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8/10/2019 A cultura do trabalho em Jaragu do Sul: Um estudo sobre as trabalhadoras da indstria txtil-vestuarista
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A CULTURA DO TRABALHO
EM JARAGU DO SUL:
Melissa Coimbra
UM ESTUDO SOBRE AS TRABALHADORAS DA
INDSTRIA TXTIL-VESTUARISTA
8/10/2019 A cultura do trabalho em Jaragu do Sul: Um estudo sobre as trabalhadoras da indstria txtil-vestuarista
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melissa coimbra
a cultura do trabalhoemjaragu do sul
um estudo sobre as trabalhadorasda indstria txtil-vestuarista
UFSC
Florianpolis
2014
8/10/2019 A cultura do trabalho em Jaragu do Sul: Um estudo sobre as trabalhadoras da indstria txtil-vestuarista
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C679c Coimbra, Melissa
A cultura do trabalho em Jaragu do Sul: um
estudo sobre as trabalhadoras da indstria
txtil-vestuarista / Melissa Coimbra.
Florianpolis : Editoria Em Debate/UFSC, 2014.
232 p. : il., graf., tabs., mapas.
Inclui bibliografa.
ISBN: 978-85-68267-06-6
1. Indstria txtil Jaragu do Sul. 2. Jaragu
do Sul Histria. 3. Trabalho Aspectos sociais.
4. Mulheres Trabalho. I. Coimbra, Melissa.
II. Ttulo.
CDU: 316.334.23 (816.401.06)
Copyright 2014 Melissa Coimbra
Capa
Tiago Roberto da Silva
Foto da capa
http://nevsepic.com.ua
Edio e editorao eletrnica
Carmen Garcez
Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria
da
Universidade Federal de Santa Catarina
Todos os direitos reservados a
Editoria Em Debate
Campus Universitrio da UFSC Trindade
Centro de Filosofa e Cincias Humanas
Bloco anexo, sala 301
Telefone: (48) 3338-8357
Florianpolis SC
www.editoriaemdebate.ufsc.br
www.lastro.ufsc.br
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agradecimentos
Agradeo Capes pela bolsa concedida durante o mestrado,sendo que esse recurso foi fundamental para a concluso deminha pesquisa; ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia
Poltica, pela ateno dedicada a esta pesquisa e pelos recursos
nanceiros concedidos para a participao em congressos.
Sou grata profa Maria Soledad, pelas suas orientaessempre oportunas e pelos incentivos acadmicos, essenciais ao
meu crescimento como Cientista Social e como cidad. Aos(s)
professores(as) do Programa de Ps-Graduao em Sociologia Po-
ltica, que contriburam para a minha formao acadmica, e em
especial aos professores Jacques Mick e Ricardo Gaspar Mller,
que participaram da banca de qualicao, com suas sugestes in-
dispensveis a este trabalho.
Meus agradecimentos s(os) integrantes do NUSMER, que
colaboraram de alguma forma para o meu crescimento acadmico:
profaMrcia Mazon, Gabriel, Maria Alejandra e, especialmente,
querida colega Caroline Jacques, sempre disposta a debater a teo-
ria social e poltica.
Agradeo a todas as trabalhadoras do setor txtil-vestuarista que
me presentearam com suas histrias; e ao Sindicato dos Trabalhado-
res nas Indstrias do Vesturio de Jaragu do Sul e Regio o STIV,que contribuiu signicativamente, fornecendo dados e informaes
valiosas para esta pesquisa. Agradeo ao Instituto Federal de Jaragu
do Sul IFSC, pela especial ateno que obtive durante a pesquisa
de campo, inclusive concedendo transporte e fornecendo contatos de
prossionais que atuam na cadeia txtil-vestuarista da cidade. Agra-
deo aos(s) trabalhadores(as) do Museu Histrico Eugnio Victor
Schmckel e da Biblioteca Municipal de Jaragu do Sul, que sempre
foram atenciosos em fornecer dados, informaes e documentos ne-cessrios pesquisa.
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Especialmente, agradeo ao meu companheiro Eric Araujo
Dias Coimbra pelas suas sugestes e pelo sempre imenso incenti-
vo acadmico em minha trajetria prossional. Agradeo minhame, Gertrudes, pelo incentivo, amor e carinho, ao meu pai Ernani
Barcellos (in memoriam), ao meu irmo Marcelo Ernani Barcellos,ao Mrio Lcio Coimbra pela atenciosa reviso desta pesquisa e
querida Elizabeth Adorno Araujo Dias pelo sempre incentivo, ami-
zade e solidariedade.
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o ltimo discurso
Sinto muito, mas no pretendo ser umimperador. No esse o meu ofcio.
No pretendo governar ou conquistarquem quer que seja. Gostaria deajudar se possvel judeus, o
gentio... negros... brancos.
Todos ns desejamos ajudar uns aosoutros. Os seres humanos so assim.
Desejamos viver para a felicidadedo prximo no para o seuinfortnio. Por que havemos de odiare desprezar uns aos outros? Nestemundo h espao para todos. A terra,que boa e rica, pode prover a todas
as nossas necessidades.O caminho da vida pode ser o daliberdade e da beleza, porm nosextraviamos. A cobia envenenoua alma dos homens... levantouno mundo as muralhas do dio...e tem-nos feito marchar a passode ganso para a misria e osmorticnios. Criamos a pocada velocidade, mas nos sentimosenclausurados dentro dela. Amquina, que produz abundncia,tem-nos deixado em penria. Nossosconhecimentos zeram-nos cticos;
nossa inteligncia, empedernidose cruis. Pensamos em demasiae sentimos bem pouco. Mais do
que de mquinas, precisamosde humanidade. Mais do que de
inteligncia, precisamos de afeioe doura. Sem essas virtudes, a vida
ser de violncia e tudo ser perdido.
A aviao e o rdio aproximaram-nos muito mais. A prpria naturezadessas coisas um apelo eloquente bondade do homem... um apelo fraternidade universal... uniode todos ns. Neste mesmo instantea minha voz chega a milhares de
pessoas pelo mundo afora... milhesde desesperados, homens, mulheres,criancinhas... vtimas de um sistemaque tortura seres humanos e
encarcera inocentes.Aos que me podem ouvir eu digo:No desespereis! A desgraa quetem cado sobre ns no mais doque o produto da cobia em agonia...da amargura de homens que tememo avano do progresso humano. Oshomens que odeiam desaparecero,os ditadores sucumbem e o poder quedo povo arrebataram h de retornarao povo.
E assim, enquanto morrem homens, aliberdade nunca perecer.
Soldados! No vos entregueis a essesbrutais... que vos desprezam... quevos escravizam... que arregimentam
as vossas vidas... que ditam os vossosatos, as vossas ideias e os vossos
(charles chaplin)
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sentimentos! Que vos fazem marcharno mesmo passo, que vos submetema uma alimentao regrada, que vostratam como gado humano e que vosutilizam como bucha de canho!
No sois mquina! Homens quesois! E com o amor da humanidadeem vossas almas! No odieis! Sodeiam os que no se fazem amar...os que no se fazem amar e osinumanos!
Soldados! No batalheis pelaescravido! Lutai pela liberdade!
No dcimo stimo captulo de SoLucas est escrito que o Reino deDeus est dentro do homem no deum s homem ou grupo de homens,mas dos homens todos! Est emvs! Vs, o povo, tendes o poder
o poder de criar mquinas. O poderde criar felicidade! Vs, o povo,tendes o poder de tornar esta vidalivre e bela... de faz-la uma aventuramaravilhosa. Portanto em nome dademocracia usemos desse poder,unamo-nos todos ns. Lutemos porum mundo novo... um mundo bomque a todos assegure o ensejo de
trabalho, que d futuro mocidade esegurana velhice.
pela promessa de tais coisas quedesalmados tm subido ao poder.
Mas, s misticam! No cumprem o
que prometem. Jamais o cumpriro!Os ditadores liberam-se, pormescravizam o povo. Lutemos agora
para libertar o mundo, abater asfronteiras nacionais, dar m
ganncia, ao dio e prepotncia.Lutemos por um mundo de razo,um mundo em que a cincia e o
progresso conduzam ventura detodos ns. Soldados, em nome dademocracia, unamo-nos!
Hannah, ests me ouvindo? Onde teencontrares, levanta os olhos! Vs,
Hannah? O sol vai rompendo asnuvens que se dispersam! Estamos
saindo da treva para a luz! Vamosentrando num mundo novo ummundo melhor, em que os homensestaro acima da cobia, do dioe da brutalidade. Ergue os olhos,
Hannah! A alma do homem ganhouasas e anal comea a voar. Voa para
o arco-ris, para a luz da esperana.
Ergue os olhos, Hannah!Ergue os olhos!
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trs apitos
Quando o apito da fbrica de tecidosVem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de vocMas voc andaSem dvida bem zangadaOu est interessada
Em ngir que no me vVoc que atende ao apitode uma chamin de barro
Porque no atende ao gritoTo aito
Da buzina do meu carroVoc no invernoSem meias vai pro trabalho
No faz f no agasalho
Nem no frio voc crMas voc mesmo artigoque no se imitaQuando a fbrica apita
Faz reclame de vocNos meus olhos voc lQue eu sofro cruelmenteCom cimes do gerente
Impertinente
Que d ordens a vocSou do sereno poeta muito soturnoVou virar guarda-noturno
E voc sabe porqueMas voc no sabeQue enquanto voc faz pano
Fao junto ao pianoEstes versos pra voc
(noel rosa)
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SUMRIO
. introduo.............................................................................
1.1 Metodologia................................................................................
1.2 Referenciais tericos: mundos do trabalho, gnero e
etnicidade atravs de trajetrias .................................................
. aspectos sociais, histricos e econmicos
de jaragu do sul.................................................................
2.1 Aspectos histricos de Jaragu do Sul.............................. .........
2.2 Histrico e mapeamento da imigrao e das etnias...................
2.3 As caractersticas da colnia e o papel da mulher .....................
2.4 Do sistema de colnia-venda industrializao........................
2.5 Histrico e aspectos gerais da Malwee.................................... ..
2.6 Histrico e aspectos gerais da Marisol ......................................
. o mundo do trabalho visto do
componente tnico..........................................................
