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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
FRANCISCA ELENI SILVA DE MELO
A DESPALATALIZAO DOS FONEMAS / / E// NA FALA URBANA DE RIO BRANCO-AC
RIO BRANCO2008
Livros Grtis
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FRANCISCA ELENI SILVA DE MELO
A DESPALATALIZAO DOS FONEMAS / / E
// NA FALA URBANA DE RIO BRANCO-AC
Dissertao apresentada Universidade Federal doAcre, Programa de Mestrado em Letras Linguagem e Identidade, como exigncia parcialpara obteno do ttulo de Mestre em Letras -Linguagem e Identidade, Rio Branco, 2008.Orientadora: Professora Doutora LindinalvaMessias do Nascimento Chaves (UFAC).
RIO BRANCOUniversidade Federal do Acre
Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade2008
MELO, F. E. S. 2008.
Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC.
M528d
MELO, Francisca Eleni Silva de. A despalatalizao dos fonemas /lh/ e /nh/ na falaurbana de Rio Branco Ac. Rio Branco: UFAC, 2008. 135f : il.; 30cm. Dissertao(Mestrado em Letras Linguagem e Identidade) Pr-Reitoria de Pesquisa ePs-Graduao, Universidade Federal do Acre.
Orientadora: Prof. Dr. Lindinalva Messias do Nascimento Chaves.
Inclui bibliografia.
1. Diversidade lingstica. 2. Despalatalizao de /lh/ e /nh/.3. Sociolingstica. I. Ttulo.
CDD.: 410CDU.: 800.86
FRANCISCA ELENI SILVA DE MELO
A DESPALATALIZAO DOS FONEMAS / / E // NA FALAURBANA DE RIO BRANCO-AC
Dissertao apresentada Universidade Federal doAcre, Programa de Mestrado em Letras Linguagem eIdentidade, como exigncia parcial para obteno dottulo de Mestre em Letras - Linguagem e Identidade,Rio Branco, 2008.
Orientadora: Professora Doutora Lindinalva Messias doNascimento Chaves (UFAC).
16 de setembro de 2008.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Lindinalva Messias do Nascimento ChavesUniversidade Federal do Acre
Orientadora
Prof. Dr. Luciana Marino do NascimentoUniversidade Federal do Acre
Prof. Dr. Vicente Cruz CerqueiraUniversidade Federal do Acre
Rio Branco - Acre
A Deus, em primeiro lugar, porque a
Ele devo minha capacidade de
pensar, amar, respirar, sonhar...
Aos meus pais, pelas muitas
batalhas que venceram por minha
causa.
memria do meu amado Klber
Mugraby, pelos momentos felizes
que compartilhamos nessa vida e
por sermos to iguais e to
diferentes.
AGRADECIMENTOS
Agradeo Universidade Federal do Acre (UFAC), por ofertar o Mestrado em Letras.
Coordenao do Mestrado em Letras Linguagem e Identidade (MEL), pelo apoio
em todos os momentos e pelo repasse de informaes importantes aos mestrandos.
Ao Comit de tica e Pesquisa (CEP), pela eficincia ao analisar o processo
referente ao pedido de autorizao para realizar entrevistas envolvendo pessoas.
minha orientadora, Profa Dra Lindinalva Messias do Nascimento Chaves, por seu
vasto conhecimento nos estudos sobre descrio lingstica, pelo muito que me
ensinou, e principalmente pela pacincia com minha falta de experincia com a
pesquisa cientfica.
Profa Dra Luciana Marino do Nascimento, por suas sugestes e pelo tempo
dedicado a procurar referncias para esta dissertao, meu muito obrigada pela
preciosa ajuda.
Profa Dra Antonieta Buriti Hosokaw, pelas importantes sugestes sobre os
aspectos diacrnicos do presente estudo, pelo esmero na leitura minuciosa do texto
a fim contribuir da melhor forma possvel, como de fato contribuiu.
Profa Dra Maria do Socorro Arago, sempre atenta aos e-mails e por ser uma
importante referncia para este estudo.
Ao Prof. Dr. Abdelhak Razky, por ser sempre solcito e responder meus e-mails com
agilidade, pela recepo na cidade de Belm e pelas dissertaes de mestrado de
suas orientandas.
Ao Prof. Dr. Vicente Cruz Cerqueira, importante colaborador na utilizao do
programa computacional Varbrul. Agradeo muitssimo.
Aos informantes dos bairros Cidade Nova, Santa Ins, Nova Estao, Vila Custdio
Freire e demais localidades envolvidas na presente pesquisa, com estima, pela
disponibilidade e essencial ajuda na realizao desta pesquisa.
Aos companheiros Francisco Lima, Maria do Socorro Onofre Maia, Joana Delfino do
Nascimento, Jocileide Magalhes, pelas inmeras vezes que deixaram seus
afazeres para me ajudarem tanto na realizao das entrevistas quanto nas
transcries fonticas das mesmas.
queridssima Queila Barbosa Lopes, companheira de todas as horas, ajudante fiel
nas transcries fonticas; afetuosamente.
Aos meus irmos: Francisco, Sueli e Francisca, companheiros de uma vida.
Aos colegas do Curso de Mestrado, tanto pelo convvio quanto pela troca de
experincia, com muitas saudades.
Em especial, s minhas amigas Tatiane Castro e Nayra Claudinne, duas irms que
encontrei e com quem tenho o privilgio de conviver; dividimos as angstias e
dificuldades deste mestrado.
minha amiga Vilma Rodrigues, irm gmea, com todo o meu afeto e amizade,
pessoa com quem posso contar em todos os momentos.
Vcio na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mi
Para pior pi
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vo fazendo telhadosOswald de Andrade
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................... 18
1 ALGUMAS REFLEXES SOBRE MUDANAS LINGSTICAS,PRECONCEITO E IDENTIDADE ......................................................... 221.1 Diversidade lingstica e preconceito ........................................ 23
1.2 Mudanas lingsticas e formas estigmatizadas ....................... 40
1.3 A lngua como expresso de identidade .................................... 49
2 PRESSUPOSTOS TERICO-METODOLGICOS .......................... 55
2.1 A despalatalizao de / / e de // no Portugus do Brasil ...... 56
2.2 A Sociolingstica e seu objeto de estudo ................................. 65
2.3 Os procedimentos metodolgicos ............................................. 68
2.4 O locus da pesquisa .................................................................... 75
3 ANLISE DOS DADOS .................................................................... 81
3.1 Anlise de / / . ............................................................................... 84
3.1.1 Fatores lingsticos intervenientes na produo de / / . ....... 863.1.1.1 Contexto antecedente . ................................................................................. 86
3.1.1.2 Contexto subseqente . ................................................................................ 88
3.1.1.3 Tonicidade da slaba . .................................................................................. 90
3.1.1.4 Classe de palavra ......................................................................................... 92
3.1.2 Fatores sociais . ............................................................................................... 93
3.1.2.1 Faixa etria ................................................................................................... 93
3.1.2.2 Escolaridade ................................................................................................. 95
3.1.2.3 Sexo ............................................................................................................. 97
3.1.2.4 Cruzamento de fatores sociais relativos a // ......................................... .....98
3.2 Anlise de // ............................................................................. 102
3.2.1 Fatores lingsticos intervenientes na produo de // ...... 103
3.2.1.1 Contexto antecedente ................................................................................ 103
3.2.1.2 Contexto subseqente . .............................................................................. 106
3.2.1.3 Tonicidade da slaba . ................................................................................. 109
3.2.1.4 Classe de palavra ....................................................................................... 110
3.2.2 Fatores sociais . ............................................................................................. 111
3.2.2.1 Faixa etria ................................................................................................. 111
3.2.2.2 Escolaridade ............................................................................................... 112
3.2.2.3 Sexo . .......................................................................................................... 113
3.2.2.4 Cruzamento de fatores sociais relativos a // . .......................................... 114
3.3 Narrativas de experincia ................................................................................. 118
3.4 Sntese da anlise ............................................................................................ 121
CONSIDERAES FINAIS ............................................................... 125
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................. 128
ANEXOS ............................................................................................ 136
A DESPALATALIZAO DOS FONEMAS / / E // NA FALAURBANA DE RIO BRANCO-AC
Francisca Eleni Silva de Melo*
RESUMO - A presente dissertao objetiva analisar a questo da despalatalizaodos fonemas // e // sob a tica da Sociolingstica Variacionista Laboviana. Ocorpus foi constitudo a partir de gravaes de questionrio fontico-lexical aplicadoa 72 informantes, o que resultou em 3.954 produes no total, 2.224 contendovariantes de // e 1.730 variantes de // . O primeiro captulo est concentrado emnoes contextuais e introdutrias relativas aos temas da diversidade lingstica,preconceito e identidade, considerando-os assuntos circundantes questo; osegundo focaliza os elementos terico-metodolgicos aplicveis ao assunto: asexplicaes e conceitos do processo da despalatalizao visto por lingistas,gramticos e foneticistas, a razo da escolha da Sociolingstica como arcabouopara a anlise, assim como um resumo do histrico dessa subrea da Lingstica ede seus pressupostos, e a descrio da coleta de dados; o terceiro captulo, por fim,apresenta a anlise dos segmentos mencionados, levando em considerao fatoreslingsticos e extralingsticos que funcionam como condicionantes das diversasvariantes possveis. No primeiro caso, esto os segmentos antecedentes esubseqentes aos fonemas em questo, a classe da palavra e a tonicidade da slabaem que eles se encontram; no segundo, encontram-se o gnero, a faixa etria e ograu de escolaridade dos informantes. No que se refere aos fatores lingsticos,aventaram-se duas hipteses: 1 para os dois primeiros grupos de fatores, osfenmenos de variao deveriam ocorrer em virtude da contigidade de segmentossemelhantes do ponto de vista fontico; 2 para o terceiro grupo, esperava-se queas variantes // e // , que exigem maior fora articulatria, estivessem vinculadas aocontexto tnico; em sentido contrrio, esperava-se que as outras variantes, maisrelaxadas, ocorressem nas posies tonas. Para o quarto grupo, foramconsideradas as categorias verbos, adjetivos e substantivos, no se aventandohipteses especficas. Em relao aos fatores extralingsticos, postulou-se que asvariantes [] e [] estavam diretamente relacionadas ao grau de escolaridade maisalto, havendo maior nmero de iotizao ou de apagamento no grau de escolaridademais baixo. Pressups-se, ainda, que no nvel de ensino mdio haveria propensos variantes da norma culta.
