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A CULTURA BRASILEIRA DO APARTAMENTO MODERNO: O
Conjunto JK de Belo Horizonte e o semi-duplex
PÉREZ-DUARTE FERNÁNDEZ, ALEJANDRO(1); SOUZA, TALITA SILVIA(2)
1. Universidade FUMEC. FEA R. Cobre, 200 – Cruzeiro / Belo Horizonte - MG, 30310-190
2. Universidade FUMEC. FEA R. Cobre, 200 – Cruzeiro / Belo Horizonte - MG, 30310-190
RESUMO No projeto original do Conjunto JK de Belo Horizonte foi proposto uma inovadora configuração de apartamento: o semi-duplex, tal modelo, além de inscrever-se dentro das experiências modernas e contemporâneas do split-level, garantia um bom desempenho térmico. Dentro dos atributos admirados de modelos semelhantes, pode se constatar a amplitude visual que permite interconectar visualmente todo o interior doméstico, porém mantendo uma estrita diferenciação do âmbito coletivo/privado e público/íntimo. A diferença do entendimento do split-level em outros países, o semi-duplex resolvia outro tipo de problemas. Um dispositivo formando por um conjunto de varandas, junto com uma astuta exploração da diferença de nível, permitiu compor um modelo adaptado às preocupações da época no Brasil. Tratava-se de uma proposta adaptada aos comportamentos entendidos como ‘modernos’, decorrentes da cultura da época, que promovia uma vida ao exterior, com a possibilidade de estar em contato com os raios benéficos do sol, mas podendo abrir vistas profundas sobre a paisagem externa dentro de um interior, sendo mantido fresco com ventilação cruzada. A configuração do semi-duplex, parece ser um microcosmos testemunha do pensamento local dos anos cinquenta. O trabalho apresentado à continuação baseia-se na contrastação do projeto original do Conjunto JK com meios circulantes da época, principalmente a revista Casa e Jardim.
Palavras chave: semi-duplex, varanda, split-level, Movimento Moderno brasileiro, habitação coletiva,
apartamento.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Introdução
Entre 1930 e 1940 Belo Horizonte início um crescimento rápido e continuo que foi
evidenciado com o aparecimento dos primeiros arranha-céus junto aos edifícios originários
de fundação da cidade. Em 1939 foram aprovados os três primeiros projetos de “casas de
apartamentos” (Passos, 1998), significando para a cidade o início de uma nova etapa de
transição, passando do modelo de casa compacta unifamiliar para o apartamento como
forma corriqueira de alojamento; uma nova tradição na forma de viver, introduzida pela
cultura ‘moderna’.
Dentro desta nova etapa, o projeto do Conjunto JK marca um ponto culminante no
projeto moderno brasileiro; não teve em Belo Horizonte -e tal vez no Brasil- projeto
habitacional mais ambicioso; pretendia ser, nas palavras do próprio governador Kubitschek,
“a ‘marca registrada’ de Belo Horizonte, ou seja, o que é a Torre Eiffel para Paris ou o
Rockefeller Center para Nova York” (Revista Arcaica, 1952). Inicialmente o projeto do
Conjunto JK considerava o alojamento de 1.450 unidades de apartamentos, um hotel, um
museu, um centro comercial, uma rodoviária, a instalação de uma repartição pública, entre
outros. Tratava-se praticamente de uma pequena cidade dentro da cidade. Se tivesse sido
finalizado nos anos cinquenta poderia ter alojado a 1% da população de todo Belo Horizonte
(Piminentel, 1989).
Posteriores atrasos e problemas fizeram com que a construção do conjunto se
estendesse até a década de oitenta. Além disso, substanciais modificações levaram a um
desvirtuamento do projeto original, fazendo deste um empreendimento que gerava pouco
orgulho. Após a sua finalização, se procurava mais esconder do que mostrar. Tanto o
arquiteto Niemeyer como o promotor Kubitschek procuram evadir o tema de forma insistente
(Teixeira, 1999).
Ainda assim, um ponto indiscutível é que o Conjunto JK não pode ser ignorado: “um
aspecto simples e inexorável é, entretanto, o que maior espanto provoca desde a sua
construção: o fato de que ele está lá” (Morais, 2013). É uma enorme massa edificada dentro
da cidade; dificilmente pode passar despercebida.
Desde o ponto do projeto arquitetônico e a sua época, caberia hoje ser objeto de
uma re-observação, sendo que ali podem encontrar-se muitos pontos chave para entender o
que significava ser ‘moderno’ nos cinquentas.
