose, os níveis deste açúcar no sangue caem muito. Com menos glicose e sob o efeito de compostos tóxicos, as células do cérebro começam a morrer, levando ao retardo mental.

As consequências indejadas dessa enfermidade, que custam caro ao sis-tema público de saúde e afetam a qua-lidade de vida das crianças e de suas famílias, podem facilmente ser evitadas ou reduzidas, desde que a galactosemia seja identificada nos primeiros dias de vida. “Basta substituir o leite materno por leite sem galactose, como o de soja, e evitar o consumo de alimentos que contenham galactose ao longo da vida”, explica a pediatra Gilda Porta, do Insti-tuto da Criança da USP, que há 35 anos acompanha casos da doença.

Diante dessa possibilidade de inter-venção simples e relativamente barata

Estudo piloto para a introdução da triagem neonatal da galactosemia no estado de São Paulo

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Auxílio regular a Projeto de Pesquisa

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José simon Camelo Junior – UsP-rP

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Page 48: A corrida pela segunda geração do etanol

48 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

EpidEmiologia

Risco

Marcos Pivetta

Um novo levantamento feito em âmbito nacional indica que a presença de cepas do HIV resistente a pelo menos uma das drogas do coque-tel usado para tratar a Aids é maior entre os portadores

assintomáticos do vírus que vivem na cidade de São Paulo do que em outras partes do país. O trabalho analisou o perfil do patógeno em um grupo de 387 pacientes oriundos de 13 cidades – pes-soas recém-diagnosticadas ou cronica-mente infectadas pelo vírus, mas que não tomaram contato com os medica-mentos porque ainda não apresentam sintomas da doença – e encontrou 22 indiví duos com HIV resistente. Treze desses pacientes (59,1%) são moradores da capital paulista. “Estatisticamente, esse dado sobre São Paulo é relevante”, diz Marcelo Soares, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos coordenadores do estudo, que foi publicado no dia 18 do mês passado no site da revista científica AIDS Rese-arch and Human Retroviruses. A histó-ria da Aids em São Paulo é longa. Na maior metrópole do país surgiram as primeiras ocorrências confirmadas da doença no Brasil, no início dos anos 1980, e a cidade tem o maior número

vivem em oito estados e representam todas as regiões do país, com exceção da Norte. Feito por um consórcio na-cional de pesquisadores de 20 centros de estudo, o trabalho encontrou nessa amostra populacional uma taxa to-tal de HIV resistente de 5,7%, índice praticamente igual ao verificado num levantamento similar divulgado em 2003. Em países da América do Norte e da Europa, estudos semelhantes indi-cam que a porcentagem de indivíduos contaminados por vírus da Aids com mutações associadas à resistência a al-guma droga do coquetel é o dobro ou o triplo do verificado aqui.

Apesar de carregarem o vírus no sangue, todas as pessoas que partici-param da pesquisa estão bem de saúde e ainda não recebem o coquetel contra a Aids. Portanto, no caso dos 22 par-ticipantes do estudo que apresentam cepas do vírus com algum nível de resistência a medicamentos, é possível concluir que eles foram, possivelmente, infectados por formas do HIV já resis-tentes a alguma droga do coquetel. A resistência não foi desenvolvida em seu organismo, mas no de terceiros, muito provavelmente um indivíduo doente, com sintomas instalados da Aids e usuário da terapia com antirretrovi-rais, que lhe transmitiu uma versão mutada do vírus.

Política pública - Desde o início da década de 1990, o Ministério da Saúde do Brasil mantém a política de fornecer tratamento gratuito com antirretrovi-rais somente quando surgem proble-mas de saúde associados à doença nos pacientes. Portadores assintomáticos não recebem as drogas. Trata-se de uma estratégia que tem sido elogiada internacionalmente. Mas alguns paí-ses ricos optam por fornecer a terapia com antirretrovirais mesmo a soropo-sitivos sadios. O problema é que o uso prolongado de remédios contra a Aids pode reduzir a eficácia de certas drogas em algumas pessoas, além de provocar efeitos colaterais. Quando isso ocorre, trocam-se um ou mais medicamentos do coquetel, composto geralmente de

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concentRado

de casos registrados da epidemia em três décadas, mais de 71 mil doentes, sem contar os milhares de portadores assintomáticos.

Nos demais munícipios não foi constatado risco aumentado de infec-ção por formas de HIV com alterações genéticas que diminuem a eficácia dos antirretrovirais, remédios que dificul-tam a multiplicação do vírus no or-ganismo. Estranhamente, o trabalho científico não encontrou HIV resistente a drogas do coquetel em nenhum dos 20 pacientes analisados da cidade de Santos. Desde os primórdios da Aids no Brasil, a cidade do litoral paulista está associada à epidemia da doença e os pesquisadores esperavam detectar uma presença considerável de cepas resistentes do vírus entre seus porta-dores assintomáticos, na mesma linha de resultados obtidos por outros levan-tamentos. “Pode ser que a amostra de pacientes que usamos no trabalho não seja totalmente representativa da cida-de de Santos”, comenta o infectologista Eduardo Sprinz, da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul (UFRGS), primeiro autor do estudo.

Os brasileiros da amostra analisada, cerca de dois terços homens e um terço mulheres, todos com mais de 18 anos,

Quase 60% dos portadores assintomáticos do vírus da Aids com resistência a drogas estão na cidade de são Paulo

Page 49: A corrida pela segunda geração do etanol

PESQUISA FAPESP 163 n setembro De 2009 n 49

de mutações que provocam resistên-cia aos inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa”, comenta Soares. “Sabemos que, no caso desse tipo de medicamento, basta haver uma ou duas mutações para que isso ocorra.” Como há pouca resistência constatada a múl-tiplas drogas e existem atualmente 19 medicamentos disponíveis no sistema público para compor o coquetel, quase sempre é possível montar uma terapia combinada individualizada escolhendo remédios a que o organismo de cada pa-ciente responde de forma satisfatória.

Das pessoas que carregavam vírus com alguma mutação, 91% (20 casos) tinham sido contaminadas pelo subtipo B do vírus da Aids, o mais comum no país. Apenas 9% delas (2 casos) apre-sentavam o subtipo C, que está há me-nos tempo no Brasil e se encontra mais

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o drogas de três classes de antirretrovi-rais que são receitados de forma com-binada: dois inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa, juntamente com um inibidor não nucleosídico da transcriptase reversa ou um inibidor da protease. A transcriptase reversa e a protease são enzimas virais de fun-damental importância para o processo de replicação do HIV.

Quase todos os pacientes do estu-do que tinham resistência a alguma droga do coquetel (19 dos 22 casos) apresentavam essa característica com relação a remédios de somente uma classe de antirretroviral (os inibidores da transcriptase reversa), dois sofriam dessa restrição para medicamentos de duas classes e só um indíviduo tinha resistência a drogas das três classes. “Observamos um aumento no número

> Artigo científico

SPRINZ, E. et al. Primary antiretroviral drug resistance among HIV Type 1-Infected individuals in Brazil. AIDS Research and Human Retroviruses. Publicado online em 18 de agosto de 2009.

drogas contra aids (alto) perdem eficácia se HiV (em verde) sofre mutações

restrito à Região Sul. De forma indireta, um dado do trabalho também parece confirmar uma suspeita aventada por alguns especialistas: a de que a adoção do sexo seguro, com o emprego da ca-misinha, não é lei mesmo entre pessoas com o HIV. Quase metade dos pacien-tes que apresentavam HIV resistente a algum antirretroviral admitiu que seu parceiro tinha Aids e tomava as drogas do coquetel. É bem provável que eles tenham adquirido o vírus já mutado de seu próprio companheiro. n

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Neurofarmacologia

A química da

Neurotransmissor associado à recompensa, dopamina controla a duração das lembranças

Em testes com ratos, um dos mais importantes grupos in-ternacionais de estudiosos da memória desvendou os fenô-menos bioquímicos ligados ao armazenamento persistente das lembranças. Mostrou ainda que

a fixação da memória ocorre de modo relativamente independente da sua aquisição: é preciso ser exposto a uma situação para recordá-la, mas o fato de ter sido memorizada não significa que será lembrada por muito tempo.

Em ratos – e bem provavelmen-te em seres humanos –, as memórias que persistem por períodos longos, às vezes toda a vida, envolvem a ativação de uma região profunda do cérebro: a área tegmental ventral, demonstrou a equipe coordenada pelo neurocien-tista Martín Cammarota, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em artigo publica-do na Science de 21 de agosto. Com 25 mil neurônios nos roedores e 450 mil nos seres humanos, essa área de poucos milímetros de espessura é a principal produtora do neurotransmissor dopa-mina no sistema nervoso central.

Em parceria com Jorge Medina, da Universidade de Buenos Aires, Cam-marota, Janine Rossato, Lia Bevilaqua e Iván Izquierdo planejaram uma série de testes para verificar como se dá o ar-mazenamento da memória. Nos expe-rimentos eles submeteram grupos di-ferentes de ratos a dois tipos de treino. Em um deles, os roedores eram coloca-dos sobre uma plataforma no interior de uma gaiola e recebiam uma descar-ga elétrica sutil quando desciam para explorar o ambiente. Essa experiência,

que causa um leve choque, costuma ser lembrada por poucos dias – os animais se esquecem do choque e voltam a des-cer da plataforma se o teste é repetido dois ou três dias mais tarde, sinal de que a memória não foi fixada. No outro tipo de treino, que leva ao registro persis-tente da lembrança, os animais levaram uma descarga duas vezes mais intensa ao sair da plataforma. E se lembravam da experiência desagradável duas se-manas mais tarde, tempo longo para os roedores, equivalente a alguns anos para os seres humanos.

Fixação - Entre alguns minutos e 12 horas após os treinos, os pesquisadores injetaram no hipocampo dos ratos, área cerebral ligada ao armazenamento da memória, ora um composto que impe-de a ação da dopamina, ora um fármaco que simula o efeito desse neurotrans-missor. A neutralização da dopamina permitiu aos roedores se recordarem do choque dois dias após o treino inicial. Mas os impediu de lembrar a experiên-cia ruim nas semanas seguintes. “Esse resultado mostra que a formação e a persistência da memória são processos distintos”, explica Cammarota.

Já a aplicação do fármaco que si-mula a ação da dopamina transformou a memória volátil em persistente: até duas semanas depois de receber o choque leve os roedores se lembravam dele. Mas isso só ocorreu quando o composto foi dado 12 horas depois do treino, sugerindo que a persistência da memória é definida meio dia depois de determinada experiência.

Testes com outros compostos mos-traram ainda que as lembranças não se

tornam duradouras sem a ativação da área tegmental ventral, produtora de dopamina. É que o acionamento dos neurônios dessa área libera dopamina em uma região vizinha, o hipocampo. No hipocampo a dopamina estimula a produção do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que dispara a sín-tese de proteínas que fixam a memória. Nada disso ocorre sem a ativação da área tegmental logo após o treino. “A ativação imediata, que acontece quando o cére-bro identifica um evento importante, é essencial para a reativação desse circuito 12 horas mais tarde e o armazenamento da memória”, afirma Cammarota.

Ainda há muitas dúvidas sobre esse processo. Não se sabe por que a decisão de preservar ou descartar a memória só ocorre 12 horas após o aprendiza-do, se é possível modificá-la em outros momentos, nem se esse fenômeno, ob-servado ao despertar lembrança desa-gradável (choque), vale para a memo-rização de eventos prazerosos. Mas a descoberta torna possível o desenvolvi-mento de compostos que atuem sobre a dopamina e auxiliem a fixação das lembranças em pessoas com doenças que afetam a capacidade de memoriza-ção. Esse achado abre também caminho para uma nova compreensão do consu-mo abusivo de drogas. “Drogas como a cocaína aumentam o nível no cérebro de dopamina, responsável pela sensa-ção de prazer e recompensa”, explica Cammarota. “É possível que um dese-quilíbrio nesse sistema leve o usuário a se lembrar dos efeitos agradáveis e a apagar da memória os ruins.” n

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memória

Ricardo Zorzetto

50 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

Page 51: A corrida pela segunda geração do etanol

Evolução

AsAs AbertAs sobre o

mundoLinhagem de gaviões surgiu na América do Sul, colonizou a América do Norte e se espalhou por quase todo o planeta

Carlos Fioravanti | fotos Eduardo Cesar

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Leucopternis lacernulatus: só no Brasil

Os primeiros representantes de um grupo de gaviões, os buteo­ninos, devem ter surgido na América do Sul há cerca de 17 milhões de anos, de um mes­mo ancestral do qual deve ter se originado também um gru­

po de aves que inclui a águia americana, um dos símbolos dos Estados Unidos, de acordo com um estudo recente de uma equipe de biólogos da Universidade de São Paulo (USP). Nessa época a Amé­rica do Norte e a do Sul ainda estavam separadas. A lenta formação da América Central, nos milhões de anos seguintes, deu a essas aves um pouco de terra em que descansavam e se alimentavam en­quanto seguiam em suas viagens migra­tórias. Depois, ao longo de gerações, os gaviões voaram ainda mais para o norte e há cerca de 5 milhões de anos para a América do Norte, e começaram a colo­nizá­la, originando outras espécies. De­pois aproveitaram outra faixa de terra que emergia a oeste da América do Nor­te, o estreito de Bering, e há cerca de 1,5 milhão de anos chegaram à Ásia, Europa e África, em uma trajetória oposta à da espécie humana, que surgiu na África muito depois de os gaviões terem chega­do lá. Hoje esses gaviões só não vivem na Antártida e na Austrália.

“A migração é de fato importante para a diversificação e a sobrevivência

Page 52: A corrida pela segunda geração do etanol

das espécies de gaviões e provavelmente de outros grupos animais, como alguns especialistas já haviam indicado em estudos menos abrangentes”, concluiu o biólogo Fábio Raposo do Amaral, à frente desse estudo, ao investigar a his­tória evolutiva dos gaviões e reconstruir as rotas por meio das quais ganharam o mundo. As aves que não percebem os sinais de migração, como a lumi­nosidade e a temperatura decrescentes, correm o risco de morrer nos inver­nos mais intensos. Mesmo assim não há regras fixas. Há espécies de gaviões buteoninos em que nenhum represen­tante sai de onde está, ressalta Amaral, enquanto em outras toda a população sai durante o inverno, em bandos com centenas de indivíduos, em busca de lugares com mais calor e alimento.

Em Galápagos - Às vezes, o que as­segura a sobrevivência é permanecer onde está. Se os gaviões buteoninos que vivem no arquipélago de Galápa­gos saís sem em busca de novas terras, provavelmente morreriam exaustos sobre o mar antes de vencer os mil quilômetros até a costa do Equador. Devem ter chegado a Galápagos há apenas 300 mil anos, levados por uma corrente de ar inesperada ou de uma tempestade, e não saíram mais porque os ventos não ajudaram. Essas aves voam centenas de quilômetros por dia quase sem se cansarem porque planam como os urubus, aproveitando o ar quente que sobe da superfície terrestre; difi­cilmente iriam longe apenas batendo asas. As análises genéticas de Raposo in­dicam que os ancestrais dos gaviões de Galápagos podem ter sido migratórios como os representantes de sua espécie­ ­irmã, o gavião­papa­gafanhoto (Buteo swainsoni), que migra do sul do Canadá e dos Estados Unidos até a Argentina todos os anos. Os que permaneceram em Galápagos viveram isolados a ponto de originar uma das únicas espécies de gavião buteonino confinadas a ilhas, a espécie Buteo galapagoensis, que só vive ali. “Neste caso”, diz Raposo, “quem ficou quieto sobreviveu”.

Como os gaviões que estudou, Ra­poso voou pelo mundo, tentando en­tender a evolução desse grupo de aves. Ele também aprendeu a tomar cuidado com coisas que parecem iguais, mas são diferentes. Em 2003 ele pretendia inves­tigar o surgimento, a diferenciação e o parentesco de dez espécies de gaviões que viviam em matas, a maioria com penas pretas no dorso e brancas no ventre. Era um plano modesto e con­fortável. As análises genéticas, porém, mostraram que as aparências poderiam de fato enganar.

Espécies diferentes podem apre­sentar a mesma plumagem como re­sultado não de parentesco próximo, mas de caminhos evolutivos distintos que levaram a uma característica co­mum que oferecia alguma vantagem na luta pela sobrevivência nas matas. “Evolutivamente”, diz Amaral, “a plu­magem preta e branca surgiu várias ve­zes entre os buteoninos, possivelmente como fruto de seleção em ambientes florestais”. Aos poucos ele incorporou ao seu trabalho outras espécies, que pareciam distantes, e chegou ao final de 2008 com uma filogenia – também conhecida como árvore da vida – de 53 espécies de apenas um grupo de ga­viões, os buteoninos, que integra um conjunto maior de 237 espécies.

“A similaridade morfológica nem sempre é um bom guia para determinar a história evolutiva”, concluiu Raposo, depois de ter comparado nove trechos de DNA de 105 amostras de sangue,

Sistemática molecular, biogeografia e evolução da plumagem dos gaviões sub-buteoninos neotropicais

modalidadE

Bolsa de Doutorado

oriEntadora

AnitA WAjntAl - USP

bolsista

Fábio Sarubbi Raposo do Amaral

invEstimEnto

R$ 66.673,15

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Harpyhaliaetus coronatus (à esq.) e Leucopternis lacernulatus (à dir.): buteoninos encontrados no Brasil e ameaçados de extinção

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PEsQUisa FaPEsP 163 n SetemBRo De 2009 n 53

músculos ou penas de 53 espécies de buteo ninos recebidas de bancos de te­cidos do Brasil e de outros países, sob a orientação de Anita Wajntal, fundadora do grupo de pesquisa em genética de aves da USP. Esses resultados situam os gaviões buteoninos como um grupo que deve ter se formado há bastante tempo. Em relação a outras aves, os an­cestrais dos gaviões, que originaram esses e outros grupos, são também an­tigos: devem ter surgido há cerca de 50 milhões de anos. As araras, papagaios e tucanos devem ter aparecido há 30 mi­lhões de anos antes, de acordo com as conclusões da equipe, hoje coordenada por Cristina Yumi Miyaki.

As análises de DNA levaram a uma reclassificação do grupo, com espécies que mudaram de nome por não se mostrarem evolutivamente próximas, diferentemente do que se pensava. Depois das análises, as dez espécies do início do trabalho, que pareciam próximas, espalharam­se em seis dos 17 gêneros da árvore de classificação dos buteoninos que Raposo e outros

biólogos do Brasil, Estados Unidos e Áustria apresentam em um artigo a ser publicado em breve na revista Molecu-lar Phylogenetics and Evolution. Exa­minando o estudo, Alexandre Aleixo, biólogo do Museu Paraense Emílio Goel di especializado em aves, observou que Amaral e os outros autores “vali­daram nada menos que cinco gêneros de gaviões buteoninos já descritos, mas antes considerados inválidos, e tiveram que descrever mais dois novos gêneros”. Segundo Aleixo, “essa é a maior mu­dança na taxonomia do grupo em 80 anos e mostra o quanto a taxonomia atual pode refletir arranjos incorretos do ponto de vista evolutivo”.

