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NEGÓCIO JURÍDICO E CRISE ECONÔMICA INTERNACIONAL: CONTRATOS IMOBILIÁRIOS E A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS BUSINESS LAW AND INTERNATIONAL ECONOMIC CRISIS: BUILDING CONTRACTS AND ALIENATION FIDUCIARY OF REAL ESTATE Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Iliane Rosa Pagliarini RESUMO A rendição à globalização que permeou os contextos sócio-econômicos em todo o mundo e os conseqüentes efeitos diretos e indiretos têm sido inevitáveis e, se dúvidas ainda subsistissem, a constatação do chamado efeito “dominó” provocado pela crise norte americana, de pronto as espancaria. Nesta abordagem se discutiu o básico direito à moradia, o Sistema Financeiro de Habitação composto pelos subsistemas lastreados por suas principais fontes de recursos – Poupança e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Foram analisados os reflexos da crise econômica internacional nos contratos habitacionais nacionais, considerando a análise sobre a hipoteca, na condição de principal lastro de segurança na aplicação da Lei de Mercado de Capitais, e sobre a Alienação Fiduciária em Garantia, desdobramentos no campo processual referentes às cobranças judicial e extrajudicial, interpretadas à luz dos princípios contratuais, encerrando com o exame sobre a possibilidade de revisão de pactos atingidos pela crise. PALAVRAS-CHAVES: CRISE ECONÔMICA INTERNACIONAL. DIREITO À MORADIA. HIPOTECA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REVISÃO CONTRATUAL. ABSTRACT The surrender to globalization that permeated the socio-economic contexts throughout the world and the consequent direct and indirect effects are unavoidable, and if doubts remain, the finding of the effect called "domino" crisis caused by U.S., ready for the beat. This approach is discussed the basic right to housing, the Housing Finance System, composed of subsystems backed by its main sources of funds - Savings and Guarantee Fund for Length of Service. We analyzed the effects of international economic crisis in national housing contracts, considering the analysis of the mortgage, provided the main ballast in the implementation of Security Act, Capital Market, and the transfer in Fiduciary Warranty, procedural developments in the field for the judicial and extrajudicial collection, interpreted in light of the principles of contract, ending with an examination of the possibility of revision of agreements reached by the crisis. KEYWORDS: INTERNATIONAL ECONOMIC CRISIS. RIGHT TO HOUSING. MORTGAGE. FIDUCIARY ALIENATION. CONTRACT REVIEW. 7147

A CRISE DO POSITIVISMO JURÍDICO

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NEGÓCIO JURÍDICO E CRISE ECONÔMICA INTERNACIONAL: CONTRATOS IMOBILIÁRIOS E A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS

IMÓVEIS

BUSINESS LAW AND INTERNATIONAL ECONOMIC CRISIS: BUILDING CONTRACTS AND ALIENATION FIDUCIARY OF REAL ESTATE

Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Iliane Rosa Pagliarini

RESUMO

A rendição à globalização que permeou os contextos sócio-econômicos em todo o mundo e os conseqüentes efeitos diretos e indiretos têm sido inevitáveis e, se dúvidas ainda subsistissem, a constatação do chamado efeito “dominó” provocado pela crise norte americana, de pronto as espancaria. Nesta abordagem se discutiu o básico direito à moradia, o Sistema Financeiro de Habitação composto pelos subsistemas lastreados por suas principais fontes de recursos – Poupança e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Foram analisados os reflexos da crise econômica internacional nos contratos habitacionais nacionais, considerando a análise sobre a hipoteca, na condição de principal lastro de segurança na aplicação da Lei de Mercado de Capitais, e sobre a Alienação Fiduciária em Garantia, desdobramentos no campo processual referentes às cobranças judicial e extrajudicial, interpretadas à luz dos princípios contratuais, encerrando com o exame sobre a possibilidade de revisão de pactos atingidos pela crise.

PALAVRAS-CHAVES: CRISE ECONÔMICA INTERNACIONAL. DIREITO À MORADIA. HIPOTECA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REVISÃO CONTRATUAL.

ABSTRACT

The surrender to globalization that permeated the socio-economic contexts throughout the world and the consequent direct and indirect effects are unavoidable, and if doubts remain, the finding of the effect called "domino" crisis caused by U.S., ready for the beat. This approach is discussed the basic right to housing, the Housing Finance System, composed of subsystems backed by its main sources of funds - Savings and Guarantee Fund for Length of Service. We analyzed the effects of international economic crisis in national housing contracts, considering the analysis of the mortgage, provided the main ballast in the implementation of Security Act, Capital Market, and the transfer in Fiduciary Warranty, procedural developments in the field for the judicial and extrajudicial collection, interpreted in light of the principles of contract, ending with an examination of the possibility of revision of agreements reached by the crisis.

KEYWORDS: INTERNATIONAL ECONOMIC CRISIS. RIGHT TO HOUSING. MORTGAGE. FIDUCIARY ALIENATION. CONTRACT REVIEW.

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1 INTRODUÇÃO

A crise econômica dos Estados Unidos, levada ao mundo por todos os meios de comunicação, pareceu, a princípio, tratar-se de problema localizado, sem reflexos ou maiores conseqüências para outros países. Contudo, vivendo há algum tempo em uma sociedade totalmente globalizada, em que as negociações vêm constantemente desrespeitando fronteiras, a conscientização do problema, suas reais dimensões e conseqüências, desde logo levou os governos atingidos a se posicionarem para enfrentá-la.

Com a experiência de situações de exceção anteriores (1929 nos Estados Unidos e 1990 no Japão) e dos efeitos por ela provocados durante quase uma década, governantes começaram a intervir no sistema financeiro, buscando controlar aquela situação ímpar, considerada pela maioria um autêntico furacão e por alguns uma simples onda passageira, que não se confirmaria.

A empreitada não foi – nem será –, fácil, já que a crise veio impregnada, profundamente, do pleno liberalismo, de grandes períodos de desenvolvimento econômico e ipso facto, do crescimento do consumo, ligado direta e estreitamente ao excesso de crédito e de um reprovável descontrole bancário.

Críticas ao liberalismo econômico-financeiro não têm sido poupadas, exercitando-se amplamente a liberdade de repressão às vozes que se arvoraram em defesa da intervenção econômica e controle de mercado pelo Estado.

A presente análise se constituiu de enfoque pontual, específico da situação brasileira, já que o controle e as diretivas do Governo Federal, ainda que morosas e não raras vezes equivocadas, no setor bancário têm sido reconhecidas como positivas na busca de solução para o que se revelou ser uma seríssima tormenta.

Juntamente com outros países, o Brasil não poderia ter ficado imune aos efeitos da crise, ainda que seu sistema financeiro não fosse pautado pela existência de bancos imobiliários como nos Estados Unidos, responsáveis diretos pela subversão da ordem econômica naquele país, fazendo com que muitos trabalhadores sentissem risco ou perda de seus empregos. A diferença entre teoria e prática foi sempre o grande divisor de águas.

Com a efetiva constatação do surgimento e evolução da crise no setor imobiliário americano, este estudo confrontou-a com a realidade brasileira, em especial no campo dos contratos habitacionais, iluminando-a com a luz de sua principal garantia: a alienação fiduciária, uma lei incensada por alguns e execrada por outros, porque medularmente capitalista.

Por meio de novo olhar para a alienação fiduciária foi possível constatar algumas diferenças nas concessões de crédito imobiliário, entre os Estados Unidos e o Brasil. E, sempre que se falou em contratos habitacionais, nunca foi possível deixar de lado o

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prisma idealístico e abordar o sagrado direito à moradia, no elenco das políticas públicas, hoje monitoradas pela Lei de Alienação Fiduciária em Garantia de imóveis, também conhecida como de Mercado de Capitais.

2 SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO

O homem que, a princípio, andava em bandos como animais, agrupando-se pela necessidade de proteção, alimentação e satisfação de necessidades básicas, foi levado e, aos poucos, por suas crenças, costumes e normais morais, como resultante do gregarismo em que vivia, fez nascer o Direito.

O pensamento sempre foi meio, jamais fim. Quando não se transformou em idéia, para bem pouco serviu. Contudo, apenas a transformação em idéia nunca foi suficiente, sendo indispensável sua consubstanciação em ação positiva. As idéias, levadas ao campo das ações, criaram um hábito, um comportamento; do comportamento se originou a formação do caráter e, este, para o bem ou para o mal, tem traçado o destino dos homens.