Palavras-chave: Diversidade lingstica, Despalatalizao de // e // ,Sociolingstica, Rio Branco (Ac).
___________________
* Orientadora: Profa. Dra. Lindinalva Messias do Nascimento Chaves Universidade Federal do Acre.
LA DPALATALISATION DES PHONMES / / ET DE // DANS LESPARLERS DE LA ZONE URBAINE DE RIO BRANCO-AC
Francisca Eleni Silva de Melo*
RSUM - Ce mmoire a pour objectif danalyser la question de la dpalatalisationdes phonmes // e // la lumire de la Sociolinguistique Variationiste Labovienne.Le corpus a t constitu a partir denregistrements dun questionaire phontico-lexical appliqu 72 sujets. Cela a rsult ne 3.954 productions au total, 2.224contenant des variantes de // et 1.730 des variantes de // . Le premier chapitre estcentr sur des notions contextuelles et introductoires au thme de la diversitlinguistique, du prjug et de lidentit, en les considrant des sujets qui entourent laquestion; le second focalise les lments thoriques et mthodologiques applicables lobjet dtude: les explications et les concepts du processus de la dpalatalisationvu par des linguistes, des grammairiens et des phonticiens, la raison du choix de laSociolinguistique comme support pour lanalyse, ainsi quun rsum de lhistoriquede ce sous-domaine de la Linguistique et de ses prssuposs, la description de lacollecte de donnes; Le troisime chapitre, enfin, prsente lanalyse des segmentsmentionns ci-dessus en tenant compte de facteurs linguistiques et extralinguistiquesqui fonctionnent comme des lments conditionnants des diverses variantespossibles. Dans le premier cas se trouvent les segments antcedants et subsquentsdes phonmes en question, la classe du mot et la tonicit de la syllabe o ils setrouvent; dans le second se trouvent le genre, lge et le degr de scolarit dessujets de la recherche. Par rapport aux lments linguistiques on a pos leshypothses suivantes: 1 pour les deux premiers groupes de facteurs, lesphnomnes de variation devraient avoir lieu en vertu de la proximit de segmentssimilaires du point de vue phontique ; 2 pour le troisime groupe, on attendait queles variantes // et // , qui exigent plus de force articulatoire, soient lies au contextetonique ; en sens contraire, on attendait que les autres variantes, plus rlaxes,auraient lieu dans les positions atones. Pour le quatrime groupe, ont tconsidres les catgories verbes, adjectifs et noms. On na pas pos dhypotsesspcifiques pour ce cas. Par rapport aux facteurs extralinguistiques, on a postul queles variantes [] et [] taient directement lies au degr de scolarit plus haut et quily aurait un plus grand nombre dyotisation ou deffacement dans le degr de scolaritplus bas. On a prssupos encore que dans le niveau moyen denseignement il yaurait une tendance aux variantes cultives.
Mots-cls: Diversit linguistique, Dpalatalisation de // et de // , Sociolinguistique,Rio Branco (Ac).
__________________
* Professeur:. Dra. Lindinalva Messias do Nascimento Chaves Universit Fdral Acre.
PHONEMES // AND // DESPALATALIZATION IN RIO BRANCOURBAN SPEECH AC
Francisca Eleni Silva de Melo*
ABSTRACT - The present dissertation aims to analyze the question of // and //phonemes dispalatalization under the Labovian Variationist Sociolinguistics point ofview. The corpus was constituted by phonetic-lexical questionnaire recordingsapplied to 72 informers, what resulted in 3,954 outputs in the total, 2.224 containingvariants of // and 1.730 variants of //. The first chapter is concentrated incontextual and introductory notions relative to the subjects of the linguistic diversity,prejudice and identity, considering them as surrounding matters to the question; thesecond focuses the theoretical-methodological elements applicable to the subject:the explanations and concepts of the trial of the dispalatalization seen by linguists,grammarians and phoneticians, the reason of the Sociolinguistics choice asframework to the analysis, as well as a this Linguistics sub area historical summary,and the data collection description; the third chapter, finally, presents the analysis ofthe segments mentioned, considering the linguistic and extra linguistic factors thatworks like conditioning of the diverse possible variants. In the first case, there arethe subsequent and preceding segments to the phonemes in question, the wordclass and syllable tonicity in that they are found; in the second, we find the informersgender, the age group and the schooling degree. Concerning to the linguistic factors,there were two hypotheses: 1 for the two first groups of factors, the variationphenomena should occur because of the similar segments contiguity of the phoneticviewpoint; 2 for the third group, we expected that the variants // and //, thatrequire bigger articulatory strength, were linked to the tonic context; in contrarysense, we expected that the other variants, sloppier, occurred in the unstressedpositions. For the fourth group, the verbs, adjectives and nouns categories wereconsidered not suggesting specific hypotheses. Concerning to the extra linguisticsfactors, requested that the variants [] and [] were straightly related to the higherschooling rank, having bigger iotization or deletion number in a lower schooling rank.It presumed, still, that in the high school level would have propensity to the culturednorm variants.
Keywords: Linguistic diversity, // and // despalatalization, Sociolinguistics, RioBranco (Ac).
__________________
* Advisor: Profa. Dra. Lindinalva Messias do Nascimento Chaves Federal University of Acre.
LISTA DE SMBOLOS1
lateral palatal sonora
nasal palatal sonora
[a] vogal baixa central
[] vogal mdia-baixa central
[] vogal mdia-baixa nasalizada
[] vogal mdia anterior aberta
[] vogal mdia anterior fechada
[] vogal mdia anterior fechada nasalizada
[] vogal alta anterior
[vogal alta anterior nasalizada
[] vogal alta anterior (posio postnica final)
[] vogal mdia posterior fechada
[] vogal mdia posterior fechada nasalizada
[] vogal mdia posterior aberta
[u] vogal alta posterior
[] vogal alta posterior nasalizada
[] vogal alta posterior (posio postnica final)
[] semivogal posterior
[] semivogal anterior
[b] oclusiva bilabial sonora
[t] oclusiva alveolar surda
[d] oclusiva alveolar sonora
[k] oclusiva velar surda
[] oclusiva velar sonora
[t] africada alveopalatal surda
[d] africada alveopalatal sonora
[s] fricativa alveolar surda
[z] fricativa alveolar sonora
[] fricativa alveopalatal sonora
[] fricativa glotal surda
[m] nasal bilabial sonora
[n] nasal alveolar sonora
[] tepe alveolar sonoro
vibrante mltipla sonora
[l] lateral alveolar sonora
1 Para a transcrio fontica das palavras analisadas neste trabalho utilizou-se a fonte IPAKiel.
LISTA DE FIGURAS E GRFICOS
FIGURA 1 Articulao de// ......................................................................... 58
FIGURA 2 Articulao de // ....................................................................... 59
FIGURA 3 Mapa de Rio Branco ................................................................... 69
FIGURA 4 Distribuio dos informantes por gnero e faixa etria ............... 70
FIGURA 5 Distribuio dos informantes por gnero, faixa etria e nvel de
escolaridade .................................................................................................... 71
GRFICO 1 Os fonemas //e // na fala urbana riobranquense.................. 84
GRFICO 2 Freqncias das variantes de // ............................................. 85
GRFICO 3 Freqncias das variantes de // ............................................. 102
GRFICO 4 Ocorrncias de // nas narrativas de experincia .................... 119
GRFICO 5 Ocorrncias de // nas narrativas de experincia .................... 119
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Contexto antecedente de // .................................................................... 86
TABELA 2 - Contexto subseqente de // ................................................................... 89
TABELA 3 - Tonicidade da slaba referente a // .......................................................... 91
TABELA 4 - Classe de palavra referente a // .............................................................. 92
TABELA 5 - Faixa etria fator social referente a // .................................................. 94
TABELA 6 - Escolaridade fator social referente a // ................................................ 95
TABELA 7 - Sexo fator social referente a // ............................................................ 97
TABELA 8 - Cruzamento dos fatores sociais faixa etria e escolaridade, referente a// ............................................................................................................................. .... 98
TABELA 9 - Cruzamento dos fatores sociais faixa etria e sexo, referente a // ........ 99
TABELA 10 - Cruzamento dos fatores sociais sexo e escolaridade, referente a // .... 100
TABELA 11 - Contexto antecedente de // .................................................................. 104
TABELA 12 - Contexto subseqente de // ................................................................. 106
TABELA 13 - Tonicidade da slaba referente a // ...................................................... 109
TABELA 14 - Classe de palavras referente a // ......................................................... 110
TABELA 15 - Faixa etria fator social referente a // ............................................... 111
TABELA 16 - Escolaridade fator social referente a // ............................................. 112
TABELA 17 Sexo fator social referente a // ......................................................... 113
TABELA 18 Cruzamento dos fatores sociais faixa etria e escolaridade, referente a
// ................................................................................................................................ 115
TABELA 19 Cruzamento dos fatores sociais faixa etria e sexo, referente a // ...... 116
TABELA 20 Cruzamento dos fatores sociais sexo e escolaridade, referente a // ... 117
TABELA 21 Distribuio das variantes de // e de // por narrativas ...................... 119
INTRODUO
A despalatalizao dos fonemas consonantais // e // no portugus do Brasil
consiste em um processo fontico no qual os dois segmentos perdem sua
caracterstica palatal, ou seja, deixam de ser pronunciados na regio do palato duro,
dando margem produo de uma srie de variantes, entre as quais a conseqente
iotizao e o apagamento total do segmento com reduo da slaba em que o
mesmo se encontra. Exemplos clssicos encontrados na literatura especfica so
paia por palha e bunitim por bonitinho.