Cabe aqui lembrar a profunda mudança que acontece na estrutura doméstica com a
introdução de novos modelos de comportamento, considerados ‘modernos’, fenômeno que
se estende além da casa tradicional brasileira, pois impacta também em diversos modelos
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tradicionais de diversos países. Mudanças no sistema de intimidade, que antes era de tipo
familiar-patriarcal, evidenciado na configuração típica dos dormitórios agrupados e/ou
enfileirados, numa sequência de portas que abrem entre si. No modelo ‘moderno’ o
dormitório é um espaço individual, onde a vida íntima encontra-se resguardada, evidenciado
na planta com a previsão de apenas uma porta para cada dormitório; modelo que se
implanta regularmente nas formas corriqueiras posteriores ao Movimento Moderno (Pérez-
Duarte, 2003).
Lara (Lara, 2001) observa este fato com “surpresa”, e a descreve como uma “falta de
privacidade”, detectando certa inércia nos layouts de algumas casas de Belo Horizonte
ainda nos cinquenta, as quais pretendiam ser ‘modernas’ desde o exterior, na fachada,
constrastando com um interior conservador:
“A insistente ocorrência de o quarto principal estar conectado diretamente à sala de estar surpreendeu-me, para este tipo de layout que parece ser uma reminiscência da casa de fazenda do século 18 [...] um regime em que o quarto do pai seria muito próximo da entrada principal a fim de controlar seus filhos, e mais enfaticamente, suas filhas [...]
Na maioria das casas, emerge uma faceta impactante: a falta de privacidade nos interiores das casas, com a maioria dos quartos abrindo para a sala de estar ou sala de jantar [...] a classe média da década de 1950 queria privacidade da família, mas não privacidade moderna individual” [pag. 106-110]
1
A iconografia moderna é assumida de forma rápida e contundente, mas o
comportamento nem tanto. O efeito também pode ser observado nos apartamentos
‘modernos’ do Rio de Janeiro onde podem ser detectados esforços para isolar o espaço
íntimo individual: “a privacidade torna-se uma exigência, impondo a criação dos corredores
internos, evitando a passagem através de um cômodo para alcançar outro” (Fressler Vaz,
2002).
Sendo assim, revisando os modelos de células de habitação para o Conjunto JK,
aparece como uma interessante potente proposta o fato de dividir o interior doméstico em
diferentes níveis, como o “semi-duplex”, uma astuta estratégia para aumentar o grau de
privacidade, conseguindo delimitar territórios coletivo, semi-público e íntimo.
Propõe-se assim dentro deste artigo, rever o projeto original do Conjunto JK focado
ao interior doméstico, mas entendendo-o não só desde uma perspectiva do saber
1 “The insistent occurrence of the master bedroom connected directly to the living room surprised me,
for this kind of layout seems to be a reminiscent of the 18th century farm house […] this arrangement in which the parent’s bedroom would be very close to the main entrance in order to control their sons, and more emphatically, their daughters” […] “In most of the houses, a striking facet emerges: the lack of privacy in the interiors of the houses with most rooms opening to the living room or the dining room […] the middle class of the 1950’s wanted family privacy, but not individual privacy” [Lara, 2001, pág. 106-110] [a tradução do original em ingles e nossa]
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especializado da arquitetura, sendo que a noção do ‘moderno’ nesta década se encontra já
dentro do imaginário coletivo. A potência da proposta inovadora do semi-duplex, com seus
singulares dispositivos –introdução de escada privativa no interior, a previsão de varandas
de dupla camada, etc.- só pode ser entendida dentro do contexto popularizado da ideia do
‘moderno’. Preocupações cotidianas, como a de uma “vida sadia moderna”, com suficiente
exposição de sol e ar, mas garantindo vistas sobre o exterior através de “janelas-quadro”,
aparentam ter uma resposta no semi-duplex.
Sendo assim, em paralelo à consulta do projeto do Conjunto JK, foram feitas
consultas com publicações circulantes da época, em particular na revista Casas e Jardim.
Presente em diversas partes do Brasil, a revista era impressa no estado de São Paulo de
forma mensal ou bimestral, de forma contínua, registrando 50.000 de exemplares no início
dos anos cinquentas e atingindo 85.000 no final da década, sendo distribuída de forma
corriqueira em Belo Horizonte.
