Click here to load reader
Upload
candidatura-oa-2013
View
214
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
A desjudicialização no novo regime jurídico do inventário.
Citation preview
etetetetetetetetetet Raposo Subtil – OA 2013
1
A total desjudicialização dos direitos dos cidadãos via
Novo Regime do Processo de Inventário
A Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, aprova um novo regime jurídico do processo de
inventário, vindo revogar as disposições legais correspondentes ao anterior regime
(de 2009) que, na verdade, nunca foram aplicadas pelos nossos tribunais.
Em primeiro lugar, cumpre referir que esta Lei procede à transferência da
competência no processo de inventário (comunhão hereditária, liquidação da
herança e ainda a partilha dos bens comuns do casal na sequência do divórcio) para
os cartórias notariais. Trata-se de mais um passo no caminho da desjudicialização
da Justiça.
Desde logo, esta lei – cuja entrada em vigor se situa no dia 2 de Setembro do
corrente ano – levanta questões muito relevantes no que diz respeito à função
jurisdicional dos tribunais, prevista pela nossa Constituição (Cfr. art. 202.º da CRP),
mormente em sede do princípio de reserva da função jurisdicional, da incumbência
destes órgãos de soberania no que diz respeito à defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos.
Nesta medida, e dado o novo figurino “processual”, o notário é tornado competente
para a decisão, em total autonomia, de matérias até hoje da exclusiva competência
do juiz. Designadamente, para dirigir todas as diligências do processo de inventário
e da respectiva habilitação. Apesar de o foro judicial continuar a ser competente em
sede de recurso – refira-se, um controlo jurisdicional meramente posterior e
facultativo - estamos perante uma incontornável mudança de paradigma. A figura
deste profissional forense, o notário, torna-se, assim, central em sede de inventário.
Além do recurso, é também previsto que os tribunais da comarca do cartório
notarial que dirige o processo de inventário apenas decidirão as questões que, pela
sua natureza ou complexidade, assim o exijam. No entanto, ao abrigo do artigo 3.º,
número 4, ao notário cabe em exclusivo a direcção de todas as diligências deste
processo, assim como a decisão de todos os incidentes aí suscitados.
O único limite apontado à sua intervenção é a verificação de “questões
controvertidas complexas”, conforme previsto no artigo 16.º. Nesses casos, o
notário deverá abster-se de decidir, recorrendo os interessados para a via judicial.
etetetetetetetetetet Raposo Subtil – OA 2013
2
Observando a nomenclatura vaga empregue pela lei importa a pergunta, o que se
poderá considerar complexo? A consideração de determinada questão como
“complexa” fica, por completo, na esfera decisória do notário, que deverá apenas
“justificar fundamentadamente a sua complexidade”, assim justificando o porquê
da remessa do processo ao Tribunal. Quais os critérios?
Ademais, a remessa do processo para o tribunal implica o pagamento de custas, nos
termos do código das custas processuais (cfr. art. 83.º da Lei), valor que se soma ao
montante devido ao notário para a condução do processo de inventário (a definir
por Portaria). Esta dualidade carecerá de análise cuidada aquando da publicação das
respectivas portarias, pois esta alteração não deverá traduzir-se num aumento dos
encargos dos cidadãos, particularmente face à situação social e económica que
actualmente enfrentamos.
A juntar a esta alteração, os advogados são, na prática, removidos do processo. A
obrigatoriedade da sua intervenção está prevista noo artigo 13.º. A saber,
“constituição de advogado em caso de recurso de decisões proferidas no processo
de inventário” e “é obrigatória a constituição de advogado no inventário se forem
suscitadas ou discutidas questões de direito”.
A previsão que se prende com o recurso é mero corolário do art. 208.º da
Constituição, pois não faria sentido que os particulares recorressem aos tribunais
sem a devida guarida do patrocínio forense. É, aliás, por contraponto com essa
essencialidade do patrocínio forense que terá de ser confrontada a segunda
previsão, que se refere à discussão ou surgimento de “questões de direito” em sede
deste processo. Ora, o regime jurídico do inventário – suas regras, subjectivas ou
adjectivas - não é, em si mesmo, direito?
Este novo regime do inventário vem, por um lado, conferir aos notários a
competência para decidir todas as questões controvertidas que nele se podem
levantar. Por outro, não tem em conta os direitos dos seus múltiplos intervenientes
ao reduzir o leque de questões cujo acompanhamento poderia (e deveria) ser
realizado com a intervenção de advogado, assim se frustrando o imperativo
constitucional do art. 208.º da CRP, relativo ao mandato forense, enquanto
elemento essencial à administração da justiça.
Com efeito, deste preceito constitucional decorre a importância do papel do
advogado no exercício do patrocínio das partes, uma missão própria que jamais
etetetetetetetetetet Raposo Subtil – OA 2013
3
poderá ser atribuída a outros agentes, incluindo os notários, pois este alheamento
do advogado dos processos de inventário irá prejudicar os direitos dos cidadãos.
António Raposo Subtil
www.rapososubtil-oa2013.pt
O presente artigo de opinião corresponde à síntese de um estudo a publicar no site da
candidatura, efectuado com a colaboração dos Colegas Sérgio Henriques e André Batoca.