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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
SÃO PAULO – PUC/SP
Rodrigo Martins Da Silva
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
DIREITO TRIBUTÁRIO: DOGMÁTICA E ANÁLISE DA
JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
SÃO PAULO – PUC/SP
Rodrigo Martins Da Silva
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
DIREITO TRIBUTÁRIO: DOGMÁTICA E ANÁLISE DA
JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
Direito Tributário, sob a orientação
da Professora Doutora Julcira Maria
De Mello Vianna.
SÃO PAULO
2015
Banca Examinadora
_____________________________
_____________________________
_____________________________
DEDICATÓRIA
À minha amada esposa Keilla,
incansável motivadora.
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente à minha orientadora, Professora Julcira Maria De Mello
Vianna, pela rápida acolhida, orientação e pela confiança depositada no
decorrer da elaboração deste trabalho.
Também agradeço enormemente ao Professor Renato Lopes Becho, de quem
tive a honra de ser aluno e que muito me ensinou, com suas palavras e com
seu exemplo, sobre o direito tributário e a carreira docente.
Agradeço, ainda, à Professora Renata Elaine Silva, com quem iniciei o estudo
aprofundado do direito tributário e que me conduziu para a academia e para a
docência.
Preciso agradecer, também, a toda a fiscalização tributária do Município de
São Bernardo do Campo, da qual fiz parte por 8 anos e que também muito me
ensinou.
Da mesma forma, agradeço aos atuais colegas de trabalho, com quem
aprendo, todos os dias, o ofício de ser advogado.
E por fim, agradeço aos meus queridos alunos, pessoas que mais me ensinam
sobre o direito, a docência e a vida.
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
DIREITO TRIBUTÁRIO: DOGMÁTICA E ANÁLISE DA
JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
Rodrigo Martins da Silva
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade de aplicação
da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário.
Partindo de definições básicas, visa demonstrar os principais aspectos e
fundamentos dessa teoria para aplicá-los e testá-los no subsistema do direito
tributário, considerando, para tanto, as particularidades materiais e
processuais desse subsistema. Concluindo pela possibilidade de aplicação
da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário,
após analisar e conjugar diferentes entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais sobre o tema, visa oferecer, por fim, uma análise crítica e
comparativa entre a desconsideração da personalidade jurídica e institutos
semelhantes. É um trabalho multidisciplinar, que agrega institutos e
conceitos doutrinários pertencentes a diversos subsistemas do direito, como
o civil, comercial, empresarial, processual e, principalmente, o tributário,
confrontando-os com decisões dos tribunais brasileiros, principalmente os
superiores.
Palavras-chave: personalidade jurídica, desconsideração, direito tributário,
doutrina, jurisprudência.
LIFTING OF THE CORPORATE VEIL IN THE
TAX LAW: DOCTRINES AND ANALYSIS
OF THE BRAZILIAN JURISPRUDENCE
Rodrigo Martins da Silva
ABSTRACT
This paper intends to analyse the possibility of applying the lifting of the
corporate veil theory to the tax Law. Starting at the basic definitions, the paper‟s
objective is to demonstrate the main aspects and fundaments of this theory in
order to apply and test them in the subsystem of tax Law, considering its
material and procedural particularities. Concluding that it is possible to apply the
lifting of the corporate veil to the tax Law, after analysing and conjugating
various doctrinaire and jurisdictional understandings, this paper finally aims at
offering a critical and comparative analysis between the lifting of the corporate
veil and similar institutions. It constitutes a multidisciplinary paper that
aggregates institutions and doctrinaire concepts belonging to various Law
subsystems, such as the civil, the commercial, the procedural, and mainly, the
tax Law, confronting them with decisions taken by Brazilian courts, specially the
Superior Court of Justice.
Keywords: corporate veil, lifting, tax Law, doctrine, jurisprudence.
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ................................................................................................... 4
AGRADECIMENTOS ......................................................................................... 5
RESUMO ............................................................................................................ 6
ABSTRACT ........................................................................................................ 7
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
1 DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A COMPREENSÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA .............................. 13
1.1 A empresa ............................................................................................................ 13
1.2 O empresário ....................................................................................................... 14
1.3 O sócio ................................................................................................................. 15
1.4 O administrador ................................................................................................... 17
1.5 A pessoa jurídica .................................................................................................. 19
1.6 O início da personalidade jurídica ....................................................................... 20
1.7 O princípio da autonomia patrimonial ................................................................ 21
1.7.1 Os tipos societários alcançados pelo princípio ................................................. 24
2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ......................................................................... 26
2.1 Definição .............................................................................................................. 27
2.2 Origem ................................................................................................................. 30
2.3 A recepção brasileira da teoria ............................................................................ 32
2.4 A positivação no direito brasileiro ....................................................................... 36
2.5 O artigo 50 do Código Civil: cláusula geral do sistema jurídico ........................... 40
2.6 Os pressupostos legais de aplicação .................................................................... 42
2.6.1 O desvio de finalidade ....................................................................................... 51
2.6.2 A confusão patrimonial ..................................................................................... 55
2.7 Os pressupostos são exemplificativos? ............................................................... 58
2.8 As duas teorias brasileiras: a teoria maior e a teoria menor .............................. 60
2.9 A natureza jurídica do vínculo obrigacional ......................................................... 64
2.10 Os limites subjetivos e objetivos da desconsideração ...................................... 67
2.11 A desconsideração inversa ................................................................................ 76
3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO .................................................................................................... 80
3.1 Os diferentes entendimentos sobre o tema ....................................................... 80
3.2 A natureza não negocial do crédito tributário como fundamento legitimador da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica .......................................... 87
3.3 O prazo para requerer a desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário ..................................................................................................................... 90
3.4 Desconsideração, grupos econômicos e as obrigações tributárias ................... 104
3.5 Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário ................................................................................................................... 120
3.5.1 O devido processo legal .................................................................................. 120
3.5.2 A reserva de jurisdição .................................................................................... 132
3.5.3 O instrumento processual apropriado ............................................................. 136
3.5.3.1 A desconsideração em execução fiscal ........................................................ 139
3.5.3.2 A desconsideração em cautelar fiscal .......................................................... 147
4 DIFERENÇAS ENTRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO OU ADMINISTRADOR ......................................................................................... 150
4.1 Quanto à natureza do vínculo obrigacional ...................................................... 154
4.2 Quanto aos pressupostos de aplicação ............................................................. 155
4.3 Quanto aos limites objetivos ............................................................................. 160
CONCLUSÃO ................................................................................................. 163
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 167
10
INTRODUÇÃO
Há tempos, as questões referentes à responsabilização (essa palavra
está sendo aqui empregada em sentido amplo, isto é, referindo-se a todas as
relações obrigacionais em que figura, no polo ativo da relação, o Estado-fisco)
por débitos tributários vêm despertando especial interesse dos estudiosos e
aplicadores do direito.
Um dos interessantes temas acerca dessa responsabilização (em
sentido amplo) é a discussão doutrinária em torno da possibilidade de
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito
tributário. Essa questão tem fomentado elevadíssimos debates teóricos,
principalmente diante das diversas decisões judiciais em matéria tributária que
têm sido proferidas aparentemente fundamentadas nessa teoria.
Objetiva-se, assim, com o presente estudo, investigar se a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica é compatível com as obrigações de
direito tributário. A depender das primeiras conclusões, objetiva-se investigar,
também, como tal teoria pode ser aplicada, traçando, para isso, seus principais
contornos, pressupostos e limites de aplicação.
Com vistas a elucidar aparentes imprecisões, também analisaremos as
diferenças existentes entre a desconsideração da personalidade jurídica no
direito tributário e outros institutos que, apesar de também implicarem na
responsabilização (em sentido amplo) patrimonial de terceiros, com ela não se
confundem.
Analisaremos, dessa forma, inicialmente, algumas definições
fundamentais à compreensão do tema, como a de empresa, empresário, sócio,
administrador, pessoa jurídica, personalidade jurídica e separação patrimonial,
já que tais categorias serão mencionadas no decorrer de toda a construção do
trabalho. Além de estabelecer premissas acerca do que se entende acerca de
tais institutos, a exposição dessas definições permitirá a melhor compreensão
do nosso raciocínio.
Somente após, partiremos para o estudo da desconsideração da
personalidade jurídica em si, investigando sua origem, definição, evolução,
teorias, recepção pela doutrina e pela jurisprudência brasileira e a sua
11
positivação em diversos diplomas normativos, com especial destaque para o
artigo 50 do Código Civil, considerado cláusula geral do direito.
Evidenciaremos, em seguida, os seus pressupostos, os limites objetivos
e subjetivos de sua aplicação e, principalmente, a natureza do vínculo
obrigacional estabelecido entre o credor e aqueles sobre quem recaem os
efeitos patrimoniais decorrentes da aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica.
Depois de traçado esse panorama, enfrentaremos a problemática central
eleita no presente trabalho: há possibilidade jurídica de aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário? Em busca de
respostas, analisaremos as principais correntes doutrinárias sobre o assunto,
perpassando a análise da natureza não negocial do crédito tributário, o que é
fundamental à compreensão da matéria.
Investigaremos, em seguida, a natureza do prazo – e o próprio prazo –
para requerer a desconsideração da personalidade jurídica em direito tributário,
bem como a questão da desconsideração nos grupos empresariais.
Por sua máxima importância à matéria, as questões processuais
envolvidas também serão devidamente analisadas quanto aos aspectos mais
polêmicos, como a necessidade de se contemplar o devido processo legal e a
reserva de jurisdição a que se submete o instituto, bem como os instrumentos
processuais adequados para se promover a desconsideração da personalidade
jurídica no direito tributário.
Por fim, serão analisadas as diferenças entre a desconsideração da
personalidade jurídica e a responsabilidade tributária prevista no inciso III do
artigo 135 do Código Tributário Nacional, cotejando-se os elementos
caracterizadores da distinção.
Como o direito possui inquestionável caráter sistemático, a pesquisa
será marcada pela interdisciplinaridade, com a tentativa de se congregar
institutos pertencentes a diferentes subsistemas do direito, como o do direito
civil, empresarial, comercial e especialmente o tributário, assim como fazem
nossos tribunais ao analisar e decidir um caso concreto.
A análise crítica da jurisprudência também será uma constante no
presente trabalho, mediante a comparação do quanto decidido pelos nossos
12
tribunais, especialmente os superiores, com os ensinamentos doutrinários
sobre a matéria.
Certamente não se pretende, com este breve estudo, esgotar todas as
possibilidades de análise do tema. A afirmação pode parecer um clichê, mas,
apesar dos mais que cinquenta anos da publicação do Código Tributário
Nacional e dos mais que sessenta anos das primeiras decisões judiciais
brasileiras que aplicaram a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, a doutrina e a jurisprudência nacional ainda não consolidaram um
entendimento coerente e pacífico acerca da desconsideração no âmbito do
direito tributário. Ademais, o direito é marcado pela magia de sempre deixar a
“porta aberta” para outras infinitas reflexões.
13
1 DEFINIÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A COMPREENSÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Como o presente trabalho tem por finalidade analisar a aplicabilidade –
ou não – da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito
tributário, delimitando seus eventuais contornos e limites, com a intenção
precípua de oferecer uma análise crítica da doutrina e da jurisprudência
dominante nos tribunais brasileiros, mormente os superiores, entendemos ser
imprescindível expor algumas definições fundamentais de institutos jurídicos
que serão exaustivamente mencionados em nossas ponderações. Além de
estabelecer premissas, a exposição dessas definições auxiliará o
desenvolvimento e a compreensão do nosso raciocínio.
1.1 A empresa
A empresa é um instituto intrinsecamente multidisciplinar, pois é
composta por fatores econômicos, sociais e jurídicos que resultam em uma
organização econômico-social de fatores de produção. De acordo com Rubens
Requião (2013, p. 85), a empresa é uma realidade abstrata, na medida em que
se realiza como o conjunto organizado de fatores de produção, postos para
funcionar por um empresário.
Após ter realizado amplo estudo sobre o tema, Maria Rita Ferragut
(2013, p. 2) também explica a empresa como uma atividade econômica
organizada, acrescentando, ainda, que tal atividade visa a obtenção de lucro
mediante o oferecimento, ao mercado, de bens e serviços gerados a partir da
organização de fatores de produção, tais como força de trabalho, matéria-
prima, capital e tecnologia.
Logo, a empresa pode ser resumidamente definida como o exercício de
uma atividade organizada dos fatores de produção, congregados por um
empresário. É possível depreender, assim, que o desaparecimento do exercício
da atividade organizada implica no desaparecimento da própria empresa.
A referida autora adverte, porém, que a definição em destaque não é
unânime na doutrina, pois alguns doutrinadores definem empresa como
sinônimo de pessoa jurídica, estabelecimento, empreendimento, instituição,
14
etc. (FERRAGUT, 2013, p. 2). Ela explica, logo em seguida, que a divergência
é justificada na medida em que o Código Civil, nas raras referências que faz à
empresa, trata-a tanto como estabelecimento (artigo 978) quanto como pessoa
jurídica (artigo 1.172).
Em que pese a polissemia do termo, faremos como fez a autora em
questão: adotaremos a definição acima proposta, de empresa como atividade
organizada de fatores de produção, pois tal definição coaduna-se perfeitamente
com o nosso trabalho. Considerando, assim, que empresa é uma atividade,
torna-se necessário estudar, então, o executor dessa atividade: o empresário.
1.2 O empresário
O artigo 966 do Código Civil prescreve que “Considera-se empresário
quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Empresário, portanto, é
quem toma a iniciativa de organizar a atividade econômica de produção ou
circulação de bens ou serviços, isto é, a empresa, constituindo, assim, o seu
elemento subjetivo.
Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 123) destaca, com o senso crítico que lhe
é peculiar, que, em diversas referências, o direito positivo brasileiro ainda
organiza a disciplina normativa da atividade empresarial a partir de uma pessoa
física, mas que a figura do empresário pode ser tanto uma pessoa física, que
emprega seus recursos e organiza a empresa individualmente, quanto uma
pessoa jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.
Apesar da obviedade dessa afirmação, às vezes deixamos de considerar
que o empresário, figura que exerce a atividade organizada de produção ou
circulação de bens ou serviços, pode ser uma pessoa física ou uma pessoa
jurídica. Quando a atividade econômica de produção ou circulação de bens ou
serviços for organizada por uma pessoa natural, dá-se a ela o nome de
empresário individual, e quando for organizada por uma pessoa jurídica, dá-se
a ela o nome de sociedade empresária, conforme nos ensina Fábio Ulhoa
Coelho (2012, p. 123):
15
A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou
jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade econômica
se chama empresário individual; no segundo, sociedade
empresária. Como é a pessoa jurídica que explora a atividade
empresarial, não é correto chamar de “empresário” o sócio da
sociedade empresária.
Ocorre que o legislador frequentemente considera a pessoa física como
o núcleo conceitual das normas sobre a atividade empresarial. Acaba dando
ensejo, por isso, a confusões entre a figura do empresário pessoa jurídica e a
figura dos sócios que a compõem, como se empresário fosse sinônimo de
sócio.
De fato, enquanto a pessoa jurídica empresária é constantemente
chamada de empresa (expressão essa que, tecnicamente, corresponde à
atividade), os seus sócios são frequentemente chamados de empresários
(expressão essa que corresponde, por sua vez, à pessoa física ou jurídica
exercente daquela atividade).
Contudo, empresa é atividade, e não a pessoa que a explora, e
empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a própria sociedade,
conforme nos ensina Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 123). Empresa, empresário
e sócio são, pois, institutos jurídicos totalmente distintos, e não trazem em si,
tecnicamente, o significado de seus usos correntes.
1.3 O sócio
Sócio é a pessoa física ou jurídica que integra uma sociedade empresária
mediante sua participação na formação do respectivo capital social. Todos os
tipos societários admitem sócios na formação da sociedade, exceto a
sociedade por ações (os tipos societários, dos quais a sociedade por ações é
espécie, serão analisados adiante).
Partindo do pressuposto já firmado, de que o sócio (integrante de uma
sociedade empresária) não é o empresário (na acepção técnica do termo), é
possível concluir que ele – o sócio – não está sujeito às normas jurídicas que
definem os direitos e deveres da sociedade empresária.
16
Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 124) destaca que o direito positivo
certamente disciplina as relações jurídicas do sócio, garantindo-lhe direitos e
imputando-lhe responsabilidades em razão da exploração da atividade
empresarial pela sociedade de que faz parte (com isso, destaca que a atividade
é exercida pela sociedade empresária, e não pelo sócio). Tais relações são,
contudo, as mesmas que a legislação atribui ao empresário (enquanto pessoa
física ou jurídica exercente daquela atividade); são outros direitos e obrigações
estritamente reservados pela lei aos que se encontram na condição de sócio.
Portanto, os direitos e responsabilidades do empresário ou da sociedade
empresária não são, em regra, naturalmente extensíveis aos sócios.
Dentre as responsabilidades do sócio, destaca-se o dever de participar
da formação do capital social e das perdas sociais até o limite da sua
correspondente responsabilidade, que pode ser limitada ou ilimitada, a
depender do tipo societário adotado (que será visto adiante) ou de alguma
outra circunstância juridicamente relevante, como na desconsideração da
personalidade jurídica, que constitui o objeto do presente trabalho. Por outro
lado, o sócio tem direito de participação nos resultados sociais da sociedade,
de acordo com o quanto estipulado nas disposições contratuais pertinentes.
Fábio Ulhoa Coelho (2012b, p. 175) destaca, ainda, que o sócio pode
intervir na administração da sociedade, mediante sua participação na escolha
do administrador (figura que será analisada a seguir) ou na definição da
estratégia geral dos negócios, tendo o direito, ainda, de fiscalizar os atos de
administração, por meio do exame dos livros e documentos da sociedade
empresária e pela tomada das contas que devem ser prestadas pelos
administradores, na forma legal ou contratual.
Muito embora o sócio possa intervir na administração e fiscalização da
sociedade, ele não possui, pela simples condição de sócio, o poder de
gerência. Esse poder é reservado ao administrador.
17
1.4 O administrador
Define-se administrador como a pessoa física que, segundo os poderes
que lhe são outorgados pelo empresário, pratica, em nome desse, atos de
gestão. São os administradores, portanto, que contratam pessoal, fornecedores
e prestadores de serviço, que cuidam das contas a pagar e a receber, que
representam o empresário perante entidades públicas e privadas, que alienam
bens, que contraem obrigações, etc.
A administração pode ser atribuída a uma ou mais pessoas, sócias ou
não, designadas no contrato social ou em ato separado. Importa reiterar, a
propósito, que a administração pode ser feita por quem é sócio ou por quem
não é sócio. A mera condição de sócio não garante, per si, o direito de
administrar diretamente, muito embora garanta o direito de indiretamente
intervir na administração e na fiscalização.
Maria Rita Ferragut (2013, p. 8) destaca que o Código Civil em vigor
extinguiu a figura do sócio-gerente, que é a designação outrora atribuída ao
sócio que era investido no mandato legal de administrador e representante
legal (SILVA, 2003, p. 770), passando a adotar as figuras do administrador
sócio (que, além de participar do capital da sociedade, a administra) e do
administrador não-sócio (que é nomeado tão somente para gerir os negócios
sociais, sem que possua quotas da sociedade).
Renato Ventura Ribeiro (2005, p. 278) explica que o termo administrador
usado no Código Civil em vigor substituiu a palavra gerente, utilizada nos
diplomas legais anteriores, e que, apesar de a expressão ser sinônimo de
bacharel em Administração, não se exige, em regra, tal formação. Esclarece,
contudo, que, embora não se exija, em regra, formação específica, o
administrador deve ter um mínimo de preparo para o exercício de tal função:
(...) não há qualquer impedimento para qualquer pessoa
participar da administração da sociedade. Mas se pode
entender como falta de diligência a assunção de cargo sem
que a pessoa tenha a mínima capacidade para exercê-lo, pois
uma pessoa cuidadosa não se responsabilizaria por uma
obrigação ou tarefa que não tenha condições de cumprir
(RIBEIRO, 2005, p. 277).
18
Somente de forma excepcional a legislação delimita qual o
conhecimento técnico ou experiência exigidos para o exercício da função de
administrador, como no caso de administração de instituições financeiras
privadas (inciso XI do artigo 10 da Lei Federal nº 4.595/64) e do administrador
judicial na falência ou recuperação de empresas (artigo 21 da Lei Federal nº
11.101/05).
O termo diligência provém do latim diligere, que significa zelar ou cuidar,
considerando-se inerente ao dever de gestão, portanto, o agir com cuidado e
zelo. Assim como o sócio, o administrador possui direitos e obrigações quando
investido em tal função, conforme se observa em diversos dispositivos do
Código Civil, como, e.g., no artigo 1.011, segundo o qual “O administrador da
sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência
que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus
próprios negócios.”
Apesar de o dispositivo legal em questão estar inserido num capítulo que
trata especificamente das sociedades simples, corroboramos o entendimento
defendido por Maria Rita Ferragut (2013, p. 10), de que seu mandamento deve
ser tomado como referência para todos os tipos societários.
Ocorre, porém, que o conteúdo semântico das expressões cuidado e
diligência possui certa carga subjetiva, na medida em que a compreensão do
que seja cuidado e zelo pode variar de pessoa para pessoa. Por isso, o
legislador decidiu por bem amenizar a subjetividade, estabelecendo alguns
critérios normativos que fixam o mínimo de cautela e diligência necessários ao
exercício da administração.
De fato, o fez no artigo 1.020 do Código Civil, segundo o qual os
administradores estão obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de
sua administração, e a apresentar-lhes, anualmente, o inventário, o balanço
patrimonial e o balanço de resultado econômico.
Com o mesmo escopo, o caput do artigo 1.017 do mencionado codex
prescreve que o administrador que aplicar créditos ou bens pertencentes à
pessoa jurídica em proveito próprio ou de terceiros sem consentimento
expresso e escrito dos sócios terá de restituí-los à sociedade ou pagar o
19
equivalente, em pecúnia, com todos os lucros resultantes, respondendo, ainda,
por todos os prejuízos que houver causado.
Ao analisar as disposições do Código Civil e da Lei das Sociedades
Anônimas, Renato Ventura Ribeiro (2005, pp. 292-299) constatou os seguintes
deveres do administrador, explícitos e implícitos: informar-se, qualificar-se,
participar, vigiar, buscar informações, investigar, intervir e não praticar erros
graves no exercício de sua função.
Neste trabalho, adotaremos a expressão administrador para indicar
aquele que possui o poder de gestão da sociedade sem ostentar, porém, a
condição de sócio. Nas situações em que o administrador for sócio,
adotaremos a expressão sócio-administrador, distinguindo, assim, as figuras do
sócio, do administrador e do sócio administrador, de modo a empregar maior
rigor metodológico ao nosso discurso.
1.5 A pessoa jurídica
Heleno Taveira Tôrres (2003, p. 436-457) explica que existem,
basicamente, quatro teorias científicas acerca da pessoa jurídica. De acordo
com a teoria da ficção, a pessoa jurídica seria algo irreal, imaginária,
desprovida de objetividade existencial. Segundo essa concepção, o direito
concebe a pessoa jurídica como uma criação artificial, cuja existência, por isso
mesmo, é uma simples ficção.
Para a teoria da equiparação, a pessoa jurídica não tem personalidade
própria, surgindo em razão de certas massas de bens, isto é, de patrimônios
que são equiparados, no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais.
De acordo com a teoria orgânica ou da realidade objetiva, é possível
haver, paralelamente às pessoas físicas, sujeitos que, apesar de não serem
constituídos pelo direito, são por ele reconhecidos. O direito os declara
existentes e lhes atribui personalidade jurídica própria, reconhecendo,
paralelamente, que essas pessoas podem fazer emanar sua vontade própria.
Seus partidários entendem, assim, que a pessoa jurídica é uma realidade viva,
análoga à pessoa física. Segundo essa teoria, as pessoas jurídicas possuem
20
tanto um corpus, que administra e mantém a entidade em contato com o
mundo, como um animus, que é sua vontade dominante.
A teoria da realidade das instituições jurídicas defende, por sua vez, que
o direito pode criar suas próprias instituições e seus entes personificados,
colocando a pessoa jurídica, assim, como produto da técnica jurídica. Ao
rejeitar a tese ficcional (teoria da ficção), essa teoria considera os entes
coletivos uma realidade que não seria objetiva (teoria orgânica ou da realidade
objetiva), pois a personificação se opera por construção eminentemente
jurídica, ou seja, o ato de atribuir personalidade não seria arbitrário, mas à vista
de uma situação jurídica.
Tomando por base o artigo 45 do Código Civil, segundo o qual a
existência legal das pessoas jurídicas de direito privado tem início com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, a doutrina majoritária tem
defendido, como fazem Heleno Tôrres (2003, p. 436-457) e Fábio Ulhoa
Coelho (2012b, pp. 144-145), que a personificação da pessoa jurídica é, de
fato, uma construção da técnica jurídica, o que justifica, inclusive, a suspensão
legal de seus efeitos, por meio da desconsideração da personalidade jurídica
nas situações excepcionais admitidas igualmente por lei.
Igualmente ao mencionado jurista, adotaremos a teoria da realidade no
presente estudo, porquanto é a que melhor se coaduna com as nossas
premissas. A sociedade empresária, desde que esteja constituída nos termos
da lei, adquire o status de pessoa jurídica, tornando-se capaz, por
consequência, para contrair direitos e obrigações.
1.6 O início da personalidade jurídica
A personalidade jurídica pode ser definida como a aptidão genérica para
adquirir direitos e contrair obrigações. É um atributo de que se reveste toda
pessoa, seja ela física (ou natural) ou jurídica. O já mencionado artigo 45 do
Código Civil prescreve que a existência legal das pessoas jurídicas de direito
privado tem início, em regra, com a inscrição de seu ato constitutivo no
respectivo registro.
21
Portanto, de acordo com a lei civil, a pessoa jurídica passa a ter
personalidade jurídica a partir de sua regular constituição. Como ente distinto
dos sócios que a compõem, sua personalidade jurídica é independente da
personalidade dos mencionados sócios. A pessoa jurídica terá, assim,
enquanto sujeito de direitos e obrigações, o seu próprio nome e o seu próprio
patrimônio.
Muito embora o artigo 45 do Código Civil prescreva que a personalidade
das pessoas jurídicas de direito privado tem início, em regra, com a inscrição
de seu ato constitutivo no respectivo registro, as sociedades em conta de
participação constituem a exceção, pois o artigo 993 do mencionado codex
prescreve que seu contrato social produz efeitos somente entre os sócios, e
que a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não lhe
confere personalidade jurídica.
Dessa forma, excepcionando-se as sociedades em conta de
participação, a personalidade jurídica da pessoa jurídica, isto é, sua aptidão
para adquirir direitos e contrair obrigações, lhe será reconhecida quando o seu
respectivo ato constitutivo for registrado no órgão competente.
Dentre todas as consequências advindas do início da personalidade da
pessoa jurídica, a que mais nos interessa – por força dos fins objetivados neste
trabalho – é justamente a mencionada separação patrimonial entre os bens da
entidade personalizada e os bens dos sócios que a compõe, que a doutrina
designa como princípio da autonomia patrimonial.
1.7 O princípio da autonomia patrimonial
Ao prescrever que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos
seus membros, o artigo 20 do Código Civil de 1916 previa, nas dobras de sua
redação, em regra considerada instituidora de princípio jurídico, a separação
patrimonial entre os bens dos sócios e os bens da pessoa jurídica. Insta
destacar que essa separação patrimonial também podia ser depreendida a
partir dos artigos 22 e 23 do mesmo diploma legal, que tratavam do destino dos
bens da pessoa jurídica em caso de sua extinção.
22
Muito embora o atual Código Civil não tenha reproduzido dispositivo
idêntico aos artigos 20, 22 ou 23 do codex anterior, Maria Rita Ferragut (2013,
pp. 23-24) observou que:
As regras veiculadas nos artigos 22 e 23 da legislação anterior
encontram-se atualmente previstas, ainda que com redação um
pouco diversa, no parágrafo 1º do artigo 61 do Código Civil. Tal
enunciado tem por pressuposto a distinção patrimonial, ao
permitir que os associados deliberem restituir-se das
contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da
associação.
A referida autora assevera, logo em seguida, que o artigo 50 do Código
Civil em vigor, que regula o instituto da desconsideração da personalidade
jurídica (sobre o qual versa o presente trabalho), também confirma a distinção
e a autonomia patrimonial existentes entre o sócio e a pessoa jurídica, na
medida em que uma das causas para a desconsideração da personalidade é
exatamente a confusão patrimonial.
De fato, se os bens devem permanecer separados, sob pena de
desconsideração da personalidade jurídica, é porque a propriedade desses
bens pertence a pessoas diversas. Como observa a referida autora, se fossem
todos da pessoa jurídica, ou da física, a confusão seria impossível e o
dispositivo legal em questão não teria qualquer utilidade.
Outros dispositivos do Código Civil preveem, de forma pontual, a mencionada
separação patrimonial ao tratar de tipos societários específicos. De fato, ao
tratar das sociedades limitadas, o artigo 1.052 do Código Civil prescreve que a
responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, e que todos
respondem solidariamente pela integralização de seu capital social.
O artigo 1.065 do mesmo código também expressa a separação
patrimonial existente nas sociedades limitadas, ao prescrever que, ao término
de cada exercício social, deve ser elaborado o inventário, o balanço patrimonial
e o balanço de resultado econômico da pessoa jurídica, demonstrando, com
isso, que ela é titular de seu próprio patrimônio.
23
Tais dispositivos, por nós colhidos a título exemplificativo, demonstram a
clara distinção existente entre o patrimônio social e o patrimônio dos sócios que
compõem a pessoa jurídica que, no caso de tais dispositivos pontuais,
corresponde à sociedade limitada.
Ocorre que a segregação patrimonial em questão passou a projetar seus
efeitos além dos lindes do direito civil, tendo recebido, por isso, pela doutrina
pátria, conforme já se mencionou, o status de princípio jurídico. Trata-se do
princípio da autonomia patrimonial, que é explicado por Fábio Ulhoa Coelho
(2012, p. 80) da seguinte forma:
Em razão da autonomia patrimonial, os bens, direitos e
obrigações da sociedade, enquanto pessoa jurídica, não se
confundem com os dos seus sócios. A principal implicação
deste princípio é a impossibilidade de se cobrar, em regra, dos
sócios, uma obrigação que não é deles, mas de outra pessoa,
a sociedade.
Em outro estudo, o mesmo autor (COELHO, 2012b, pp. 144-145)
esclarece que:
(...) a sociedade terá patrimônio próprio, seu, inconfundível e
incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus
sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa
jurídica responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que
assumir. Os sócios, em regra, não responderão pelas
obrigações da sociedade. Somente em hipóteses excepcionais
(...) poderá ser responsabilizado o sócio pelas obrigações da
sociedade.
Portanto, as obrigações contraídas pelos sócios a eles pertencem, e por
elas responderão com seu próprio patrimônio, e as obrigações contraídas pela
pessoa jurídica a ela pertencem, e por elas responderá com seu próprio
patrimônio.
Tanto a doutrina civilista (GONÇALVES, 2011, p. 249) quanto a
comercialista (COELHO, 2012, p. 142) afirmam que a autonomia patrimonial da
24
pessoa jurídica constitui um dos mais importantes princípios do direito, de
fundamental importância para o desenvolvimento de atividades econômicas, na
medida em que limita eventuais prejuízos decorrentes do possível insucesso
àqueles que se propõem a empreender.
Ao lado das prescrições classificadas como de direito material, acima
vistas, a legislação processual civil brasileira também contempla,
expressamente, a separação patrimonial em questão, ao prescrever, no artigo
596 do Código de Processo Civil em vigor, que os bens particulares dos sócios
não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.
O denominado Novo Código de Processo Civil, instituído por meio da Lei
Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, ainda em vacatio legis no
momento da conclusão do presente trabalho, reproduz essa mesma regra no
caput de seu artigo 719, ao igualmente prescrever que os bens particulares dos
sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos
em lei.
A separação patrimonial em questão foi reafirmada, ainda, no § 4º desse
dispositivo, que impõe a observância do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica previsto nos artigos 133 a 137 do mesmo código para
que se possa responsabilizar os sócios por obrigações contraídas pela
sociedade.
Portanto, por expressa previsão normativa, tanto de direito material
quanto de processual, é regra que a pessoa jurídica responderá com o seu
próprio patrimônio pelas obrigações que assumir. Tais regras limitam a
possibilidade de os sócios virem a comprometer seu patrimônio pessoal em
decorrência do fracasso da pessoa jurídica por eles constituída. Contudo,
excepcionalmente, poderá haver a responsabilização de sócio pelas
obrigações da pessoa jurídica, mas somente e tão somente nos casos
previstos em lei, como no caso da desconsideração da personalidade jurídica.
1.7.1 Os tipos societários alcançados pelo princípio
Há diversas formas de se organizar uma pessoa jurídica exercente de
atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. De
25
acordo com o ordenamento jurídico em vigor, a pessoa jurídica pode ser
constituída como sociedade limitada, sociedade anônima, empresa individual
de responsabilidade limitada (EIRELI), sociedades simples, em nome coletivo,
em comum, em conta de participação, em comandita simples, etc. Em cada um
desses tipos societários, a legislação atribuiu diferentes formas de atribuição de
responsabilidade aos sócios.
O Código Civil prescreve não haver limitação de responsabilidade
patrimonial nas sociedades simples, em nome coletivo, em comum, em conta
de participação e em comandita simples. Dessa forma, por razões óbvias, a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pode ser aplicada a
esses tipos societários, na medida em que o respectivo sócio já responde com
seu patrimônio pelas obrigações da sociedade.
Como o princípio da autonomia patrimonial se aplica, por força das
disposições do ordenamento jurídico em vigor, somente à sociedade limitada, à
sociedade anônima e à empresa individual de responsabilidade limitada
(EIRELI), são esses, pois, os únicos tipos societários sobre os quais pode ser
aplicada a mencionada teoria da desconsideração. Assim, toda a pesquisa e as
conclusões a seguir acerca da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica terão como objeto somente e tão somente esses três tipos societários.
Leonardo Netto Parentoni (2014, p. 62) observa, porém, que não é
necessária a existência de pessoa jurídica e nem sequer de personalidade
jurídica para a aplicação da desconsideração (o que coloca em dúvida,
inclusive, a própria nomenclatura dada à teoria), na medida em que a limitação
da responsabilidade de um determinado patrimônio – e, por consequência, a
possibilidade de romper tal limitação – pode ser conferida por lei a qualquer
centro de imputação de direitos e deveres, ainda que despersonificado, como
ocorre em relação à massa falida, o espólio, etc.