A temtica da despalatalizao das consoantes, notadamente de // e de // ,
se reveste de grande importncia no mbito da descrio do portugus falado no
estado do Acre. Com efeito, trata-se de um processo fontico bastante freqente
neste estado, que no tem sido objeto de estudos ao contrrio do que ocorre em
outras regies do Brasil, notadamente o nordeste, onde j existem pesquisas sobre
este assunto associado aos falares locais. Contudo, ainda que pouco debatido nos
meios acadmicos acreanos, o tema da despalatalizao dos fonemas mencionados
no pode ser classificado como inteiramente novo na agenda universitria do Acre.
Algumas incurses temtica foram feitas em trabalhos de iniciao cientfica do
Centro de Estudos dos Discursos do Acre (CED-Ac), mesmo que tais pesquisas no
tivessem esse fenmeno como alvo especfico e, por conseguinte, o houvessem
tratado de forma tangencial.
Neste estudo, pretende-se examinar especificamente essa questo sob o
enfoque da Sociolingstica Variacionista Laboviana com vistas ao aprofundamento
das pesquisas acima citadas e, sobretudo, com vistas descrio das variantes que
ocorrem nesse processo quando se trata de uma modalidade de fala acreana.
Justifica-se a escolha desse tema para anlise por trs razes: a primeira, j
apresentada, a novidade da questo, ainda pouco explorada nas pesquisas da
academia acreana; a segunda o fato de poder contribuir para o estabelecimento
das divises dialetais do Brasil, estudos que vm sendo realizados por vrios grupos
de pesquisadores espalhados por todo o pas, principalmente os que trabalham na
produo de Atlas Lingsticos; a terceira, a mais bvia e talvez a mais importante,
a possibilidade de contribuir para a sistematizao descritiva das particularidades
das falas do Acre.
O trabalho se iniciar com algumas reflexes sobre diversidade lingstica,
preconceito e identidade. Apesar de no trazer nada de novo, podendo essas
informaes serem encontradas em diversos livros e artigos, esse captulo tem
importncia na medida em que introduz o assunto e, principalmente, fornece os
parmetros necessrios para a compreenso dos aspectos sociais relacionados
temtica na atualidade. No que se refere ao tema identidade, deve-se salientar a
sua associao linguagem, ressalvada a impossibilidade de se estabelecer
conexes diretas entre fatos lingsticos pontuais e a identidade de um povo. Apesar
dessa limitao, as consideraes feitas sobre a lngua como expresso da
identidade servem para colocar em evidncia que as formas de falar denotam a
origem scio-regional dos indivduos e as atitudes estigmatizantes em relao s
variantes consideradas no cultas.
No segundo captulo, intentar-se- inserir os pressupostos terico-
metodolgicos que nortearo a pesquisa, principalmente a anlise dos dados. Entre
as vrias subreas da Lingstica, elege-se a Sociolingstica como suporte para a
anlise da variao de // e de // na fala de determinadas comunidades de Rio
Branco, visto que, como ser explicado no decorrer do trabalho, seus pressupostos
tericos levam em conta a realidade heterognea das lnguas. Neste mesmo
captulo no poderiam faltar alguns conceitos, definies e explicaes acerca do
processo fontico em estudo, trazendo-se para o debate lingistas, gramticos e
foneticistas que se debruaram sobre a questo em exame. No poderiam estar
ausentes, tampouco, as descries de todo o processo de coleta de dados, tarefa
que demanda muitas horas de trabalho. Malgrado o fato de, muitas vezes, esse
processo ter sua importncia minimizada e relegada a segundo plano, de sua
qualidade depende em grande parte a qualidade dos resultados finais. Para finalizar
o captulo sero apresentados, ainda que de forma lacunar e sumria, o locus da
pesquisa, constitudo por seis bairros de Rio Branco, a saber: Vila Custdio Freire,
bairros Nova Estao, Cidade Nova, Santa Ins, Abrao Alab e Cadeia Velha.
O terceiro captulo conter a anlise dos dados com enfoque da
Sociolingstica como j foi mencionado. Neste trabalho, de cunho quantitativo, ser
utilizado o pacote de programas VARBRUL (GoldVarb, verso 2001) que gera, aps
a codificao dos dados, freqncias absolutas e relativas de ocorrncia da varivel
para cada grupo dos fatores selecionados. O primeiro grupo de fatores , em carter
de obrigatoriedade, o grupo da varivel dependente, ou seja, o fenmeno a ser
observado; no caso desta pesquisa, a permanncia ou ausncia do carter palatal
de // e de // nas produes de 72 informantes de Rio Branco. Os outros grupos,
os que se referem s variveis independentes, envolvem fatores lingsticos e
extralingsticos. Os primeiros englobaro os segmentos antecedentes e
subseqentes a esses dois fonemas, a classe das palavras e a tonicidade da slaba
em que eles se encontram; os segundos compreendero o gnero, a faixa etria e o
grau de escolaridade dos informantes. Cabe salientar que o corpus a ser trabalhado
contm, por um lado, 3.954 produes, sendo 2.224 com realizaes de // , e 1.730
com realizaes de // , presentes em respostas a um Questionrio Fontico-Lexical
(QFL) elaborado especificamente para se obter produes dos dois fonemas; e, por
outro lado, 232 produes no total, 80 variantes de // e 152 de //, desta feita
constantes em narrativas.
Relacionadas aos fatores lingsticos, as duas hipteses a seguir elencadas
sero perseguidas na anlise dos dados:
1 para os dois primeiros grupos de fatores, os segmentos fonticos
antecedente e subseqente, os fenmenos de variao devero ocorrer em virtude
da contigidade de segmentos semelhantes do ponto de vista fontico.
2 para o terceiro grupo, tonicidade da slaba, espera-se que as variantes []
e [], que exigem maior fora articulatria, estejam vinculadas ao contexto tnico;
em sentido contrrio, espera-se que as outras variantes, mais relaxadas, ocorram
nas posies tonas;
Para o quarto grupo, classe de palavras, sero consideradas as categorias
verbos, adjetivos e substantivos, no se aventando hipteses especficas.
No que se refere aos fatores extralingsticos, acredita-se que as variantes []
e [] esto diretamente relacionadas ao grau de escolaridade mais alto, havendo
maior nmero de iotizao ou de apagamento no grau de escolaridade mais baixo.
Pressupe-se, ainda, que no nvel de ensino mdio haver propenso s variantes
da norma culta.
Por ltimo, com base nos estudos introdutrios engendrados no CED-Ac,
espera-se uma polarizao entre as variantes da norma culta, [] e [] e as
estigmatizadas [] e apagamento. No se espera produo expressiva das variantes
[] e [] atestadas em outras localidades do pas, tal qual Marab (Par).
Para finalizar o captulo concernente anlise, ser efetuado o cruzamento
dos fatores sociais j elencados. Tal cruzamento de dados dever permitir
concluses mais precisas sobre qual(is) desses fatores atua(m) com mais fora para
a realizao palatal ou para a despalatalizao dos fonemas // e // . Alm do
cruzamento dos dados sociais ser apresentado em item separado um resumo das
principais tendncias encontradas no decorrer da anlise.
Nas consideraes finais sero apresentados os pontos concordes e
discordantes de outros trabalhos efetuados em outras regies, bem como as trilhas a
seguir nos trabalhos futuros.
Aps a lista das referncias sero inseridos alguns anexos, julgados
pertinentes para uma maior compreenso ou para a simples ilustrao de fatos
comentados. Neles sero encontrados o questionrio fontico-lexical e o
questionrio social aplicados aos informantes, o corpus, duas transcries fonticas
completas das respostas, de um informante masculino e de um informante feminino
ao questionrio fontico-lexical. Sero encontradas, ainda, duas narrativas de
informantes, tambm um masculino e outro feminino, bem como os mapas dos
principais bairros em que foram realizadas as gravaes. Por ltimo, ser inserida
cpia do parecer do Comit de tica e Pesquisa da Universidade Federal do Acre,
autorizando a realizao das entrevistas.
1 ALGUMAS REFLEXES SOBRE DIVERSIDADE LINGSTICA,PRECONCEITO E IDENTIDADE
As formas de discriminao social tm pontuado os debates constantes do
cotidiano de diversos segmentos da sociedade, nessa nova ordem mundial que se
instaurou a partir dos ltimos decnios do sculo XX. Discutem-se, assim,
abertamente, questes antes consideradas tabu, como, por exemplo, as relativas
homossexualidade2. As questes indgenas, dos negros, das mulheres, entre outros
grupos historicamente considerados minorias, tambm tm marcado presena
nessas discusses e, indubitavelmente, apesar dos preconceitos ainda
profundamente arraigados na mente do ser humano, vrios avanos foram
conseguidos.
Em linhas gerais, postula-se que todo ser humano merece respeito por sua
histria e trajetria de vida, no devendo ser depreciado em razo de qualquer
caracterstica diferenciada; no entanto, se, por um lado, o caminho para a verdadeira
igualdade e respeito entre os seres humanos foi aberto nos grandes debates atuais
sobre questes dessa natureza, como acima referido, longe est, por outro lado, de
ser considerado terminado. Na verdade, essa uma histria que ainda est em
processo de construo.
Desde o incio do mundo, as manifestaes preconceituosas tm alvos
diversos, como os acima mencionados; contudo, no cabe neste trabalho uma
anlise desse componente social em mbito mais alargado; toma-se por objeto de
reflexo nos itens 1.1 e 1.2 desta pesquisa, uma manifestao preconceituosa
especfica, denominada por diversos autores da atualidade de preconceito
lingstico, que atinge, principalmente, determinadas camadas da sociedade, sendo
estas, freqentemente, pobres e excludas dos circuitos scio-culturais. A relao
2 No mbito jurdico, por exemplo, em um grande avano da proteo dos direitos de cidadania doscasais homossexuais masculinos, estes j tm conseguido adotar crianas legalmente. Cf. revistaPOCA, 21 de janeiro de 2007. Leia-se sobre isso, tambm, MELLO, Luiz. Novas famlias:conjugalidade homossexual no Brasil contemporneo. Rio de Janeiro: Garamond/CLAN, 2005;_______. Familismo (anti)homossexual e regulao da cidadania no Brasil. Disponvel em:. Acesso em: 19 abr. 2007; TOURAINE, Alain. Odireito ao casamento gay. Disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2007; VIANNA, Adriana. Direitos e polticas sociais noBrasil: mapeamento e diagnstico. Rio de Janeiro: Cepesc, 2004.
http://www.scielohttp://www1.folha
intrnseca com o preconceito em sentido mais amplo parece, entretanto, bvia por se
fundarem todos esses comportamentos e atitudes em sentimentos de desrespeito e
intolerncia para com o outro, em ltima anlise.