Nunca foi da natureza – ou pretensão –, do Direito ser absoluto e imutável, afirmou Coulanges[1]. A lei, que até então era decretada exclusivamente pelos guias espirituais, sempre em nome dos deuses, passou a ser elaborada por legisladores que, recebendo o poder outorgado pelo povo, a exerciam em seu nome e, reflexivamente, no interesse coletivo.

E Coulanges, com a invulgar capacidade que o caracterizou, em traços seguros, apresentou uma didática idéia de como tudo se processou.

O legislador, portanto, não representa mais a tradição religiosa, mas a vontade popular. A lei, doravante, tem por princípio o interesse dos homens, e por fundamento o assentimento da maioria. Daqui resultaram duas conseqüências: primeiro, a da lei já não se apresentar como fórmula imutável e indiscutível. Ao tornar-se obra humana, reconhece-se alterações. Dizem-nos as XII Tábuas: “Aquilo que os sufrágios do povo em último lugar ordenaram, é a lei.” De todos os textos que nos restam desse código, nenhum há de maior importância do que aquele, nem que melhor indique o caráter da revolução então operada no direito. A lei não é mais uma tradição sagrada, mos, mas simples texto, lex; e como a vontade dos homens que as fez, essa mesma vontade pode modificá-la.[2]

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Em realidade mais próxima, indispensável foi considerar que o pensamento do homem sempre decorreu de sua racionalidade, e que o agrupamento de ações individuais acabou por resultar em um outro ente, inteiramente diverso do indivíduo isolado: a sociedade.

Acompanhando a linha do tempo foi possível visualizar e compreender a evolução do homem, da sociedade, do pensamento e das ciências, com seus reflexos sobre os ideais e dogmas que sobreviveram aos anos para, ao fim e ao cabo, legitimar o poder, a dominação econômica, política e social.

A evolução social define, dentre outras necessidades humanas, aquela referente à moradia como local indispensável ao abrigo da pessoa humana. O trajeto temporal, cultural, social e jurídico instalam o direito à moradia no rol dos direitos fundamentais, consagrado no ordenamento brasileiro pela Emenda Constitucional n. 26/2000 nas texturas do largo espectro de dimensões sociais.

Segundo Bastos, a grande lacuna que existia na área urbana e a grande pressão popular “(...) dificultavam a estabilidade do país e poderia atrapalhar o desenvolvimento pretendido (...) daí a importância de se ofertar moradia própria aos trabalhadores, aos mais pobres, criando nestes, sentimentos de propriedade e simpatia ao regime”.[3]

A questão do direito à moradia no Brasil também poderia ser analisada por esse prisma ao se constatar que, desde 1964 (criação do Sistema Financeiro de Habitação pelo governo militar, lei 4.380/64), a principal preocupação foi resolver o déficit habitacional.

O Sistema Financeiro de Habitação – SFH dividia-se em dois subsistemas, baseados em suas principais fontes de recursos: o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos – SBPE e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Assim, os recursos do SBPE[4] eram disponibilizados para empreendedores construírem imóveis para atender interessados com renda média e alta.[5] Por sua vez, os recursos do FGTS, geridos pelo Banco Nacional de Habitação – BNH, então órgão central do SFH, destinavam-se “(...) basicamente à construção de casas e conjuntos populares e, em menor escala, ao saneamento e desenvolvimento urbano”.[6]

A crise no setor imobiliário no Brasil iniciou-se nos anos 70, reflexo da crise econômica vivida no cenário mundial. Nesse passo, a farsa do milagre econômico, tão difundido no governo de Ernesto Geisel (1974/1979), revelou-se: a inflação sobe, o crescimento econômico cai, a dívida externa aumenta e, em conseqüência, os investimentos do governo diminuem.[7]

A inadimplência aos contratos firmados foi reflexo da diminuição do poder aquisitivo do trabalhador que já não conseguia pagar as prestações habitacionais que se tornaram demasiadamente elevadas. O governo, então, na tentativa de solucionar a crise do SFH criou o Plano de Equivalência Salarial – PES e o Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS.

O PES previa que o reajuste das prestações seria anual e na proporção do aumento do salário mínimo, e os saldos-devedores (repetição: suprimir), devendo os saldos-devedores variar de acordo com a inflação. Daquela forma, o prazo de amortização aumentava e, para cobrir tal aumento, o FCVS deveria quitar a dívida restante do

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mutuário quando o prazo ultrapassasse 50% do pacto originário, funcionando como uma espécie de seguro para quitação do saldo-devedor.[8]

Em 1986, o Sistema Financeiro de Habitação sofreu grandes alterações com a edição do Decreto-lei n. 2.291/1986, que extinguiu o BNH e transmitiu suas atribuições entre o então existente Ministério de Desenvolvimento Urbano, Banco Central do Brasil e Caixa Econômica Federal.

Destacou-se que a Constituição Federal de 1988 não previa originariamente a moradia como um direito social, mas com a Emenda Constitucional n. 26, de 14/02/2000, passou a constar no rol dos direitos sociais (artigo 6º da Constituição Federal).

Nos anos que se seguiram foram diversas as tentativas do Governo em superar o déficit habitacional: em 1990 foi lançado o Plano de Ação Imediata para Habitação, que se propunha a financiar 245 mil habitações totalmente custeadas com recursos do FGTS; entre 1992 a 1995 incluiu-se o da Carta de Crédito Individual; em 2001 foi criado o programa de Arrendamento Residencial pela lei n. 10.188, de 12/02/01, destinado à população de baixa renda; em 2004, com a Lei n. 10.998, de 15/12/04, foi alterado o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social.[9]

Os efeitos da crise surgida no final da década de 70 – que se estendeu por toda a década de 80 –, se fez sentir no Poder Judiciário, que teve, e ainda tem, que julgar as demandas envolvendo revisões e execuções de contratos habitacionais.

O Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a execução do contrato pela via extrajudicial (Decreto-lei n. 70/1966), frustrou o direito à moradia, como maior expressão de conquista, constitucionalmente garantido, bem como a sobrevivência do próprio SFH, como meio social coletivo que efetivou aquele direito, restando aos mutuários apenas a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais.

Atualmente, com a grande expansão do mercado imobiliário no país, o sistema de garantia real previsto na Lei 9.514/1997, por meio da alienação fiduciária de bem imóvel, tem sido bastante utilizada pela segurança que tem representado ao investidor que, além da garantia real, dispõe de mecanismos céleres para a execução do contrato. Eis aqui o primeiro fator que diferenciou a concessão de crédito mobiliário no Brasil em relação aos Estados Unidos.

3 A CRISE ECONÔMICA INTERNACIONAL E SEUS REFLEXOS

3.1 Euforias financeiras e crises econômicas

Antecedendo às crises econômicas, sempre ocorreram períodos de euforia financeira relacionados a grandes ou pequenos eventos, envolvendo notas bancárias, títulos, imóveis, artes, ouro e outros ativos. Nesse sentido Galbraith:

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Títulos, terrenos, objetos de arte ou outros bens adquiridos hoje passam a valer mais amanhã. Esse aumento e a esperança de outros aumentos atraem novos compradores; os novos compradores garantes novos aumentos. Outros tantos são então atraídos e outros tantos também compram. E o movimento altista continua: a especulação alimentando-se de si mesma confere a si mesma o seu próprio ímpeto.[10]

A crise financeira possui alguns estágios que a caracterizam e que se repetem na história, tais como: os eventos especulativos, endividamento alavancado e, após o inevitável colapso, a busca por “culpados”.[11]

As principais características que antecedem uma crise para Hyman Minsky, são: oferta de crédito quando a economia está em fase de prosperidade, seguida por endividamento, diminuição da avaliação de risco de crédito e redução dos empréstimos quando a situação econômica começa a dar sinal de enfraquecimento.[12]

Charles F. Kindleberger aponta três situações que podem atenuar uma situação de pânico no mercado:

(1) os preços caem tanto que as pessoas sentem-se estimuladas a manter parte de suas riquezas em ativo menos líquidos, (2) o estabelecimento de um “circuit breaker” que interrompa as quedas dos preços no mercado de ações como, por exemplo, o encerramento de transações ou o fechamento da bolsa de valores por um determinado tempo, (3) a presença de um fornecedor de empréstimos que possa convencer os agentes do mercado de que a quantidade de moeda disponível será suficiente para atender a demanda.[13]

Nas economias modernas as crises financeiras vêm sendo demarcadas de forma recorrente pelas freqüentes crises bancárias e monetárias, não obstante todo o progresso e integração mundial de mercados e a atuação de organismos internacionais (FMI, Banco Mundial, BID), diferentemente das ocorridas anteriormente, pois causadoras de “um efeito de contágio”, espalhando-se rapidamente para os demais países.[14]

3.2 Quebra de confiança e abalo na concessão de crédito no setor imobiliário americano

Após acompanhar os passos da crise econômica internacional, iniciada nos Estados Unidos, a conclusão obtida pareceu simplória: os contratos deveriam continuar sendo cumpridos; as partes deveriam comportar-se de forma leal e de boa-fé durante toda a

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contratação; por fim, as partes deveriam confiar em seus parceiros negociais. Em tal passo, a sociedade americana se encontrou diante de princípios contratuais não observados. Para comprovação, bastou um breve resgate sobre as origens da crise econômica.