Se o direito cria sua própria realidade, conforme já afirmamos linhas
acima, não há porquê discordarmos das considerações feitas pelo referido
autor. Contudo, reiteramos que nosso estudo se volta à limitação da
responsabilidade patrimonial – e à possibilidade de superação dessa limitação
– relativamente à sociedade limitada, sociedade anônima e empresa individual
de responsabilidade limitada (EIRELI).
26
2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Fábio Ulhoa Coelho (2012b, pp. 144-145) explica que a personalidade
jurídica, isto é, a capacidade de contrair direitos e obrigações, é uma criação da
lei, sendo, por consequência, uma permissão do Estado, que o faz, no caso
das pessoas jurídicas, objetivando o desenvolvimento de atividades
econômicas.
Assim como Heleno Tôrres (2003, p. 436-457), Fábio Ulhoa Coelho
também parece adotar a teoria da realidade para explicar a pessoa jurídica (já
elucidada linhas acima), teoria essa que também adotamos, segundo a qual o
direito pode criar suas próprias instituições, como a pessoa jurídica, sua
personalidade e a separação patrimonial entre os seus bens e os bens de
sócio.
Por outro lado, Rubens Requião (2013, p. 457) doutrina que a
personalidade jurídica é um reconhecimento do ordenamento jurídico brasileiro.
O mencionado autor parece adotar a teoria orgânica, pois defende que a
personalidade jurídica não é constituída pelo direito, mas simplesmente
reconhecida.
Seja com base na teoria da realidade ou com base na teoria orgânica,
nada mais legítimo do que reconhecer ao Estado, então, a faculdade de
verificar se o direito por ele criado ou concedido está sendo licitamente
utilizado, atribuindo-lhe competência para reprimir o mau uso. Uma das formas
que ao Estado foi outorgada para reprimir o mau uso é pela desconsideração
da personalidade jurídica.
Etimologicamente, o vocábulo desconsiderar (des, prefixo latino,
corresponde a oposição, e considerar corresponde a levar em conta) significa
não considerar, desatender, desprezar, etc. Assim, como a personalidade
jurídica – e, por decorrência, todos os seus efeitos, como o da autonomia
patrimonial – pode ser desconsiderada, isto e, desprezada, desatendida, é
possível concluir, ab initio, que ela é um direito relativo, razão pela qual
corroboramos a tese de que ela é uma permissão do Estado (teoria da
realidade).
27
Conforme adverte Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 263), ela não é uma
teoria contra a separação subjetiva entre a sociedade empresária e seus
sócios: “Muito ao contrário, ela visa preservar o instituto, em seus contornos
fundamentais, diante da possibilidade de o desvirtuamento vir a comprometê-
lo.” Contudo, como no modelo jurídico brasileiro, o Estado pode fazer somente
e tão somente o que estiver expressamente permitido em lei, cremos que deve
ser buscada na lei, então, todos os pressupostos, meios e limites para a
aplicação dessa reprimenda denominada desconsideração da personalidade
jurídica.
2.1 Definição
Luís da Câmara Cascudo (1986, p. 244) ensina que, na Grécia e na
Roma Antigas, os atores representavam peças teatrais usando máscaras. Não
se via, dessa forma, o rosto do artista. O artifício da máscara servia para
induzir o público ao entendimento de que ali havia uma personagem com “vida
própria”, que não se confundia, em absoluto, com a pessoa do ator.
A máscara dava, portanto, além de vida, personalidade própria àquela
personagem. Porém, quando o ator desempenhava mal o seu papel, podia-se
exigir que tirasse a máscara, exibindo, assim, sua verdadeira fisionomia, isto é,
sua verdadeira personalidade, para que pudesse receber do público todos os
ônus de sua má ou falsa atuação, isto é, as vaias decorrentes do desagrado
coletivo.
As lições de Câmara Cascudo serviram à construção da definição de
desconsideração da personalidade jurídica criada por Alexandre Alberto
Teodoro da Silva (2007, p. 69), que prega que “(...) desconsiderar a
personalidade jurídica seria como arrancar a máscara da pessoa jurídica com o
fim de revelar sua legítima expressão, escondida pelo abuso de
personalidade.”
Fazendo uma comparação com o teatro antigo, o referido autor explica
que a máscara seria a personalidade jurídica; o artista seria o sócio; e sua
união para a atividade artística, a pessoa jurídica personificada. Conclui, com
base nisso, que, ao abusar “da máscara” para a prática de uma “interpretação”
28
abusiva ou desastrosa, surgiria o direito ao lesado de exigir do Estado a
providência de retirar a máscara da pessoa jurídica personificada para que
sofra os ônus de sua má interpretação.
Tal providência é a desconsideração da personalidade, que revela,
assim, as pessoas que se mantinham encobertas sob a proteção da pessoa
jurídica, permitindo ao lesado buscar a satisfação de seus direitos no
patrimônio do sócio ou do administrador (relembrando, aqui, que nosso estudo
se volta à sociedade limitada, anônima, e à empresa individual de
responsabilidade limitada) que sofreu a desconsideração.
A propósito, Mary Elbe de Queiroz (2005, p. 132) ensina que:
A desconsideração de atos, negócios ou personalidade jurídica
é uma forma de se desprezar (levantar o véu) o ato, negócio ou
personalidade jurídica que se apresenta sob forma lícita e de
acordo com o Direito Privado, mas que no seu âmago encerra
abuso e prejuízo a terceiro de boa-fé, em decorrência da
utilização de pessoa jurídica, para alcançar os sócios como
verdadeiros beneficiários dos resultados da sociedade, a fim de
responsabilizá-los para que eles assumam o ônus dos danos
causados a esses terceiros. A desconsideração tem por
objetivo proteger terceiros de boa-fé de abusos ou tentativas de
limitar a responsabilidade dos sócios, por meio do emprego ou
constituição de pessoa jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser vista, assim, tanto
como uma tentativa de prevenir e dar segurança aos terceiros de boa-fé,
quanto uma punição àquele que se utiliza da personalidade jurídica para
acobertar interesses pessoais e fugir à respectiva responsabilidade (QUEIROZ,
2005, p. 132).
Importa destacar, por outro lado, que a desconsideração da
personalidade jurídica não se confunde com a despersonalização da pessoa
jurídica. A distinção é muito bem explicada por Carlos Roberto Gonçalves
(2011, p. 250), ao ensinar que a despersonalização acarreta a dissolução da
pessoa jurídica ou a cassação de sua autorização de funcionamento, enquanto
na desconsideração subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa
29
coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa
distinção é afastada, episodicamente, e tão somente para um determinado
caso in concreto.
Nesse sentido, destacam-se os ensinamentos de Maria Helena Diniz
(2012, p. 348), para quem, na aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica:
(...) subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa
coletiva, distinta da pessoa de seus sócios, mas tal distinção é
afastada, provisoriamente, para um dado caso concreto. Há
uma repressão ao uso indevido da personalidade jurídica,
mediante desvio de seus objetivos ou confusão do patrimônio
social para a prática de atos abusivos ou ilícitos, retirando-se,
por isso, a distinção entre bens do sócio e da pessoa jurídica,
ordenando que os efeitos patrimoniais relativos a certas
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou dos sócios, recorrendo, assim, à superação
da personalidade jurídica porque os seus bens não bastam
para a satisfação daquelas obrigações, visto que a pessoa
jurídica não será dissolvida, nem entrará em liquidação.
Referindo-se à mesma teoria, Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 288)
também ensina que:
Imputa-se responsabilidade aos sócios e membros integrantes
da pessoa jurídica que procuram burlar a lei ou lesar terceiros.
Não se trata de considerar sistematicamente nula a pessoa
jurídica, mas, em caso específico e determinado, não a levar
em consideração. Tal não implica, como regra geral, negar
validade à existência da pessoa jurídica.
Assim, o ato que desconsidera a personalidade jurídica não a
desconstitui; apenas nega eficácia ao efeito da separação patrimonial entre os
seus bens e os bens dos sócios quando se desvendar, por detrás da vontade
manifestada pela pessoa jurídica, a real presença dominante do querer de
terceiros (RAMALHETE, 1984, p. 10).
30
Logo, o ato que desconsidera a personalidade não dissolve o ato
constitutivo da pessoa jurídica, isto é, não o invalida, não acarretando, dessa
forma, a dissolução da sociedade. Permite apenas a superação episódica e
momentânea do princípio da autonomia da pessoa jurídica para a satisfação
dos interesses do credor lesado junto ao patrimônio de sócio.
2.2 Origem
Clóvis Ramalhete (1984, p. 10) explica que a desconsideração da
personalidade jurídica nasceu do labor jurisprudencial nos Séculos XIX e XX,
tendo seu primeiro caso (de que se tem registro) em 1987, no julgamento do
célebre litígio Salomon vs. Salomon & Co pela justiça inglesa. O mencionado
autor narra que Aaron Salomon era um comerciante de couros e calçados que
fundou, em 1892, a Salomon & Co., tendo como sócios fundadores ele mesmo,
sua mulher e seus cinco filhos.
A sociedade foi constituída com 20.007 ações. A mulher e os cinco filhos
tornaram-se proprietários de uma ação cada, e as demais 20.001 foram
atribuídas a Aaron Salomon, sendo que 20.000 delas foram integralizadas com
a transferência, para a sociedade, do fundo de comércio que Aaron já possuía,
como detentor único e a título universal. Consta, ainda, que o preço da
transferência desse fundo era superior ao valor das ações subscritas.
Assim, pela diferença, Aaron Salomon tornou-se credor da sociedade de
que fazia parte, isto é, da Salomon & Co., com garantia real constituída em seu
favor. Na realidade, a estratégia de ser tornar credor real da sociedade de que
fazia parte servia como forma de gozar das facilidades e bônus da atividade
econômica sem incorrer nos riscos e ônus a ela inerentes, pois, ao menos
formalmente, acaso houvesse insucesso nessa sociedade, Aaron Salomon
estaria com o seu patrimônio protegido com garantia real constituída em seu
favor.
Ocorre que a sociedade veio a se tornar insolvente e precisou, por isso,
ser dissolvida. Apesar de Aaron Salomon ser credor da sociedade, com
garantia real, o liquidante da massa arrecadou os bens pessoais de Aaron para
atender aos direitos dos demais credores da companhia. Salomon ingressou
31
em juízo, sustentando, então, a existência da pessoa jurídica Salomon & Co., e
como sócio, a ele não deveria se transmitir a responsabilidade pessoal pelas
obrigações contraídas pela sociedade.
Contudo, sobreveio decisão reconhecendo a identidade entre Aaron e
sua sociedade mercantil, com confusão patrimonial, sobre o fundamento de
que a pessoa jurídica da Salomon & Co. era apenas uma “extensão” de Aaron
Salomon. Condenaram-no, assim, a pagar à sociedade determinada quantia
em dinheiro, correspondente ao capital social devido, para que fossem
satisfeitos os créditos dos demais credores.
O mencionado autor (RAMALHETE, 1984, p. 10) destaca que a decisão
em questão só foi possível, à época, devido às particularidades do sistema
jurídico anglo-saxão, que adota o direito não escrito e com base na equidade
na construção de sua jurisprudência. Assim, mesmo sem regra jurídica
positivada, foi possível ao Juiz inglês aplicar a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica ao referido caso, fundamentando na equidade a sua
decisão.
Rubens Requião (2013, p. 461) destaca que a Casa dos Lordes
posteriormente reformou essa decisão, julgando que a companhia havia sido
validamente constituída de acordo com as leis comerciais, e que não existia,
portanto, a responsabilidade pessoal de Aaron Salomon para com os credores
da Salomon & Co., sendo válido, dessa forma, o seu crédito privilegiado.
Apesar da reforma da decisão, o quanto decidido pela instância inferior
repercutiu em todo o mundo, dando origem à doutrina do disregard of legal
entity (para nós, desconsideração da personalidade jurídica), sobretudo, nos
Estados Unidos da América, onde se formou larga jurisprudência, expandindo-
se, posteriormente, para a Alemanha e para os demais países, inclusive para o
Brasil.
Apesar de ser uma criação jurisprudencial do final do Século XIX, o
estudo doutrinário da mencionada teoria é considerado recente, tendo Rolf
Serick como seu principal sistematizador, na tese de doutorado defendida junto
à Universidade de Tübigen, na Alemanha, em 1953 (COELHO, 2005, p. 261).
32
2.3 A recepção brasileira da teoria
O ordenamento jurídico brasileiro possuía, desde 1916 (quase que
contemporaneamente, portanto, ao surgimento da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica nas instâncias inferiores da justiça inglesa), por força
do artigo 20 do Código Civil de 1916, regra expressa de que “As pessoas
jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.” Dessa regra, surgiu o
que a doutrina passou a designar como princípio da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica, de grande importância no âmbito nacional, conforme já visto no
Capítulo anterior.
Apesar da inequívoca clareza desse mandamento legal, inclusive,
alçado ao status de princípio, o Ministro Edgard de Moura Bittencourt decidiu,
em 11 de abril de 1955, ao julgar o Recurso de Apelação nº 9.247 junto ao
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que é possível, em determinados
casos e por razões de equidade, superar o referido princípio da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica, conforme consta no seguinte excerto da
decisão:
Há, no caso, completa confusão do patrimônio da pessoa física
do executado com o do embargante, o que resultou evidente
prejuízo para quem contratou com aquele.
(...)
A assertiva de que a pessoa da sociedade não se confunde
com a pessoa dos sócios – é um princípio jurídico, mas não
pode ser um tabu, a entravar a própria ação do Estado, na
realização de perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude
do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao
direito.
Essa é considerada a primeira decisão judicial brasileira a aplicar a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica conforme o modelo
aplicado pelos mencionados tribunais ingleses. A partir dessa, sobrevieram
outras decisões judiciais no mesmo sentido, como a proferido pelo então
Desembargador Oswaldo Aranha Bandeira de Mello no julgamento da
Apelação Cível nº 105.835, em 29 de março de 1962, junto à 4ª Câmara Cível
33
do Tribunal de Justiça de São Paulo, citada por Maria Helena Diniz (2012, pp.
256-257).
Fundado na teria do negócio fiduciário, o referido Desembargador
admitiu, em cobrança intentada contra sócios de uma pessoa jurídica, a
penhora de bens da sociedade (verifica-se tratar, em verdade, de
desconsideração inversa da personalidade jurídica, que será abordada
adiante), por entender que essa não passava de uma:
(...) projeção do próprio executado, então seu presidente, a
quem dava poderes de gestão tão ilimitados, como se só por
ele ou por seus haveres fosse constituída, de modo a lhe
atribuir dupla personalidade, e lhe permitir o jogo dúbio com os
seus credores.
Destaca-se, em tais julgados, que, no confronto entre a regra
expressamente positivada no artigo 20 do já ab rogado Código Civil (que
estipulava a separação patrimonial entre os bens do sócio e os bens da
sociedade) e a teoria da desconsideração da personalidade jurídica fundada na
defendida equidade, prevaleceu, nitidamente, a mencionada teoria.
Verifica-se, assim, que a jurisprudência pátria começava a adotar
soluções semelhantes àquelas dadas pelos tribunais ingleses, demonstrada no
caso Salomon vs. Salomon & Co. Ao fundamentar suas decisões na equidade,
a jurisprudência pátria estava adotando a ideia, portanto, de que a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica dispensa regras jurídicas
positivadas.
Ocorre que, ao mesmo tempo em que despontavam as primeiras
decisões judiciais brasileiras fundadas na equidade, o jurista Rubens Requião
(1969, pp. 12-24) escreveu, em ensaio doutrinário pioneiro sobre o tema no
Brasil, que a desconsideração da personalidade jurídica possui inquestionável
viés principiológico. Tudo indica, aliás, que o referido autor também foi
influenciado pelas decisões inglesas sobre a teoria da desconsideração.
O mencionado doutrinador passou a defender, a partir de então, que o
fundamento da desconsideração da personalidade jurídica é principiológico
34
(REQUIÃO, 1988, p. 70), entendimento esse mantido em toda a sua obra,
inclusive pelo atualizador Rubens Edmundo Requião (2013, pp. 460-462).
Após muito refletir sobre essa teoria, o mencionado autor concluiu que
ela é uma consequência direta da expressão estrutural da sociedade que a
adota, pois, em qualquer país em que se apresente a separação incisiva entre
a pessoa jurídica e os membros que a compõem, ocorre o mesmo problema:
como enfrentar aqueles casos em que essa radical separação conduz a
resultados completamente injustos e contrários ao direito?
Eis a síntese de suas reflexões:
(...) tanto nos Estados Unidos, na Alemanha, ou no Brasil, é
justo perguntar se o juiz, deparando-se com tais problemas,
deve fechar os olhos ante o fato de que a pessoa jurídica é
utilizada para fins contrários ao direito, ou se em semelhante
hipótese deve prescindir da posição formal da personalidade
jurídica e equiparar o sócio e a sociedade para evitar manobras
fraudulentas. São tais indagações que levam os tribunais norte-
americanos a consagrar e aplicar a doutrina, tal como
aconteceu no julgamento do caso Montgomery Web Company
vs. Dienelt, no qual o tribunal indagou de si próprio “se o direito
há de fechar seus olhos diante da realidade de que a diferença
(entre a pessoa jurídica e o sócio) é um mero jogo de
palavras”. Respondeu, sem vacilações que a solução há de ser
sempre a de que “nada existe que nos obrigue a semelhante
cegueira jurídica” (REQUIÃO, 1998, p. 70).
Conclui, assim, logo em seguida, que, diante de um abuso evidente, o
juiz brasileiro deve indagar-se, na formação de seu livre convencimento, se há
de consagrar a fraude, o abuso, o desvio, a ilicitude ou se deve desprezar
episodicamente a personalidade jurídica para, penetrando em seu âmago,
alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou
abusivos, realizando, assim, a almejada justiça.
Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 60) também parece defender, nas dobras
de sua afirmação, a natureza principiológica do instituto, cuja aplicabilidade
independeria de fundamento legal expresso:
35
(...) é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a
desconsideração da personalidade jurídica não depende de
qualquer alteração legislativa para ser aplicada, na medida em
que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos.
Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de
dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a
fraude.
É possível verificar, assim, que os referidos teóricos entendem, nitidamente
influenciados pela jurisprudência estrangeira (e influenciando, por sua vez, a
jurisprudência nacional firmada no Século passado), que a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica possui natureza principiológica.
Com base nisso, sustentam que ela pode ser aplicada mesmo sem regra
positivada expressa, e inclusive, contra a regra alçada aos status de princípio
que impõe a separação patrimonial entre os bens do sócio e os bens da
pessoa jurídica.
Não se nega o importante papel da doutrina e da magistratura na
formação do direito pátrio, tampouco a função criadora das decisões judiciais,
até mesmo porque a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
prescreve, em seu artigo 4º, que o juiz decidirá o caso, quando a lei for omissa,
de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Contudo, impõe-se uma reflexão: que segurança jurídica pode haver na
aplicação de uma teoria importada do direito estrangeiro de matriz anglo-saxã
(diferente, portanto, da matriz adotada pelo direito pátrio) que permite superar
um princípio basilar de direito já incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro
com base no argumento de que ao juiz cabe aplicar a promover a equidade?
Parece-nos que tal entendimento fragiliza a segurança jurídica que se
espera de um ordenamento das decisões judiciais com base nele proferidas,
razão pela qual nos permitimos entender que qualquer aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica deve ser fundamentada e ter os
seus limites delineados em lei.
36
2.4 A positivação no direito brasileiro
Ao mesmo tempo em que também reconhece a função criadora do
direito reservada à magistratura, até mesmo porque foi Ministro do Supremo
Tribunal Federal, Clóvis Ramalhete (1984, pp. 9-14), preocupado com a
inexistência de fundamento escrito à aplicação da teoria da desconsideração,
passou a defender que a recusa dos efeitos da personalidade jurídica deveria
ter apoio em lei.
A necessidade de lei também é defendida pelo professor Alexandre
Couto Silva (2000, p. 55), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, que, tendo por base as teorias que explicam a pessoa jurídica,
assevera o seguinte:
Do ponto de vista da concepção ficcionista, a lei que criou a
pessoa jurídica poderá suspender seus efeitos e desconsiderá-
la, enquanto na teoria realista a desconsideração é enfocada
como instrumento do direito positivo para ajustar as
construções jurídicas a seus efeitos metajurídicos.
Assim, muito embora haja abalizadas vozes defendendo a aplicação
principiológica da mencionada teoria no direito brasileiro, fundada no dever de
promoção da equidade atribuída ao Juiz, deve-se considerar que o nosso
sistema jurídico se filia à tradição do direito escrito, o que não pode ser
simplesmente ignorado.
É razoável supor, então, que o sistema jurídico nacional, que é de direito
escrito, integrado ao grande ramo latino-germânico, exige um fundamento legal
para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Um
texto normativo que reconheça e trate dessa teoria com o devido rigor técnico,
estabelecendo os pressupostos, limites e os precisos efeitos da
desconsideração eliminará uma série de contestações, inconvenientes e
inseguranças quanto à sua aplicação.
De acordo com essa perspectiva, parece frágil, portanto, a posição
daqueles que defendem a aplicação da mencionada teoria com base em
fundamentos unicamente principiológicos, de acordo com a equidade, segundo
37
a livre convicção do juiz. E foi contemplando a legalidade que o legislador
pátrio inseriu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em
diversos diplomas normativos, como, e.g., no parágrafo 2º do artigo 2º da
Consolidação das Leis do Trabalho, que prescreve o seguinte:
Art. 2º (...)
§ 2º. Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada
uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a
direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo
industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica,
serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente
responsáveis a empresa principal e cada uma das
subordinadas.
Outra previsão legal pode ser encontrada no artigo 28, § 5º, do Código
de Defesa do Consumidor:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver
abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato
ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má administração.
(...).
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores
A Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre
sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente, também passou a prescrever que:
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre
que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
38
Assim, aos poucos, setorialmente, o legislador brasileiro passou a
positivar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em
determinados subsistemas do direito, certamente inspirado pela jurisprudência
inglesa, que havia influenciado, como tudo indica, a doutrina e a jurisprudência
pátria.
Ocorre, porém, que, mesmo diante dessas regras legais expressas, os
tribunais brasileiros continuavam a aplicar a teoria em questão por meio de
construção pretoriana fundada na equidade, mormente quando se deparavam
com o uso abusivo da personalidade jurídica em subsistemas jurídicos ainda
não regulamentados.
Mais uma vez, o legislador pátrio foi convocado, então, a eliminar as
dúvidas e os abusos cometidos por parte da jurisprudência na aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Cumprindo o chamado, o
legislador pátrio elaborou a regra constante no artigo 50 do Código Civil em
vigor e, ao contemplar a relatividade do princípio da separação patrimonial
entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, incorporou toda a
doutrinária e jurisprudência brasileira produzidas até aquele momento,
estabelecendo critérios e limites à aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que
os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica.
A redação final do dispositivo legal em questão foi fruto de emenda
apresentada pelo Senador Josaphat Marinho à redação original do Projeto de
Lei, concebida pelo Ministro Moreira Alves, que possuía o seguinte texto:
A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos
no ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à
39
prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz,
a requerimento de qualquer dos sócios, ou do Ministério
Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais
sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.
Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções
cabíveis, responderão conjuntamente com os da pessoa
jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante
que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou
abusiva, salvo se norma especial determinar a
responsabilidade solidária de todos os membros.
Ao analisar a redação do artigo 50 em questão, que é bem diferente da
redação originalmente proposta, João Batista Lopes (2003, p. 40) afirmou que
o legislador brasileiro consagrou uma desconsideração da personalidade
jurídica inédita, que não se confunde com as outras prescrições legais até
então existentes, no Brasil ou no exterior, tendo deixado de “confundir” o
instituto da desconsideração com a dissolução da pessoa jurídica ou com a
anulação de seus atos constitutivos, críticas essas existentes à redação do
instituto na Consolidação das Leis do Trabalho e no Código de Defesa do
Consumidor, e que nos permitimos deixar de analisar por não serem
pertinentes aos fins objetivados neste estudo. Por ser diferente do exterior,
deixaremos de analisar para evitar a sabida sincronia irregular.
Após ter estudado a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica fundada em integração jurisprudencial, isto é, sem
fundamento legal expresso, Heleno Taveira Tôrres (2005, pp. 55-56) passou a
defender que, a partir da entrada em vigor da regra constante no artigo 50 do
Código Civil, não tem mais cabimento qualquer defesa de aplicação da
mencionada teoria com base em princípio, criticando, assim, expressamente, o
entendimento mantido por Requião. Corroboramos, pois, o entendimento
claramente demonstrado por Heleno Taveira Tôrres.
Apesar da importância histórica dos procedentes jurisprudenciais
estrangeiros e nacionais, expressa e declaradamente fundamentados na
equidade, e que chegaram inclusive a dar status principiológico à teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, segundo abalizadas vozes, o
40
legislador brasileiro, fiel às características e fundamentos do nosso sistema
jurídico, que é de direito escrito, integrado ao grande ramo latino-germânico,
condensou os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários até então
produzidos (naturalmente excluindo algumas divergências) na redação do
artigo 50 do Código Civil em vigor, que é considerado, atualmente, o “fio
condutor” da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Contudo, uma dúvida se impõe: qual será a amplitude de aplicação de suas
disposições?
2.5 O artigo 50 do Código Civil: cláusula geral do sistema jurídico
Segundo Miguel Reale (2005, pp. 40-41), Presidente da Comissão
Elaboradora e Revisora do Código Civil em vigor, tal diploma não engloba
apenas um conjunto de regras de direito privado; engloba, também, regras e
institutos de Teoria Geral do Direito, aplicáveis, pois, a todos os ramos da
Ciência Jurídica.
Nas palavras do referido teórico:
(...) não menos relevante é a resolução de lançar mão, sempre
que necessário, de cláusulas gerais, como acontece nos casos
em que se exige probidade, boa-fé ou correção (corretezza)
por parte do titular do direito, ou quando é impossível
determinar com precisão o alcance da regra jurídica.
(...)
Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em sua
concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor
que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na
aplicação da norma.
Apresentando uma tendência atual e moderna, a mencionada
codificação civil abandonou aquele modelo rígido que separava,
cirurgicamente, o direito público e o direito privado, para incorporar em seu
texto uma nova proposta filosófica, de modelos abertos, alcançando e regendo
as relações surgidas na sociedade contemporânea e que nem sempre se
41
enquadram naquela velha mencionada dicotomia entre o direito público e o
privado.
Interessando-se pelas lições deixadas por Miguel Reale, Judith Martins
Costa e Gerson Luiz Carlos Branco (2012, pp. 126-130) se propuseram a
analisar as diretrizes teóricas do Código Civil em vigor e concluíram que o
artigo 50 do Código Civil é uma dessas cláusulas gerais de Direito, na medida
em que expressões como abuso da personalidade e desvio de finalidade
mostram-se aplicáveis a todos os subsistemas do direito.
De maneira enfática, Tula Wesendonck (2012, p. 361) também sustenta
que o dispositivo legal em questão é uma dessas regras que interpenetram o
direito público e o direito privado, nos seguintes termos:
Esse estudo evolutivo é relevante para definir os contornos da
desconsideração e a fixação dos princípios e das regras
comuns da desconsideração, tendo em conta os requisitos que
são apresentados no art. 50 do CC/2002, que por estar na
Parte Geral do Código Civil, pode ser aplicado a todos os
ramos do direito, inclusive em relação ao direito tributário e
trabalhista (como ocorre também por incidência do art. 187 do
CC/2002).
Ao adotarmos essa premissa como verdadeira, de que a aplicação do
artigo 50 não se restringe ao Direito Civil, somos levados a admitir que a
desconsideração da personalidade jurídica nele positivado emana seus efeitos
sobre os mais diversos subsistemas do direito.
Contudo, será que a mencionada interpenetração do artigo 50 alcança
os lindes do subsistema do direito tributário? Essa questão será analisada com
profundidade no próximo Capítulo, que é dedicado especificamente à análise
da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário.
42
2.6 Os pressupostos legais de aplicação
Partindo da premissa de que o artigo 50 do Código Civil emana efeitos
sobre todos os subsistemas do direito, cumpre-nos analisar, então, quais são
os pressupostos à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Rubens Requião (1969, p. 17), pioneiro no estudo do assunto no Brasil,
defende que (i) a fraude ou (ii) o abuso de direito são os pressupostos
autorizadores da aplicação da mencionada teoria. Assim, subjaz nos
ensinamentos do referido autor que os pressupostos são subjetivos: fraude ou
o abuso de direito, que dependem do elemento anímico.
Por outro lado, lançando suas atenções especificamente sobre as
Sociedades Anônimas, mas com reflexões extensíveis aos demais tipos
societários passíveis sujeitos aos efeitos da desconsideração, Fábio Konder
Comparato e Calixto Salomão Filho (2008, passim) sustentaram que o
pressuposto autorizador da aplicação da mencionada teoria é a confusão
patrimonial entre o titular do controle e a sociedade controlada.
Na visão desses teóricos, a fraude e o abuso de direito apontados por
Requião não contemplam, devido ao caráter subjetivo, todas as possibilidades
de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. É
possível verificar, assim, que Comparato e Salomão Filho, contrariamente a
Requião, prendem-se a pressupostos objetivos.
Essa divergência doutrinária deu surgimento a duas teorias brasileiras
bem distintas acerca da desconsideração da personalidade jurídica: (i) a teoria
subjetiva, defendida por Requião, e que se funda na fraude e no abuso; e (ii) a
teoria objetiva, defendida por Comparato e Salomão Filho, que tem como
fundamento da desconsideração a confusão patrimonial.
Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 139), ao analisar essas duas teorias,
reconhece o mérito de Comparato ao apontar a insuficiência da teoria
subjetiva, mas ressalta, por outro lado, que a confusão patrimonial, que
também justifica a desconsideração da personalidade jurídica, não é a única
hipótese ou o único fundamento para a aplicação dessa teoria, nos seguintes
termos:
43
Salienta-se que, inicialmente, a teoria da desconsideração, por
escassez de aplicação, baseava-se principalmente na
ocorrência de fraude e do abuso – concepção subjetivista –, e
com a evolução da teoria e a atuação dos tribunais em casos
práticos pôde-se destacar fundamentos para a sua aplicação,
dando-lhe um enfoque mais objetivista. Entretanto, deve-se
depreender que a teoria não pode e nem deve ser entendida
como de caráter exclusivamente subjetivista ou objetivista,
como quiseram alguns doutrinadores. A coexistência de ambas
as concepções é possível, completando uma à outra, pois a
concepção objetivista não abrange todos os casos possíveis de
aplicação da teoria, devendo-se socorrer da concepção
subjetivista, que pode atingir maior número de hipóteses de
aplicação da teoria.
Conforme consta no trecho acima transcrito, Coelho abandonou o
mencionado “maniqueísmo” até então existente na doutrina e passou a
sustentar o seguinte: devido à concepção objetivista não abranger todos os
casos possíveis de aplicação da teoria da desconsideração, deve-se aplicar,
também, a concepção subjetivista, que fundamenta outras hipóteses de
aplicação.
É preciso destacar, porém, que o enfocado “maniqueísmo” doutrinário
surgiu sob a égide da vigência do Código Civil de 1916 e das diversas decisões
judiciais que, inspiradas pelas decisões proferidas pelos tribunais ingleses (e
posteriormente, americanos) se propuseram a aplicar a mencionada teoria com
base na “equidade”, conforme já destacado.
Ocorre que a regra jurídica que trata da desconsideração da
personalidade jurídica encontra-se atualmente positivada no artigo 50 do
Código Civil (que pode ser considerado uma cláusula geral do direito, sendo
aplicável, assim, a todos os ramos jurídicos, conforme acima visto), segundo o
qual, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir que os efeitos de
certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios de pessoa jurídica.
44
Eis, então, os atuais pressupostos autorizadores da aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica: o abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Tais
pressupostos não foram lançados na lei “por acaso”; foram construídos pela
doutrina e pela jurisprudência nacional durante décadas de aplicação da
mencionada teoria.
Por isso, a doutrina brasileira moderna defende que o artigo 50 do
Código Civil recepcione tanto o principal critério da teoria subjetivista, baseado
no abuso de direito, quanto aquele outro critério da teoria objetivista, que exige
a demonstração da confusão patrimonial (TÔRRES, Heleno Taveira, 2005, p.
54, e COELHO, Fábio Ulhoa, 2012, p. 139).
Não se limitando à polêmica acima destacada, Mary Elbe Queiroz (2005,
p. 137) visualiza, de forma analítica, requisitos implícitos e explícitos para a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. De acordo com seu
entendimento, deve haver:
i) a existência de uma obrigação legal, isto é, uma relação
obrigacional entre credor e o devedor pessoa jurídica cuja
personalidade será desconsiderada;
ii) a obrigação não tenha sido cumprida;
iii) o não cumprimento esteja relacionado com outro ato ilícito,
ou seja, o abuso de personalidade jurídica, pois não é qualquer
inadimplemento que justifica a medida, o abuso tem que ser a
causa do prejuízo ao credor ou a terceiro;
iv) o abuso da personalidade jurídica decorra de desvio de
finalidade (uso anormal da pessoa jurídica ou desvirtuamento
da sua finalidade institucional) ou confusão patrimonial (mistura
entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios, tendo em
vista que a constituição de sociedade pressupõe a separação
patrimonial entre o patrimônio dela e a dos seus membros);
v) a desconsideração será aplicada e procedida por autoridade
judicial;
vi) a pessoa que está habilitada a requerer a desconsideração:
a parte prejudicada (o credor) ou o Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo.
45
A existência de uma obrigação legal é condição sine qua non, sem a
qual não há porque desconsiderar a personalidade jurídica, dispensando
maiores reflexões. Quanto ao não cumprimento, a mencionada autora
esclarece, porém, que:
Em decorrência da garantia da liberdade e da proteção da
personalidade jurídica, não é qualquer inadimplemento de
obrigação que poderá ensejar a desconsideração, é mister que
seja provada a má-fé, o artifício ou a manobra no sentido de
burlar, fraudar ou criar um escudo ou manto para desviar e
mascarar a realidade em prejuízo de terceiro de boa-fé
(QUEIROZ, 2005, p. 138).
Logo, o simples inadimplemento da obrigação não enseja a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica: o inadimplemento deve decorrer,
necessariamente, de um ato ilícito caracterizado pela intenção de frustrar a
satisfação do crédito titularizado pelo credor.
O Superior Tribunal de Justiça tem demonstrado esse entendimento em
suas decisões, conforme se depreende do trecho abaixo transcrito, extraído da
Ementa do Acórdão proferido por ocasião do julgamento do Recurso Especial
nº 1.141.447/SP, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, decidido em 8 de
fevereiro de 2011 pela Terceira Turma do mencionado tribunal:
DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. ART. 50 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002. 1) DISTINÇÃO DE
RESPONSABILIDADE DE NATUREZA SOCIETÁRIA.