3.1 A noo de cultura do trabalho ..................................................
3.2 A cultura do trabalho em Jaragu do Sul ...................................
3.3 Etnicidade e religio ...................................................................
3.4 A migrao das(os) trabalhadoras(es) do
Estado do Paran ......................................................................
. gnero e trabalho...........................................................
4.1 O perl das trabalhadoras entrevistadas..................................
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4.2 A sade das trabalhadoras ........................................................
4.3 As trajetrias laborais das trabalhadoras .................................
4.4 A rotina diria das trabalhadoras: a esfera domstica e a
indstria....................................................................................
4.5 A ausncia de benefcios sociais nas indstrias..................... ..
4.6 Diferentes vises geracionais de trabalhadoras .......................
4.7 O componente tnico nas indstrias:
as daqui e as de fora.... ......................................................
4.8 O que as trabalhadoras esperam de seu trabalho? ...................
4.9 As trabalhadoras e o seu tempo de lazer ..................................
. as transformaes do mundo do trabalho
e a reestruturao produtiva..................................
5.1 A reestruturao produtiva e as transformaes dos
modelos de gesto ....................................................................
5.2 Os impactos da reestruturao produtiva no polo
txtil-vestuarista de Jaragu do Sul .........................................
5.3 Caractersticas da indstria txtil-vestuarista: as etapas
do processo produtivo .............................................................
5.4 A exploso das faces em Jaragu do Sul:
o trabalho a domiclio .............................................................
5.5 O sindicato e as trabalhadoras ................................................
. consideraes finais......................................................
referncias.................................................................................
anexos............................................................................................
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1. Entrevista com empresria(o) do ramo txtil-vestuarista
de Jaragu do Sul Campo II Outubro de 2012 ....................
2. Entrevista com costureira de faco no registrada e que no
possui carteira assinada Jaragu do Sul
Dezembro de 2012 .....................................................................
3. Entrevista com costureira de faco, registrada em carteira
Dezembro de 2012 .....................................................................
4. Entrevista com trabalhadoras da Marisol e Malwee
Setembro a dezembro de 2012 ...................................................
5. Entrevista com o historiador, concedida em 14 de dezembro
de 2012. O mesmo roteiro foi aplicado ao professor do
Instituto Tcnico Federal de Jaragu do Sul ..............................
6. Entrevista com a vice-presidente e coordenadora do
departamento da mulher do Sindicato dos Trabalhadores
nas Indstrias do Vesturio de Jaragu do Sul e Regio (STIV),
em 13 de agosto de 2012 ............................................................
lista de grficos....................................................................
lista de tabelas.........................................................................
lista de fotos............................................................................
lista de ilustraes.............................................................
lista de mapas............................................................................
lista de siglas ...........................................................................
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introduo
Esta pesquisa se prope analisar as trajetrias laborais das traba-lhadoras da cadeia txtil-vestuarista de Jaragu do Sul, cidadesituada na regio Norte do Estado de Santa Catarina (sul do Brasil),
procurando construir uma interlocuo entre as dimenses de gnero,
trabalho e etnicidade.
Um marco signicativo nessas trajetrias remete aos impactos da
reestruturao produtiva sobre o contedo e as condies laborais das
trabalhadoras e requer que nos debrucemos sobre algumas das conse-
quncias desse processo. As mudanas da economia global, junto com
as reformas neoliberais que impactaram o mundo do trabalho, afetaram
de forma signicativa o setor txtil, que no intuito de se readequar as
condies de acirrada competitividade do mercado, imprimiu polticas
severas de reestruturao no mbito das relaes e condies de traba-
lho a partir da dcada de 1990. Procurando identicar como esse marco
estrutural penetra nas possibilidades e expectativas das trabalhadoras,
registramos seus testemunhos orais sobre a insero e condies labo-
rais no setor, julgando estimulante selecionar pers pessoais de forma
a garantir uma heterogeneidade desse grupo de trabalhadoras.
A regio de Jaragu do Sul apresentou, em sua trajetria de con-
solidao demogrca, fortes componentes migratrios e, entre estes,
houve uma presena signicativa de populao oriunda de pases eu-
ropeus (Alemanha, Itlia, Hungria e Polnia), cuja referncia constan-
temente aparece no imaginrio local como emblemas para a identi-
cao, sobretudo, em relao dimenso sociocultural que se expressa
atravs da cultura do trabalho. Cabe frisar que o lema grandeza pelo
trabalho encontra-se, inclusive, no centro da prpria bandeira da ci-dade e dessa forma evocado como marca de caracterizao cultural.
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Esses discursos que se criam em torno de emblemas de identida-
de tnica so, com frequncia, trazidos tona nas narrativas de traba-
lhadoras, de empresrios da regio e de algumas guras vinculadas aomundo laboral, na esteira de supostos atributos positivos inerentes ao
trabalho. Essa categoria tnica uma construo social que compare-
ce como estratgia de diferenciao e hierarquizao social em certas
circunstncias, onde poderia haver disputa de recursos. Seja no mbito
do trabalho ou na ocupao de certos espaos urbanos que crescem e
se transformam na esteira da consolidao de alguns bairros locais.
Isso se manifesta, por exemplo, diante da prpria chegada de novos
componentes migratrios, em dcadas relativamente recentes na his-tria da cidade.
Alm do uxo de migrantes europeus nas primeiras dcadas da
formao da cidade, Jaragu do Sul tambm recebeu um uxo migrat-
rio de trabalhadores(as) a partir dos anos 1970 perodo de desenvolvi-
mento econmico chamado milagre brasileiro1 oriundos de vrias
regies do pas, especialmente do Paran, para trabalhar nas fbricas.
Essa realidade se faz presente em diversos segmentos da indstria na
cidade: alm das indstrias da cadeia txtil-vestuarista, como a MalweeLtda. e a Marisol S.A., indstrias como a Weg Motores e indstrias
alimentcias tambm atraem mo de obra de outras regies do Brasil.
Como essa varivel tnica considerada no caso do nosso estudo,
como relevante para iluminar a compreenso das relaes de trabalho
1 Embora o perodo tenha sido chamado de milagre brasileiro e apresentado altos
ndices de crescimento econmico, ele foi acompanhado tambm de retrocessos so-
ciais tais como: a concentrao de terras; a expulso dos pobres da rea rural, devi-do modernizao da agricultura; o intenso xodo rural, a violncia praticada con-
tra a classe trabalhadora no campo e na cidade, alm da dvida externa brasileira que
aumentou paulatinamente durante o perodo. O golpe signicou um retrocesso para
o Pas. Os projetos de desenvolvimento implantados pelos governos militares leva-
ram ao aumento da desigualdade social. Suas polticas aumentaram a concentrao
de renda, conduzindo a imensa maioria da populao misria, intensicando a con-
centrao fundiria e promovendo o maior xodo rural da histria do Brasil. Sob a re-
trica da modernizao, os militares aumentaram os problemas polticos e econmi-
cos, e quando deixaram o poder em 1985, a situao brasileira estava extremamente
agravada pelo que fora chamado de milagre brasileiro. (Fernandes, 2000, p. 41).Ver Coimbra (2006).
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ligadas ao setor nessa cidade (e na regio), julgamos adequado apoiar-
-nos nas argumentaes da antroploga Giralda Seyferth, que fala so-
bre as caractersticas dos grupos tnicos que imigraram para o Brasil:
As identidades tnicas foram elaboradas dentro de uma pers-
pectiva etnocntrica de superioridade tnica. A comear
pelo ethosdo trabalho, presente em quase todos os gru-
pos, onde o pioneirismo ou a capacidade so argumentos
manipulados para contrastar os imigrantes com os bra-
sileiros. A obra da colonizao e a participao do imigrante
na industrializao do Brasil so as marcas diferenciadoras
mais frequentemente usadas para armar as identidades t-nicas. O trabalho concebido dessa maneira um dos sm-
bolos de identidade mais utilizados, pois contrasta, de um
lado, os imigrantes e seus descendentes, como aqueles que
vieram para designar o trabalho, e de outro os brasileiros,
denidos por oposio, como avessos ao trabalho, principal-
mente manual (Seyferth, 1990, p. 91, grifo nosso).
Na esteira dessa tica voltada ao trabalho, trata-se aqui de iden-
ticar como isso se criou e recriou na cidade. Inclusive procuramos
vericar se esse tom tnico apareceria como discurso de identicao
diferenciao entre as trabalhadoras, sobretudo aps as transformaes
econmico-estruturais no setor txtil-vestuarista a partir dos anos 1990.
Por outro lado, no eixo temtico que vincula trabalho e gnero,
que tambm constitui base fundamental para nossa anlise; verica-
mos que foram produzidas vrias pesquisas nas universidades brasilei-
ras, as quais, apesar das suas especicidades consideram esse recortede gnero como perspectiva indispensvel para pensar o mundo do
trabalho.2Diz-se, inclusive, que relaes sociais de sexo e diviso
sexual do trabalho so duas proposies indissociveis que formam
um sistema (Kergoat, 1996, p. 1).
Segundo Neves e Pedrosa (2007, p. 11), o processo de mudan-
2 Coimbra (2012), Jinkings (2002), Jinkings e Amorim (2006), Leite (2004), Leite
(2009), Lima (2009), Neves (2000), Pedrosa (2005), Calef (2008), Amorim (2003),Araujo (2001), Abreu (1993), entre outros(as).
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as que transformou o mundo do trabalho, a partir da reestruturao
produtiva reconguraram as relaes de gnero no trabalho. Obser-
vou-se nas pesquisas, que o trabalho exvel no processo produtivoacarretou na massiva terceirizao e subcontratao de mo de obra
feminina, demandadas pelas indstrias do segmento txtil-vestuarista
no Brasil, assim como o aumento do trabalho informal (a domiclio)
realizado, muitas vezes, por famlias inteiras. Com a poltica de aber-
tura econmica praticada pelo governo brasileiro nos anos de 1990 e a
consequente reestruturao produtiva, as indstrias do segmento txtil-
-vestuarista reconguraram as relaes internas do contedo e a forma
do trabalho, tornando barata a mo de obra feminina neste setor daeconomia, sobretudo em relao costura, a ltima etapa da produo.