A estrutura do escrito está composta de quatro apartados. No primeiro apartado “1-
O projeto do Conjunto JK e o modelo do semi-duplex” descreve-se o projeto original do
Conjunto JK focado na parte habitacional. No segundo apartado “2- Os meios níveis e
amplitude visual no interior doméstico” procura-se entender os efeitos visuais e a imagem de
um interior configurado mediante esta técnica, sendo a continuidade visual entendida como
próprio do ‘moderno’ desde o olhar popular. O terceiro apartado “3- Varanda, terraço coberto
ou jardim de inverno? ” procura abrir a discussão sobre a curiosa proposta de incorporar
duas varandas, aparentemente para oferecer melhor controle término. No último apartado
“4- A ventilação do interior doméstico e a vida moderna sadia” aborda o tema do significado
de um interior doméstico desta conspícua organização desde a perspectiva popular.
1- O projeto do Conjunto JK e o modelo do semi-duplex
Um dos pontos remarcáveis do projeto original do Conjunto JK, e onde aparece um
dos pontos mais propositivos, é precisamente na parte habitacional, que era servida por um
conjunto de equipamentos complementares; desde lavado de roupa, restaurante, até
subministro de almoços, aproximando-se a um modelo hoteleiro.
Dentro dos apartamentos, diferentes configurações internas mostravam
organizações também inovadoras, e dentre estas, o “semi-duplex”2 o mais original.
2 A palavra “semi-duplex”, acunhada por Niemeyer e Lucio Costa desde finais dos quarentas, e
posteriormente importada ao francês [Pérez-Duarte, 2014], prometia ser um modelo evoluído do
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Longe de ser apenas uma experiência pontual para o projeto do Conjunto JK, a
organização do semi-duplex se insere dentro de uma linha de trabalho prévio do próprio
Niemeyer -e também de outros arquitetos-, no qual o projeto habitacional era desenvolvido a
partir de um estudo da célula habitacional vista em planta é em paralelo, em corte; utilizando
um ‘planejamento em seção’3 criando organizações com plantas alternadas. Estas formas
projetuais estavam sendo exploradas desde o século XIX, mostrando diversas vantagens,
como redução das áreas de circulação coletivas e melhoras em termos de habitabilidade e
de privacidade (Pérez-Duarte, 2012). Porém, o semi-duplex aponta a melhoras de
habitabilidade diferente.
Para entender a proposta do semi-duplex, cabe rever as pranchas de 1954
aprovadas na Prefeitura de Belo Horizonte para o projeto do Conjunto JK. Dentre essas, na
planta do bloco A aparecem dois tipos de organizações nos andares habitacionais. Do lado
direito, saindo do núcleo de elevadores que têm forma triangular, os apartamentos se
organizam dentro de uma serie repetitiva de paredes portantes regularmente distanciadas,
dentro das quais se resolvem cinco tipos diferentes, de um andar tradicional. Do lado
esquerdo do núcleo de elevadores situam-se os apartamentos semi-duplex, com uma
organização pouco comum que se percebe desde o corredor de circulação coletiva, pois
este aparece apenas a cada dois andares apenas –fig 1-. No caso do bloco B, de 36
andares, este tipo de organização e utilizado em todos os andares a partir do décimo
pavimento.
A evidente vantagem de redução de áreas de circulação coletiva não era apenas a
única desta atípica forma organizativa. Este era considerado secundário frente a outras
qualidades. Niemeyer nunca chegou a comentar diretamente o efeito da economia de
superfície.
duplex tradicional, um “interessante apartamento [sic], o chamado semi-duplex, que dá para as duas fachadas do edifício, sem os inconvenientes do tipo duplex [convencional]” [Folder publicitário do Conjunto JK, sem data]. 3 Título do artigo de Wells Coates aparecido na Architectural Review 1937 que denota interesse
moderno por esta técnica. Devido a sua eloquência será utilizada neste escrito para denotar a técnica.
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Fig.1. Plantas do bloco A do Conjunto JK, aprovadas na Prefeitura em 1954. Superior: Andares pares de acesso aos apartamentos semi-duplex com a circulação coletiva.
Inferior: Andares impares, do lado esquerdo ao núcleo triangular dos elevadores, o apartamento semi-duplex só é atingido através das escadas privativas dentro do apartamento.
Fonte: Arquivo Público da Cidade –Belo Horizonte
Evidências deste entendimento diferente deste este tipo de organização aparece na
planta de detalhamento do apartamento –fig. 2-, ocupando as semi-abertas uma parte
importante da superfície, diferenciadas na própria prancha com uma hachura, e com a
inscrição da palavra “varanda”. O modelo previa, originalmente, duas em cada lado das
fachadas do bloco laminar.