2) REQUISITO OBJETIVO E REQUISITO SUBJETIVO.
3) ALEGAÇÃO DE DESPREZO DO ELEMENTO SUBJETIVO
AFASTADA.
I - Conceitua-se a desconsideração da pessoa jurídica como
instituto pelo qual se ignora a existência da pessoa jurídica
para responsabilizar seus integrantes pelas conseqüências de
relações jurídicas que a envolvam, distinguindo-se a sua
natureza da responsabilidade contratual societária do sócio da
empresa.
46
II - O artigo 50 do Código Civil de 2002 exige dois requisitos,
com ênfase para o primeiro, objetivo, consistente na
inexistência de bens no ativo patrimonial da empresa
suficientes à satisfação do débito e o segundo, subjetivo,
evidenciado na colocação dos bens suscetíveis à execução no
patrimônio particular do sócio – no caso, sócio-gerente
controlador das atividades da empresa devedora.
III - Acórdão cuja fundamentação satisfez aos dois requisitos
exigidos, resistindo aos argumentos do Recurso Especial que
alega violação ao artigo 50 do Código Civil de 2002.
IV - Recurso Especial improvido. (sic.)
Vejamos um esclarecer trecho do voto do ilustre Ministro Relator:
(...)
7.- A jurisprudência desta Corte chancela o caráter objetivo-
subjetivo dos requisitos da desconsideração, exigindo a
presença de duas facetas: a) a inexistência de ativo patrimonial
do devedor, apto a arcar com as consequências do débito
(“Haftung”) e b) a utilização maliciosa da pessoa jurídica
desfalcada de ativo patrimonial por parte do sócio detentor dos
haveres negados à pessoa jurídica deles exausta.
(...)
Destaca-se, ainda, no mesmo sentido, a decisão proferida pela
mencionada Corte de Justiça no julgamento do Agravo Regimental no Agravo
em Recurso Especial nº 28.612/SP, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes
Maia Filho, realizado pela Primeira Turma em 14 de agosto de 2012:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE SOCIETÁRIA E RESPONSABILIDADE
PESSOAL DOS SEUS SÓCIOS E ACIONISTAS
CONTROLADORES. INCABIMENTO. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DE DESVIO DE FINALIDADE OU DE
EXCESSO DE PODER. NECESSIDADE DE REEXAME DO
47
CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS.
IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
(...)
2. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem
aplicação no domínio do Direito Obrigacional e se restringe aos
casos em que a entidade originariamente obrigada deixa de
desempenhar a tempo e modo o dever jurídico assumido, em
decorrência ou em face de atos praticados pelos seus
dirigentes, controladores ou acionistas, com desvio de
finalidade ou excesso de poder (art. 50 do Código Civil), pelo
que estes assumem a responsabilidade ilimitada pela solvência
daquele mesmo dever.
3. A insolvência da sociedade, ocorrente quando os seus
recursos são insuficientes para responder pelas obrigações
assumidas, não enseja, por si só, a aplicação da teoria da
desconsideração de sua personalidade, eis que os seus
acionistas e controladores não estão legalmente obrigados a
realizar aportes financeiros emergenciais.
4. Agravo Regimental da COMPANHIA DE SANEAMENTO
BÁSICO DE SÃO PAULO - SABESP desprovido.
Assim, o simples fato de o credor não conseguir receber seu crédito não
implica, necessariamente, na possibilidade de desconsideração da
personalidade jurídica: deve ficar evidenciado dolo, isto é, a intenção de frustrar
a satisfação do crédito.
Em outro esclarecedor julgamento realizado pelo Superior Tribunal de
Justiça em 11 de fevereiro de 2014, de relatoria da ministra Nancy Andrighi,
nos autos do Recurso Especial nº 1.395.288, foi reafirmado esse entendimento
ao se decidir que a dissolução da sociedade não dá ensejo, per si, à aplicação
da desconsideração da personalidade jurídica, na medida em que se exige a
inequívoca demonstração da intenção de impedir deliberadamente a satisfação
dos interesses dos credores:
48
Civil. Dissolução irregular da sociedade empresária.
Desconsideração da personalidade jurídica. Ausência de
indícios do abuso da personalidade. Artigo analisado: 50,
CC/2002.
1. Ação de prestação de contas distribuída em 2006, da qual foi
extraído o presente recurso especial, concluso ao gabinete em
05.07.2013.
2. Discute-se se o encerramento irregular da sociedade
empresária, que não deixou bens suscetíveis de penhora, por
si só, constitui fundamento para a desconsideração da
personalidade jurídica.
3. A criação de uma sociedade de responsabilidade limitada
visa, sobretudo, à limitação para os sócios dos riscos da
atividade econômica, cujo exercício, por sua vez, a todos
interessa, na medida em que incentiva a produção de riquezas,
aumenta a arrecadação de tributos, cria empregos e gera
renda, contribuindo, portanto, com o desenvolvimento
socioeconômico do país.
4. No entanto, o desvirtuamento da atividade empresarial,
porque constitui verdadeiro abuso de direito dos sócios e/ou
administradores, é punido pelo ordenamento jurídico com a
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade,
medida excepcional para permitir que, momentaneamente,
sejam atingidos os bens da pessoa natural, de modo a
privilegiar a boa-fé nas relações privadas.
5. A dissolução irregular da sociedade não pode ser
fundamento isolado para o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica, mas, aliada a fatos concretos que
permitam deduzir ter sido o esvaziamento do patrimônio
societário ardilosamente provocado de modo a impedir a
satisfação dos credores em benefício de terceiros, é
circunstância que autoriza induzir existente o abuso de direito,
consubstanciado, a depender da situação fática delineada, no
desvio de finalidade e/ou na confusão patrimonial.
6. No particular, tendo a instância ordinária concluído pela
inexistência de indícios do abuso da personalidade jurídica
49
pelos sócios, incabível a adoção da medida extrema prevista
no art. 50 do CC/2002.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
desprovido.
Voltando suas atenções a outros pressupostos, Maria Helena Diniz
(2012, pp. 347-348) explica que:
Pelo Código Civil, como se vê, quando a pessoa jurídica se
desviar dos fins (objetivo diferente do ato constitutivo para
prejudicar alguém; mau uso da finalidade social) que
determinaram sua constituição, pelo fato de os sócios ou
administradores a utilizarem para alcançar objetivo diverso do
societário, ou, quando houver confusão patrimonial (mistura do
patrimônio social com o particular do sócio, causando dano a
terceiro) em razão de abuso da personalidade jurídica, o órgão
judicante, a pedido do interessado ou do Ministério Público,
estará autorizado, como base na prova material do dano, a
desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica (…).
O desvio de finalidade e a confusão patrimonial são considerados,
portanto, na visão da referida autora, os meios, isto é, as formas pelas quais
deve ocorrer o abuso da personalidade jurídica. Assim, se não houver desvio
de finalidade ou confusão patrimonial, não há que se falar em abuso da
personalidade jurídica para fins de aplicação da mencionada teoria.
Tais pressupostos, caracterizadores do abuso da personalidade jurídica,
também são largamente reconhecidos pela jurisprudência pátria. Destaca-se,
nesse sentido, a decisão proferida pela mencionada Corte Superior de Justiça
no julgamento do Recurso Especial nº 970.635/SP, de relatoria da Ministra
Nancy Andrighi, realizado pela Terceira Turma em 10 de novembro de 2009:
Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de
título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa
executada. Desconsideração da personalidade jurídica.
Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da
Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
50
- A mudança de endereço da empresa executada associada à
inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado
pelo exequente não constituem motivos suficientes para a
desconsideração da sua personalidade jurídica.
- A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é
aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria
Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva
quanto na objetiva.
- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais,
somente é possível a desconsideração da personalidade
jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior
Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato
intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo
da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão
patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração),
demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de
separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus
sócios.
Após explicar que a desconsideração da personalidade jurídica ostenta
caráter subsidiário, isto é, constitui a ultima ratio do direito obrigacional,
Leonardo Netto Parentoni (2014, p. 70) assevera que os pressupostos em
questão, quais sejam, o desvio de finalidade e a confusão patrimonial, são
cumulativos e constituem o “DNA” da desconsideração da personalidade
jurídica. Aliás, o caráter subsidiário também é defendido por Heleno Taveira
Tôrres (2005, pp. 50-51), para quem:
A desconsideração da personalidade jurídica é instrumento que
somente poderá ser usado em condições excepcionas, quando
presentes seus requisitos, segundo provas muito evidentes,
sob pena de fazer dos tipos societários conceitos relativos e
desprovidos de qualquer segurança jurídica, quanto aos
critérios que os guiam, como separação patrimonial,
responsabilidade etc. Firma-se aqui o princípio da
subsidiariedade para aplicação da teoria da desconsideração,
51
que só pode ser aplicada como medida extrema em relação a
outros meios ou mecanismos de produção de provas.
Devido à importância de tais pressupostos (desvio de finalidade e
confusão patrimonial) para a aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica, e considerando as diversas polêmicas e imprecisões que sobre eles
recaem, entendemos ser pertinente estudá-los com maior grau de
detalhamento.
2.6.1 O desvio de finalidade
Ao consultarmos os léxicos jurídicos, verificamos que o desvio de
finalidade (ou de função) é explicado como abuso de direito:
(...) pode ser definido o abuso de direito como exercício
anormal do direito, sem motivo legítimo, sem justa causa,
unicamente com o intuito de prejudicar a outrem.
Sempre se caracteriza pela evidência de dolo ou má-fé. E
estrutura a lide temerária.
O abuso de direito tanto se revela nos atos do autor, quando
intenta ação com espírito de emulação, mero capricho ou erro
grosseiro, como nos do réu, quando opõe, maliciosamente,
resistência injustificada ao andamento do processo (Cód. de
Proc. Civil, art. 16).
(...)
O direito à liberdade, que é liberdade, é assegurado aos
brasileiros e estrangeiros residentes no país, é
constitucionalmente assegurado dentro dos princípios que as
próprias leis determinam (CF de 1988, art. 5º). E pessoa não
pode usar dessa liberdade para transgredir os princípios
assentados nas leis (SILVA, 2003, p. 7).
O desvio de finalidade ou abuso de direito pode ser praticado, dentre
outras possibilidades, por meio de fraude, conforme também explica De Plácido
e Silva (2003, p. 370):
52
(...) a fraude traz consigo o sentido do engano, não como se
evidencia no dolo, em que se mostra a manobra fraudulenta
para induzir outrem à prática de ato, de que lhe possa advir
prejuízo, mas o engano oculto para furtar-se o fraudulento ao
cumprimento do que é de sua obrigação ou para logro de
terceiros. É a intenção de causar prejuízo a terceiros.
(...)
A fraude, assim, firma-se na evidência do prejuízo causado
intencionalmente, pela oculta maquinação.
O vocábulo desvio também é frequentemente empregado pela
terminologia jurídica como sinônimo de uso indevido ou anormal. Assim, para
que ocorra desvio de finalidade mediante o exercício abusivo da personalidade
jurídica, deve ocorrer o uso anormal ou indevido da pessoa jurídica.
Se o objetivo principal de se atribuir à pessoa jurídica personalidade
distinta da personalidade dos membros que a compõem é o de conferir-lhe
maior agilidade, estabilidade, permanência e segurança nas relações sociais,
para que, mediante atividade econômica organizada, ofereça ao mercado bens
e serviços, não pode então essa pessoa jurídica ser utilizada para fins diversos
e escusos, com vistas à dolosa frustração da satisfação dos interesses de
terceiros.
Assim, aproveitando os exemplos dados pelo mencionado dicionarista,
comete abuso de direito (ou desvio da função) quem usa a constitucionalmente
assegurada liberdade de exercício de atividade econômica ou de profissão com
o intuito de locupletar-se ilicitamente em face de outrem (que, em tese, pode
ser o Fisco), frustrando-lhe seus legítimos direitos e causando-lhe intencional
prejuízo.
Leonardo Netto Parentoni (2014, p. 63) afirma que o abuso de direito
ensejador da desconsideração da personalidade jurídica é caracterizado por
um ato formalmente lícito, pois contra o ato formalmente ilícito já existe a
responsabilidade civil prevista no artigo 186 do Código Civil:
A ilicitude que caracteriza a desconsideração da personalidade
jurídica situa-se no plano substancial (no conteúdo da
atividade, na maneira como é exercida ou nos efeitos por ela
53
efetivamente visados). Ou seja, se a atividade é formalmente
contrária ao Direito, torna-se possível responsabilizar
civilmente o seu executor, de forma direta, não havendo
necessidade de lifting the corporate veil.”
De acordo com esse entendimento, a desconsideração da personalidade
jurídica será possível apenas se estiver ocorrendo, de forma subjacente, a
partir de uma atividade ou ato aparentemente lícito (ou de ato decorrente dela),
a prática de um abuso de direito, com o intuito de locupletar-se em detrimento
de outrem.
Ao afirmar que não há dúvidas quanto à configuração da fraude como
ilícita, Mary Elbe Queiroz (2005, pp. 96-97) ensina que:
A fraude tributária é um conceito genérico no qual se englobam
todos os procedimentos do contribuinte que encerram
violações, artifícios, manipulações, abusos etc. Todos eles com
o objetivo de burlar a aplicação das leis tributárias, evitar ou
reduzir, disfarçar ou manipular a ocorrência do fato gerador e,
por consequência, o nascimento da obrigação tributária, ou
fazê-la surgir formalmente de modo diverso daquele
efetivamente ocorrido no mundo factual, com a finalidade de
pagar menos tributo.
Heleno Taveira Tôrres (2003, p. 351) também ensina, por sua vez, que:
Não é fraude à lei em matéria tributária descumprimento direto
de normas tributárias, que são cogentes e imperativas. Assim
pensam muitos, mas se equivocam. Fraude à lei que importa
ao direito tributário é o afastamento de regime mais gravoso ou
tributável por descumprimento indireto de regra imperativa de
direito privado, na composição do próprio ato ou negócio
jurídico.
É possível inferir, assim, que o cumprimento meramente formal de
dispositivos legais, mas em confronto com os valores prestigiados e tutelados
pelo ordenamento jurídico, isto é, se o ilícito estiver situado no plano
54
substancial do ato (no seu conteúdo), apesar de formalmente lícito, e se tal ato
for assim praticado com a intenção de obter um fim contrário ao demonstrado
em sua prática, igualmente contrário ao direito, que é o de indevidamente
locupletar-se às custas de outrem, causando-lhe prejuízo ou frustrando-lhe a
satisfação de seus legítimos direitos patrimoniais, poderá ocorrer a
caracterização – em tese – do ato reprimível por meio da desconsideração da
personalidade jurídica.
Mary Elbe Queiroz (2005, pp. 80-81) explica que a distinção e a fixação
do liminar entre o lícito (elisão) e o ilícito (evasão) no âmbito do direito tributário
(e não só no direito tributário) é extremamente difícil e complexa, tornando o
caminho perseguido pelo intérprete e aplicador da norma tributária tortuoso e
cansativo, e que:
Para se proceder ao exame do assunto mister se faz
estabelecer a premissa de que nem todos os comportamentos
dos contribuintes que resultem em um menor ônus fiscal, por
meio da busca de redução ou exclusão do pagamento de
tributo ou, ainda, representem a obtenção de vantagem fiscal,
deverão ser considerados como ilícitas ou ilegais. A ordem
jurídica aceita, como já reconhecido pela maioria da doutrina e
da jurisprudência judicial, que os particulares possam adotar
procedimentos, desde que lícitos e sem manipulações,
artifícios ou subterfúgios, na gestão do seu patrimônio e bens,
no sentido de planejarem a sua vida empresarial com vistas à
economia de tributos. Inclusive, independentemente de haver
ou não outro propósito negocial (business purpose).
O business purpose (propósito negocial) é, portanto, um dos indícios
pelos quais é possível estabelecer a linha divisória entre o lícito e o ilícito, isto
é, entre o abuso e a inexistência de abuso da pessoa jurídica para fins de
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Todos que conhecem o dia a dia do direito tributário sabem como são
frequentes e variadas as engenharias e os expedientes criados por alguns
contribuintes com o intuito de fugir do ônus financeiro representado pela carga
55
tributária. Porém, essa fuga nem sempre é lícita: nem sempre está presente o
business purpose.
Exemplos corriqueiros de abusos nos lindes do Direito Tributário são as
denominadas simulações de estabelecimento ou de operações, com vistas à
transferência de créditos de Imposto sobre Produtos industrializados (IPI) ou de
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com vistas a
frustrar os legítimos interesses do Estado-fisco.
As formas utilizadas nesses casos são aparentemente lícitas, como uma
venda e compra interestadual de mercadorias ou fabricação de um produto,
mas, às vezes, subjaz nesses negócios uma ilicitude, que é a simples
transferência de créditos tributários sem a respectiva transferência de
mercadorias, ou seja, um desvio de finalidade.
2.6.2 A confusão patrimonial
Quando alguns indivíduos decidem constituir uma pessoa jurídica, como,
e.g., uma sociedade empresária, e dela se tornarem sócios, presume-se que
concordam com a separação patrimonial decorrente do modelo empresarial
adotado, tendo o dever jurídico, portanto, de observá-la. Dessa forma, a
separação patrimonial entre os bens dos sócios e os bens da sociedade é um
pressuposto do modelo empresarial adotado, e qualquer “mistura” desse
patrimônio, isto é, qualquer confusão patrimonial, descaracteriza o modelo.
Por consequência, se não estão mais vinculados ao modelo escolhido,
devido à sua descaracterização, não há que se falar na limitação patrimonial,
se essa for um dos efeitos do referido modelo. Por isso, Arnold Wald e Luiza
Rangel de Moraes (2005, p. 244) afirmam que:
O critério da confusão patrimonial para desconsideração da
personalidade jurídica externa corporis parte da própria
concepção de separação patrimonial, de que se reveste a
sociedade. Quando os sócios distorcem tal característica, cabe
o levantamento do véu da pessoa jurídica, de modo a viabilizar
a incidência da norma jurídica que teria sido afastada mediante
tal artifício.
56
Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 252) explica, didaticamente, como
constatar tal confusão:
(...) se pelo exame da escrituração contábil ou das contas
bancárias apurar-se que a sociedade paga dívidas do sócio, ou
este recebe créditos dela, ou o inverso, ou constatar-se a
existência de bens de sócio registrados em nome da
sociedade, e vice-versa, comprovada estará a referida
confusão.
Dessa forma, a escrituração contábil conjunta, ou mesmo o pagamento
de despesas de uma pessoa jurídica por outra, poderá ensejar a confusão
patrimonial caracterizadora do abuso que permite, nos termos do artigo 50 do
Código Civil, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica.
Ocorrerá abuso de personalidade jurídica, portanto, qualificado pela
confusão patrimonial, sempre que os sócios e a pessoa jurídica com
patrimônios distintos por força da lei (modelo societário adotado) vierem a
exercer idênticos direitos de uso, gozo e disposição dos bens pertencentes a
uma e a outra personalidade, escondendo-se, assim, atrás do manto formal da
pessoa jurídica, com o escopo de obter vantagens indevidas, ou mesmo de
frustrar o adimplemento de obrigações particulares ou da própria pessoa
jurídica encoberta.
De acordo com Leonardo Netto Parentoni (2014, p. 64), muito embora o
membro (sócio) de determinada pessoa jurídica possa influenciar a formação
da vontade da entidade (sem que se configure qualquer desrespeito à
autonomia da atividade por ela desenvolvida), não se admite que venha a
substituir essa vontade pela sua própria, assenhorando-se, assim, dos bens
que compõem o patrimônio destacado como se a ele pertencessem
diretamente, e não apenas de forma indireta, como resultado eventual daquela
atividade.
Assim, uma vez contraídas e saldadas as obrigações da pessoa jurídica,
o eventual resultado pode ser disponibilizado aos sócios, mas isso não pode
ser feito antes de se apurar o resultado, o que só é possível após saldadas as
57
obrigações. Os sócios de uma pessoa jurídica dotada de patrimônio próprio
devem respeitar o devido distanciamento jurídico dos bens da sociedade, para
que possam usufruir, assim, da garantia legal da limitação de responsabilidade
patrimonial, que, vimos, não é absoluta.
Nesse sentido, o autor em destaque (PARENTONI, 2014, p. 65) explica
que:
Quando tais membros atuam como se fossem titulares de
poder direto de disposição sobre os bens que compõem o
patrimônio destacado, ao invés de simples credores do
resultado da atividade por meio dele exercida, o limite legal da
responsabilidade deixa de ser aplicável, pois passam a se
confundir duas esferas patrimoniais que deveriam ser tratadas
separadamente.
Deve ser estritamente respeitada, portanto, aquela mencionada
“fronteira” entre a autonomia patrimonial da sociedade e do sócio. Quando não
for possível distinguir o que é bem da pessoa jurídica e o que é bem da pessoa
física (sócio) que a compõe, seja de forma pontual ou de forma generalizada,
estará caracterizada a confusão patrimonial.
Contudo, conforme esclarece Alexandre Alberto Teodoro da Silva (2007,
p. 136), a simples ocorrência de confusão patrimonial não legitima, per si, a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Para o referido autor,
a confusão patrimonial a que se refere o artigo 50 do Código Civil deve
decorrer de um abuso da personalidade jurídica:
Nesse caso, o que o art. 50 do CC quer atingir é a confusão
patrimonial prejudicial, isto é, aquela que é utilidade como
escudo para a obtenção de resultados que contrariem os fins
econômicos e sociais do direito à personalidade jurídica.
Negar esse posicionamento equivale a afirmar – na contramão da
doutrina majoritária, já mencionada – que o direito brasileiro só adotou a teoria
menor da desconsideração da personalidade jurídica, que prescinde do
elemento anímico (intenção).
58
2.7 Os pressupostos são exemplificativos?
Após definir a desconsideração da personalidade jurídica como o
eventual e episódico desconhecimento de sua existência em razão de abuso,
com o propósito de estender a responsabilidade ao patrimônio de sócio ou de
administrador, Erik Frederico Gramstrup (2007, p. 63) afirma que não destaca e
nem utiliza, em sua definição, aqueles critérios de confusão patrimonial e de
desvio de finalidade pelos quais o abuso da personalidade jurídica é
manifestado, sob o argumento de que o artigo 50 do Código Civil os menciona
com finalidade meramente didática.
O referido teórico entende que esses pressupostos são espécies do
gênero abuso, e que foram enunciados pelo legislador de forma
exemplificativa, somente e tão somente para facilitar o entendimento da
expressão de maior extensão, que é o abuso. De acordo com sua concepção,
a confusão patrimonial e o desvio de finalidade não exaurem todas as
possibilidades de abuso, sendo, pois, uma enumeração de hipóteses possíveis
e não taxativas. Defende, com base nisso, que “Quem abusa da personalidade
jurídica afasta-a dos objetivos legítimos para as quais foi concebido o ente
moral”, bastando isso, e só, à desconsideração da personalidade jurídica
(GRAMSTRUP, 2007, p. 63).
Ao consultarmos De Plácido e Silva (2003, p. 6), podemos verificar que o
vocábulo abuso é usado na linguagem jurídica para expressar excesso de
poder ou de direito, bem como o mau uso ou má aplicação desse direito. Após
explicar que o termo em questão é utilizado em várias expressões, dentre as
quais, destaca-se o abuso de direito, explica que ele também significa:
Exercício anormal ou irregular do direito, isto é, sem que
assista a seu autor motivo legítimo ou interesse honesto
justificadores do ato, que, assim, se verifica e se indica como
praticado cavilosamente, por maldade ou para prejuízo alheio.
(...)
Em razão disso pode ser definido o abuso de direito como
exercício anormal do direito, sem motivo legítimo, sem justa
causa, unicamente com o intuito de prejudicar a outrem.
Sempre se caracteriza pela evidência de dolo ou má-fé.
59
Talvez seja por isso que Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 288) afirma
que os atos escusos, passíveis de ensejar a desconsideração da personalidade
jurídica, podem ser dos mais diversos tipos, não havendo como realizar uma
enumeração apriorística, dependo, assim, do exame da situação in concreto.
Fábio Ulhoa Coelho (1989, p. 13) também compartilha do mesmo
entendimento, isto é, de que o rol positivado no artigo 50 do Código Civil é
meramente exemplificativo, ao afirmar que:
(...) inúmeros são os expedientes de que podem lançar mão
aqueles que desejam locupletar-se ilicitamente utilizando-se da
separação patrimonial característica do instituto da pessoa
jurídica,
parecendo defender que o rol positivado é meramente exemplificativo.
Não há como traçar, portanto, de acordo com essa perspectiva, uma
enumeração apriorística de todas as hipóteses permissivas da aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, pois seu cabimento dependerá, em
cada caso, da análise quanto ao efetivo desvio de função.
Ao reconhecer que é realmente difícil presumir aprioristicamente todas
as situações, Heleno Taveira Tôrres (2005, p. 53) explica que vários
ordenamentos adotam o uso de uma regra geral para desconsideração da
personalidade jurídica, dentre os quais o Brasil, afirma, por meio do
mencionado artigo 50 do Código Civil, cujas prescrições devem ser aplicadas a
todos os casos não previstos em leis específicas, concluindo que isso
é um modo de evitar qualquer espécie de alegação de lacunas
no sistema, atribuindo ao julgador critérios para que este possa
desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade em certos
casos concretos para os quais não haja disposição expressa.
Basta identificar, portanto, quando a pretexto de se realizar ou exercer
aquelas realidades jurídicas lícitas e preordenadas pelo ordenamento jurídico,
os legítimos fins da personalidade jurídica são elididos (como, e.g., o propósito
60
negocial), colocando-se em seu lugar, como real finalidade, o locupletamento
ilícito em face de terceiros (GRAMSTRUP, 2007, p. 63).
Conjugando tais conclusões – com as quais concordamos – às
premissas já traçadas neste trabalho, podemos concluir que o abuso,
genericamente considerado, pode ser entendido como um desvio quanto aos
fins da pessoa jurídica, e que pode ser caracterizado pela confusão patrimonial
ou por qualquer outra forma abusiva, desde que intencional, com o escopo de
frustrar os legítimos direitos de terceiros.
Assim, quando o sócio utilizar a pessoa jurídica com a intenção de
locupletar-se ilicitamente em face de terceiros, haverá um abuso no seu uso,
que pode ser caracterizado pela confusão patrimonial, desvio na finalidade,
fraude, simulação, etc., que legitimarão a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica.
2.8 As duas teorias brasileiras: a teoria maior e a teoria menor
É de Fábio Ulhoa Coelho (2005, pp. 260-267) a explicação pioneira de
duas teorias acerca da desconsideração da personalidade jurídica: a teoria
menor e a teoria maior. O autor ensina que a teoria menor considera o simples
prejuízo do credor motivo suficiente para a desconsideração da personalidade
jurídica, dispensando, assim, a comprovação do abuso da personalidade
jurídica:
A teoria menor da desconsideração é, por evidente, bem
menos elaborada que a maior. Ela reflete, na verdade, a crise
do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a
sociedades empresárias. O seu pressuposto é simplesmente o
desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade, em
razão da insolvabilidade ou falência desta.
De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a
sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso
basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela. A
formulação menor não se preocupa em distinguir a utilização
61
fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou
não abuso de forma (COELHO, 2005, p. 266).
Assim, de acordo com essa teoria, se a pessoa jurídica não possui
patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo pelas
obrigações da pessoa jurídica.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (que reflete o
entendimento dominante em todos os Tribunais brasileiros) entende que a
teoria menor tem aplicação, e.g., nas relações de consumo, conforme consta
no trecho a seguir transcrito, extraído da ementa resultante do julgamento do
Recurso Especial nº 1.111.153/RJ, de relatoria do Ministro Luis Felipe
Salomão, realizado em 10 de maio de 2013:
(...)
1. É possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo
de índole consumerista, a utilização da chamada Teoria Menor
da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se
contenta com o estado de insolvência do fornecedor, somado à
má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a
personalidade jurídica representar um “obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (art.
28 e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor). (...)
Por outro lado, a teoria maior pressupõe a efetiva prática de abuso da
personalidade jurídica pelo sócio como requisito indispensável para que se
possa ignorar a autonomia patrimonial em estudo (COELHO, 2005, p. 262).
Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 251) explica, por sua vez, que a teoria
maior se subdivide nas vertentes subjetiva e objetiva, já analisadas no presente
estudo, e que consideram o fator anímico (intenção) presente no abuso de
direito e na confusão patrimonial como elemento de distinção em relação à
teoria menor.
O mencionado teórico entende que a doutrina a e jurisprudência
brasileiras adotam a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica
somente em sua vertente objetiva, sob o argumento de que não basta o
62
simples prejuízo do credor (pela mera insolvência do devedor) e que não se
aplica o abuso de direito por ser de difícil comprovação.
Portanto, de acordo com a concepção objetiva da teoria maior defendida
por Carlos Roberto Gonçalves, a desconsideração da personalidade jurídica
pressupõe, sobretudo, a confusão patrimonial intencional, praticada com o
intuito de frustrar os direitos do credor.
Apesar de concordar com a afirmação de que a vertente objetiva da
teoria maior facilita a tutela dos interesses do credor ou de terceiro lesado pelo
uso abusivo da pessoa jurídica, pois o ilícito, nesse caso, é de fácil
comprovação, ante a existência de um pressuposto objeto (confusão
patrimonial), sustenta Fábio Ulhoa Coelho (2012b, p. 67) que essa vertente não
exaure, contudo, todas as hipóteses em que é cabível a desconsideração da
personalidade jurídica, sob o argumento de que nem todas as ilicitudes são
caracterizadas unicamente pela confusão patrimonial:
(…) a formulação subjetiva da teoria da desconsideração deve
ser adotada como o critério para circunscrever a moldura de
situações em que cabe aplicá-la, ou seja, ela é a mais ajustada
à teoria da desconsideração. A formulação objetiva, por sua
vez, deve auxiliar na facilitação da prova pelo demandante.
Quer dizer, deve-se presumir a fraude na manipulação da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a
confusão entre os patrimônios dela e de um ou mais de seus
integrantes, mas não se deve deixar de desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade, somente porque o
demandado demonstrou ser inexistente qualquer tipo de
confusão patrimonial, se caracterizada, por outro modo, a
fraude.
Assim, de acordo com Ulhoa Coelho, caracteriza-se o abuso da
personalidade jurídica quando verificada a confusão patrimonial ou quando
verificado o desvio de finalidade (mediante fraude, abuso, etc.), mesmo sem a
existência de confusão patrimonial, nesse caso, desde que a pessoa jurídica
esteja sendo utilizada por sócio ou administrador para se locupletar ilicitamente
em detrimento de terceiros.
63
Respeitando as abalizadas vozes que se posicionam de forma diferente,
concordamos com Fábio Ulhoa Coelho, cujas lições nos permitem concluir que
as duas vertentes (objetiva e subjetiva) da teoria maior da desconsideração da
personalidade jurídica foram adotadas pelo legislador brasileiro no artigo 50 do
Código Civil, regra geral para a sua aplicação, pois nem toda ilicitude, isto é,
nem todo abuso, implica em confusão patrimonial.
É o que está refletido na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
conforme se observa na ementa resultante do julgamento do Recurso Especial
nº 970.635/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, realizado pela Terceira
Turma em 10 de novembro de 2009 e que, apesar de já ter sido citado neste
trabalho, importa repetir:
Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de
título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa
executada. Desconsideração da personalidade jurídica.
Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da
Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
- A mudança de endereço da empresa executada associada à
inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado
pelo exequente não constituem motivos suficientes para a
desconsideração da sua personalidade jurídica.
- A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é
aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria
Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva
quanto na objetiva.
- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais,
somente é possível a desconsideração da personalidade
jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior
Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato
intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo
da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão
patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração),
demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de
separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus
sócios.
64
Assim, contemplando os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho (2012b,
p. 67), a Corte Superior de Justiça reconheceu que o artigo 50 do Código Civil
contemplou as duas vertentes (objetiva e subjetiva) da teoria maior da
desconsideração da personalidade jurídica, o que causou imensa satisfação ao
autor, conforme afirmou (COELHO, 2005, p. 261).
2.9 A natureza jurídica do vínculo obrigacional
A obrigação é um dos institutos mais importantes do direito, mormente
no subsistema do direito tributário. De acordo com Orlando Gomes, em obra
atualizada por Edvaldo Brito (2007, pp. 15-17):
A obrigação pertence à categoria das relações jurídicas de
natureza pessoal.
Na sua definição, tem-se levado em conta, preferencialmente,
o lado passivo, que se designa pelo termo obrigação ou, mais à
justa, dívida. Vista, porém, do lado ativo, chama-se crédito. O
acento pode recair tanto no direito como no dever.
(...)
Encarada em seu conjunto, a relação obrigacional é um vínculo
jurídico entre duas partes, em virtude do qual uma delas fica
adstrita a satisfazer uma prestação patrimonial de interesse da
outra, que pode exigi-la, se não for cumprida
espontaneamente, mediante agressão ao patrimônio do
devedor.
Verifica-se, assim, nessa clássica lição, que o dever de adimplir a
obrigação incumbe – em princípio – ao sujeito que a contraiu, respondendo ele
com seu próprio patrimônio pelas obrigações contraídas. Entretanto, conforme
ressalta o próprio autor logo em seguida (GOMES, 2007, p. 18), a moderna
dogmática jurídica distingue, no conceito de obrigação, os de debitum e
obligatio, pois:
Ao se decompor uma relação obrigacional, verifica-se que o
direito de crédito tem como fim imediato uma prestação, e
65
remoto, a sujeição do patrimônio do devedor. Encarada essa
dupla finalidade sucessiva pelo lado passivo, pode-se
distinguir, correspondentemente, o dever de prestação, a ser
cumprido espontaneamente, da sujeição do devedor, na ordem
patrimonial ao poder coativo do credor.
E conclui:
Analisada a obrigação perfeita sob essa perspectiva,
descortinam-se os dois elementos que compõem seu conceito.
Ao dever de prestação corresponde o debitum, à sujeição, a
obligatio, isto é, a responsabilidade. A esta responsabilidade
patrimonial empresta-se grande importância no direito
moderno, a ponto de se afirmar que a obrigação é uma relação
entre dois patrimônios.
De acordo com a doutrina alemã, o debitum corresponde ao schuld e a
obligatio corresponde ao haftung (SCHOUERI, 2015, passim). Preferimos,
contudo, por simples liberalidade, a nomenclatura empregada por Orlando
Gomes.