Seguindo as perspectivas acima esboadas, elaboramos uma tra-
ma social que ser tratada luz dos estudos tericos sobre as transfor-
maes do mundo do trabalho, os estudos de etnicidade e tambm de
gnero. Na interseo dessas variveis, procuramos buscar respostas a
algumas das indagaes que nos desaavam, conforme segue.
Pressupondo que a identidade tnica uma construo social,
que se atualiza atravs das prticas e contedos no cotidiano das re-
laes, de que forma ela poderia estar comparecendo nos discursos
e prticas de identicao das trabalhadoras do setor? Haveria uma
cultura de trabalho especca com contedos supostamente herdados
dos imigrantes europeus? Em que medida essa identidade tnica re-
criada como forma de hierarquizao ou diferenciao social, como
um recurso de disputa de recursos? Dessa forma, at que ponto a cul-
tura do trabalho peculiar regio, seria uma ideologia criada e tida
como um pressuposto que assegura empregabilidade s trabalhadoras
de ascendncia europeia em detrimento das que vm de fora? Quais
seriam as representaes sobre a cultura do trabalho das trabalhadoras
migrantes de outros Estados do Brasil, em especial as paranaenses, ou
de trabalhadoras jaraguaenses que no so de ascendncia europeia,
por exemplo, as negras? Quais so as especicidades das trajetrias
laborais das trabalhadoras, considerando os componentes de gnero,
gerao, origem e ascendncia familiar? Esta ltima questo, pensada
diante do marco da migrao de trabalhadoras(es) de outros Estados
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brasileiros (sobretudo do Paran) e tambm mediante o processo de
reestruturao produtiva a partir dos anos de 1990, que afetou as in-
dstrias da cadeia txtil-vestuarista na regio.Partimos do pressuposto de que a etnicidade e as relaes de g-
nero se entrelaam com as histrias de vida das trabalhadoras, e ao
mesmo tempo, se recriam e se transformam no mbito da vida laboral
(macroestrutural) e microssocial. Com esse pano de fundo, formula-
mos as seguintes hipteses: 1) Existiria uma preferncia de compo-
nente tnico de perl laboral por parte das indstrias txteis-vestua-
ristas no momento da contratao das trabalhadoras, constituindo uma
espcie pacto tnico de empregabilidade, no obstante, atualmenteesta preferncia teria se rompido mediante os cenrios de mudanas
estruturais; 2) O discurso da grandeza pelo trabalho seria uma ide-
ologia difundida pela elite industrial e poltica da cidade, o qual seria
incorporado pelas antigas e novas geraes de trabalhadoras e traba-
lhadores, embora tambm existam resistncias a este discurso. 3) A
reestruturao produtiva afetou sobretudo as condies de trabalho
das trabalhadoras, fragmentando as formas de contratao de servios
e precarizando as suas condies de trabalho, independentemente dacondio tnica ou de origem (sejam nativas ou de fora da cidade)
dessas trabalhadoras.
Procurando dar cobertura a essas indagaes, elaboramos o pre-
sente estudo organizando os contedos da seguinte forma: no primeiro
captulo, apresentamos uma abordagem dos aspectos sociais, hist-
ricos e econmicos de Jaragu do Sul, enfocando as caractersticas
da colnia e elaborando um mapeamento da imigrao e das etnias.
Abordamos o processo de transio do sistema colnia-venda in-
dustrializao, com destaque para as empresas Malwee e Marisol. O
segundo captulo, intitulado O mundo do trabalho visto do compo-
nente tnico, faz uma abordagem terica da cultura do trabalho em
Jaragu do Sul, enfocando os conceitos de etnicidade e religiosidade,
bem como o processo migratrio das(os) trabalhadoras(es) do Estado
do Paran. O terceiro captulo, intitulado Gnero e trabalho, enfoca
o perl das trabalhadoras entrevistadas, suas trajetrias laborais, a re-
lao entre a esfera domstica e a fbrica, as diferentes vises geracio-
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nais de trabalhadoras, o componente tnico nas indstrias, a ausncia
de benefcios sociais e as condies de sade das trabalhadoras. O
quarto e ltimo captulo, intitulado As transformaes do mundo dotrabalho e a reestruturao produtiva, aborda as transformaes do
modelo de gesto, os impactos da reestruturao produtiva no polo
txtil-vestuarista de Jaragu do Sul (SC), as caractersticas e as etapas
de produo na indstria, a exploso das faces e o trabalho a domi-
clio, e a questo sindical.
1.1 metodologiaRealizamos uma amostragem constituda por 27 entrevistas. Fo-
ram entrevistadas 16 trabalhadoras (costureiras) de duas indstrias
txteis-vestuaristas da cidade de Jaragu do Sul SC: a Malwee Ma-
lhas Ltda. e a Marisol S.A. Alm destas, entrevistamos duas costu-
reiras de uma faco de roupas, registradas em carteira e trs costu-
reiras de faces no registradas, que exercem trabalho a domiclio.
Tambm entrevistamos uma dirigente do Sindicato dos Trabalhadores
nas Indstrias do Vesturio de Jaragu do Sul e Regio (STIV), dois
empresrios do ramo txtil-vestuarista, um historiador do Museu His-
trico de Jaragu do Sul, um ex-diretor da Malwee Malhas Ltda. e
um professor da Escola Tcnica Federal (IFSC) de Jaragu do Sul. As
anlises e reexes que constituem essa pesquisa incluem todas essas
fontes que foram registradas no campo emprico.
Entre as 21 costureiras entrevistadas, trs so aposentadas j ido-
sas, com mais de 65 anos. As diferenas de idade das trabalhadorasentrevistadas oferece-nos uma viso de anlise geracional, mediante
entrevistas com mulheres que iniciaram na indstria txtil e do ves-
turio antes mesmo da dcada de 1980 e outras que iniciaram suas
atividades em perodos mais recentes (dcadas de 1990, 2000).
Ao entrevistarmos as trabalhadoras mais antigas, vericamos
que apesar de algumas terem se aposentado por tempo de servio, elas
ainda continuam trabalhando nas mesmas indstrias em que se apo-
sentaram, constituindo um fato comum na indstria txtil-vestuarista
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A cultura do trabalho em jaragu do sul 21
de Jaragu do Sul. Como a mo de obra de costureiras escassa na
regio, as indstrias no demitem as trabalhadoras aposentadas, pois
estas empresas, alm de perderem mo de obra qualicada, teriam quepagar todos os encargos sociais de anos de trabalho.3
Procuramos contemplar na amostragem uma srie de pers pro-
ssionais, incluindo costureiras de variadas faixas etrias e ocupaes,
aposentadas que continuam trabalhando na indstria; aposentadas que
no exercem mais a prosso na indstria; costureiras que so lderes
sindicais; costureiras que no so ligadas ao sindicato e costureiras de
pequenas faces registradas e no registradas.
Parte das entrevistas realizadas foi possvel mediante uma lista
de contatos de trabalhadoras fornecida pelo Sindicato dos Trabalha-
dores nas Indstrias do Vesturio de Jaragu do Sul e Regio (STIV);
tambm foram obtidos outros contatos a partir das primeiras traba-
lhadoras entrevistadas. Solicitamos ao sindicato e s prprias infor-
mantes que nos indicassem trabalhadoras de diversos pers tnicos:
negras, nordestinas, paranaenses, descendentes de alems, hngaras,
italianas e outras.
Foram realizadas trs viagens de campo cidade de Jaragu do
Sul, nos meses de setembro, outubro e dezembro de 2012. No ms
de setembro, realizamos um pr-campo, investigando junto ao sin-
3 Segundo as informaes do sindicato da categoria, o STIV, a lei permite que o tra-
balhador (a) continue trabalhando aps aposentadoria, at mesmo porque, com o sis-
tema do fator previdencirio que incide sobre o valor das aposentadorias, reduzindo
muito o que se recebe, muitos trabalhadores/as preferem continuar trabalhando, para
ajudar nos rendimentos. As indstrias no demitem, pois geralmente trata-se de pesso-as com muita experincia. No existe lei que obrigue a empresa a demitir o trabalha-
dor (a), no momento em que se aposenta. Fonte: STIV (2013). Informao verbal. [...]
Tambm, segundo as informaes do setor Jurdico do sindicato da Indstria Txtil de
Blumenau SC SINTEX, No existe qualquer Lei que vincule aposentadoria res-
ciso do contrato de trabalho. Existe um entendimento hoje estampado do art. 58 da
Lei 8.213/91 apenas para os trabalhadores que fossem aposentados especiais (B-46),
os quais no poderiam permanecer em ambiente insalubre. Entretanto o TRF4, em rei-
terados julgamentos posicionou-se pela inconstitucionalidade de tal artigo. Assim, no
ordenamento jurdico, se aposentar ou no, no surte qualquer efeito prtico, deven-
do ser entendido como se o trabalho continuasse da mesma maneira. Fonte: SINTEX(2013). Informao verbal.
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dicato o perl das trabalhadoras, as especicidades econmicas da
indstria txtil-vestuarista de Jaragu do Sul e a cultura do trabalho
da regio.No incio da nossa pesquisa pretendamos entrevistar ao menos
um empresrio da Malwee e um da Marisol, alm de visitar estas in-
dstrias. No entanto, todas as tentativas de entrevistar as cheas das
empresas, seja por via de e-mail, contato por telefone, atravs do sin-
dicato da categoria e do sindicato patronal, por via institucional (pelo
prprio RH das indstrias) e por via da prefeitura, foram infrutferas.
Percebemos um clima de receio e desconana por parte dos empre-
srios em fornecer dados institucionais qualitativos e quantitativos daprpria empresa, mesmo sabendo que se tratava de uma pesquisa de
cunho cientco.