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Fig. 2. Apartamentos tipo A (semi-duplex), B e C aprovados. Fonte: Arquivo Público da Cidade –Belo Horizonte
O tema do semi-duplex ganhou destaque no folder publicitário do Conjunto JK
“merecendo uma explicação adicional” –fig. 3- com um desenho em seção onde as
varandas aparecem delimitadas com um pequeno traço, onde uma figura humana e um
cone de visão explicam a ampla visibilidade para o exterior.
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Fig.3. Folder publicitário do Conjunto JK. Explicação do semi-duplex e suas particularidades. Fonte: Folder publicitário do Conjunto JK, sem data. Isométrico publicado também em
Arquitetura e Engenharia, n°.28, 1953.
A ideia e o próprio termo do semi-duplex estavam já presentes desde anos
anteriores, não só no trabalho do Niemeyer: tratava-se de uma cultura projetual atrelada à
noção de habitação moderna. Evidência do anterior é o projeto contemporâneo de Lúcio
Costa de uma célula similar semi-duplex de três andares, publicado aproximadamente nas
mesmas datas -fig 4-, que apresenta pequenas diferencias com o semi-duplex do Conjunto
JK.
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Fig.4. Modelo de semi-duplex de Lúcio Costa no Immeubles a Apartement a Rio de Janeiro. Fonte: L’Architecture d’Aujourd’hui, ago. 1952.
Outro indício de que o semi-duplex encontrava-se na cultura projetual da época é
outra publicação de um exercício desenvolvido por alunos dentro da Universidade de São
Paulo –fig.5-. Nas conclusões do exercício observa-se uma tentativa de reconhecimento de
três geometrias diferentes: simplex, duplex -com duas geometrias diferentes-, e semi-
duplex, que é o único que aparece com o deslocamento da laje ou, utilizando o termo destas
décadas em inglês, em split-level.
Fig.5. Conjunto Habitacional, estudo acadêmico feito com alunos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Do lado esquerdo os nomes das diferentes geometrias com as suas
respectivas vantagens e desvantagens. Fonte: Habitat, 1954.
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Não pode deixar de se mencionar aqui, por outro lado, o trabalho de Eduardo
Kneese de Mello, quem no mostra um esforço contínuo por encontrar soluções estudando
as seções. Seus desenhos denotam, de forma similar ao Niemeyer, o uso do planejamento
em seção como premissa de projeto.
Fig.6. Croqui de estudo do E. Kneese de Mello para o projeto Conjunto Residencial Jardim Ana Rosa. A vontade de utilizar a técnica do planejamento em seção é evidente.
Fonte: Acrópole, 1953, nº. 182.
O trabalho contínuo do próprio Niemeyer desde os dez anos anteriores ao Conjunto
JK demonstra a incidência no uso desta técnica: uma forma básica em mezanino foi
colocada em prática no Grande Hotel de Ouro Preto (1938) e de forma similar no projeto
para o projeto do Hotel Regente (Rio de Janeiro, 1943, não construído). Mas a partir do
projeto do Hotel Quitandinha (Petrópolis,1950, não construído, também identificado como
Edifício Mauá) pode-se observar maior complexidade, utilizando uma organização que vai
chamar de semi-duplex. A solução com andares alternados na proposta para a exposição da
Interbau (1957, Berlim) denota a insistência no uso desta técnica de projeto (Rossi, Souza e
Pérez-Duarte, 2014).
Sendo assim, dentro da sequência de projetos com planejamento em seção de
Niemeyer, a proposta para o Hotel Quitandinha representa uma inflexão se considerarmos a
complexidade geométrica. O problema do projeto estava relacionado com as vistas e a
exposição solar. Experiências anteriores, como do Grande Hotel de Ouro Preto, tinham já
demonstrado um bom desempenho para este tipo de problemas, sendo o semi-duplex a
solução encontrada -fig. 7 e 8.
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Fig.7. Croqui do semi-duplex de Niemeyer para o projeto do Hotel Quitandinha (não construído), explicando as vantagens da exposição solar. A vontade de evitar soluções com uso de
geometrias em um só nível é evidente. Fonte: Arquitetura e Engenharia, n° 28, 1953.
Fig.8. Isométrico da proposta do semi-duplex do Hotel Quitandinha. Abaixo a planta e isométrico do apartamento inferior, de apenas um andar.