Superada a crise das empresas de internet em 2001, o Banco Central Americano (Federal Reserve), num período de dois anos reduziu a taxa de juros de 6% para 1% ao ano, objetivando, certamente, acelerar o desenvolvimento econômico com a concessão de crédito. Com isso, os imóveis dobraram de preço e as empresas começaram a emprestar desprovidas de garantias, confiando, apenas nas negociações na Bolsa de Valores, pois os títulos representativos dos créditos hipotecários eram vendidos no mercado financeiro como se tivessem total credibilidade. Contudo, quando o valor dos imóveis passou a baixar e os financiadores deixaram de pagar as prestações dos empréstimos, todo o sistema sentiu os efeitos.

A crise na confiança se iniciou com o descumprimento dos contratos de financiamento imobiliário nos Estados Unidos, a longos prazos, quando o próprio bem era dado em garantia e as hipotecas eram renegociadas com fulcro em falsa valorização dos imóveis.

Embora a hipoteca representasse uma garantia de que, em caso de descumprimento do contrato, o financiador retomasse o imóvel, ficou evidente que aquele não era o objetivo do banco, uma vez que, além de deixar de auferir os juros do empréstimo, caso tivesse que retomar o bem, teria grandes despesas com o procedimento, acrescidas da conservação do imóvel, até a revenda para terceiros.

A análise do risco de concessão do crédito sempre foi um fator importante na operação, nó górdio da questão e fonte dos problemas que começaram a surgir

Para reduzir as chances de ter de retomar o imóvel, o banco que empresta a hipoteca, tradicionalmente, fazia uma análise detalhada da ficha de crédito do candidato a financiamento, examinando sua renda, seu crédito na praça, suas perspectivas profissionais etc., de modo a reduzir a chance de fazer um empréstimo a alguém que não pudesse pagar de volta o dinheiro tomado. Os tomadores que não preenchessem essas condições não receberiam empréstimos. O termo sub-prime, que se tornou tão conhecido em todo o mundo, identifica precisamente os indivíduos que não teriam renda, ou garantias, ou história de crédito que justificassem a concessão do empréstimo. Em outras palavras, essas eram as pessoas que ficavam de fora do mercado de financiamento de imóveis, por falta de qualificações suficientes para convencer as instituições financeiras de que eram um risco aceitável.[15]

Levando em consideração o grande número de pessoas que se encontravam nessa situação (sub-prime), os investidores passaram a percebê-los como potenciais financiadores, flexibilizando-se a análise do risco, na crença de que a economia americana continuaria bem e, nas estatísticas, tais pessoas, mesmo sem empregos fixos, possuíam renda estável e trabalho contínuo.

Segundo Fernando Cardim de Carvalho[16], para convencer as pessoas a contratarem empréstimos, os bancos cobravam taxas de juros baixas nos primeiros anos do

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financiamento imobiliário, aumentando de forma drástica depois de certo tempo, e, por conseqüência, as famílias que aceitaram o empréstimo na crença de que poderiam arcar com os juros, acabavam descobrindo que o débito se tornava muito elevado e, assim, deixavam de pagar as prestações.

A outra face da operação foi a venda daqueles títulos para fundos de investimento, bancos, empresas, sem que o comprador daquele título tivesse noção do risco, por desconhecerem que as hipotecas eram a garantia da operação. Por sua vez, quando a inadimplência começou a se generalizar, os financiadores deixaram de aplicar no setor imobiliário, diminuindo a concessão de crédito e os investidores que compraram os títulos passaram a perceber que não teriam o retorno financeiro que esperavam e começaram a tentar vender esses papéis, que naquela altura não possuíam grande valor

A tentativa de se livrar deles, de qualquer forma, foi o suficiente para fazer com que o valor desses papéis no mercado caísse vertiginosamente. Na verdade, a desconfiança passou a atingir também outros papéis semelhantes aos subprime, contagiando outros segmentos do mercado de capitais. Na dúvida, é melhor tentar vender todos esses papéis antes que outros o façam. Os preços de todos os títulos vão desabando, um a um.[17]

Essa sensação de insegurança e desconfiança piorou a situação, pois mesmo os bancos que não haviam sofrido os efeitos imediatos da crise passaram a não conceder créditos, o que contribuiu para entrave da economia mundial.

E foi para dar um “fôlego” à confiança e ao crédito que o governo de George Bush conseguiu aprovar a liberação de 850 bilhões de dólares para socorrer o sistema financeiro, com a compra dos títulos desvalorizados advindo das hipotecas no final de 2008. Em tal passo, a crise foi agravada pela inobservância de princípios contratuais basilares, tais como o da boa-fé objetiva, função social e eqüidade. Com efeito, sempre decorreu do princípio da boa-fé objetiva a transparência, o dever de informação entre as partes na relação negocial, sobretudo por parte da detentora do poder econômico e que predispôs as cláusulas contratuais. Quando existisse efetiva lealdade, eliminada estaria a linguagem obscura e, comutativamente, a possibilidade de onerosidade excessiva, consagrando a confiança na relação contratual. Sobre a transparência e seu desdobramento, foi destacado:

E a confiança contratual nunca se fez tão importante, uma vez que cresce o desestímulo à leitura do instrumento previamente redigido, em face da incapacidade do aderente em alterá-lo, pois inexistente o poder de negociação. Do que adianta ler, se não posso modificá-lo? Assino-o e consumo o bem da vida! A confiança negocial há de ser garantida pelo respeito ao princípio da transparência.[18]

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A informação tem se tornado um fator cada vez mais importante, destacando-se que deve ser apresentada de forma clara e objetiva no contrato, possibilitando aos contratantes, entender termos, objeto, condições e efeitos dela decorrentes. Por tal ângulo, a relevância da confiança e da informação, avultaram em significado frente à padronização dos contratos, eis que inexistiam pré-negociação de cláusulas, e, ao aderente, só haveria possibilidade de aceitar todas as disposições ou não contratar. Assim, diante da real desigualdade econômica e social existente entre as partes, tornou-se imperativo reconhecer que uma parte na relação negocial era mais forte que a outra, por deter informações e poder econômico.

Couto e Silva[19] preleciona que “O dever de esclarecimento, como seu nome indica, dirige-se ao outro participante da relação jurídica, para tornar clara, certa circunstância de que, o ‘alter’ tem conhecimento imperfeito, ou errôneo, ou ainda, ignora totalmente”.

A crise econômica internacional comprovou que o contrato descumprido afetava a coletividade, com elevação de preços dos produtos e serviços, alta dos juros bancários, exigências cada vez maiores de garantias contratuais, aumento de demandas judiciais, contribuindo, assim, para a sensação coletiva de insegurança.

3.3 O espaço imobiliário brasileiro e a resistência à crise

Considerando as origens da crise econômica, quanto maior fossem ligação e dependência com o sistema financeiro americano que uma região tivesse, maiores seriam as conseqüências por ele sofridas, como foi o caso do continente asiático dependente do mercado consumidor americano e da Europa, cujos sistemas bancários sempre estiveram ligados a Wall Street.

Os reflexos da crise econômica internacional não se fizeram sentir no setor imobiliário brasileiro. Os números demonstraram efetivo crescimento na concessão de crédito para financiamento de imóveis. O fato se deveu em grande parte ao próprio governo brasileiro e suas políticas de incentivo à concessão de crédito, às fontes seguras de recursos provenientes da poupança e do FGTS, aliado ao modelo contratual adotado pelas instituições financeiras (rigorosas análises de risco na concessão de créditos), taxas elevadas de juros, superiores a 12% ao ano e ao sistema de garantia pactuada que se implementou por via da alienação fiduciária.

Segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança – ABECIP, as contratações de financiamento imobiliário pareceu ser um dos poucos setores do crédito que manteve crescimento relativamente alto em relação aos dados do ano passado:

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Os bancos concederam R$ 1,905 bilhão em empréstimos no primeiro mês do ano, avanço de 17,5% em relação ao patamar de 2008. Os recursos foram suficientes para a construção e aquisição de 17,7 mil unidades, crescimento anual de 3,85%. Nos últimos doze meses, o número de unidades financiadas superou 300,3 mil e o volume de recursos, R$ 30 bilhões.[20]

Destacou-se que aquelas operações foram realizadas com recursos da caderneta de poupança, feitas pelos agentes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), sublinhando-se que no ano de 2008 o volume de concessão de empréstimos imobiliários para mutuários e empresas da construção civil chegou a R$ 30,048 bilhões, registrando avanço de 64,4% em relação aos R$ 18,282 bilhões de 2007.[21]

Nos primeiros meses do corrente ano, o crescimento de contratos imobiliários firmados também cresceu, tendo a Caixa Econômica Federal atingido números recordes, com a liberação em janeiro e fevereiro do total de R$ 4,2 bilhões para as operações de crédito, representando crescimento de 119% em relação às liberações feitas no mesmo período do ano passado. O número de unidades financiadas chegou a 94,68 mil, o que indicou um aumento de 130%. Nos meses citados, os empréstimos com recursos das cadernetas de poupança totalizaram R$ 2,4 bilhões, o equivalente a 57% do volume contratado até o dia 28 de fevereiro. Ao todo foram 54,75 mil unidades financiadas por via dessa modalidade.[22]

Os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), no montante de R$ 1,7 bilhão, serviu para o financiamento de 35,96 mil imóveis. A média diária de contratação nacional chegou a R$ 108 milhões, para 2,39 mil contratos. Em igual período de 2008, a média diária desses negócios estava em R$ 49,4 milhões e 1,039 mil contratos.[23]

Aquele crescimento não passou despercebido à comunidade internacional, constando de notícia veiculada em página da Caixa Econômica que a revista semanal inglesa, The Economist, publicou matéria reconhecendo a participação dos bancos brasileiros como um ponto positivo no combate à crise financeira internacional. Foi ressaltado que os aspectos da economia brasileira ainda que considerados negativos e atrasados, com a forte participação estatal naquele setor, criou cenário de menores perdas na crise internacional, direcionando recursos e financiamento aos setores da economia, nos quais havia mais e maior necessidade e “(...) impondo reservas compulsórias e taxas elevadas ao crédito, que desencorajaram os ‘riscos selvagens’, responsáveis pela queda do sistema bancário na Europa e EUA”.[24]

Com o crescimento na contratação dos créditos destinados à aquisição de bem imóvel, necessário foi ressalvar que tanto a aplicação de taxas de juros mais elevadas em relação aos Estados Unidos e aos países europeus, como o sistema de garantia utilizado, por via da alienação fiduciária, não resguardaram ou garantiram a inocorrência de inadimplência ou de conflitos em torno de algumas cláusulas insertas nos contratos de financiamento o que, de resto, sempre compôs o processo. Assim, importante traçar algumas considerações sobre o contrato imobiliário com garantia de alienação fiduciária.

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4 UMA QUESTÃO DE GARANTIA: O DECLÍNIO DA HIPOTECA E A LEI 9.514/97

O instituto da hipoteca no Direito apresenta-se como direito real de garantia, visando, a um só tempo, assegurar o pagamento da dívida e, por conseqüência, o credor.

A utilização da hipoteca como garantia do débito demonstrou ser onerosa e lenta quando de sua execução, gerando grandes controvérsias judiciais. Sob certo aspecto, a Súmula 308, do Superior Tribunal de Justiça, disciplinou a questão ao dispor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

Não obstante, o entendimento da Súmula, na hipoteca contratada a favor da instituição financeira, mesmo que a incorporadora não a pagasse, a liberação do gravame poderia ser efetuada.

Para dotar o SFH de um mecanismo eficaz na recuperação de seus recursos, foram criados dois procedimentos de execução de hipotecas, além do sistema tradicional de execução, previsto no Código de Processo Civil, a execução extrajudicial, do Decreto-Lei 70, de 1966, e a execução judicial por rito especial, da Lei 5.741/1971.

A execução extrajudicial é realizada pelo agente fiduciário que não mantenha vínculo com o credor hipotecário ou o devedor. Com o inadimplemento, o devedor deveria ser notificado pelo agente fiduciário para purgar a mora e, não o fazendo, o imóvel iria a leilão público nos 15 dias subseqüentes, pelo valor da dívida e demais encargos. Caso houvesse licitante e o valor proposto para arrematação fosse superior ao valor da dívida, a diferença seria devolvida ao devedor. Não havendo licitante, o imóvel seria adjudicado ao credor hipotecário pelo valor da dívida, incumbindo-lhe, se o imóvel continuasse ocupado pelo devedor, ingressar em juízo pleiteando a imissão na posse do imóvel cuja hipoteca foi executada.

Pela execução judicial prevista pela Lei 5.741/71, específica para cobrança de crédito hipotecário, o devedor que estivesse com mais de três prestações em atraso, seria executado e teria penhorado o imóvel objeto da hipoteca, devendo desocupar o imóvel para que a execução prosseguisse.

Nas execuções comuns no direito brasileiro, há obrigação, de antes de se levar um bem a leilão, que se faça uma avaliação para esse fim, mas na execução na forma da lei 5.741/71 a avaliação é dispensada. Conforme a letra da lei, se não houver o pagamento dos valores em atraso, o bem deve ser vendido em hasta pública, em um único leilão e, não havendo licitante, o imóvel pode ser adjudicado pelo credor.

Observou Fleury que o Poder Judiciário brasileiro “ao longo dos anos “modificou” algumas disposições desse tipo de execução”, pois os Tribunais passaram a exigir do credor que, antes do leilão, fizesse avaliação do bem imóvel por perito judicial. Ainda, os credores não conseguiam que os magistrados determinassem a desocupação do imóvel para que se procedesse a execução. Dessa forma, os devedores permaneciam nos

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imóveis mesmo após a adjudicação do bem, sendo necessário que o credor interpusesse ação específica para desocupação do imóvel. Todos esses ônus oneravam a execução e causavam prejuízos para o credor, além de atrasar o andamento. Em relação ao leilão a jurisprudência passou a determinar “a realização de pelo menos dois leilões, o que acarreta, mais uma vez, em aumento de custos que prejudicam a recuperação de valores investidos”.[25]

Como conseqüência do desenvolvimento econômico do país, aumentou a demanda por crédito imobiliário, problemas em relação à hipoteca, ocasionando a busca de formas mais eficazes para garantia da operação.

Com relação às garantias tradicionais ao crédito, observou Moreira Alves:

As existentes nos sistemas jurídicos de origem romana – e são elas a hipoteca, o penhor e a anticrese – não mais satisfazem a uma sociedade industrializada, nem mesmo nas relações creditícias entre pessoas físicas, pois apresentam graves desvantagens pelo custo e morosidade em executá-las, ou pela superposição a elas de privilégio em favor de certas pessoas, especialmente do Estado.[26]

Assim, a alienação fiduciária em garantia, originariamente concebida para aplicar-se às relações contratuais envolvendo coisas móveis, com o advento da lei 9.514/97, passou a ser aplicada para financiamentos imobiliários, como forma de garantia da operação.

Em seu artigo 17 a lei dispôs que operações de financiamento imobiliário em geral poderiam ser garantidas por hipoteca, cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, caução de direitos creditórios ou aquisitivos, decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis, prevendo no inciso IV, a alienação fiduciária de bem imóvel.

Para Feliciano[27] o legislador procurou “(...) estimular a atividade econômica disponibilizando às financeiras modalidade de garantia sem precedentes no direito pátrio”, na tentativa de combater o déficit nas habitações brasileiras.

Mezzari[28] não reconheceu qualquer cunho social à lei, acreditando que seu objetivo era fundamentalmente econômico, pois buscou, acima de tudo, criar um mercado atrativo ao emprego do capital nacional, conseqüente à segurança nela inserta.

Alguns objetivos foram alcançados pela lei, uma vez que com a experiência obtida no Sistema Financeiro de Habitação (criado pela lei 4.380/64), o Sistema Financeiro Imobiliário – SFI acabou por incrementar o acesso à moradia sem o dispêndio de recursos públicos, autorizando os interessados a captarem recursos no mercado financeiro e de valores mobiliários.

A definição de alienação fiduciária foi trazida no artigo 22 da lei: “(...) é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”. O

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contrato ficaria vinculado a uma linha de financiamento imobiliário, para a qual o credor fiduciário forneceria recursos ao devedor fiduciante, objetivando a aquisição ou construção de imóvel.