Em cidades e mangues - O grupo dos gaviões buteoninos inclui representan­tes com tamanhos, hábitos e dietas bem variados. Na América do Sul, mesmo com maior diversidade, a maioria das espécies é de menor porte e se alimenta principalmente de insetos e pequenos vertebrados, enquanto na América do Norte e no Velho Mundo (Ásia, Euro­

pa e África) estão as mais recentes, a maioria de maior porte e devoradores de esquilos, roedores, carniça ou outras aves. Entre as espécies brasileiras está o gavião­carijó (Buteo magnirostris), muito comum em áreas urbanas. “Vejo um casal de gavião­carijó quase todos os dias nas árvores aqui da USP”, diz Raposo. Pelas matas da Cidade Uni­versitária vive também um grupo de gavião­asa­de­telha (Parabuteo uni-cinctus), com uma mancha vermelha na asa marrom, que até recentemen­te era considerado extinto no estado de São Paulo. Uma espécie exclusiva da Mata Atlântica, o gavião­pombo­ ­pequeno (Leucopternis lacernulatus), de corpo branco, asa e dorso negros e meio metro de comprimento, e outra só encontrada em áreas abertas, espe­cialmente no Cerrado, a águia­cinzenta (Harpyhaliaetus coronatus), com 1 me­tro de altura e 2 de asas abertas, ainda vivem sob a ameaça de desaparecer sem deixar descendentes.

“Esse estudo fornece substanciais insights para fenômenos pouco conhe­cidos, como a evolução da migração em gaviões e as relações biogeográficas de gaviões e ambientes da Amazônia”, comenta Frederick Sheldon, diretor do Museu de Ciência Natural da Louisiana State University, Estados Unidos, onde Amaral fez parte das análises genéticas. Entre outros achados sobre a evolução dessas aves, Amaral encontrou um con­junto peculiar de três espécies de ga viões buteoninos que vivem somente à beira de rios, lagos ou ambientes costeiros – uma delas ocupa as margens do rio Amazonas, outra, ainda mais especia­lizada, os manguezais na faixa costeira da Venezuela ao estado do Paraná e só come caranguejos. Comparando hábitos e genes, ele concluiu que essas espécies devem guardar uma história comum, dos tempos em que a bacia amazônica era um imenso lago que recebia água do mar, há mais de 5 milhões de anos. n

> Artigo científico

AMARAL, F.R. de et al. Patterns and processes of diversification in a widespread and ecologically diverse avian group, the buteonine hawks (Aves, Accipitridae). Molecular Phylogenetics and Evolution. In press, 2009.

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AstrofísicA

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oze anos atrás o astrofísico Kepler de Souza Oliveira Filho e seu colega americano Don Winget propuseram num artigo científico que uma estrela bastante velha e fria da constela-ção de Centauro, a BPM 37093, tecnicamente classificada como uma anã branca, tinha um núcleo quase totalmente cristalizado. De ta-

manho semelhante à Terra e massa parecida com a do Sol, o objeto foi descrito como uma estrela de diamante, expressão empregada pelos próprios pesquisadores, res-pectivamente, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade do Texas. A composição de seu centro, extremante denso, era carbono e um pou-co de oxigênio, muito parecida com a do valioso cristal terrestre. Agora, num novo estudo feito com Winget e outros colegas do exterior, Kepler relata ter identificado

Aglomerado globular NGc 6397: 42 estrelas de diamante a 6.000 graus Kelvin>

Dezenas de estrelas de uma formação em órbita da Via Láctea são feitas de diamante

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mais 42 anãs brancas a caminho de se transformar em estrelas de diamante e ter descoberto uma característica pecu-liar desse tipo de astro. “Enquanto não termina o processo de cristalização do núcleo, as estrelas de diamante perma-necem com a temperatura constante”, comenta Kepler, que publicou o trabalho em março deste ano na revista científica Astrophysical Journal. “Acabada essa fase, elas voltam a se resfriar.”

É interessante notar que o mesmo ocorre num outro processo cotidiana-mente observado na Terra: a solidifi-cação da água. A temperatura da água permanece estacionada em torno de 0º C enquanto o congelamento de todo o líquido não chega ao fim. Só depois que 100% da água vira gelo e a mu-dança de fase se completa por inteiro a temperatura do sólido volta a cair. No caso das estrelas de diamante recém- -identificadas, a cristalização total de-verá demorar 1 bilhão de anos, período em que o termômetro estará sempre na casa dos 6.000 graus Kelvin (K), uma temperatura baixa para esse tipo de astro. As 42 anãs brancas em via de solidificação estão localizadas num aglomerado globular, o NGC 6397, um denso agrupamento de matéria com formato esférico que, devido à ação da gravidade, congrega 400 mil estrelas em órbita do centro galáctico da Via Láctea. Distante 7,2 mil anos--luz da Terra (1 ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros) e com idade estimada em 12 bilhões de anos, o NGC 6397 é um dos 160 aglomerados globulares conhecidos que giram em torno do centro da nossa galáxia, como se fossem satélites, mas que na verdade pertencem à Via Láctea. O aglomerado é o segundo mais próximo da Terra, fazendo parte da constelação de Ara (Altar, em português).

Estrelas no fim da vida - Como fre-quentemente ocorre em achados cien-tíficos, os pesquisadores não estavam exatamente procurando o que acaba-ram descobrindo. A ideia inicial era determinar a idade das anãs brancas mais velhas do aglomerado, que já ti-nham terminado o processo de solidifi-cação e apresentavam temperaturas da

ordem de 4.500º K, ainda mais baixas que as medidas nas estrelas em fase de cristalização. Os planos se tornaram mais ambiciosos quando perceberam que havia um número significativo de anãs brancas a uma temperatura baixa e constante, mas mais alta do que a das estrelas mais velhas do aglomerado.

Foi a dica de que os astrofísicos precisavam para lembrar da história da primeira estrela em via de se trans-formar em diamante por eles identifi-cada em 1997 e começar a procurar por anãs brancas em fase de solidificação em meio ao aglomerado. Nessa tarefa, usaram dados do telescópio Hubble que observara as estrelas do NGC 6397 por 95 horas, um período extremamente longo em se tratando de um equipa-mento tão valioso e disputado pelos astrofísicos. “As anãs brancas são es-trelas no estágio final de sua vida e têm brilho cerca de 100 milhões de vezes mais fraco do que o olho humano pode ver”, explica o astrofísico da UFRGS.

Conhecer as fases da vida evolutiva de uma estrela típica ajuda a entender o trabalho dos pesquisadores. Cerca de 98% das estrelas da Via Láctea são pequenas ou médias e têm pouca mas-sa, como é o caso do Sol, e vão virar um dia uma anã branca. É um destino inexorável. Próximas do final de sua existência, elas terão consumido todo o seu hidrogênio e deixarão de produ-zir as reações termonucleares que lhes fornecem energia. Ficarão mais frias, ainda menores e extremamente densas. Não há logicamente meios de medir diretamente a composição do interior de uma estrela longínqua e moribun-da como uma anã branca, de provar com 100% de certeza a existência de um núcleo se cristalizando no centro desse astro. Ainda assim, os astrofísicos têm de construir suas teorias a partir de parâmetros concretos, de dados obser-vacionais objetivos que lhes permitem defender cientificamente uma ideia.

Medir a luminosidade de estrelas das quais se sabe a distância da Terra e o raio – esse era o caso das anãs bran-cas em questão – é uma forma indireta de determinar a massa e a temperatu-ra desses astros. Por isso, as lentes do Hubble registraram o brilho de cerca

de 280 anãs brancas do aglomerado globular NGC 6397 e indicaram que 42 delas tinham uma magnitude de 26.5. Para esse grupo de estrelas, tal nível de luminosidade equivale a uma temperatura de 6.000º K, compatível com a hipótese de terem um núcleo em processo de solidificação, isto é, transformando-se num gigante dia-mante. “Demonstramos que os dados são consistentes com a teoria de cris-talização de íons no interior das anãs brancas, que realmente não mudam de temperatura enquanto cristalizam”, afirma Kepler.

O termo estrela de diamante pode soar sensacionalista vindo da boca de cientistas, mas o astrofísico da UFRGS explica que não há outra alternativa. “Só não é correto imaginar que as anãs brancas sejam um diamante exatamen-te igual aos que conhecemos”, explica. “Seu cristal de carbono é muito mais compacto.” A distância média entre os átomos que compõem um diamante encontrado na Terra é de 3,08 angs-trons. O diamante da anã branca é superdenso e apenas 0,01 angstrom separa as partículas elementares que o compõem. Um angstrom é 1 décimo de bilionésimo do metro. n

> Artigo científico

WiNGET, D.E. et al. The physics of crystallization from globular cluster white dwarf stars in NGC 6397. The Astrophysical Journal. v. 693. p. 6-10. mar. 2009.

Marcos Pivetta

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56 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

memória

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ChagasHá 100 anos o médico brasileiro descobria o ciclo completo da doença que leva seu nome

O médico Carlos Ribeiro Justiniano Chagas chegou a Lassance em junho de 1907 com a missão de debelar um surto de malária que havia interrompido os trabalhos de prolongamento da ferrovia Central do Brasil no norte de Minas Gerais. A região era das mais pobres, com a maioria da população morando em casas de pau a pique. Nos períodos em que passava no local,

Chagas usava como acomodação um vagão estacionado num desvio da estação de trem que servia também como consultório e laboratório. Interessado não só na profilaxia, mas também nos insetos e parasitas causadores de doenças, o médico coletava espécies de animais e investigava pacientes que, aparentemente, exibiam sintomas que não tinham a ver com a malária.

Chagas observa a menina Rita, em Lassance, um dos primeiros casos identificados da doença. Ao fundo, vê-se o vagão que servia de alojamento e laboratório.F

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Como resultado de suas pesquisas, em 14 de abril de 1909 ele publicou uma nota no periódico Brazil Medico comunicando a descoberta de uma nova doença, do parasita que a provoca e do inseto que o transmitia. O achado é considerado, desde então, um feito único na história da medicina por ter descrito o ciclo completo da moléstia – a doença de Chagas – e sido realizado por uma única pessoa.

Carlos Chagas, mineiro de Oliveira, sempre se interessou pela malária. Orientada por Oswaldo Cruz no então Instituto Soroterápico de Manguinhos (atual Instituto Oswaldo Cruz), no Rio, sua tese de doutorado foi sobre essa doença. Em 1905 houve uma epidemia em Itatinga, no interior de São Paulo, e Cruz, que também chefiava a Diretoria Geral de Saúde Pública, recrutou Chagas para combater a moléstia. “Foi a primeira campanha antimalárica realizada no Brasil com base nos

conhecimentos sobre o papel dos mosquitos como transmissores”, conta Simone Petraglia Kropf, professora e pesquisadora em história das ciências e da saúde da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz.

Em fevereiro de 1907 o jovem médico foi novamente convocado para debelar um surto na Baixada Fluminense junto com o entomologista Arthur Neiva. E em junho partiu para o norte de

Minas com o mesmo objetivo, desta vez com Belisário Penna, médico da Diretoria Geral de Saúde Pública. Os dois estabeleceram base em Lassance e começaram a trabalhar. Entusiasta do estudo das doenças tropicais, Chagas aproveitava o pouco tempo livre para analisar o sangue de espécies animais locais. Em um desses exames identificou em um sagui um novo protozoário do gênero Trypanosoma, que chamou de Trypanosoma minasense. A espécie não era patogênica.

Foi o chefe dos engenheiros da ferrovia, Cantarino Motta, quem apresentou aos pesquisadores um percevejo hematófago comum na região. Como as noites naquela área são frias, a única parte do corpo não coberta é o rosto, picado pelo inseto. Daí o apelido de barbeiro, F

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A última foto de Oswaldo Cruz (sentado, no centro), ladeado por Adolfo Lutz (à esq.) e Chagas (à dir.), em 1916

À beira do rio Negro: expedição à Amazônia, em 1913 (o cientista está de gravata)

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58 n setembro De 2009 n PESQUISA FAPESP 163

que se esconde nas frestas das paredes das casas de pau a pique durante o dia e à noite sai para se alimentar. Chagas conhecia a importância dos insetos hematófagos como transmissores de doenças parasitárias e começou a dissecar barbeiros. Encontrou neles um protozoário que poderia tanto ser um parasita natural do inseto quanto a fase evolutiva de um tripanossomo capaz de causar doenças.

Sem um bom laboratório em Lassance para tirar a dúvida, ele despachou alguns insetos para experimentos em Manguinhos. Oswaldo Cruz fez a infecção experimental com animais de laboratório e avisou a Chagas que achara formas do tripanossomo em um dos animais que adoecera. Chagas voltou ao instituto e confirmou suas suspeitas: o protozoário era novo, com uma morfologia diferente da do T. minasense. Em homenagem a Cruz, o parasita foi chamado de Trypanosoma cruzi.

Faltava achar os doentes. Chagas voltou a Lassance e descobriu o tripanossomo no sangue de uma menina de 2 anos, chamada Berenice, que estava doente, com febre. Com ela, o

médico montou o primeiro quadro clínico da doença: anemia aguda, edemas generalizados, aumento dos gânglios, entre outros. Foi esse o trabalho que gerou a nota publicada no Brazil Medico em abril e, em seguida, no Archiv für Schiff und Tropenhygiene, da Alemanha, e no Bulletin de la Société de Pathologie Exotique, da França.

A descoberta da tripanossomíase americana,

como Chagas a chamou, teve um impacto extraordinário na vida científica, institucional e política do médico. Já em 1910 ele foi admitido como membro titular na Academia Nacional de Medicina (ANM) e ganhou o concurso, por mérito, para “chefe de serviço” de Manguinhos. Em 1912 foi agraciado com o prêmio Schaudinn, do Instituto de Medicina Tropical de

Hamburgo, Alemanha. A cada quatro anos o Schaudinn era dado à mais importante contribuição em protozoologia.

Quando Oswaldo Cruz morreu, em 1917, aos 54 anos, Chagas foi nomeado diretor de Manguinhos três dias depois, cargo que ocuparia até sua morte, em novembro de 1934, aos 56 anos. Em 1918, com a gripe espanhola grassando no Brasil, ele organizou um serviço especial de criação de hospitais de emergência e apelou aos médicos e estudantes de medicina para que trabalhassem no socorro à população do Rio. Sua atuação foi um

Chagas, Penna e Motta (da dir. para esq., sentados): foi nesta casa que o médico conheceu o barbeiro, em 1908

Albert Einstein (centro) foi recebido por Chagas em Manguinhos, na visita ao Rio, em 1925

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dos fatores que o levaram à direção do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), em 1920.

“Chagas já vinha falando sobre as más condições sanitárias do interior do Brasil desde 1909, quando começou a estudar a doença, e continuaria a chamar a atenção para esse tema por toda a sua vida”, diz Simone Kropf, que lançou recentemente Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação (1909-1962), da Editora Fiocruz. O cientista ficou no cargo até 1926 e são de sua administração o extenso código sanitário, que modernizou a legislação sanitária brasileira, e as ações de combate às endemias rurais. “Também foram importantes a instalação da primeira escola profissional de enfermagem do país e o investimento na formação de médicos especializados em saúde pública, que depois do curso tinham emprego garantido na área.” Como integrante do Comitê de Saúde da Liga das Nações, a partir de 1922 sugeriu a criação do Centro Internacional de Leprologia, inaugurado em 1934, que funcionou no Instituto Oswaldo Cruz até 1939. Em 1925 tornou-se catedrático de medicina tropical da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por notório saber.

Se a produção científica e de gestão da saúde pública de Chagas eram aplaudidas por um lado, por outro não faltaram críticas. Em 1919, o pesquisador Henrique Aragão sugeriu que a doença de Chagas não era tão grave e difundida e que eram poucos os infectados realmente comprovados,

ao contrário do que dizia seu descobridor. Em 1922, Afrânio Peixoto, escritor e catedrático de higiene, disse em plenário da ANM que ninguém conhecia esses doentes e chamou a moléstia de “doença de Lassance”. Ofendido, Chagas pediu à academia a formação de uma comissão para avaliar seus estudos. Em 1923 o parecer final foi favorável ao cientista de Manguinhos.

Questões como essas poderiam ter causado menos dissabores a Chagas se ele houvesse ganhado o Prêmio Nobel de Medicina. Em 1999, Marília Coutinho, então na Universidade da Flórida, Olival Freire Jr., da Universidade Federal da Bahia, e João Carlos Pinto Dias, do Centro de Pesquisas René Rachou, de Minas Gerais, publicaram artigo contando a história das indicações, desconhecidas no Brasil. A primeira indicação formal foi solicitada pela comissão do Nobel, em 1911, a Pirajá da Silva, cientista com trânsito na Europa, e era válida para a premiação de 1913. O escolhido, no entanto, foi o francês Charles Richet. A segunda indicação oficial ocorreu em 1920 para nomeação de 1921 e foi realizada por Manoel Augusto Hilário de Gouvêa, da ANM. Embora tenha sido o único cientista da área indicado, também daquela vez Chagas foi ignorado, o que deixou vago o Nobel de Medicina daquele ano. Houve ainda duas indicações informais, mas não há detalhes delas.

Não se sabe até hoje por que o brasileiro foi preterido. “Chagas teve sucesso e reconhecimento

muito cedo, ocupou cargos públicos que eram cobiçados por outras pessoas e atraiu muita indisposição”, diz João Carlos Pinto Dias. Existe a hipótese, não comprovada, de que a comissão do Nobel teria consultado adversários do cientista e sido desaconselhada a laureá-lo. Para o bioquímico Walter Colli, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, estudioso da doença de Chagas, não há dúvida quanto ao merecimento. “Tenho a convicção de que ele não ganhou porque o Brasil está na periferia.

Teria sido diferente se o mesmo trabalho tivesse sido feito nos Estados Unidos ou na Europa”, acredita.

“Quando apresentei o nosso artigo em Manguinhos em 1999, o mais interessante foi a surpresa e a emoção de Carlos Chagas Filho, então aos 89 anos, e de outros pesquisadores muito idosos que não sabiam nada sobre as indicações”, diz Marília Coutinho. Quando terminou de falar, ela conta ter tido a sensação contrária à da perda do prêmio. “Parecia que Carlos Chagas havia ganhado o Nobel, tal a alegria daqueles senhores.”

Com os filhos Evandro (esq.) e Carlos. Os dois também se tornaram pesquisadores importantes

> Artigos científicos

Todos os trabalhos de Carlos Chagas estão disponíveis no site http://carloschagas.ibict.br/

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hoje

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mais uma tentativa

terapia de medicamentos já existentes

pode ser a nova arma contra o

Trypanosoma cruzi

No centenário de sua descoberta, à primeira vista parece que a doença de Chagas deixou de ser um problema no Brasil. Em 2006 o Ministério da Saú-de recebeu a certificação conferida pela Organi-zação Pan-americana da Saúde (Opas) pela inter-rupção da transmissão da moléstia pelo inseto barbeiro (Triatoma infestans). Como é consenso

que a melhor forma de combater a doença é acabar com o transmissor, a rota escolhida é a correta. Ocorre que há cerca de 3 milhões de pessoas infectadas no país e o para-sita Trypanosoma cruzi está muito longe de ser vencido. As pesquisas para entender sua forma de atuação no organis-mo humano avançam a passos curtos e a possibilidade de surgir uma nova droga em poucos anos ainda é remota. No entanto, uma proposta baseada em tratamentos que deram certo para outras doenças pode ajudar a mudar esse quadro. Em vez de correr atrás de moléculas e compostos novos que dificilmente receberão investimento da indústria far-

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macêutica para virar remé-dio, por que não usar juntas as poucas drogas que já exis-tem? A ideia é repetir o con-ceito do coquetel de medi-camentos, que se mostrou eficaz para tratar aids, tuber-culose e hanseníase.

A proposta tem duas vertentes, uma teórica e ou-tra aplicada. A primeira está no artigo de José Rodrigues Coura, pesquisador e ex-diretor do Instituto Oswaldo Cruz, publicado em julho na revista Memórias do Institu-to Oswaldo Cruz. “A intenção é usar as duas únicas drogas desenvolvidas para a doença até hoje – o benznidazol e o nifurtimox –, associar a elas um medicamento antigo de baixa toxicidade utilizado contra gota – o allopurinol – e alguns antifúngicos da classe dos azóis, como o ce-toconazol, o fluconazol, o

itraconazol”, diz. O objetivo é atacar o T. cruzi com todo o arsenal disponível para ver se ele desaparece do organis-mo humano durante a fase crônica da doença. “Natu-ralmente, será preciso fazer estudos experimentais e clí-nicos antes de começar a usar a terapia”, recomenda.