Fonte: Papadaki, 1950
A varanda era o espaço mais explorado do projeto, gerando uma integração do
interior com a paisagem, conforme se aprecia nas perspectivas –fig. 9-. Mas a varanda era
também uma resposta funcional as preocupações térmicas, conforme revelam as
venezianas da parte superior sobre as cortinas, que será explicado com detalhe mais na
frente.
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Fig. 9. Projeto para o Hotel Quitandinha. Vista da sala de estar do semi-duplex. Observe-se a previsão de venezianas na parte superior e debaixo destas, umas cortinas; um astuto
dispositivo para controle térmico. Na proposta inicial do Conjunto JK se incorporava este dispositivo também.
Fonte: Revista Arquitetura e Engenharia, 1951.
O significado da estrutura espacial interna do semi-duplex
O semi-duplex deve ser contextualizada junto a cultura doméstica popular da época,
fora dos discursos especializados em arquitetura de revistas como Habitat ou Arquitetura e
Engenharia. A revista Casa e Jardim, orientada a um público mais neófito, oferece uma
fonte para observar este entendimento popularizado, onde o interior doméstico organizado
em meios níveis -assimilável ao semi-duplex- vai ser designado de layout em ‘semiplanos’. 4
2- Os ‘semiplanos’ e amplitude visual do interior doméstico.
Conforme é sabido, as vistas, a paisagem, o olhar adquire um significado
preponderante na cultura moderna. A atenção ao que pode verse e ser visto é um hábito
projetual. Na revista Casa e Jardim aparecem indícios que apontam neste mesmo sentido,
sendo as aberturas chamadas de ‘janelas quadro’. Um comentário da época resulta
revelador:
“... no transcorrer dêste [sic] século, as janelas foram aumentando de tamanho, até que paredes inteiras de vidro deram às casas um aconchego especial e a sensação
4 O termo é equivalente ao das revistas americanas “Split-Level Houses”, que nestas datas mostram
já o modelo split popularizado.
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de se estar dentro de um jardim, diante de uma bela paisagem campestre, da majestade de uma serrania ou dentro de um bosque encantado; nos arranha-céus das grandes metrópoles a paisagem é outra, mas a sensação de desafôgo é a mesma. São estas chamadas janelas-quadros, pois emolduram uma cena viva, de campo ou de cidade, que se transforma a se renova com as estações e as variações do clima” (Casa e Jardim, n°13, março-abril, 1955, p.36).
Por outro lado, casas unifamiliares projetadas em ‘semi planos’ eram admiradas
devido aos efeitos visuais num continuum espacial. Uma publicação de 1955 evidencia este
efeito sobre o qual se aponta que “a escada, ao descer dos dormitórios, participa do arranjo
da sala de estar, [...] os três semiplanos da casa são ligados sem necessidade de
corredores” (Casa e jardim, n°18, 1955, p.15). Nas imagens que acompanham o texto os
espaços estão interpenetrados, unindo visualmente todos os pontos da casa. Nas
fotografias se observa guarda-corpo do mezanino em vido, o que mantendo a
interconectividade dos olhares.
Um segundo modelo de casa unifamiliar em ‘semiplanos’ aparece publicado com
uma seção longitudinal. Curiosos linhas e traços entrecruzam o desenho de lado a lado –ver
fig. 10-. A explicação implícita: trata-se de evidenciar a grande vantagem do controle visual
sobre todo o interior da casa. Numa observação cuidadosa da seção se aprecia também
como as linhas das visadas se estendem para o exterior, traspassado o vidro da fachada. O
texto esclarece que “pela observação do corte e das perspectivas internas, o leitor poderá
verificar que a pessoa situada na sala de jantar descortina perfeita visibilidade para a rua
através das vidraças superiores do caixilho do living, bem como do corredor de habitação e
do jardim íntimo. ” (Casa e Jardim, 1957, p.8)
Fig. 10. Seção do projeto de uma casa unifamiliar com ‘semiplanos’. Vista da sala de jantar para o living –observasse os caixilhos sobre a janela do living, através dos quais pode manter-se o
contato visual, conforme se indica na seção, com a rua. Fonte: Revista Casa e Jardim, 1957
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Dentro de um concurso de arquitetura, um terceiro modelo de casa em ‘semiplanos’,
publicado na mesma revista, tinha “agradado ao júri a solução em diversos níveis, em
harmonia com a natureza, e o prolongamento do espaço externo por meio da varanda
coberta” (Casa e Jardim, n°41, 1958, p.23).