O parágrafo primeiro do artigo 22, renumerado pela Lei 11.481/2007, previu a tendência de se generalizar a utilização do instituto, autorizando a alienação fiduciária de imóveis contratados por pessoa física ou jurídica, “(...) podendo ter como objeto bem imóvel concluído ou em construção e a tornaria não privativa das entidades que operam no SFI”.[29]

Com a generalização da aplicação da alienação fiduciária pela iniciativa privada, não foi difícil concluir que os contratos formalizados acabaram por ser apreciados pelo Poder Judiciário, considerando a probabilidade de serem incluídas cláusulas abusivas, viabilizando, então, a revisão ou anulação de anomalias contratuais.

5 O CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS: INADIMPLÊNCIA E ASPECTOS PROCESSUAIS

Nunca pairaram dúvidas de que o “sonho do brasileiro” sempre foi a aquisição da casa própria. Como, na maioria das vezes as pessoas não possuíam o valor em dinheiro para pagar vendedor ou construtor, viram-se obrigadas a procurar crédito perante as instituições financeiras. O contrato de alienação fiduciária seria fruto daquela premente necessidade de financiamento creditório, no qual a instituição financeira concedia empréstimo para pagamento da aquisição do imóvel e, em garantia, fazia a transferência da propriedade resolúvel e a posse indireta do bem, mediante registro do contrato assinado, formalizado em cartório imobiliário. Assim, ao se falar em fidúcia sempre se teve presente confiança, crença na existência de boa-fé, já que a origem etimológica da palavra “(...) está na confiança (confidere), que é o ato de quem espera que o outro se conduza como o desejado, pois tem fé (fidúcia) no cumprimento da palavra empenhada”.[30]

Nos demais negócios jurídicos, as partes deveriam sempre agir com lealdade e boa-fé desde as tratativas iniciais até a contratação, com registro do contrato na circunscrição imobiliária competente, dali surgindo a propriedade fiduciária, o conseqüente desdobramento da posse. Por tal processo, o credor fiduciário teria posse indireta do imóvel e o devedor fiduciante, direta, podendo usar e gozar do bem conforme sua destinação, responsabilizando-se pela sua conservação e eventuais destruições ou deterioração.

O constituto possessório caracterizou-se pela “(...) inversão no título da posse do objeto, pela qual o fiduciante que o detinha, na qualidade de proprietário (em nome próprio), continua a mantê-lo, só que agora na condição de depositário”.[31] Por tal meio, o novo proprietário adquiriria a posse indireta por ficção, porque “(...) não foi preciso qualquer ato material de entrega da coisa por parte do fiduciante ao tempo da alienação”.[32]

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A propriedade resolúvel se definiria pelo próprio objetivo do negócio, consubstanciado na garantia, fazendo nascer com previsão expressa de ser extinta, de ser resolvida, já que com o pagamento do financiamento, a propriedade retornaria ao fiduciante[33].

Outra característica da propriedade fiduciária, advinda do contrato de alienação devidamente registrado, seria a afetação patrimonial, que “(...) consiste em uma restrição pela qual determinados bens que se encontrem no patrimônio de uma pessoa serão tratados como bens independentes do patrimônio geral da pessoa”.[34] Na prática, isso significou que o bem afetado, por não integrar o patrimônio do credor fiduciário, não sofreria com as ações de cobrança interpostas por terceiros.

5.1 Considerações sobre cobranças judicial e extrajudicial

Para que o credor fiduciário, ante o inadimplemento do contrato, pudesse consolidar-se no domínio da propriedade dada em garantia, deveria atender às formalidades previstas em lei.

O artigo 39, inciso II, da lei 9.514/97 previu que para as operações de financiamento imobiliário, seriam aplicáveis as disposições dos artigos 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966.

O artigo 29 do Decreto-lei 70/66 dispôs que o credor (no caso, hipotecário) poderia promover execução da dívida na forma do Código de Processo Civil ou extrajudicial, constante da própria lei.

Face ao exposto, o contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária, atendido os requisitos legais, constitui-se em título executivo, com autonomia para ser exigido judicialmente.

Ponderou Saad[35] que se o fiduciário escolhesse interpor cobrança judicial não poderia, posteriormente, desistir daquele procedimento e optar pela via extrajudicial, porque, uma vez eleita uma forma de cobrança, haveria implícita renúncia a outro procedimento, conforme disposto na lei 9.514/97.

Na cobrança extrajudicial, primeiramente deveria o fiduciário constituir o fiduciante em mora, intimando-o por meio do Cartório do Registro de Imóveis a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencessem até a data do pagamento, acrescida de juros convencionais, penalidades e demais encargos contratuais, legais, inclusive tributos, contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além de despesas com a cobrança.

No § 3º do artigo 26, da lei 9.514/97, a intimação deverá ser pessoal, por meio do representante legal ou procurador legalmente constituído. Pode, ainda, ser feita a intimação pelo correio, com aviso de recebimento, sendo que, caso não se encontre o devedor fiduciante, deverá ser publicado em edital.

Problemas iniciais oriundos da cobrança extrajudicial poderão surgir, seja porque muitas vezes o recebimento da intimação não foi feito pelo próprio fiduciante ou pessoa

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legalmente habilitada por ele, mas por funcionário de uma pessoa jurídica ou empregado da pessoa física ou, não raras vezes, pelo porteiro do prédio onde ele reside.[36]

A intimação deve ser feita pessoalmente ao devedor ou seu representante com poderes expressos para o recebimento de intimações, sendo que, se a correspondência for remetida pelos Correios, o AR deve ter sido assinado pelo próprio devedor ou seu representante, objetivando garantir-lhe a possibilidade de saldar a dívida ou tomar medidas cabíveis em defesa de seu patrimônio.

As despesas a serem cobradas do fiduciante, além das mencionadas no § 1º do artigo 26, serão as realizadas para conservação ou recuperação do imóvel. Não têm sido poucas as vezes em que o fiduciário recebeu o imóvel em péssimo estado de conservação ou, ainda, quando a degradação foi provocada dolosamente pelo fiduciante, acrescida de má-fé. Assim, desde que houvesse cláusula contratual dispondo sobre a hipótese, também haveria responsabilidade.[37]

Caso não ocorresse purgação da mora e se consolidasse a propriedade em nome do fiduciário, teria ele 30 dias, a contar da data da averbação da transmissão na matrícula do imóvel, para promover leilão público destinado à venda do imóvel e se, na primeira praça, o maior lance fosse inferior ao valor do imóvel, uma segunda tentativa deveria ser levada a efeito nos quinze dias seguintes. Na segunda hasta pública seria possível aceitar o maior lance, desde que igual ou superior ao valor da dívida, incluindo-se despesas com os prêmios de seguro, encargos legais, inclusive tributos, contribuições condominiais, conforme disposição expressa no § 2º, do artigo 27 da Lei 9.514/97.

Importante destacar que, obtido valor superior ao da dívida com o leilão, o saldo remanescente deveria ser devolvido ao fiduciante e, caso não se obtivesse com o segundo leilão valor igual ao da dívida, pelo § 5º do artigo 27, considerar-se-ia extinto o débito, devendo o fiduciário dar quitação mediante termo próprio ao fiduciante. A obrigação se extinguiria e, por conseqüência, não se poderia continuar a cobrança do chamado débito residual.

Uma questão para reflexão foi trazida por Saad:

A norma legal, ao proceder desta forma e sem maiores cuidados, abriu margem para que no futuro se realizem operações fraudulentas, em atentado ao direito do fiduciante, bastando, para tanto, que se “frustrem os leilões”, transfira-se a propriedade para o fiduciário que poderá alienar, em pouco tempo, o bem por qualquer preço: melhor seria se o comando legal tivesse propagado os efeitos do § 5º, da Lei 9.514/97, por um período de anos.[38]

Quando o bem imóvel a ser leiloado fosse estimado em valor muito superior ao débito, não sendo alienado no primeiro leilão, seria de se indagar: o imóvel poderia ser arrematado pelo valor da dívida? Mais: caso não fosse vendido no segundo leilão, o credor fiduciário poderia efetivar-se na propriedade definitivamente, mesmo sendo o

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valor desta superior ao da dívida? A resposta pela negativa foi apresentada por Cristiano Farias e Nelson Rosenvald:

Há evidente inconstitucionalidade no § 2º, do art. 27, da Lei 9.514/97. O dispositivo permite que no segundo leilão se aceite o maior lance oferecido, sendo bastante que supere o valor do débito em aberto. Assim, se A pagou R$ 50.000,00 de um débito total de R$ 70.000,00, quando o seu imóvel for a leilão, nada impede que no segundo leilão seja a coisa vendida por apenas R$ 20.000,00. Neste caso A não só perderá o imóvel, como tudo que pagou. Há ofensa ao devido processo legal, pois a pessoa será privada do direito de propriedade sem a garantia constitucional do processo e do Estado-juiz. Sempre devemos lembrar que o trinômio vida/liberdade/propriedade é genericamente garantido pelo due process of law.[39]

Se a lei não desse resposta às situações práticas, passíveis de ocorrer, tanto credores como devedores poderiam e deveriam valer-se do Poder Judiciário para dirimir questões que agredissem seus direito fundamentais. No caso sub examen houve clara mutilação do princípio da igualdade, no instante em que o dispositivo legal dispensou tratamento privilegiado ao credor, estimulando legalmente o enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 884 a 886 do Código Civil brasileiro.