Aplicação - O biólogo ve-nezuelano Julio Urbina, da Universidade Central da Venezuela, havia testado durante os anos 1990 uma combinação com compos-tos antifúngicos que inibem a multiplicação do T. cruzi. O problema é que essas substâncias, chamadas de inibidores de biossíntese de ergosterol de primeira ge-ração, embora tivessem um efeito deletério sobre o pa-rasita, não conseguiram eliminá-lo por completo

nos ensaios com seres humanos e animais. O professor Coura propõe ir além e combinar todas as drogas possíveis já aprovadas pelas agências reguladoras.

A vertente aplicada da proposta está em andamento na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e sur-giu seguindo a mesma linha de racio-cínio de Coura, dando continuidade aos trabalhos iniciados por Urbina. A pesquisa é liderada pela bioquímica Maria Terezinha Bahia em trabalho coordenado pela organização inter-nacional Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês). A DNDi nasceu da organização humanitária Médicos sem Fronteiras – ganhadora do No-bel da Paz em 1999 – com o objetivo de firmar parcerias para pesquisar, desenvolver e tornar disponíveis novos tratamentos para as moléstias chamadas de negli genciadas, aque-las que recebem pouca ou nenhuma atenção dos laboratórios privados e públicos. As principais são a doença de Chagas, a leishmaniose visceral, a malária e a tri panossomíase humana africana (doen ça do sono).

Na Ufop a parceria com a DNDi para combinação de fármacos vem sendo feita há cerca de um ano. “As drogas usadas hoje provocam muitos efeitos colaterais, como alergias e neuropatias periféricas, têm baixa eficácia e alta taxa de não adesão dos pacientes”, diz Isabela Ribeiro, dire-tora de Projetos para a América La-tina da DNDi. Por isso, é importan-te diminuir a dose e o tempo de tratamento, que hoje leva até 60 dias, e ampliar a tolerabilidade da terapia. “Combinando os remédios em doses menores com menor duração pode-remos potencializar seus efeitos e melhorar a resposta do doente.”

Médica infectologista, Isabela diz que os resultados de Ouro Preto são promissores e estão na segunda fase de experimentos. “Confirmando-se os dados positivos nesta fase, no pró-ximo ano deveremos partir para os ensaios clínicos, com seres humanos”, conta. Uma de suas atribuições na DNDi é dar um sentido mais prático e voltado às pesquisas científicas pa-ra quem realmente precisa delas.

Na outra página: estampa de Castro Silva para artigo de Carlos Chagas: desenhos da dissecação do inseto barbeiro e formas de flagelados.Ao lado, desenho da espécie Conorhinus megistus

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“Entre a descoberta de uma nova molécula e até chegar a uma solução disponível vai um longo tempo, entre 10 e 15 anos. Os doentes que preci-sam desses medicamentos não po-dem esperar.”

Para João Carlos Pinto Dias, pes-quisador do Centro de Pesquisas Re-né Rachou (Fiocruz Minas), de Belo Horizonte, a proposta de Coura e a tentativa por ora feita em Ouro Pre-to são iniciativas que podem funcio-nar. “Não sei por que até hoje ainda não testamos essa terapia seriamente”, diz. Dias sempre trabalhou na linha de frente da profilaxia do barbeiro pelo interior do Brasil e é um dos responsáveis pela atual boa situação de controle da infecção, além de che-fiar o Posto Avançado de Estudos Emmanuel Dias, da Fiocruz, em Bambuí (MG). “Hoje, além da falta de drogas eficientes, nosso grande problema é não termos um marcador de cura, ou seja, um teste que nos permita saber se o paciente está de fato livre do T. cruzi.” Na fase aguda da doença os testes sorológicos de-moram entre um e dois anos para dar um resultado seguro. Na fase crônica esse tempo pode levar até 25 anos. Isso ocorre porque existe memória imunológica, restos de DNA do tri-panossomo e antígenos que não per-

mitem saber se o paciente está mesmo livre do parasita. Quando um marcador de cura for desenvolvido será possível identificar imedia-tamente se o paciente está curado e qual medicamento funciona em pouco tempo.

Durante a fase aguda, que dura de seis a oito sema-nas, ainda é possível elimi-nar o T. cruzi da corrente sanguínea usando o benzni-dazol, que, mesmo assim, funciona em cerca de 70% dos casos. “A droga é menos eficiente se a carga parasitá-ria for muito alta ou se o paciente estiver com a imu-nidade baixa”, explica o bio-químico Walter Colli, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, pesquisador da doença há 40 anos. A fase crônica é muito mais difícil de tratar por ra-zões menos conhecidas. Po-de demorar várias décadas para os sintomas se mani-

festarem, geralmente no tra-to gastrointestinal ou no coração. Quando isso ocor-re, o órgão já possui focos inflamatórios e destruição de fibras musculares ou te-cido condutor que alteram a qualidade de vida e podem levar à morte. Nessa fase, até achar o parasita no organis-mo é difícil porque ele se esconde nos tecidos. “Quan-do o parasita está instalado é muito complicado achar qualquer saída. Todas as pes-quisas que conheço até hoje para obter uma nova droga ou controlar o tripanosso-mo não funcionaram”, diz.

Sem vacina - No Brasil não faltam projetos de pesquisa que investigam a fisiologia e a bioquímica do T. cruzi e experiências com os mais variados compostos quimio-terápicos para tentar matar o parasita. A maioria dos ensaios se mostra promisso-

*Países afetados todos da américa (menos Cuba) e também espanha, Itália, frança, Inglaterra, escócia, Irlanda, Áustria, alemanha, Luxemburgo, Bélgica, Portugal, dinamarca, Noruega, suécia, suíça, Grécia, Israel, austrália e Japão

A infestação no mundo estimativa global da população infectada pelo T. cruzi (junho de 2009)*

fontes Do mapa: opas/ european HearT Journal (2008); 29: 2587-2591/ MeMórias do insTiTuTo oswaldo Cruz, rio De Janeiro, vol. 102 (supl. i): 75-85, 2007/ eMerging infeCTious disease, vol. 15, nº 4–abril De 2009/ De acorDo com o número De imigrantes registraDo em 2007 no siTe Do ministério Da Justiça Japonês e enferMedades infeCCiosas y MiCrobiología ClíniCa 2008; 26(10):609-13

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ra quando testada em am-bientes controlados. “In vitro quase tudo mata o parasita, até água”, comenta Coura. Ao passar para a fase de tes-tes em animais e, depois, em seres humanos, a relação se inverte e quase nada se mos-tra eficaz. E, mesmo quando um composto demonstra ter potencial, não se encontram interessados em fazer o de-senvolvimento para virar medicamento.

Dias acredita que o re-médio ou a vacina para curar a doença nunca será concretizado. “Não há inte-resse da indústria em gastar de US$ 10 a US$ 20 milhões com um fármaco para esse tipo de moléstia”, afirma. O cenário desanimador não isenta os pesquisadores da procura por outras soluções. “A OMS, a DNDi e as agên-cias de fomento devem con-tinuar a incentivar e finan-ciar as pesquisas básicas porque precisamos saber mais sobre a doença.”

Por conhecer essa reali-dade, a DNDi fez um acordo com o Laboratório Farma-

cêutico do Estado de Per-nambuco (Lafepe) para o desenvolvimento do benz-nidazol infantil até 2010. Hoje o comprimido tem de ser partido em múltiplos pedaços ou triturado e mis-turado na água para ser da-do a crianças com grande risco de se errar a dosagem. O outro medicamento con-tra Chagas, o nifurtimox, por anos deixou de ser fabri-cado. São por essas razões que, embora se estime gros-seiramente entre 20% e 60% a taxa de pacientes crônicos que apresentam sintomas, dependendo da região e da idade, Chagas permanece no topo das doenças negligen-ciadas e mata cerca de 14 mil pessoas por ano nas Améri-cas – mais do que a malária, segundo a Opas.

A principal forma de contaminação hoje no Bra-sil é via oral, por ingestão de alimentos contaminados com fezes do barbeiro. De acordo com o Ministério da Saúde, de 2000 a 2004 hou-ve 57 casos da doença de Chagas aguda por trans-missão oral. Esse número saltou para 254 entre 2005 e 2007. A maioria dos casos está na Amazônia Legal. A doença atinge também paí-ses que não têm o inseto transmissor, como Canadá, Japão e Austrália, em razão da imigração. Nos Estados, onde há cerca de 300 mil casos, já se estuda aplicar testes para detectar a infec-ção. Uma das dificuldades da doença é a falta de regis-tros confiáveis. A estimativa para o número de infecta-dos nas Américas vai de 8 milhões a 18 milhões, con-forme a fonte.

A inconstância dos números só reforça a necessidade de atenção. Em Lassance, onde tudo foi descoberto há 100 anos, há 31 pessoas infectadas hoje. A mais nova delas tem 60 anos, o que mostra que a infecção ocorreu há muito tempo e se conseguiu con-trolar a transmissão. “Mas, se houver descontinuidade ou mau desempe-nho da vigilância, o quadro epide-miológico pode se reverter e paula-tinamente voltar a situações endê-micas preocupantes”, alerta Dias. Sem perspectivas reais de cura, para o pesquisador é melhor continuar de olhos bem abertos. n

Formas do T. cruzi, em desenho

de Castro Silva

Neldson Marcolin

Dimensão da doença

Há 15 milhões de pessoas

infectadas em 18 países

nas Américas

Surgem 41.200 novos

casos a cada ano na

região

Morrem anualmente

14.000 pessoas nesses

países

O Brasil tem 3 milhões

de contaminados

Cerca de 100 milhões

vivem em área de risco

fonte: opas e ministério Da saúDe

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> artigo científico

COURA, J.R. Present situation and new strategies for Chagas disease chemotherapy – a proposal. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. v.104 (4) jul. 2009.

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Biblioteca deRevistas Científicasdisponível na internetwww.scielo.orgSeI o

Notícias

• Ciência política • Educação superior

Brasil e Argentina Avaliação e recompensao início do século XXI é testemunha da ascensão

ao poder de novos governos de esquerda e centro--esquerda na América do Sul, que apresentam pelo me-nos duas características em comum: o questionamentodas políticas e reformas pró-mercado ocorridas nadécada anterior e a volta do Estado como ator centralda vida econômica, de acordo com o artigo "Integra-ção e desenvolvimento no Mercosul: divergências econvergências nas políticas econômicas nos governosLula e Kirchner", de [avier A. Vadell, da UniversidadeEstadual de Campinas, e Bárbara Lamas e Daniela M.de F. Ribeiro, do Instituto Universitário de Pesquisasdo Rio de Janeiro. A despeito desse ponto em comum,uma análise mais aprofundada permitiu aos autores

do estudo percebercerta heterogenei-dade de naturezaprogramática e or-ganizacional dosnovos governosprogressistas. Nes-se sentido, o artigopropõe analisar asrespostas dadas por

Argentina e Brasil à crise do neoliberalismo, dandoespecial ênfase às políticas econômicas para o desen-volvimento e suas implicações para a integração regio-nal. Essa análise mais sistemática permitiu perceber,segundo os pesquisadores, que o Brasil e a Argentinatêm feito escolhas distintas no que diz respeito ao tipode política adotada. O primeiro, dizem eles, recorrea práticas mais ortodoxas, como políticas monetáriasrestritivas para conter as expectativas de inflação, en-quanto o segundo prefere medidas heterodoxas, comocontrole de preços e restrição às exportações. Para osautores, em certa medida, a diferença entre as escolhaspode ser atribuída à própria trajetória econômica e po-lítica de ambos os países: as reformas pró-mercado, porexemplo, foram mais intensas na Argentina do que noBrasil, o que implicou, no que diz respeito à estruturaprodutiva, uma maior desindustrialização e a extinçãode algumas instituições desenvolvimentistas.

As práticas de publicação, os sistemas de avaliação erecompensa, a construção das agendas de pesquisa, osmecanismos de proteção e comercialização, a defasagem deinfraestrutura e a escassez histórica de recursos humanosqualificados e dedicados ao ensino e à pesquisa são apenasalguns dos inúmeros aspectos que provocam as transfor-mações internas atualmente vividas pela universidade. Oartigo "Benefícios e riscos da proteção e comercialização dapesquisa acadêmica: uma discussão necessária'; de RodrigoMaia de Oliveira e Léa Velho, da Universidade Estadual deCampinas, tem como foco principal a análise do impactodo processo de proteção e comercialização dos resultadosda pesquisa acadêmica sobre as demais atividades tradi-cionalmente conduzidas pela universidade. Ainda que avisão mais otimista valorize os impactos positivos dosdireitos de propriedade intelectual na academia, não sepodem ignorar os eventuais custos ou riscos envolvidosnesse processo. O artigo sugere novos estudos que podemcontribuir para o acompanhamento e avaliação das uni-versidades brasileiras e para a elaboração de políticas deciência e tecnologia e de educação superior.

ENSAIO: AVALIAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO

- VOL. 17 - NO 62 - RIO DE JANEIRO - JAN.!MAR. 2009

• História

Anísio TeixeiraA trajetória intelectual e social do educador Anísio Tei-

xeira é estudada no artigo "Trajetória de herdeiro entredois projetos políticos'; de Agueda Bernardete Bittencourt,da Universidade Estadual de Campinas, considerandosuas origens geográficas na Bahia - estado politicamenteperiférico em relação a outros da federação brasileira si-tuados no Sudeste e Sul-, bem como suas origens sociais,que não o predestinavam a jogar um papel de primeiroplano na cena nacional, muito menos antes de completar40 anos. Documentos com registros de suas viagens in-ternacionais permite aqui a análise dos momentos-chavede suas primeiras coletas de informações sobre o tema daeducação e o uso que fez dos seus contatos com intelectuaise políticos em instituições de ponta na Europa e EstadosUnidos, visando ao desenho de um projeto brasileiro de

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA - VOL. 17 - NO 33 -CURITIBA - JUN. 2009

64 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163

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educação num momento detransição política, ou seja, operíodo de 1925 a 1934. Comênfase nos encontros de AnísioTeixeira com intelectuais fascis-tas na Itália e França e com osproponentes da educação de-mocrática nos Estados Unidos,o artigo mostra também comoessas viagens permitiram a re-definição da carreira em funçãode bloqueio dado pela Revolução de 30 ao destino que aeducação familiar lhe projetara. Aproximações e articula-ções do grupo baiano com intelectuais paulistas na capitalda República encarregaram-se de reposicionar o herdeiroem sua trajetória de homem político.

EDUCAÇÃO E PESQUISA - VOL. 35 - NO 1 - SÃO PAULO -

)AN./ABR.2009

• Arquitetura

Efeitos do 11de SetembroOs atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 ace-

leraram o desenvolvimento de uma arquitetura transna-cional de segurança que intervém profundamente nasliberdades civis individuais, tanto nos direitos básicosdos cidadãos dos Estados como nos direitos humanosdos cidadãos mundiais. O artigo "Os cidadãos mundiaisentre a liberdade e a segurança", de Klaus Günther, daUniversidade J. W. Goethe, Alemanha, delineia essa ar-quitetura, mostra como ela dissolve as categorias jurídicastradicionais que preservam a liberdade e discute por quehoje se aceita amplamente a prioridade da segurança sobrea liberdade.

Novos ESTUDOS - CEBRAP - N° 83 - SÃo PAULO -

MAR. 2009

• Saúde pública

Hidrelétricas e maláriaEm Rondônia prevê-se a construção de mais duas usi-

nas hidrelétricas (UHE) no rio Madeira, a montante dacidade de Porto Velho, Rondônia, Brasil (de Santo Antônioe [irau), O objetivo do trabalho "Malária e aspectos hema-tológicos em moradores da área de influência dos futuros·reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e [irau,Rondônia, Brasil" foi analisar a prevalência da maláriaantes do início da implantação das obras civis e fazer con-siderações sobre os impactos da doença com o ingresso demilhares de trabalhadores e agregados atraídos pelas opor-tunidades de emprego e comércio. Os resultados obtidosmostram que a malária se faz presente em toda a região,em variados graus de prevalência. Além disso, a existênciade potenciais portadores assintomáticos de malária entrea população nativa pode ter relevância epidemiológica e

deve ser considerada nos programas de controle da ma-lária, vinda tanto das autoridades públicas quanto dasempresas responsáveis pela instalação das UHE, visandoao diagnóstico e tratamento precoce, controle vetorial,abastecimento de água e aplicação de infraestrutura noscentros urbanos. Os autores do artigo são Luiz Hildebran-do Pereira da Silva, Tony Hiroshi Katsuragawa, DanieleCristina Apoluceno de Souza, Luiz Herman Soares Gil eRafael Bastos Cruz, do Instituto de Pesquisa em PatologiasTropicais, Porto Velho, Mauro Shugiro Tada, do Centro dePesquisa em Medicina Tropical, Porto Velho, Alexandre deAlmeida e Silva, da Universidade Federal de Rondônia, eRoberto Penna de Almeida Cunha (falecido).

CADERNOS DE SA ÚDE PÚBLICA - VOL. 25 - NO 7 - RIO DE

JANEIRO - )UL. 2009

• Pediatria

Remédios para criançasA razão do estudo "Carência de preparações medi-

camentosas para uso em crianças no Brasil", de PatríciaQuirino da Costa, Luis C. Reye Helena Lutéscia L. Coelho,da Universidade Federal do Ceará, foi identificar medica-mentos que apresentam dificuldades para seu uso pediá-trico no Brasil. Foram estudados de modo descritivo acomposição de uma listagem nacional de medicamentosnão licenciados ou não padronizados para uso em crianças(medicamentos problema em pediatria, MPP), através derevisão bibliográfica, comparação com fontes do mer-cado farmacêutico brasileiro e inquérito com pediatras.Os medicamentos foram codificados pela classificaçãoanatômica, terapêutica e química e analisados quanto aolicenciamento no país e indicação em pediatria. Foramidentificados na literatura 126 MPP e excluídos 24 nãoreferidos nas fontes nacionais investiga das. A listagem foicomplernentada com 24 outros medicamentos referidospelos pediatras. Do total de 126 MPP, 23 não tinham regis-tro no país para o uso em crianças e 24 dos 103 licenciadosapresentavam restrições de faixa etária. A lista envolveu 42grupos terapêuticos e 68 subgrupos. Os grupos com maiornúmero de MPP foram os antibacterianos de uso sistêmico(15), antiepilépticos (8), antiasmáticos (7) e analgésicos(7). Os problemas mais frequentes foram: dosagem ina-propriada (43), forma farmacêutica inadequada (35), nãolicenciamento para uso pediátrico (28), restrições de faixaetária (23). A carência de medicamentos desenvolvidospara uso em crianças envolve ampla gama de produtosclinicamente importantes. Algumas dessas formulaçõese dosagens já comercializadas em outros países não sãodisponibilizadas no mercado brasileiro sem nenhumajustificativa plausível.