Em princípio, há inequívoca coexistência de debitum e obligatio numa
mesma relação obrigacional, pois a responsabilidade (obligatio) se manifesta
por consequência de um débito (debitum). Há situações, porém, em que o
debitum e a obligatio se separam, criando diferentes relações obrigacionais
marcadas pela inexistência de coexistência desses “elementos”.
Essa distinção permite perceber, inclusive, que poderá existir, em
determinadas situações, obligatio sem debitum, isto é, a responsabilidade
patrimonial (obligatio) sem que se tenha contraído a relação obrigacional
originária (debitum). Assim, o dever de adimplir a obrigação pode ser imputado
a pessoa diversa daquela que contraiu o vínculo obrigacional, e isso só é
possível pela moderna distinção entre dever de prestação (debitum) e
responsabilidade patrimonial (obligatio).
Essa distinção entre debitum e obligatio é amplamente empregada pelo
subsistema do direito tributário, como, e.g., no artigo 128 do Código Tributário
Nacional, que permite à lei atribuir, de modo expresso, a responsabilidade pelo
66
crédito tributário (obligatio) a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da
respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte (que
originariamente contraiu o debitum) ou atribuindo-a a este em caráter supletivo
do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
O que ocorre, então, a partir dessa distinção, ao se desconsiderar a
personalidade de uma pessoa jurídica? Encontramos, junto ao Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, Decisão afirmando que a desconsideração da
personalidade jurídica não leva ao afastamento completo da pessoa jurídica
desconsiderada do polo passivo da obrigação, que ficaria obrigada a
compartilhar, por solidariedade, da responsabilidade com a pessoa física que
sofreu os efeitos da desconsideração, conforme se observa na ementa
resultante do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0096831-
62.2013.8.26.0000, de relatoria do Desembargador Cesar Ciampolini, realizado
em 16 de dezembro de 2014:
Cumprimento de sentença. Encerramento irregular de
sociedades limitadas. Desconsideração das pessoas jurídicas e
atingimento dos bens particulares dos sócios. Sócia minoritária,
detentora de participação inexpressiva nas sociedades, mas
com poderes para geri-las individualmente. Responsabilidade
solidária que se afirma. Contraditório que não necessita ser
instaurado antes da deliberação de desconsideração. O direito
de defesa da pessoa por ela atingida pode ser exercido, válida
e amplamente, mesmo após a penhora eventual de seus bens.
Decisão de primeiro grau confirmada. Agravo de instrumento a
que se nega provimento.
Assim, amparados na distinção entre obligatio e debitum e nas lições de
Parentoni, entendemos, ao contrário do quanto decidido pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, que, na desconsideração da personalidade
jurídica, o sujeito sobre o qual foi estendida a responsabilidade patrimonial não
é um simples devedor solidário por responsabilidade, mas um verdadeiro
obrigado direto, atraindo para sua si, portanto e exclusivamente, todas as
consequências patrimoniais decorrentes de sua conduta.
67
2.10 Os limites subjetivos e objetivos da desconsideração
Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (2008, passim)
delimitaram o alcance subjetivo da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica ao explicar que seus efeitos devem alcançar somente aquele sócio ou
administrador que detém o poder de controle da sociedade e que agiu, na
fruição desse poder, de forma abusiva, em desrespeito à autonomia da
atividade societária. Dessa forma, os demais sócios ou administradores que
não têm poder de controle não podem ser atingidos pelos efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica.
É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao julgar, em 21 de
agosto de 2008, pela Terceira Turma, o Recurso Especial nº 786.345/SP, de
relatoria do Ministro Ari Pargendler:
COMERCIAL. DESPERSONALIZAÇÃO. SOCIEDADE POR
AÇÕES. SOCIEDADE POR QUOTAS DE
RESPONSABILIDADE LIMITADA. A despersonalização de
sociedade por ações e de sociedade por quotas de
responsabilidade limitada só atinge, respectivamente, os
administradores e os sócios-gerentes; não quem tem apenas o
status de acionista ou sócio.
Há, inclusive, um Projeto de Lei de iniciativa do Deputado Federal
Ricardo Fiúza que objetiva estabelecer que a desconsideração da
personalidade jurídica incide exclusivamente em desfavor do sócio com poder
de controle ou administrador. Trata-se do Projeto de Lei nº 2.426/2003,
arquivado desde 06 de março de 2008, que, em seu artigo 4º, prescreve o
seguinte:
Art. 4º. É vedada a extensão dos efeitos de obrigações da
pessoa jurídica aos bens particulares de sócio e ou de
administrador que não tenha praticado ato abusivo da
personalidade, mediante desvio de finalidade ou confusão
patrimonial, em detrimento dos credores da pessoa jurídica ou
em proveito próprio.
68
É interessante observar que o dispositivo em questão vai além daquela
prescrição de que a desconsideração da personalidade jurídica incide
exclusivamente em desfavor do sócio com poder de controle ou administrador:
ele prescreve, complementarmente, que a desconsideração deve incidir
unicamente em desfavor do sócio com poder de controle ou administrador que
tenha praticado o abuso. Apesar da sutileza de sua redação, o emprego do
referido dispositivo eliminaria uma série de problemas, como, e.g., a tentativa
de se responsabilizar aquele que, apesar de sócio ou administrador, não o era
à época da prática do ato abusivo.
Mesmo sem preceito legal expresso em vigor, foi esse o entendimento –
correto, segundo nosso entendimento – firmado pelo Conselho da Justiça
Federal, conforme consta no Enunciado nº 7 da sua I Jornada de Direito Civil:
“Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a
prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que
nela hajam incorrido.”
Contudo, é possível verificar que o Superior Tribunal de Justiça já
aplicou o entendimento, supostamente fundado no artigo 50 do Código Civil, de
que a desconsideração da personalidade jurídica pode atingir os bens de todos
os sócios, inclusive dos que não são administradores, pelo simples fato de
serem sócios:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. SOCIEDADE LIMITADA. SÓCIA MAJORITÁRIA
QUE, DE ACORDO COM O CONTRATO SOCIAL, NÃO
EXERCE PODERES DE GERÊNCIA OU ADMINISTRAÇÃO.
RESPONSABILIDADE.
1. Possibilidade de a desconsideração da personalidade
jurídica da sociedade limitada atingir os bens de sócios que
não exercem função de gerência ou administração.
2. Em virtude da adoção da Teoria Maior da Desconsideração,
é necessário comprovar, para fins de desconsideração da
personalidade jurídica, a prática de ato abusivo ou fraudulento
por gerente ou administrador.
69
3. Não é possível, contudo, afastar a responsabilidade de sócia
majoritária, mormente se for considerado que se trata de
sociedade familiar, com apenas duas sócias.
4. Negado provimento ao recurso especial.
Trata-se da ementa resultante do julgamento do Recurso Especial nº
1.315.110/SE, realizado pela Terceira Turma em 28 de maio de 2013, de
relatoria da ministra Nancy Andrighi, cujo voto destacamos:
De fato, em que pese não existir qualquer restrição no
art. 50 do CC/02, a aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica apenas deve incidir sobre os bens dos
administradores ou sócios que efetivamente contribuíram na
prática do abuso ou fraude na utilização da pessoa jurídica,
devendo ser afastada a responsabilidade dos sócios
minoritários que não influenciaram na prática do ato.
No julgamento do REsp 786.345/SP (3ª Turma, Rel. para o
acórdão Min. Ari Pargendler, DJe de 26.11.2008), esta Turma
entendeu que a despersonalização de sociedade por ações e
de sociedade por quotas de responsabilidade limitada só
atinge, respectivamente, os administradores e os sócios-
gerentes, não quem tem apenas o status de acionista ou sócio.
Naqueles autos, houve a desconsideração da personalidade
jurídica de empresa falida e de mais seis empresas
pertencentes ao mesmo grupo empresarial, e a extensão a
todos os quotistas e acionistas dos efeitos da falência.
Entendeu-se, por maioria, que a sócia quotista de sociedade
anônima não poderia ser alcançada pela desconsideração da
personalidade jurídica. Em voto-vista, fundamentei que:
Do ponto de vista do direito material, contudo, a
responsabilidade pessoal da recorrente não pode avançar para
dívidas de sociedades em que não figurou como
administradora em face da ausência de proteção ao abuso ou
excesso de poder.
Com efeito, nos termos dos arts. 9º e 16 do Dec. 3.708/19, em
caso de falência de sociedade por quotas de responsabilidade
70
limitada, seus sócios respondem apenas até o limite da
respectiva participação no capital social, salvo se deliberarem
em desconformidade com o contrato social ou a lei. De acordo
com o art. 10 do referido Decreto, somente ficam sujeitos à
responsabilidade ilimitada os administradores da sociedade,
ainda assim em caráter excepcional, quando houver excesso
de mandato ou violação do contrato social ou da lei.
A hipótese dos autos, contudo, é diversa daquela. No presente
processo, a recorrente, juntamente com sua mãe, são as
únicas sócias da sociedade limitada e cada uma detém 50%
das quotas sociais. A recorrente não é, por conseguinte, sócia
minoritária.
Ademais, no seio de uma organização empresarial mais
modesta, mormente quando se trata de sociedade entre mãe e
filha, a titularidade de quotas e a administração são realidades
que frequentemente se confundem. Nesse passo, as
deliberações sociais, na maior parte das vezes, se dão no dia-
a-dia, sob a forma de decisões gerenciais. Logo, é muito difícil
apurar a responsabilidade por eventuais atos abusivos ou
fraudulentos.
Em hipóteses como essa, a previsão, no contrato social, de
que as atividades de administração serão realizadas apenas
por um dos sócios não é suficiente para afastar a
responsabilidade dos demais. Seria necessário, para afastar a
referida responsabilidade, a comprovação de que um dos
sócios estava completamente distanciado da administração da
sociedade.
Nesse ponto, deve ser ressaltado que, na hipótese sob
julgamento, a discussão iniciou-se em exceção de pré-
executividade, que não admite dilação probatória. Assim, nem
ao menos poderia ser produzida prova capaz de demonstrar
que a recorrente não interferiu na administração da sociedade.
Por conseguinte, a adoção da Teoria Maior da
Desconsideração pressupõe a responsabilidade de algum
sócio pela prática de ato fraudulento ou abusivo. Por isso, é
possível limitar a responsabilidade de sócio minoritário,
afastado das funções de gerência e administração, que
71
comprovadamente não concorreu para o desvio de finalidade
ou confusão patrimonial.
Não se pode, contudo, afastar a responsabilidade do sócio sem
examinar a natureza jurídica específica da sociedade por
quotas de responsabilidade limitada que se encontra em litígio.
Na hipótese dos autos, tendo em vista que se trata de
sociedade modesta, que tem como únicas sócias mãe e filha, e
considerando que a recorrente detém 50% das quotas sociais,
não é possível afastar sua responsabilidade e o
art. 50 do CC/02 não foi violado.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso
especial.
Assim, apesar da expressa previsão, no contrato social, de que as
atividades de administração eram realizadas apenas por um dos sócios, a
decisão em questão considerou que isso não era suficiente para afastar a
responsabilidade dos demais sócios.
Além de ter decidido com base na mera presunção de que o sócio não
administrador praticou ato abusivo, já que supostamente teria praticado a
administração pelo simples fato de ser sócio, apesar da previsão contratual em
contrário, a mencionada decisão ainda se pautou na já discutida “equidade”
para estender os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica a esse
sócio não administrador, o que parece ser um perigoso retrocesso. Somente o
sócio ou administrador que tenha praticado atos abusivos de gestão deve
sofrer os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, e ninguém
mais.
Por outro lado, importa mencionar que a desconsideração da
personalidade pode ser invocada, também, pela própria pessoa jurídica em
face do sócio ou administrador que cometeu o abuso. Além de inexistir
qualquer restrição a isso, tal construção interpretativa mostra-se juridicamente
possível e factível, na medida em que a pessoa jurídica titulariza direitos e
interesses próprios (PARENTONI, 2041, p. 78).
Dessa forma, caso a pessoa jurídica venha a ser lesada por ato de sócio
ou administrador, poderá valer-se da desconsideração da personalidade
jurídica para alcançar os bens patrimoniais privados dessas pessoas em seu
72
favor, desde que pressentes os pressupostos prescritos no artigo 50 do Código
Civil.
Contudo, apesar de poder evocar a desconsideração da personalidade
jurídica em seu favor, entendeu o Superior Tribunal de Justiça, por meio do
julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.307.639/MG,
realizado em 17 de maio de 2012, que a pessoa jurídica, quando tiver sua
personalidade jurídica desconsiderada, de modo a estender os efeitos das
obrigações patrimoniais aos sócios ou administradores, não pode recorrer da
decisão:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
DECISÃO QUE ATINGE A ESFERA JURÍDICA DOS SÓCIOS.
INTERESSE E LEGITIMIDADE RECURSAIS DA PESSOA
JURÍDICA. AUSÊNCIA.
1. De plano, constata-se que a única questão decidida pelo
Tribunal a quo diz respeito ao interesse recursal da pessoa
jurídica para se insurgir contra decisão que incluiu os sócios no
polo passivo da relação processual, em decorrência da
desconsideração da personalidade jurídica. Portanto, não se
pode conhecer da matéria atinente à alegada ausência de
dissolução irregular, sob pena de ofensa às Súmulas 7 e
211/STJ.
2. As razões recursais sugerem equivocada compreensão da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica por parte
da recorrente. Essa formulação teórica tem a função de
resguardar os contornos do instituto da autonomia patrimonial,
coibindo seu desvirtuamento em prejuízo de terceiros.
3. Em regra, a desconsideração da personalidade jurídica é
motivada pelo uso fraudulento ou abusivo da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica. E essa manipulação indevida é
realizada por pessoas físicas, a quem é imputado o ilícito. Por
meio desse mecanismo de criação doutrinária, o juiz, no caso
concreto, pode desconsiderar a autonomia patrimonial e
estender os efeitos de determinadas obrigações aos
responsáveis pelo uso abusivo da sociedade empresária.
73
4. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade
opera no plano da eficácia, permitindo que se levante o manto
protetivo da autonomia patrimonial para que os bens dos
sócios e/ou administradores sejam alcançados. Nesse sentido,
elucidativos precedentes das Turmas da Seção de Direito
Privado do STJ: REsp 1.169.175/DF, Rel. Ministro Massami
Uyeda, Terceira Turma, DJe 4.4.2011; REsp 1.141.447/SP,
Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 5.4.2011;
RMS 25.251/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta
Turma, DJe 3.5.2010).
5. A decisão jurisdicional que aplica a aludida teoria importa
prejuízo às pessoas físicas afetadas pelos efeitos das
obrigações contraídas pela pessoa jurídica. A rigor, ela
resguarda interesses de credores e da própria sociedade
empresária indevidamente manipulada. Por isso, o Enunciado
285 da IV Jornada de Direito Civil descreve que “A teoria da
desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser
invocada pela pessoa jurídica em seu favor”.
6. A ideia de prejuízo e a necessidade de obter provimento
mais benéfico são fundamentais para a caracterização do
interesse recursal (Barbosa Moreira, Comentário ao Código de
Processo Civil, vol. V, 14ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008,
p. 299). Segundo o art. 499 do CPC, o recurso pode ser
interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo
Ministério Público.
7. Desse modo, não há como reconhecer interesse à pessoa
jurídica para impugnar decisão que atinge a esfera jurídica de
terceiros, o que, em tese, pode preservar o patrimônio da
sociedade ou minorar sua diminuição; afinal, mais pessoas
estariam respondendo pela dívida contra ela cobrada
originalmente.
8. Em casos análogos, a jurisprudência do STJ tem afirmado
que a pessoa jurídica não possui legitimidade nem interesse
recursal para questionar decisão que, sob o fundamento de ter
ocorrido dissolução irregular, determina a responsabilização
dos sócios (EDcl no AREsp 14.308/MG, Rel. Ministro Humberto
Martins, Segunda Turma, DJe 27.10.2011; REsp 932.675/SP,
74
Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 27.8.2007, p.
215; REsp 793.772/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki,
Primeira Turma, DJe 11.2.2009).
9. Agravo Regimental não provido.
Quanto aos limites objetivos, a desconsideração da personalidade
jurídica permite que seja atingido todo o patrimônio do sujeito contra o qual for
aplicada, independentemente da coincidência do valor de seu patrimônio com o
valor de sua cota social, conforme muito bem explicado por Parentoni (2014, p.
79):
No caso de desconsideração intentada contra sócio, por
exemplo, o montante que poderá ser cobrado não se restringe
à participação dele no patrimônio social. Até porque, se assim
fosse, haveria brecha para o uso indevido da limitação de
responsabilidade uma vez que o sócio saberia, de antemão,
qual o limite máximo de suas perdas, podendo calcular os prós
e contras de eventual conduta ilícita.
A afirmação do mencionado autor parece justificar-se na medida em que
o instituto da desconsideração restaria ineficaz caso admitida uma limitação no
atingimento do patrimônio de quem sofreu seus efeitos. A pessoa poderia
calcular eventuais vantagens e prejuízos em abusar da personalidade de
pessoa jurídica, o que poderia ser decisivo em sua escolha de fazê-lo.
Contudo, apesar da possibilidade de se atingir todo o patrimônio do
sujeito contra o qual for aplicada, o Superior Tribunal de Justiça sinalizou que,
inclusive nesses casos, deve-se obedecer ao princípio que garante a execução
da forma menos gravosa ao executado, conforme restou decidido no
julgamento do Agravo Regimental em Embargos de Divergência nº 19.142,
decido em 5 de junho de 2012, de relatoria do Ministro Castro Meira:
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NA
MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO ATIVO.
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA PARTICULAR DE UM DOS
75
SÓCIOS. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA SOBRE O
FATURAMENTO. INTERVENÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DE
CONTRATOS COMERCIAIS. PERIGO NA DEMORA.
EXISTÊNCIA. PLAUSIBILIDADE DO APELO. LIMINAR
DEFERIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Nos autos de execução fiscal ajuizada contra um dos sócios
da sociedade requerente, cujo débito encontra-se parcelado,
determinou-se a penhora sobre o faturamento da empresa, o
afastamento do sócio não executado da gerência da pessoa
jurídica, bem como a intervenção judicial na sociedade. Contra
essa decisão, foi impetrado mandado de segurança pelos
terceiros prejudicados, tendo a presente cautelar o objetivo de
conferir efeito suspensivo ativo ao recurso ordinário interposto
contra a denegação da segurança.
2. As medidas excepcionais deferidas pelo juízo da execução,
tais como a desconsideração inversa da personalidade jurídica,
a penhora sobre o faturamento, a anulação de contratos e
alterações sociais, o afastamento de sócio da sociedade, as
intervenções judiciais apenas são legítimas em situações de
extrema necessidade, após o exaurimento de outros meios
para a satisfação do crédito exequendo.
3. Na espécie, em juízo de cognição sumária, tem-se que as
providências contidas no ato judicial impugnado não são
dotadas de razoabilidade, mormente porque foram
implementadas ex officio pelo magistrado, atingindo direito de
terceiros não executados, em relação a crédito suspenso pelo
parcelamento.
4. Ademais, a penhora sobre o faturamento foi determinada
sem que se observasse a existência de outros bens
titularizados pela empresa para a garantia da dívida. Isso se
confirma pela apresentação pelos impetrantes de uma caução
envolvendo bem imóvel da sociedade empresarial em valor
que, a princípio, seria suficiente para o acautelamento do
débito.
5. O perigo da demora é evidente, uma vez que, sendo
implementadas as medidas contidas na decisão judicial, haverá
76
profundas modificações no funcionamento da sociedade
empresária, as quais dificilmente serão reparadas, caso seja
acolhido o pleito formulado no processo principal.
6. Agravo regimental não provido.
Parece que, ao sancionar uma ilicitude, o Superior Tribunal de Justiça
evitou cometer outra, pois, com fundamento na razoabilidade, garantiu que a
execução se fizesse da forma menos gravosa ao devedor.
2.11 A desconsideração inversa
A desconsideração inversa da personalidade consiste em imputar à
pessoa jurídica obrigação formalmente contraída por seus sócios. A
nomenclatura decorre do fato de que tal teoria fora inicialmente aplicada, por
obra da jurisprudência, conforme já visto, aos casos em que se atribuiu ao
sócio a obrigação formalmente contraída pela pessoa jurídica. Por isso, diz-se
que a utilização contra a pessoa jurídica constitui aplicação inversa da mesma
regra (PARENTONI, 2014, p. 87).
Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (2008, passim) são
considerados os precursores dessa teoria no Brasil, que ganhou destaque na
jurisprudência pátria no ano de 2008 com o julgamento do Agravo de
Instrumento n° 1.198.103-0/0, de relatoria do Desembargador Pereira Calças,
da 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, que restou assim ementado:
Agravo de Instrumento. Cumprimento de sentença
condenatória. Deferimento de penhora “on line” de numerário
existente em contas bancárias/aplicações do devedor.
Frustração da penhora em face da informação da inexistência
de saldo nas contas bancárias. Devedor é sócio controlador de
sociedades empresárias e considerado o maior revendedor de
veículos da América Latina. Pedido de aplicação da
desconsideração inversa da personalidade jurídica para que a
penhora recaia em saldos bancários das sociedades
77
empresárias controladas pelo devedor. Indeferimento pelo juiz
de primeiro grau. Reconhecimento da possibilidade de se
declarar a desconsideração da personalidade jurídica
incidentalmente na fase de execução da sentença, não se
exigindo ação autônoma, mas, observando-se o contraditório, a
ampla defesa e o devido processo legal. Prova de que o sócio
devedor é, em rigor, “dono” da sociedade limitada e da
sociedade anônima fechada, das quais é o presidente,
controlador de fato, e, apesar da participação minoritária de
sua esposa, ficam elas caracterizadas como autênticas
sociedades unipessoais. Confusão patrimonial entre sócio e
sociedades comprovada. Patrimônio particular do sócio
controlador constituído de bens que, na prática, mesmo que
penhorados, não seriam convertidos em pecúnia para a
satisfação do credor. Oferecimento de bens imóveis à penhora,
que, por se situarem no Estado da Paraíba, distantes mais de
2.600 km de São Paulo, onde tramita a execução, com nítido
escopo de se opor maliciosamente à execução, empregando
ardis procrastinatórios, que configura ato atentatório à
dignidade da justiça. Agravo provido, para deferir a
desconsideração inversa da personalidade jurídica das
sociedades empresárias indicadas (Limitada e S/A fechada),
autorizada a penhora virtual de saldos de contas bancárias.
Verifica-se, assim, que o Desembargador Relator concluiu que havia
confusão patrimonial entra a pessoa física do sócio majoritário e as demais
empresas do grupo, vindo a deferir a desconsideração inversa da
personalidade jurídica das sociedades empresárias indicadas.
Ao relatar o Recurso Especial nº 948.117, em 22 de junho de 2010, a
Ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça,
demonstrou o mesmo raciocínio:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
INVERSA. POSSIBILIDADE.
78
(...)
III – A desconsideração inversa da personalidade jurídica
caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da
sociedade, para, contrariamente do que ocorre na
desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o
ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a
responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio
controlador.
IV – Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é
combater a utilização indevida do ente societário por seus
sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio
controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na
pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do
art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da
personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade
em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador,
conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.
V – A desconsideração da personalidade jurídica configura-se
como medida excepcional. Sua adoção somente é
recomendada quando forem atendidos os pressupostos
específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito
estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem
verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no
próprio processo de execução, “levantar o véu” da
personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os
bens da empresa.
VI – À luz das provas produzidas, a decisão proferida no
primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa
fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e
abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar
indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso
particular.
(...).
Leonardo Netto Parentoni (2014, p. 90) adverte, porém, que a
desconsideração inversa segue o mesmo regime da tradicional, variando
79
apenas quanto ao limite objetivo de sua aplicação, porquanto a modalidade
inversa deve restringir-se aos limites da participação do sócio “desconsiderado”
no capital social. Dessa forma, no caso da desconsideração inversa, o limite
objetivo será a participação do sujeito atingido no patrimônio social, não
prejudicando, assim, com a mencionada desconsideração, os demais sócios.
Além de evitar a brusca descapitalização da pessoa jurídica, impede-se, com
isso, e imposição de indevido ônus aos demais sócios que não violaram os
pressupostos da limitação de responsabilidade (PARENTONI, 2041, p. 79).
Como a desconsideração inversa, objetiva-se alcançar o devedor que
assume vultosa obrigação, mas que não possui qualquer bem que possa ser
alcançado pelo credor. Desde que seja detentor de cotas sociais de uma
pessoa jurídica e desde que estejam presentes os pressupostos autorizadores,
como, e.g., a confusão patrimonial, é possível concluir que tal modalidade não
é aplicável ao administrador não-sócio.
80
3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO
A desconsideração da personalidade jurídica de que trata o artigo 50 do
Código Civil pode ser aplicada ao direito tributário? Esse é um tema polêmico,
que tem sido analisado por ópticas distintas e, por isso, está cercado por várias
divergências.
3.1 Os diferentes entendimentos sobre o tema
De acordo com Luciano Amaro (2004, p. 236), a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica não pode ser aplicada no direito
tributário, em razão do princípio da estrita legalidade que rege as relações
tributárias:
Resta examinar a desconsideração da pessoa jurídica
(propriamente dita), que seria feita pelo juiz, para
responsabilizar outra pessoa (o sócio), sem apoio em prévia
descrição legal de hipótese de responsabilização do terceiro, à
qual a situação concreta pudesse corresponder. Nessa
formulação teórica da doutrina da desconsideração, não vemos
possibilidade de sua aplicação em nosso direito tributário. Nas
diversas situações em que o legislador quer levar a
responsabilidade tributária além dos limites da pessoa jurídica,
ele descreve as demais pessoas vinculadas ao cumprimento
da obrigação tributária. Trata-se, ademais, de preceito do
próprio Código Tributário Nacional, que, na definição do
responsável tributário, exige norma expressa de lei (arts. 121,
parágrafo único, II, e 128), o que, aliás, representa decorrência
do princípio da legalidade. Sem expressa disposição de lei, que
eleja terceiro como responsável em dadas hipóteses descritas
pelo legislador, não é lícito ao aplicador da lei ignorar (ou
desconsiderar) o sujeito passivo legalmente definido e imputar
a responsabilidade tributária à terceiro.
81
É possível observar, contudo, ao menos quatro correntes doutrinárias
que reconhecem – diferentemente – a possibilidade de aplicação da
mencionada teoria no direito tributário. Uma delas defende que a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica pode ser adotada no direito
tributário mesmo diante da inexistência de regra jurídica positivada a respeito,
bastando, para tanto, o entendimento jurisprudencial.
Corroboramos, porém, o entendimento de Alexandre Couto Silva (1999,
p. 119), para quem a formulação jurisprudencial da desconsideração da
personalidade jurídica, que é baseada na equidade e na justiça, conforme já
analisamos, é plenamente incompatível com a legalidade estrita exigida pelo
ordenamento constitucional tributário.
A segunda corrente sustenta que a desconsideração da personalidade
jurídica só pode ser aplicada no direito tributário se provir de lei complementar,
conforme defende Edmar Oliveira Andrade Filho (2005, p. 77):
Um limite material incontornável é o princípio da legalidade.
Portanto, a rega não pode, sem recepção por intermédio de
outra, ser aplicada no campo do direito tributário. Nesta seara,
as relações envolvem o emprego de poder heterônomo no que
difere da natureza paritária das relações privadas. Não fosse
por esta razão seria pelo fato de que, em face do art. 146 da
Constituição Federal, esta matéria só poderia ser veiculada por
Lei Complementar.
José Eduardo Soares de Melo (2004, p. 166) parece compartilhar desse
entendimento, ao afirmar que a desconsideração da personalidade jurídica
prevista no artigo 50 do Código Civil não pode ser aplicada nos lindes
tributários porque não provém de lei complementar. Discordamos desse
entendimento, pois, nos termos das alíneas a e b do inciso III do artigo 146 da
Constituição Federal, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em
matéria de legislação tributária, especialmente sobre contribuintes e obrigação
tributária. Contribuinte e obrigação tributária, portanto, dentre outros assuntos
não pertinentes para este estudo, estão sob reserva de lei complementar.
82
Cumprindo a função que lhe foi constitucionalmente outorgada, o Código
Tributário Nacional prescreve, no inciso I do artigo 121, que o sujeito passivo
da obrigação tributária principal diz-se contribuinte quando tenha relação
pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. O
inciso II do mesmo dispositivo prescreve, por sua vez, que o sujeito passivo da
obrigação tributária principal também pode ser o responsável, quando, sem
revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição
expressa de lei. Também prescreve, no § 1º do artigo 113, que a obrigação
principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento
de tributo ou penalidade pecuniária, e extingue-se juntamente com o crédito
dela decorrente.
No caso da desconsideração da personalidade jurídica, vimos que a
extensão da responsabilidade patrimonial ao sócio ou administrador não
decorre da prática do fato gerador de um tributo, mas de um abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela
confusão patrimonial, não podendo tais pessoas serem consideradas, portanto,
tecnicamente, contribuintes, nos termos do inciso I do artigo 121 do referido
codex tributário.
Também não podem ser consideradas responsáveis tributários, pois,
apesar de sua obrigação provir de expressa de lei, já vimos que, na
desconsideração da personalidade jurídica, o sujeito sobre o qual recaem os
efeitos patrimoniais não é um simples responsável, mas verdadeiro obrigado
direto (PARENTONI, 2014, p. 57).
A terceira corrente, embasada no Princípio da Estrita Legalidade
Tributária, sustenta que a aplicação da mencionada teoria no direito tributário
depende, necessariamente, da edição de dispositivo legal específico e pontual.
Dentre os teóricos que sustentam essa corrente, encontra-se Ives Gandra da
Silva Martins (2011, p. 313), para quem:
No Direito Tributário, p. ex., a desconsideração da pessoa
jurídica apenas ocorre havendo hipótese legal, como é o caso
da distribuição disfarçada de lucros, visto que tal ramo da lei
positiva é regido pelos princípios da estrita legalidade, da
tipicidade fechada e da reserva absoluta da lei formal.
83
Ele está se referindo ao artigo 51 da Lei Federal nº 7.450/85, segundo o
qual:
Art. 51. Ficam compreendidos na incidência do imposto de
renda todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que
seja a denominação que lhes seja dada, independentemente
da natureza, da espécie ou da existência de título ou contrato
escrito, bastando que decorram de ato ou negócio, que, pela
sua finalidade, tenha os mesmos efeitos do previsto na norma
específica de incidência do imposto de renda.
Para o mencionado autor, o dispositivo legal em questão corresponde a
uma positivação específica da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica no direito tributário.
Ives Gandra da Silva Martins (2011, p. 315) explica, em seguida, que a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nos lindes do direito
privado é muito mais flexível do que possa ser no direito tributário, sob o
argumento de que ela pode decorrer – no direito privado – de criação
jurisprudencial ou normativa, de integração analógica, de interpretação
extensiva ou de flexibilidade exegética, que estão à disposição do intérprete
para a busca do “real desenho” dos fatos ocorridos naquele universo do direito,
concluindo, com base nisso, que:
(...) a teoria da desconsideração foi estalajada pelo Direito
Fiscal brasileiro apenas e enquanto decorrente de hipótese
normativa, vedada sua aplicação a partir da construção
pretoriana, posto que tal concepção implicaria, se adotada,
ofertar elasticidade exegética à norma, que os princípios da
tipicidade fechada, reserva absoluta e estrita legalidade vedam.
A quarta corrente defende, por sua vez, que a desconsideração da
personalidade jurídica só pode ser admitida no direito tributário se houver regra
jurídica de cunho geral que estabeleça os pressupostos de sua aplicação.
84
Parecendo filiar-se tanto à terceira quanto à quarta correntes, Heleno Taveira
Tôrres (2003, p. 470) afirma que:
A desconsideração da personalidade jurídica, para os fins de
aplicação da legislação tributária, poderá ser praticada tanto
quando se esteja em presença de leis especiais quanto na
hipótese de aplicação de uma regra geral que a autoriza, à luz
de determinados pressupostos. Por esse motivo, em lei
específica que a previna, quanto ao cabimento de
desconsideração em certos casos concretos, ou regra geral
seus pressupostos, mediante prova da ausência de causa
(dolo) e demais elementos suficientes para isolar a conduta
elisiva, nenhuma desconsideração poderá ser admitida como
instrumento válido para imutar aos sócios efeitos que se
deveriam atribuir diretamente à pessoa jurídica.
E prossegue:
Se é certo que não se tem qualquer dúvida sobre a aplicação
de leis especiais que assim possam dispor em determinado
caso específico, as chamadas regras gerais antielisivas, que
trazem a previsão de um dado pressuposto (abuso de direito,
fraude à lei, abuso de formas ou equivalente), para obter o
efeito de lifiting the corporate veil ou disregard of the legal
entily, sofrem muitas resistências e precisam respeitar limites
que o próprio ordenamento contempla, mormente no direito
brasileiro, em vista da analiticidade da Constituição em matéria
tributária.
Apesar das divergências acima apontadas, evidencia-se ao menos um
ponto em comum: doutrinadores de escol admitem a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário.
De acordo com as premissas estabelecidas no presente trabalho,
entendemos que a estrutura do Código Civil em vigor foi idealizada por Miguel
Reale (2005, pp. 40-41) como instrumento normativo instituidor de cláusulas
gerais de direito. Disso decorre a afirmação, pode-se sustentar, de que o
85
Código Civil não institui somente um conjunto de regras de direito privado.
Muitas de suas disposições podem ser aplicadas, portanto, por serem
cláusulas gerais de direito, a todos os subsistemas do direito, inclusive ao
tributário. O artigo 50 do mencionado codex – já vimos – é considerado uma
dessas cláusulas gerais.
Assim, ao adotarmos a premissa em questão como verdadeira, podemos
concluir que a desconsideração da personalidade jurídica nele positivada
emana seus efeitos sobre as relações obrigacionais de direito tributário, o que
nos aproxima das lições de Heleno Taveira Tôrres (2003, p. 470), para quem a
desconsideração da personalidade jurídica, no direito tributário, pode ser
praticada quando houver leis especiais ou quando houver uma regra geral que
a autorize, a qual, para nós, é o artigo 50 do Código Civil.
É o que também entende o Ministro José Augusto Delgado (2005, p.
192), do Superior Tribunal de Justiça, para quem o artigo 50 do Código Civil
possui forte influência sobre o direito tributário, uma vez que a construção
doutrinária e jurisprudencial existente antes do advento de tal dispositivo
oscilava, pois era aplicada sob critérios materiais e formais diversos,
dependendo exclusivamente das convicções do julgador.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário,
fundamentada, claramente, no artigo 50 do Código Civil em questão, conforme
se observa na ementa abaixo transcrita, resultante do julgamento do Agravo
Regimental em Agravo no Recurso Especial nº 441.231/RJ, julgado em 6 de
fevereiro de 2014, de relatoria do Ministro Og Fernandes:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA
JURÍDICA. ART. 50 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. AFERIÇÃO DA
PRESENÇA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA
MEDIDA. REEXAME DE MATÉRIA DE FATO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
medida excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002,
pressupõe a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do
86
desvio de finalidade ou da demonstração de confusão
patrimonial.