5.2 Aplicação dos princípios contratuais na solução dos conflitos

Tendo em vista que ambos os contratos têm sido utilizados na comercialização de bens imóveis e haver uma sólida jurisprudência sobre promessa de compra e venda favorável à restituição, com fulcro no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, devedores têm tentado equiparar a alienação fiduciária à promessa de compra e venda, visando à restituição de valores pagos ao credor fiduciário, já que tais pactos vêm sendo utilizados na comercialização de bens imóveis, havendo sólida jurisprudência favorável à tais pretensões. Tais contratos sempre foram distintos um do outro, tanto em estrutura como em função. A promessa de compra e venda definiu pacto autônomo, nascendo, se desenvolvendo e se extinguindo independentemente de outra convenção; a alienação fiduciária se definiu como avença acessória de garantia, em razão da qual o proprietário de certo imóvel o transmitiria ao credor, em caráter resolúvel, vinculando-o ao cumprimento de determinada obrigação, como explicou Chalub[40].

No inadimplemento do devedor, a extinção do contrato de promessa por meio de ação judicial, as partes retornariam ao estado anterior, conservando o promitente- vendedor a propriedade do imóvel e, conseqüentemente obrigando-se a devolver valores recebidos do promitente comprador, “(...) depois de deduzir a multa contratual compensatória e demais encargos”[41].

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Na alienação fiduciária, com a extinção do contrato por inadimplemento, a parte devedora ficaria obrigada à restituição da quantia financiada, devendo o credor, que possuísse direito ao conteúdo econômico do bem, vendê-lo em leilão público e, posteriormente, restituir ao devedor o saldo restante.

Embora o artigo 53 do CDC tenha disposto sobre a nulidade da cláusula que previsse perda total das quantias pagas pelo comprador, se o contrato fosse resolvido por inadimplemento, Chalub[42] entendeu que a lei especial da alienação fiduciária estabeleceu modo específico de equilíbrio dos haveres, em coerência com as disposições do dispositivo legal supracitado.

Em caso de antinomias, para o autor prevaleceriam os dispositivos legais sui generis sobre os gerais, “(...) sendo certo que as leis que regulam a alienação fiduciária são leis especiais em relação ao CDC, aquelas é que prevalecerão, devendo o art. 53 submeter-se à especialização daquelas normas”[43]. Em tal passo, permanece ainda a discussão em relação a aplicabilidade ou não do CDC aos contratos de alienação fiduciária de imóveis. Pelo fato de a cobrança extrajudicial (à semelhança da execução extrajudicial do Decreto-lei 70/66) ser considerada legal, seria o caso de se questionar: de que maneira o devedor fiduciante poderia defender seus direitos quando discordasse do valor do débito que lhe fosse apresentado? O que fazer quando entendesse que o preço da alienação do bem arrematado no leilão foi vil ou o fiduciário pretendesse ficar com o imóvel, cujo valor fosse superior ao do débito, em situação em que não tivesse ocorrido sua venda nos dois leilões realizados? Seria inimaginável pensar que o sistema legal pudesse privilegiar de tal forma uma das partes deixando sem meios de defesa seus direitos. Ainda que não pudessem ser aplicadas as normas do CDC àqueles pactos, o devedor fiduciante poderia ir ao Poder Judiciário postular: anulação da venda extrajudicial, comprovando a existência de irregularidades formais; revisão do contrato, demonstrando a existência de cláusulas excessivamente onerosas ou sua extinção por serem abusivas; ressarcimento dos danos sofridos, provando o enriquecimento ilícito da outra parte, bem como outras medidas que julgasse conveniente e pertinente para a defesa de seu patrimônio.

O Superior Tribunal de Justiça[44] tem admitido a concessão de cautelar para a suspensão de execução extrajudicial ou leilão, na hipótese de questionamento judicial referente aos valores das prestações, sobretudo quando já houvesse depósito em juízo das parcelas incontroversas.

Para que se excluísse o nome de devedores dos cadastros de proteção ao crédito, em razão do ajuizamento de ação revisional, deveriam eles

[...] necessária e concomitantemente, estar presentes esses três elementos: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado". (REsp n. 527.618, relator Ministro César Asfor Rocha, DJ de 24.11.2003).

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O devedor deveria agir na defesa de seus direitos tempestivamente, pois adjudicado o imóvel, o STJ tem decidido que inexistiria interesse processual.[45]

Os princípios do ordenamento jurídico brasileiro, como o da boa-fé objetiva e os deveres anexos, laterais ou secundários (transparência, confiança, proteção, eqüidade, vigilância, cooperação e assistência), da igualdade material e da função social dos contratos devem ser aplicados em todas as situações, e não somente às relações protegidas pela legislação consumerista. Se os princípios do ordenamento jurídico foram revestidos de imperiosidade, devem ter lugar e vez em todas as relações sócio-econômicas.

De acordo com Enzo Roppo

O contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido [...] a liberdade de contratar assegura também a justiça de cada relação contratual, em virtude da igualdade jurídica entre os contraentes.[46]

Nalin[47] afirmou que a justiça contratual a ser implementada deveria, fundamentalmente, conter comutatividade, de forma a que cada contratante recebesse, de maneira eqüitativa e equivalente ao que entregou, afastando-se a abusividade de cláusulas contratuais, permitindo-se revisão da avença para manutenção do equilíbrio contratual a fim de que o julgador não ficasse reduzido apenas à condição de expectador ou de instrumento para o preenchimento das lacunas legais, em especial porque ele sempre deveria utilizar o princípio ético-jurídico da eqüidade, noção exata do Direito, senso do bem comum e comutatividade.

6 ANÁLISE SOBRE O REVISIONISMO CONTRATUAL

A grande consolidação ou estruturação definitiva do revisionismo ocorreu na República Romana (500 a.C. a 27 a.C.). Tinha como fulcro não a necessidade de revisão, mas outros pressupostos, assemelhados à apelação.

Muito cedo se constatou que nas relações entre os homens nada poderia ser definitivo, já que a própria vida era contingente e situacional, definida pela lei natural de relacionamento entre as coisas. Em tal caminhar, regida pela relatividade dos acontecimentos, sedimentou-se o entendimento de que nenhuma manifestação decisória poderia ser considerada perfeita e acabada e, por isso, revestida de definitividade, como resultado do exame de qualquer irregularidade comportamental denunciada, resultante de convenções privadas ou públicas, em decisões judiciais ou extrajudiciais, singular ou coletiva, na precária disciplina de relacionamento entre os homens. Isso porque sempre existiria espaço para a readequação daquilo que, em dado momento e envolvido por

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determinadas circunstâncias, representou a melhor forma do querer das partes, mas que, conseqüente à irregularidade contratual, exigiu intervenção da autoridade. Sinteticamente: nunca foi possível afastar de vez a circunstancialidade que sempre cercou os acontecimentos entre os homens resultantes de ações ou omissões e, conseqüentemente, seus reflexos diretos e indiretos.

A força do velho princípio da obrigatoriedade, arraigado no fiel e integral cumprimento dos contratos (lei entre as partes pelo art. 1.134 do Código Civil francês de 1804)[48], aos poucos foi sendo mitigada pela imposição de uma justiça contratual assentada na saudável filosofia que substituiu a iluminista individualidade oitocentista pelo coletivismo do século XX.