Por outro lado, dentro destes layouts em ‘semiplanos’, as escadas internas são
apreciadas devido a que auxiliam para a delimitação das fronteiras de zonas desiguais. A
inserção de alguns degraus é comentada numa publicação:
“...pelo exame da planta, podemos logo observar a divisão desta residência em dois núcleos distintos: o de vida social e o íntimo. Sala de estar, varanda coberta e sala de jantar, com seu complemento natural, a cozinha, compõem o primeiro, enquanto que o outro, situado mais atrás, inclui quartos e banheiros para proprietários e hóspedes de um lado e de outro, quartos e banheiro para empregadas” (Casa e Jardim, n° 11, 1954, p. 13).
Note-se no desenho que acompanhava o texto a ‘varanda caseira’ -fig. 11-, que
exerce o papel de núcleo da agrupação da área íntima, oposta a ‘varanda coberta’, que
pertence e agrupa as atividades próprias da área mais públicas. A escada esclarece os
territórios em termos sociais.
Fig. 11. Casa em ‘semiplanos’. Duas varandas agrupam, por uma lado, a vida familiar na “varanda caseira”, oposta a “varanda coberta”, que acolhe atividades da área pública da casa, na
imagem à esquerda. Fonte: Revista Casa e Jardim, 1954.
Paralelismos podem ser encontrados no semi-duplex com a previsão de das duas
varandas, que parecem recrear o que o imaginário popular entendia como ‘interior moderno’.
No isométrico da célula que se publicou no folder publicitário da época -fig. 4- o texto
esclarecia que “coloca o quarto a três metros do piso das salas [...] E seu interior, o quarto e
sala são também mais independentes”. Mas ainda era mais importante o fato de poder
dispor de duas varandas, pois permite organizar o espaço ‘em semiplanos’ separando as
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atividades em dois núcleos íntimo/público, porém mantendo contato entre eles mediante as
linhas visuais.
3- Varanda, “terraço coberto” ou “jardim de inverno”?
As varandas, também identificadas como ‘terraços a coberto’, eram frequentes e se
espalhavam nos modelos habitacionais modernos: “olhando para os luxuosos apartamentos
e residências, encontramos cada vez com maior freqüência terraços – sejam êles abertos ou
fechados – como que dominando as construções por completo”. (Casa e Jardim, n°22, 1956,
p.25).
Além de manter uma função iconográfica, as varandas promoviam uma vida
saudável, pois “a ciência moderna demonstrou que é justamente disso que o organismo
necessita para conservar-se [...] Onde mais, então, podem eles [os moradores] captar um
raio de sol ou um sôrvo de ar fresco, se não nos seus terraços arejados e soalheiros, que
não só servem de recanto sadio como também propiciam a ventilação a todo o domicílio?
Nos últimos tempos, o terraço coberto se foi tornando ainda mais popular do que o aberto,
pois, sendo impassível às intempéries, é de maior serventia.” (Casa e Jardim, n°22, 1956,
p.26).
Diferente do alpendre, espaço tradicional do século XIX que poderia ser colocado
como antecedente, e onde regularmente constitua um espaço bem delimitado; a versão
‘moderna’ da varanda procurava formar parte do interior numa continuidade, e devia
“modelar-se, com o mesmo cuidado e capricho, tanto o exterior como o interior de uma
construção, interrompendo sua superfície [sic] com pequenos ou grandes terraços” (Casa e
Jardim, n°22, 1956, p.25).
A experiência anterior de Niemeyer com este tipo de espaços, como o da Casa de
Campo JK na Pampulha (1943) mostra experimentações que apontam a exploração destes.
Na Casa JK, antes de entrar no interior, se entrava num espaço envidraçado por ambos os
lados. Na planta do projeto original aparecem marcados dois acessos a este desde o
exterior - fig. 12-, sinalados com dois pequenos traços no desenho. A configuração se
aproxima ao de uma antecâmara; é um espaço intermediário entre o âmbito exterior e o
doméstico. Mas deve apontar-se outra função provável deste relacionado com o controle
térmico, sendo que dita antecâmara-varada evita a entrada direta de vento dentro da casa,
criando um colchão fresco entre o interior e exterior, semelhante a um jardim d´hiver.
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A configuração assemelha-se a varanda do semi-duplex, sendo delimitada por duas
membranas de vidro e/ou cortinas, conforme a perspectiva do Hotel Quitandinha -fig. 9. O
funcionamento deste como regulador térmico será comentado mais na frente.
Fig. 12. Planta da Casa de campo JK. Observe-se o rompimento da continuidade do acesso desde o exterior, feito por duas portas laterais; depois de ultrapassar o espaço “varanda” é feita a
entrada a casa desde o centro; constitui uma antecâmara, um espaço filtrante. Fonte: Malard / Weintraub, 2012.