2. O Tribunal de origem, com base no contexto fático-
probatório dos autos, afastou os elementos fáticos
autorizadores da medida. Desse modo, infirmar as conclusões
a que chegou o acórdão recorrido – investigação acerca da
ocorrência de abusos da personificação jurídica advindos do
desvio de finalidade ou da demonstração de confusão
patrimonial – demandaria a incursão na seara fático-probatória
dos autos, tarefa essa soberana às instâncias ordinárias, o que
impede o reexame na via especial (Súmula 7 deste Superior
Tribunal).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
Ao julgar, em 5 de junho de 2012, o Agravo Regimental na Medida
Cautelar nº 19.142/PR, de relatoria do Ministro Castro Meira, a referida Corte
Superior de Justiça deu outra demonstração da possibilidade de aplicação do
artigo 50 do Código Civil no direito tributário, mas desde que presentes os seus
pressupostos, conforme se observa na ementa abaixo transcrita:
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NA
MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO ATIVO.
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA PARTICULAR DE UM DOS
SÓCIOS. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA SOBRE O
FATURAMENTO. INTERVENÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DE
CONTRATOS COMERCIAIS. PERIGO NA DEMORA.
EXISTÊNCIA. PLAUSIBILIDADE DO APELO. LIMINAR
DEFERIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Nos autos de execução fiscal ajuizada contra um dos sócios
da sociedade requerente, cujo débito encontra-se parcelado,
determinou-se a penhora sobre o faturamento da empresa, o
afastamento do sócio não executado da gerência da pessoa
jurídica, bem como a intervenção judicial na sociedade. Contra
essa decisão, foi impetrado mandado de segurança pelos
87
terceiros prejudicados, tendo a presente cautelar o objetivo de
conferir efeito suspensivo ativo ao recurso ordinário interposto
contra a denegação da segurança.
2. As medidas excepcionais deferidas pelo juízo da execução,
tais como a desconsideração inversa da personalidade jurídica,
a penhora sobre o faturamento, a anulação de contratos e
alterações sociais, o afastamento de sócio da sociedade, a
intervenção judicial, apenas são legítimas em situações de
extrema necessidade, após o exaurimento de outros meios
para a satisfação do crédito exequendo.
3. Na espécie, em juízo de cognição sumária, tem-se que as
providências contidas no ato judicial impugnado não são
dotadas de razoabilidade, mormente porque foram
implementadas ex officio pelo magistrado, atingindo direito de
terceiros não executados, em relação a crédito suspenso pelo
parcelamento.
(...)
6. Agravo regimental não provido.
Parece não haver dúvida, portanto, que a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça admite a aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica no direito tributário, com supedâneo no artigo 50 do código Civil.
3.2 A natureza não negocial do crédito tributário como fundamento legitimador da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica
Há diversos diplomas normativos que, de forma geral, permitem invadir o
patrimônio dos sócios por dívidas da sociedade (Código de Defesa do
Consumidor, Consolidação das Leis do Trabalho etc.). Fábio Ulhoa Coelho
(2005, p. 268) explica que é possível observar certa tendência do direito
brasileiro em restringir ao campo das relações estritamente negociais os efeitos
advindos da personalização da pessoa jurídica, como ocorre, e.g., na
separação patrimonial entre os seus bens e os dos sócios:
88
Assim, quando os credores são bancos, fornecedores ou, de
modo geral, outros empresários, os sócios da sociedade
devedora não são normalmente responsabilizados pelas
obrigações sociais, tendo plena eficácia o princípio da
separação patrimonial da pessoa jurídica e de seus membros.
Quando, no entanto, os credores não são empresários, o
princípio tem sido paulatinamente desprestigiado.
Distinguindo obrigações negociáveis (dívidas sociais originadas de
tratativas negociais desenvolvidas com maior ou menor grau liberdade entre as
partes de um negócio jurídico) e obrigações não negociáveis (que têm sua
existência e extensão definidas em lei, como, e.g., o crédito tributário), o
mencionado autor explica (COELHO, 2005, pp. 270-271) que a
desconsideração da personalidade jurídica (com a consequente superação do
princípio da autonomia patrimonial) está relacionada à possibilidade, existente
apenas para o credor de obrigação negociável, de se preservar
economicamente contra os riscos da insolvência da pessoa jurídica devedora:
Um banco, ao descontar títulos de sociedade empresária, pode
incluir, em sua remuneração, a partir de dados estatísticos, a
taxa de risco, isto é, uma importância que compense eventuais
perdas, motivadas por insolvabilidade da pessoa jurídica; e os
empresários, em geral, têm meios de condicionar a concessão
de crédito à outorga de garantias pessoais dos sócios (aval ou
fiança). Assim, o princípio da autonomia patrimonial tem sido
relativizado, pela ordem jurídica, para atendimento,
basicamente, dos direitos de titulares de créditos não
negociáveis. Sua pertinência, desse modo, limita-se às
obrigações da sociedade disciplinadas pelo direito civil e
comercial.
Dessa forma, de acordo com o entendimento construído pelo referido
autor, o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica deve ser
superado somente em favor da tutela dos credores com direitos e interesses
não provenientes de negociação, na hipótese de uso abusivo da personalidade
89
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial,
nos termos do artigo 50 do Código Civil. Quando os direitos dos credores forem
provenientes de negociação, não há que se aplicar, portanto, com base nesses
argumentos, a desconsideração da personalidade jurídica.
Especificamente quanto ao crédito tributário, o autor afirma, em
arremate, que:
O credor fiscal, pelo que se falou até aqui, integra a categoria
dos não negociais. O crédito público não provém de nenhuma
negociação entre fisco e contribuinte, mas de aplicação do
previsto em normas gerais. A obrigação tributária é ex lege.
Naturalmente por isso, se costuma enquadrar o credor fiscal
entre os não negociais (COELHO, 2005, p. 272).
Não obstante defenda que o crédito tributário é não negocial, o que
justifica, assim, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, o
mencionado autor lança a seguinte reflexão:
Mas cabe questionar se as margens de inadimplemento com
que trabalha a administração tributária não teriam, sob o ponto
de vista da diluição do risco, as mesmas funções dos spreads
praticados pelos credores negociais. O volume da arrecadação
é preservado porque os adimplentes pagam o suficiente para
compensar as inadimplências. Pois bem, se tais margens têm a
mesma função dos spreads, então a administração tributária se
encontra numa situação muito mais próxima dos credores
negociais e talvez devesse ser tratada como tal. Em suma,
para o credor fiscal o princípio da autonomia da pessoa jurídica
não deveria experimentar a relativização que tem sido feita em
benefício de consumidores e empregados por via da teoria
menor da desconsideração (COELHO, 2005, pp. 272-273).
Ousamos discordar dessa reflexão, pois o direito tributário é regido pelos
princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco,
dentre outros, ao contrário das relações negociais, normalmente regidas pelo
direito privado e, assim, pelo princípio da autonomia da vontade. Os princípios
90
tributários em questão impedem o Estado-fisco de cobrar um “sobretributo”
como forma de compensar eventual inadimplência.
3.3 O prazo para requerer a desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário
Os civilistas ensinam que a decadência corresponde à extinção do
direito pelo seu não exercício dentro de um determinado lapso temporal,
definição essa que é largamente utilizada pela doutrina (SANTOS, p. 123) e
pela jurisprudência (decisão monocrática proferida pelo Ministro Hamilton
Carvalhido no Recurso Especial nº 1.134.425/SP, julgado em 12 de maio de
2010).
A definição em referência foi objeto de estudo por Agnelo Amorim Filho
(2005, p. 735), que afirmou, em seu célebre artigo denominado “Critério
científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações
imprescritíveis”, que os critérios que levam a essa definição carecem de base
científica, sendo, portanto, absolutamente falhos e inadequados, uma vez que
pretendem explicar a decadência sob a perspectiva de seus respectivos efeitos
ou consequências.
Em que pese tal censura, não vislumbramos qualquer inadequação na
busca da significação de um instituto a partir de seus efeitos, já que,
etimologicamente, o vocábulo “decadência” denota o estado de tudo aquilo que
cai, perece, expira, acaba ou cessa, ou seja, exprime, em seu significado de
base, exatamente uma consequência.
A apontada ausência de precisão científica motivou Agnelo Amorim Filho
a buscar outro critério de definição, que foi encontrado na teoria da
classificação dos direitos subjetivos. Direitos subjetivos são aqueles que
decorrem da incidência de uma norma jurídica sobre um fato. A norma veicula
a descrição de uma hipótese (caso ocorra o fato “F”) e a cominação de uma
consequência (deve ser a consequência “C”), caracterizando-se o direito
subjetivo como a faculdade de exercer essa conduta “C” diante da ocorrência
do fato “F”.
Agnelo Amorim Filho (2005, p. 736) explica com excepcional clareza a
teoria de Chiovenda dos direitos subjetivos:
91
(...) os direitos subjetivos se dividem em duas grandes
categorias: A primeira compreende aquêles direitos que têm
por finalidade um bem da vida a conseguir-se mediante uma
prestação, positiva ou negativa, de outrem, isto é, do sujeito
passivo. Recebem eles, de Chiovenda, a denominação de
“direitos a uma prestação”, e como exemplos poderíamos citar
todos aquêles que compõem as duas numerosas classes dos
direitos reais e pessoais. Nessas duas classes há sempre um
sujeito passivo obrigado a uma prestação, seja positiva (dar ou
fazer), como nos direitos de crédito, seja negativa (abster-se),
como nos direitos de propriedade. A segunda grande categoria
é a dos denominados “direitos potestativos”, e compreende
aquêles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de
influírem, com uma declaração de vontade, sôbre situações
jurídicas de outras, sem o concurso de vontade destas. (sic.)
Ao desenvolver a conceituação dos direitos subjetivos potestativos,
esclarece, logo em seguida, que:
Esses podêres (que não se devem confundir com as simples
manifestações de capacidade jurídica, como a faculdade de
testar, de contratar e semelhantes, a que não corresponda
nenhuma sujeição alheia), se exercitam e atuam mediante
simples declaração de vontade, mas, em alguns casos, com a
necessária intervenção do juiz. Têm tôdas de comum tender à
produção de um efeito jurídico a favor de um sujeito e a cargo
de outro, o qual nada deve fazer, mas nem por isso pode
esquivar-se àquele efeito, permanecendo sujeito à sua
produção. A sujeição é um estado jurídico que dispensa o
concurso da vontade do sujeito, ou qualquer atitude dêle. São
podêres puramente ideais, criados e concebidos pela lei (...); e,
pois, que se apresentam como um bem, não há excluí-los de
entre os direitos (...) (AMORIM FILHO, 2005, p. 737). (sic.)
92
Depreende-se dessas lições que a mais marcante característica dos
denominados direitos potestativos é o estado de sujeição que o seu exercício
cria para outra pessoa, independentemente ou até mesmo contra sua vontade.
Esse estado de sujeição foi explicado por Agnelo Amorim Filho (2005, p. 738)
como:
(...) a situação daquele que, independentemente da sua
vontade, ou mesmo contra sua vontade, sofre uma alteração
na sua situação jurídica, por fôrça do exercício de um daqueles
podêres atribuídos a outra pessoa e que receberam a
denominação de direitos potestativos. (sic.)
Estado de sujeição é, portanto, uma implicação jurídica em benefício de
uma pessoa e ao encargo de outra, que não pode, segundo sua particular
vontade, esquivar-se àquele efeito. O estado de sujeição não se confunde,
portanto, com meras faculdades jurídicas, que se caracterizam por afetar a
esfera jurídica de terceiros somente e tão somente se houver a sua
aquiescência, como ocorre, e.g., num negócio jurídico de venda e compra,
quando o proprietário de um bem tem o exercício do poder de vendê-lo, mas só
efetua a compra quem quiser. Verifica-se, nesse caso, que o exercício do
poder de venda não cria um estado de sujeição para terceiros, sendo tal poder,
portanto, uma faculdade jurídica, diferenciando-se, por isso, dos direitos
potestativos.
A teoria de Agnelo Amorim Filho chegou à contemporaneidade e hoje
encontramos alguns civilistas explicando a decadência como “(...) o
perecimento do direito potestativo, em razão do seu não-exercício em um prazo
predeterminado”, a exemplo do que ensina Celina Bodin de Moraes (2007, p.
689), responsável pela atualização da obra de Caio Mário da Silva Pereira.
Elpídio Donizetti e Felipe Quintanella (2012, p. 192) também ensinam,
por sua vez, em moderna obra, que a “Decadência é o fato jurídico
consubstanciado no decurso de um prazo dentro do qual um direito potestativo
não é exercido cujo efeito é a extinção desse direito”, enquanto a prescrição
“(...) esvazia a eficácia da pretensão correspondente a um direito subjetivo.”
93
A teoria de Agnelo Amorim Filho também ressoou no subsistema do
direito tributário, conforme se verifica nas lições de Hugo de Brito Machado
Segundo (2008, p. 86), para quem “O direito de a Fazenda Pública efetuar o
lançamento é de natureza potestativa, na medida em que pode ser exercitado
independentemente da colaboração de terceiros (...).” Verifica-se que Hugo de
Brito Machado (2011, p. 238) compartilha o mesmo entendimento:
Entende-se como decadência a extinção de um direito
potestativo causada pela inércia de seu titular. O direito de
lançar é um direito potestativo da Fazenda Pública. Fixa a lei
um prazo para o seu exercício. Decorrido esse prazo sem que
o direito seja exercido, consuma-se sua decadência.
O referido teórico afirma, ainda, em outro importante trabalho de sua
lavra, que:
O direito de constituir o crédito tributário, pelo lançamento, é
um direito potestativo, que alguns preferem chamar de poder-
dever da Administração Tributária. É um direito potestativo
porque o seu exercício independe da colaboração de quem
quer que seja. Mesmo o lançamento dos tributos em relação
aos quais a lei impõe ao sujeito passivo da obrigação tributária
o dever de declarar os fatos geradores respectivos, e daqueles
em relação aos quais a lei impõe ao sujeito passivo o dever de
apurar o valor correspondente e fazer o pagamento antecipado,
é sempre possível o lançamento de ofício nos casos em que
tenha havido o inadimplemento daqueles deveres pelo sujeito
passivo da obrigação tributária. Em outras palavras, o direito de
constituir o crédito tributário pelo lançamento pode sempre ser
satisfeito mediante conduta da própria Fazenda Pública, tenha
havido, ou não, a colaboração do sujeito passivo da obrigação
tributária (2005, p. 538).
No mesmo sentido, importa destacar o entendimento de Marco Aurélio
Greco:
94
Quando os atos qualificados pelos ordenamentos, aos quais
está conectada a fixação do prazo, corresponderem a atos de
exercício de potestades diretas ou indiretas (ou direitos
potestativos), o prazo respectivo corresponde ao que a doutrina
e a jurisprudência conhecem por decadência.
Mesmo sem afirmá-lo expressamente, Regina Helena Costa (2009, p.
268) demonstra parecer compartilhar desse mesmo entendimento, pois, ao
doutrinar que no direito tributário “(...) a decadência refere-se à extinção do
direito da Fazenda Pública – traduzido em poder-dever – de efetuar o
lançamento, em razão de sua inércia pelo decurso do prazo de cinco anos”,
nos revela, por meio do enfatizado poder-dever, que subjacente está a
potestividade do direito, claramente realizada num estado de sujeição.
A natureza potestativa, assim como explicada pelos teóricos em
questão, tem sido reconhecida pela jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, conforme excerto abaixo, extraído da ementa resultante do julgamento
do Agravo nº 1.171.776/SP, de relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido,
realizado em 30 de novembro de 2009:
(...)
2. É que a decadência ou caducidade, no âmbito do Direito
Tributário, importa no perecimento do direito potestativo de o
Fisco constituir o crédito tributário pelo lançamento, e,
consoante doutrina abalizada, encontra-se regulada por cinco
regras jurídicas gerais e abstratas, entre as quais figura a regra
da decadência do direito de lançar nos casos de tributos
sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos casos dos tributos
sujeitos ao lançamento por homologação em que o contribuinte
não efetua o pagamento antecipado. (Eurico Marcos Diniz de
Santi, “Decadência e Prescrição no Direito Tributário”, 3ª ed.,
Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 163/210).
(...)
Qual a relação da teoria em questão com a desconsideração da
personalidade jurídica? Vimos que, em caso de abuso da personalidade
95
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial,
os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações podem ser
estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa
jurídica, nos termos do artigo 50 do Código Civil, que adotamos como cláusula
geral de direito, aplicável, assim, inclusive nas relações tributárias.
Já vimos, também, que, na desconsideração da personalidade jurídica, o
sujeito que sofre os ônus da desconsideração não é simplesmente um
responsável tributário (obligatio), mas um verdadeiro “devedor direto” por débito
próprio (debitum), pois aquele que abusa da personalidade jurídica cria para si
uma obrigação própria (reitera-se, o debitum), conforme nos ensina Parentoni
(2014, p. 57).
Remanesce, porém, a dúvida acerca da existência de algum prazo para
pleitear-se e aplicar-se a desconsideração, bem como, e especialmente, a
natureza desse prazo. Nos termos do artigo 50 em questão, uma vez
verificados os pressupostos ensejadores da desconsideração da personalidade
jurídica, surge para o credor o direito de, querendo, afastar as limitações
patrimoniais impostas pelo modelo social adotado, de modo a atingir
diretamente o patrimônio da pessoa natural subjacente (sócio ou
administrador).
É possível depreender, assim, à luz dos ensinamos acima,
principalmente os de Agnelo Amorim Filho, que, ao se pleitear a
desconsideração da personalidade jurídica, exerce-se um verdadeiro direito
potestativo de ingerência na esfera jurídica de terceiros. De fato, o pedido de
desconsideração reclama do juízo uma tutela constitutiva positiva, constitutiva
de uma nova relação jurídica entre o credor e o sócio ou administrador.
Ao tudo indica, devido à constatação de que o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica consubstancia-se no exercício de
direito potestativo a reclamar uma tutela de natureza constitutiva, pode-se
concluir, com base nas mencionadas lições, que tal pedido se sujeita a um
prazo de natureza decadencial. Pode-se concluir, portanto, que o prazo para
requerer a desconsideração da personalidade jurídica possui natureza
decadencial. Vejamos, então, como a decadência é tratada no Código Civil em
vigor.
96
Com exceção da prescrição contida no artigo 179 do Código Civil,
segundo o qual “Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem
estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar
da data da conclusão do ato”, o Código Civil de 2002 não estabeleceu um
prazo geral e amplo para a decadência. De fato, salvo no caso do artigo 179
em questão, o legislador pátrio preferiu discriminar, pontualmente, todos os
direitos potestativos cujo exercício está sujeito a um prazo decadencial
determinado (VENOSA, 2012, p. 575).
Ocorre que a única regra geral estabelecida quanto ao prazo
decadencial, consistente no artigo 179 acima citado, parece não se aplicar à
desconsideração da personalidade jurídica, pois, conforme já visto, essa não
implica na anulação, isto é, na dissolução da pessoa jurídica ou na cassação
de sua autorização de funcionamento (GONÇALVES, 2011, p. 250).
Na desconsideração subsiste o princípio da autonomia subjetiva da
pessoa jurídica, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa
distinção é afastada, episodicamente, e tão somente, para um determinado
caso in concreto. Não se trata, portanto, de anulação de seu ato constitutivo ou
algo semelhante, sendo inaplicável, por isso, o mencionado artigo 179, que é a
única regra geral e ampla a instituir um prazo decadencial no Código Civil.
Por outro lado, o Código Tributário Nacional também não estipula
qualquer prazo decadencial específico para operar-se a desconsideração da
personalidade jurídica. Quando não há regra geral e específica estabelecendo
prazo decadencial para o exercício de determinado direito potestativo, Agnelo
Amorim Filho (2005, p. 743) ensina que tal exercício não estará sujeito a prazo
algum.
De acordo com o referido autor, em relação aos direitos potestativos
para cujo exercício a lei não tenha vislumbrado a necessidade de prazo
especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade,
segundo a qual tais direitos não irão se extinguir pelo não-exercício.
Tal entendimento também é defendido por Yussef Said Cahali (2008, p.
76), em estudo sobre prescrição e decadência:
(...) os direitos potestativos são insuscetíveis de violação.
Porém, o exercício desses direitos, judicial ou extrajudicial,
97
pode ou não estar condicionado a um prazo de decadência,
dependendo do grau de perturbação social que o não exercício
pode causar. Por consequência, para os direitos potestativos
subordinados a prazos, o seu decurso sem o exercício implica
a extinção do próprio direito; já para aqueles não vinculados a
prazo prevalece o princípio geral da inesgotabilidade ou da
perpetuidade, ou seja, direitos que não se extinguem pelo não
uso.
E conclui, em seguida, que “(...) os direitos potestativos sem prazo fixado
em lei são perpétuos, podendo, desse modo, ser exercidos a qualquer tempo,
seja por meio de simples declaração de vontade, seja via ação constitutiva.”
Pode-se deduzir, assim, a princípio, que a desconsideração da
personalidade jurídica se enquadra nessa hipótese em que não há prazo –
decadencial, segundo sua aparente natureza – para o exercício desse direito
potestativo. Por isso, os civilistas reconhecem que, ante a inexistência de prazo
legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando
preenchidos os pressupostos, poderá ser realizado a qualquer momento.
Aliás, ao prescrever que “O incidente de desconsideração é cabível em
todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e
na execução fundada em título executivo extrajudicial” (artigo 134), o
denominado Novo Código de Processo Civil, aprovado por meio da Lei Federal
nº 13.105/2015, do qual nos ocuparemos com maior detalhamento adiante,
parece ter acolhido essa lógica.
O mesmo entendimento pode ser verificado, ainda, no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida em 5 de abril de 2011 pela
Quarta Turma nos autos do Recurso Especial nº 1.180.714/RJ, de relatoria do
Ministro Luis Felipe Salomão, que tratou de matéria não tributária, cumpre
advertir:
DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS
AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA.
INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA.
DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO
98
NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA
FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE
RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO.
EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.
1. A desconsideração da personalidade jurídica não se
assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana,
seja em suas causas justificadoras, seja em suas
consequências. A primeira (revocatória) visa ao
reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico
tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato
praticado em fraude a credores, servindo ambos os
instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no
desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens
necessários ao adimplemento dos credores, agora em
igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei 11.101/05 e art.
165 do Código Civil de 2002).
2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é
técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios
jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa
da própria pessoa jurídica – rectius, ineficácia do contrato ou
estatuto social da empresa –, frente a credores cujos direitos
não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada
pelos atos constitutivos da sociedade.
3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem
qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da
personalidade jurídica os prazos decadenciais para o
ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.
4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a
lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a
regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a
qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à
míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da
medida, poderá ser realizado a qualquer momento.
5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente
processual e não como um processo incidente, razão pela qual
99
pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da
jurisprudência sedimentada do STJ.
6. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos
sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do
Decreto-Lei 7.661/45 e art. 82 da Lei 11.101/05) com a
desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na
primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente
identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios
deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda,
supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia
a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como
verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação
de responsabilização societária, em regra, é medida que visa
ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos
sócios/administradores, ao passo que a desconsideração visa
ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em
benefício da pessoa oculta.
7. Em sede de processo falimentar, não há como a
desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as
obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos
sócios. Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos
fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam
parte da sociedade, foram causadores do estado de
insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a falida,
a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos
sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma
a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito
falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição
entre os credores (par conditio creditorum), na ordem de
preferência imposta pela lei.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
No mesmo sentido, colaciona-se a seguinte decisão da mesma Corte,
proferida em 11 de junho de 2013 no julgamento dos Embargos em Recurso
Especial nº 1.312.591, de relatoria do mesmo Ministro, e que também não
versa sobre matéria tributária:
100
DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. DIREITO POTESTATIVO QUE
NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. PRAZO
PRESCRICIONAL REFERENTE À RETIRADA DE SÓCIO DA
SOCIEDADE. NÃO APLICAÇÃO. INSTITUTOS DIVERSOS.
REQUISITOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO. REVISÃO.
SÚMULA 7/STJ.
1. A desconsideração da personalidade jurídica é técnica
consistente na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica –
rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa –,
frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da
autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da
sociedade.
2. Ao se pleitear a superação da pessoa jurídica, depois de
verificado o preenchimento dos requisitos autorizadores da
medida, é exercido verdadeiro direito potestativo de ingerência
na esfera jurídica de terceiros – da sociedade e dos sócios –,
os quais, inicialmente, pactuaram pela separação patrimonial.
3. Correspondendo a direito potestativo, sujeito a prazo
decadencial, para cujo exercício a lei não previu prazo
especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da
perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem
pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica, quando
preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a
qualquer tempo.
4. Descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão
legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica
os prazos prescricionais previstos para os casos de retirada de
sócio da sociedade (arts. 1003, 1.032 e 1.057 do Código Civil),
uma vez que institutos diversos.
5. “Do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso
da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja
pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da
desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para
101
se buscar o patrimônio individual de seu sócio” (REsp
1259066/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28/06/2012).
6. Reconhecendo o acórdão recorrido que a ex-sócia, ora
recorrente, praticou atos que culminaram no encerramento
irregular da empresa, com desvio de finalidade e no
esvaziamento patrimonial, a revisão deste entendimento
demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos,
o que é vedado em sede de recurso especial ante o óbice da
Súmula 7/STJ.
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão,
não provido.
Contudo, importa considerar que o subsistema do direito tributário possui
uma particularidade: as relações obrigacionais decorrentes das relações
tributárias extinguem-se tanto pela decadência quanto pela prescrição, nos
termos dos artigos 150, § 4º, 173 e 174 do Código Tributário Nacional.
Como conciliar, então, a inexistência de prazo legal para o exercício do
direito potestativo do pedido de desconsideração da personalidade jurídica com
as disposições do Código Tributário Nacional que determinam a extinção da
obrigação após o decurso de certo prazo (seja ele decadencial ou
prescricional)?
Uma vez que a decadência prevista no Código Tributário Nacional é
especifica para a constituição do crédito tributário, e não para a
desconsideração da personalidade jurídica, e uma vez que partimos da
premissa de que essa desconsideração pressupõe a existência de obrigação
tributária devidamente constituída em nome de quem sofrerá os seus efeitos,
conforme inferimos do artigo 50 do Código Civil, já que compartilhamos da tese
de Paulo de Barros Carvalho (2008, pp. 431-432), de que a obrigação é
constituída pelo crédito tributário, podemos concluir, então, que o direito
potestativo de sujeitar o sócio ou administrador ao cumprimento das obrigações
tributárias em decorrência da desconsideração da personalidade jurídica,
apesar de não contar com um prazo específico, deve ser exercido enquanto
existente a obrigação surgida para a pessoa jurídica.
Apesar de confundir o instituto da desconsideração da personalidade
jurídica com a responsabilidade tributária da qual trata o artigo 135, inciso III,
102
do Código Tributário Nacional (o que se mostra inadequado, segundo nosso
entendimento, conforme será exposto no capítulo seguinte, quando faremos as
distinções cabíveis), parece ser esse o entendimento verificado no âmbito do
Tribunal Regional Federal da Segunda Região, conforme consta na ementa do
julgamento do Agravo de Instrumento nº 2012.02.01.018225-0, julgado em 5 de
março de 2013, de relatoria do Desembargador Luiz Antonio Soares:
Processual civil - Agravo de instrumento - Redirecionamento da
execução para o coobrigado - Prazo prescricional de 5 anos
com início após a citação da sociedade devedora - Dissolução
irregular da sociedade - Presunção relativa. Súmula 435 do
STJ - Redirecionamento para o sócio-gerente - Possibilidade.
Exercício da gerência à época da dissolução irregular e da
constituição do crédito. Precedentes do STJ.
1 - Trata-se de agravo de instrumento interposto por Rogerio
Coutinho, em face da decisão que rejeitou a exceção de pré-
executividade oposta pelo agravante na qual alegava a
ocorrência da prescrição e sua inclusão indevida no polo
passivo.
2 - O STJ pacificou entendimento no sentido de que a citação
da empresa interrompe a prescrição em relação aos seus
sócios-gerentes para fins de redirecionamento da execução.
Todavia, para que a execução seja redirecionada contra o
sócio, é necessário que a sua citação seja efetuada no prazo
de cinco anos a contar da data da citação da empresa
executada, em observância ao disposto no citado art. 174 do
CTN. Desse modo, está caracterizada a prescrição.
3 - A citação válida da execução ocorreu em 09.1999, quando
a empresa ainda funcionava, interrompendo-se o prazo
prescricional. Compulsando os autos, podemos atestar que não
houve desídia da União Federal, que promoveu todos os atos
que lhe cabiam no processamento do feito. Em 02.2008 é que
a empresa executada não foi encontrada, fato que caracteriza
sua dissolução irregular e que ensejou a decisão determinando
a inclusão do sócio agravante no polo passivo da execução
fiscal em março/2009.
103
4 - Assim, como o pedido de inclusão do sócio foi feito em
menos de 5 (cinco) anos após a informação de dissolução
irregular, não [há] que se falar em prescrição intercorrente.
5 - Somente em caso de conduta com violação à lei é possível
a responsabilização do sócio. Com efeito, somente o sócio-
gerente pode ser responsabilizado, dada a necessidade da
configuração da ilicitude.
6 - Deve-se atentar especificamente para o que configura o
abuso que autoriza a desconsideração da personalidade
jurídica da empresa, podendo ser tanto o excesso de mandato,
o desvio de finalidade da empresa, a fusão patrimonial entre a
sociedade e os sócios ou a dissolução irregular, que pode ser
presumida e que, por sua vez, presume a prática dos atos
ilícitos, previstos no art. 135, III, do CTN, de acordo com a
doutrina e a jurisprudência predominantes. Súmula 435 do STJ.
7 - A responsabilidade é do sócio que detinha poderes de
gerência à época do ato ilícito, (...).
Apesar da condenável confusão em questão, pode-se sustentar que o
direito potestativo de sujeitar o sócio ou administrador ao cumprimento de
obrigações tributárias em decorrência da desconsideração da personalidade
jurídica, apesar de não possuir um prazo específico determinado em lei, não
pode ser exercido quando a obrigação surgida em nome da pessoa jurídica não
mais existir por força da aplicação de outro instituto (no caso, a prescrição) que
tem por efeito a extinção dessa obrigação primária.
Essa conclusão parece ser coerente com as disposições do artigo 134
do Novo Código de Processo Civil, segundo o qual o incidente de
desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento,
no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial, com a ressalva de que só pode ser manejado enquanto não
extinta a obrigação primária.
104
3.4 Desconsideração, grupos econômicos e as obrigações tributárias
Os grupos convencionais de sociedades surgiram, no direito brasileiro,
com a edição da Lei Federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das
Sociedades Anônimas), que prevê hipóteses de acordos (e participações) entre
diferentes pessoas jurídicas, especialmente nos artigos 265 a 277, sob a
designação de grupos de sociedades. Apesar de tais dispositivos estarem
inseridos na Lei das Sociedades Anônimas, suas disposições são sabidamente
aplicáveis aos grupos empresariais compostos por sociedades limitadas.
A doutrina, ora sintetizada nas palavras de José Alexandre Tavares
Guerreiro (2005, p. 305), ensina que a legislação em questão disciplina os
denominados grupos de direito, isto é, aqueles que preenchem os elementos
de fato e que cumprem todas as formalidades necessárias à sua formação,
razão pela qual recebem a qualificação de direito. Aqueles que preenchem
somente os requisitos de fato e que não cumprem as formalidades legais
exigíveis recebem a designação, por sua vez, de grupos de fato, estando à
margem, pois, das disposições normativas da Lei das Sociedades Anônimas.
Portanto, o modelo brasileiro é convencional, exigindo-se a celebração
de uma convenção de grupo (artigo 265 da Lei das Sociedades Anônimas),
que exige o controle das sociedades agrupadas por uma sociedade
controladora (GUERREIRO, 2005, p. 305). O modelo convencional brasileiro
prescreve a manutenção da separação patrimonial entre as pessoas jurídicas
componentes do grupo, conforme consta no artigo 266 da mencionada lei,
segundo o qual cada sociedade conservará personalidade e patrimônios
distintos. Isso é justificado na medida em que as pessoas jurídicas
pertencentes a um grupo empresarial buscam gerar sinergias para o
desenvolvimento de atividades empresariais comuns, porém, independentes.
Não é o caso, no momento, de se aprofundar na distinção entre grupos
de fato e de direito, nem mesmo nas demais classificações existentes, como a
que distingue grupos de coordenação e de subordinação. Interessa-nos, por
força do presente trabalho, a vinculação existente entre as sociedades que
compõem um grupo empresarial, e que pode manifestar-se de inúmeras
maneiras (administração centralizada, submissão dos interesses de empresa
105
membro ao interesse do grupo, arranjos societários relativos à concorrência,
etc.).
Apesar da afirmação legal da conservação da personalidade jurídica e
patrimônios distintos entre as empresas componentes de um grupo
convencional, José Alexandre Tavares Guerreiro (2005, p. 309) explica que há
certa relativização do valor conferido, em caráter individual, ao objeto social de
cada uma das pessoas jurídicas agrupadas, pois a execução de seu objeto
social, com a convenção, passa a admitir, expressamente, a subordinação de
interesses de uma sociedade ao de outras ou ao interesse do grupo.
É possível concluir, assim, que, no grupo, o modo de dar cumprimento
ao objeto social deixa de ser estritamente individual, passando a se inserir na
combinação de recursos e esforços de todo o grupo (de todas as sociedades
que o integram). Isso tem grande relevância quanto à “transferência de
capitais” entre as empresas agrupadas:
Quer isso significar que, uma vez convencionado o grupo, o
“fornecimento” de capitais se legitima mesmo que não incluído
no objeto social de dada companhia. Na verdade, não se trata,
na espécie, de “fornecimento” de capitais, mas de aplicação de
recursos financeiros próprios mediante remuneração, atividade
essa, aliás, não incluída, evidentemente, no objeto social das
companhias, como adiante discutido. E mais: se essa mesma
companhia se associa ao grupo, reconhece, ipso facto, a
existência de vantagens decorrentes da associação, que
convergem para o benefício de seu próprio interesse social e,
em última análise, para a realização última de seu objeto
social. Já não importa se esse benefício é mediato ou imediato,
direto ou indireto (GUERREIRO, 2005, p. 309).