O pertinente contributo de Fachin não poderia ser esquecido, quando observou que

Não se pode, então, conviver com uma atitude de indiferença ou renúncia a uma posição avançada na inovação e mesmo na revisão e superação dos conceitos, contribuindo, abertamente, para fomentar questionamentos e fazer brotar inquietudes que estimulem o estudo e a pesquisa comprometidos com seu tempo e seu dilema. Abrir-se para esse horizonte é uma opção de sentido que se afasta das concepções didáticas meramente ilustrativas; é um caminho de sacrifícios e eleição de finalidade que não convive com a inércia e com a repetição.[49]

Os contratos – cuja origem se perdeu na noite dos tempos – sempre foram sublinhados por natureza eminentemente interacionista. Realizado por uma ou mais pessoas, caracterizou-se por vincular e pautar suas ações na interdependência das partes, em busca de um mesmo e único fim.

No universo obrigacional tem sido este um postulado de caráter axiomático: sempre que alguém se dispôs a estudar o contratualismo, dois nomes avultaram como marcos epistemológicos definitivos: Lucius Neratius Priscus, conhecido apenas como Neratius e Domitius Ulpiano, que o mundo iria reverenciar como Ulpiano, também responsável pelos princípios honeste vivere, alterum non laedere e suum cuique tribuere.

Na saga dos contratos nunca foi possível discutir os princípios pacta sunt servanda e rebus sic stantibus – ou vice-versa – de forma dissociada. Sempre que se discutiu um deles, necessariamente, de forma expressa ou implícita, houve referência ao outro, tão-somente por representarem expressões cunhadas para um único e mesmo fim: equilibrar de forma segura as contratações.[50]

O revisionismo contratual, através dos milênios e tal como hoje se encontra, nasceu de uma condição implícita na formulação de Neratius. Ao exigir que as convenções mantivessem seu estado inicial de criação, a conseqüência lógica foi inferida: se forem alterados por qualquer fato devem ser revistos ou extintos.[51]

À luz da eqüidade e comutatividade dos pactos, entre os princípios sempre existiu equilíbrio perfeito e harmonia necessária, direcionados para um mesmo objetivo, a

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despeito dos argumentos falaciosos apresentados por anti-revisionistas, contrários à axiomática existência de seu correto e indiscutível equacionamento.

O ordenamento jurídico brasileiro, principalmente depois do advento do Código Civil de 2002 – a despeito de algumas falhas e lacunas congênitas que o tempo, via doutrina e jurisprudência, acabarão por depurar –, tem sido considerado um dos mais avançados do mundo. Destacou-se, para tanto, inclusão dos artigos 317 e 478 a 480 (revisão contratual), 421 (função social das convenções) e 422 (exigência expressa da boa-fé contratual), com ênfase constitucional para o respeito à dignidade humana, dispositivos que lhe asseguraram, com toda certeza, um lugar de destaque no cenário mundial.

Os institutos colocados à disposição do relacionamento entre os homens, em especial das contratações, com garantias reais (hipoteca e penhor) ou pessoais (aval e fiança), ao lado das inúmeras inovações no campo das obrigações têm sido até certo ponto satisfatórias nas relações entre os homens, condicionando-se apenas ao decorrer do tempo seu aperfeiçoamento.

A questão nuclear permanece atrelada à possibilidade de revisão dos contratos, cuja onerosidade excessiva tenha sido motivada por crise econômica internacional. Sem adentrar no estudo do caso americano, de conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro a matéria deve ser analisada à luz dos dispositivos do Código Civil de 2002 e, também, do Código de Defesa do Consumidor, em atenção ao diálogo das fontes. O Código Civil de 2002 trata da revisão contratual por fato superveniente diante de uma imprevisibilidade somada à onerosidade excessiva, contudo, de forma diferente daquela adotada pelo CDC e observado o Enunciado 22 do CJF face a relevância do acolhimento do princípio da conservação contratual.

Nesse sentido, afirma Nelson Borges:

Haveria espaço para o emprego da Teoria da Imprevisão se, depois de adquirido o bem, paga algumas prestações – do outro lado – entregue parte do pedido, sobreviesse acontecimento imprevisível, de proporções internacionais ou locais, que alterando a base da contratação, tornasse extremamente difícil o cumprimento da obrigação de qualquer das partes.[52]

Tartuce, ao sustentar a necessidade e adequação da revisão contratual, em acréscimo, explicita que até mesmo uma pequena oscilação de preço pode representar excessiva onerosidade para a parte vulnerável, especialmente em contrato de financiamento onde para uma família de baixa renda a oscilação pode provocar forte desequilíbrio contratual.[53]

Por estas considerações e com a cautela indispensável à observação dos desdobramentos da crise econômica internacional, cabe reafirmar que futuros e possíveis desequilíbrios contratuais decorrentes dos pactos firmados junto ao sistema financeiro habitacional e que venham acarretar excessiva onerosidade para a parte vulnerável caberá, por indispensável, a revisão do contrato.

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CONCLUSÃO

A crise econômica, muito mais de confiança, desperta a consciência para a mutabilidade. O contrato como instituto fundamental das democracias, até mesmo as mais capitalistas, têm necessariamente função social indispensável à harmonia e prosperidade dos pactos em relação aos compromissos jurídicos econômicos e sociais.

O modelo americano de financiamento da casa própria excedeu limites e princípios, indicativo de que se havia alguma racionalidade negocial de início, foi estiolada por seu próprio sistema hipotecário.

A ruptura da congruência negocial, podendo ser considerada até mesmo onírica, antípoda do perfil negocial pós-moderno, causou a maior inadimplência já conhecida nos contratos de massa, atingindo o setor imobiliário americano para, na seqüência, romper com as bases da economia mundial, cobrindo com abusos graves os pactos dissolvidos completamente, antes respeitados, orientando todo um fluxo negocial dos mais significativos e até então promissor.

A grande crise triturou os contratos imobiliários na esfera negocial imobiliária, como também na esfera econômica e política, levando a termo a era das hipotecas americanas.

No Brasil, a forte intervenção estatal, e o modelo de poupança brasileira, somados aos recursos financeiros captados pelo FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, subsidiaram o financiamento da casa própria, guarnecendo o referido sistema com recursos sólidos, lastro seguro dos contratos imobiliários, sem comprometer recursos públicos.

No mercado imobiliário brasileiro há crédito e confiança, que a despeito da crise econômica mundial segue em fase de expansão, mas deve ser observado com moderação.

A alienação fiduciária assegura a facilidade de crédito e de confiança pela própria natureza jurídica da fidúcia, respaldada na lealdade e boa-fé, considerando a vantagem de ser a propriedade resolúvel, extinguindo-se com o pagamento.

O contrato de financiamento com garantia da Alienação Fiduciária é título executivo podendo ser executado judicialmente de forma mais segura e eficiente, devendo, contudo, recepcionar integralmente os princípios contratuais em todas as fases de sua execução até a conclusão.

Não foi esta a primeira vez – nem será a última – que a humanidade se viu frente a mais uma crise econômica, a exigir dela sacrifícios físicos e mentais de toda ordem. O mais difícil de aceitar como justo e eqüitativo, situou-se no plano da responsabilidade pela autoria: não foram os países em desenvolvimento (emergentes) que a provocaram, não lhes cabendo, em rigor, a obrigação de pagar uma conta que não fizeram e da qual nenhum proveito tiveram. Isso porque jamais foram convocados para a fruição de

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possíveis bônus, para que se vissem no pólo passivo obrigados, inexoravelmente, a arcar com o ônus de obrigações que não contraíram e para as quais não concorreram, sendo este um dos preços, apenas um, imposto pela irreversível globalização que governa o mundo.

As crises, a despeito de suas nefastas conseqüências no tecido social, têm trazido, ao menos, uma pálida vantagem: fortaleceria os governos, dando-lhes experiência para monitorar, temporal e convenientemente outros distúrbios econômicos que, certamente, hão de vir, devendo ser acatada a possibilidade da revisão dos contratos em caso de onerosidade excessiva, objetivando o reequilíbrio das partes para benefício e a modificação do status quo e equilíbrio das relações contratuais tornado o contrato como tem de ser – sólido e eficaz –.

A visão com que foram focalizados os temas deste trabalho mostrou que os problemas, além de serem multifatoriais, sempre apresentaram mais de uma solução. Aos governantes, no setor público e aos particulares restaria apenas aprender com a convulsão econômico-financeira, selecionando e aperfeiçoando a solução possível – não raras vezes – ainda ruim e dela fazer uso em proveito coletivo ou individual.

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[1] COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Hemus, 1975, p. 246-247.

[2] Idem, ibidem, p. 246-247.