Entretanto, tivemos sucesso ao entrar em contato com a coor-
denao do curso txtil-vestuarista do Instituto Federal de Santa Ca-
tarina IFSC de Jaragu do Sul, que nos apresentou toda a dinmica
do processo produtivo, desde a produo dos os at a ltima etapa
da produo, a costura, a elaborao nal e acabamentos da pea de
roupa. Tivemos a necessidade de fazer uma imerso no universo das
etapas do processo produtivo, que nos foi oportunizado por meio dos
professores da rea txtil e do vesturio. A visitao no IFSC nos pro-
porcionou uma viso mais tcnica do setor, o que facilitou o entendi-
mento dos depoimentos das trabalhadoras e dos demais informantes
envolvidos na pesquisa. Alm disso, tivemos acesso a uma pequena
empresa do ramo txtil-vestuarista, que nos rendeu uma entrevista
com o proprietrio. Tambm, por meio do IFSC, conhecemos uma
pequena faco que presta servios para uma grande indstria txtil-
-vestuarista da cidade, na qual entrevistamos a gerente/proprietria.
Alm disso, procuramos outras vias de acesso, atravs de conta-
tos que tnhamos na cidade de Jaragu do Sul em anos anteriores ao
pr-projeto desta pesquisa. Estes contatos foram realizados por meio
de redes de relacionamentos de funcionrias da Biblioteca Municipal
de Jaragu do Sul e do Museu Histrico da cidade, que forneceram,
alm de contatos de informantes para a pesquisa, fotograas antigasdas primeiras indstrias txteis-vestuaristas em Jaragu do Sul.
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Foto 1 Sede comercial da rma Weege (1906). Atual Malwee
Fonte: Arquivo Histrico Eugnio Victor Schmckel Jaragu do Sul (SC).
Atravs das entrevistas realizadas com a vice-presidente do
STIV, o historiador do museu de Jaragu do Sul, o professor do IFSCe o ex-dirigente da Malwee, obtivemos uma anlise qualitativa das di-
menses histricas e culturais da indstria txtil-vestuarista da cidade
de Jaragu do Sul, alm das especicidades da cultura do trabalho.
O tempo mdio de durao das entrevistas foi de uma a duas
horas. Os contatos com as(os) depoentes foram marcados via e-mail e
por telefone dias antes da conversa e o local da realizao da entrevista
era estipulado pela(o) informante. Algumas entrevistas foram realiza-
das no STIV, em uma sala fornecida pela diretoria. Outros contatosforam realizados nas prprias casas das(os) informantes. Percorremos
de carro vrios pontos da cidade, incluindo bairros perifricos e rurais
de difcil acesso. Apesar de algumas diculdades durante o campo da
pesquisa, como a desconana e a falta de tempo de algumas trabalha-
doras, consideramos de grande valor qualitativo os relatos e todos os
materiais coletados durante o campo.
Quanto estratgia metodolgica para a realizao desta pes-
quisa, priorizamos o mtodo qualitativo, com foco na histria oral de
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vida.4Utilizamos a metodologia da histria de vida, atribuindo nfase
nas trajetrias laborais das mulheres que atuam na cadeia produtiva
do setor txtil-vestuarista, tanto as trabalhadoras formais como as in-formais. As entrevistas seguiram um roteiro mnimo, procurando re-
gistrar os testemunhos das(os) informantes da forma mais cuidadosa
possvel, e por isso zemos uso constante de um gravador. A mesma
tcnica tambm foi adotada com as(os) demais informantes que nos
concederam os momentos de conversa.
As pesquisas com o mtodo da histria de vida tem como foco
registrar a trajetria de pessoas recompondo os aspectos da vida in-
dividual e do grupo na qual elas esto inseridas, de forma particular,quando as trajetrias representam experincias coletivas. Tal metodo-
logia utilizada com o intuito de coletar, preparar e disponibilizar
memrias gravadas, servindo de fonte primria aos pesquisadores.
Tambm escolhemos tal metodologia, a m de dar voz gente co-
mum, como os movimentos de minorias culturais e discriminadas,
entre estes as mulheres (Meihy, 1996). A histria de vida um ins-
trumento privilegiado para interpretar o processo social a partir das
pessoas envolvidas, na medida em que se consideram as experinciassubjetivas como dados importantes que falam alm e atravs delas
(Minayo, 1993, p. 126-127).
1.2 referenciais tericos: mundos do trabalho,gnero e etnicidade atravs de trajetrias
Ao analisar as histrias de vida das trabalhadoras envolvidas nes-sa pesquisa, procuramos mapear as suas trajetrias laborais no per-
curso de suas vidas, com o intuito de identicar como tais biograas
individuais se conectam com as mudanas estruturais, ou seja, o movi-
mento que conecta o indivduo e a sociedade. Mills (1982, p. 12) fala
4 As identidades de todas(os) as(os) informantes entrevistadas(os) foram preservadas.
Assim as mantivemos no anonimato para que no houvesse problemas de ocasional-
mente serem reconhecidas(os). Tambm optamos por preservar as falas das(os) depoen-
tes, tendo em vista as variedades regionais, sem fazer alteraes em relao aos vciosde linguagem e aos eventuais desvios em relao norma culta da lngua portuguesa.
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A cultura do trabalho em jaragu do sul 25
da busca da necessidade de compreenso da estrutura social moderna,
e como no interior dessas estruturas se formam as diferentes psicolo-
gias de homens e mulheres, ou seja, a compreenso da relao entrehistria e biograa, como elas se entrelaam e tambm se tensionam.
A noo terica de trajetria laboral que adotamos nesta pesquisa
compreendida como:
El estudio de las trayectorias laborales de la secuencia de
posiciones del sujeto en el mercado de trabajo, permite cap-
tar y comprenderlos procesos de cambio que se dan a nivel
estructural-econmico, social y cultural a travs de su ex-
posicin a nivel micro el curso de vida de los sujetos y
su subjetividad. Permite, as, poner en relacin la demanda
con la oferta de fuerza de trabajo, femenina y masculina,
determinadas ambas tanto por los cambios tecnolgicos y
organizacionales como por las transformaciones en las rela-
ciones de gnero dentro y fuera del mercado laboral (Guz-
man; Mauro; Araujo, 2000, p. 7.)
Na sua anlise sobre o conceito de trajetria, Gomes (2002) ar-ma que a literatura atual apresenta o poder analtico desse conceito
para os estudos sobre o trabalho, onde a categoria temporal representa
um eixo central da abordagem da realidade. A autora estabelece um
dilogo com a obra recm-citada de Guzman, Mauro e Araujo (2000)
assumindo que:
As trajetrias de trabalho so entendidas como os itinerrios
visveis, os cursos e orientaes que tomam as vidas dos
indivduos no campo do trabalho, e que so resultado de
aes e prticas desenvolvidas pelas pessoas em situaes
especcas atravs do tempo. [...] O conceito de trajetria,
segundo sustentado, possibilita, apreender a interao en-
tre dinmicas estruturais e decises individuais, e, tambm,
conjugar aes com as signicaes e representaes do su-
jeito (Gomes, 2002, p. 32).
Outro aspecto da categoria trajetria que a mesma autora destaca sobre a associao intrnseca desse conceito com o de transio, j
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que ambas representariam linhas temporais entrelaadas no curso da
vida pessoal (Gomes, 2002, p. 32). Gomes explica que as trajetrias
consistem em percursos temporais de mais amplo espectro, e as transi-es, correspondem a um espectro temporal mais curto, j que apontam
para o momento de mudana que se expressa no processo temporal cor-
respondente ao intervalo entre esses estados. Armando a fecundidade
dessa perspectiva conceitual, ela remete utilidade do conceito, quan-
do se estuda carreiras prossionais, porque permite analisar as transfor-
maes de curso decorrentes de perodos de desocupao e mudana de
posies, os quais podem estar caracterizados por situaes de privao
e/ou por novas oportunidades de trabalho (Gomes, 2002, p. 32).Para nosso estudo, a transio vivida pelas mulheres trabalhado-
ras nas suas trajetrias de vida ocupacional (quando ocorrem as trans-
formaes das empresas no processo de reestruturao produtiva do
setor txtil-vestuarista) representa um marco para pensar esse mundo
do trabalho desde os relatos dos sujeitos. Nossa preocupao era trilhar
as possibilidades de manuteno do trabalho que essas mulheres tive-
ram, e as condies em que essa manuteno do emprego ou reinsero
ocupacional no setor se deu, e vericar como elas administraram e ad-ministram seus recursos pessoais e sociais para se manter trabalhando.
Neste acompanhamento que zemos do curso de vida dessas mulheres
trabalhadoras, vo se perlando os componentes de gnero e os conte-
dos tnicos, quando estes so ou no considerados teis para compre-
ender suas opes e possibilidades de trabalho e vida.
Ainda, Gomes (2002, p. 33-34) nos orienta em relao conexo
intrnseca entre trajetria, transio e a narrativa, demonstrando que
ao potencializar uma mudana de curso numa trajetria, a transio
imprime uma ressignicao do sentido que ordena suas experin-
cias ao estabelecer esta conexo entre estados. A narrativa, assim,
atribui um sentido a esse marco na trajetria. Alega esta autora que:
A direo da trajetria no se constitui numa mera sequn-
cia de acontecimentos, porque o ator est construindo seu
ponto de vista sobre essa sequncia temporal. O enredo da
narrativa permitir articular ambas as dimenses. Crenas,desejos, objetivos, necessidades, desaos a vencer, em m,
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esto na base dessas aes que se expressam temporalmente,
e que so os materiais que permitem, ao ator, construir o en-
redo da sua narrativa. Isto , as histrias que contamos para
ns, e para os outros, sobre como ordenamos esses eventos,
e assim, ao mesmo tempo nos construmos e projetamos
para a vida, presente e futura (Gomes, 2002, p. 33-34).
Nossa escolha pela histria oral como recurso metodolgico,
fundamenta-se nesse entendimento trazido por Gomes sobre as traje-
trias. Traduzindo as histrias de vida atravs desse conceito de traje-
tria, podemos identicar certos marcos estruturais, de cunho econ-
mico, social e cultural, vinculando biograa e histria.