Como o objeto social deixa de ser considerado sob o ponto de vista
estritamente individual e isolado da pessoa jurídica filiada, passando a ser
considerando, em verdade, um empreendimento comum, isto é, do grupo,
mostra-se plenamente possível a transferência de recursos no âmbito grupal,
como forma de reafirmação da sinergia para a consecução dos interesses
106
comuns, apesar de cada pessoa jurídica manter sua personalidade e
patrimônio próprios.
Conforme observa Leonardo Netto Parentoni (2014, p. 75), essa
vinculação entre pessoas jurídicas (formação de grupos) pode ocasionar a
fragilização da autonomia individual de cada componente do grupo, de maneira
a permitir ao controlador utilizá-las em desconformidade com os pressupostos
da autonomia individual. Por isso, os grupos de sociedades têm sido “terrenos
férteis” para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica prevista
no artigo 50 do Código Civil.
Um dos aspectos polêmicos que têm ensejado a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica em grupos econômicos diz respeito
a uma suposta confusão patrimonial decorrente de transferências financeiras
no interior do grupo. José Alexandre Tavares Guerreiro (2005, pp. 312-313)
explica que essas transferências de recursos financeiros constituem a própria
atividade nuclear do grupo, vindo a ser uma de suas finalidades mais claras e
usuais.
Esse negócio jurídico denomina-se mútuo, definido no artigo 586 do
Código Civil como empréstimo de coisas fungíveis. De acordo com tal
dispositivo, o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu
em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Pontes de Miranda (1972, p. 51) explica que a lei civil e a lei comercial
não contêm regra jurídica especial sobre a forma do contrato de mútuo. Elpídio
Donizete e Felipe Quintanella explicam (2012, p. 567), por sua vez, que
“Conquanto o Código não o mencione expressamente, o mútuo é contrato real,
que só se celebra, portanto, com a tradição.” Sílvio de Salvo Venosa (2012, p.
196) adverte, porém, que apesar de o mútuo não exigir forma escrita, deve-se
formalizá-lo por escrito para efeito de prova e de registro contábil.
É possível concluir, assim, com base na doutrina, que o contrato de
mútuo, no direto brasileiro, é considerado contrato real, tornando-se perfeito e
acabado com a simples entrega da coisa, apesar da recomendação feita por
Venosa, que se faça por escrito, para fins probatórios.
Dessa forma, apesar da desnecessidade de contrato escrito, a
transferência de recursos entre empresas agrupadas, isto é, o mútuo entre
essas empresas, pode ser juridicamente demonstrado na escrituração contábil
107
do mutuante e do mutuário. A suficiência da prova mediante escrituração é,
inclusive, prevista no artigo 226 do Código Civil, que trata dos meios de prova:
Art. 226. Os livros e fichas dos empresários e sociedades
provam contra as pessoas a que pertencem, e, em seu favor,
quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem
confirmados por outros subsídios.
Parágrafo único. A prova resultante dos livros e fichas não é
bastante nos casos em que a lei exige escritura pública, ou
escrito particular revestido de requisitos especiais, e pode ser
ilidida pela comprovação da falsidade ou inexatidão dos
lançamentos.
Paralelamente a isso, não existe na legislação qualquer exigência,
expressa ou implícita, de que as partes devem convencionar, necessariamente,
o prazo de vencimento de cada operação. Em verdade, além de o caput do
artigo 592 do Código Civil estipular a livre convenção das partes quanto ao
prazo, o inciso II exige somente um prazo mínimo (e não máximo) de trinta dias
se o mutuo for em dinheiro:
Art. 592. Não se tendo convencionado expressamente, o prazo
do mútuo será:
I - até a próxima colheita, se o mútuo for de produtos agrícolas,
assim para o consumo, como para semeadura;
II - de trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro;
III - do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de
qualquer outra coisa fungível.
Como os valores objeto do mútuo podem ser compensados entre as
empresas que compõem o grupo, levanta-se aquela questão da ocorrência ou
não de confusão patrimonial (ou até confusão de personalidade jurídica) entre
tais empresas, com violação ao artigo 266 do Lei das Sociedades Anônimas,
que garante, de forma expressa, as suas autonomias de personalidade e de
patrimônio.
108
Partindo das premissas já expostas, de que se trata de transações com
partes relacionadas no interior do grupo, cujo tratamento é determinado pela
administração grupal, e que existe, no grupo e nas relações com as partes
integrantes, uma determinação unitária sobre todas as transações relevantes
(ou seja, uma vontade diferente das vontades individuais, que prepondera
sobre o interesse individual das pessoas jurídicas agrupadas isoladamente
consideradas, sustenta José Alexandre Tavares Guerreiro (2005, p. 317) que:
Nessas condições, os mútuos subordinam-se expressamente a
essa “vontade” única, inclusive no que diz respeito à sua
extinção, total ou parcial, nas condições que viessem a ser
determinadas pela administração do grupo. Era, pois, à
vontade da administração do grupo que deveria se conformar a
compensação de seus saldos credores e devedores. Também
no que tange a essa compensação, a decisão central é interna
corporis, ou seja, não depende da intervenção da vontade de
terceiros, fora do grupo e não sujeitos a seu poder vinculante.
E arremata, referindo-se ao § 3º do artigo 178 da Lei das Sociedades
Anônimas (segundo o qual os saldos devedores e credores que a pessoa
jurídica não tiver direito de compensar serão classificados separadamente),
que:
O direito de compensar, que nesse dispositivo constitui o
elemento decisivo para o registro dos saldos devedores e
credores, não estava, no caso presente, em mãos de terceiros,
mas em mãos de sociedades filiadas ao grupo e vinculadas por
suas determinações. Assim, a extinção total ou parcial dos
mútuos, por meio de compensação, conquanto formalizada por
devedores e credores, obedece a uma condição determinada
pela administração do grupo, a expressar a vontade do grupo,
enquanto empreendimento comum, como se fosse,
efetivamente, uma única empresa (GUERREIRO, 2005, p.
318).
109
O mencionado autor conclui, com base nisso, que não se pode falar em
confusão patrimonial e nem em confusão de personalidade jurídica nessa
hipótese, pelo simples fato, amparado pela legislação, de que as
demonstrações financeiras da sociedade de comando registram os saldos dos
mútuos, após o cômputo da respectiva parcela a compensar perante outras
operações de mútuo no interior do grupo (GUERREIRO, 2005, p. 318).
Há quem pense, porém, como Fábio Konder Comparato (2008, p. 376),
que a confusão patrimonial, em maior ou menor grau, é inerente a todo grupo
econômico, levando-o a afirmar, inclusive, que o interesse individual de uma
sociedade é sempre subordinado ao interesse geral do complexo de empresas
agrupadas.
Contudo, partindo do modelo convencional brasileiro, que garante,
expressamente, a separação da personalidade e patrimonial entre as pessoas
jurídicas componentes do grupo, nos termos do já mencionado artigo 266 da
Lei das Sociedades Anônimas, José Alexandre Tavares Guerreiro (2005, p.
319) afirma o seguinte:
O que interessa, porém, é saber se essa situação ocorre à
margem da lei, ou, se, ao contrário, vem a ser ela mesma uma
decorrência inevitável da própria lei ao admitir e legitimar os
grupos de direito com subordinação de interesses. Seja como
for, não há procedência alguma na suposição de que a
disciplina jurídica dos grupos de direito implica em confusão
patrimonial lesiva, seja ao interesse dos credores, seja ao
interesse dos acionistas não controladores. Trata-se de
situação jurídica a que a lei dá amparo e, portanto, não autoriza
a arguição de confusão patrimonial ou de prejuízo à
personalidade jurídica.
É possível concluir, portanto, que não se sustenta considerar a
ocorrência de confusão patrimonial (ou de personalidade) entre empresas
agrupadas na hipótese de celebração de contrato de mútuo, porquanto tal
prática é autorizada por lei e isso não descaracteriza, por ser juridicamente
permitida, a separação da personalidade e patrimônio entre tais pessoas,
110
desde que cumpridos todos os requisitos necessários à constituição do modelo
convencional brasileiro.
É possível perceber, contudo, decisões judiciais que têm aplicado a
desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar todas as
pessoas jurídicas pertencentes a um mesmo grupo empresarial. Vejamos,
nesse sentido, o quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no
julgamento dos Embargos ao Recurso Especial nº 604.862/PR, julgado em 28
de novembro de 2014, mediante decisão monocrática do Ministro Marco Buzzi,
que analisou a ocorrência de operação de mútuo realizado entre empresas de
um mesmo grupo:
Trata-se de agravo (art. 544 do CPC) interposto por
PLAYARTE PICTURES ENTRETENIMENTO LTDA, em face
de decisão denegatória de seguimento ao recurso especial.
O apelo extremo, fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea
“a”, da Constituição Federal, desafiou acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado (fl.
1907, e-STJ):
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO EM FASE DE
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA QUE RECONHECE A EXISTÊNCIA DE
GRUPO ECONÔMICO E DETERMINA A
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA
EXECUTADA - INSURGÊNCIA RECURSAL - AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO - ART. 93, IX, DA CF E
ART. 165, DO CPC - NÃO ACOLHIMENTO - INOCORRÊNCIA
DE CONFUSÃO PATRIMONIAL - ALEGAÇÃO
DESPROPOSITADA - NÃO OCORRÊNCIA DOS REQUISITOS
ENSEJADORES DA DESCONSIDERAÇÃO -
DESCABIMENTO - RECONHECIMENTO DE GRUPO
ECONÔMICO - EMPRESAS ATRELADAS ENTRE SI -
DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Nas razões do recurso especial (fls. 1942-1966, e-STJ), a
recorrente apontou afronta aos seguintes dispositivos
normativos: art. 93, IX, da CF; arts. 165, 265, inciso IV, alínea
111
“a”, primeira parte, do CPC; art. 266 da Lei nº 6.404/76; e art.
50 do CC.
Sustentou que não se encontram presentes os requisitos
necessários à desconsideração da personalidade jurídica,
medida de exceção aqui adotada sem qualquer critério.
(...)
Decido.
A pretensão recursal não prospera.
(...)
3. No mérito, cumpre assinalar que o abuso da personalidade
jurídica poderá acarretar em sua desconsideração quando
caracterizado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial
entre pessoa jurídica e seus sócios, podendo o juiz decidir que
os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica, conforme dispõe o art. 50 do CC.
O Tribunal de origem, com amparo no acervo probatório dos
autos, entendeu cabível, na hipótese, a desconsideração da
personalidade jurídica da executada (fls. 1917-1918, e-STJ):
In casu, a decisão ora vergastada entendeu que houve
confusão patrimonial em razão do reconhecimento do grupo
econômico e da interação econômica de bens entre eles:
transferência de valores da agravante para outras empresas
coligadas.
De acordo com a manifestação do administrador judicial de ff.
935/940-TJ (Al nº 999.283-0), após análise e avaliação do
estado contabilístico da agravante, restou comprovada a
confusão patrimonial, veja-se:
“(...) 3) Realizou Investimentos, conforme o Balanço Encerrado
em 31/12/2009, no montante de R$ 58.007.897,71 em
empresas coligadas (conforme o anexo 004), bem como
realizou contratos de Mútuos para quotistas ou então para
empresas do Grupo (anexos 009), em detrimento do
recolhimento, por exemplo, dos Impostos deduzidos da base
de cálculo da arrecadação (...)”.
Ainda continuou:
112
“(...) Não há nenhuma dúvida de que a Executada faz parte de
um Grupo Econômico, fato comprovado por documentos
disponibilizados pela própria Executada, conforme se vê, por
exemplo, no bloco de anexos „33.1‟, onde consta a expressão
„Grupo Playarte‟, na margem esquerda, ao alto. (...)”.
Fato é que a agravante por meio de contratos de mútuos
realizou inúmeras transações com outras empresas coligadas,
isto evidencia a confusão patrimonial, que alude o art. 50, do
CC.
Portanto, correta a decisão ao desconsiderar a personalidade
jurídica da agravante.
Desse modo, para alterar as conclusões do acórdão recorrido
acerca do exame dos requisitos necessários para a
desconsideração da personalidade jurídica, seria
imprescindível a rediscussão de matéria fática, incidindo, na
espécie, o óbice da Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples
reexame de prova não enseja recurso especial”.
Sobre o tema, o seguinte precedente:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA
JURÍDICA. ART. 50 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. AFERIÇÃO DA
PRESENÇA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA
MEDIDA. REEXAME DE MATÉRIA DE FATO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
medida excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002,
pressupõe a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do
desvio de finalidade ou da demonstração de confusão
patrimonial.
2. O Tribunal de origem, com base no contexto fático-
probatório dos autos, afastou os elementos fáticos
autorizadores da medida. Desse modo, infirmar as conclusões
a que chegou o acórdão recorrido - investigação acerca da
ocorrência de abusos da personificação jurídica advindos do
desvio de finalidade ou da demonstração de confusão
patrimonial - demandaria a incursão na seara fático-probatória
113
dos autos, tarefa essa soberana às instâncias ordinárias, o que
impede o reexame na via especial (Súmula 7 deste Superior
Tribunal).
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no
AREsp 441.231/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 20/02/2014)
Nesse sentido, “reverter as conclusões do Tribunal a quo
acerca da desconsideração da personalidade jurídica,
ocasionaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto
fático-probatório dos autos, procedimento que é vedado pelo
Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte” (EDcl no Ag n.
984.901/SP, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, DJe 5/4/2010).
4. Do exposto, nego provimento ao agravo.
Apesar de o Acórdão em questão não mencionar expressamente, tudo
indica que se trata, in casu, de grupo de direito, porquanto reconhecida a
relação de empresas coligadas, fato esse demonstrado, inclusive, pelas
demonstrações contábeis. Contudo, apesar disso, o julgador decidiu aplicar a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica por entender que houve
confusão patrimonial entre as pessoas jurídicas coligadas, devido à
constatação de mútuo entre elas. Pode-se duvidar, contudo, em razão da
construção doutrinária acima exposta, o acerto dessa decisão.
Observa-se, porém, que a maior parte das decisões que aplicam a teoria
da desconsideração da personalidade jurídica têm por objeto os grupos de fato,
isto é, aqueles que não cumprem as formalidades legais exigíveis
(celebração de convenção) para serem considerados grupos de direito.
Vejamos, nesse sentido, o quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do Recurso Especial nº 968.564/RS, decidido em 18 de dezembro
de 2008, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima:
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO.
EXECUÇÃO. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO.
EXAME. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA RESERVADA
AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CERCEAMENTO DE
114
DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. PRESSUPOSTOS. AFERIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL. NÃO-OCORRÊNCIA. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Refoge à competência do Superior Tribunal de Justiça, em
sede de recurso especial, o exame de suposta afronta a
dispositivo constitucional, por se tratar de matéria reservada ao
Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da
Constituição da República.
2. O afastamento, pelo Tribunal de origem, da aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica da parte
recorrida, em face da revaloração das provas dos autos, não
importa em cerceamento de defesa, mormente quando tal
decisão não se baseou em ausência de prova, mas no
entendimento de que os pressupostos autorizativos de tal
medida não se encontrariam presentes.
3. A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de
grupos econômicos, deve ser reconhecida em situações
excepcionais, quando verificado que a empresa devedora
pertence a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com
estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas
pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob
unidade gerencial, laboral e patrimonial, e, ainda, quando se
visualizar a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e
má-fé com prejuízo a credores.
4. Tendo o Tribunal a quo, com base no conjunto probatório
dos autos, firmado a compreensão no sentido de que não
estariam presentes os pressupostos para aplicação da
disregard doctrine, rever tal entendimento demandaria o
reexame de matéria fático-probatória, o que atrai o óbice da
Súmula 7/STJ. Precedente do STJ.
5. Inexistência de dissídio jurisprudencial.
6. Recurso especial conhecido e improvido.
115
Por estarem à margem das disposições da Lei das Sociedades
Anônimas, que garante a separação da personalidade e patrimonial entre as
pessoas pertencentes ao grupo, a jurisprudência tem entendido, com
frequência, que, nesses casos (grupos de fato), há apenas uma separação
formal entre as empresas (enquanto atividade econômica organizada), na
medida em que é possível identificar administração e controle em comum.
O que tem determinado a possibilidade de desconsideração da
personalidade jurídica não é a existência de vínculo societário entre as pessoas
jurídicas integrantes do grupo de fato, até mesmo porque tal vínculo não existe
materialmente. O fator determinante é, em verdade, a confusão patrimonial ou
o desvio de finalidade, conforme se observa na ementa adiante parcialmente
citada, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso
Especial nº 767.021/RJ, em 16 de agosto de 2005: /08/2005-RJ, de relatoria do
Ministro José Delgado:
(...)
3. “A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de
grupos econômicos, deve ser reconhecida em situações
excepcionais, onde se visualiza a confusão de patrimônio,
fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. No
caso sub judice, impedir a desconsideração da personalidade
jurídica da agravante implicaria em possível fraude aos
credores. Separação societária, de índole apenas formal,
legitima a irradiação dos efeitos ao patrimônio da agravante
com vistas a garantir a execução fiscal da empresa que se
encontra sob o controle de mesmo grupo econômico” (Acórdão
a quo). 4. “Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o
mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que
ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem
suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é
legítima a desconsideração da personalidade jurídica da falida
para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais
sociedades do grupo. Impedir a desconsideração da
personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a
fraude à lei ou contra credores”.
(...)
116
Vejamos um trecho do voto condutor desse julgado:
(...)
A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de
grupos econômicos, deve ser reconhecida em situações
excepcionais, onde se visualiza a confusão de patrimônio,
fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores. O
intuito é visar situações falsas ou artifícios maliciosos, à
margem da lei e prejudiciais a terceiros, alcançando o
patrimônio daqueles conhecidos sócios ricos das sociedades
pobres.
No caso sub judice, impedir a desconsideração da
personalidade jurídica da agravante implicaria em possível
fraude aos credores. A utilização de razões sociais distintas
para a mesma empresa comercial não afasta a óbvia
conclusão de que, na hipótese existe apenas uma só pessoa
jurídica.
As empresas INTERUNION CAPITALIZAÇÃO S/A,
INTERUNION TRADING S/A e controladora INTERUNION
HOLDING S/A possuem sede no mesmo prédio, e se
encontram sob o comando do mesmo grupo empresarial, com
a mesma direção, cujos negócios eram conduzidos tendo em
vista interesses desse grupo, e não os de cada uma das
diversas sociedades. Essa separação societária, de índole
apenas formal, legitima a irradiação dos efeitos ao patrimônio
da agravante com vistas a garantir a execução fiscal da
empresa que se encontra sob o controle de mesmo grupo
econômico.
(...)
É possível verificar, assim, que o fundamento jurídico frequentemente
utilizado pelos Tribunais é que a formação de grupos de fato é um abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela
confusão patrimonial, ensejando, assim, a responsabilização patrimonial de
todas as pessoas jurídicas envolvidas pela aplicação da desconsideração da
117
personalidade jurídica prevista no artigo 50 do Código Civil. Convém ressaltar,
contudo, que tais decisões não têm responsabilizado as pessoas físicas (sócios
das pessoas jurídicas), mas somente as pessoas jurídicas que compõem o
grupo.
Percebe-se, por outro lado, nesses mesmos julgados, que o Superior
Tribunal de Justiça entende que a simples existência de grupo econômico de
direito não implica, per si, desconsideração da personalidade jurídica, exigindo,
para tanto, aqueles pressupostos descritos no artigo 50 do Código Civil. Nesse
sentido, destaca-se o quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no
Recurso Especial nº 744.107/SP, de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves,
julgado em 20 de maio de 2008:
RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA ("disregard doctrine").
HIPÓTESES.
1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa
devedora, imputando-se ao grupo controlador a
responsabilidade pela dívida, pressupõe - ainda que em juízo
de superficialidade - a indicação comprovada de atos
fraudulentos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade.
2. No caso a desconsideração teve fundamento no fato de ser
a controlada (devedora) simples longa manus da controladora,
sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art.
50 do Código Civil de 2002.
3. Recurso especial conhecido.
No mesmo sentido, verifica-se, ainda, o quanto decidido no julgamento
do Recurso Especial nº 744.107, julgado em 20 de maio de 2008, de relatoria
do Ministro Fernando Gonçalves:
RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA ("disregard doctrine").
HIPÓTESES.
1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa
devedora, imputando-se ao grupo controlador a
responsabilidade pela dívida, pressupõe - ainda que em juízo
118
de superficialidade - a indicação comprovada de atos
fraudulentos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade.
2. No caso a desconsideração teve fundamento no fato de ser
a controlada (devedora) simples longa manus da controladora,
sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art.
50 do Código Civil de 2002.
3. Recurso especial conhecido.
Importa transcrever um elucidador trecho do voto condutor:
(...)
No caso, como visto, houve a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao
grupo controlador a responsabilidade pela dívida, sem, data
venia, explicitação das razões para esta providência. Não foi,
em nenhum momento, mencionada a ocorrência de abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social. Mostra, com efeito,
MÔNICA GUSMÃO, na Revista a Escola da Magistratura do
Estado do Rio de Janeiro - EMERJ - vol. 7, nº 26 - pág. 266 -
que o objetivo da disregard “não é outro senão o de
desconsiderar momentaneamente a personalidade jurídica da
sociedade para atingir bens particulares dos sócios (no caso da
sociedade controladora), desde que comprovada a prática de
atos fraudulentos, a confusão patrimonial ou o desvio de
finalidade”, trazendo à colação julgado da Segunda Câmara do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Relator o
Des. SERGIO CAVALIERI FILHO - que expõe, verbis: “Com a
teoria da disregard doctrine visa-se coibir o uso irregular da
forma societária, geradora da personalidade jurídica, para fins
contrários ao direito. Contudo, a fraude e o abuso de direito,
que autorizam a adoção desta teoria, no caso concreto, hão de
ser cabalmente demonstrados, não sendo suficiente a
existência de indícios ou presunções, porque se cuida de uma
excepcionalidade, demanda prova inconteste.” (fls. 266/267)
E diz mais o julgado: “Mister faz-se a comprovação de que a
pessoa formal, por intermédio de pessoas físicas esteja
119
perpetrando atos fraudulentos e/ou em abuso de direito em
detrimento de terceiros. Acerto da decisão hostilizada, à falta
da demonstração dos pressupostos jurídicos do pedido.” (fls.
267) Nem a decisão de primeiro grau e nem o ven. acórdão
declinam casos de comprovada fraude para a aplicação da
teoria, mas apenas que “por meio da argumentação e
documentação juntada pela autora” estaria demonstrada a
“situação de grupo econômico que viabiliza, no caso, a
desconsideração da personalidade jurídica” (fls. 656). O ven.
acórdão também endossa a tese da desconsideração sob o
fundamento de ser a controlada (devedora) simples longa
manus da controladora, mas, data venia, não aponta tenha
havido, como exige o art. 50 do Código Civil, ainda que em
Juízo de superficialidade, desvio de finalidade social ou
confusão patrimonial. Neste sentido, aliás, o Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal, através do
Enunciado 146, ressalta que “nas relações civis interpretam-se
restritivamente os parâmetros de desconsideração da
personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade
social ou confusão patrimonial)”.
(...)
Prestigiando, assim, aquela regra expressa na Lei das Sociedades
Anônimas (artigo 265), que estipula a separação patrimonial e das
personalidades das empresas pertencentes a um grupo de direito, não há que
se falar em desconsideração da personalidade jurídica senão em caso de
comprovado abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial. Sem prova do abuso, isto é, intenção deliberada de frustrar os
interesses de terceiros mediante a utilização da pessoa jurídica, não se
sustenta a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Apesar da escassa jurisprudência sobre o tema em direito tributário, é
possível sustentar que todas essas conclusões são aplicáveis, em tudo e por
tudo, à desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário.
120
3.5 Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário
Partindo da premissa de que a desconsideração da personalidade
jurídica prevista no artigo 50 do Código Civil é aplicável ao direito tributário,
importa perquirir, então, quais os principais aspectos processuais dessa
aplicação.
3.5.1 O devido processo legal
É cediço que o direito processual, seja ele civil, penal, trabalhista, etc.
está subordinado a diversos princípios constitucionais gerais, destacando-se,
dentre eles, o due process of law, isto é, o devido processo legal, que é o
postulado constitucional fundamental do processo civil brasileiro e de muitos
outros países.
Ao referir-se a tal princípio, que em nosso sistema jurídico encontra-se
positivado no inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal em vigor, segundo
o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”. Explica Nelson Nery Júnior (2013, p. 92) que ele é a base
sobre a qual todos os outros princípios e regras se sustentam, concluindo que:
(...) bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio
do due process of law para que daí decorressem todas as
consequências processuais que garantiriam aos litigantes o
direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim
dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras
constitucionais são espécies.
Com origem na Magna Carta de 1215, o due process of law prestigiava –
no seu surgimento – a proteção do indivíduo no âmbito do processo penal, mas
o conceito do devido processo foi se modificando e se alargado no decorrer do
tempo até alcançar a atual forma e extensão, protetiva dos direitos
fundamentais do cidadão em tudo o que disser respeito à vida, liberdade ou
propriedade, superando, assim, as fronteiras do processo penal.
121
Por isso, a doutrina especializada ensina que o princípio do due process
of law caracteriza-se – genericamente – pelo trinômio vida, liberdade e
propriedade, isto é, garante o direito de tutela de todos esses bens da vida em
seu sentido mais amplo e genérico possível (NERY JÚNIOR, 2013, p. 94).
Logo, tudo o que disser respeito à vida, liberdade ou propriedade está sob a
proteção do due process of law.
Humberto Ávila (2008, pp. 50-59) destaca, porém, que essa expressão
(devido processo legal) tem sido contemporaneamente utilizada pela doutrina e
pela jurisprudência com duas diferentes conotações: (i) substancial, quando
denotativa das exigências de proporcionalidade e de razoabilidade; e (ii)
procedimental, quando indicativa da garantia de um processo adequado e
justo.
Nelson Nery Júnior (2013, p. 96) também faz a mesma observação,
explicando que o já destacado “sentido genérico” do due process of law (tudo o
que disser respeito à vida, liberdade ou propriedade está sob a sua proteção)
pode ser bipartido em substantive due process of law e em procedural due
process, indicando, assim como Ávila, a incidência do princípio em seu aspecto
substancial (que atua no que se refere ao direito material) e em seu aspecto
processual (que atua, por sua vez, no que se refere ao direito processual).
Quanto à sua aplicação no direito material, explica Humberto Ávila
(ÁVILA, 2008, p. 57) que tal princípio tem sido modernamente utilizado como
fundamento normativo dos deveres de proporcionalidade e de razoabilidade,
estando, pois, implícito no ordenamento jurídico. Ao tecer uma crítica “ácida”, o
referido teórico conclui, logo em seguida, que:
O uso da expressão “devido processo legal substancial” parece
ser, desse modo, apenas uma “bengala” para o intérprete
positivista que só enxerga normas onde encontra dispositivos
que lhes servem de suporte físico. Ocorre, porém, que esse
uso implica buscar, num dispositivo, o que já era dado por
outros, inclusive fora do âmbito processual.
Dessa forma, toda vez em que for proferida uma decisão
desproporcional ou irrazoável, estará configurada uma afronta ao princípio do
122
substantive due process, isto é, do devido processo em sua acepção material.
Por outro lado, quando analisado em seu clássico sentido processual
(procedural due process), o devido processo legal alcança outro significado,
mais restrito, correspondendo à repercussão e incidência, no direito
processual, do referido princípio do devido processo legal.
Inspirado pelo Direito Processual americano, Nelson Nery (2013, p. 99)
explica, exemplificadamente, que o procedural due process significa, dentre
outras coisas, o dever de propiciar aos litigantes a comunicação adequada
sobre a recomendação ou base da ação governamental, a atuação de um juiz
imparcial, a oportunidade de deduzir defesa oral perante um juiz e a
oportunidade de apresentar provas ao juiz, dentre outras garantias processuais
já incorporadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa forma, a cláusula do procedural due process nada mais é do que
a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e
defendendo-se do modo mais amplo possível. Por isso é correto afirmar que o
devido processo, em sua acepção processual, pressupõe a incidência da
isonomia, do contraditório, do direito de defesa, do direito à prova, da igualdade
de armas, da motivação das decisões, do direito ao silêncio, do direito de não
produzir prova contra si mesmo e de não incriminar a si próprio, da publicidade
dos atos processuais, etc.
Conforme corretamente adverte Nelson Nery Júnior (2013, p. 101),
apesar de a doutrina brasileira vir empregando, ao longo dos últimos anos, a
locução devido processo legal unicamente em seu sentido processual, vendo
na referida garantia apenas o direito ao justo processo, não se deve ignorar o
aspecto material que também lhe é ínsito.
Portanto, refletindo sobre as lições de Humberto Ávila (2008, p. 57), é
incorreto utilizar a expressão devido processo legal procedimental em oposição
ao devido processo legal substancial. Ambos os aspectos formam um todo
estrutural protetivo, que serve a um processo adequado e justo, nos seus
aspectos materiais e processuais. Nas suas conclusivas palavras:
Nesse sentido, a expressão composta de três partes fica plena
de significação: deve haver um processo; ele deve ser justo; e
deve ser compatível com o ordenamento jurídico,
123
especialmente com os direitos fundamentais (ÁVILA, 2008, p.
57).
Muito se discute a respeito de afronta ao devido processo nas hipóteses
em que se busca dar efetividade à desconsideração da personalidade jurídica.
Um dos problemas verificados refere-se à desconsideração sem a prévia
atividade cognitiva do magistrado, de que participem, em contraditório, o sócio,
administrador ou a outra pessoa jurídica.
Fredie Didier Júnior (2005, p. 398) entende, claramente, que não se
pode admitir a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica sem
prévio contraditório, pois “A garantia do contraditório é um direito fundamental
e, nessa condição, qualquer questão que envolva a possibilidade de sua
mitigação ou eliminação deve ser vista como muita reserva.” É o que também
sustenta Fábio Ulhoa Coelho (2012, pp. 78-80), para quem o sócio e a
sociedade devem ser previamente citados, na medida em que a citação
garante o devido processo legal.
Ocorre que muitos dos anseios da doutrina foram atendidos com a
aprovação, em 16 de março de 2015, da Lei Federal nº 13.105, que instituiu o
Novo Código de Processo Civil, que substituirá, no próximo ano, o diploma
processual atualmente em vigor. Concebido sob a égide da Constituição
Federal de 1988, seu anteprojeto tramitou durante quase cinco anos e, nesse
período, foi objeto de centenas de sugestões apresentadas por juristas e não
juristas, em dezenas de audiências públicas realizadas por todo o país.
Um dos avanços observados nessa nova legislação foi a inserção, em
seu texto, nos artigos 133 a 137, da regulação processual do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica:
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade
jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério
Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica
observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de
desconsideração inversa da personalidade jurídica.
124
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas
as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de
sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial.
§ 1o A instauração do incidente será imediatamente
comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a
desconsideração da personalidade jurídica for requerida na
petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa
jurídica.
§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo
na hipótese do § 2o.
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos
pressupostos legais específicos para desconsideração da
personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica
será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis
no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente
será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe
agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação
ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será
ineficaz em relação ao requerente.
Ao analisar tais disposições, Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 425)
explica que:
(...) este incidente – que não estava previsto expressamente na
legislação processual anterior – vem assegurar o pleno
respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz
respeito à desconsideração da personalidade jurídica. É que
sem a realização desse incidente, o que se via era a apreensão
de bens de sócios (ou da sociedade, no caso de
desconsideração inversa) sem que fossem eles chamados a
125
participar, em contraditório, do processo de formação da
decisão que define sua responsabilidade patrimonial.
De fato, o Superior Tribunal de Justiça admitia, sob a égide da legislação
atualmente em vigor (Código de Processo Civil de 1973), a desconsideração da
personalidade jurídica sem prévia citação daqueles que podem ser atingidos
pelos efeitos da decisão, “diferindo-se”, segundo o entendimento da
mencionada Corte, o contraditório que consiste numa das manifestações do
devido processo legal.
De fato, a ementa abaixo parcialmente transcrita, extraída do Acórdão
resultante do julgamento do Recurso Especial nº 1.266.666, de relatoria da
Ministra Nancy Andrighi, realizado em 9 de agosto de 2011, demonstra esse
exato entendimento:
(...)
III – Mérito do recurso. A quebra sem prévia citação. Violação
dos 12, §§ 1º e 3º, bem como 14, todos da LF/45, com
correspondência no art. 81 da LF/2005.
O tema de mérito deste recurso se resume à possibilidade de
extensão da falência da PETROFORTE aos recorrentes, sem
ação autônoma e sem sua prévia intimação, citação ou oitiva.
Com efeito, no processo que originou este recurso o pedido do
síndico de extensão da quebra foi autuado em expediente
avulso e deferido, pelo juízo, em primeiro grau, sem a
participação dos recorrentes, destinatários dos efeitos da
decisão. O exercício do contraditório foi, com isso, diferido,
possibilitando-se a defesa dos recorrentes apenas por meio de
recurso.
A análise da regularidade desse procedimento não pode,
naturalmente, desprender-se das peculiaridades da espécie.
Com efeito, não é mais possível, no processo civil moderno,
apreciar uma causa baseando-se exclusivamente nas regras
processuais sem se considerar, em cada hipótese, as suas
especificidades e, muitas vezes, a evidência com que se
descortina o direito material por detrás do processo. Hoje está
muito claro, tanto na doutrina como na jurisprudência, que as
126
regras processuais devem estar a serviço do direito material,
nunca o contrário.
No próprio recurso especial a recorrente demonstra que a
extensão dos efeitos da falência sem a prévia citação vem
sendo admitida pela jurisprudência do STJ nas hipóteses em
que caracterizada a existência de grupo econômico,
notadamente mediante a técnica da desconsideração da
personalidade jurídica. Há, nesse sentido, julgado antigo de
minha relatoria (RMS 12.872/SP, 3ª Turma, DJ de 16/12/2002)
e, mais recentemente, diversos outros julgados, do que é
exemplo a decisão proferida no REsp 881.330/SP (4ª Turma,
Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 10/11/2008). Ainda
nessa linha de raciocínio, a jurisprudência desta Corte vem
admitindo também a extensão de efeitos da quebra sempre
que verificada a hipótese de coligação de empresas (REsp
1.034.536/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de
16/2/2009; REsp 228.357/SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ de
19/12/2003; entre outros).
(...)
É importante frisar que a jurisprudência desta Corte tem se
posicionado no sentido de dispensar a propositura de ação
autônoma para que se defira a extensão dos efeitos da falência
de uma sociedade a empresas coligadas, consoante se vê nos
seguintes precedentes: REsp 1.034.536/MG, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJe de 16/2/2009; REsp 228.357/SP,
Rel. Min. Castro Filho, DJ de 19/12/2003; entre outros. Assim,
em princípio, caracterizada a coligação de empresas, a
exigência de processo autônomo não se justificaria.