JORNAL DE PEDIATRIA - VOL. 85 - NO 3 - PORTO ALEGRE-

MAIOIJUN. 2009

> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo·níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisaJapesp.br

PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 65

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> LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

Combinar estruturas biológicas comcircuitos eletrônicos para criar equi-pamentos muito mais eficazes e ver-sáteis tem sido objeto de estudo em

diversos centros de pesquisa ao redor do mundo. A boa notícia é queesse objetivo pode estar próximo de ser atingido com os estudos deum grupo de pesquisadores do Laboratório Nacional Lawrence Liver-more, nos Estados Unidos. Eles conseguiram mesclar com sucessonanofios feitos de silício com moléculas biológicas de uma membranade lipídios, estrutura encontrada em todas as células. O resultado foium dispositivo bionanoeletrônico, dotado de uma barreira para íons(átomos com perda de elétrons) e pequenas moléculas, bastante es-tável, autorregenerativo e quase impenetrável. A proteção dada pelamembrana faz com que seus poros sejam o único caminho para os íonsatingirem o fio. Com isso, os pesquisadores podem monitorar o trans-porte de cargas e controlar a proteína da membrana, já que alterandoa voltagem é possível abrir ou fechar os poros das membranas. Emartigo na revista Proceedinqs of The National Academy of Sciences(10 de agosto), o coordenador do projeto Aleksandr Noy escreve que"circuitos eletrônicos que usarem esses complexos componentesbiológicos poderão se tornar muito mais eficientes". A inovação poderesultar em minúsculos transistores, o elemento básico de todos osequipamentos eletrônicos, feitos de nanofios, cujas espessuras sãocomparáveis às das moléculas biológicas. Eles poderão ser usadosna fabricação de implantes neurais, próteses dos mais diversos tipose até mesmo em computadores, entre outras aplicações.

TRANSISTORCOM GORDURA

Representação artística do dispositivo bioeletrônico

> Biodiesel dogalinheiro

Resíduos da criação degalinhas, como as penas,podem ser usados paraproduzir biodiesel de baixocusto e boa qualidade,de acordo com um estudorealizado na Universidade deNevada, nos Estados Unidos.Os pesquisadores ferveramas vísceras e resíduosde galinhas, que contêm11% de gordura e sãousados como alimentoou fertilizante, por causado alto teor de nitrogênio.Extraíram a gordura emágua fervente e a converteramem biodiesel usandohidróxido de potássio

e metanol. Esse processoproduz biodiesel de boaqualidade, comparável aequivalentes de soja e óleode palma, de acordo com

um artigo publicado emjulho na revista [ournalof Agricultural and FoodChemistry. A meta é atingirum custo de produção de

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US$ 0,20 por litro, abaixodo biodiesel de soja, quecusta de US$ 1,8 a US$ 2,1por litro. A estimativa é queesse método possa gerar de500 milhões a 750 milhõesde litros de biodiesel nosEstados Unidos e 2 bilhõesmundialmente.

> Álcoolno quintal

Duas cervejarias com sedeno estado da Califórnia, nosEstados Unidos, vão ajudara produzir outro tipo deálcool, além do presentenas tradicionais cervejas.É o etanol combustívelproduzido com resíduos

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que sobram na fabricaçãoda bebida em umequipamento portátildesenvolvido pela empresa,também californiana,E-Fuel Corporation,criada por Thomas Quinn,um dos inventoresdo game Nintendo Wii,e o pesquisador FloydButterfield, com experiênciaem projetos de produçãodesse álcool. Por meio datécnica de fermentaçãoe destilação do estado sólidocom restos de produçãode cerveja ou vinho quecontenham açúcar, oE-Fuel MicroFuler produzaté mil litros por semana.É indicado para residênciasou pequenos negócios. Osresíduos das cervejarias vãoser distribuídos por outraempresa, a GreenHouse.O equipamento, se acopladoa um gerador, tambémservirá para produzireletricidade com o etanol.

Pesquisadores da IBMe do Instituto de Tec-nologia da Califórnia(Caltech) construíramcircuitos impressos decomputador menores,mais rápidos e de me-nor consumo de ener-gia usando moléculasde DNA. Apresentadana edição de setembroda revista científicaNature Nanotechno-logy, a possibilidadede usar essas molé-culas - sobre as quaismilhões de nanotubosde carbono poderlarnser depositados demodo organizado -pode resolver o antigo

problema de trabalhar em escalas inferiores a 22 nanômetrosnos transistores. O DNA faria o papel de minúsculos origamisque poderlern ser integrados a estruturas maiores e facilitara montagem de nanoestruturas com características conhe-cidas. "A combinação desse arranjo auto-organizado comas atuais tecnologias de fabricação de circuitos impressospode levar a economias substanciais na parte mais cara emais difícil de toda a produção", comentou, no comunicadoda empresa, Spike Narayan, gerente de tecnologia e ciênciada IBM Research, em Almaden, nos Estados Unidos.

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> Tela luminosae flexível

Um novo tipo de LED(sigla em inglês paradiodos emissores de luz),minúsculo e inorgânico,desenvolvido por cientistasda Universidade de Illinois,nos Estados Unidos, podelevar ao desenvolvimentode telas luminosassuperfinas e flexíveis commúltiplas aplicações, comopainéis que acompanhamos contornos de um ônibusou tomógrafos capazes deserem enrolados no corpode um paciente como sefosse um cobertor. A novatecnologia emprega umprocesso conhecido comocrescimento epitaxial eé capaz de gerar LEDs até100 vezes menores do queos fabricados atualmente.A equipe, liderada pelopesquisador Iohn Rogers,usou uma tecnologiaespecial de carimbo paradepositar e montar osinúmeros LEDs inorgânicosem superfícies de vidro,plástico ou mesmoborracha.

> Comp.utadoresalasér

os aparelhos convencionaisde laser não conseguemcriar por não serempequenos o suficientepara se integrar aos chipseletrônicos. Os cientistasnorte-americanossuperaram esse obstáculoutilizando, no lugar dosfótons que produzem luz,nuvens de elétronsconhecidas como plásmonsde superfície. Os nanolasersbaseados no spasers sãoesferas de 44 nanômetros(bilionésimos de metro)de diâmetro, sendo quemais de um milhão delascaberiam dentro de umglóbulo vermelho.O trabalho foi detalhadono final de agosto na ediçãoon-line da revista Nature.

A fabricação decomputadores ultrarrápidosque usam luz para processarinformações, no lugarde elétrons, ganha umanova possibilidade coma inovação nascida noslaboratórios dasuniversidades de Purdue,Estadual de Norfolke de Cornell, nos EstadosUnidos. Os cientistasconseguiram criar o menorlaser do mundo, batizadode spaser, cuja tecnologiaé baseada nos chamadoscircuitos nanofotônicos.Para funcionar, essescircuitos demandamuma fonte de luz que

Resíduos de cervejariaspara produzir etanol

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s: > LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

Aparelho seconecta à internete faz consultase perguntas

Um leitor eletrônico de livros com tecnologia nacionalestá em fase final de desenvolvimento pela empresapernambucana Mix Tecnologia, associada ao Polo Di-gital de Recife, em parceria com a Carpe Diem Ediçõese Produções, editora de livros. O aparelho de leitura,batizado de Mix Leitor D, tem uma tela de 6 polega-das que não reflete a luz, o que permite seu uso emambientes abertos e ensolarados. "Vamos adotar omesmo modelo de negócios já utilizado por outrosleitores eletrônicos que estão no mercado, como oKindle, vendido pela Amazon (nos Estados Unidos)",diz Diego Mello, gerente de projetos do Mix Leitor D.Mediante pagamento, os usuários podem fazer down-loads das obras à venda em uma loja virtual. Para issojá estão sendo feitas parcerias com autores indepen-dentes, editoras e livrarias. "Mas também vamos ofe-recer conexão com a internet para download de obraspúblicas disponíveis na rede", ressalta. O diferencialdo aparelho de leitura eletrônica, que já tem pedidode patente, é um recurso chamado Interquiz, previstopara ser utilizado em livros didáticos e que permiteao usuário fazer perguntas e também consultas so-

bre o assunto estudado. Uma das ideias é integrar o leitoreletrônico às escolas, permitindo ampliar seu uso, inclusivepara testes rápidos sobre conteúdos dados em salas de aula.A expectativa da empresa é colocar o produto no mercadoem 2010. Serão dois modelos: um Básico e um Premium. Acapacidade de armazenamento dos leitores eletrônicos - compeso de cerca de 400 gramas - será entre 1 e 4 gigabytes.No Mix Leitor D Básico o equipamento poderá armazenaralgumas centenas de livros. Já o modelo Premium poderá

armazenar até 1.500 livros.

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> Resíduos paraconstrução

Laminados de embalagenslonga-vida e resíduosda produção de aço efibra de vidro entram nacomposição de placas deconcreto usadas em paredese lajes na construção civil,resultando em um produtoque necessita menorquantidade de cimento paraa sua fabricação, mas queapresenta bom desempenhoe durabilidade. Oslaminados são usados paraconstruir uma espécie deestrutura reforçada, ondesão colocadas as instalaçõeselétricas e hidráulicas.Depois de fechadas, essasestruturas são reforçadas

com armaduras de fibrade vidro e introduzidas naforma para concretagemdos painéis. Desenvolvidadesde 2006 na Escola deEngenharia de São Carlos daUniversidade de São Paulo,a pesquisa integra umprojeto de interesse socialdo Programa de Tecnologiade Habitação da Financiadorade Estudos e Projetos(Finep). A ideia é produziros painéis diretamentenos canteiros de obra, nasconstruções por sistemade mutirão. O estudo prevêainda o uso da escóriaresultante da produção deaço em substituição à brita,para a incorporação aoconcreto. A estimativa é quea iniciativa possa reduzir em40% o volume de concretoutilizado, além deeconomizar na mão de obra.

> No ritmodo coração

Um eletrocardiógrafo debolso que colocado sobre opeito registra os batimentoscardíacos por meio desensores foi desenvolvidopela Ventrix Tecnologia,pequena empresa localizadaem Cotia, na Grande SãoPaulo. Uma linha de telefonecelular integrada ao aparelho

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Um instrumento chamado heliê-metro, destinado ao monitoramen-to contínuo das variações da formae do diâmetro solar, informaçõesque podem ser empregadas noestudo de mudanças climáticasem grande escala, foi desenvolvi-do por pesquisadores do Obser-vatório Nacional (ON), no Rio deJaneiro, utilizando uma antigatécnica astronômica. "Resgatei oprincípio óptico do heliômetro eutilizei tecnologias atuais, comoespelhos feitos com material ce-râmico, câmeras digitais e tubosde fibra de carbono para manter oinstrumento geometricamente es-tável", explica o pesquisador Vlc-tor O'Ávila, integrante do Grupode Instrumentação e Referênciaem Astronomia Solar (Girasol) eprojetista do heliômetro. "Há mui-to tempo nos interessamos pelasvariações do diâmetro do Sol e doachatamento dos polos solares", relata. Esses estudos vinhamsendo conduzidos há pelo menos três décadas pelo grupocom outro aparelho, que consegue registrar 1.800 imagenspor dia do diâmetro solar. Com o heliômetro, que teve apoioda Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), é possívelcaptar 8 mil imagens por hora, o que significa maior precisãonas medidas da forma e do diâmetro solar.

envia as informações paraum médico, responsável pelaanálise do eletrocardiogramaem seu computador. No casode sentir dores intensas nopeito, o portador do aparelhopoderá apertar o botãopânico. Esse simples gestovai disparar um sinal a umacentral de atendimentopara que seja providenciado

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atendimento de urgência.O aparelho foi feito emparceria com o Laboratóriode Engenharia Biomédicada Escola Politécnica daUniversidade de São Paulo

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e as empresas LapacorDiagnósticos Médicos eTerrazul, que desenvolveprogramas de computador.A próxima etapa é fazer os

o Eletrocardiógrafoportátil ligadoao celular

testes clínicos. Ou seja, senessa fase ficar comprovadoque o equipamento é eficaze, numa etapa posterior,os órgãos reguladoresaprovarem os resultadosobtidos, o eletrocardiógrafopoderá chegar ao mercadodentro de um ano, pelaprevisão da empresa.

> Limpezaindustrial

Um novo processo consegueremover até 99% dos íonsde sulfato resultantes deprocessos industriais queutilizam o ácido sulfúricocomo matéria-prima.Quando descartadosinadequadamente,os íons de sulfato e outroscompostos de enxofrepoluem rios, lagos e lençóisfreáticos. A remoção é feitapor bactérias anaeróbias- que promovem reaçõesbiológicas na ausênciade oxigênio -, colocadasdentro de um sistema

fechado preenchido compedaços de carvão. "Umabomba mantém o líquidono interior do sistemarecirculando por 46 horas",explica o engenheiroquímico Arnaldo Sarti,que desenvolveu oreator durante o seupós-doutorado realizadona Escola de Engenharia deSão Carlos da Universidadede São Paulo. A pesquisateve apoio da FAPESP edo Conselho Nacional deDesenvolvimento Científicoe Tecnológico (CNPq).O estudo começou comuma demanda da empresaDissoltex, de São Carlos,que precisava de umprocesso mais eficiente paratratar os resíduos químicosresultantes da produçãode vernizes usados noacabamento de produtosde couro. O sucesso daempreitada levou a empresaa instalar um sistemabiológico de 20 metroscúbicos para trataros resíduos químicos.

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Na trilha da luz Telecomunicações

tecNologia>

As luzes do cinema e as luzes da fotônica se encon-traram na apresentação simultânea de um filme digital transmitido em superalta definição, em tempo real, de São Paulo para San Diego, na Ca-lifórnia, Estados Unidos, e Yokohama, no Japão. O experimento marcou a inauguração da linha de fibra óptica com capacidade de transmissão, via

internet, de 10 gigabits por segundo (Gbps) com o exterior que passa a servir a comunidade acadêmica de São Paulo. O evento aconteceu durante o 10º Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File), nos dias 30 e 31 de julho, no teatro do Sesi, na avenida Paulista. O filme Enquanto a noite não chega, com direção de Beto Souza, é o primei-ro longa-metragem produzido no Brasil originalmente em 4K, tecnologia de vídeo equivalente a quatro vezes a resolução da TV digital de alta definição usada em todo o mundo ou 24 vezes em relação à TV aberta tradicional. “Na tecnologia 4K não se sente falta da película do cine-ma”, diz a professora Jane de Almeida, da pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que coordenou o evento com o professor Eunézio Antônio de Souza, do Laboratório de Fotônica da mesma instituição. O experimento, inédito no hemisfério Sul do planeta, também contou com uma conferência em tempo real com projeção na tela do teatro entre pesquisadores brasileiros do Mackenzie e do exterior, do Centro para Pesquisa em Computação e Artes (CRCA na sigla em inglês) e Instituto para Telecomunicações e Informação Tecnológica (Calit2) da Universidade da Ca-lifórnia em San Diego (UCSD), e do Instituto de Pesquisa para Mídia Digital e Conteúdo (DMC) da Universidade de Keio, em Tóquio.

Na transmissão, o filme e as imagens dos pesquisado-res foram transformados em fótons pelos lasers e trans-portados via fibras ópticas do teatro em São Paulo até as universidades no exterior, sem passar por nenhum fio de cobre ou semelhante. Para cada ponto foram fei-tas conexões de 1,5 Gbps, ida e volta, somando 3 Gbps.

“Trabalhamos no limite da tecnologia em equipamen-tos ópticos e cinematográfi-cos”, diz o professor Souza, conhecido no meio acadê-mico como Thoroh. Em ar-quivo digital 4K, cada frame do filme, equivalente a um quadro de película fotográ-fica dos filmes tradicionais, possui 8 milhões de pixels (4.096 x 2.160 pixels) ante 2 milhões da melhor tecno-logia televisiva atual (1.920 x 1.080), embora ainda não existam telas comerciais ou de demonstração de TV 4K, apenas projeção. Para um fil-me digital são necessários 30 frames por segundo. Tama-nho descomunal de dados só poderia passar por uma co-nexão com banda de trans-missão equivalente e muito superior aos atuais padrões comerciais. “Para transmitir o filme usamos uma banda de 3,5 Gbps na transmissão, equivalente à capacidade de 3.500 residências conectadas à internet a 1 megabit por se-gundo (Mbps)”, diz o profes-sor Thoroh. Seu laboratório faz parte da rede KyaTera, a estrutura de cabos de fibra óptica que interliga centros de pesquisa paulistas entre São Paulo, Campinas e São

Marcos de Oliveira

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transmissão transcontinental de filme em altíssima definição inaugura a linha de fibra óptica de 10 gigabits para a internet acadêmica

Teatro do sesi: projeção de filme digital em resolução quatro vezes maior que a TV de alta definição

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Carlos, a 20 Gbps, dentro do Progra-ma Tecnologia da Informação no De-senvolvimento da Internet Avançada (Tidia) da FAPESP. “O evento em 4K, acontecido em julho, serviu como um exercício para a rede KyaTera se conec-tar ainda este ano, de forma definitiva, a um link internacional.”

KyaTera ampliada - Essa rede funcio nou até agora para uso entre pesquisadores de universidades paulistas em experimentos na área de fotônica, protocolos de redes e aplicações de uso de equipamentos que requerem banda larga de transmissão (ver Pesquisa FAPESP n° 139). “Com os pesquisadores da rede KyaTera conec-tados à rede acadêmica, chamada de internet 2 [a 1 é a comercial], eles po-derão estabelecer conexões rápidas com outros pesquisadores no mundo. Isso já é possível, como vimos com a trans-missão 4K, mas requer a intervenção de muitas pessoas para conseguir o ro-teamento no caminho. A ideia é que eles possam fazer isso automaticamente no futuro porque os pesquisadores do Kya-Tera deverão ser os principais usuários desse link de 10 Gbps”, diz o professor

Hugo Fragnito, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do projeto KyaTera.

A contratação e a administração de conexões com o exterior, além do pro-vimento de internet para universidades e centros de pesquisa paulistas, são rea-lizadas há 20 anos pela rede Ansp, sigla de Academic Network at São Paulo, ou rede acadêmica do estado de São Paulo, financiada pela FAPESP. A conexão de 10 Gbps é um acordo ampliado entre a Ansp e a Fundação Nacional de Ciência, a NSF na sigla em inglês, dos Estados Unidos, que criaram em 2005 a Western Hemisphere Research and Education Networks-Links Interconnecting La-tin America (Whren-Lila), para prover uma conexão em fibras ópticas entre São Paulo e Miami, inicialmente a 2,5 Gbps. O novo canal de fibras ópticas ilu-minados pela luz de lasers foi alugado da Latin American Nautilus, empresa detentora de cabos com várias fibras instalados ao longo da costa brasileira, do Caribe e da América Central até Mia-mi. De lá, a transmissão segue em vias igualmente rápidas dentro do território norte-americano ou vai para a Europa e

Ásia. “A conexão de 10 Gbps vai custar US$ 3 milhões por ano, sendo US$ 1,4 milhão da NSF e o restante da FAPESP”, diz o professor Luís Fernandez Lopez, coordenador da rede Ansp e do Tidia.

As transmissões via internet conven-cionais ou especiais como foi o caso do filme e da videoconferência realizadas em julho saem do Brasil por um cabo de fibras ópticas do município de Praia Grande, no litoral sul paulista, e chegam, por via submarina próxima à costa, a Miami. Na Flórida, o cabo é conectado ao International Exchange Point for Rese-arch e Education Networking in Miami, chamado de Ampath, que funciona como ponto de troca de tráfego (PTT) conheci-do também como Network Access Point (NAP) entre as redes acadêmicas e edu-cacionais dos Estados Unidos e interna-cionais, que também possuem conexões com a internet comercial. Os PTTs con-sistem de um ou mais equipamentos cha-mados de roteadores, onde os provedores de internet se conectam, sob a forma de acordos multilaterais, para que e-mails trocados, por exemplo nesse caso, entre um pesquisador do Mackenzie e outro da Universidade da Califórnia, possam ser entregues. A partir desse PTT de Mia-mi, a Ansp tem acordos com outras redes conectadas à Ampath, que lhe dá acesso ao restante do mundo como a Internet2, rede de experimentos em internet de al-ta velocidade formada por mais de 200 universidades, 70 empresas, 45 agências governamentais norte-americanas e 50 organizações internacionais.