O que deve observar-se aqui é o interesse da época por este tipo de espaços. A
varanda do semi-duplex na sala de estar era um generoso espaço de aproximadamente um
metro e meio de largura. Mas o desenho denota mais do que isso. No isométrico –fig. 3- a
parte inferior do guarda-corpo estava conformado por vidro. O mobiliário na varanda e de
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duas almofadas sobre o piso. Alguém sentado ali, no chão, ou deitado, podia manter vista
agradável sobre o exterior.
O semi-duplex convida, desde a própria configuração e mobiliário, a um
comportamento que pode ser identificado com ‘modernos’: é um espaço informal,
confortável, descontraído, que evoca a naturalidade, e que lembra a cultura das casas
contemporâneas a estas datas, de R. Neutra ou dos Eames. Nelas, improvisar uma reunião
no chão formava parte da imagem doméstica. Algumas destas imagens eram difundidas
através de revistas como Arts & Architecture, promovendo comportamentos modernos, o
que poderia explicar esta configuração conspícua das varandas em termos de iconografia.
Em todo caso, a varanda no semi-duplex é um espaço de permanência que improvisa e
promove a cultura ‘moderna’.
4- A ventilação do interior doméstico e a vida moderna sadia.
A presença de venezianas e a função da varanda do semi-duplex pode ser entendida
através de projetos antecedentes tanto do mesmo Niemeyer como de Lucio Costa, que
experimentaram com conspícuas configurações, potenciadas desde um animo de hibridação
da arquitetura moderna e vernácula.
Nos apartamentos do projeto para o Parque Guinle (1948 e 1954), Lucio Costa
previa uma curiosa configuração de varandas: tratava-se de, em palavra de Cohelho (2007),
um “sistema de proteção formado por varandas –ou loggias- protegidas por elementos
variados, como brises, cobogós e treliças [...] uma membrana de proteção contra a
incidência de raios solares, permitindo ainda a conexão visual entre os compartimentos
internos e o exterior”, sendo que “essas loggias configuram-se como varandas íntimas, e as
persianas tem a função de proteçação contra a insolação quanto de anteparo, impedindo
que os quartos fiquem devassados”. Visadas francas para o exterior eram possíveis através
de janelas recortadas sobre os cobogós. A varanda gerava um agradável espaço, com uma
luz controlada e filtrada, mas que também auxiliava na regulação térmica do apartamento.
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Fig. 13. Parque Guinle. Os espaços intersticiais, como são as varandas, aparecem delimitados por duas membranas: cobogós por um lado, e esquadria de vidro.
Fonte: archdaily.com.br
A configuração dos apartamentos com mezaninos do Grande Hotel de Outro Preto
(1938) mostra similitudes. Na fachada principal do hotel foi prevista uma treliça de madeira
ou muxarabi, que além de auxiliar na contextualização com o entorno histórico da cidade,
permitia ao mesmo tempo ventilação franca e protegia o sol da tarde. A varanda estava
delimitada com respeito ao interior mediante uma esquadria de portas de vidro de correr,
recuadas aproximadamente um metro e meio da linha da fachada. Uma singular
configuração lembra aqui ao semi-duplex. Na parte superior das portas de correr aparecem
previstas venezianas de madeira. A presença destas só pode ser entendida sobre a base de
uma procura do controle térmico: a organização do quarto em mezanino permitia abrir
simultaneamente janelas a cada lado do bloco laminar, garantindo assim uma ventilação
cruzada. Mesmo com a porta de correr da varanda fechada, o interior fresco do apartamento
estava garantido de forma contínua –fig. 13.
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Fig. 13. Quarto tipo mezanino do Grande Hotel de Outro Preto (1938), de Niemeyer. Desde o croqui se observa a previsão das venezianas, que permitem ventilar de forma continua o interior do
quarto. Fonte: fotografias de autoria própria. Croqui de Niemeyer: Papadaki, 1950.