A caracterização de coligação de empresas, por sua vez, é,
antes de mais nada, uma questão fática. Portanto, o que tiver
decidido o Tribunal a esse respeito não pode ser revisto nesta
sede por força do óbice da Súmula 7 do STJ.
(...)
Verifica-se o mesmo entendimento, ainda, em outras decisões da
mencionada Corte, como no julgamento do Recurso Especial nº 476.452,
127
decidido em 5 de dezembro de 2013, com relatoria do Ministro Luis Felipe
Salomão:
(...)
4. É pacífico na jurisprudência desta Corte a possibilidade de,
no curso do feito falimentar e de forma cautelar, haver a
desconsideração da personalidade jurídica independente de
ação autônoma para tanto. Além disso, é firme o entendimento
da prescindibilidade de citação prévia.
(...)
É possível verificar que o Superior Tribunal de Justiça entende, portanto,
que o contraditório pode ser deferido em caso de aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, primeiro deve-se aplicar a
desconsideração, e depois devem ser discutidas as questões referentes à
existência ou não de seus pressupostos, bem como os limites da decisão.
De acordo com Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 425), em
entendimento com o qual concordamos, as decisões do Superior Tribunal de
Justiça contrariam, nesse aspecto, todo o modelo constitucional processual
brasileiro, já que admitem a produção de uma decisão que afeta diretamente os
direitos de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilidade de participar,
em contraditório prévio, na formação do pronunciamento judicial.
É cediço, aliás, que o pronunciamento judicial sem a prévia
manifestação do demandado só é admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro
de forma excepcional, nas hipóteses em que for necessária a concessão de
tutela de urgência e que não seja possível aguardar o seu prévio
pronunciamento sob pena de perecimento irreversível de um bem ou direito.
De fato, se ninguém pode ser privado de seus bens ou direitos sem o
devido processo legal, por expressa determinação constitucional, mostra-se
essencial, então, que se permita àquele que está na iminência de ser privado
de um bem que seja chamado a debater, no processo, se é legítimo ou não
que seu patrimônio seja alcançado por força da desconsideração da
personalidade jurídica.
128
Por isso, é possível concluir que o Novo Código de Processo Civil veio
atender a esse anseio, ao prescrever que instaurado o incidente, o sócio ou a
pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no
prazo de quinze dias (artigo 135), e que, somente após concluída a instrução, o
incidente será resolvido por decisão interlocutória (artigo 136).
Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 432) afirma que o dispositivo legal
em questão é digno de elogios, pois afastará definitivamente o entendimento
jurisprudencial que se consolidou ao longo do tempo (sob a égide do Código de
Processo Civil atualmente em vigor) de que a simples intimação do ato de
desconsideração é suficiente para assegurar a observância do contraditório e
da ampla defesa, que ficaria “diferido”, conforme se verifica na ementa abaixo,
relativa ao julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº
1.182.385/RS, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 6 de novembro de
2014, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO
CIVIL E DO CONSUMIDOR. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. PRESSUPOSTOS
PROCESSUAIS E MATERIAIS. OBSERVÂNCIA. CITAÇÃO
DOS SÓCIOS EM PREJUÍZO DE QUEM FOI DECRETADA A
DESCONSIDERAÇÃO. DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA
E CONTRADITÓRIO GARANTIDOS COM A INTIMAÇÃO DA
CONSTRIÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. VIA ADEQUADA PARA A DISCUSSÃO ACERCA
DO CABIMENTO DA DISREGARD. SÚM 83/STJ.
1. Na hipótese, o entendimento adotado pelo Tribunal de
origem está em consonância com aquele perfilhado pelo STJ,
no sentido de que “A superação da pessoa jurídica afirma-se
como um incidente processual e não como um processo
incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos,
dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de
quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa
apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao
cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade.”
(REsp 1096604/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
129
QUARTA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 16/10/2012).
Incidência da Súmula 83/STJ na hipótese.
2. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea
“c” do permissivo constitucional, exige a indicação das
circunstâncias que identificam ou assemelham os casos
confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão
recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a
divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255
do RISTJ).
3. Agravo regimental a que se nega provimento
Ao referir-se a decisões que entendem pela legalidade e
constitucionalidade da simples intimação, Alexandre Freitas Câmara (2015, pp.
432-433) afirma que:
A intimação, evidentemente, não é – jamais foi – suficiente
para assegurar ao sócio (ou à sociedade), cujo patrimônio se
pretende alcançar, o pleno contraditório, porque só pela citação
se adquire a posição de parte no processo (...), não sendo a
intimação ato capaz de tornar alguém – independentemente de
sua vontade – sujeito do processo.
Impõe-se, pois, a citação daquele cujo patrimônio se pretende,
com a desconsideração, alcançar, de forma a viabilizar sua
efetiva participação, em contraditório, no procedimento de
produção da decisão acerca da desconsideração da
personalidade jurídica. É que sem esse pleno contraditório a
decisão que se venha a produzir será ilegítima se examinada à
luz do modelo constitucional de processo civil, o que implica
dizer que a mesma será absolutamente nula (CÂMARA, 2015,
pp. 432-433).
Conforme afirma Fredie Didier Júnior (2005, p. 402), não se pode, na
ânsia por uma efetividade do processo, atropelar garantias processuais
conquistadas após séculos de estudos e conquistas, afrontando, em nome da
celeridade e efetividade, princípios processuais básicos.
130
Ao dispor que o sócio ou a pessoa jurídica será previamente citado e
que haverá uma instrução, a novel legislação parecer ter contemplado, assim,
de forma incontestável, o procedural due process para fins de desconsideração
da personalidade jurídica.
Por outro lado, ao prescrever, no § 4º do artigo 134, que o requerimento
de desconsideração da personalidade jurídica deve demonstrar o
preenchimento dos pressupostos legais específicos para tal, a referida
legislação também parece ter contemplado o substantive due process of law,
pois exige que sejam demonstrados os pressupostos legais que, além de
estarem previstos no direito material, devem mostrar-se proporcionais e
razoáveis em cada caso concreto.
Portanto, para a caracterização das hipóteses que levam à
desconsideração da personalidade jurídica, passará a ser necessária a prévia
construção de todos os elementos probatórios, o que contempla as máximas
de que a quem acusa cabe provar e de que ninguém pode ser acusado sem
prova, salvo nos casos de presunção legal (admitidas apenas aquelas juris
tantum), para as quais a lei expressamente acolhe a inversão do ônus
probatório para o contribuinte.
Essas máximas encontram-se inseridas nos princípios constitucionais da
legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Se
não estiverem presentes os requisitos, e se não for possível sequer demonstrar
a probabilidade de sua existência, deverá o juiz indeferir liminarmente o
incidente, conforme explica Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 431):
Tal decisão de rejeição liminar, porém, não pode ser proferida
sem que se observe, em relação ao requerente, e de forma
plena, o princípio do contraditório, cuja observância é essencial
para que se respeite o modelo constitucional do processo civil
brasileiro e, por conseguinte, se assegure a legitimidade
democrática da decisão judicial. Assim sendo, caso o juiz
receba a petição de requerimento de desconsideração da
personalidade jurídica e não consiga, desde logo, formar esse
juízo de probabilidade, deverá dar ao requerente oportunidade
para manifestar-se especificamente sobre a possibilidade de vir
131
o requerimento a ser liminarmente indeferido para, só depois,
proferir sua decisão.
Assim, além da fixação de disposições legais que exigem, no âmbito
processual, a observância do devido processo legal, o novo codex processual
também exige, em homenagem ao substantive due process, que sejam
claramente demonstrados os pressupostos autorizadores da desconsideração
da personalidade jurídica que, para os fins deste estudo, encontram-se
positivados na regra de aplicabilidade geral inserida no artigo 50 do Código
Civil.
Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 426) destaca que, sendo o Código
de Processo Civil o natural repositório das normas gerais do direito processual
civil, fez bem o legislador em evitar que para ele fossem trazidos os
pressupostos legais autorizadores da desconsideração da personalidade
jurídica que, em verdade, dizem respeito a outras áreas do conhecimento
jurídico:
É que os pressupostos da desconsideração da personalidade
jurídica devem ser estabelecidos pelo Direito Material, e não
pelo Direito Processual, cabendo a este, tão somente, regular o
procedimento necessário para que se possa verificar – após
amplo contraditório – se é ou não o caso de desconsiderar-se a
personalidade jurídica, tendo-a por ineficaz.
Tudo indica, portanto, que o novel codex processual cumpriu essa
função, suprindo, assim, os anseios da doutrina crítica que se formou em torno
das questões processuais do instituto, pois, ao mesmo tempo que contemplou
o procedural due process, como lhe cumpria fazer, também respeitou o
substantive due process of law, sem qualquer interferência em cada legislação
de direito material que prevê a desconsideração da personalidade jurídica.
Isso se mostra extremamente importante, pois os diversos subsistemas
do direito material estabelecem requisitos distintos para que se desconsidere a
personalidade jurídica, cabendo verificar, assim, em cada caso concreto, qual o
132
ramo do direito material que rege a causa e os seus pressupostos legais
(CÂMARA, 2015, p. 427).
Poder-se-ia argumentar, porém, que, ao se exigir o prévio contraditório
para se decidir pela desconsideração da personalidade jurídica, já não se
encontrará mais qualquer bem no patrimônio do sócio (ou da sociedade) que
permita a satisfação dos interesses do credor. Contudo, o artigo 137 da novel
legislação prescreve que qualquer alienação ou oneração de bens feita após a
instauração do incidente será ineficaz em relação ao requerente.
Ademais, como bem observa Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 426),
sempre será possível, no caso de fundado receio de delapidação patrimonial, a
concessão de medida cautelar destinada a apreender os bens do sócio (ou da
sociedade, na desconsideração inversa) para assegurar sua futura utilização
em execução.
Assim, tomando emprestadas as palavras de Humberto Ávila, podemos
concluir que a desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário
pressupõe a existência de um processo, que esse processo deve ser justo, e
que a justiça depende da observância do devido processo legal.
É possível concluir, portanto, que o Novo Código de Processo Civil
trouxe inovações significativas a respeito do devido processo legal em termos
de desconsideração da personalidade jurídica. Cumpre aguardar, assim, sua
entrada em vigor para constatar se tais inovações vão ser acatadas pelos
tribunais pátrios.
3.5.2 A reserva de jurisdição
De acordo com o disposto no artigo 50 do Código Civil em vigor,
somente e tão somente um juiz de direito está credenciado pelo ordenamento
jurídico a promover a desconsideração da personalidade jurídica, na medida
em que afirma caber ao juiz decidir, a requerimento da parte ou do Ministério
Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
dos administradores ou sócios de pessoa jurídica.
É o que subjaz, claramente, nos ensinamentos de Venosa (2012, p. 290-
291):
133
Essa redação melhorada atende à necessidade de o juiz, no
caso concreto, avaliar até que ponto o véu da pessoa jurídica
deve ser descerrado para atingir os administradores ou
controladores nos casos de desvio de finalidade, em prejuízo
de terceiros.
(...)
Portanto, a teoria da desconsideração autoriza o juiz, quando
há desvio de finalidade, a não considerar os efeitos da
personificação, para que sejam atingidos bens particulares dos
sócios ou até mesmo de outras pessoas jurídicas, mantidos
incólumes, pelos fraudadores, justamente para propiciar ou
facilitar a fraude.
A necessidade de decisão judicial para a sua aplicação também está
refletida nas lições de Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 249), nos seguintes
termos:
Permite tal teoria que o juiz, em casos de fraude e da má-fé,
desconsidere o princípio de que as pessoas jurídicas têm
existência distinta da dos seus membros e os efeitos dessa
autonomia, para atingir e vincular os bens particulares dos
sócios à satisfação das dívidas da sociedade (lifting the
corporate veil, ou seja, erguendo-se o véu da personalidade
jurídica).
No mesmo sentido, Maria Helena Diniz (2012, p. 351) também sustenta
a necessária interveniência do Poder Judiciário para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica.
Apesar da falta de afirmação expressa nesse sendo, as disposições do
já mencionado Novo Código de Processo Civil conduzem ao mesmo
entendimento, ao prescrever que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é cabível em todas as fases do processo de
conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título
executivo extrajudicial (artigo 134).
134
Assim, por expressa disposição legal, fortemente sustentada pela
doutrina nacional, a aplicação do instituto é sujeita à reserva de jurisdição, isto
é, somente o Poder Judiciário pode determinar a desconsideração da
personalidade jurídica, seja para fins tributários ou não. É importante
mencionar, contudo, que esse não é o entendimento de Heleno Taveira Tôrres
(2005, pp. 50-51) e de Mary Elbe de Queiroz (2005, pp. 138-146), para quem a
desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada por autoridade
administrativa.
A afirmação desses autores está fundamentada no parágrafo único do
artigo 116 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a autoridade
administrativa pode desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a
finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza
dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
Contudo, entendemos que a regra geral antielisiva em questão não trata
da desconsideração da personalidade jurídica, pois, diferentemente desse
instituto, permite a desconsideração de atos ou negócios pela autoridade
administrativa, sendo esse, pois, um dos elementos que permitem traçar a
distinção.
Como o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional não
trata da desconsideração da personalidade jurídica, não será objeto de nossas
considerações, e também por isso, negamos a tese que a desconsideração
pode ser aplicada por autoridade administrativa.
Importa destacar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal também
reconhece ao Tribunal de Contas a mesma prerrogativa, conforme decidido na
Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 32.494/DF, julgada em 11 de
novembro de 2013, cuja ementa deixaremos de transcrever por não ter relação
com o objeto do presente estudo.
Mas, queremos voltar nossas atenções, em verdade, para o quanto
decidido no Recurso em Mandado de Segurança nº 15.166/BA, de relatoria do
Ministro Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 8 de agosto
de 2003, que sedimentou o entendimento de que pode haver desconsideração
da personalidade jurídica na esfera administrativa, com fundamento no
princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade do interesse
público:
135
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO
DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE
PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE
COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E
MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA
ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA
MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE
DOS INTERESSES PÚBLICOS.
- A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto
social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em
substituição a outra declarada inidônea para licitar com a
Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a
aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e
fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a
possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da
sanção administrativa à nova sociedade constituída.
- A Administração Pública pode, em observância ao princípio
da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos
interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade
jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude
à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a
ampla defesa em processo administrativo regular.
- Recurso a que se nega provimento.
Considerando as características da desconsideração da personalidade
jurídica, mormente a reserva de jurisdição, entendemos que a decisão em
questão se fundamenta em qualquer outro instituto, menos naquela prescrição
do artigo 50 do Código Civil. Não visualizamos qualquer possibilidade de a
desconsideração da personalidade jurídica ser aplicada pela própria
administração pública, de modo que o julgamento acima, além de nos causar
estranheza, causa, também, enorme preocupação.
Não é difícil imaginar o retrocesso e as afrontas que possivelmente
decorrerão da eventual admissão de possibilitar a desconsideração da
136
personalidade jurídica em âmbito administrativo. É fácil perceber que a reserva
de jurisdição visa atender, dentre outras coisas, o devido processo legal, tanto
em sua acepção material quanto em sua acepção processual, o que foi
claramente reforçado, inclusive, pelas disposições do Novo Código de
Processo Civil.
Ademais, além da reserva de jurisdição a que se submete a
desconsideração da personalidade jurídica, o mencionado incidente não
poderá ser instaurado de ofício, nos termos do artigo 133 do Novo Código de
Processo Civil, ficando na dependência, sempre, de provocação da parte
interessada ou do Ministério Público quando atuar no processo (CÂMARA,
2015, p. 426).
Esse novel dispositivo parece estar em perfeita consonância com o
artigo 50 do Código Civil, que exige pedido da parte ou do Ministério Público
para instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Partindo dessas premissas, uma dúvida sobrevém: qual é o veículo processual
adequado para instaurar o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica?
3.5.3 O instrumento processual apropriado
A legislação em vigor não estipula em qual tipo de processo deve ou
pode ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica, quando cabível. O
Novo Código de Processo Civil parece ter suprido essa lacuna ao prescrever,
no caput do artigo 134, que “O incidente de desconsideração é cabível em
todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e
na execução fundada em título executivo extrajudicial.”
Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 428) afirma, em relação a tal
dispositivo, que:
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode
instaurar-se em qualquer tipo de processo, cognitivo ou
executivo, seja qual for o procedimento observado, comum ou
especial. Pode, ainda, instaurar-se em qualquer fase do
137
desenvolvimento processual, inclusive na fase executiva que o
processo civil designa por “cumprimento de sentença”.
É possível, inclusive, que o incidente se instaure perante os
tribunais, seja nos processos de competência originária, seja
em grau de recurso, como se extrai do disposto no parágrafo
único do art. 136, que prevê a possibilidade de decisão do
incidente por relator.
Caso o incidente se instaure no curso de um processo
cognitivo (ou na fase de conhecimento de um processo
“sincrético”), e vindo a ser proferida decisão que desconsidere
a personalidade jurídica, o sócio (ou a sociedade, no caso de
desconsideração inversa) passará a integrar o processo como
demandado.
Paralelamente à prescrição de que o incidente de desconsideração é
cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de
sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, o novo
diploma processual em questão ainda prescreve, no § 2º desse artigo 134, que
“Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da
personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será
citado o sócio ou a pessoa jurídica.”
De acordo com mencionado autor:
Há casos em que o demandante, já na petição inicial (de
processo de cognição ou executivo) postula a desconsideração
da personalidade jurídica. Nesse caso, a citação do sócio ou da
sociedade (esta no caso de desconsideração inversa) já será
requerida originariamente. Ocorrendo esse requerimento
originário, a demanda terá sido proposta em face do indigitado
devedor da obrigação (seja a sociedade, seja o sócio) e,
também, em face de terceiro (o sócio ou a sociedade, conforme
o caso) que, não obstante estranho à relação obrigacional
deduzida no processo, pode ser considerado também
responsável pelo pagamento. Formar-se-á, aí, então, um
litisconsórcio passivo originário entre a sociedade e o sócio. E
em razão desse litisconsórcio originário não haverá qualquer
138
motivo para a instauração do incidente. Afinal, nesse feito a
pretensão à desconsideração integrará o próprio objeto do
processo, cabendo ao juiz, ao proferir decisão sobre o ponto,
acolher ou rejeitar tal pretensão.
(...)
Ressalvado este caso, porém, a instauração do incidente é
obrigatória para que se possa ampliar subjetivamente o
processo e, com isso, legitimar-se a decisão que determina que
a execução contra a sociedade atinja o patrimônio do sócio (ou
vice-versa) (CÂMARA, 2015, p. 430).
Considerando, dessa forma, que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é cabível em todas as fases do processo de
conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título
executivo extrajudicial, e que é dispensada a instauração do incidente se a
desconsideração for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o
sócio ou a pessoa jurídica, é possível concluir que tal incidente é cabível – em
princípio, ao menos em tese – em vários tipos de processos tributários.
Apesar da atual omissão legal, que foi sanada somente no Novo Código
de Processo Civil que ainda entrará em vigor, a desconsideração da
personalidade jurídica tem ocorrido nos mais diversos tipos de processos
tributários. Dentre as várias classificações possíveis, os processos judiciais
tributários podem ser rotulados como exacionais e antiexacionais.
Paulo Cesar Conrado (2007, pp. 196-206) explica que a categorização
de um processo como antiexacional depende da constatação de que seu
respectivo agente provocativo é o sujeito passivo da obrigação tributária. O
processo é antiexacional, assim, justamente porque foi instaurado pelo devedor
com o objetivo de bloquear, de alguma forma, o desenvolvimento do designado
ciclo de positivação do direito tributário, de forma preventiva ou de forma
repressiva.
Por outro lado, explica, logo em seguida, que o processo exacional é
assim definido por ser instaurado pelo Estado-fisco, que objetiva efetivar, no
plano fenomênico, o conteúdo da relação jurídica de direito material já antes de
constituída pelo crédito tributário. Assim, de acordo com essa perspectiva, o
139
processo exacional não serve para a constituição da obrigação tributária, mas
somente e tão somente à sua efetivação.
Tudo indica, portanto, que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica encontra possibilidade nos denominados processos
exacionais, pois é por meio deles que o Estado-fisco visa efetivar o conteúdo
das relações jurídicas de direito material já antes de constituídas pelo crédito
tributário.
Portanto, a aplicação das disposições constantes no artigo 134 do Novo
Código de Processo Civil encontrará certa mitigação no âmbito do direito
tributário, pois a desconsideração da personalidade jurídica não será aplicável
em todo e qualquer processo tributário. Tudo indica, dessa forma, que o
incidente será instaurado somente nos processos judiciais exacionais, que têm
a Execução Fiscal e a Medida Cautelar Fiscal como espécies.
3.5.3.1 A desconsideração em execução fiscal
A execução fiscal pode ser considerada a mais expressiva manifestação
do processo judicial exacional, já que tem por finalidade a veiculação de norma
individual e concreta que constitua o modo de efetivação, no plano fenomênico,
da obrigação tributária inadimplida. Seu pressuposto é, portanto, como
facilmente se verifica, a prévia constituição da obrigação tributária.
Paulo Cesar Conrado (2007, p. 197) faz, contudo, uma importante
advertência a esse respeito: o crédito tributário propriamente dito (em sentido
amplo) não é, por estipulação legal, título executivo. Na execução fiscal, essa
função pertence, em verdade, à Certidão de Dívida Ativa, documento cuja
produção supõe aquele outro (crédito tributário), mas que com ele não se
confunde.
De acordo com o mencionado teórico:
(...) mais do que constituir a obrigação tributária (via
lançamento) ou de vê-la constituída pelo contribuinte
(via “autolançamento”), o Estado-fisco, para que possa se
pretender agente provocador do Judiciário em nível de
execução, deve, precedentemente, constituir o correlato título
140
executivo, fazendo-o mediante específico procedimento
administrativo (falamos, aqui, repare-se, em procedimento,
porque ausente a ideia de conflituosidade nessa fase) de
inscrição do crédito tributário no respectivo Livro de Dívida
Ativa (CONRADO, 2007, p. 202).
Por também considerar que a execução fiscal não é o ambiente
apropriado para a busca do direito, mas somente para a satisfação do direito,
Renato Lopes Becho (2012d, p. 54) sustenta, ao comentar o procedimento de
responsabilização tributária com base na Súmula nº 435 do Superior Tribunal
de Justiça (segundo a qual presume-se dissolvida irregularmente a empresa
que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos
competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-
gerente), que a única maneira de dar cumprimento ao devido processo legal
nessa hipótese é pela abertura de procedimento autônomo.
Assim, de acordo com o autor em questão, a aplicação do entendimento
consubstanciado nessa súmula, ao se comprovar, no tramitar da execução
fiscal, que houve o encerramento irregular da sociedade, deve o procurador
fazendário provocar um procedimento autônomo para a atribuição da
responsabilidade a quem de direito, enquanto a execução fiscal segue para o
arquivo sobrestada.
Para Becho (2012d, p. 54), o procedimento em questão possui natureza
administrativa. Contudo, conforme já verificamos linhas acima, a
desconsideração da personalidade jurídica exige reserva de jurisdição, isto é,
só pode ser aplicada por um juiz de Direito. Portanto, com base nas premissas
acima lançadas, entendemos que não é possível instaurar um procedimento
administrativo, paralelamente à Execução Fiscal, para promover a
desconsideração da personalidade jurídica. Tal entendimento é aplicável
somente e tão somente às hipóteses de responsabilização tributária
fundamentadas no Código Tributário Nacional, segundo ensina Becho (2012d,
p. 54).
Firmado esse entendimento, seria a Execução Fiscal, então, o
“ambiente” processual adequado à instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica? Pensamos que sim, mas
141
entendemos desnecessária a propositura de qualquer ação ou procedimento
autônomo. Nosso entendimento é amparado nas lições de Arruda Alvim e
Daniel Willian Granado (2010, p. 76), que defendem que a desconsideração da
personalidade jurídica pode ser aplicada em um processo já existente, como,
e.g., uma Execução Fiscal, em prol da efetividade do processo:
(...) seria muito dispendioso e moroso fazer com que o credor
ajuizasse nova ação tão somente para efetivar a
desconsideração da personalidade jurídica. Mencionada
constatação, ainda que possa ser aferida como incidente, em
processo já em curso, deve observar o princípio do devido
processo legal, possibilitando ao sócio oportunidade de defesa.
Carlos Roberto Gonçalves (2011, pp. 253-255) também entende ser
possível aplicá-la em processo já existente, que pode ser inclusive o de
execução. Mas, tal posicionamento não é unânime, pois juristas de renome,
como Fábio Ulhoa Coelho (2000, p. 45), defendem que a desconsideração da
personalidade jurídica exige, diferentemente, uma ação autônoma:
(…) a desconsideração da personalidade jurídica, para
comprometimento de patrimônio de sócio, somente é
admissível como medida de coibição de fraudes, perpetradas
através da manipulação do princípio da autonomia patrimonial
das pessoas jurídicas. Conclui-se, portanto, que a
responsabilização de sócio por obrigação da sociedade, em
virtude da desconsideração da personalidade jurídica, quando
resulta de sentença judicial condenatória, proferida em ação de
conhecimento de que é parte ou litisconsorte passivo o sócio.
Simples despachos em processos de execução movidos contra
a sociedade, determinando a penhora de bens dos sócios
importam flagrante desobediência ao direito constitucional ao
devido processo legal. Ao direito constitucional ao devido
processo legal, de que é titular o sócio da sociedade limitada,
corresponde o dever do credor social de promover a prévia
ação de conhecimento, citá-lo, provar o pressuposto de
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
142
jurídica (fraude ou abuso de direito), obter sentença
condenatória transitada em julgado para, somente depois,
postular a penhora dos bens do patrimônio do membro da
pessoa jurídica.
Assim, de acordo com o mencionado autor, exige-se um processo
autônomo para que seja determinada a desconsideração da personalidade
jurídica, sob pena de afrontar-se o devido processo legal, de onde decorre o
contraditório e a ampla defesa. Verifica-se, assim, que, entre a desejada
efetividade do processo e o devido processo legal, Fábio Ulhoa Coelho “pende
para o lado” da garantia constitucional.
Por isso, entendemos que assiste alguma razão ao autor, pois, conforme
as premissas já estabelecidas neste trabalho, o processo de execução fiscal
não serve à constituição de relações de obrigação, mas somente à sua
efetivação, não sendo, por isso, solo fértil ao desenvolvimento do devido
processo legal.
Em posicionamento que parece conciliar a efetividade do processo com
a garantia constitucional do devido processo legal, pois, ao mesmo tempo em
que nega a possibilidade de instauração do incidente por simples despacho na
Execução, admite que seja aplicada por meio de incidente em execução,
Cândido Rangel Dinamarco (2010, p. 541) afirma ser:
(…) indispensável colocar em um processo ou fase de
conhecimento, ou ao menos em um incidente idôneo do
processo ou fase executiva, os fatos que o credor afirme serem
caracterizadores de abuso da personalidade jurídica; nesse
processo ou nesse incidente o juiz, em decisão preparada por
regular contraditório, declarará se realmente houve a fraude e
consequentemente os bens do sócio responderão, ou se fraude
alguma houve e nenhuma personalidade há de ser
desconsiderada.
É o que também sustenta Fredie Didier Júnior (2008, p. 12), ao admitir
que o sócio seja citado, para fins de aplicação da desconsideração da
143
personalidade jurídica, no mesmo processo de execução promovido em face
da pessoa jurídica, instaurando-se, a partir disso, um incidente processual:
(…) admite-se como lícita, também, a citação do sócio já no
processo de execução, desde que se instaure um incidente
cognitivo – o que não é raro nem esdrúxulo, basta ver o
exemplo do concurso de credores – no processo executivo,
para que se apure, em contraditório, o preenchimento dos
pressupostos legais que autorizam a aplicação da teoria, bem
como se lhe permita o exercício de sua ampla defesa. Não é
necessária a instauração de um processo de conhecimento
com esse objetivo; o que se impõe é a existência de uma fase
cognitiva, mesmo incidente, de modo que o contraditório possa
ser exercido.
Aliás, como observa o referido autor em outro estudo (2005, p. 400), a
Súmula 268 do Superior Tribunal de Justiça prescreve que “O fiador que não
integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução
do julgado”, denotando, assim, o entendimento da corte de que o “responsável
contratual” pelo débito precisa participar do processo de conhecimento. O que
dizer, então, quanto ao sócio ou administrador que ordinariamente não
respondem pelas dívidas da sociedade?
Acrescenta o autor, logo em seguida, que se a desconsideração da
personalidade jurídica ocorrer em execução fundada em título executivo
extrajudicial, como no caso da Execução Fiscal, a defesa do sócio,
administrador ou sociedade será ampla.
A Corte Superior de Justiça tem decidido em consonância com esses
ensinamentos doutrinários, ao admitir que basta um incidente em execução
para a viabilizar a desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido,
destaca-se o quanto decidido no Recurso Especial nº 767.021/RJ, julgado em
16 de agosto de 2005, de relatoria do Ministro José Delgado, cuja ementa
segue abaixo parcialmente transcrita:
144
(...)
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal.
Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz,
incidentemente no próprio processo de execução (singular ou
coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o
ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a
impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.
(...)
Destaca-se, no mesmo sentido, o quanto decidido em 9 de dezembro de
2003 no julgamento do Recurso Especial nº 228.357/SP, de relatoria do
Ministro Castro Filho:
FALÊNCIA - EXTENSÃO DOS SEUS EFEITOS ÀS
EMPRESAS COLIGADAS - TEORIA DA
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA -
POSSIBILIDADE - REQUERIMENTO - SÍNDICO -
DESNECESSIDADE - AÇÃO AUTÔNOMA - PRECEDENTES
DA SEGUNDA SEÇÃO DESTA CORTE.
I - O síndico da massa falida, respaldado pela Lei de Falências
e pela Lei n.º 6.024/74, pode pedir ao juiz, com base na teoria
da desconsideração da personalidade jurídica, que estenda os
efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre
que houver evidências de sua utilização com abuso de direito,
para fraudar a lei ou prejudicar terceiros.
II - A providência prescinde de ação autônoma. Verificados os
pressupostos e afastada a personificação societária, os
terceiros alcançados poderão interpor, perante o juízo
falimentar, todos os recursos cabíveis na defesa de seus
direitos e interesses. Recurso especial provido.
Novamente, podemos afirmar que o Novo Código de Processo Civil
alinhou-se às decisões das jurisprudências sobre o tema, ao prescrever, nos
artigos 133 a 137, que a desconsideração da personalidade jurídica depende
145
da instauração de um incidente processual, em qualquer tipo de processo,
além do respeito que exige ao devido processo legal.
Aplicando os últimos entendimentos doutrinários em questão e a nova
legislação processual à desconsideração da personalidade jurídica no direito
tributário, podemos sustentar, homenageando o devido processo legal, que o
processo de execução fiscal não é de fato o ambiente adequado à busca do
direito de estender efeitos de relações obrigacionais a sócio de pessoa jurídica,
a não ser de forma incidental.
Dessa forma, apesar de entendermos desnecessária a propositura de
ação autônoma, acompanhamos aqueles que negam a possibilidade de
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica mediante despacho na
execução, o que parece ter sido rejeitado, inclusive, pelo Novo Código de
Processo Civil que entrará em vigor, razão pela qual aderimos à tese
doutrinária – a agora positivada na referida novel legislação – de que basta um
incidente processual no processo de execução. Contudo, o processo de
execução fiscal é compatível com a instauração de incidentes processuais?
Considerando que o artigo 1º da Lei Federal nº 6.830, de 22 de
setembro de 1980, denominada Lei de Execução Fiscal, prescreve que a
execução judicial para cobrança da Dívida Ativa será por ela regida e,
subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, e tendo em vista que esse
código prevê incidentes processuais em vários de seus dispositivos, como,
e.g., nos artigos 17, 19, 51, 54, 109, 138, 162, 265 e 325, dentre outros,
concluímos que a figura do incidente processual já é atualmente compatível
com o rito das execuções fiscais, independentemente das prescrições que
entrarão em vigor com o Novo Código de Processo Civil.
E a prática parece não demonstrar outra coisa: a exceção de pré-
executividade, atualmente aceita de forma pacífica pela doutrina e pela
jurisprudência, é forma de incidente processual em execução fiscal, conforme
nos ensina Cleide Previtalli Cais (2011, p. 618).
Entendemos que, somente assim, mediante a instauração de um
incidente processual, será atendido de forma plena o constitucionalmente
consagrado devido processo legal, tanto em sua acepção material quanto em
sua acepção processual, em total consonância com a celeridade e efetividade
que se espera de um processo judicial.
146
Ademais, as novas disposições do Código de Processo Civil ainda
prescrevem que a instauração do incidente suspenderá o processo em curso,
salvo se o incidente for requerido na petição inicial (§ 3 do artigo 134).
Alexandre Freitas Câmara (2015, p. 430) explica que se trata de uma
suspensão imprópria, pois, por definição, a suspensão do processo é a sua
paralisação total e temporária, o que significa dizer que, suspenso, não será
possível praticar no processo qualquer ato processual.
Conclui, assim, que se o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica implicasse mesmo a suspensão do processo, ter-se-ia um paradoxo: o
processo ficaria suspenso até a resolução do incidente, mas, por outro lado,
não se poderia resolver o incidente porque o processo estaria suspenso.
Por isso, o mencionado autor afirma que:
Fica claro, então, que não se está diante de verdadeira e
própria suspensão do processo. O que se tem é, apenas, a
vedação à prática de certos atos do processo (aqueles que não
integram o procedimento do incidente), o que perdurará até
que o incidente de desconsideração seja decidido. Há, pois,
apenas uma suspensão imprópria, assim considerada a
vedação temporária à prática de alguns atos do processo,
permitida a prática de outros (no caso, é permitida apenas a
prática dos atos processuais referentes ao processamento do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica)
(CÂMARA, p. 2015, p. 430).
Valendo-se desse raciocínio, baseado nas disposições do Novo Código
de Processo Civil que ainda entrará em vigor, podemos concluir que, na
desconsideração da personalidade jurídica em execução fiscal, fica vedada a
prática de atos no processo, salvo aqueles que não integram o procedimento
do incidente, até que esse seja decidido.
Por óbvio, cessa a suspensão imprópria em questão quando o incidente
for decidido, ainda que tal decisão esteja sujeita a recurso, pois o Agravo de
Instrumento não é dotado (a decisão é interlocutória, já vimos), em regra, de
efeito suspensivo, seja no atual (artigo 527, inciso III) ou no Novo Código de
Processo Civil (artigo 995).