A literatura registra que as transformaes contemporneas do
mundo do trabalho, que condicionam as trajetrias dos trabalhadores e
trabalhadoras na esteira da reestruturao produtiva, tm incio a partir
crise dos anos de 1970 na Europa, tendo como destaque as polticas
neoliberais e o processo de crise do Estado de Bem Estar Social. Tal
modelo poltico e econmico causou impacto aos pases em desenvol-
vimento da Amrica Latina, desencadeando o processo de reestrutura-
o produtiva na regio. Um novo paradigma de produo foi adotado
nas grandes indstrias, alterando o contedo e a forma do trabalho,
precarizando as relaes de trabalho e diminuindo a capacidade de
organizao das classes trabalhadoras (Antunes, 2006; Ramalho; San-
tana, 2003; Leite, 2003). Os novos arranjos produtivos alteraram o
modelo de empresa verticalizada5cedendo lugar desverticalizao e
a subcontratao (Carvalho; Crio; Seabra, 2007). Como a terceiriza-
o6, o trabalho a domiclio, realizado em grande parte pelas mulheres
e o modelo de empresa dita exvel.7Conforme os autores:
5 Ver Lins (2000).
6 As grandes empresas subcontratam pequenas rmas, a m de assumir funes au-
xiliares ou ligadas ao processo produtivo, como a costura. Constitui-se como um
setor intensivo de mo de obra e menos automatizao (Cardoso, 2004, p. 344).
7Os novos arranjos industriais permitem desregulamentar os contratos de trabalho, o
que incidi em perdas salariais aos trabalhadores(as), implica em fora de trabalho pro-dutiva exvel e realiza vrias tarefas no setor de produo, assim como externali-
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Trata-se de um cenrio semovente de economia altamente
competitiva, as empresas buscaram se reestruturar para en-
frentar os tempos novos e instveis. Essa reestruturao teve
lastro na chamada revoluo microeletrnica, mas tambm,
e em alguns casos mais fortemente, em novas formas de or-
ganizao da produo. Como se disse, no mundo enxuto,
produzir-se-ia mais, e melhor, com menos gente (Ramalho;
Santana, 2003, p. 11).
Tais anlises colocam em reexo a relevncia da temtica do
mundo do trabalho no capitalismo contemporneo para o campo te-
rico de anlise. Conforme Baumgartem e Holzmann o processo dareestruturao produtiva signicou:
[...] o processo de reorganizao do sistema capitalista mun-
dial, desencadeado a partir dos anos de 1970 como resposta
crise que o abalou. Compreende transformaes profundas
nos processos de trabalho e de produo na estrutura das
empresas, na redenio do papel do Estado, na desregula-
mentao das relaes entre capital e trabalho e na inovao
tecnolgica de base microeletrnica. Essas transformaes
se articulam e se combinam de modo particular em cada
contexto histrico, traduzindo o poder de negociao dos
agente econmicos, sociais e polticos envolvidos no pro-
cesso (Baumgartem; Holzmann, 2011, p. 315).
No campo da sociologia do trabalho (embora existam divergn-
cias), parece haver o consenso de que as transformaes econmicas
globais (tambm tecnolgicas) alteraram tanto a estrutura da produo,quanto as formas sociais da produo material de nossas vidas, como
explica Leite, Novas estruturas industriais parecem impactar de ma-
neira denitiva os mercados e as relaes de trabalho (Leite, 2003, p.
17). O novo cenrio industrial, caracterizado pelo ps-fordismo, no
realiza mais a produo padronizada em massa, na qual empregavam
zao da produo ocasionando a terceirizao e precarizao das relaes de traba-lho (Holzmann; Piccinini, 2011, p. 196).
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inmeros trabalhadores e trabalhadoras, como na era fordista.8Hoje,
as mercadorias produzidas nas indstrias so especializadas. O nme-
ro de trabalhadores e trabalhadoras substancialmente reduzido e astecnologias so consideravelmente informatizadas (Sorj, 2000). Con-
forme Castel (1998), a reduo de trabalhadores(as) assalariados(as)
no capitalismo atual acompanhou simultaneamente a diminuio das
formas clssicas de proteo social em tal contexto de mudanas:
A situao atual marcada por uma comoo que, recente-
mente afetou a condio salarial: o desemprego em massa
e a instabilidade das situaes de trabalho, a inadequaodos sistemas clssicos de proteo para dar cobertura a essas
condies, a multiplicidade de indivduos que ocupam na
sociedade uma posio de supranumerrios, inempreg-
veis, inempregados ou empregados de um modo precrio,
intermitente. De agora em diante, para muitos, o futuro
marcado pelo selo aleatrio (Castel, 1998, p. 21).
Hoje as empresas administram a sua produo mundialmente, se
fazendo presentes em inmeros pases, beneciando-se da presenade menores nveis salariais, da baixa incidncia de conitos industriais
e das vantagens propiciadas por isenes scais de todos os tipos
(Sorj, 2000, p. 29). A internacionalizao das empresas, assim como
os deslocamentos industriais, uma realidade do segmento txtil e
vestuarista no Brasil e no Mundo. Nas ltimas dcadas, as grandes in-
dstrias desse setor da economia construram liais em algumas regi-
es do nordeste do pas, como o caso da Malwee Malhas e a da Ma-
risol, cujas matrizes localizam-se na cidade de Jaragu do Sul SC.
Autoras como Hirata9iro argumentar que as dimenses da rees-
truturao produtiva ocorrem de forma diferenciada, quando se trata
das relaes de gnero no mundo do trabalho. Conforme a autora, as
repercusses da especializao exvel e dos novos modelos de orga-
8 Observam-se nas indstrias txteis de Jaragu do Sul aspectos do modo de organi-
zao fordista de produo, como o grande nmero de trabalhadoras na etapa da cos-
tura, sendo que este setor permanece pouco automatizado.9 Ver Hirata (2007).
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nizao e de desenvolvimento industriais no so as mesmas, quando
se consideram os pontos de vista dos homens e das mulheres (Hirata,
1998, p. 7). A insero no processo produtivo das trabalhadoras ainda seutiliza das formas taylorista/fordistas de produo, ou seja, de traba-
lhos repetitivos e pouco automatizados (Neves, 2000, p. 172). Nos seg-
mentos txtil e vestuarista trata-se da ltima etapa da cadeia produtiva,
a costura, setor majoritariamente feminino. O processo de reestrutura-
o industrial permitiu a terceirizao dessa etapa produtiva, mediante
a desregulamentao de contratos de trabalho nas grandes indstrias e o
incentivo dos baixos salrios pagos s trabalhadoras terceirizadas.
As transformaes do mundo do trabalho no atual contexto docapitalismo global (embora haja diferenas de pases e regies) propi-
ciaram o surgimento de novos arranjos de empregos o autnomo;
assim como o crescimento de formas atpicas de emprego o tra-
balho parcial, o temporrio, a subcontratao como um novo arranjo
industrial e o trabalho a domiclio (Neves, 2000, p. 172). Essa ltima
modalidade de emprego constituiu-se como uma parte do nosso cam-
po emprico de pesquisa, pois o trabalho a domiclio uma realidade
das costureiras que trabalham por conta prpria para inmeras m-dias e grandes empresas txteis-vestuaristas na cidade de Jaragu do
Sul e Regio. Algumas dessas trabalhadoras exercem sua funo em
faces que so legalmente registradas (com um salrio muitas vezes
inferior ao salrio pago na grande indstria) e prestam servios para as
grandes indstrias. Outra parcela dessas trabalhadoras (trs delas pres-
taram o seu depoimento) atua de forma autnoma, em suas prprias
residncias. Essas ltimas no possuem carteira assinada pela empre-
sa, que contrata os seus servios e ganham por cada pea produzida.10
Ao entrevistar as trabalhadoras, entendemos que as relaes de
classe so sexuadas, assim como as relaes de gnero so perpassadas
por pontos de vista de classe (Araujo, 2005, p. 90). A autora ainda obser-
va, ao citar Hirata e Kergoat (1994), que a transversalidade das relaes
de gnero permite pensar a ligao indissocivel entre opresso sexual
(e de classe) e explorao econmica (e de sexo) (Araujo, 2005, p. 90).
10 Ver as pesquisas de Sorj (2000), Abreu (1993) e Araujo (2001).
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Uma das reexes que aparecem em nossas anlises da articu-
lao gnero e trabalho, e que pensamos ser de grande valor para as
pesquisas nesse campo terico a ideia da experincia do trabalhoem outras esferas da vida, ou seja, a necessidade de se pensar a con-
dio da mulher trabalhadora tanto na esfera da produo como o da
reproduo (Sorj, 2000, p. 28). Tais realidades empricas se zeram
presentes em nosso campo de pesquisa: a jornada de trabalho das tra-
balhadoras nas indstrias e a necessidade das trabalhadoras em con-
ciliar o trabalho domstico, ou seja, o segundo trabalho que no
remunerado, caracterizando a dupla jornada de trabalho. Outra reali-
dade que remete relao do gnero e trabalho refere-se produodas mulheres em meio ao ambiente domstico: o servio domstico
e o trabalho remunerado que se confundem numa mesma paisagem.
Foto 2 Costura em domiclio: o ambiente domstico e o trabalho
remunerado se confundem numa mesma paisagem
Fonte: Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT)11.
Conforme Chies (2010), a entrada em grande escala das mulheres
no mercado de trabalho nas ltimas quatro dcadas trouxe a seguinte
constatao: no decorrer das transformaes sociais que levaram as
11 Disponvel em: . Aces-so em: 5 nov. 2013.
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mulheres ao campo de trabalho assalariado foram criadas prosses
especcas a elas, ou seja, foram desenvolvidas ocupaes que detm
uma porcentagem maior de mulheres e, muitas vezes, so estereotipa-das como femininas.
Exemplos desse caso podem ser visualizados em prosses,
a princpio, no regulamentadas, que se apresentam como
continuidade da vida domstica, tais como: bordadeiras,
costureiras, babs, etc. Por outro lado, as transformaes
sociais aliadas s mudanas no sistema produtivo levaram a
construo de novos espaos, e ambos, homens e mulheres,
passaram a ocupar setores e postos de trabalho antes exclu-
sivos do mundo masculino (Chies, 2010 p. 507).
A maior parte da fora de trabalho ocupada na indstria txtil-
-vestuarista no Brasil constituda por trabalhadoras, sobretudo no
setor da costura (Chies, 2010 p. 507). Conforme o estudo realizado
por Neves (2000), referente fora de trabalho formal com base no
relatrio sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, as mulheres
representam 94% da fora de trabalho na costura.