Os acordos de troca de tráfego com base em Miami também incluem acesso a Atlantic Wave, mantida por entidades de pesquisa e educação do sudeste norte- -americano, fornecedora de acesso a 40 Gbps para as redes europeias e federais dos Estados Unidos; a National Lambda Rail, uma rede nacional norte-americana formada por universidades e companhias de tecnologia, que provê infraestrutura para pesquisa e experimentação; Florida Lambda Rail, de instituições do estado da Florida, e a Pacific Wave, que faz cone-xões com redes asiáticas e da Oceania, a 10 Gbps. Outro acordo está estabelecido com a rede Corporation for Education

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Thoroh e Jane na conferência com pesquisadores dos estados unidos e Japão

A conexão de 10 Gbps disponível para a comunidade acadêmica é um acordo

ampliado entre a Ansp e a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos

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Network Initiatives in California (Cenic), mantida por instituições de pesquisa do estado da Califórnia.

Com a transmissão a 10 Gbps, a Ansp começou a participar efetivamente do Global Lambda Integrated Facility (Glif), uma organização mundial e vir-tual que promove a integração de redes ou lambdas (os vários comprimentos de onda emitidos pelos lasers, também cha-mados de cores), para suporte a experi-mentos científicos, além de promover a troca de experiências entre engenheiros de redes que trabalham nesse segmento. “A Glif é como um clube ou consórcio, em que não é necessário pagar nenhuma taxa, para a troca de informações entre redes acadêmicas que trabalham com 10 Gbps”, diz Lopez. A entidade tem como participantes centros de pesquisa como o Centro Europeu de Pesquisas Nuclea-res (Cern), Internet2, Fermilab, a rede acadêmica Janet, do Reino Unido, e a Associação Transeuropeia de redes de Pesquisa e Educação (Terena). No Brasil, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, a RNP, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, é que provê a estrutura de redes de pesquisa no Brasil e funciona como provedor de internet, fora a área da Ansp, para as universidades e demais instituições de pesquisa e educacionais

do país. A RNP, que também participou da elaboração das transmissões da tec-nologia 4K, espera para o final deste ano conexão de mais 10 Gbps para Miami, em cabo submarino de fibras ópticas da empresa Global Crossing ligado na cidade do Rio de Janeiro. Assim, a rede acadêmica brasileira terá uma conexão compartilhada com o exterior de 20 Gbps para a internet.

Mas antes de uma conexão de inter-net da rede acadêmica sair por Santos e chegar a Miami e a todas as redes mun-diais, ela faz uma passagem obrigatória pelo PTT de São Paulo, considerado pe-lo Glif, um dos 18 pontos de tráfego de redes acadêmicas do mundo. Chamado ainda de NAP do Brasil, este ponto serve para troca de tráfego e é administrado pela empresa Terremark, a mesma que administra o NAP de Miami. O PTT paulista está instalado desde 2004 no município de Barueri, na Região Me-tropolitana de São Paulo, num acordo entre a FAPESP – que operou o PTT acadêmico e comercial da internet bra-sileira de 1998 a 2004 na sua própria sede – e a empresa norte-americana.

Ligado ao mundo - Para fazer a trans-missão do filme e da conferência foi preciso reservar conexões sem tráfego ao longo das linhas de internet dentro dos Estados Unidos. Foi reservada uma conexão de 10 Gbps entre Miami e Los Angeles, na Califórnia, da C Wave, uma rede experimental da empresa Cisco que faz parte da National Lambda Rail. De Los Angeles a San Diego foi usado um enlace da Cenic. De lá, o sinal foi transportado até Tóquio, num cabo que atravessa o oceano Pacífico em que opera a Rede Japonesa Gigabit II. No lado de São Paulo, parte da rede tam-bém precisou ser preparada e reservada. Foram utilizadas ligações entre o PTT instalado em Barueri e a USP, a 10 Gbps, e, até o Mackenzie, utilizou-se uma rede especial de fibras da empresa Telefônica que, por um acordo firmado em 2007 e renovado este ano, pode ser utilizada pela rede do Tidia. “Usamos uma fibra apagada e sem utilização, o que significa que ela não estava com o laser funcio-nando”, diz o professor Thoroh. Ligar o laser na fibra e passar os 10 Gbps foi possível com o empréstimo de equipa-mentos de transmissão ópticos da Uni-versidade de São Paulo e da empresa

Foundry e lasers e amplificadores da empresa Padtec, de Campinas, em São Paulo. Um outro acordo com a Telefôni-ca para o evento supriu de fibra óptica dedicada, com a mesma velocidade, a ligação do prédio do Laboratório de Fotônica do Mackenzie até o prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), onde fica o teatro.

Esse tipo de empreendimento tec-nológico internacional só havia sido realizado entre os Estados Unidos, Eu-ropa e Japão. A ideia no Brasil partiu da professora Jane. “Na File de 2008, junto com pesquisadores da UCSD, projeta-mos alguns filmes em 4K e o próximo passo seria transmitir os filmes”, diz Jane. “Aí neste ano procurei o profes-sor Thoroh, conhecendo o trabalho dele na rede KyaTera, para saber sobre a possibilidade de transmitir o filme para os Estados Unidos. E ele comprou o problema.” Os dois foram então atrás dos equipamentos, do filme e da trans-missão. “Foi um trabalho enorme”, diz Thoroh. O projetor e as câmeras, que ainda são vendidos sob encomenda, foram emprestados pela Sony.

Para enviar o filme, foi necessário que pesquisadores da UCSD trouxessem para o evento dois provedores da marca Zaxel com capacidade de memória de 4 tera-bytes (TB) cada um. O filme tem cerca de 5 TB, equivalente a mil discos de DVDs comuns de 4,7 gigabytes. O filme de 70 minutos é baseado no romance Enquanto a noite não chega, do escritor gaúcho Jo-sué Guimarães (1921-1986). A narrativa é sobre um casal de idosos, Dom Eleutério e Dona Conceição, que moram em uma cidade abandonada à espera da morte. Além deles, apenas o coveiro permanece para poder enterrar os dois e ir embora para outra cidade. Mas o inevitável acon-tece, o coveiro morre antes do casal. “Beto Souza fez um filme com paisagens exten-sas e cores bucólicas. Há um momento em que o casal nostalgicamente tenta ver um filme em película com imagens de-terioradas”, descreve Jane. “No contexto da nossa transmissão esse tema evoca conexões imediatas com o fim do filme tradicional – que morre tarde demais. Isso porque se fala muito sobre a demora de Hollywood em substituir a película”, analisa. “A arte se modifica com as novas tecnologias. Depois de 1915, o filme em película se estabilizou, mas a tecnologia 4K pode mudar o cinema.” n

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ENGENHARIA DE PESCA

Híbrido robusto

tilápia resultante de cruzamentos entre mutante vermelho e selvagem preto cresce rapidamente em cativeiro | Dinorah Ereno

Filhotes híbridos produzidos pelas tilápias Chitralada (acima) e Red Stirling (ao lado)

Um peixe híbrido de coloração avermelhada, saboroso e com excelente desenvolvimento, foi obtido após quatro anos de um extensivo tra-balho de melhoramento genético feito a partir de duas variedades de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus), uma vermelha mutante e a outra selvagem preta. “Conseguimos realizar cruzamentos diri-gidos, seguidos de seleção, e produzir um híbrido que está pronto para disputar o mercado”, diz o professor Alexandre Wagner Silva

Hilsdorf, do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), coordenador do projeto conduzido em parceria com a empresa Royal Fish, de Jundiaí, no interior paulista. A variedade vermelha é um mutante da tilápia selvagem preta originária do rio Nilo, que banha o nordeste da África. No início da década de 1990, ela foi desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Aquicultura da Universidade de Stirling, na Escócia, que a batizaram de Red Stirling. “A tilápia mutante tem como prin-cipal característica a ausência de pigmentação preta na pele, mas não se trata de um peixe albino, já que possui células de pigmentação pretas, chamadas melanóforos, nos órgãos internos e nos olhos”, explica Hilsdorf.

Embora seja um peixe atraente para o consumidor, tanto pela aparência como pelo sabor da carne, ela tem uma séria desvantagem para o produtor – cresce menos do que outras variedades de tilápia melhorada genetica-mente, como, por exemplo, a variedade Chitralada, assim chamada porque foi desenvolvida no Japão e melhorada nos tanques de cultivo do palácio real Chitralada, em Bangcoc, na Tailândia. Essa variedade chegou ao Brasil em 1996, com a doação de alevinos pelo Asian Institute of Technology, da Tailândia, e atualmente é a espécie de tilápia mais utilizada comercial-mente. Juntar as melhores características de cada uma das variedades, o vermelho da Red Stirling e o tamanho avantajado da Chitralada em curto período de tempo, era a proposta do projeto, que teve apoio da FAPESP

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na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe). “Em qualquer criação animal é preciso crescer o mais rápido possível no menor período de tempo, para que o produtor não tenha prejuízos”, diz Hilsdorf, formado em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. “Até pouco tempo atrás, a tilápia tinha como peso comercial 500 gramas, obtido em cinco meses a uma temperatura média de 25 graus Celsius na água”, diz o pesquisa-dor. Hoje o mercado mudou e quer ti-lápias de 700 a 800 gramas. Os híbridos avermelhados obtidos nos cruzamentos chegaram a 700 gramas, ultrapassando a variedade Red Stirling em cerca de 30% e a Chitralada em 6%.

No experimento feito nos tanques de cultivo da empresa na fazenda Santa Inês, em Jundiaí, foram utilizados 60 reprodutores das duas variedades de tilápia nilótica com mais de 200 gramas e com as seguintes características: Red Stirling sem manchas escuras e Chi-tralada com corpo avantajado e cabeça pequena. Essa escolha teve como ob-jetivo, além da obtenção de uma prole sem manchas pretas, selecionar outras características de interesse zootécni-co, como crescimento, sobrevivência, conversão alimentar e resistência ao manejo. Os alevinos fêmeas gerados por esse cruzamento foram separados manualmente na fase de larva para que

fosse feita a sua reversão sexual por meio de hormônios masculinizantes, processo utilizado nos sistemas de cultivo intensivo porque os machos tendem a crescer e a ganhar peso mais rapidamente do que as fêmeas. Todo o

processo de melhoramento foi acom-panhado por várias análises de DNA, feitas no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura da UMC, para avaliar a diversidade ge-nética dos pais e das proles resultantes dos cruzamentos.

Variedade comercial - Antes dos ex perimentos em campo, Hilsdorf fez uma série de testes para avaliar o potencial da Red Stirling na compo-sição de uma variedade híbrida com a Chitralada. “Até aquele momento, a vermelha mutante não havia passado por nenhum melhoramento genético”, diz o pesquisador. Embora nos testes iniciais ela tenha perdido da Chitrala-da no quesito crescimento, com 30% menos peso obtido no mesmo período de tempo, Hilsdorf percebeu que ela apresentava uma vantagem em relação a outras variedades de tilápia vermelha. “Os cruzamentos da Red Stirling com a preta resultam quase sempre em híbri-dos vermelhos”, conta. Essa caracterís-tica era fundamental para levar adiante o projeto, porque a proposta desde o princípio era conseguir uma varieda-de comercial que pudesse disputar o mercado com uma variedade de tilápia

Tanques de cultivo de peixes da empresa Royal Fish, em Jundiaí

1. Avaliação genética e zootécnica de duas variedades de tilápia nilótica para o estabelecimento de um programa de produção massal de um híbrido2. Biotecnologia pesqueira aplicada à avaliação genética populacional dos estoques do polvo comum (octopus vulgaris) do litoral brasileiro pelo uso de marcadores microssatélites para seu manejo sustentado

ModAlIdAdES

1. Pesquisa inovativa em Pequena empresa (Pipe)2. auxílio regular a Projeto de Pesquisa

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AlexAndre WAgner SilvA HilSdorf – UMC

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1. r$ 123.642,39 e Us$ 8.998,66 (faPesP)2. r$ 69.313,67 (faPesP)

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popularmente conhecida no Brasil com o nome de Saint Peter, um híbrido de coloração alaranjada introduzido no Brasil pela empresa israelense Aquacul-ture Production Technology. Foi com esse argumento que ele conseguiu con-vencer o médico otorrinolaringologista Ricardo Ferreira Bento, um dos três só-cios da Royal Fish, a viajar até a Escócia para comprar 1.200 alevinos da nilótica vermelha. Na época, a empresa cultiva-va a Saint Peter, mas constantemente precisava comprar novas matrizes da empresa israelense.

A parceria entre Hilsdorf e a Royal Fish começou com uma visita que Ri-cardo Bento fez em 1999 ao professor José Eduardo Krieger, diretor do La-boratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração, em São Paulo. Krieger era o orientador de doutorado de Hilsdorf na tese sobre genética do DNA mitocondrial de uma espécie de peixe da bacia do rio Paraíba do Sul. “No quadro de avisos havia um artigo meu sobre peixes, que despertou o interesse de Ricardo”, diz Hilsdorf. A partir daí a troca de conhecimento e in-teresses foi se solidificando. Atualmente a pesquisa de melhoramento genético segue por outros caminhos, com novos cruzamentos entre a vermelha e a preta. “Agora estamos estabelecendo um pro-grama de melhoramento genético com a variedade vermelha e outras pretas, além da Chitralada, com cruzamentos e teste de progênie para obter uma ti-lápia vermelha ainda melhor”, explica o pesquisador.

Nessa pesquisa, além da Chitralada, também está sendo testada a resposta de uma variedade de tilápia chamada Gift, sigla de Genetic Improved Farmed Tilapia - Oreochromis niloticus, projeto de melhoramento genético desenvolvi-do nas Filipinas, em colaboração com a Noruega, para obtenção de uma tilápia altamente produtiva para fins sociais na Ásia. O esforço para obtenção de novas variedades resistentes, altamente produtivas e com carne diferenciada tem uma explicação. “A tilápia é o peixe mais produzido em cativeiro no Brasil”, diz Hilsdorf. “São cerca de 100 mil to-neladas por ano.” O dado refere-se ao ano de 2007. Nada mau para um peixe que chegou ao Brasil na década de 1950 para controlar o mato que crescia nas turbinas hidrelétricas. n

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Se na aparência, com seus oito tentáculos, todos os polvos que estão distribuídos pelo litoral brasileiro são parecidos, geneticamente eles podem ser bem diferentes, como mostra um estudo conduzido no doutorado de Ângela Aparecida Moreira pelo programa de pós-graduação em Biotecnologia da Universidade de São Paulo, com a parte experimental realizada no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura da Universidade de Mogi das Cruzes sob a orientação do professor Alexandre Hilsdorf. “Uma análise mais detalhada mostra que o polvo comum, conhecido como Octopus vulgaris, está mais concentrado no Sul e Sudeste, enquanto os animais do Norte e Nordeste pertencem a outra espécie, recentemente identificada como Octopus insularis, por causa de um animal encontrado na ilha de Fernando de Noronha”, explica Hilsdorf. O polvo capturado pelos pescadores no litoral Sul e Sudeste é semelhante geneticamente ao polvo encontrado em Portugal, chamado

de Octopus vulgaris. Esse tipo de conhecimento é importante para futuros trabalhos de conservação e repovoamento da espécie e para controle de pesca predatória.

O estudo teve a participação do pesquisador Acácio Ribeiro Gomes Tomás, do Instituto de Pesca de Santos, que fez as coletas dos polvos. “Nossa proposta era fazer um trabalho de genética populacional e, para isso, precisávamos saber se as populações de polvo capturadas no litoral brasileiro constituem o mesmo grupo genético ou são geneticamente diferentes”, diz Hilsdorf. As análises foram feitas com marcadores microssatélites, os mesmos marcadores de DNA usados para testar a paternidade. “Foi quando percebemos que os polvos de uma praia perto do Recife, no litoral pernambucano, eram mais parecidos com os de Santa Catarina”, relata. A confirmação de que se tratava mesmo de duas espécies diferentes veio com outra abordagem genética, a comparação de sequências de trechos do DNA mitocondrial.

diferenças entre polvosAnimais do litoral Sul e Sudeste pertencem à espécie Octopus vulgaris e os do Norte e Nordeste à Octopus insularis

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FARMACOLOGIA

Remédio no interior

Composto farmacêuticopromete elevar a eficiência do tratamento da leishmaniose

Yuri Vasconcelos

Pero etumsan vullum irilit inibh ea ad tis eum volore feummod iametum

Uma formulação farmacêutica inédita de-senvolvida por um grupo de pesquisado-res de São Paulo e do Rio de Janeiro pode facilitar e tornar mais eficaz o tratamento da leishmaniose, uma doença parasitária que atinge milhões de pessoas em todo o mundo. O medicamento é uma composi-

ção contendo um derivado sintético do fitoterápico chalcona extraído da planta pimenta-de-macaco (Piper aduncum) e encapsulado em lipossomos, vesículas de tamanho nanométrico formadas por fosfolipídios, um tipo de gordura. Essa substância é capaz de penetrar na pele e atingir o protozoário causador da enfermidade. O medicamento está na fase de desenvolvimento laboratorial e já passou, com sucesso, por testes in vitro e em animais. A inovação rendeu uma patente, depositada no iní-cio deste ano no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com validade no exterior via Tra-tado para Cooperação de Patentes (PCT, na sigla em inglês). O próximo passo, segundo Maria Helena Andrade Santana, professora da Faculdade de Enge-nharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), será a realização de uma nova bateria de ensaios pré-clínicos, que antecederão os testes em humanos para comprovação da eficiência da formulação no combate à doença.

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ra atenuar esse efeito, novas classes de chalconas foram desenvolvidas, sendo que a chalcona nitrogenada (CH8), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou-se a mais seletiva e ativa para o tratamento da moléstia. O desafio dos pesquisadores brasileiros foi criar um meio de transporte para o princípio ativo – no caso a chalcona nitrogena-da – atingir camadas mais profundas da pele visando a maior penetração na lesão. “O problema é que a chalcona li-vre, veiculada em cremes de composição simples, é uma molécula grande incapaz de permear a camada superficial da pele”, explica a pesquisadora da Unicamp. Foi então que surgiu a ideia de encapsular a chalcona em lipossomos. “A encapsula-ção facilitou seu transporte até o local da ação, aumentando a eficiência da droga. Dessa forma, obtivemos, nos testes in vitro, uma maior penetração na pele, e com animais, um efeito igual ao da inje-tação da chalcona diretamente na lesão”, explica a pesquisadora.

Lento e gradual - Com dimensões na-nométricas – seu diâmetro é da ordem de 100 nanômetros –, os lipossomos são considerados um excelente siste-ma de liberação lenta e controlada de medicamentos. Além de serem direcio-nados para locais específicos de ação, apresentam elevada interação com as células do corpo, porque mimetizam suas propriedades físico-químicas e biológicas. Por conta de sua flexibilidade estrutural, uma categoria de lipossomos, ditos elásticos, consegue penetrar nos

poros da pele, cujo diâmetro é de apenas 30 nanômetros. Essas vesículas elásti-cas são capazes de sofrer deformação, passando do formato esférico que lhes é característico para o de um cilindro na forma de agulha e, assim, ingressar nos poros que são menores do que seu tamanho. “A elasticidade permite que eles se deformem sem prejudicar sua integridade. Depois da passagem pelo poro, os lipossomos passam a interagir com as camadas superiores da pele, na epiderme, liberando o fármaco gra-dativamente através de difusão e de sua própria desintegração ao longo do tempo”, explica Maria Helena.