Vrios autores tm se debruado sobre a temtica e no se pretende, aqui,
trazer informaes novas, constituindo-se o presente captulo em um resgate do que
se tem escrito em relao ao assunto. Paralelamente, tenta-se traar, ainda que de
forma sucinta, as conseqncias do menosprezo e desrespeito dirigidos s formas
de falar dos indivduos, notadamente no mbito escolar.
Justifica-se este captulo introdutrio pelo fato de o tema central deste
trabalho constituir-se em uma das marcas estigmatizadas na lngua oral, a
despalatalizao dos fonemas // e // ; casa-se, portanto, a anlise puramente
lingstica com o componente social, o que contribui para a contextualizao do fato
estudado em um quadro maior, no restrito apenas ao funcionamento da lngua.
1.1 Diversidade lingstica e preconceito
A preocupao em descrever e precisar o nmero de lnguas, assim como
seus dialetos, tem marcado presena nas sociedades desde que a linguagem se
tornou objeto de estudo. A descrio de uma lngua parece bastante simples,
todavia, mais complexa do que se pode imaginar num primeiro momento. De
acordo com Labov (1972a), h quatro elementos que, por muitos anos, foram tidos
como empecilhos no processo de descrio lingstica; desses elementos destacam-
se dois pela pertinncia com a temtica diversidade lingstica.
A agramaticalidade do discurso foi o primeiro problema observado pelo autor,
tendo em vista que para a maioria dos lingistas os enunciados produzidos na fala
espontnea eram agramaticais, pois fatores como o cansao, a inibio, os lapsos
de memria, a pressa etc. (MONTEIRO, 2002, p. 32) eram considerados os
responsveis pelas frases mal formadas; essa concepo s mudou a partir da
teoria sociolingstica, segundo a qual a probabilidade de produo de uma
sentena agramatical quase nula, j que eliminando-se os lapsos naturais da fala
espontnea, todo enunciado constitudo de frases corretamente formadas
segundo todos os critrios (p. 32) ou princpios de organizao da lngua.
O segundo problema refere-se variao na fala, que remete idia de
formas variantes para se dizer a mesma coisa; a anlise estrutural oferece duas
alternativas quando se pretende descrever uma determinada lngua; a primeira
considera as variantes como unidades de sistemas lingsticos diferentes ou at
mesmo de mistura de dialetos ou de permuta de cdigos; a segunda permite a
interpretao das variantes como elementos que se encontram em variao livre no
mesmo sistema. Os mtodos de pesquisa desenvolvidos por Labov superam as
duas alternativas apresentadas, partindo do pressuposto de que a estrutura
lingstica heterognea, o que resolve a questo do aparente caos dos discursos
individuais.
Como terceiro problema, Labov (1972a) menciona as dificuldades do registro,
que so os entraves encontrados para as gravaes das entrevistas. J a quarta
dificuldade constituda pelas limitaes do corpus, visto haver situaes nas quais
se tem como resultado um nmero reduzido de dados. Importa para a discusso da
diversidade lingstica os dois primeiros elementos apresentados por esse autor.
Langacker (1972, p. 51) escreve que a complexidade na descrio lingstica
tem incio na impossibilidade de se determinar o nmero exato de todas as lnguas
faladas no mundo, e isso ocorre por pelo menos dois motivos: o primeiro diz respeito
inviabilidade do acesso s informaes detalhadas referentes a cada um dos
sistemas lingsticos espalhados em nosso planeta; o segundo relaciona-se
diretamente com a idia mal delineada e intuitiva do que significa o termo lngua, os
usos da lngua so tais que muitas vezes extremamente difcil na prtica decidir
quando o termo bem empregado. So esses entraves, considerados apenas
iniciais nos estudos lingsticos, que dificultam a descrio de uma lngua.
Ao anunciar os usos da lngua como uma das razes da dificuldade para
descrev-la, Langacker remete diretamente ao seu carter heterogneo e em
relao a essa diversidade, dita lingstica, vrios autores, tanto os clssicos quanto
os mais recentes, tm essencialmente a mesma idia no que se refere aos fatores
que contribuem para o surgimento das variedades dentro de um sistema lingstico.
Nesse sentido, Mattoso Cmara (1991, p. 17) afirma:
Um dos percalos mais srios com que se tem defrontado a gramticadescritiva, desde a Antigidade Clssica, o fato da enorme variabilidadeda lngua no seu uso num momento dado. Ela varia no espao, criando noseu territrio o conceito dos dialetos regionais. Tambm varia na hierarquia
social, estabelecendo o que hoje se chama os dialetos sociais. [...] Variaainda, para um mesmo indivduo, conforme a situao em que se acha.
No que se refere aos usos individuais, possvel afirmar que o falante de uma
lngua no emprega, necessariamente, as mesmas palavras, expresses e
construes sintticas que outro indivduo, pertencente mesma comunidade
lingstica, emprega. Na verdade, ele no pode sequer realizar determinados
fonemas da mesma forma que outrem. No que concerne aos dialetos sociais, os
relativos s camadas mais populares e menos escolarizadas da sociedade so,
evidentemente, o alvo preferencial do preconceito lingstico.
A variao de uma lngua normalmente creditada a elementos que lhe so
internos e externos; nesse ponto, Maingueneau (1997, p. 69), afirma que no interior
de uma mesma lngua existe uma variao constante; ademais, a variao pode
assumir a forma de patois, de dialectos, de lnguas de minorias, o que vem ao
encontro dos dizeres de Mattoso Cmara acerca da variao no espao e da
variao na hierarquia social.
Tambm em consonncia com o pensamento de Mattoso Cmara, os estudos
sociolingsticos, principalmente os desenvolvidos a partir das pesquisas de Labov3,
j demonstravam que a variao fato to antigo quanto a prpria lngua, pois se
trata de um fenmeno peculiar a todas as lnguas vivas. As mudanas pelas quais
uma lngua passa so determinadas por vrios motivos e diversos estudiosos tm se
manifestado sobre o assunto: Labov elenca o espao geogrfico, a etnia, o aspecto
social e o sexo do falante entre outros elementos condicionantes. Langacker (1972,
p. 59), ao retomar a questo da diversidade lingstica, reafirma, consoante Labov,
no ser esta influenciada apenas pelo espao geogrfico e aponta duas outras
dimenses das mudanas s quais uma lngua est exposta. A primeira compreende
os grupos e classes sociais, pois numa mesma rea urbana percebem-se diferenas
lingsticas ligadas organizao social daquela comunidade. A segunda dimenso
est vinculada ao prprio falante, que, alm de possuir seu sistema lingstico nico,
tambm utiliza diferentes estilos de acordo com o grau de formalidade da situao.
Na verdade, Langacker rene em dois eixos todos os fatores da variao.
3 Nesse sentido, vejam-se os seguintes trabalhos: LABOV, William. The stratification of Englis in NewYork city. Washington, D.C., Center for Applied Linguistics, 1966; _______. Sociolinguistic patterns.Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1972b; ______. Language in the inner city.Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1972c.
escolha de estilos, mencionada por Langacker e por Mattoso Cmara,
Halliday (1974, p. 111) d o nome de registro, ou seja, uma variedade de uma
lngua diferenciada de acordo com o uso. Da advm o fato que, s vezes escutam-
se, principalmente nas escolas, frases como este registro est inadequado,
referindo-se a uma variedade que no a padro, tendo em vista que um dos
papis da escola ensinar esse tipo de registro, a norma padro, culta, aos seus
alunos.
Para tornar claro o conceito de uso, mencionado por Langacker, por Mattoso
Cmara e por Halliday, pode-se recorrer s explicaes de Leite (2005, p. 205) para
quem as principais fontes da variao lingstica, so, de um lado, o usurio, com a
sua configurao geogrfico-social, e, de outro, o uso, a includa toda a
complexidade da prtica dos diversssimos gneros do discurso. Entende-se que
dentro do uso est toda a situao social na qual o falante est inserido (os
preceitos religiosos, moralistas, polticos). Essa idia de que um mesmo falante pode
utilizar diferentes registros lingsticos conforme as exigncias contextuais,
associando as circunstncias s situaes valorizadas (poltica, administrao,
religio) j fora anunciada por Maingueneau (1977, p. 69) que tambm anui com a
existncia de uma variao social e geogrfica (p. 23).
De acordo com Calvet (2004, p. 13-34), o estudo da lngua associado a
fatores sociais j foi amplamente discutido em outras pocas, a fim de se comprovar
a relao dos estudos lingsticos com os fatores externos da lngua, j
mencionados neste texto. A partir de tais discusses, prevalece, atualmente, a
concepo de que o carter transformacional da lngua tem estreita ligao com o
social, tanto que Calvet (op. cit. p. 81) considera que esses condicionamentos
externos so poderoso fator de evoluo.
As mudanas, assunto que ser retomado no item 1.2, segundo este autor
(op. cit. p. 89), ocorrem diariamente, num processo constante e contnuo, e
acontecem no s sob o aspecto diacrnico, mas tambm sob o sincrnico, haja
vista a coexistncia de formas diferentes de um mesmo significado; Calvet
acrescenta, ainda, a exemplo dos autores anteriormente citados, que as variveis4
tanto podem ser geogrficas quanto lexicais.
4 Varivel lingstica o conjunto constitudo pelos diferentes modos de realizar a mesma coisa (umfonema, um signo...). Variante cada uma das formas de realizar a mesma coisa. (CALVET, op. cit.p. 90).
Para encerrar a questo, pode-se lanar mo das palavras de Srio Possenti
(2005, p. 35) quando o mesmo afirma que todas as lnguas variam, isto , no
existe nenhuma sociedade ou comunidade na qual todos falem da mesma forma, o
que leva ao pressuposto que todas as lnguas possuem seus dialetos5.