[3] BASTOS, Adriana Pessotti. Reflexões sobre avaliação e impactos dos programas habitacionais: responsabilidade da Caixa para com o desenvolvimento urbano. Monografia em Especialização em Política Social e Desenvolvimento Urbano. Universidade de Brasília, DF, 2007, p. 15.

[4] O reconhecimento de que o Decreto – Lei 70/66 foi recepcionado pela Constituição de 1988 tem sido a praxe nos julgamentos, sendo importante ressaltar o recente julgado (de 2008) do TRF da 1ª. Região, no julgamento da Ação Civil Pública 2002.01.00.020956-5/MG: “A execução extrajudicial está aí há décadas, é aceita unanimemente hoje pelo Judiciário e veio para ficar. (...) Não há nenhum motivo sério para que o Judiciário precise gastar recursos públicos e tempo de seus funcionários e juízes para efetivar meras medidas materiais como a venda de bens dados em garantia real, situação em que o Juiz vira mero cobrador (...)”. “Não é porque a medida material de venda de um bem hipotecado foi passada para o credor ou agente fiduciário a seu mando que o mutuário fica desprotegido, ofendendo-se o devido processo, ampla defesa e contraditório ou a inafastabilidade de controle judicial”. “O mutuário ode consignar as prestações em juízo, discutindo seu correto valor, pode pedir a revisão do contrato, ode pedir a nulidade da execução extrajudicial por vício na aplicação de seu rito ou pela iliquidez da dívida em função de falha na evolução das prestações ou do saldo devedor, enfim, o Judiciário está a todo tempo aberto para a discussão do contrato e a mera medida material de execução extrajudicial não muda isso, não impede a defesa ampla do mutuário quando bem entender”. (GONÇALVES DA SILVA, Ana Paula. O sistema financeiro de habitação e o direito social à moradia. Revista da ADVOCEF, Londrina – PR, n. 6, maio/2008, p. 318).

[5] BASTOS, Adriana Pessotti. Op. Cit., p. 15-16.

[6] BASTOS, Op. Cit., p. 16.

[7] Idem, ibidem, p. 16.

[8] GONÇALVES DA SILVA, Ana Paula. O sistema financeiro de habitação e o direito social à moradia. Revista da ADVOCEF, Londrina – PR, n. 6, maio/2008, p. 314.

[9] GONÇALVES DA SILVA, Ana Paula. Op. Cit., p. 314-315.

[10] GALBRAITH apud MELLO, Pedro Carvalho de. e SPOLADOR, Humberto Francisco Silva. Crises Financeiras: uma história de quebras, pânicos e especulações do mercado. 2. ed. São Paulo: Saint Paul, 2007, p. 22.

[11] Idem, p. 28-29.

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[12] MINSKY apud MELLO, Pedro Carvalho de. e SPOLADOR, Humberto Francisco Silva. Op. Cit., p. 29-30.

[13] KINDLEBERGER apud MELLO, Pedro Carvalho de. e SPOLADOR, Humberto Francisco Silva. Op. Cit., p. 34.

[14] MELLO, Pedro Carvalho de. e SPOLADOR, Humberto Francisco Silva. Op. Cit., p. 171.

[15] CARVALHO, Fernando Cardim de. Para entender a crise financeira. Disponível em: < http://www.abong.org.br/final/noticia.php?faq=19270>. Acesso em: 27 mar.2009.

[16] Idem, ibidem.

[17] Idem, ibidem.

[18] NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 147.

[19] SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 115.

[20] TRAVAGLINI, Fernando. Crédito imobiliário cresce 17,5% em janeiro, para R$ 1,9 bilhão. Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. <http://www.abecip.org.br/sitenovo/informe/noticiario.php?id=0000022580>. Acesso em 13 mar 2009.

[21] TRAVAGLINI, Op. Cit.

[22] Informe ABECIP n. 5162, p. 17.

[23] Idem, p. 18.

[24] Caixa Econômica Federal. Revista britânica destaca presença de bancos estatais no Brasil como ponto positivo na crise. In

[25] FLEURY, Carlos Eduardo Duarte. Crédito imobiliário no Brasil e execuções hipotecárias. Trabalho apresentado no transcurso dos estudos em Cartagena de Índias, Colômbia 1 a 3 de março de 2004, p. 6.

[26] MOREIRA ALVES, José Carlos. Da alienação fiduciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 3.

[27] FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de alienação fiduciária em garantia: das bases romanas à lei n. 9.514/97. São Paulo: LTr, 1999, p. 452.

[28] MEZZARI, Mario Pazuti. Alienação fiduciária da lei n. 9.514, de 20.11.1997. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 3-7.

[29] FELICIANO, Guilherme Guimarães, Op. Cit., p. 458.

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[30] FARIAS. Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008, p. 358.

[31] FARIAS. Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 364.

[32] Idem, ibidem, p. 364.

[33] Foi destacado por Farias e Rosenvald (Op. Cit., p. 365): “Aqui ocorrerá fenômeno inverso ao constituto possessório: é a tradição brevi manu, vazada em inversão na natureza da posse, em que aquele que possuía em nome alheio (como depositário) passa a possuir em nome próprio (proprietário), prescindindo-se da transmissão física da coisa”.

[34] FARIAS. Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 367.

[35] SAAD, Renan Miguel. A alienação fiduciária sobre bens imóveis. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 243.

[36] Renan Miguel Saad (Op. Cit., p. 231) esclareceu: “A jurisprudência, ao tratar da citação – e em igual linha de raciocínio pode-se ventilar para a intimação da Lei 9.714/97 -, vem discutindo sobre a possibilidade de se dar eficácia ao ato processual, dando-se como válida a citação quando entregue, por exemplo, a um funcionário de determinada empresa que não tem poderes de representação ou à convivente de um devedor”. Nesse sentido: REsp 14.515-SP; REsp 26.610-9-SP; REsp 6.631-RJ

[37] SAAD, Renan Miguel. Op. Cit., p. 240-241.

[38] Idem, ibidem, p. 254.

[39] FARIAS. Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 384.

[40] CHALUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária: os 10 anos de uma lei modernizadora. Revista do SFI. São Paulo – SP, n. 27, agosto/2008, p. 44.

[41] Idem, ibidem, p. 45.

[42] Idem, ibidem, p. 45.

[43] Idem, ibidem, p. 45.

[44] REsp 608716 / PE. 2003/0199941-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. 2ª. Turma. Data do julgamento: 16/09/2004. DJ 25/10/2004 p. 308.

[45] Após a adjudicação do bem, com o conseqüente registro da carta de arrematação no Cartório de Registro de Imóveis, a relação obrigacional decorrente do contrato de mútuo habitacional extingue-se com a transferência do bem, donde se conclui que não há interesse em se propor ação de revisão de cláusulas contratuais, restando superadas todas as discussões a esse respeito. IV - Ademais, o Decreto-lei nº 70/66 prevê em seu art. 32, § 3º, que, se apurado na hasta pública valor superior ao montante devido, a diferença final será entregue ao devedor. V - Recurso especial provido. REsp886150 –

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PR Recurso Especial 2006/0160511-1, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, 1ª. Turma. Data do julgamento: 19/04/2007. DJ 17/05/2007, p. 217.

[46] ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988, p. 37.

[47] NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 141.

[48] “Les convéntions légalement formées tiennent lieu de loi, à ceux qui les ont faites. Elles ne peuvent être révoquéés que de leur consentement mutuel ou pour les causes que la loi autorise. Elles doivent être éxecutées de bonne foi”.

[49] FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 321.

[50] Sobre o princípio romano, duas informações preliminares se fizeram necessárias: a) a cláusula rebus sic stantibus, extraída de contexto maior (contractus qui habent tractum sucessivum et dependentia de futuro rebus sic stantibus intelliguntur), também constante do Digesto, posteriormente aceita e revigorada pelos canonistas. A Neratius foi atribuída também a fórmula: “Tudo se entende no contrato, desde que permaneçam as mesmas condições e circunstâncias” (No original latino: “Omnis pacto intelligittur rebus sic stantibus et in eodem statu manentibus”); b) a expressão pacta sunt servanda deveu-se à genial criação do jurista Ulpiano.

[51] Em toda a história do contratualismo universal nunca foram criados princípios mais importantes do que rebus sic stantibus e pacta sunta servanda, por engenho e arte de Neratius e Ulpiano, respectivamente. Ambos se preocuparam em dotar, basicamente, as convenções de equilíbrio e segurança, como até então (séculos II e III a.D) não havia existido.

[52] BORGES, Nelson. A Teoria da Imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 739.

[53] TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. V. 3, 2 ed.. São Paulo: Método, 2007, p. 166-167.

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