“Os lipossomos são as partículas nanométricas de uso médico que mais atraem a comunidade científica”, diz a pesquisadora. Já existem no mercado fármacos encapsulados por eles, como a doxorrubicina, para a quimioterapia de pacientes com câncer, e a anfoteri-cina B, indicada para infecções fúngi-cas. Grupos de pesquisa na Alemanha e Holanda já conseguiram também desenvolver as formas elásticas para aplicações médicas, mas nenhum deles utilizou chalcona nem os direcionou ao tratamento de leishmaniose cutânea. “Quando fizemos a revisão bibliográfi-ca para patenteamento não havia nada semelhante com chalconas, lipossomos elásticos e leishmaniose.”

A chalcona encapsulada foi pro-duzida e caracterizada quimicamente no Laboratório de Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos da FEQ da Unicamp. O trabalho contou com a participação da mestranda Beatriz Zanchetta. A chalcona nitrogenada, por sua vez, foi fornecida pela bióloga Bartira Bergmann, do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto de Biofísica da UFRJ. Os ensaios biológicos e in vivo, com camundongos, foram da farmacêutica Camila Falcão, doutoran-da do Instituto de Biofísica da UFRJ. A ideia das pesquisadoras é continuar com ensaios pré-clínicos e, no futuro, repassar a tecnologia para um labo-ratório farmacêutico interessado em produzi-lo comercialmente. “Esse de-senvolvimento conta com uma equipe interdisciplinar, formada por biólogos, farmacêuticos e engenheiros químicos, e constitui uma tecnologia promissora passível de ser repassada ao setor indus-trial”, destaca Maria Helena. n

A leishmaniose, enfermidade cau-sada por várias espécies de protozoá-rios do gênero Leishmania, atinge 12 milhões de pessoas no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que surgem entre 2 e 2,5 milhões de doentes a cada ano. No Brasil, onde a doença é endêmica, são notificados anualmente 34 mil no-vos casos. Considerada uma moléstia negligenciada por receber pouca ou nenhuma atenção dos grandes labo-ratórios farmacêuticos, ela é prevalente em populações de baixa renda de paí-ses da Ásia, África e América Latina e pode ser classificada em dois amplos grupos: tegumentar, subdividida em cutânea e mucocutânea e caracterizada por feridas na pele e mucosas, e visceral, que atinge órgãos vitais, como fígado e baço, e pode matar. O tratamento é dificultado por conta da localização do parasita dentro dos macrófagos, um ti-po de célula do sistema imunológico, de difícil acesso, que reduz a eficácia da ação dos fármacos. A terapêutica con-vencional é bastante dolorosa e consiste da aplicação de injeções diárias por um período prolongado, que apresentam efeitos colaterais sérios como dores musculares e abdominais, além de náuseas, e nem sempre são eficazes. A primeira vantagem da nova formulação contendo chalconas encapsuladas em lipossomos, destinada exclusivamente ao tratamento da leishmaniose cutânea, é sua aplicação local. “O medicamento pode ser formulado em cremes ou lo-ções contendo o fármaco encapsulado em lipossomos que penetra profun-damente na lesão, possibilitando um tratamento mais simples e indolor. Por não ser invasivo, já que não é necessário usar agulhas, facilita o tratamento de crianças e eleva a adesão por parte dos pacientes”, diz Maria Helena.

A chalcona possui comprovados efeitos anti-inflamatórios e cicatrizantes. Estudos diversos comprovaram a ativi-dade contra a leishmaniose cutânea. Ela age na desestruturação da membrana celular do parasita, levando-o à mor-te, mas também possui efeito residual tóxico para as células do paciente. Pa-

Projeto, montagem e operação de instalação para produção escalonável de lipossomos visando a aplicações farmacêuticas

modALIdAdE

auxílio regular a projeto de pesquisa

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Maria Helena andrade Santana – unicamp

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Ao lado, microscopia de chalconas encapsuladas

por lipossomos

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luxoECONOMIA

Pesquisa revela a importância do consumo no desenvolvimento do capitalismo nacional

O povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”: a frase de Joãozinho Trinta pode não ter perdido de todo a sua validade, mas há, na universidade, quem

não concorde com a segunda parte dela. A economista Milena Fernandes de Oliveira, da Unicamp, defende em seu doutorado Consumo e cultura material, São Paulo “Belle Époque” (1890-1915), orien tado por Fer-nando Novais, justamente a importância de se estudar o luxo e de como seu consumo é um instrumento poderoso para interpretar as características dos chamados “capitalis-mos periféricos”, como o brasileiro, des-cobrindo raízes inesperadas que ajudam a entender a industrialização tardia do país e como foi feita a sua modernização. “O consumo numa sociedade que acabara de derrubar o Império e a escravidão tem uma função clara e definida: acelerar a superação de um passado colonial que se quer esque-cer a qualquer custo. O processo, é claro, não seria para todos”, explica Milena. “A mo-dernidade idealizada pela elite cafeeira se interessava menos pela inclusão social como retaguarda para a selvageria capitalista do que por uma modernidade que criasse uma nação civilizada e que apagasse de vez tudo o que lembrasse o passado colonial.” Para se diferenciarem, então, optaram pelo luxo importado. “Esses pa-drões de consumo eram mais sofisticados do que a indústria nacional conseguia produzir e assim a influência do consu mo

Carlos Haag

>humanidades

A história do Brasil que é um

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sobre a indústria é bem maior do que desta sobre aquele, restringindo a industrializa-ção”, avalia. Ou seja, para entender o Brasil de hoje e seus gargalos é preciso que os in-telectuais continuem a olhar a miséria, sem esquecer o luxo.

O período escolhido, entre 1890 e 1915, é fundamental, pois marca tan-to o apogeu da acumulação capitalista pela economia cafeeira, que cria uma indústria particular, como é o momen-to em que a sociedade brasileira assistiu às grandes transformações que marcam o nascimento da sua modernidade, que ganhará um impulso tremendo a partir dos anos 1920. “Busquei, a partir de um estudo do consumo, entender justamente as contradições específicas da formação capitalista no Brasil. O desenvolvimento da cafeicultura, a proclamação da República, a instituição do trabalho livre criaram uma nova configuração de classes. De um lado estavam os filhos da elite e, de outro, os imigrantes enriquecidos pelo comércio”, explica. “Como consequência dessa nova hierarquia surgiram outros conflitos que exigiram novos comportamentos de classe que legitimassem as posições adquiridas e os devidos distanciamentos em relação aos ‘inferiores’ na escala social.”

O consumo, então, aparece como o ins-trumento legitimador das posições sociais,

centrado nas importações em detrimento de tudo o que fos-se nacional. “Com a presença mais forte do setor externo como fonte de novidades, a dinâmica diferenciação/ge-

Mappin Stores: centro do consumo de importados para a elite do café

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neralização do consumo ganha novas formas. O movimento das classes do café dita o ritmo da aquisição das no-vidades, mas estas não conseguem ser produzidas internamente por causa da insuficiên cia técnica da base produtiva.” Será o setor importador, na contramão da lógica capitalista das metrópoles, a fonte do consumo de luxo, sinônimo de modernidade no contexto do nasci-mento do capitalismo no Brasil, dando acesso à última moda estrangeira. “O livre acesso aos produtos estrangeiros provoca uma separação, fundamental no contexto periférico, entre consumo capitalista e produção capitalista. São dois tempos que convivem em uma só sociedade: o tempo do capitalismo e o da sociedade tradicional.”

S ão Paulo, que mais tarde reu-nirá as raízes da concentração industrial, foi porém naquele

período o caso exemplar de como o novo capitalismo nacional tinha ca-racterísticas próprias que ainda são sentidas no presente. A cidade, ob-serva a historiadora, sofreu grandes reformas urbanas, influenciadas pelo urbanismo higienista de Haussmann, realizadas por Ramos de Azevedo. São Paulo também foi transformada como consequência da promoção do café a produto principal da exportação bra-

sileira, o que fez dela um grande centro comercial e financeiro, incluindo-se a expansão da malha ferroviária e o aces-so ao porto de Santos, para onde ia o café e chegavam os importados de luxo. Todos esses fatores acabaram gerando uma revolução comercial que acon-tecia nas lojas do chamado triângulo comercial, formado pelas ruas Direita, 15 de Novembro e São Bento, local on-de estavam as lojas de importados e as de produtos nacionais, definindo, pelo consumo, o pertencimento a uma ou outra classe social. “Mas o que torna particular o estudo de São Paulo nesse momento é a vinda de uma enorme massa de imigrantes que não chegavam apenas para trabalhar no café do oeste, mas se instalaram na capital como co-merciantes e homens de negócio. Essa transformação social foi crucial para determinar os caminhos do consumo, já que a concorrência entre as frações da elite tradicional e a ascendente se manifestava na aquisição de bens, e não mais apenas em privilégios imateriais como o nome de família. A legitimação da conquista de novos postos passou a se dar pelo consumo, num movimento tipicamente capitalista.”

Todo esse movimento foi acelerado com a transferência da elite cafeeira da área rural para a capital a partir de 1890, que resultou na modernização urbana,

com a instalação da luz elétrica, a rede-finição do espaço urbano em busca de novas formas de distinção, ampliando as possibilidades comerciais. São Paulo passa a ser um bom lugar para inves-timentos nacionais e estrangeiros. “A concentração da elite na cidade torna a Pauliceia um palco excepcional para o teatro das maneiras e aparências e é possível observar-se uma crescente re-levância e valorização do ‘abstrato e do simbólico’, não apenas na representação pessoal das pessoas desse grupo, mas também na forma como investem na estruturação física, funcional e arquite-tônica da cidade”, observa a doutora em história Maria Claudia Bonadio, profes-sora do Mestrado em Moda, Cultura e Arte e Bacharelado em Design de Moda do Centro Universitário Senac-SP, au-tora de Moda e sociabilidade: mulheres e consumo na São Paulo dos anos 1920 (Editora Senac, 206 páginas, R$ 55). Se-gundo ela, a chegada do dinheiro farto revoluciona a importância dos espaços públicos que, por sua vez, intensificam o consumo como forma de inserção em determinadas classes sociais. “A vida pública se intensifica, levando paulis-tanos a se preocuparem cada vez mais com a aparência em público.” O Teatro Municipal, obra monumental, maior e mais ostensivo que o Teatro da Capital Federal, é um exemplo da obra dita pú-blica que, no entanto, estava reservada ao desfrute das elites. O movimento atingiu diretamente as mulheres, que ganham uma função extra: as compras. “Essa tarefa nasce da mudança das elites para os centros urbanos, o que fez os grupos familiares perderem suas fun-ções produtivas e se tornarem unida-des de consumo. Enquanto as fazendas haviam sido relativamente autossufi-cientes, apoiadas em contingentes de escravos e empregados, as famílias ur-banas dependiam de bens de consumo e serviços oferecidos pelo mercado.”

Essa mudança, porém, ao fazer da mulher agente de consumo, permite que ela se aproxime do espaço público: sair sozinha para as compras já não é

Operários da Destilação Italiana, de Luiz Trevisan, 1900

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“Os espaços se especializam, não só separando comércio da moradia, mas também ricos de pobres”

coisa malvista. Rapidamente, nota Claudia, a “tarefa” se aliará ao lazer e à individualidade feminina. “Naquele momento, a esfera do parecer era um espaço privilegiado de afirmação para a elite tradicional, também necessário para se distinguir de outras elites, como a emergente dos imigrantes.”

A classe responsável pela tran-sição para a modernidade, a elite cafeeira chegada ao meio

urbano, distinguiu-se de outras classes não apenas pelo seu poder aquisitivo, mas também por causa do seu “estilo de vida” evidenciado pelo uso dos bens de consumo como “capital simbólico”. Na relação entre consumo e indústria na periferia houve, como condição pri-mordial, o abandono total de antigos padrões por parte da elite em favor

do consumo de gêneros estrangeiros, que vão de formas arquitetônicas até alimentos, para que se lhes conferisse o status necessário. “Ao mesmo tempo, porém, que se promove a supressão de traços do passado em alguns pontos da cidade, os despojos deixados pelos tempos coloniais continuam a se repro-duzir em velocidade exponencial nas regiões dos nascentes bairros operá-rios”, analisa Milena. O resultado, con-tinua, é uma cidade que se moderniza e que reproduz uma nacionalidade em certo sentido contrária à moderna, sem a criação de instâncias inclusivas co-mo forma de compensação da exclusão permanente gerada pelo capitalismo nascente. “Os espaços se especializam, não só separando diversão do trabalho, o comércio da moradia, mas também o rico do pobre.” Por volta de 1880

aparecem os primeiros bairros resi-denciais aristocráticos, localizados nos melhores terrenos da capital. De início, eles avançam em direção ao norte do maciço central, para o lado do Tietê e, depois, acompanham o bordo inferior, acima da baixada. Ali se instalaram os bairros de Santa Ifigênia e Campos Elísios, referência à avenida parisiense onde moravam muitas famílias brasi-leiras da elite. Do outro lado ficavam as chácaras que, com o tempo, viraram bairros compactos como Liberdade, Consolação e Vila Mariana.

“Ainda em finais do século XIX surgem outros bairros de habitação elitista como Higienópolis, dos aristo-cratas com fortunas saídas do café, que avançam rumo aos terrenos mais altos e saudáveis do planalto e também da avenida Paulista”, explica Milena.

Teatro Muncipal na noite da sua inauguração em 12 de setembro de 1911

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A avenida Paulista, no entanto, de feição elitista, se transformou num limite claro entre as fortunas acumu-ladas pelo café e as nascidas com a in-dústria. O fim da progressão cafeeira transferiu as fortunas para a indústria e o comércio, quase todos em mãos de imigrantes. A Paulista será o bairro resi-dencial dos milionários dessa nova fase da economia paulista e a arquitetura do bairro deixará isso bem claro. Por fim, por volta de 1910, foram criados os bairros-jardins, que descem pelas escar-pas próximas à várzea do rio Pinheiros, com feitio europeu que em nada reme-tem aos modelos urbanísticos do pas-sado, como o Jardim Paulista, Jardim Europa e Jardim América. “Enquanto isso, os bairros operários avançaram pelos terrenos ingratos das baixadas do Tietê e do Tamanduateí, com cortiços e vilas: Mooca, Brás, Pari, Ipiranga, Bar-ra Funda, entre outros. Esses bairros populares provocavam uma fenda pro-funda na imagem europeia de cartão- -postal que se pretendia construir para São Paulo.”

Uma forma encontrada para evitar essa presença incômoda era mergulhar em importados, em especial os france-ses. Afinal, como dissera Gobineau, o brasileiro desejava apaixonadamente viver em Paris. “A preferência pelas mercadorias francesas, observada na elite colonial, ampliou-se no Império

e na República. Além de couros enver-nizados, batatas em sacas, automóveis, caixas de conhaque, barris de mantei-ga, tecidos de lã, papel para cigarros, água-de-colônia e outros, o comércio francês foi facilitado pelas mulheres modistas sempre francesas”, observa o economista Lincoln Secco, professor de história contemporânea da Facul-dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. “Para o escoamento desses produtos em concorrência com a Inglaterra e, depois com a Alemanha, havia toda uma rede em que comércio e representação consular se uniam. O Brasil era um dos alvos preferenciais na América para a exportação de pro-dutos franceses e São Paulo mantinha agentes consulares que, por meio de re-latórios e cartas enviados ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formavam uma teia de informação sobre entraves e possibilidades de negócios na cidade. A França jogava seus braços de influên-cia cultural e, com isso, aumentava a fluidez no comércio dos produtos de suas indústrias”, analisa a historiadora econômica Vanessa dos Santos Bivar em seu doutorado Vivre à St. Paul: os imigrantes franceses na São Paulo oitocentista, defendido na USP, com orientação de Eni Siqueira Samara. A influência francesa, contudo, não se concentrava somente na elite. “Cama-das medianas, homens e mulheres livres

e pobres, forros e escravos tinham a sua própria maneira de interagir com ela. Numa economia baseada no crédito, dependendo do tipo de relacionamento que se tinha no comércio, o produto se tornava mais tangível e nem todos os objetos franceses tinham grande va-lor, o que desmistifica a ideia de que os negócios e a cultura francesa ficaram restritos às elites.” Não sem razão, a importação de mercadorias francesas aumenta a partir de 1870, com seu ápi-ce em 1890, ano em que a província se consolida como a maior exportadora de café do país. “A afirmação de status adota contornos burgueses, sem, no en-tanto, deixar de ser aristocrática em sua essência, postura herdada do período colonial e não superada na transição para o capitalismo”, nota Milena.

O que ameaça a elite cafeicultora, porém, não é a recém-libertada massa de escravos, mas sim os

imigrantes chegados da Europa e que, em pouco tempo, formaram fortunas. A cidade passou a experimentar uma in-cômoda mobilidade social à qual se as-sociaram mecanismos de diferenciação que não os de sangue ou laços familiares. “A cidade capitalista, ainda que cidade periférica com seus enormes bolsões de exclusão social, amplia a possibilidade

Rua 15 de Novembro, em 1911; palacete de dona Veridiana, no bairro de Higienópolis, em 1902; e residência na praça da República, em 1905

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de contato entre as diferentes classes, tornando ainda mais necessários outros mecanismos de criação e reprodução de diferenças”, explica a economista. Uma dessas formas foi a cultura. “Com o de-senvolvimento do capitalismo surge a possibilidade de comprar a arte em qua-dros, livros, espetáculos musicais que se configuram em produtos de luxo, não do ponto de vista de sua escassez física, mas simbólica. Afinal, era fundamental, para se desfrutar deles, a posse de um gosto, para o qual se educava um indivíduo e a partir do qual se criava uma diferença entre os educados, ‘de gosto apurado’, e os leigos, capazes de comprar, mas não de usufruir da arte.” Assim, segundo a pesquisadora, se, na arquitetura, a dis-tância social entre tradicionais e emer-gentes é mínima, já que as duas frações expressaram seu poder em palacetes suntuosos que valorizam o luxo e negam a privação, na indumentária e na cultura surgem incongruências entre éticas de trabalho com fundamentos distintos: uma que valoriza o trabalho e a privação social e outra que o desvaloriza, embora enalteça o trabalho mental. “A admira-ção pelas ‘ideias abstratas’, como disse Sérgio Buarque de Holanda, correspon-de à forma moderna da ética do ócio emprestada da colônia. No lazer elitis-ta, então, essa diferenciação é máxima, porque o capital social para a admiração de uma obra de arte não é fruto direto da ascensão econômica.” Daí decorrem, por exemplo, os gastos públicos com templos do consumo cultural, como teatros, óperas, museus, restaurantes finos e outros, lugares onde os “carca-manos” supostamente não saberiam se portar, apenas “maca queando” as elites

de forma ineficiente. Se o consumo não era, por si, suficiente para deixar claras as diferen-ças, a cultura seria, pelo pensamento da época, definitiva.

“A simples posse dos bens não garantia o status. O que distin-guiria e determinaria um grupo é a ‘honra estamental’ expressa pelo ‘estilo de vida’ e pela busca de privilé-gios, como o direito a dedicar-se a certas artes

por ‘diletantismo’. O grupo cafeicultor desenvolveu uma série de relações simbólicas que se transformam em marcas de distinção”, lembra Claudia. Curiosamente, como se verifica hoje, a falsificação foi mais um elemento a obrigar as elites a inventar novas for-mas de se diferenciarem que não apenas pelo consumo de luxo. Só que, naquela época, essas formas alternativas acaba-ram determinando os rumos do de-senvolvimento industrial. “A indústria nacional não dava conta da demanda por importados e era muito restrita, não apenas porque não possuía capitais próprios, tendo que depender sempre do setor agroexportador, mas também porque, na ausência desses capitais, a indústria se restringiu à produção de pentes, chapéus, tecidos, que, em sua maior parte, imitam padrões estran-geiros, fontes de status”, explica Mile-na. O parque industrial torna-se cada vez mais fragmentado e sua integração quase impossível, já que apenas uma concentração de renda, então inviável, seria capaz de reuni-lo. “As formas de compensação encontradas, a imitação e a falsificação, são produtos da lentidão da indústria nacional e sua incapacida-de em generalizar os padrões.

