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E.L.A. ESTUDOS LATINO-AMERICANOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DISCIPLINA: ESTUDOS LATINO-AMERICANOS – E.L.A. PROFESSORA: IVONETE DA SILVA SOUZA texto didático 5º - junho 2004 A CRISE DO SISTEMA COLONIAL ESPANHOL E AS ALTERAÇÕES DO SÉCULO XVIII A ascensão dos Bourbons ao trono espanhol, após a morte de Carlos II de Habsburgo, trouxe modificações profundas nas relações coloniais. Lembremos, de inicio, que a guerra de sucessão espanhola (1700-1713) não se reduziu ao plano interno, sendo, antes de tudo, uma guerra entre França e Inglaterra pela hegemonia na Europa. A entrada dos Bourbons, e a aproximação com a França, levou a Espanha a uma série de concessões à Inglaterra. Pelo Tratado de Utrecht (1713), a Espanha cedeu aos ingleses o direito de enviar uma determinada quantidade de mercadorias, anualmente, aos portos coloniais, além do cobiçado direito de asiento (monopólio da venda de licenças para o tráfico de escravos africanos nas colônias). Apesar de tudo, e sob os influxos do pensamento ilustrado do século XVIII, os Bourbons trataram de assumir uma política de recuperação nacional, visando, em primeiro lugar, à modernização econômica do país e, em segundo lugar. à restauração dos vínculos monopolistas com a América. Contando com uma relativa superação da conjuntura depressiva (aumento da população, da produção agrícola, etc), os Bourbons procuraram abolir as aduanas internas e estimular a manufatura nacional, a fim de livrar o país da dependência externa. Quanto às colônias, fizeram amplas reformas administrativas e comerciais, culminando com a política “recolonizadora” de Carlos III (1759- 1788). Entre outras medidas, foram criadas companhias de comércio para monopolizarem certos produtos coloniais —Barcelona, Zaragoza e Guipuzcoa —, e suprimiu-se o sistema de “exclusivo” montado pelo Habsburgo: o regime de porto único extinguiu-se em 1778, sendo autorizados 13 portos espanhóis para o comércio colonial, e o regime de frotas e galeões terminou abolido em 1798. Ao contrário do que supõem alguns autores, o período bourbônico não significou a instauração do “livre comércio” com a América, mas tão-somente uma ampliação do “exclusivo”, e sua remodelação institucional, visando justamente ao reforço dos vínculos coloniais. Medidas “modernizantes” no plano interno e uma política “recolonizadora” nos negócios americanos, eis o sentido profundo das reformas bourbônicas do século XVIII. Deste modo, muitos dos circuitos intercoloniais promovidos no século XVII e inícios de XVIII passaram ao controle da metrópole, particularmente os que envolviam metais preciosos e produtos tropicais. A política de “diversificação econômica” adotada pelos Bourbons — à qual muitos atribuem a difusão do cacau na Venezuela, do açúcar em Cuba, e do tabaco em Nova Granada —, não passou, em muitos casos, de uma reorientação das exportações coloniais em favor da metrópole.

A Crise do Sistema Colonial Espanhol e as Alterações do Séc. XVIII [UFSC]

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E.L.A.ESTUDOS LATINO-AMERICANOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃOCOLÉGIO DE APLICAÇÃODISCIPLINA: ESTUDOS LATINO-AMERICANOS – E.L.A.PROFESSORA: IVONETE DA SILVA SOUZAtexto didático 5º - junho 2004

A CRISE DO SISTEMA COLONIAL ESPANHOL E AS ALTERAÇÕES DO SÉCULO XVIII

A ascensão dos Bourbons ao trono espanhol, após a morte de Carlos II de Habsburgo, trouxe modificações profundas nas relações coloniais. Lembremos, de inicio, que a guerra de sucessão espanhola (1700-1713) não se reduziu ao plano interno, sendo, antes de tudo, uma guerra entre França e Inglaterra pela hegemonia na Europa. A entrada dos Bourbons, e a aproximação com a França, levou a Espanha a uma série de concessões à Inglaterra. Pelo Tratado de Utrecht (1713), a Espanha cedeu aos ingleses o direito de enviar uma determinada quantidade de mercadorias, anualmente, aos portos coloniais, além do cobiçado direito de asiento (monopólio da venda de licenças para o tráfico de escravos africanos nas colônias).Apesar de tudo, e sob os influxos do pensamento ilustrado do século XVIII, os Bourbons trataram de assumir uma política de recuperação nacional, visando, em primeiro lugar, à modernização econômica do país e, em segundo lugar. à restauração dos vínculos monopolistas com a América. Contando com uma relativa superação da conjuntura depressiva (aumento da população, da produção agrícola, etc), os Bourbons procuraram abolir as aduanas internas e estimular a manufatura nacional, a fim de livrar o país da dependência externa. Quanto às colônias, fizeram amplas reformas administrativas e comerciais, culminando com a política “recolonizadora” de Carlos III (1759- 1788).

Entre outras medidas, foram criadas companhias de comércio para monopolizarem certos produtos coloniais —Barcelona, Zaragoza e Guipuzcoa —, e suprimiu-se o sistema de “exclusivo” montado pelo Habsburgo: o regime de porto único extinguiu-se em 1778, sendo autorizados 13 portos espanhóis para o comércio colonial, e o regime de frotas e galeões terminou abolido em 1798.

Ao contrário do que supõem alguns autores, o período bourbônico não significou a instauração do “livre comércio” com a América, mas tão-somente uma ampliação do “exclusivo”, e sua remodelação institucional, visando justamente ao reforço dos vínculos coloniais. Medidas “modernizantes” no plano interno e uma política “recolonizadora” nos negócios americanos, eis o sentido profundo das reformas bourbônicas do século XVIII.

Deste modo, muitos dos circuitos intercoloniais promovidos no século XVII e inícios de XVIII passaram ao controle da metrópole, particularmente os que envolviam metais preciosos e produtos tropicais. A política de “diversificação econômica” adotada pelos Bourbons — à qual muitos atribuem a difusão do cacau na Venezuela, do açúcar em Cuba, e do tabaco em Nova Granada —, não passou, em muitos casos, de uma reorientação das exportações coloniais em favor da metrópole.

Na conjuntura do século XVIII, sobretudo após 1750, a América caiu novamente sob o controle político e comercial da Espanha, do qual só sairia com a crise da independência.

VAINFAS, Ronaldo. Economia e Sociedade na América Espanhola. Rio de Janeiro : Graal, 1984.Transposição didática: Ivonete da Silva Souza