O projeto do Hotel Quitandinha resulta esclarecedor referente a configuração do
semi-duplex, estando relacionado com preocupações da exposição solar e vistas:
“Para que os múltiplos apartamentos sejam beneficiados pela indispensável insolação, a conformação do edifício Mauá não é somente uma consequência das condições locais, é mais do que isso, é um esforço para integrá-lo na paisagem circundante. É também uma luta pelo sol. O traçado previsto permite um aproveitamento máximo, tendo sido abandonado o tipo usual do apartamento de duas peças com galeria central e adotado o semi-duplex, dando para duas fachadas. Esse tipo de apartamento receberá insolação matutina e vespertina com aproveitamento total da paisagem” (Arquitetura e Engenharia, 1951)
Cabe novamente lembrar aqui a importância que dava a cultura desse momento com
respeito à exposição solar, sendo este sinônimo de vida sadia moderna. Testemunha deste
entendimento aparece na revista Casa e Jardim:
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“O que significa atualmente ‘modernizar uma casa’? Significa tirar a ela a aparência sombria que apresenta, introduzindo janelas espaçosas, e terraços abertos; remover paredes para ganhar mais espaço e descortinar sua frente para o jardim (...).Modernizar é, enfim, permitir a entrada de luz e ar em abundância.” (Casa e Jardim, n°16, 1955, p.21)
A entrada de luz, porém, não pode ficar sem controle, sendo as venezianas uma
forma de resolver, mas que “para evitar os raios solares e respingos de água, torna-se
necessário inclinar as persianas para cima. Entretanto, no caso do ar, devemos dirigi-las
para baixo. É natural que não podem ser inclinadas para cima e para baixo ao mesmo
tempo, mas, pelo menos á tarde ou á noite, quando mais precisamos de ventilação, o sol
não impede que se as virem contra o soalho” (Casa e Jardim, n°13, 1955, p.17).
Assunto aparentemente recorrente na época, a preocupação com a ventilação
natural aparece resolvido de forma singular com o dispositivo varanda/semi-duplex. Um
croqui da seção da varanda para o projeto do Hotel Quitandinha confirma este
funcionamento -fig. 8-. Uma dupla membrana delimita este espaço, por um lado o conjunto
de venezianas com cortina, e por outro lado a esquadria com vidro. Na parte superior da
esquadria estava prevista uma janela basculante. Uma setinha não deixa lugar a dúvidas: a
configuração permitia a entrada continua de ar através das venezianas, lembrando que, no
outro extremo do semi-duplex uma segunda varanda, meio andar acima na zona do
dormitório, permitia abrir janela sobre a fachada posterior do bloco laminar, gerando a
ventilação cruzada.
A conexão entre varanda e modernidade não era arbitrária; a insistência que o folder
publicitário do Conjunto JK fazia sobre a existência de duas varandas dentro de um semi-
duplex tem uma explicação: os dois formavam uma astuta estratégia de controle térmico do
apartamento, que promovia iconografia, comportamentos e vida sadia moderna.
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Fig. 15. Projeto para o Hotel Quitandinha Fonte: Papadaki, 1950.
Conclusão
Estratégias similares de arquitetos do Movimento Moderno como Niemeyer ou Lúcio
Costa, parecem apontar numa mesma direção dentro do pensamento moderno brasileiro.
Diferente da problemática climática de países nórdicos o clima do Brasil foi um dos
elementos explorados para abrir uma divergência com o Movimento Moderno ortodoxo
Europeu. Experiências como o dispositivo de varandas de duas membranas e o semi-duplex
ou mezanino geraram configurações originais, inexistentes dentro de outras vertentes do
modernismo em outros países, e que pareciam resolver de forma convincente o problema
local climático: os espaços intersticiais interior/exterior, como a varanda -conta com uma
importante tradição na arquitetura brasileira- permitindo um controle térmico do interior, de
forma passiva.
A revista Casa e Jardim confirma que estas preocupações se encontravam
entendidas no cotidiano da época. A noção de uma ‘vida moderna’ estava enquadrada
dentro de um espaço intermediário entre o interior e exterior, semi-aberto, que permitia
manter vistas sobre a paisagem, mas que ao mesmo tempo permitia a recepção dos
benéficos raios solares dentro de um conforto térmico.
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Bibliografia.
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“Janelas que são Molduras”, Casa e Jardim, número 13, 1955.
“Divisórias Transparentes”, Casa e Jardim, número 16, 1955.
“3 meios planos = 2 andares”, Casa e jardim, número 18, 1955.
“Terraços”, Casa e Jardim, número 22, 1956.
“More bem na casa feita para você”, Casa e Jardim, número 36, 1957.
“Residência em três níveis”, Casa e Jardim, número 41, 1958.
“Condomínio Hoteleiro Quitandinha”, Arquitetura e Engenharia, 1951.
“Conjunto Governador Kubitschek”, Arquitetura e Engenharia, número 28, 1953.
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Consulta arquivos.
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Horizonte.