Percebe-se a convergncia para o fato que a lngua, sob o efeito de fatores
diversos, passvel de mutaes, o que a torna uma realidade heterognea e isso
se explica por serem os grupos de falantes formados por pessoas com suas
caractersticas individuais. Por essa razo, em um pas como o Brasil, por exemplo,
que possui um vasto territrio e grande diversidade cultural, no se poderia falar em
uma lngua portuguesa homognea. Pensar de forma contrria seria utpico visto
que a homogeneidade ilusria. vastido territorial e diversidade cultural, Leite e
Callou (2004, p. 12) juntam um terceiro elemento impeditivo para a homogeneidade
lingstica no Brasil, o contingente populacional, atualmente estimado em 170
milhes de habitantes, com alto ndice de analfabetismo. Para essas autoras, a
grande variao existente no portugus brasileiro da atualidade nos permite
reconhecer uma pluralidade de falares, alm de ser fruto da dinmica populacional
e da natureza do contato dos diversos grupos ticos e sociais nos diferentes
perodos da nossa histria (LEITE e CALLOU, op. cit, p. 52).
Com efeito, a heterogeneidade um fato natural e inevitvel, e de acordo com
Lyons (1987, p. 17), a crena ou pressuposio de que todos os membros de uma
comunidade lingstica falam exatamente a mesma lngua no passa de uma fico,
o que vem ao encontro da posio de Calvet acerca do assunto. Contudo, o fato de
no haver uma homogeneidade no significa que os usurios estejam
corrompendo a lngua, e tampouco significa que o povo no saiba falar seu prprio
idioma. Em um processo natural, a lngua sofre interferncia da comunidade falante,
da identidade e da cultura desse grupo, e por isso no se deve admitir, segundo
Coutinho (2005, p. 27) a falsa idia de que o dialeto seja a corrupo de uma
lngua. O povo, quando modifica o idioma, obedecendo s suas tendncias naturais,
no o corrompe. A lngua, como tudo na natureza, est sujeita a transformaesinevitveis. Para este lingista, uma lngua s se conserva no seu aspectouniforme enquanto falada por um pequeno agrupamento humano (Grifosnossos).
5 O termo dialeto neste utilizado conforme a definio de Coutinho (2005, p. 27): a modificaoregional de uma lngua.
A tese de que o povo, especialmente a camada no escolarizada, corrompe a
lngua constitui-se em olhar preconceituoso, e como tal no possui fundamentao
consistente que o justifique. Mollica (2007, p. 2), discorrendo sobre Diversidade
lingstica e mobilidade social, afirma que preciso negar o desenvolvimento de
base imperialista, colonialista, discriminatria, alm de se ter uma postura para a
adoo de atitudes que visem uma equiparao entre o status social entrelaado s
lnguas e o carter mltiplo inerente a todas elas. A autora defende a inexistncia de
justificativa para o prestgio de uma variedade em detrimento de outra(s) ao observar
que o processo de colonizao no s imps novos comportamentos aos nativos,
mas tambm uma nova lngua, totalmente diferente daquela que falavam antes.
Assim, o respeito diversidade lingstica significa, ao mesmo passo, respeito s
identidades ticas coexistentes.
No intuito de registrar os dialetos existentes no Brasil, vm surgindo
pesquisas realizadas com o objetivo de elaborar os Atlas Lingsticos dos diversos
Estados e regies do pas. Conforme Leite e Callou (2004, p. 17), os seguintes atlas
j esto publicados: Atlas Prvio dos Falares Baianos, Esboo de um Atlas
Lingstico de Minas Gerais, Atlas Lingstico da Paraba, Atlas Lingstico de
Sergipe e Atlas Lingstico do Paran. Essas publicaes servem de parmetro para
a avaliao das ocorrncias dialetais desses Estados, todavia, mesmo com a ajuda
dos novos aparatos tecnolgicos, ainda no se pode traar um perfil da comunidade
de fala brasileira na sua globalidade (SILVA, 1996, p. 31).
Aos Atlas elencados por Leite e Callou, Arago (2006, p. 1-2), em
levantamento mais recente, acrescenta o Atlas de Sergipe II, o do Par, o do
Amazonas e o da Regio Sul. Informa, ainda, esta ltima autora que, alm dos j
publicados, outros atlas seguem em fase adiantada de elaborao, so eles: o do
Cear, o de So Paulo, o dos pescadores do Rio de Janeiro, o de Mato Grosso do
Sul, o do Acre, o do Mato Grosso, o do Rio de Janeiro, o do Maranho, o do Rio
Grande do Norte e o do Piau.
Em relao a esses trabalhos, o que importa ressaltar que os Atlas
Lingsticos representam, por assim dizer, uma fotografia da realidade lingstica de
cada pas, retratando as caractersticas e peculiaridades de cada regio.
Por isso, um projeto maior foi elaborado a fim de publicar o Atlas Lingstico
do Brasil (ALiB), que ainda no foi finalizado devido grande extenso territorial
deste pas, alm de outras dificuldades que envolvem no apenas recursos
financeiros, como tambm a falta de pessoas aptas a realizarem os trabalhos. Ao
justificar a necessidade de um atlas lingstico nacional, Cardoso (2006, p. 5)
escreve: preciso ter-se a multidimensionalidade da lngua no pas no apenas paraefeitos de precisar e demarcar espaos geolingsticos, mas para que sepossa tambm contribuir de forma direta para um melhor equacionamentoentre a realidade de cada rea e o ensino da lngua materna que nela seprocessa. Em outras palavras, quero dizer que o conhecimento sistemticoda variao, a delimitao de suas reas, a relao entre os diferenciadosusos que se faz da lngua constituem-se num benefcio de cunho social, e,porque no dizer, patritico.
Para a concretizao desse grande empreendimento, Cardoso (op. cit. p. 8)
explica que a elaborao dos atlas regionais so extremamente importantes, tendo
em vista que os mesmos podero transformar-se, pois, nas grandes pedras da
construo do atlas nacional. Desse modo, atravs do registro dialetal das regies
brasileiras ser possvel descrever a realidade lingstica do pas, o que ser til no
s para caracterizar a lngua portuguesa como multidialetal (e no homognea,
como ainda acreditam muitas pessoas), mas tambm enfocar as razes lingsticas
brasileiras, como as influncias africana e indgena, por exemplo.
Embora os estudos aqui mencionados, tanto os clssicos quanto os mais
recentes, comprovem que a variao faz parte de qualquer sistema lingstico vivo,
observa-se que nas sociedades, de maneira geral, ainda prevalece a idia de que o
dialeto sugere a fala informal, de classe baixa ou rural. Sob essa tica, como
norma social, portanto, um dialeto uma lngua excluda da sociedade polida
(HAUGEN, 2001, p. 101).
a partir de concepes dessa natureza que surge o preconceito lingstico.
Pode-se dizer que todo preconceito finca suas razes em fatores sociais, culturais,
econmicos e histricos e em relao ao preconceito lingstico no poderia ser
diferente, mas tenta-se mascar-lo de diversas formas. Assim, tem-se justificado a
supervalorizao da norma padro sob o pretexto de que ela no se transforme
numa nova torre de babel 6, ou seja, defende-se a idia de que um padro
lingstico deve funcionar como meio de preservao da lngua para que esta no se
6 A Torre de Babel mencionada na Bblia, no livro Gnesis: 11:1-9. Trata-se de uma enorme torreconstruda pelos descendentes de No, e o objetivo principal era construir uma cidade e uma torreque chegasse at o cu (Gen. 11:4). Insatisfeito com a ousadia humana, Jav revolveu descer econfundir a lngua deles (Gen. 11:7), de modo que ningum mais conseguisse se entender e aconstruo no seguisse adiante. Essa a explicao bblica acerca do surgimento das lnguas dahumanidade.
transforme em vrias outras. No entanto, refuta-se facilmente essa idia pelo
conhecimento da mudana como fato natural s lnguas vivas, que possuem a
caracterstica e a possibilidade de transformao e renovao, como j foi
explanado.
Todas as variantes possuem o mesmo valor lingstico; contudo, na esfera
social, os valores associados s variedades existentes na lngua relacionam-se com
as classes sociais s quais pertenam os falantes, considerando-se de maior
prestgio a variante ligada ao grupo de maior status, enquanto as variantes utilizadas
pelas classes mais baixas so estigmatizadas. A propsito, Labov (1968, p. 111)
observa:
A variao no comportamento lingstico em si mesma no exerce umadecisiva influncia no desenvolvimento social nem afeta as oportunidadesde vida do indivduo. De modo oposto, a forma de comportamentolingstico muda rapidamente quando muda a posio social do falante.
Explica-se essa mudana no comportamento lingstico do falante pelo fato
de ser atribudo ao dialeto de maior prestgio a condio de mais correto, mais
adequado ou mais puro do que os dialetos de menor prestgio (LANGACKER, op.
cit, p. 63). A escola , em grande parte, incentivadora de tal pensamento, pois ainda
nos dias atuais, muitas delas tm uma concepo equivocada do ensino de lngua
materna, reproduzindo um modelo de aula que h muito suscita questionamentos na
prpria instituio educacional. De fato, essa antiga metodologia pedaggica no
contempla o carter dinmico e heterogneo da lngua, consagrando, em sentido
inverso, seu aspecto normativo; em algumas instituies de ensino o aluno
aprende que o seu idioma extremamente difcil, ou seja, assiste reproduo de
velhos preconceitos e perde anos a fio memorizando regras gramaticais sem
nenhuma (ou quase nenhuma) funcionalidade real em suas vidas, pois tais aulas
no focalizam a lngua em funcionamento, atendo-se a ensinamentos fragmentados
e descontextualizados.
Embora os esforos da maioria dos lingistas em defesa da diversidade da
lngua tenham ganhado bastante espao nas ltimas dcadas, percebem-se, ainda,
resistncias aceitao do carter multifacetado da lngua, principalmente por parte
daqueles que se sentem os guardies do idioma, como se o mesmo fosse esttico,
no sofresse alteraes no decorrer do tempo e dentro de espaos geogrficos e
sociais distintos. Segundo Yaguello (2001, p. 281) o purismo lingstico, a vontade
de conservar a lngua numa forma imutvel identificvel, de fato, a uma elite de
letrados , ao passo que tudo a chama mudana reflete-se numa atitude que a
autora denomina de irracional e irrealista:
Irracional porque o purista nega o que est na natureza mesma da lngua: aevoluo, de um lado, e, de outro, a variao a proliferao de dialetossociais ou regionais, de registros e jarges diversos. [...]Irrealista porque, qualquer que seja a fora dos esforos conjugados dasdiferentes instncias de represso lingstica (a Escola, a Academia, oComissariado Geral da Lngua Francesa, os autores de gramticas e dedicionrios), nunca ningum deteve a evoluo de uma lngua, a no serdeixando de fal-la. (Grifo nosso).
