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A desinência do acusativo do singular do Indo-Europeu1
Ismael de Lima Coutinho
1. Qual era a desinência do acusativo do singular no indo-europeu?a) Há consenso de que era uma consoante nasal.b) Controvérsia: -m ou –n?
2. Entre as línguas indo-européias há divergência: para umas, -m; para outras, -n.3. O -m e o -n receberam tratamento diverso nas línguas da família indo-européia,
segundo se achavam no início ou no interior dos vocábulos.a) em posição final, porém, há nessas línguas tendência para dar um tratamento
uniforme.2
a.1) no grupo itálico (latim, osco, umbro) e no sânscrito: desinência final em -m.a.2) grego e demais línguas: desinência final em –n.
4. Observa-se, pois, como foi precária a sorte das consoantes nasais finais.a) em latim, o –n caía depois de –ō: *homōn > homō; *sermōn > sermō;
quanto ao –m, era às vezes omitidos nas antigas inscrições: bonoro optumo fuise viro (= bonorum optumum fuisse virum).
b) depois o –m final conseguiu impor-se (p.ex.: na língua clássica) graças à reação culta.
c) no entanto, sua pronúncia em tal posição nunca foi bem clara3 e na poesia elidia-se antes de palavra começada por vogal (ainda no tempo de Augusto); no latim vulgar, desapareceu, só deixando vestígios nos monossílabos.
5. A questão parece encerrada e tudo indicada que a desinência indo-européia do acusativo singular era nasal –m ou –m.4
6. Prova da tese: atentar para o tratamento dispensado à nasal –n pelas línguas indo-européias – as que a apresentam no acusativo –, quando se acha no interior do vocábulo (p.ex.: na derivação e na composição).
a) veja-se a palavra indo-européia para designar “terra” = latim humus (superado por terra; no entanto, a vitalidade da palavra humus se acha atestada nos seus derivados: humare, humatio, inhumare, inhumatio, humilis, humiliter, humilitas, etc.).
1 http://www.filologia.org.br/homenageados/ic/a_desinencia_de_acusativo.pdf2 Algumas línguas, em sua fase moderna, já não conservam a consoante nasal final, devido a um desgaste fonético: assim, o germânico (que só a manteve nos monossílabos, depois de vogal breve), o lituano (cuja queda a consoante nasal final nasalou a vogal anterior, nasalação que depois desapareceu, embora tenha deixado vestígios na grafia atual), o búlgaro (que eliminou não somente o –n mas todas as consoantes finais).3 “Etiamsi scribitur, parum exprimitur” (Quintiliano, Inst. Orat., IX, 4, 40). – “M obscurum in extremitate dictionum sonat” (Prisciano, Gramm. Lat. II, 29)4 O língua, sob tantos aspectos uma língua inovadora, revelou-se nesse ponto conservador (assim como o sânscrito).
b) a forma grega relacionada etimologicamente com humus é , com .
Desta se derivou (a nasal se acha medialmente
representada por ). Alternando com há o antigo , cujo
locativo , equivalente ao latino humi, se manteve no grego clássico. c) Em outras línguas indo-européias em que a desinência do acusativo era ou é
em –n, verifica-se o mesmo fato:
.d) O mesmo se observa com relação a alguns nomes de números: um, uma é
em grego . Essas formas derivam da raiz indo-européia *sem- ou -*sm. Queda da sibilante inicial (aférese: fato comum na fonética grega), *sem- reduziu-se a *em-, que deu sem desinência o numeral neutro
grego , com a desinência –s o masculino . O feminino provém
de *sm- com o sufixo e aférese igualmente do *s-.- em todos esses exemplos aparece a nasal medial –m- em línguas
em que a nasal final era –n.e) outro argumento fonético: final verbal em grego, indicativo da primeira
pessoa do singular: a desinência primária se conservou intacta em
certas classes de verbos ( , ), a secundária *-m passou a –n:
. No latim, entretanto, elas se confundiram numa só: -m (sum, eram).
f) ademais, podem-se citar as opiniões de grandes indo-europeistas, unânimes em afirmar a tese do –m originário.
7. Conclusão: não resta dúvida de que a desinência do acusativo, no indo-europeu, era –m. O –n, que aparece em grego e nas outras línguas, é o resultado de uma modificação fonética (provavelmente remonta à época em que se mantinha ainda unida a grande comunidade indo-européia).