147
3.5.3.2 A desconsideração em cautelar fiscal
Partindo das premissas de que todo processo é instrumental e de que o
processo cautelar é instrumento de outro processo, Paulo Cesar Conrado
(2007, p. 203) conclui que o processo cautelar é um instrumento do
instrumento. No âmbito das ações exacionais, assume a forma de uma
modalidade processual específica, denominada cautelar fiscal, que visa à
emissão de específica providência acautelatória, sendo governada, assim e por
isso, por condições igualmente específicas, veiculadas pela Lei Federal nº
8.397/92.
Ao mesmo tempo em que tal diploma normativo fixa, de um lado, no
caput do art. 4º, a finalidade da medida cautelar fiscal (“A decretação da
medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do
requerido, até o limite da satisfação da obrigação”), também prescreve, de
outro lado, os requisitos cuja presença impõe sua concessão (artigos 2º e 3º).
Ao tratar da execução fiscal e da medida cautelar fiscal dentro da
perspectiva do tempo da cobrança do crédito tributário, Paulo Cesar Conrado
(2007, p. 205-207) explica que o processo de execução deve ser manejado em
tempo próprio, legalmente fixado, sob pena se de perder o direito ao crédito
(prescrição). Porém, de acordo com os fundamentos do Direito Administrativo,
a atividade processual do Fisco é imperativa (e não é dispositiva), isto é, deve
ocorrer no tempo certo, não havendo permissão jurídica, assim, para “perdas”.
O mencionado autor conclui, com base nisso, que os agentes
administrativos responsáveis pela cobrança do crédito tributário que não forem
diligentes, promovendo a medida processual no “tempo certo”, devem ter
apuradas suas responsabilidades. Essa a única forma – afirma o autor – de
fazer verdadeira a premissa segundo a qual a cobrança do crédito tributário
deve, e não simplesmente pode ocorrer. (CONRADO, 2007, p. 207).
O caráter assecuratório da medida cautelar fiscal parece vir ao encontro
dessa premissa, pois, se o processo de execução fiscal não é mera
contingência, mas uma imposição, e se a cautelar fiscal serve para assegurar o
seu sucesso (do processo de execução), pode-se sustentar que o processo
148
assecuratório (instrumento do instrumento, isto é, a cautelar fiscal) é tão
imperativo quanto o processo assegurado (execução fiscal).
Esse é o pressuposto sobre o qual o autor afirma repudiar qualquer
defesa de que o uso da medida cautelar fiscal é discricionário (CONRADO,
2007, pp. 207-208). De acordo com essa perspectiva, mais do que criar um
modelo processual, a Lei Federal nº 8.397/92 instituiu, em verdade, um dever
para a Administração, qual seja:
(...) de permanente vigilância e apuração, junto a cada
contribuinte, de eventual causa geradora de pedido cautelar
fiscal, [sob] pena de permitir o indesejável desencadeamento
de tais eventos e, com isso, a igualmente indesejável
perturbação da eficácia prática do processo de execução fiscal
(CONRADO, 2007, p. 208).
O processo cautelar fiscal permite, assim, que a cobrança tributária se
oriente, cronologicamente, pelo tempo absoluto da prescrição e também pelo
tempo relativo ao risco de lesão à efetividade da pretensão executiva.
Ao comentar que os efeitos da decisão que desconsidera a
personalidade jurídica não inibem a utilização de outros mecanismos para
coibir a prática da alienação ou oneração de bens do devedor, Alexandre
Freitas Câmara (2015, p. 437) ensina que:
Assim é que, por exemplo, nada impede (desde que presentes
os requisitos, evidentemente) a decretação de uma medida
cautelar de apreensão de bens do sócio (ou da sociedade) com
o fim de assegurar a efetividade da futura execução. Ter-se-ia,
então, um arresto de bens, medida destinada a assegurar a
efetividade de futura execução por quantia certa (...). Haveria,
assim, uma apreensão cautelar de bens que serviria para
garantir que, no futuro, uma vez desconsiderada a
personalidade jurídica, encontrem-se no patrimônio do
responsável bens livres e desembaraçados que permitam a
satisfação do crédito exequendo, evitando-se deste modo o
risco de que tais bens viessem a ser alienados ou gravados
fraudulentamente.
149
Servindo a cautelar fiscal a tão nobres fins, com destaque ao
afastamento do risco de lesão à efetividade da pretensão executiva, pode-se
concluir facilmente, por consequência, pela possibilidade de sua utilização na
desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário.
150
4 DIFERENÇAS ENTRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO OU ADMINISTRADOR
Mesmo passados quase cinquenta anos da publicação do Código
Tributário Nacional e mais do que sessenta anos das primeiras decisões
judiciais brasileiras que aplicaram a desconsideração da personalidade jurídica,
a doutrina e a jurisprudência nacional ainda não consolidaram um
entendimento pacífico acerca da desconsideração no âmbito do subsistema do
direito tributário.
Tal situação tem dado ensejo a teses inovadoras, como a defendida por
José Eduardo Soares de Melo (2010, p. 292), para quem a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica constitui o fundamento de validade
da responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código
Tributário Nacional:
Considerando o estatuído no art. 135 do CTN, configura-se a
existência de uma teoria do superamento da personalidade
jurídica, que se positiva nos casos de abuso de direito, em que
os sócios, mediante atuação dolosa, cometem fraude a
credores e manifesta violação a prescrições legais.
É evidente que não basta o mero descumprimento de uma
obrigação, ou inadimplemento a um dever (trabalhista,
comercial ou fiscal), até mesmo compreensível devido às
gestões e dificuldades empresariais. Só se deve ignorar a
personalidade jurídica para o fim de ser responsabilizado
patrimonialmente o verdadeiro autor da fraude, tornando-se
necessária a transposição da pessoa jurídica para este
instituto.
É compreensível que o princípio da personalidade jurídica da
empresa não pode servir para fins contrários ao Direito, de
modo a consagrar-se a simulação, o abuso do direito. A teoria
em causa não tem por irredutível escopo anular a
personalidade da sociedade de forma total, mas somente
desconstituir a figura societária no que concerne às pessoas
151
que a integram, mediante declaração de ineficácia para efeitos
determinados e precisos.
Mas não é só a doutrina que se enverada por esse caminho, já que o
mesmo entendimento pode ser encontrado em decisões judiciais, conforme se
verifica no resultado do julgamento do Recurso Especial nº 8.711, decidido em
21 de outubro de 1992 pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de
relatoria do Ministro Peçanha Martins, que restou assim ementado:
EXECUÇÃO FISCAL – SOCIEDADE POR QUOTAS DE
RESPONSABILIDADE LIMITADA – PENHORA DE BENS DE
PATRIMÔNIO PESSOAL DE SÓCIO QUE NÃO EXERCEU
FUNÇÃO DE DIREÇÃO – DECRETO-LEI Nº 3.708/19, ART. 16
E CTN, ART. 135, III – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.
É impossível a penhora dos bens do sócio que jamais exerceu
a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa
executada.
Há de ser utilizada a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, prevalecendo o princípio da
responsabilidade subjetiva, e não a simples presunção.
É possível identificar, no voto do Ministro Relator, abaixo parcialmente
transcrito, o claro entendimento de que a responsabilidade tributária prevista no
inciso III do artigo 135 do mencionado codex tributário é uma forma de
desconsideração da personalidade jurídica:
No caso dos autos, porém, a execução voltou-se contra sócio
que não exercia a gerência da sociedade. A teoria da
desconsideração da personalidade jurídica para coibir a fraude
a credores há de ser utilizada, no direito brasileiro, de acordo
com os precisos termos do art. 16, do Decreto-lei 3.708, e 135
do CTN. Vale dizer, somente os sócios que tenham deliberado
contra as regras contratuais ou legais, com excesso de
poderes, podem ser responsabilizados pessoal e
ilimitadamente pelas obrigações sociais e tributárias.
152
Assim, apesar de reconhecer a exigência da demonstração dos
pressupostos legais ensejadores da medida, entende o referido Ministro que o
inciso III do artigo 135 em questão trata de desconsideração da personalidade
jurídica. É o que também demonstrou entender Eliana Calmon ao relatar, em
17 de junho de 2014, o Acórdão condutor para o julgamento do Recurso
Especial nº 436.012/RS, perante a Segunda Turma do Superior Tribunal
Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - INOCORRÊNCIA DE
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO - VÍNCULO FAMILIAR -
DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.
(...)
3. Examinada a lei aplicável à espécie, o CTN, o primeiro
diploma do direito pátrio a consagrar a teoria da
desconsideração da pessoa jurídica, não se encontra, nas
hipóteses do artigo 134 do CTN, determinação legislativa
justificadora do litisconsórcio.
4. Recurso especial provido.
Nos parece, porém, que essa interpretação não é a mais acertada,
apesar de encontrarem-se defensores em parte da doutrina e da
jurisprudência, na medida em que confunde um problema de responsabilidade
tributária com um problema de repressão ao abuso da personalidade jurídica.
A responsabilidade tributária é um dos temas mais controvertidos do
direito tributário, sobre o qual já foram elaborados inúmeros trabalhos
acadêmicos e proferidas incontáveis decisões judiciais. Leandro Paulsen
(2012, p. 43) explica que a palavra responsabilidade tem vários significados:
fala-se em responsabilidade como a capacidade de uma pessoa para
responder por seus atos; com o sentido de estar obrigado a algo; com o sentido
de oferecer garantia; e também com o sentido de dar resposta reparadora a um
dano, com vistas ao reestabelecimento do equilíbrio quebrado, dentre outras
acepções do termo.
Talvez essa polissemia seja a raiz de boa parte das controvérsias
existentes em torno do tema no direito tributário, e quem sabe, seja
responsável, também, por aquela mencionada confusão entre responsabilidade
153
tributária e desconsideração da personalidade jurídica. Para não incidir em
equívocos, o mencionado autor (PAULSEN, p. 60) fixa, como pressuposto de
suas considerações, a seguinte definição de responsabilidade tributária:
(...) instituto de direito tributário que consiste na determinação,
por lei, a pessoa não contribuinte de determinado tributo
(responsável tributário) que, por se encontrar em situação que
lhe enseje a prática ou a abstenção de determinados atos úteis
à Administração Tributária por impedirem ou minimizarem a
evasão e o inadimplemento por parte do contribuinte ou
facilitarem a fiscalização, assim o façam, sob pena de
responder com seu próprio patrimônio pela satisfação do tributo
devido e inadimplido pelo contribuinte.
Abordando o mesmo instituto a partir de outra perspectiva, Maria Rita
Ferragut (2013, pp. 38-39) define a responsabilidade tributária como:
(...) a ocorrência de um fato qualquer, lícito ou ilícito (morte,
fusão, excesso de poderes, etc.), e não tipificado como fato
jurídico tributário, que autoriza a constituição da relação jurídica
entre o Estado-credor e o responsável, relação essa que deve
pressupor a existência do fato jurídico tributário.
(...)
O responsável diferencia-se do contribuinte por ser
necessariamente um sujeito qualquer (i) que não tenha
praticado o evento descrito no fato jurídico tributário; e (ii) que
disponha de meios para ressarcir-se do tributo pago por conta
de fato praticado por outrem.
É possível destacar, em ambas as definições, a presença de um
devedor originário (contribuinte) e de um responsável tributário (pessoa diversa
da do contribuinte). Nosso objetivo não é analisar, no presente estudo, a
responsabilidade tributária do sócio ou do administrador prevista no inciso III do
artigo 135 do Código Tributário Nacional. Contudo, ante às frequentes
confusões feitas entre tal instituto e a desconsideração da personalidade
jurídica, cumpre-nos explorar ao menos algumas diferenças entre ambos.
154
4.1 Quanto à natureza do vínculo obrigacional
Já vimos que a dogmática moderna distingue, no conceito de obrigação,
o debitum e a obligatio (GOMES, 2007, p. 18). Assim, em princípio, há
inequívoca coexistência de debitum e obligatio numa mesma relação
obrigacional, mas há situações, porém, em que o dever de adimplir pode ser
imputado a pessoa diversa daquela que contraiu a obrigação. Nesses casos,
ocorrerá a já destacada dissociação entre o dever de prestação (debitum) e a
responsabilidade patrimonial (obligatio).
Ao analisarmos as definições de responsabilidade tributária à luz de tais
institutos, podemos constatar, facilmente, que a responsabilidade obrigacional
atribuída por lei ao terceiro que não praticou o fato gerador da obrigação
tributária corresponde à obligatio. Dessa forma, ao responsável tributário, é
atribuída a responsabilidade patrimonial (obligatio), apesar de não ter praticado
o fato gerador da obrigação tributária (como foi o contribuinte quem o praticou,
a ele atribui-se o debitum).
Por outro lado, o sujeito que sofre os efeitos da desconsideração da
personalidade jurídica não é um simples responsável (obligatio); é, em
verdade, o “devedor direto” (debitum), pois aquele que abusa da personalidade
jurídica cria para si uma obrigação própria (reitera-se, o debitum), conforme nos
ensina Parentoni (2014, p. 57).
Começam a ser revelados, portanto, os primeiros fundamentos que
diferenciam a responsabilidade tributária e a desconsideração da
personalidade jurídica. Essa única diferença – até o momento exposta – já
coloca em dúvida aqueles entendimentos que sustentam ser a
desconsideração da personalidade jurídica o fundamento de validade da
responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código
Tributário Nacional.
A delimitação da diferença não é um mero preciosismo: tem importância
prática, tanto no plano do direito material quanto no do direito processual, pois
isso repercute – já foi afirmado – no reconhecimento do direito de regresso
daquele que sofreu os efeitos do ato, no momento adequado para requerê-lo,
no instrumento processual adequado e no meio e forma pelos quais o sujeito
poderá se defender, dentre outras implicações.
155
Nesse sentido, explica Heleno Taveira Tôrres (2003, p. 472), ao referir-
se ao artigo 135 do Código Tributário Nacional:
Este artigo é regra que se aplica à relação jurídica formada
entre as pessoas indicadas e os que sofrem qualquer
consequência patrimonial decorrente de atos praticados com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos. Ou seja, assiste direito aos lesados de agirem
regressivamente contra aqueles que lhe causarem danos com
a constituição de obrigações tributárias decorrentes de “atos
praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato
social ou estatutos”, cabendo, aos que alegarem tais atos, a
devida prova em juízo. Nada tem que ver com
“desconsideração da personalidade jurídica” (...).
Portanto, à pessoa jurídica cabe o direito de regresso caso venha a
arcar com tributo devido pelo sócio ou administrador (ou até mesmo por outra
sociedade, em caso de grupo empresarial), por força do inciso III do artigo 135
do Código Tributário Nacional. Não nos parece possível, contudo, que a
pessoa jurídica possa agir regressivamente contra o sócio ou administrador e
nem esses em face da pessoa jurídica em caso de desconsideração da
personalidade jurídica.
4.2 Quanto aos pressupostos de aplicação
Sabe-se que há diversas espécies (ou formas) de responsabilidade
tributária previstas no Código Tributário Nacional (responsabilidade tributária
por substituição, por sucessão ou solidária). Interessa-nos, por força do
presente trabalho, aquela prevista no inciso III do artigo 135 do referido código,
segundo a qual os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas
de direito privado podem ser pessoalmente responsabilizados pelos créditos
correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
156
Regina Helena Costa (2009, p. 203) explica, de forma resumida, que o
inciso III do artigo 135 em questão trata da responsabilidade de terceiros, ou
responsabilidade em sentido estrito, referindo-se “(...) à situação em que a
pessoa chamada a responder pelo débito do contribuinte deixou de cumprir um
dever próprio, legalmente estabelecido.”
Apesar da aparente “simplicidade textual” do inciso III do artigo 135 em
questão, a doutrina nem sempre é muito clara ao explicar os pressupostos
necessários à aplicação de suas disposições. Porém, conforme adverte Hugo
de Brito Machado (2011, p. 160), a correta identificação desses pressupostos é
fundamental à aplicação dessa forma de responsabilidade:
Questão de grande relevância, em matéria de responsabilidade
tributária, consiste em determinar o alcance do art. 135, inciso
III, do CTN, e assim saber em que circunstâncias os diretores,
gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito
privado respondem pelos créditos tributários dos quais sejam
estas contribuintes. É claro que, em se tratando de sociedades
nas quais a lei específica não limita a responsabilidade dos
sócios, não há qualquer dificuldade. Entretanto, nas
sociedades por quotas de responsabilidade limitada e nas
sociedades anônimas a questão é tormentosa.
O considerável número de casos colocados em julgamentos
pelo judiciário evidencia a importância prática da questão, e as
divergências dos julgados demonstram como a matéria
constitui uma questão extremamente difícil.
Em importante síntese de sua obra, Maria Rita Ferragut (2005, p. 143)
explica os pressupostos, ou elementos, para a aplicação da responsabilidade
tributária em questão:
1) Elemento pessoal – refere-se ao sujeito responsável pelo
crédito tributário: executor material, partícipe ou mandante da
infração. É o administrador da sociedade, podendo ser sócio,
acionista, mandatário, preposto, empregado, diretor, gerente ou
representante. Não deverão ser incluídas nesse conjunto
157
pessoas sem poderes para decidir sobre a realização de fatos
jurídicos, ou se com poderes, que, no caso concreto, não
tiveram qualquer participação no ilícito;
2) Elemento fático – refere-se às condutas reveladoras de
infração que exija dolo; excesso de poderes ou infração de lei,
contrato social ou estatuto.
Conforme já exposto neste trabalho, a pessoa jurídica pode ter um ou
mais administradores, que podem ser sócios ou não. Apesar da fundamental
importância dos sócios numa sociedade, sem os quais ela não existiria, o
Código Tributário Nacional não faz qualquer referência a eles ao tratar da
responsabilidade tributária em questão, prevista no inciso III do artigo 135.
Maria Rita Ferragut (2013, p. 143) deixa claro, na afirmação acima, que
essa responsabilidade tributária exige, juntamente com os outros pressupostos,
o exercício de atos de administração por determinada pessoa, seja ela sócia ou
não da pessoa jurídica. Portanto, a simples condição de sócio não justifica, de
acordo com a redação do inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional,
que seja ele responsabilizado pelos créditos tributários devidos pela pessoa
jurídica. Para tanto, deve praticar ou ter praticado atos de administração com
excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
No caso da desconsideração da personalidade jurídica, diferentemente,
é juridicamente possível que seja “responsabilizado” o sócio, mesmo que não
tenha praticado atos de administração, apesar de o administrador também
poder ser “responsabilizado”.
Assim, de acordo com a redação do artigo 135, inciso III, do Código
Tributário Nacional, e do artigo 50 do Código Civil, o administrador poderá
sofrer tanto os efeitos da responsabilidade tributária quanto os da
desconsideração da personalidade jurídica, porém, o sócio, pela sua simples
condição de sócio (sócio não administrador), jamais poderá ser incluído no polo
passivo da obrigação como responsável tributário, muito embora possa assumir
débito por força da desconsideração.
Por outro lado, a responsabilidade tributária prevista no inciso III do
artigo 135 do Código tributário Nacional exige a prática de atos com excesso
de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Ao analisar os
158
mencionados pressupostos, Luciano Amaro (2012, p. 354) ensina que a
caracterização da responsabilidade tributária em questão depende da prática
de um ato para o qual o administrador não detinha poderes ou de ato que
tenha sido praticado infringido a lei, o contrato social ou o estatuto da pessoa
jurídica.
Hugo de Brito Machado (2011, p. 161) demonstra o mesmo
entendimento ao afirmar que:
As leis societárias, mesmo quando limitam a responsabilidade
dos sócios, atribuem aos administradores responsabilidade
pelos atos praticados com violação da lei, do contrato ou
estatuto. E o próprio art. 135, III, do CTN estabelece que os
diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de
direito privado respondem pessoalmente pelos créditos
correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos
praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos.
Maria Rita Ferragut (2013, pp. 148-149) esclarece, por sua vez, que a
infração à lei de que trata o inciso III do artigo 135 do Código Tributário
Nacional poderia ser entendida, numa primeira e superficial interpretação,
como qualquer conduta contrária ao Direito, respondendo os administradores,
de acordo com essa perspectiva, por todo e qualquer ato contrário à legislação
(nesse caso, se incluiria, portanto, o abuso ou desvio para fins de aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica).
Contudo, a mencionada autora entende que essa interpretação não
parece ser a mais adequada, pois é incompatível com o princípio da autonomia
existente entre a personalidade dos sócios e da pessoa jurídica:
Se qualquer infração à lei gerasse a responsabilidade pessoal
do administrador, os sócios seriam sempre responsáveis pelas
dívidas da sociedade, oriundas tanto de relações de direito
público, como de direito privado. Teríamos, então, o fim da
separação e da autonomia da personalidade jurídica,
159
desprezando-se o fato de que a sociedade há de se
responsabilizar pelos seus atos.
Entendemos que Renato Lopes Becho (2012, p. 130) faz a mais
importante reflexão sobre essa questão, ao afirmar que tal infração não se
refere à prática genérica de atos ilícitos, mas, ao contrário, à prática de atos
lícitos, contrários, porém, aos interesses da pessoa jurídica. Para o referido
autor, é nessa contrariedade que reside, pois, a ilicitude da conduta:
Considerando que, para nós, os atos ilícitos não são
tributáveis, supomos que, no primeiro momento (norma fiscal
básica), o fato gerador (fato imponível) realizado era lícito. O
ilícito é no animus do agente (responsável), que contraria os
interesses do contribuinte. Além da intributabilidade dos atos
ilícitos, a prática de atos ilícitos, em geral, pelo responsável,
deve ser tipificada no art. 137 do CTN (…).
O referido jurista identifica, assim, duas regras-matrizes quanto à
responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do CTN: a
primeira se refere à materialidade do tributo, decorrente, sempre, de ato lícito; e
a segunda se refere à prática de ato com infração de lei, contrato social e
estatuto, sendo esse, pois, o ilícito, que é caracterizado por sua contrariedade
aos interesses da pessoa jurídica e que, apesar de não ser um ato
propriamente tributário (no sentido que compõe a regra-matriz de incidência do
tributo), desencadeia efeitos fiscais, que constituem a imputação da
responsabilidade tributária ao terceiro eleito pela lei.
Luís Eduardo Schoueri (2012, p. 534) também defende que a aplicação
do dispositivo legal em questão tem como um de seus pressupostos a prática
de ato ilícito contra os interesses da pessoa jurídica, conforme se observa na
seguinte afirmação: “(...) enquanto o artigo 134 versa sobre responsabilidade
tributária de terceiros em situações lícitas, o artigo 135 versa sobre o ilícito
(infração à lei ou excesso de poder).”
A prática de ato ilícito contra os interesses da pessoa jurídica parece ser,
pois, o fator inconteste para a caracterização da responsabilidade tributária
prevista no inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional. Contudo,
160
diferentemente, a ilicitude que desencadeia a possibilidade de desconsideração
da personalidade jurídica não é praticada contra os interesses da pessoa
jurídica; é pratica, em verdade, contra os interesses de terceiros. Essas
diferenças – e outras – estão bem explicadas nas lições de José Augusto
Delgado (2005, pp. 203-204):
Os pressupostos são diversos e as consequências também. Na
primeira hipótese, a responsabilidade é desviada da pessoa
jurídica, que, assim, não é desconsiderada, mas protegida das
consequências de ato do sócio.
Na segunda, o abuso protegido pelo princípio da separação
patrimonial é contestado. Se o patrimônio da sociedade, que
também responde pela dívida no caso, não é suficiente para
satisfazer os credores, desconsidera-se a sua personalidade,
para considerar o ato abusivo como ato do sócio, sendo esse
responsável pelas dívidas.
Logo, enquanto a responsabilidade tributária prevista no inciso III do
artigo 135 do Código Tributário Nacional é uma sanção imposta
exclusivamente ao administrador improbo, sócio ou não, em razão da prática
de atos contrários aos interesses da pessoa jurídica administrada, a extensão
da responsabilidade sobre determinadas relações obrigacionais em razão da
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é uma sanção imposta
a sócio ou administrador em razão da prática de atos contrários aos interesses
de outrem, estranho à pessoa do sócio e da sociedade, não se confundindo,
pois, os dois institutos.
4.3 Quanto aos limites objetivos
Outra diferença marcante entre a responsabilidade tributária prevista no
inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional e a desconsideração da
personalidade jurídica prevista no artigo 50 do Código Civil reside nas
respectivas extensões objetivas. Ao analisar o mencionado o inciso III do artigo
161
135, Hugo de Brito Machado (2011, pp. 161-162) faz uma importante
advertência quanto ao seu aspecto redacional:
É importante notar-se que a responsabilidade dos sócios-
gerentes, diretores e administradores de sociedades, nos
termos do art. 135, III, do CTN, é por obrigações resultantes de
atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei,
contrato social ou estatutos. Poder-se-ia, assim, sustentar que
a obrigação, pela qual respondem, há de ser resultante de atos
irregularmente praticados. O próprio nascimento da obrigação
tributária já teria de ser em decorrência de atos irregulares.
Misabel Abreu Machado Derzi possui o mesmo entendimento, conforme
se observa nas notas à obra Direito Tributário Brasileiro, de Aliomar Baleeiro
(2007, p. 756), ao tratar do inciso III do artigo 135 em questão:
O ilícito é assim prévio ou concomitante ao surgimento da
obrigação (mas exterior à norma tributária) e não posterior,
como seria o caso do não pagamento do tributo. A lei que se
infringe é a lei comercial ou civil, não a lei tributária, agindo o
terceiro contra os interesses do contribuinte.
Em interessante reflexão, Luís Eduardo Schoueri (SCHOUERI, 2012, p.
538) explica, por sua vez, que prefere acreditar que a expressão “resultantes”,
prevista no mencionado inciso III do artigo 135, denota a ocorrência de um
ato/fato jurídico complexo, composto por três aspectos: (i) um ato praticado
com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos (ato
ilícito); (ii) o fato jurídico tributário (lícito); e (iii) uma relação de causalidade
entre o ato ilícito do responsável e o fato lícito, concluindo, em seguida, que:
(…) essa interpretação não é a que se verifica na
jurisprudência, no caso de dissolução irregular, em que a
responsabilidade pelo pagamento dos tributos devidos pela
sociedade é atribuída aos administradores, sem que fique
demonstrada a relação de causalidade entre a dissolução
162
irregular (ilícito societário) e os fatos jurídicos tributários
imputados à sociedade.
Assim, de acordo os entendimentos acima, construídos sobre o
mandamento legal em questão, o legislador prescreveu que somente os
débitos resultantes do ato irregularmente praticado podem ser imputados ao
responsável, que o praticou. Essa linha de raciocínio conduz à conclusão de
que a prática do ato irregular deve ser anterior (ou, no mínimo, concomitante)
ao fato imponível da relação jurídico-tributária, já que a obrigação tributária
deve decorrer do ato irregular.
Renato Lopes Becho (2012, p. 136) cita um exemplo que pode ilustrar
perfeitamente o entendimento em questão, caracterizado pela concessão de
fianças ou avais, pelo administrador, em nome da sociedade, sem que o
estatuto lhe permita:
Como é sabido, a concessão de fianças ou avais é lícita. Mas,
nas sociedades anônimas, pode contrariar seus estatutos.
Essa violação estatutária terá efeitos fiscais, como, por
hipótese, a incidência de algum tributo que tenha por fato
gerador (fato imponível) justamente as fianças ou avais.
No caso da desconsideração da personalidade jurídica, diferentemente,
a prática do ato irregular pode ser anterior, concomitante ou posterior ao fato
imponível da relação jurídico-tributária, pois a sua aplicação exige somente a
prática de um abuso na utilização da pessoa jurídica, decorrente de ato de
sócio ou administrador, em nome da sociedade, com a verdadeira finalidade de
locupletar-se ilicitamente em detrimento de outrem, independentemente da
correlação temporal desse ato em relação à obrigação contraída, cujos efeitos
serão estendidos ao patrimônio do sócio ou administrador infrator.
Assim, também por essas razões, é possível concluir que a
responsabilidade tributária e a desconsideração da personalidade jurídica são
institutos que, apesar das semelhanças, não se confundem.
163
CONCLUSÃO
A autonomia patrimonial da pessoa jurídica é um dos princípios mais
importantes do ordenamento jurídico brasileiro, considerado de fundamental
importância para o desenvolvimento de atividades econômicas e,
consequentemente, para o progresso da economia nacional, na medida em
que limita eventuais prejuízos decorrentes do possível insucesso àquele que
resolve investir no mercado de produção e distribuição de bens e serviços.
Contudo, tal princípio não é absoluto, pois, da mesma forma em que foi criado
como regra de direito, foi igualmente excepcionado em determinadas hipóteses
legais.
Uma das formas que o Estado encontrou para superar a mencionada
autonomia patrimonial é por meio da desconsideração da personalidade
jurídica. Surgida na jurisprudência inglesa dos Séculos XIX e XX, foi
incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pela jurisprudência pátria, que a
justificava com base na “equidade”. Logo foi acolhida pela doutrina nacional,
que lhe atribuiu natureza principiológica.
Contudo, fiel ao sistema latino-germânico do direito, o legislador pátrio
houve por bem positivá-la em diversos diplomas normativos. Dentre os
diplomas em que foi positivada, destaca-se o artigo 50 do Código Civil, que
prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em caso
de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial.
O artigo 50 em questão é considerado uma cláusula geral do direito,
cujas disposições são aplicáveis, pois, em todos os subsistemas do direito,
inclusive no tributário, como meio para resguardar os legítimos direitos e
interesses do Estado-fisco, quando na posição de credor.
Aliás, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no
direito tributário se justifica, inclusive, em função da natureza não negocial
(decorrente de imposição legal) do crédito tributário, pois, ao contrário dos
créditos negociais, não tem o Estado como se precaver de eventuais
inadimplementos por meio da cobrança ao maior dos adimplentes como forma
de compensação.
164
Atualmente, com exceção das hipóteses reguladas por legislações
específicas (Consolidação das Leis do Trabalho, Código de Defesa do
Consumidor, etc.), a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica
pressupõe, nos diversos subsistemas do direito não especificamente
regulados, a caracterização de seus pressupostos (abuso da personalidade
jurídica pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial), com a
demonstração da efetiva intenção de frustrar os legítimos direitos e interesses
do credor.
O legislador brasileiro adotou, assim, no artigo 50 em questão, aplicável
ao direito tributário, a teoria maior da desconsideração da personalidade
jurídica, cuja aplicação depende do elemento anímico (abuso da personalidade
jurídica), consistente no desvio de finalidade ou na confusão patrimonial. Não
basta, assim, para a aplicação dessa teoria, inclusive no direito tributário, o
mero inadimplemento não doloso da obrigação.
Assim, ao contrário do quanto afirmado na Súmula nº 435 do Superior
Tribunal de Justiça, nem mesmo o encerramento irregular de estabelecimento
pode dar ensejo à aplicação da desconsideração, caso não demonstrada a
intenção deliberada de frustrar os interesses do credor, conforme entende essa
mesma Corte.
Em verdade, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica tem sido
tomada como a ultima ratio para a satisfação dos direitos do credor. Esse
entendimento é de fundamental importância no direito tributário, pois são
conhecidas as constantes tentativas do Estado-fisco de obter, nem sempre por
vias juridicamente legítimas, a satisfação de seus interesses.
Apesar de a desconsideração da personalidade jurídica não possuir um
prazo legal para a sua aplicação, podendo ser utilizada, assim, de acordo com
a jurisprudência, a qualquer momento, deve-se considerar as peculiaridades do
direito tributário, de que a decadência e a prescrição extinguem o crédito
tributário.
Assim, acaso extinta a obrigação tributária pela decadência ou pela
prescrição, não há como aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.
Dito de outro modo, desde que não extinto o crédito, pode o credor, Estado-
fisco, valer-se da mencionada desconsideração.
165
No âmbito processual, apesar de a jurisprudência atual não reconhecer
a necessidade de prévia atividade cognitiva do magistrado, de que participem,
em contraditório, o sócio, administrador e pessoa jurídica para a
desconsideração da personalidade jurídica, bastante, de acordo com o atual
entendimento, um simples despacho, tal circunstância, que sempre foi objeto
de severas críticas, foi corrigida pelo Novo Código de Processo Civil que
entrará em vigor.
O referido código processual, além de exigir a instauração de um
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que pode ocorrer de
forma incidental em processo de execução, inclusive fiscal, garante a prévia
citação do sócio ou administrador, a instrução do processo, com o oferecimento
de todos os meios de prova admitidos, bem como a paralisação dos atos
executórios até que seja decidido o incidente, prestigiando, assim, o devido
processo legal.
Além da execução fiscal, a desconsideração da personalidade jurídica
em direito tributário pode ser efetivada, ainda, em cautelar fiscal, desde que
presentes os seus pressupostos. Independentemente do meio processual
utilizado, é característica basilar do instituto ser aplicado exclusivamente por
juiz de direito, não havendo como sustentar qualquer possibilidade de
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em processo
administrativo, o que já havia sido reconhecido pela jurisprudência e que agora
também foi positivado no Novo Código Civil.
Apesar de frequentes confusões, a desconsideração da personalidade
jurídica não se confunde com a responsabilidade tributária do sócio ou do
administrador prevista no inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional.
Diferenciam-se, dentre outros fatores, em relação à natureza do vínculo
obrigacional ocasionado, pois, na responsabilidade tributária, atribui-se ao
responsável a obligatio e, na desconsideração, atribui-se a quem sofreu os
seus efeitos o próprio debitum, o que, além de distingui-lo da figura do
responsável, repercute no direito de regresso, solidariedade, etc.
Diferenciam-se, também, quanto aos pressupostos de aplicação, pois a
responsabilidade tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código
tributário Nacional exige a prática de atos com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatutos, contrários aos interesses da pessoa
166
jurídica. Contudo, para a desconsideração, o ato ilícito pode ser praticado no
interesse direto da pessoa jurídica e indireto do sócio ou administrador,
contrário, em verdade, aos interesses do credor.
Outra diferença refere-se aos limites objetivos, pois a responsabilidade
tributária prevista no inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional exige
a prática de atos (com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos) que resultem em débito para a pessoa jurídica. Dessa forma, a
prática do ato irregular deve ser anterior (ou no mínimo concomitante) ao fato
imponível da relação jurídico-tributária, já que a obrigação tributária deve
decorrer do ato irregular.
No caso da desconsideração da personalidade jurídica, diferentemente,
a prática do ato irregular pode ser anterior, concomitante ou posterior ao fato
imponível, pois a sua aplicação exige somente a prática de um abuso na
utilização da pessoa jurídica, decorrente de ato de sócio ou administrador, em
nome da sociedade.
167
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