Por conta dessas resistncias s mudanas naturais da lngua, existem, hoje,
conflitos referentes ao ensino de lngua materna nas escolas. Para Silva (1996, p.
22), a tradio de um ensino voltado pura e simplesmente para a gramtica e que
tem como centro nem a variao, nem a mudana, nem a estrutura das lnguas,
mas sim a norma prescritiva est sempre reforando essa idia de uma lngua
esttica e incapaz de sofrer interferncias do meio social. Em conferncia proferida
no Seminrio Nacional sobre a Diversidade Lingstica e o Ensino da Lngua
Materna, a autora relata que citou no incio de sua exposio dois textos, Aula de
Portugus, de Drummond, e um fragmento do texto Portugus brasileiro - Uma
viagem diacrnica, de Mary Kato, explicando que ambos exploram a situao
diglssica do portugus brasileiro: nessa perspectiva, uma a lngua que a escola
pretende transmitir a seus alunos, que se funda numa tradio histrica idealizada e
que continua nas gramticas pedaggicas; o outro o das falas correntes, do
vernculo, na definio laboviana [...].
Sabe-se que essa tentativa de conservao da lngua, buscando mant-la
intacta abre espao para o preconceito lingstico dirigido s diversas formas de
fala que se distanciam da norma culta. Em relao a esse preconceito, pesquisas
diversas7 vm sendo realizadas, em escolas de ensino de nvel fundamental e mdio
e em universidades brasileiras, com o objetivo de contribuir para desfazer
7 Ver, por exemplo, os seguintes trabalhos: SANTOS, G. M. O. A linguagem do reggae: um espao deesteretipos e de preconceito lingstico. In: RAMOS, C. de M. A.; ROCHA, M. de F. S.; BEZERRA, J.de R. (Org.). A diversidade do portugus falado no Maranho; O Atlas lingstico do Maranho emfoco. So Lus: Edufma, 2006, p. 68-79; JOGAS, M. G.; GOMES, N. dos S. Adoniran Barbosa, odefensor involuntrio do combate ao preconceito lingstico. Disponvel em:. Acesso em: 20 jan. 2007; SCHERRE, M. M. P.Doa-se lindos filhotes de poodle: variao lingstica, mdia e preconceito. So Paulo: Parbola,2005.
http://www.filologia.org.br/soletras/
esteretipos ou para reduzir as suas dimenses.
Construda poltica e historicamente, essa concepo preconceituosa em
relao lngua est to fortemente impregnada na sociedade que, para muitos,
quem fala errado no deve ser respeitado, muito menos ouvido; se o indivduo no
domina a lngua padro deve confinar-se no silncio para evitar o cometimento de
desvios gramaticais. Por outro lado, o prprio falante, absorvendo e internalizando o
julgamento exterior coercitivo, acaba por assumir uma posio de inferioridade de
no saber falar bem. Evocando Foucault (2004, p. 218), embora este no se
referisse s manifestaes preconceituosas de qualquer espcie, e, sim, s formas
generalizadas de poder8, o controle que se exerce sem necessitar de armas,
violncias fsicas, coaes materiais terrvel, pois se infiltra na mente das pessoas
por meio de sutilezas engenhosas, quebrando-lhes toda forma de resistncia.
Essa problemtica no poderia ter sido expressa de forma mais bem
elaborada do que a fornecida por Foucault (p. 218) que, continuando, diz que
apenas um olhar sobre as pessoas, um olhar que vigia e que cada um, sentindo-o
pesar sobre si, acabar por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; sendo
assim, cada um exercer esta vigilncia sobre e contra si mesmo.
justamente nesse olhar sobre o Outro que o controle se estabelece, e isso
por um duplo vis: por um lado, o controle exercido pelo olhar crtico, destruidor, o
olhar de quem deseja definir, enquadrar e dominar; por outro lado, o olhar do prprio
sujeito, que, internalizando a tica do dominador, observa-se, vigia-se e termina por
resignar-se e enquadrar-se segundo essa viso exterior. Nesse sentido, Foucault
(op. cit, p. 218) refere-se ao olho do poder como a frmula maravilhosa: um poder
contnuo e de custo afinal de contas irrisrio. Efetivamente, esse tipo de controle
uma frmula maravilhosa, haja vista que o exerccio de um controle quase total, sem
a presena fsica de vigilantes, constitui-se em receita infalvel e econmica para o
sucesso dos interesses de quem deseja se manter no poder. Receita infalvel e
implacvel, com cada indivduo tornando-se o vigia de si prprio; na observncia dos
preceitos moralistas da sociedade em que vive, seu olhar pesar no sobre o outro,
mas principalmente sobre si mesmo.
Um bom exemplo de prestgio de uma lngua, atuante como elemento
8 Considera-se no presente trabalho que as manifestaes preconceituosas podem revestir-se de umdesejo de exercer o poder em relao a outrem, diferente de si, amoldando-o.
marcador de distines sociais, o francs que foi adotado na regio de Flandres na
parte setentrional da Blgica. Sabe-se que a histria desse pas foi marcada pelas
demandas flamengas em prol de direitos que se concentravam nas mos de elites
francfonas, tanto em Flandres, quanto na regio da Walnia, aps a independncia
do pas em 18309. As elites adotaram o francs por uma questo de prestgio; as
massas empobrecidas se comunicavam por dialetos flamengos, aparentados ao
holands. contradio social entre as classes se sobrepunha o desprezo
lingstico (DEMANT, 2005, p. 354). Nesse cenrio, a administrao e a vida
pblica eram conduzidas em francs [...] e somente a adoo dessa lngua abria
oportunidades de ascenso social aos flamengos (DEMANT, op. cit., p. 355).
Mas pode ocorrer tambm o prestgio de um dialeto em relao aos demais,
dentro da prpria lngua, como foi o caso do francs parisiense que reinou absoluto
a partir do apogeu econmico, poltico e social de Paris, em 1789, aps a Revoluo
Francesa. Esse dialeto possua tanto prestgio que passou a ser um fator de grande
influncia nas atitudes e prticas lingsticas da sociedade francesa (LANGACKER,
op. cit., p. 62-63) e inegvel a influncia que exerceu no mundo at meados do
sculo XX.
Assim, como naquela poca os franceses eram considerados uma classe
superior, os falantes ingleses que desejavam promoo social eram naturalmente
levados a aprender o francs. O uso de palavras francesas em conversaes
inglesas tornou-se uma prtica comum por causa do ar de prestgio que as
acompanhava. Na ordem inversa, os franceses no se sentiam pressionados a
dominar o ingls, o qual era, afinal, apenas a lngua das massas. (LANGACKER,
op. cit. p. 189). Para este autor, a imitao de um determinado grupo est
relacionada ao status, posio de destaque que este agrupamento possui em
relao sociedade em geral. Note-se que, atualmente, essa situao mudou
significativamente, sendo o ingls a lngua mais prestigiada, em decorrncia da
importncia poltico-econmica assumida, no incio pela Inglaterra e, em seguida,
pelos Estados Unidos.
Retomando o caso do Brasil e da lngua portuguesa, Bagno (2004, p. 73)
apresenta uma viso do preconceito lingstico, que, embora seja, por vezes, alvo de
crticas por seu carter algo extremista, no pode ser desconsiderada por tratar-se
9 Para maiores detalhes sobre a histria da Blgica e, sobretudo para maiores conhecimentos sobre adiviso lingstica e social que se instaurou nesse pas, ver o artigo de P. Demant (2005, p. 344-383).
de um dos autores atuais que mais se dedicam questo. Este autor apresenta um
crculo vicioso que, em sua tica, privilegia a propagao do preconceito. O crculo
composto por trs elementos: a gramtica tradicional, os mtodos tradicionais de
ensino e os livros didticos. Segundo ele, o crculo vicioso funciona a partir da
gramtica, na qual os professores se baseiam para ensinar os falantes nativos a
escrever e falar corretamente e essa prtica incita a indstria e o comrcio do livro
didtico a produzirem cada vez mais, reproduzindo sempre as mesmas concepes
preconceituosas. Bagno (2004, p. 76-7) menciona ainda um quarto elemento, que
ele denomina de comandos paragramaticais, a saber: todo esse arsenal de
livros, manuais de redao de empresas jornalsticas, programas de rdio e de
televiso, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, consultrios gramaticais [...].
Para ele, o que os comandos paragramaticais poderiam representar de utilidade
para quem tem dvidas na hora de falar ou escrever acaba se perdendo por trs da
espessa neblina de preconceito que envolve essas manifestaes da (multi)mdia.
Esse crculo s vai ser quebrado, de acordo com Bagno (2004, p. 105-118)
se, primeiro, houver um reconhecimento da crise no ensino de lngua portuguesa e,
segundo, uma mudana de atitude por parte dos falantes. No que se refere crise,
ele utiliza dados estatsticos para provar que o Brasil possui cerca de 20 milhes de
analfabetos com idade superior a quinze anos de idade, sem mencionar os
analfabetos funcionais; esses fatos se constituem, segundo o autor, numa prova do
fracasso do ensino gramaticalista. Para corroborar com sua idia de que a crise
uma coisa concreta, ele menciona que, de uma lista de 175 pases elaborada pela
ONU, nosso pas est em 93o. lugar em nvel de escolarizao, chegando a perder
para pases como a Etipia e a ndia. Ainda em relao crise, Bagno pensa que a
norma culta vista no como a lngua utilizada pelo povo e at mesmo pelos
intelectuais, mas como um ideal de uma lngua pautada nas opes estilsticas de
grandes escritores do passado, nas regras sintticas que mais se aproximem dos
modelos da gramtica latina (p. 108). No que tange mudana de atitude, o autor
enfatiza que as pessoas precisam parar de acreditar que brasileiro no sabe
portugus, que portugus muito difcil, que os habitantes da zona rural ou das
classes sociais mais baixas falam tudo errado, cada falante deve tomar
conscincia de que sabe usar a lngua verncula (p. 115).