Esses mecanismos escusos pro-movem a generalização dos padrões de consumo pelo país e permitem às camadas ascendentes a solução ideal para a falta de recursos e a sede de sta-tus.” Para a pesquisadora, esse é mais um exemplo de que comportamentos presentes na formação do capitalismo brasileiro continuam orientando ainda hoje hábitos de consumo e reconstrução de hierarquias, como se pode verificar

na pesquisa feita pela economista Karen Perrotta em seu doutorado A preferên-cia da marca no processo de decisão de compra do segmento de baixa renda, defendida na FEA-USP sob orienta-ção de Geraldo Toledo. “Mulheres com famílias de ganhos mensais até cinco salários mínimos optam mesmo é pela marca em suas compras, levando em conta o ‘valor’ que o produto representa para ela. Ela compra um achocolatado de marca para o filho, mas para fazer um bolo compra um de marca inferior. Mostrar ao vizinho uma embalagem de sabão em pó da marca mais conhecida pode significar ascensão social. Há uma nítida opção pela marca em detrimento do preço”, analisa a pesquisadora.

I sso ocorre agora em razão do pas-sado. “Não se consegue explicar o desenvolvimento da dinâmica capi-

talista e a nossa modernidade apenas por ‘condições externas’, mas como o fruto de um projeto de nação específico. Nisso, o consumo, ao lado das transformações urbanas, foi um dos elementos centrais da modernidade periférica. A fusão de um projeto nacional específico portado pelas novas classes e facções de classes nascidas das transformações sociais de fins do século XIX, o modo como expres-sam o seu poder pelo consumo e, por fim, como este se reporta à base produ-tiva incipiente compõem a base de um capitalismo muito especial”, avalia Mi-lena. Embora os produtos que alimen-tavam a diferenciação viessem do exte-rior, era a dinâmica interna do conflito de classes que direcionava os seus usos. “O consumo de importados, então, não se resume a uma mera aceitação passiva de oferta imperialista, mas a um arranjo interno entre as classes que direcionou não apenas o consumo, mas a sua rela-ção com a indústria.” A antecipação do consumo em relação à produção seria uma das tantas explicações para o atraso e para a continuidade da dependência. “A modernização capitalista periférica, ao ser muito veloz, dá continuidade à exclusão. As funções de inclusão, ao serem deixadas ao sabor do mercado e sem uma base produtiva, reforçam as tendências espúrias de difusão e, logo, a continuidade da dependência”, completa Milena. Não se pode negar que o povo gosta mesmo é de luxo, ainda que isso seja a sua miséria. n

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Naturalistas brasileiros criaram uma comunidade científica nacional antes das universidades

Eles tinham bem mais do que 1% de ta-lento, mas, como Thomas Edison avisara, “transpiraram” 99% do seu tempo para dar à ciência brasileira a sua fagulha ini-cial. Criticados e ridicularizados por seus contemporâneos apesar de seus esfor-ços em “fazer o Brasil ser mais e melhor

conhecido pelos nossos do que por estranhos estrangeiros”, como afirmou Gonçalves Dias na sessão do Instituto Histórico e Geográfico Brasi-leiro (IHGB) que, em 1856, diante de dom Pedro II, instituiu a Comissão Científica de Explora-ção, reunião pioneira de naturalistas que, em 1859, partiu para o Ceará a fim de “descobrir” cientificamente o país. O empreendimento fi-cou pejorativamente conhecido na imprensa, que não viu “utilidade” nos exemplares trazidos pelo grupo para o Museu Nacional, como “Comissão das Borboletas”. Tentaram organizar várias ins-tituições científicas e, cientes de que “publicar é preciso”, escreviam artigos para todo e qualquer tipo de revista. A maioria delas, porém, não era dirigida a um público que não se interessava por ciências, mas por literatura. Não importa-va: se havia espaço eles emplacavam artigos que poderiam ser descrições de espécies botânicas escritas em latim. A estratégia era aproveitar a circulação ampla desses veículos e torcer para que, com sorte, os textos fossem traduzidos e en-viados ao exterior e se desse a conhecer que no Brasil havia cientistas trabalhando a sério. Apesar de todo esse “suor” a historiografia preferiu, por um bom tempo, ver nesses naturalistas amadores bem-intencionados, mas não uma comunidade científica, que teria surgido apenas na criação das universidades.

“Esses naturalistas eram muito atuantes, atua-lizados em relação à produção científica europeia e se consideravam colaboradores para o progresso da ciência. Criticavam as publicações estrangei-ras de acordo com seus valores ao invés de aceitar passivamente o que vinha de fora. Foram eles que delinearam a pesquisa científica em sua época e contribuíram na formação das gerações futuras”,

explica a bióloga Rachel Pinheiro, parte de uma geração de historiadores das ciências que vê na formação científica brasileira continuidade, o tal “apoiar-se nos ombros dos gigantes”, e não como fruto de um “estalo” que a fez surgir do nada. A pesquisadora acaba de defender a sua contribui-ção na tese de doutorado O que nossos cientistas escreviam: algumas das publicações em ciências no Brasil do século XIX, orientada por Margaret Lopes, na Unicamp. “Esse grupo adaptou mode-los do fazer já existentes, por meio da formação de associações e instituições científicas, para a realidade brasileira, numa notável aclimatação da ciência e das instituições estrangeiras ao país. Havia crítica e julgamento das produções euro-peias e também diálogos, em que naturalistas nacionais e europeus trocavam ideias e realiza-vam trabalhos conjuntos.” No entanto, os nomes desses “transpiradores” talentosos continuam conhecidos por poucos: Guilherme Schüch de Capanema, Francisco Freire Allemão, Franciso Leopoldo Burlamaque e, na “coluna das exce-ções”, Manoel Ferreira Lagos e Manoel Araújo Porto-Alegre. “Esses cientistas, que tiveram uma atividade prática intensa, foram protagonistas na consolidação de uma verdadeira comunidade científica no Brasil, já no século XIX, esforçando- -se para conseguir reconhecimento internacional e estabelecer um espaço para a prática científica, publicação e divulgação da ciência feita no país”, avalia a pesquisadora.

A reuni-los, o vínculo com o IHGB, o en-tusiasmo pela Comissão Científica, as ligações estreitas com o Museu Nacional do Rio e a Escola Militar e, acima de tudo, o fato de que boa parte deles tinha cargos públicos no governo impe-rial, então o grande incentivador das ciên cias no Brasil e, em particular, do trabalho desses natu-ralistas. Ter o auge da produção deles localizadas entre 1850 e 1870 é a comprovação decisiva para entender em que grande projeto de sua época estavam envolvidos. “Era o momento em que o Estado estimulava que se pensasse, em várias instâncias, o Brasil como uma nação moderna,

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a ciência feita para chegar na raiz das questões: herança do grupo

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em especial no IHGB. Eles se envolveram nes-sas questões de formação de uma identidade nacional e para essa elite a modernidade seria alcançada através da instrução e desenvolvimen-to científicos”, diz Rachel. “Grande parte deles, aliás, era a favor da abolição da escravidão, não por questões humanitárias, mas por acreditar que aquela era uma força de trabalho ultrapassa-da para um momento em que o cultivo agrícola já apresentava certo grau de mecanização.” Basta lembrar que, desde pelo menos a década de 1830, existia a proposta da criação de uma instituição de ensino de ciências naturais, então uma disci-plina acessória à medicina e à engenharia.

“Se a ideia era consolidar um império na América, era preciso construir uma identidade própria. Assim, depois de reproduzir instituições da metrópole no novo reino, era preciso não só consolidar esses espaços, mas criar novos. Em todos havia uma comunidade científica que, ao menos parcialmente, já estava formada no Brasil e buscava criar uma problemática científica pró-pria, tendo o país como objeto de investigação”, analisa Silvia Figueirôa, especialista em história das ciências e professora titular do Instituto de Geociências da Unicamp. Muitos engenheiros,

ligados à Escola Militar, seguindo o surto de mo-dernização vivido no Brasil pós-1870, começa-ram a organizar associações técnico-científicas que permitiriam, no futuro, que o país pudesse chegar, enfim, ao “nível de civilização” deseja-do. “Esse momento expressa o desabrochar da cisão entre ‘ciência pura’ e ‘ciência aplicada’ que não existia até então. No IHGB um grupo desses homens dedicou-se a achar um espaço institu-cional para as ciências naturais, comparando-o a uma academia de ciências. Um resultado im-portante desse grupo foi a Comissão Científica, de 1859, que, além do papel de valorização da ciência brasileira, também tinha cunho aplicado: a possibilidade da descoberta de algum recur-so natural que se tornasse lucrativo, bem como forneceria subsídios para a ação governamental ao mapear as riquezas naturais, a catequese de índios, a descoberta e a construção de vias de comunicação etc.”, nota a pesquisadora.

Allemão - Mas seus esforços, observa Rachel, não ficaram restritos apenas ao IHGB como mostram a criação, em 1850, idealizada por Fran-cisco Allemão, da Sociedade Vellosiana, o início de uma separação institucional entre a história natural e outras, como as engenharias, física e matemática, cujas reuniões, com o beneplácito do imperador, aconteciam no Museu Nacional. Ou ainda pela organização da Palestra Cientí-fica, instituída, em 1856, na Escola Militar, por Guilherme de Capanema, que deveria “ocupar-se do estudo das ciências físicas e matemáticas, principalmente com aplicação ao Brasil”. Ambas, com maior ou menor sucesso, perceberam que era preciso ter bases numa publicação que di-vulgasse suas ideias: a Vellosiana contou com a revista Guanabara, “uma revista mensal artística, científica e literária”, enquanto a Palestra Cien-tífica teve o apoio da Revista Brasileira, “jornal de ciências, letras e artes”. “O caráter disperso das publicações em história natural e ciências no Brasil do século XIX ajuda a compor a ima-gem de naturalistas que não publicavam e que, portanto, não praticavam a ciência moderna. Mais numerosas do que se pensava, embora em menor número do que as iniciativas europeias, as publicações científicas brasileiras, no entanto, eram valorizadas no seu tempo como essenciais no fazer ciência pelos próprios naturalistas”, afir-ma Rachel. Isso levou a pesquisadora a buscar em revistas não especializadas em ciências textos científicos e encontrou um material rico e, em grande parte, ainda inédito na historiografia das ciências. “Num levantamento preliminar na Biblioteca Nacional, encontrei, entre 1840 e 1870, mais de 40 periódicos que traziam no título termos que evidenciavam a presença de publicações científicas”, conta.

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Outro espaço importante para o grupo eram as chamadas Exposições Universais, em voga na segunda metade do século XIX, pois elas “possibilitavam às nações demonstrar o seu potencial natural e industrial e afirmar o seu papel e espaço no cenário internacional”. “No caso brasileiro, em meados da década de 1850, o processo de institucionalização das ciências naturais e a emergência de uma comunidade científica chamaram a atenção dos naturalistas para esse ‘potencial natural’, que representaria um caminho para o enriquecimento e o cresci-mento do Brasil por meio de sua indústria”, ex-plica a pesquisadora. Nesse entendimento, nota Rachel, a participação do país, com suas riquezas e, logo, seu potencial industrial, nas Exposições Universais seria um modo efetivo de demons-trar para as nações o grau de esclarecimento e conhecimento que o Brasil tinha do seu próprio potencial. Por essa lógica, elas seriam um meio eficaz de propaganda atraindo compradores e investidores estrangeiros. “Isso estava em sinto-nia com o momento da história da ciência em que se deixou de concentrar de forma exclusiva na produção para privilegiar a comunicação de ideias, práticas e valores científicos.”

“Por todas essas razões, considerar a comu-nidade científica de meados do século XIX é focar na prática da ciência de modo coletivo e institucional. Os cientistas da época tinham suas atividades profissionais em instituições, funcio-

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nários ou dirigentes contratados para tal. Não estavam sozinhos ou isolados do mundo e bus-cavam as informações mais atualizadas sobre a ciência europeia, realizando, porém, um processo de aclimatação dessas ciências”, avalia Rachel. “Ao mesmo tempo, eles buscavam o fortalecimento político e social por meio da formação de asso-ciações científicas, como a Vellosiana ou a Palestra Científica.” Todos igualmente concordavam com a necessidade de divulgar suas descobertas e para isso foram feitos muitos esforços para viabilizar a existência de revistas que trouxessem em suas páginas, fossem ou não especializadas, a produ-ção científica desses naturalistas. Assim, mesmo que não se pudesse considerar a maioria desses periódicos como científicos, eles certamente con-tribuíram para a formação da cultura científica brasileira do tempo. “Foram uma forma de di-vulgação, meio de comunicação com o público e vias de escape de artigos científicos para o meio especializado. Tudo isso contribui para a conso-lidação do paradigma por meio do qual não se contesta mais a existência de atividades científicas no Brasil anteriores às universidades. É possível mesmo afirmar-se, por todos os aspectos levan-tados por esse grupo, a importância que eles tive-ram na elaboração das universidades no Brasil.” Depois de tanto transpirar, é preciso reconhecer neles 99% de puro talento brasileiro. n

Floresta brasileira (1853) no traço de Manoel de araújo Porto-alegre

Carlos Haag

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Revistas femininas da década de 1920 foRam usadas na difusão de um novo papel da mateRnidade | Gonçalo Junior

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Mídia

A criAção dA

cia da ciência e da razão sobre a emoção – e nesse plano ganhando sua legitimi-dade –, os médicos ofereciam um amplo e diversificado estoque de ensinamen-tos técnicos para guiar a conduta das mulheres na criação de seus filhos, em substituição aos ‘antigos’ dogmas reli-giosos ou palpites de curiosas, vizinhas ou avós, considerados perniciosos e ‘ar-caicos’. Usar e fazer ciência: este seria o novo papel social da mãe moderna”, explica a médica Maria Martha de Luna Freire, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), dou-tora em história das ciências e da saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e professora do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Maria Martha é autora da tese Mu-lheres, mães e médicos: discurso mater-nalista em revistas femininas (Rio de Janeiro e São Paulo, década de 1920), que acaba de sair em livro com o títu-lo Mulheres, mães e médicos – Discurso maternalista no Brasil (264 páginas, R$ 35), pela Editora FGV. Em seu es-tudo, ela se debruçou sobre duas pu-blicações importantes da década de

1920: Vida Doméstica (1920-1963) e Revista Feminina (1914-1936). Os ar-tigos assinados por médicos, explica, habitualmente recebiam títulos que reforçavam essa identidade, como “Palestra médica”, “Conselho médico”, “Puericultura”, “Medicina doméstica” ou “Medicina do lar”, e versavam sobre todo o amplo universo infantil: da rou-pa ao sono, da dentição à alimentação. “Práticas corriqueiras como o banho ou as brincadeiras infantis adquiriam a dimensão de rituais higiênicos, ocu-pando muitas páginas das revistas com explicações pormenorizadas dos proce-dimentos”, diz. Nesse contexto, novos “objetos de saúde” eram apresentados e seu uso estimulado como prerrogativa da mãe moderna, como o termômetro doméstico e a balança.

O psiquismo da criança, desse mo-do, “passou a merecer cuidados espe-ciais, por exemplo, com sugestões de estratégias para controlar o medo e a teimosia e o estímulo a leituras ‘sadias’”. Já os costumes associados à herança colonial, como o de embalar as crian-ças, eram fortemente condenados com base nos preceitos científicos. Segundo

Por meio de matérias e artigos e de pu-blicidade dirigidos a mulheres, profis-sionais médicos reconheciam a presença de um instinto maternal inerente à na-tureza feminina, mas o consideravam insuficiente para a criação saudável dos filhos. Os chamados médicos higienistas se tornaram, assim, crescentemente pre-sentes, ancorados nos pressupostos da higiene – e sua concepção de saúde co-mo responsabilidade individual e alvo de processo educativo próprio. Esses profissionais eram informados pelos conhecimentos da eugenia e embebidos na atmosfera nacionalista que enxergava a viabilidade brasileira através de suas crianças. Apresentavam-se, portanto, como autoridades na promoção e na manutenção da saúde das crianças.

Para isso dedicaram-se, tanto em consultórios e hospitais quanto nas pá-ginas de revistas e de livros, a uma cam-panha sistemática em prol do exercício de uma maternidade de base científica, orientada pelos princípios médicos da puericultura (especialidade da pedia-tria voltada para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças). “Ao se apoiarem na suprema-

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E squeça o instinto materno, as dicas de mães, tias e avós. Na década de 1920, ser mãe de classe média exigia principalmente estar atenta

e bem-informada sobre as orientações de como cuidar do filho estampadas nas páginas das revistas femininas, a partir da defesa e difusão de um discurso maternalista.

mãe modernA

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a pesquisadora, a alimentação infan-til foi o campo mais explorado pelas matérias das revistas consultadas, prin-cipalmente no que se referia à defesa da amamentação – lado a lado com a prescrição de substitutos ao leite ma-terno. “Ao transformar a alimentação em nutrição, e a cozinha em laborató-rio, essas matérias alçavam as mulheres ao status de ‘nutricionistas da família’, valorizando, de um lado, a função ma-ternal, e, de outro, facilitando o acesso à profissionalização feminina no campo da nutrição.”

Mãe de quatro filhos, Maria Martha conta que vivenciou as dores e alegrias de gestar, parir e cuidar de crianças. Co-mo médica, dedicou muitos anos de sua atividade profissional à puericultura. “Transitei, portanto, na dupla dimen-

são de agente e receptora das práticas de puericultura.” Nesse meio tempo, ela acumulou reflexões e questionamentos quanto às origens, aspectos ideológicos e limites da puericultura como cam-po de prática médica. A pesquisa para o doutorado a levou a concluir que a maternidade científica constituiu uma das dimensões do discurso materna-lista, ao articular tanto os princípios científicos da puericultura − como principal ferramenta de ação médica − quanto os argumentos produzidos pelos movimentos feministas. “O dis-curso da maternidade científica, apesar de enunciado pelos médicos, não se re-duziu, portanto, à autoridade destes, mas emergiu da confluência de seus interesses comuns com as mulheres − coprotagonistas da ação.”

No momento histórico em que a construção da nacionalidade adqui-ria papel central e a função maternal consolidava-se como preocupação de ordem pública, prossegue Maria Martha, a valorização da maternidade − ganhando novo significado como a valorização da própria nação brasileira − adquiriu maior força argumentativa e forneceu renovada justificativa tanto para o discurso médico quanto para o feminista. “Ao tornar as mulheres − na qualidade de mães − responsáveis pela formação dos futuros cidadãos brasilei-ros, tal concepção de maternidade lhe agregaria o status de função social, ele-vando também o prestígio dos médicos dedicados à higiene infantil. Assim, se esses profissionais enxergaram na va-lorização da maternidade um caminho para obterem reconhecimento e legiti-mação profissional, para as mulheres tal perspectiva representava uma maneira de extrapolar o espaço doméstico e me-lhorar sua posição social.”

Articulistas - A qualificação das re-vistas femininas como espaço social de construção da aliança negociada entre mulheres e médicos se mostrou acertada na opinião da pesquisadora. “Concluí que a partir da dimensão compartilhada de modernidade as revistas conformaram o ambiente de circulação cultural adequado para a difusão do ideário da maternidade científica.” O crescente quantitativo de matérias que versavam sobre a manei-ra científica de cuidar das crianças e a fidelidade das assinantes confirmavam o interesse das leitoras no assunto. “As manifestações na seção de correspon-dência da Revista Feminina enalteciam a qualidade do periódico, noticiavam eventos feministas ou acontecimentos sociais e solicitavam orientação sobre questões de ordem variada − de moda a receitas culinárias.” Já a coluna do Dr. Wittrock, em Vida Doméstica, re-cebia perguntas mais específicas sobre os cuidados com as crianças, o que a transformava em verdadeiro “consul-tório médico”.