[...] as mulheres apresentam 48% da fora de trabalho do
setor tercirio e apenas 20% nos casos da agricultura e da
indstria. Em 16 ocupaes do setor formal, elas compare-
cem com mais 50%, ressaltando-se alguns deles como ver-
dadeiros guetos femininos, como: costura, 94%, magistrio
do 1 grau, 90%; secretariado, 89%; telefonia/telegraa,
86%; enfermagem, 84%; recepo, 81% (PNUD e IPEA,1996, p. 33)12(Neves, 2000, p. 174).
As trajetrias das trabalhadoras do setor txtil-vestuarista de
Jaragu do Sul foram analisadas levando-se em considerao os se-
guintes aspectos: a insero no setor; as condies de trabalho; as ex-
perincias laborais nos momentos de crise e inovaes tecnolgicas
que aconteceram no setor a partir dos anos de 1990; a conciliao de
12 Ver pesquisa Coimbra; Coimbra (2012).
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A cultura do trabalho em jaragu do sul 33
trabalho na esfera produtiva e reprodutiva; as representaes das tra-
balhadoras sobre a empresa, o trabalho o sindicato da categoria. Tais
anlises foram realizadas tendo como pano de fundo, as especicida-des da cultura do trabalho em Jaragu do Sul, permeadas pelo discurso
da etnicidade constituda e construda na histria da cidade. Nosso
estudo trata de evidenciar o que observou Sorj:
Em que pese a grande variedade de abordagens que buscam
salientar a importncia das relaes de gnero na organi-
zao do trabalho, todas elas, de uma forma ou de outra,
procuram mostrar a inuncia da cultura mais ampla [ou de
um dado contexto] a organizao e a experincia no mundo
do trabalho (Sorj, 2000, p. 28).
As anlises da construo social e das representaes de et-
nicidade na cultura do trabalho em Jaragu do Sul e o processo de
imigrao europeia no Norte do Estado de Santa Catarina tm como
embasamento os estudos de Seyferth. Nas palavras da autora, so co-
muns em regies de imigrao problemas associados a sentimentos
de etnicidade, que focalizam as trajetrias de ascenso social no in-cio do processo de industrializao de uma regio identicada com a
imigrao alem (Seyferth, 1999a, p. 61). Seyferth (2011, p. 50) ao
observar o status ontolgico da etnicidade, analisa a relao entre a
descendncia e cultura, apresentada por Fenton (2008).
Considera isso um ponto de partida e no simplesmente uma
denio, e o ponto seguinte pensar que etnicidade se refe-
re construo social da descendncia e da cultura, mobi-lizao social da descendncia e da cultura, e ao signicado
e implicaes dos sistemas classicatrios construdos em
torno dela (Fenton, 2008, p. 3 apud Seyferth, 2011, p. 50).
De acordo com Seyferth (2011, p. 51), Cultura e etnicidade es-
to entrelaados, o que pe em evidncia a diferena (em relao aos
outros) e o embasamento da identidade. J Kreutz (1999, p. 82)
arma que a categoria tnica de anlise nos orienta a dimenso cultu-ral [que] compete na consolidao do processo histrico, entendendo
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o tnico como processo, construindo-se nas prticas sociais, no jogo
de poder e na correlao de foras.
Segundo Oliveira (1976, p. 6), compreender os fenmenos deuma dada realidade sociocultural, [...] dar conta de um fenmeno
social extremamente complexo. E o tratamento dado a um sistema
cultural que compreende trs aspectos: o da identidade, cujo domnio
o ideolgico; o do grupo social, cujo domnio a organizao; o
da articulao social, cujo domnio o processo (relaes sociais).
Somando-se o fator tnico nos aspectos mencionados, teremos a
identidade tnica, o grupo tnico e o processo de articulao tnica
como aquelas dimenses mais estratgicas do fenmeno das relaesintertnicas (Oliveira, 1976, p. 6).
Conforme Seyferth (2011, p. 47), o fenmeno migratrio pro-
duz a etnicidade. Este termo utilizado em estudos intertnicos
amplamente usada nas ltimas dcadas com implicaes nas polticas
de reconhecimento [...].13 Em termos tericos, a identidade tnica,
traduz os seus aspectos subjetivos e a ideia de fronteira (social),
caracterizando o pertencimento a um grupo ou comunidade (Seyfer-
th, 2011, p. 47). A autora analisa os fenmenos migratrios contem-
plados pela anlise da cultura, etnicidade e identidade. Mesmo sendo
conceitos diferentes, os fenmenos esto entrelaados, assim como as
representaes da identidade construdas por indivduos e grupos a
partir dela, formando enunciados simblicos que apontam a ideologia
como um sistema cultural14(Seyferth, 2011, p. 47-48).
Assumimos neste trabalho a ideia de que as identidades tnicas
produzidas histrica e socialmente na regio de imigrao europeia(Jaragu do Sul e regio) remetem s ideologias de pertencimento de
uma elite econmica e poltica de ascendncia europeia, que esteve
presente na regio desde o incio da colonizao e fundaram as primei-
ras indstrias na regio.
13 Associadas s anlises do multiculturalismo e do direito das minorias (Seyfer-
th, 2011, p. 47).
14 Segundo Seyferth, tais anlises so defendidas por Geertz (1964) e adaptadas por
Aronson (1976), a m de reetir sobre a etnicidade como um tipo particular de ideo-logia (Seyferth, 2011, p. 48).
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aspectos sociais, histricose econmicos dejaragu do sul
2.1 Aspectos histricos de Jaragu do Sul
A cidade de Jaragu do Sul localiza-se na regio Norte do Estadocatarinense e foi ocupada e colonizada por imigrantes vindos da Ale-manha, Hungria, Itlia, Polnia, e por negros libertos (Schrner, 2000).A imigrao europeia no Brasil consolidou-se por meio do decreto de25 de novembro de 1808, de D. Joo VI, que permitiu aos estrangeiroso acesso propriedade de terra. Tal poltica objetivou trazer ao Brasileuropeus que procuravam novas oportunidades na Amrica, ou como intuito de fazer a Amrica (Seyferth, 1990, p. 9).1
O processo de demarcao de terras no territrio catarinense, pa-ra ns de colonizao, acorreu no ano de 1849, por meio das terrasda Princesa Dona Francisca2e do Prncipe de Joinville. A partir dainicia-se a colonizao do territrio Dona Francisca, pela Companhia
Hamburguesa de Colonizao, tendo por limite o lado esquerdo doRio Itapocu. Esta mesma companhia de colonizao administrou tam-bm os ncleos de So Bento do Sul e Jaragu do Sul (Silva, 2005;Seyferth, 2004).
1 Consideramos indispensvel apresentar no primeiro captulo uma reviso histricae social do processo de imigrao e colonizao na Regio do Vale do Itapocu, assimcomo as principais caractersticas e inuncias socioculturais da populao que ocu-
pou o territrio. (Silva, 2005; Schrner, 2000; Seyferth, 1999a, 1999b, 1990).2 Filha do imperador D. Pedro I.
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Mapa 1 Regio Norte do Estado de Santa Catarina
Fonte: Fundao Catarinense de Cultura3.
Mapa 2 Municpios do Vale do Itapocu
Fonte: Associao dos Municpios do Vale do Itapocu (AMVALI)4.
3
Disponvel em: . Acesso em: 30 jul. 2013.4 Disponvel em: . Acesso em: 5 nov. 2013.
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Emlio Carlos Jourdan (engenheiro e coronel honorrio do Exr-cito brasileiro nas regies de demarcao para ns de colonizao
Jaragu do Sul e regio) foi convidado por Conde DEu, esposo daprincesa Isabel, para demarcar e tombar as terras que foram ganhascomo dote de casamento em 1864. A cidade de Jaragu do Sul foifundada em 1876, a partir do contrato entre Jourdan e Conde DEu,que possibilitou colonizar terras que at ento eram de propriedadedo conde. A Colnia Jaragu passou a receber famlias de imigrantesalemes em meados e nais do sculo XIX, vindos da Colnia DonaFrancisca (Joinville) e Blumenau (Canuto et al., 2010).
Com o intuito de colonizar os lotes, Jourdan levou a regio cercade sessenta trabalhadores negros, libertos na poca, que cultivaramcana-de-acar, estabelecendo um engenho de cana, serraria, olaria,engenho de fub e mandioca (Canuto et al., 2010). Posteriormente,Jourdan entrou em desavena com a Companhia de Colonizao deHamburgo, tendo diculdades com a precariedade dos transportese a falta de dinheiro. Mediante as circunstncias, Jourdan abando-nou o empreendimento no ano de 1888 deixando os trabalhadores
prpria sorte (Schrner, 2000, p. 30). No perodo de junho de 1888 anovembro de 1889, o Estabelecimento Jaragu5foi administrado porFrederico Brustlein, que negociou com conde DEu o processo de co-lonizao de terras. Schrner ainda observa que no ano de 1890 umaagncia de terras de Blumenau inicia o processo de distribuio delotes em Jaragu para colonos deslocados de outras regies de colo-nizao e para hngaros, que vieram diretamente do pas de origem(Schrner, 2000, p. 30), para instalar-se em Jaragu do Sul.
A colonizao de Jaragu no ocorreu de forma clssica, porqueno recebeu imigrantes vindos direto da Europa, com a exceo doshngaros. Embora existam dados que comprovem a chegada de imi-grantes hngaros, vindos diretamente de seu pas de origem, em 1891,estes representam apenas uma parcela minoritria dos imigrantes quese deslocaram para Jaragu do Sul. No ano de 1894, Jourdan solicitoudo governo do Estado de Santa Catarina licena para povoar 10.000
5 Senhor do Vale em tupi-guarani.
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hectares de terras do Vale do Itapocu (Jaragu do Sul e regio), autori-zada em 1895. Posteriormente, de modo acentuado, deslocam-se para
a regio as famlias de imigrantes alemes vindas de Joinville e Blu-menau6(Stulzer, 1973; Schrner, 2000; Pffer; Kita, 2008). Conformeo autor arma:
[...] Com exceo dos hngaros, no existiu uma correntede imigrantes vindo diretamente do seu pas de origem parao Jaragu, ao contrrio, o Jaragu foi colonizado por imi-grantes deslocados de outras reas de colonizao. Seu po-voamento se deu atravs dos movimentos migratrios inter--coloniais, ou seja, Jaragu havia se tornado uma espciede sada, uma alternativa possvel para aqueles que no seagradavam das terras de Joinville ou de Blumenau (Schr-ner, 2000, p. 31).