Um dos elementos que pode contribuir para a chamada crise no ensino de
lngua materna, mencionada por Bagno (2004, p. 105), relaciona-se s aulas de
portugus propriamente, pois mesmo depois de tantos estudos e pesquisas
comprovando a ineficcia do ensino puramente gramatical, muitas escolas e
professores ainda continuam se apoiando em exerccios descontextualizados, em
nada ampliando a capacidade comunicativa do aluno, transformando o aprendiz em
um mero repetidor das velhas concepes acerca do estudo da lngua, inclusive as
preconceituosas.
A propsito, numa perspectiva histrica sobre o ensino voltado para aulas de
gramtica, Dutra (2004, p. 16) relata que a primeira gramtica do mundo ocidental,
escrita por Elio Antonio Nebrija, intitulada Gramtica castelhana, foi publicada em
1492 com a inteno de unificar a Pennsula Ibrica num verdadeiro imprio
espanhol, o que revela o carter poltico por trs de um ensino puramente
gramatical. Assim, o Estado substituiu as lnguas vernculas, por meio das quais o
povo expressava sua identidade e suas culturas locais, por uma lngua-padro
imposta, vinda de cima. A partir dessa imposio que o falante nativo perde o
controle de seu prprio idioma e passa a precisar da figura do professor para
aprender aquilo que ele j sabe (DUTRA, op. cit. p. 17).
Sob outra tica, a respeito da imposio da lngua-padro, Bechara (2005, p.
14) assinala que atualmente,
por um exagero de interpretao de liberdade e por um equvoco em suporque uma lngua ou uma modalidade imposta ao homem, chega-se aoabuso inverso de repudiar qualquer outra lngua funcional, que no sejaaquela coloquial, de uso espontneo na comunicao cotidiana.
Nesse mesmo direcionamento, alguns autores, tais quais Castilho e Possenti,
entre outros, j iniciaram pesquisas no intuito de dar lugar a cada modalidade da
lngua, j que um outro ponto que pode estar por trs do preconceito lingstico o
tratamento uniforme dado s modalidades falada e escrita. Sabe-se que essas duas
modalidades, apesar de pertencerem a um mesmo sistema, apresentam momentos
em que se distanciam uma da outra, principalmente pelo contexto especfico no qual
cada uma empregada. Todavia, para algumas pessoas, gramticos e professores
especialmente, a lngua encarada como se apresentasse apenas a modalidade
escrita, e todo o rigor que se utiliza na escrita deve ser transferido para a fala, j que
a escrita pressupe maior correo gramatical. Em relao a isso, Saussure (1995,
p. 34), explica que
Lngua e escrita so dois sistemas distintos de signos; a nica razo de ser
do segundo representar o primeiro; o objeto lingstico no se define pelacombinao da palavra escrita e da palavra falada; esta ltima, por si s,constitui tal objeto. Mas a palavra escrita se mistura to intimamente com apalavra falada, da qual a imagem, que acaba por usurpar-lhe o papelprincipal; terminamos por dar maior importncia representao do signovocal do que ao prprio signo. como se acreditssemos que, paraconhecer uma pessoa, melhor fosse contemplar-lhe a fotografia do que orosto.
Dessa forma, a escrita toma um lugar de maior prestgio, tendo em vista que
geralmente obedece aos preceitos da lngua padro, dialeto de maior status na
sociedade. Para explicar essa questo, Saussure (1995, p. 35-6) expe quatro
fatores fundamentais: primeiramente, a concretude da palavra escrita, tornando-se
para ns um objeto passvel de ser observado; por ser um objeto concreto, a
imagem torna-se a opo para se estudar uma lngua atravs dos tempos. Isso se
justifica, de certa forma, por no haver, poca, a tradio de se estudar os sons da
fala como algo concreto, como as gravaes dos sons, por exemplo; no h
registros orais de como o portugus era falado em outras pocas, a no ser a partir
de estudos mais atuais; em segundo lugar, para a maioria das pessoas mais fcil e
duradouro gravar as imagens grficas do que as acsticas; em terceiro, o que
aumenta ainda mais o prestgio da escrita a utilizao da lngua literria como
exemplificao de norma culta, pois geralmente a norma padro mais observada
pelos escritores, principalmente os clssicos. Observa-se, a esse respeito, que
muitas gramticas ainda hoje se apiam na exemplificao da lngua por meio de
fragmentos textuais do sculo passado, enfatizando a lngua dos escritores clssicos
como a correta, esquecendo-se de que a lngua utilizada por eles era eficiente na
comunicao daquele contexto e, devido ao tempo decorrido, certamente hoje j no
atende comunicao dos falantes do portugus atual; so prticas dessa natureza
que reforam a idia de que a lngua algo esttico. O quarto fator apresentado por
Saussure a respeito da supremacia da escrita refere-se questo do desacordo
entre lngua e ortografia, isto , a fala diferente da escrita, tanto uma quanto a
outra devem obedecer aos critrios prprios da situao lingstica.
Conforme Mattoso Cmara (1991, p. 19) os professores partem da iluso de
que, ensinando [a escrita], esto ao mesmo tempo ensinando uma fala satisfatria,
da a concepo de que a gramtica normativa privilegia a arte de bem falar e
escrever corretamente:
H com isso uma tremenda iluso. A lngua escrita se manifesta em
condies muito diversas da lngua oral. Por isso, tantos estudantespsiquicamente normais, que falam bem, e at com exuberncia eeloqncia, no intercmbio de todos os dias, so desoladores quando selhes pe um lpis ou uma caneta na mo. A fala se desdobra numa situaoconcreta, sob o estmulo de um falante ou vrios falantes outros, bemindividualizados. Uma e outra coisa desaparecem da lngua escrita. J a setem uma primeira e profunda diferena entre os dois tipos de comunicaolingstica (CMARA JNIOR, 1991, p. 19-20).
Com efeito, na escola antiga, segundo Bechara (2005, p. 14),
[...] o professor cometia o erro de entender como a lngua aquelamodalidade culta literria ou no refletida no cdigo escrito ou na prticaoral que lhe seguia o modelo, de todo repudiando aquele saber lingsticoaprendido em casa, intuitivamente, transferido de pais a filhos.
Atualmente, nota-se a preocupao dos pesquisadores em observar as
particularidades da escrita e da fala, tanto que Castilho vem, h alguns anos e
juntamente com outros estudiosos, publicando trabalhos que versam sobre a
gramtica do portugus falado10. As duas prticas escrita e oralidade andam
juntas nas sociedades letradas, devendo esse fato servir de parmetro para que no
se justifique a posio superior de uma ou de outra, pois ambas so utilizadas em
diferentes contextos e de acordo com as necessidades comunicativas do usurio.
Para Fvero (2005, p. 69) preciso lembrar que estamos trabalhando com duas
modalidades pertencentes ao mesmo sistema lingstico: o sistema da lngua
portuguesa. No mesmo sentido, para Marcuschi (2001, p. 16-7), no h que se
atribuir oralidade e escrita uma dicotomia, mas enxergar nelas duas prticas
sociais, visto que atualmente predomina
a posio de que se deve conceber oralidade e letramento como atividadesinterativas e complementares no contexto das prticas sociais e culturais.[...]Oralidade e escrita so prticas e usos da lngua com caractersticasprprias, mas no suficientemente opostas para caracterizar dois sistemaslingsticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construo de textoscoesos e coerentes, ambas permitem a elaborao de raciocnios abstratose exposies formais e informais [...]
Sendo assim, nota-se que tal como a escrita, a oralidade apresenta textos
coerentes, mesmo sob o aparente caos que se observa ao comparar as duas
10 A gramtica do portugus falado um grupo de estudos criado em 1988, pelo Prof. Dr. AtalibaTeixeira de Castilho. Dentre os pesquisadores desse grupo, encontram-se nomes como os de SrioPossenti, Rodolfo Ilari, Yonne de Freitas Leite, Ingedore Koch, Luiz Carlos Cagliari, e tantos outros.
prticas de maneira descontextualizada. O que se entende que a imposio de
uma lngua-padro, desta maneira, curva-se, segundo alguns11, aos interesses
daqueles que querem continuar manipulando os indivduos e se perpetuar no poder;
explica-se isso pelo fato do ensino exclusivo da gramtica no fazer do aluno um
sujeito habilidoso, tanto no que se refere s formas de expressar-se, quanto no que
se refere s formas de apreenso do mundo, ambas de fundamental importncia
para o posicionamento e reflexo crtica face s questes que se lhe apresentarem.
A escravatura s meras correes gramaticais, sem um enfoque mais amplo, com a
preocupao nica da forma em detrimento do contedo, empobrece,
evidentemente, as competncias12 dos sujeitos, fragilizando-os diante de uma
sociedade altamente competitiva.
Dessa forma, os estudos mais recentes convergem para o fato que a escola
no deve, evidentemente, abandonar o ensino da lngua padro; de fato, a idia do
abandono da lngua padro bastante equivocada. Deve-se ensinar a norma culta
como o dialeto que os alunos ainda no dominam, sendo esse, alis, um dos
motivos que os levam a freqentar a escola. Segundo Possenti (2005, p. 19), o ser
humano, em especial a criana, aprende qualquer dialeto, qualquer lngua, desde
que tenha, sistematicamente, contato com os mesmos. A norma culta ser uma
possibilidade a mais de comunicao, til nas suas relaes sociais, dentro das
quais haver momentos em que a lngua padro dever ser utilizada, em especial no
tocante aos textos escritos. Assim, o objetivo da escola ensinar o portugus
padro, ou, no mnimo, o de criar condies para que ele seja aprendido. Qualquer
outra hiptese um equvoco poltico e pedaggico (p. 17). Nessa perspectiva, o
que deve ser feito uma mudana em relao ao ensino da lngua materna, um
questionamento sobre o que ensinado e a quem. Pensar que as camadas
populares no so capazes de aprender o dialeto padro permanecer em
concepes preconceituosas e sem nenhum fundamento cientfico.