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Da mesma maneira, a progressiva substituição dos anúncios publicitários relativos ao campo dos insumos agrí-colas e da zootecnia por reclames do campo da alimentação infantil − par-ticularmente mais explícito em Vida Doméstica − representou outro sinal da penetração do discurso médico mater-nalista. “A análise do perfil dos articu-listas forneceu outro indicativo da ade-quação das revistas femininas. Entre os colaboradores de Vida Doméstica e Re-vista Feminina, encontrei representantes da elite intelectual e médica da época, como Aprygio Gonzaga, Osorio Lopes, Antonio Wittrock, J. P. Fontenelle e Oc-tavio Gonzaga.” Muitos desses autores ocupavam cargos de direção ou funções prestigiadas em instituições públicas, co-mo o doutor Fontenelle − inspetor sani-tário do Departamento de Saúde Pública e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Higiene −, o que confirmava ainda a capilaridade do movimento sanitarista brasileiro, como estratégia essencial do projeto reformista.

Da mesma forma, Maria Martha localizou entre os articulistas várias escritoras renomadas, como Ana de Castro Osorio, Chrysanthème, Con-dessa de Pardo Bazan e Maria de Eça − militantes de movimentos feministas e colaboradoras de periódicos em vá-rios países −, o que reforçou o pressu-posto da associação entre os ideários higienista, maternalista e feminista. “A presença simultânea de assinaturas tão distintas demonstra que o discurso maternalista expresso nas revistas femi-ninas não se originava exclusivamente da comunidade médica, mas espelhava a convergência de interesses por parte de médicos e mulheres na construção do novo papel feminino de mãe.

Os dois primeiros anos da pesqui-sa de Maria Martha foram dedicados à reflexão teórica. A análise das fontes durou cerca de um ano, seguida de mais um ano para a redação final da tese. “Inicialmente localizei todas as revistas femininas que circularam na década de 1920, e, após uma análise preliminar, se-lecionei Vida Doméstica e Revista Femi-

mulheRes paRticipaRam ativamente da constRução

e difusão da mateRnidade científica

nina como representativas desse gênero de periódico, o qual prevê um conjunto de atributos, no que se refere à forma e ao conteúdo, habitualmente associados ao universo feminino – basicamente a moda e a literatura.” Ela observa que o longo período de circulação – 43 anos, a primeira; e 22 anos, a segunda – atestava a sua boa recepção e autorizava que fos-sem tomadas por exemplares do gênero. Foram examinados todos os exemplares das revistas produzidos na década de 1920, num total de 243 números.

Urbano - Através dos artigos publi-cados nas revistas, foi possível para a médica-pesquisadora perceber que as mulheres das camadas alta e média dos principais centros urbanos parti-ciparam ativamente da construção e difusão da ideologia da maternidade científica. “Ao reafirmarem a vincula-ção da função maternal à sua natureza

e a compatibilidade de tal atribuição com outros papéis femininos, muitas dessas mulheres, em particular aquelas vinculadas aos movimentos feministas, aproveitaram a concepção de materni-dade – como dimensão exclusiva do gê-nero – para aumentar seu poder e faci-litar a reivindicação de outros direitos.” Endossaram, portanto, a ideologia da maternidade científica, enxergando na aliança com os médicos − e adesão aos princípios científicos da puericultura − meios para transformar a maternidade no papel social feminino.

Para essas mulheres, conclui Ma-ria Martha, o exercício da maternida-de científica, ao representar acesso ao espaço socialmente reconhecido da ciência − até então de domínio quase exclusivamente masculino −, constituiu caminho potencial de inserção dessas no espaço público − via filantropia ou trabalho profissional. n

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Os porõesda República:a barbárie nasprisões daIlha Grande(1894-1945)

MyrianSepúlvedados Santos

Garamond/Faperj

336 páginasR$ 44,00

Um lugar longe do mundoEstudo sobre as prisões da Ilha Grande revela permanênciade erros no sistema penal brasileiro

CARLOS HAAG

Hoje a Ilha Grande, no litoraldo Rio de Janeiro, é conheci-da pela sua beleza natural, um

baluarte defendido por ecologistase turistas conscientes. Poucos deles,porém, sabem ou querem saber queo paraíso verde foi conhecido, pormais de um século, como o "cal-deirão do inferno", um conjuntode colônias correcionais, prisõese penitenciárias onde os presoseram submetidos a toda espécie demaus-tratos, assassinatos, estuprose toda a forma de violência, jus-tamente pelo fato de que estavamdistantes da civilização, isolados, esujeitos às"leis"dos seuscarcereiros.Apreocupação com a situação atualdo sistema penal brasileiro levoua historiadora Myrian Sepúlvedados Santos, da Universidade Esta-dual do Rio de Janeiro, a recuperara história das práticas carceráriasda Ilha Grande.

"Compreender os processosde criação e funcionamento doscárceres é uma das chaves que nospermitem visualizar estruturasnaturalizadas no presente. A voltaao passado nos possibilita refletirmelhor não só sobre a falência dasinstituições penitenciárias comotambém sobre a capacidade dasociedade brasileira de enganar-se a si própria", escreve a pesqui-sadora. Afinal, quando o primei-ro estabelecimento penal da IlhaGrande, a Colônia Correcional deDois Rios, foi instalada na regiãoem 1894 pretendia-se usar a re-gião, paradisíaca, como o projetomodelo de um sistema carcerário"humano", em que os "presos se-riam recuperados a partir do tra-

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balho e da educação". Nada mais distante do que a lei darealidade: os miseráveis (a quase totalidade dos presosera de estratos pobres da sociedade) eram chicoteados,humilhados, submetidos às mais terríveis condições dehigiene, enviados à ilha para morrer, como se pode veri-ficar pelo alto nível de óbitos registrados. Após a chegadade Vargas ao poder, na década de 1930, a Ilha Grandeficou abarrotada de presos políticos, mas dessa vez ha-via testemunhas que retrataram o que passaram, comoGraciliano Ramos, em 1936, em Memórias do cárcere, eOrígenes Lessa, preso em 1932 por ter participado daRevolução Constitucionalista. Durante o Estado Novo,para dar conta do número elevado de novos internos,foram construídas duas novas penitenciárias agrícolas. Aarquitetura dos prédios até podia ser renovadora, mas otratamento continuou pautado pela violência extremada.Há mesmo ofícios relatando presas mulheres que eramdestinadas a guardas penitenciários. Longe dos olhos,era possível ficar longe do coração e trabalhar pelas leisda barbárie. As fugas, por exemplo, eram punidas comespancamento até a morte e os militares que saíam embusca dos fugitivos ficaram conhecidos como "cachor-rinhos do mato", para dar uma ideia do seu modo deoperação. Ainda hoje boa parte da população da ilha écomposta por antigos guardas e seus descendentes.

Em 1960 os presídios passaram para a administraçãoestadual e dois anos mais tarde, por ordem do governa-dor Carlos Lacerda, muitas edificações foram dinamita-das. Durante a ditadura militar foram enviados para aIlha Grande presos políticos que acabaram obrigados aconviver com antigos "moradores" da prisão, criminososcomuns, como mostrou o filme Quase dois irmãos (2005),de Lúcia Murat. Para muitos, foi dessa reunião que nasceuo crime organizado que tomou conta do Rio de Janeiro.Pela prisão passaram ainda Madame Satã, líderes do Co-mando Vermelho, Lúcio Flávio e Mariel Mariscot, bemcomo os bicheiros Natal da Portela e Castor de Andrade.Em 1986, a fuga espetacular de Escadinha, resgatado daprisão por um helicóptero, trouxe novamente destaquepara a Ilha Grande, que em 1994 foi enfim desativada.Ainda assim a sua história ainda é das mais atuais e umaviso para se repensar as prisões brasileiras, a despeitoda falsa ideia, corrente na sociedade e na mídia, de que acrueldade com os presos é uma vingança justa.

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Jean Vigo eviqo. vulgo AlmereydaPaulo Emílio Sales Gomes, organização:Carlos CalilCosac Naify / Edições Sesc SP504 e 272 páginas, R$ 43,50

O intelectual do cinema Paulo Emílio escre-veu o vasto estudo sobre Iean Vigo em Paris,entre 1946 e 1954. Seu estudo, hoje conside-rado um clássico da historiografia do cinema,sobre o cineasta francês reconstrói, através deuma vasta documentação, a vida de Vigo e deseu pai, Almereyda. A escolha revela a notávelsabedoria do pesquisador, que compreendeuser necessário associar as duas trajetórias, dopai e do filho, para compor um retrato da vidae da obra de Iean Vigo.CosacNaify (11) 3218-1444www.cosacnaify.com.br

Patrícios: sírios e libanesesem São PauloOswaldo Mário Serra TruzziEditora Unesp356 páginas, R$ 50,00

Oswaldo Truzzi acrescenta à história da imigra-ção sua pesquisa sobre sírios, libaneses e seusdescendentes, que se referem uns aos outroscomo patrícios - um grupo urbano que for-mou uma colônia numerosa no estado de SãoPaulo. O livro aborda as trajetórias sociais poreles percorridas entre os anos 1990 do séculoXIX e a década de 1960 do século passado.Editora Unesp (11) 3242·7171www.editoraunesp.com.br

Aulas de Anatol Rosenfeld:a arte do teatroPublifolha408 páginas, R$ 34,90

O alemão Anatol Rosenfeld, fugido do nazis-mo, chegou ao Brasil em 1937 e se transfor-mou em referência para os estudiosos teatrais.Suas aulas, concorridas, foram recuperadaspor Neusa Martins, que as transcreveu e asconservou para a posteridade. O resultado éum panorama do teatro, da tragédia grega,passando por Ibsen, Pirandello e Brecht atéo teatro brasileiro contemporâneo.Publifolha (11) 3224-2186www.publifolha.com.br

CARTASESCOLHIDAS

~·I--••LIVROS

Feios, sujos e malvadossob medidaLuis FeriaAlameda Editorial428 páginas, R$ 62,00

O determinismo biológico presente na medi-cina e na criminologia no início do século XXnão é um acontecimento isolado no tempo.A partir dessa hipótese, Luis Feria investiga adensidade histórica do tema, analisando osproblemas sociais dos indivíduos considera-dos "feios, sujos e malvados': problematizandoa patologização dos comportamentos antis-sociais, ou "desviados': e as articulações entreciência e "defesa social"

Alameda Editorial (11) 3862-0850www.alamedaeditorial.com.br

o governo dos povosLaura de Mello e Souza, Junia Furtadoe Maria Fernanda Bicalho (orgs.)Alameda Editorial560 páginas, R$ 65,00

O livro reúne análises de "O governo dospovos", inicialmente um colóquio realizadoem Parati em 2005. Artigos de diversos his-toriadores inserem a história brasileira numcontexto mais amplo, relacionando-a comdiferentes partes do mundo português, comoa África ou a Índia, colocando lado a lado asdiversas tendências que integram o debatehistoriográfico luso-brasileiro.Alameda Editorial (11) 3862-0850www.alamedaeditorial.com.br

Cartas escolhidas, deMichelangelo BuonarrotiMaria BerbaraEditora Unicamp / Editora Unifesp224 páginas, R$ 46,00

Maria Berbara traduziu neste livro cartasinéditas do artista renascentista italianoMichelangelo, extraídas do original de umaseleção de cartas escritas entre 1496 e 1563.O trabalho constitui um importante docu-mento histórico, tanto pelos aspectos trazidosda Renascença quanto por abordar episódiose projetos artísticos da época.Editora Unifesp (11) 3369-4056www.fapunifesp.edu.br/edito ra

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FICÇÃO...

Singularidade

I.

P recisava comprar meu vestido de formatura. Minha avó fazia questão. Naquele momento, porém, ela estava de cama. The fl u, dissera o médico. Eu suspeitara de dengue,

pois havíamos tirado nossas últimas férias no Brasil, mas ele descartou a possibilidade. Desconfi ada, mandei chamar um especialista, que confi rmou o diagnóstico. Sossegue, ordenou minha avó, que só falava português comigo. Só quero uma coi-sa: te ver num vestido tão lindo que me levante dessa cama.

Adentrei o shopping disposta a comprar o primeiro ves-tido que coubesse. Eu apenas imitava o gosto da minha avó: clássico, perolado, republicano. Ela acharia bonito de qualquer forma, porque eu era a sua neta.

Examinei o mapa fi ncado no meio da praça de alimen-tação e me dirigi a uma loja enorme, das que vendem gowns de todo gênero e preço.

Sendo época das formaturas, a loja estava lotada, e tive difi culdades para ser atendida. Talvez eu parecesse paisagem por não estar usando um fi o-dental por fora da calça e unhas falsas como 90% das meninas ali. Numa coisa minha avó estava certa: era preciso ir naquela época ou não sobraria vestido.

Quando fi nalmente consegui a atenção de uma vendedo-ra, ela começou me trazendo os vestidos mais inadequados. Provavelmente, pelos meus 17 anos, estava pensando que era formatura da high school. Não enxergou a formanda do college, já com experiência em pesquisa e analisando opções de mestrado.

Mas antes eu precisava me formar.Ressalvei que queria algo mais em conta e o mais discreto pos-

sível. Vestidos discretos, até que tinham. Em conta, nem tanto.O dinheiro nem era tão pouco, mas meu cérebro era seu

consumidor mais voraz e ciumento e, por isso mesmo, não fazia grandes provisões para futilidades.

Depois de experimentar vários, voltei às araras para procurar novos candidatos na faixa de preço imediatamente acima. Eu não conseguia chegar porque um homem de terno cor de tomate me barrava o caminho; tentei desviar dele, mas ele parecia determinado a falar comigo.

— Tire esses óculos, por favor.

Ele falava como se estivesse prestes a me reconhecer como fi lha perdida. Obedeci e tirei os óculos.

— Solta a... a trança.Ele esqueceu o por favor, mas obedeci assim mesmo.

Sacudi de leve a cabeça.— Isso mesmo. Isso mesmo — murmurou ele, começando

a andar pela loja, olhando para o chão. As vendedoras para-ram de atender: olhos pregados nele, sustinham os vestidos no ar. As freguesas as imitavam, mas cambiavam a atenção entre eu e ele.

— Você... — irrompeu ele de súbito — ... vai ser grande. (Pegou minhas mãos e soltou.) Aqui.

Ele me olhava nos olhos, a poucos centímetros. Focali-zei. Percebi que, com o “aqui”, mais abaixo um pedaço de papel me era estendido. Acolhi-o e aproximei bastante: era um cartão. Impossível saber o que dizia, mas, sem dúvida, era um cartão.

Aquela situação estava me desestabilizando. Alcancei os óculos que estavam pendurados no decote, desdobrei-os e recoloquei no lugar, enquanto virava as costas para a loja inteira (ainda me fi tando) e, desajustada de vista, tateava o caminho até a cabine mais próxima, como uma tartaruga para dentro do casco.

Ele disse que tudo bem; que até isso eu fi zera com elegân-cia, como uma verdadeira estrela (Greta Garbo, suponho). E, depois, quando saí da cabine, trança refeita, descobri que o gentil senhor deixara pago um vestido antes de sair da loja. Não o que eu estava experimentando. Um muito mais caro. Da arara mais altiva.

No vestido verde-água escolhido por Jack eu não destoava tanto dos meus colegas quanto já destoara aos doze. Eu parecia all grown-up. As meninas que me devotavam um tratamento silencioso mudaram o tema: estavam fazendo o benchmarking da minha transformação (fofocando, fofocando). Os meninos tinham uma expressão mais dolorosa: como não percebi isso antes? Who would’ve thought, the wunderkind is hot.

Depois de temporadas generosas no Japão e na Alemanha, deixei Jack em Viena, onde eu vivera três meses sem conseguir

Simone Campos

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mais do que um casting. A estação era oportuna. Mandei meu currículo para vários lugares, e só após grandes deliberações consegui me decidir por uma instituição em Colônia.

II.

Evite emoções fortes, dizem aos velhos. Seu coração não pode ir além das 155 bpm. E não sou nenhuma iogue. Mesmo com esses discípulos ao redor, roupa branca, expressão serena.

Serena, sim. Dá uma certa serenidade ver que o impossível foi criado, mesmo quando você – e com você quero dizer eu – não estará aqui para ver os desdobramentos. Mas dá também, e principalmente, um frisson.

Enquanto eu trabalhava no impossível, minha pele foi fi cando mais fofa e fosca, e meus ossos mais encarquilhados; passei a não ovular. Agora que eu já tinha precauções para descer uma escada, e cabelos brancos que me recusava a tingir ou trocar, tinha me candidatado a uma determinada cadeira. Tive de assinar dezenas de papéis e fazer testes e mais testes.

— Para quê tudo isso. A cadeira é aqui do lado.Era uma cadeira literal, a que chamávamos de Oráculo

— junto do computador quântico que a cercava. Pois é, os arquétipos nos perseguiam ainda. E precisavam perseguir também a máquina, porque queríamos uma salvaguarda con-tra os excessivamente alardeados perigos da I.A.

A máquina funcionava sozinha. Mas a nosso ver faltavam detalhes importantes. Ela tinha senso de autopreservação, mas não sentia medo da morte. Sabia rir de piadas, mas não sabia achá-las ruins. Sabia identifi car a beleza, mas não pre-feria nenhuma.

Conforme explicamos para a imprensa: ela não tinha personalidade.

Não podíamos usar condenados à morte ou coisa assim porque o ser humano que sentasse naquela cadeira usufruiria de um poder... excessivo. E o problema com os baluartes da sociedade era ser uma via de mão-dupla: por mais que negas-sem, a sincronia humano-máquina podia ser problemática.

Eu também negava.

— Não se trata de cobaia. É mais um... voluntário.Cá pra nós, a palavra correta seria INSUMO. O que des-

cobri incontinênti ao encostar a bunda naquela cadeira.Senti a cabeça latejar de pronto com a avidez da curio-

sidade invasiva a perscrutar todos os recônditos e caminhos do meu corpo, induzindo todos os canais do que se chamava de “sentimento” através do que se chamava de “memória”. Fui inermemente percorrida por toda a gama de emoções: o maior ódio do mundo, o maior amor do mundo, paz, depres-são, tédio mortal, loucura. O equipamento não ia resistir. O cérebro apodreceria nas mãos daquele computador, que não se importava. Não se importava em fazer passar toda a vida diante dos meus olhos – até mesmo aquela que eu não vivera — e cada suco pelo seu duto para medir seu funcionamento. Ele me desmontaria para ver do que eu era feita.

Mas de repente ele começou a sondar mais delicado.Ele estava reagindo à minha raiva. E à minha fragilidade.

E à minha futilidade, que insistia em embotar minha autopre-servação, porque tudo o que importava era o impossível.

— Empatia, seu puto — pensei, tamborilando no braço da cadeira. — Xucro.

Eu estava salva e, provavelmente, também a humanidade.Pressionada por acionistas, a diretoria considerava desistir

da sincronização e soltar a besta-fera no mundo como estava; como meus argumentos mais sensatos tinham falhado, eu fui até a cadeira e sentei. Levantei e fui presa. Presa política. Mas o bem estava feito.

Chamaram-no de superinteligência amigável e alugaram. Mas logo tiveram que fazer outros, porque aquele insistia em querer ser top model.

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Simone Campos é escritora, tradutora e produtora editorial. Estreou na literatura aos 17 anos, com o romance No sho-pping. É também autora do romance A feia noite, da fi cção científi ca on-line http://penadosyrebeldes.blogspot.com/ Pe-nados y rebeldes e do livro de contos Amostragem complexa.O site da autora é http://simonecampos.blogspot.com

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