2.2 Histrico e mapeamento da imigrao e das etnias
Para Seyferth (1999a, p. 61), o processo imigratrio regio doVale do Itaja e do Norte catarinense heterogneo. Essas regies sorecorrentes denominadas de regio de colonizao alem. No en-tanto, os imigrantes de etnia alem no so exclusivos durante as duas
primeiras dcadas de colonizao. Nos nais do sculo XIX e inciodo sculo XX, registros ociais mostram a chegada de vrias outrasetnias vindas da Europa:
Os documentos coloniais registram a chegada de italianos,russos, hngaros, austracos, irlandeses, franceses umaheterogeneidade em parte provocada pelas diculdadesde aliciar imigrantes (comentada nos escritos de HermannBlumenau, por exemplo), mas tambm relacionada s preo-cupaes das autoridades brasileiras com possveis enquis-
6 Neste perodo, o processo de ocupao e colonizao ocorre de forma mais inten-sa. No entanto h registros de colonizadores, sobretudo de origem alem, em Jara-
gu do Sul e regio, antes de 1876 (Curtipassi, 2012, p. 42). Ver pesquisas de Pffere Kita (2008).
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tamentos tnicos, o que recomendava colnias mistas.Tal composio, aparentemente, quebra a homogeneidadegermnica do Vale, mas na sua denio como regio decolonizao alem, fundamental na construo de umaidentidade teuto-brasileira (Seyferth, 1999a, p. 65).
Em relao imigrao para Jaragu do Sul, os Hngaros insta-laram-se na regio do Garibaldi, por volta de 1891, prximo s loca-lidades de So Pedro, Jaragu 99 e Jaragu 84, que hoje so bairrosda cidade. J os imigrantes alemes, procedentes das Colnias DonaFrancisca (Joinville e de Blumenau), instalaram-se nas comunidadesRio do Serro I, Rio do Serro II e Vale do Rio da Luz, que so bair-ros que do acesso a Malwee (Pffer; Kita, 2008, p. 14-15).
A partir de 1890 o povoamento de Jaragu do Sul se d atra-vs de trs frentes migratrias. Uma delas, partindo de Join-ville sob os cuidados da Companhia de colonizao Ham-
burgo, vai atingir os rios Itapocuzinho e Itapocu nas suasmargens esquerda, sendo que a maioria dos imigrantes eram
de alemes. Outra, sob a administrao da Agncia de Ter-ras e colonizao de Blumenau, Pomerode e Rio dos o RioCedros, trazendo consigo alemes, hngaros e italianos, vaiocupar a margem direita do Rio Jaragu. A terceira delas,sob a administrao da sociedade criada por Jourdan, ocupaa regio margem direita do Rio Itapocu e esquerda do RioJaragu, ou seja, as terras que cam no meio dos dois rios.
Nesta, a colonizao feita com italianos e alemes (Schr-ner, 2000, p. 31).
O processo de ocupao e colonizao dos ncleos de Jaragu doSul SC e So Bento do Sul SC, ao longo dos Rios Itapocu e SoFrancisco, foi realizado pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo,na Alemanha, em 1849. Em consequncia deste processo, verica-sena regio, uma totalidade geogrca com predominncia de popu-lao de origem germnica lugares distintos da sociedade brasilei-ra, onde a lngua alem era idioma do cotidiano, independente das
modicaes estruturais da linguagem percebida (Seyferth, 2004,
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p. 155). Atualmente, se zermos viagens pela regio do Garibaldi epelos bairros jaraguaenses da Barra do Rio Serro I e II e Rio da Luz,
provavelmente, encontraremos pessoas idosas falando a lngua alemnos pontos de nibus, ou um dialeto prprio: um portugus que seentrelaa com palavras em alemo. Conforme Stulzer (1973, p. 216),no ano de 1912, Jaragu do Sul ainda fazia parte do 2 distrito de Join-ville, tinha 8.000 mil habitantes, 2.000 pessoas falavam o portugus,1.000 falavam o italiano, 4.500 o alemo e 500 o polons7. Alm doshngaros e alemes, a cidade de Jaragu do Sul demarcada territo-rialmente por comunidades de predominncia italiana e negra.
Foto 3 Povoamento do municpio de Jaragu do Sul s margensdo Rio Itapocu (1909)
Fonte: Arquivo Histrico Eugnio Victor Schmckel Jaragu do Sul (SC).
7 Stulzer (1973) coletou esses dados do primeiro relatrio Cria Episcopal. Ano de1912 da Parquia de Santa Emlia de Jaragu.
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Foto 4 Comunidade de ascendncia alem na primeira sociedadeescolar de Jaragu do Sul, bairro Rio do Serro,
Vale do Rio da Luz (1895)
Fonte: Arquivo Histrico Eugnio Victor Schmckel Jaragu do Sul (SC)8.
Os negros se instalaram na cidade com o propsito de trabalharna construo do empreendimento colonial Jaragu, coordenado peloCoronel Emlio Carlos Jourdan, em 1875. Mais tarde, uma parte dostrabalhadores negros teria migrado para o litoral catarinense e outra
parte instalou-se no bairro Morro Boa Vista, lugar onde se concentragrande parcela da comunidade negra da cidade. Essa localidade -cou conhecida ao longo dos anos por Morro da frica (Curtipassi,2012). Abaixo o relato de uma trabalhadora negra da Marisol S.A.,moradora do Morro da Boa Vista.
8 Esta sociedade escolar atualmente a escola municipal Professora Gertrudes Stei-
lein Milbratz. Esta localidade tambm funcionou como sede da 2 Sociedade de Atira-dores, conhecida como Salo Barg, em 1915 (Pffer; Kita. 2008).
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Ali eram os negros que habitava, sobe reto aqui ... se tupega o Beeling sobe l pra cima, ali o Morro da frica,antigamente era chamado assim, hoje j no porque tem ou-tras etnias ali, alemes... Principalmente paranaenses. An-tigamente era Morro da frica porque era s negro, ouali no Nova Braslia, na Vila Lenzi, mas 90% era aqui nomorro, essas terras tudo a era dos negros. Da comeou a viros alemes, os paranaenses, mas os alemes no dominaramesse morro, mais os paranaenses. Eles vendiam a terra delesl no Paran e compravam aqui no morro, enrolavam os ne-gros e compravam a terra por bagatela dos negros mais anti-
gos. E os que no compravam, chegavam se achavam donoe qualquer branquinho chegava e fundava uma cachorrasentada em casa como diziam... que uma meia gua, umacasinha pequenininha, montavam ali e cavam; e assim fo-ram tomando conta. Ento hoje no tem quase ningum dosnegros antigos, tem uma ou duas famlias que eu conheo.Agora tem um ndio ou outro, eu at disse pro meu marido
esses dias eu vi dois ou trs descendo o morro (CostureiraMarisol S.A., trabalhadora negra).
Foto 5 Famlia da comunidade negra de Jaragu do Sul (1956)
Fonte: Museu Histrico Emlio Silva Jaragu do Sul (SC)9.
9 Fonte: Comunidade Negra Museu Histrico de Jaragu do Sul. Disponvel em:. Acesso em: 5 nov. 2013.
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A trabalhadora relata que atualmente h uma diversidade tnicana localidade do Morro Boa Vista, devido ao processo migratrio mais
recente, que levou a populao negra a perder espao, com a chegadados migrantes oriundos do Estado do Paran. Ela tambm relata quehavia uma relao conituosa envolvendo a populao negra, aleme migrantes paranaenses, sobretudo em relao disputa de terras.
Os imigrantes poloneses chegaram ao Sul do Brasil em 1864,na cidade de Brusque. Mais tarde, teriam migrado para a cidade deMassaranduba (SC) e logo se instalaram em pequenos lotes no Es-tabelecimento Jaragu. Tambm h registros de imigrantes italianos
em Jaragu do Sul e regio, que tem sua origem em Trento, na Itlia.Esses imigrantes instalaram-se na Barra do Rio Serro e Rio da Luz,misturando-se com os alemes (Curtipassi, 2012; Schrner, 2000).
Cabe lembrar que o uxo migratrio da Europa para a Amricado Sul signicou um negcio lucrativo para as companhias de colo-nizao10, com a utilizao dos meios de transporte e atravs dos re-crutadores, que prometiam muitas vantagens no momento da venda eaquisio das passagens (Schrner, 2000). A propaganda de um novo
mundo era realizada durante o percurso da viagem ao Brasil, como aliberdade em todos os sentidos, sobretudo a religiosa esta condioos levaria a uma prosperidade nanceira. No entanto, os imigrantes,ao chegarem ao Brasil (Santa Catarina), passaram por diculdades pa-ra abrir os seus lotes de terra na oresta; sabiam pouco de tcnicasagrcolas e no possuam equipamentos. Tais lotes foram concedidos
pelas companhias colonizadoras nos pases de emigrao em parceriacom o governo imperial brasileiro (Schrner, 2000).
A emigrao de alemes em grande escala, no sculo XIX,coincidiu com o perodo de grandes crises que antecederam unicao da Alemanha sob a hegemonia da Prssia, a partirde 1871. As causas da emigrao so tanto polticas comoeconmicas, acrescentando-se a elas uma intensa propaganda
por parte das Companhias de Colonizao e de alguns pasesinteressados em atrair imigrantes (Seyferth, 1999b, p. 18).
10 Ver pesquisa Rocha (2013). Blumenau Acumulaes Originrias.
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Os hngaros se instalaram em lotes que mediam 25 a 30 hec-tares, a maioria com riachos ou vertentes dgua. Os 700 imigrantes
que chegaram em 1891, em sua maioria agricultores, compraram 96lotes vendidos a famlias provenientes do Imprio Austro-Hngaro.Entre essa camada de imigrantes vieram um professor, um mineiro,dois oleiros, um alfaiate e dois comerciantes. Estes imigrantes traba-lharam na construo das estradas, canais e pontes para pagar os seuslotes. Em suas terras plantavam milho, batata-doce, aipim, car, inha-me e outros produtos. Schrner ainda destaca que o bairro Garibaldiainda hoje, uma regio que se mantm agrcola, no entanto todos os
dias saem trabalhadores e trabalhadoras para trabalhar nas fbricas dacidade (Schrner, 2000, p. 32).
Foto 6 Comunidade Hngara de Jaragu do Sul
Fonte: Arquivo Histrico Eugnio Victor Schmckel Jaragu do Sul (SC).
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Os imigrantes alemes, italianos e hngaros que se instalaramnas comunidades do Rio da Luz e do Rio do Serro I e II, ainda hoje
exercem atividades agrcolas e, em muitos casos, tambm se deslocamem direo cidade para trabalhar nas fbricas (Schrner, 2000). importante observar que hoje, a regio central da cidade constitui-secomo um espao urbanizado e industrializado, em que se misturam
pessoas de diferentes etnias (ver grco 1), provenientes de diversasregies do Brasil atradas pelo trabalho nas fbricas. Muitas famliasso provenientes do Paran, Rio Grande do Sul, Estados do Sudestee Nordeste do pas, sendo que o contingente de pessoas do Paran
signicativamente elevado.
Grco 1
Fonte: IBGE. Elaborado pela autora.
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Cabe observar que, com exceo dos portugueses, que foram osprimeiros a colonizarem o Brasil, o primeiro uxo migratrio mais ou
menos contnuo foi o dos alemes, instalando-se em colnias isoladasno Rio Grande do Sul e Santa Catarina a partir de 1824. No decorrerda segunda metade do sculo XIX, foram fundadas colnias alems noRio Grande do Sul, Santa Catarina e Esprito Santo. Somente a partirdos anos de 1870, que imigrantes de outras etnias vieram para o Brasil,como italianos, espanhis, entre outras. Esse nmero de imigrantes foiaumentando com o m da sociedade escravocrata e o incio do regimerepublicano, entre os anos de 1888 e 1910 (Seyferth, 1990, p. 10).
Seyferth (1990) observa que at o ano de 1880, o predomniodos imigrantes no Brasil de alemes e portugueses, posteriormente,o nmero de imigrantes italianos ultrapassaria o de alemes. Teriamemigrado para Brasil cerca de 1000 e 2000 pessoas por ano, entre asdcadas de 1850 a 1940. No entanto, os anos de 1880 marcam a siste-mtica imigrao de italianos ultrapassando os 100.000 mil imigrantes
por ano (Carneiro, 1950 apud Seyferth, 1990, p. 11).
Tabela 1
Fonte: IBGE.11
11 Disponvel em: . Acesso em: 5 nov. 2013.
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Considerando as imigraes ao longo do sculo XIX, a presen-a da imigrao alem a mais antiga, [...] colnias homogneas,
isoladas e fortemente prximas da identidade tnica germnica [que]est longe de ser comparada, em termos numricos, com a italiana. Suma corrente imigratria europeia foi to intensa quanto italiana: a
portuguesa (Seyferth, 1990, p. 11).
2.3 As caractersticas da colnia e o papel da mulher
O sistema econmico do imigrante caracterizava-se pela pequenapropriedade agrcola, administrada pelo trabalho familiar. A atividadedesses grupos domsticos de camponeses era cultivar as suas terras/lotes e tambm fabricar produtos artesanais derivados. Uma parceladesses produtos seria para suprir sua subsistncia, no entanto, a pro-duo excedente era destinada para a venda ou troca, nos pequenoscomrcios das colnias, lugar onde se encontravam os vendeiros.Conforme Seyferth, (1999b, p. 95) os vendeiros eram os propriet-rios de casas comerciais, asKaufden(vendas) onde os colonos ven-diam ou trocavam suas mercadorias12por produtos das cidades, queeram necessrios a sua subsistncia.
Quando os imigrantes tomaram posse dos seus lotes, um iso-lamento foi imposto aos colonos: pelas condies das vias de comu-nicao e pela escassez de dinheiro, os levaram a produzir o mximoque podiam em suas propriedades e a buscarem o mnimo fora dela(Schrner, 2000, p. 39). A participao da mulher e dos lhos era fun-
damental na produo e nas atividades da colnia, como a produodo fumo de corda, da manteiga, da banha e o do queijo, que so ativi-dades domsticas por excelncia. Schrner (2000) ainda observa queas atividades realizadas pelos colonos dependiam da quantidade e dacomposio dos membros da famlia. Se a maioria dos membros da fa-mlia fosse constituda por mulheres, seria raro encontrar uma serraria,uma plantao de cana ou uma olaria.
12 Suas mercadorias eram basicamente a produo de laticnios, como queijos, mantei-ga, banha de porco, vinho de laranja e fumo de corda (Schrner, 2000; Seyferth, 1999).
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Determinadas atividades econmicas dos colonos, como a cria-o de animais, as atividades agrcolas e a produo de derivados,
eram concebidas como pequenas indstrias domsticas. De acor-do com Schrner (2000, p. 39) estas atividades eram denominadasHausindustriede transformao, para ns de consumo e venda.Os imigrantes que adquiriram o seu lote se dedicaram tambm em ou-tras atividades, como o comrcio, o negcio de madeiras, o transportede cargas e passageiros e a abertura de estradas da regio. Podemoschamar a casa/lote do imigrante de casa global camponesa, lugarem que as atividades econmicas integram-se com as domsticas,
uma caracterstica da economia rural que ainda hoje persiste (Re-naux, 1995, p. 131).
Por meio da confeco de produtos artesanais na colnia origi-nou-se a pequena indstria de base familiar. No entanto, conformeSchrner (2000, p. 41) esse fator no poderia ser o principal respon-svel pela industrializao sem precedentes na regio de imigrao,
pois, nas palavras do autor, poucos dos que se tornaram grandes em-presrios capitalistas comearam como artesos, como veremos mais
frente sobre o desenvolvimento industrial na regio de Jaragu do Sul.Retornando questo das atividades econmicas na colnia, co-
mo j mencionado, havia isolamento de um lote ao outro, o que fezcom que os colonos praticamente produzissem tudo para sua sobrevi-vncia e o excedente a para a venda (Seyferth, 1999; 1999; Schrner,2000). Estudos de Renaux (1995) sobre a colonizao europeia no
Norte do Estado de Santa Catarina fala sobre as caractersticas do tra-balho do verdadeiro campons. Dizia o ditado popular: no encon-trar ele(o colono) o sol nascente perto da casa, nem o sol poente forado campo, fazendo uma referncia ao seu rduo ritmo de trabalho(Renaux, 1995, p. 22).
A diviso sexual do trabalho era algo bem denido para o ade-quado funcionamento da colnia e era assim estabelecida: a derru-
bada da mata e a extrao de madeiras era tarefa essencialmente mas-culina; as mulheres e as crianas (acima de sete anos) trabalhavam no
cuidado da horta, da casa, no preparo de alimentos e na confeco deroupas. Cabe observar que as mulheres imigrantes traziam na baga-
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gem a mquina de costura, que era uma das heranas da mulher da-quele contexto (Renaux, 1995). Conforme o relato de um historiador
de Jaragu do Sul, entrevistado:
Os hngaros no trouxeram provavelmente mquinas decostura, mas o alemo trouxe. Ento ele foi nos centros deBlumenau, Joinville e adquiriu [artefatos de costura], at
porque as lojas de armarinho, de ferragens, as lojas especia-lizadas j tinha esse produto [utenslios para costura] paravender. E assim que ele apareceu no mercado e foi introdu-zido no ambiente microssocial da famlia. Ali as meninas j
desde pequenas aprendiam a manipular o tecido pra fazeras roupas das bonecas e a aprender com a me. Pelo gesto,o convvio familiar, aquilo despertou o gosto pelo trabalholigado moda, at porque uma funo especializada quea mulher queria conquistar (Historiador do museu histricode Jaragu do Sul).
A quantidade de lhos (a prole) e a constituio da famlia eram
fundamentais para o funcionamento da produo camponesa, devi-do utilizao do trabalho infantil. Conforme os estudos de Seyfer-th (1999b) em decorrncia das precrias condies de contratao demo de obra no campo, os colonos alemes utilizavam-se do trabalhodos lhos, que quanto mais numerosos fossem, maior seria a fora detrabalho destinada produo no campo.
O trabalho infantil era comum na Alemanha, devido prin-
cipalmente impossibilidade do pequeno campons obtermo de obra assalariada por no dispor de meios para con-trol-la. Por isso os lhos desde os 6 ou 7 anos auxiliavamos pais nas atividades econmicas. O sistema persistiu nasreas de colonizao alem quase que pelas mesmas razes:
pouca disponibilidade de mo de obra assalariada e a faltade meios para contratar auxiliares (Seyferth, 1999b, p. 76).
Era comum que as mulheres imigrantes tivessem muitos lhos,
devido s necessidades de mo de obra exigidas pelo trabalho na col-
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Quando falamos na histria das mulheres do sul do Brasil, no po-demos traar um nico perl, podemos diferenci-las em alguns aspec-
tos socioculturais de outras mulheres do restante do pas. Nas palavrasde Pedro (1997, p. 278) no Sul, encontramos diferentes pers femi-ninos nos diversos perodos histricos: mulheres oriundas de etnias eclasses sociais vrias. Nesse sentido, podemos dizer que a histria dasmulheres em Jaragu do Sul, tem suas razes no processo de migraoalem, hngara, italiana, polonesa e brasileira, entre 1876 e 1891.
Segundo estudos histrico-biogrcos referentes ao deslocamen-to das famlias de imigrantes para o Brasil, o impacto do novo mundo
causava revolta nas mulheres, que atribuam aos homens a deciso deemigrar, com a promessa de terra para plantar, liberdade (sobretudo re-ligiosa) e melhorias econmicas. Esse processo migratrio turbulentodas mulheres para o Sul do Brasil teria atribudo a elas o ttulo de valen-tes e corajosas, dispostas ao trabalho e a responsabilizao pelo zelo da
paz e da ordem no ambiente familiar (Renaux, 1995; Schrner, 2000).
O papel feminino nas colnias do Vale do Itapocu e Regio teriauma relevncia fundamental para a boa administrao econmica
das famlias. Conforme Renaux (1995, p. 109-110), as mulheres imi-grantes, principalmente as menos favorecida