De outro modo, deve-se ter em mente que o ensino do padro de uma lngua
s se constitui em violncia se o professor ignora a existncia de outras variedades,
impondo a norma culta como a nica existente na lngua, e isso, como j se
comentou anteriormente, no se constitui na realidade de nenhuma lngua falada no
11 Ver sobre esse assunto: POSSENTI, Srio. O poltico nas gramticas. In: GERALDI, JooWanderley (org.). O texto na sala de aula. 3. ed. So Paulo: tica, 2005; GNERRE, Maurizio.Linguagem, escrita e poder. 4. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003.12 Esse termo aqui utilizado em sentido amplo.
mundo. Possenti (2005, p. 18) explica que um equvoco deixar de perceber que
os menos favorecidos socialmente s tm a ganhar com o domnio de outra forma
de falar e de escrever, desde que se aceite que a mesma lngua possa servir a mais
de uma ideologia, a mais de uma funo. Portanto, o ideal seria a escola buscar
desvencilhar-se de um ensino gramaticalista alienador, construdo historicamente e
que ignora a variabilidade inerente a todas as lnguas. Bechara (2005, p. 54) afirma
que a gramtica escolar tem incorporado da Lingstica e mais precisamente da
Scio-Lingstica vrias renovaes, entre as quais
a certeza de que a lngua comporta, alm dos dialetos regionais (ouvariedades diatpicas), os dialetos sociais (ou variedades diastrticas), demodo que no se pode pensar que a realizao idiomtica s se faa ou sse possa fazer na modalidade culta, postergando de todo a modalidadecoloquial, a lngua transmitida de pais a filhos. Fez-se, ainda, a diferenaentre lngua escrita e lngua oral, e prestou-se ateno a que a lngualiterria se pauta eminentemente na utilizao de recursos idiomticos parafins estticos.
Finalmente, ao falar-se em norma culta, deve-se ter em mente a coexistncia
de outras normas; deve-se, sobretudo, observar que a norma padro no melhor
nem pior que as outras variedades, constituindo-se apenas em mais uma
disposio do usurio para ser utilizada de acordo com as exigncias do contexto
scio-comunicativo. Os falantes precisam aprender a lngua padro a fim de
empreg-la nos contextos que a exigem, principalmente o aluno, que precisar
utiliz-la no s nas escolas e universidades, como tambm na sua vida profissional
e social; o padro de qualquer lngua deve ser utilizado a favor do usurio e no
como elemento de excluso social.
1.2 Mudanas lingsticas e formas estigmatizadas
A lngua possui, conforme discutido no item 1.1, uma ampla diversidade de
variantes; essa multiplicidade de opes de uso lingstico abre espao para a
efetivao de mudanas no interior de um sistema. Sabe-se que as mudanas
lingsticas esto diretamente associadas ao fenmeno da variao, o que no
significa dizer que toda variao lingstica implica sempre mudana, todavia
qualquer mudana lingstica provm da variao (Cf. TARALLO, 1999, p. 63;
WERINREICH, LABOV e HERZOG, 2006, p. 126). Nota-se que a maioria das
variantes lingsticas coexistentes num dado sistema so formas estigmatizadas no
meio social, pois esto relacionadas, como j foi visto no item anterior, posio que
cada indivduo ocupa dentro de uma comunidade.
Na viso de Langacker (1972, p. 185) todas as lnguas so produto de
mudana e continuam a mudar durante todo o tempo em que so faladas, mas
como as mudanas so bastante pequenas ou bastante gradativas a ponto de
serem imperceptveis, no so percebidas de imediato, o que ocorrer na
comparao de longos perodos decorridos.
Tratando-se de um assunto to complexo como a mudana lingstica,
natural o surgimento de muitas teorias para tentar explicar esse fenmeno da
linguagem humana. Monteiro (2002, p. 110-120) apresenta, de forma resumida, as
hipteses que tiveram uma certa repercusso, dentre as quais a lei do menor
esforo, a influncia do substrato, a herana gentica, a influncia climtica, os
condicionamentos culturais, a mudana de gerao, a hiptese funcional, a hiptese
intralingstica, a teoria das ondas, a difuso lexical, a regularidade da mudana, a
teoria da inovao ativa e a resistncia mudana. Percebe-se, em unssono com o
autor, dentre essas teorias, algumas fantasiosas, e outras, at certo ponto,
sedutoras; o que acontece, do ponto de vista geral, que a falta de bases
empricas constitui um obstculo srio para se aceit-las (Id. ibid., p. 110).
Ao explicar como se processa a mudana, Labov (1976, p. 190, apud Calvet,
2004, p. 87) escreve que ela
[...] se reduz a uma variao, entre milhares de outras, no discurso dealgumas pessoas. Depois ela se propaga e passa a ser adotada por tantosfalantes que doravante se ope frontalmente antiga forma. Por fim, ela serealiza e alcana a regularidade pela eliminao das formas rivais.
De maneira anloga, Aitchison (1993, p. 159) escreve que a mudana
lingstica comea quando sua difuso ocorre de pessoa para pessoa e as
alternativas encontram-se disponveis na forma de falar de outras pessoas e so
gradualmente copiadas e/ou alteradas para substiturem a pronncia existente. No
que diz respeito s trs etapas mencionadas por Labov, cabe dizer que elas esto
associadas, retomando a discusso do item anterior, aos fatores internos e externos
responsveis pela ocorrncia da mudana lingstica; partindo-se dessa premissa,
as anlises no podem basear-se em explicaes confinadas a um ou outro
aspecto, no importa o quo bem construdas, pois certamente falharo em
explicar o rico volume de regularidades que pode ser observado nos estudos
empricos do comportamento lingstico. (WEINREICH; LABOV e HERZOG, 2006,
p. 126).
No que tange aos aspectos puramente lingsticos, as mudanas so
perceptveis em todos os nveis: lexical, semntico, sinttico e fonolgico; no nvel
lexical que a mudana interna ocorre com mais freqncia e simplicidade, perdendo-
se ou ganhando-se novas unidades lexicais, sem grandes complicaes para o
sistema lingstico; a complexidade se d nas mudanas de regras, porque tais
mudanas no se limitam ao significado de um lxico, mas relacionam-se a classes
inteiras de unidades lexicais, visto que as regras se aplicam a toda a estrutura,
afetando o sistema sinttico e o fonolgico (LANGACKER, 1972, p. 191).
No que concerne os elementos extralingsticos, a influncia de outras
lnguas uma das causas para a efetivao do processo de mudana. Os
emprstimos so considerados muito comuns em todas as lnguas, e tanto podem
ser lexicais como sintticos e fonolgicos; no mbito lexical, Langacker (Op. cit., p.
185) utiliza como exemplo a palavra patio que foi incorporada ao ingls devido ao
fato de alguns usurios terem entrado em contato com esta palavra do espanhol,
atribuindo-lhe significado semelhante.
Tome-se como exemplo, em lngua portuguesa, a palavra deletar13, um
emprstimo da lngua inglesa que mantm essencialmente o mesmo significado na
passagem para o portugus. Cabe, contudo, ressaltar que as mudanas causadas
por influncia de lngua estrangeira no resultam em formas estigmatizadas, pelo
contrrio, gozam de alto prestgio social, principalmente quando os itens
importados pertencem a lnguas cujos pases tm certa relevncia econmica.
Retomando Langacker, no se sabe ao certo o quanto os emprstimos
sintticos e fonolgicos influenciam na sintaxe e na fonologia de uma lngua, o que
se sabe que essa influncia existe, ocorrendo em menor freqncia do que os
emprstimos lexicais. Como exemplo, o autor menciona algumas lnguas da
pennsula dos Balkans, como o albans e o blgaro, que se assemelham
sintaticamente pelo uso restrito de oraes infinitivas. No que se refere ao
emprstimo fonolgico, Langacker apresenta como exemplo o fato de algumas
lnguas indgenas americanas apresentarem consoantes glotalizadas, e a explicao
mais plausvel parece ser o fato de a glotalizao ter-se difundido entre as tribos da
rea atravs do emprstimo (Op. cit., p. 186-187).
Conforme Mattoso Cmara (2000, p. 173), uma lngua est sempre mudando,
num processo contnuo e inevitvel; essas mudanas comeam a se efetivar a partir
das mudanas divergentes de uma lngua, de regio para regio, num territrio
dado, as quais servem de referncia para se dividir a lngua em dialetos. Para
esse autor, a diviso da lngua em dialetos pode resultar em mudanas lingsticas,
tanto que o romano lusitnico uma diviso dialetal do romano da pennsula
ibrica, e, em seguida, o protoportugus uma nova lngua em face de outras como
o castelhano e o catalo, na mesma pennsula e, igualmente, resultantes de
conjuntos de mudanas no latim.
De modo semelhante, Callou e Leite (2003, p. 98) explicam que as mudanas
tm origem na generalizao de uma forma particular dentro de um determinado
subgrupo de uma comunidade lingstica; sincronicamente, o uso de variantes em
decorrncia da idade constitui um indcio de mudana lingstica.
Segundo Dubois et al (2006, p. 423), a mudana sem dvida o carter mais
importante da linguagem, visto que nenhuma lngua permanece uniforme no
13 Do ingls to delete+ar: vtd Inform. Apagar, remover, cancelar, destruir (MICHAELIS, 1998, p. 649). importante observar, porm, que a palavra deletar tem suas razes no latim delere (apagar) emigrou do francs para o ingls no sculo XV. Com o advento da informtica, a palavra incorporadaao lxico portugus por meio da lngua inglesa.
decorrer do tempo e dentro do espao geogrfico no qual falada. Estudos
lingsticos do conta de que em duas pocas dadas, constata-se que uma palavra,
ou uma parte de palavra, ou processo morfolgico, no se apresentam da mesma
forma, corroborando com a tese do carter mutante inerente a todas as lnguas.
Especificamente sobre mudana geogrfica, esses autores consideram que a
mesma pode ser verificada em toda parte, em todo lugar, desde que a ateno seja
voltada para a lngua falada, para a pronncia das palavras, tendo-se em vista que
as mudanas ocorrem primeiramente na modalidade oral, por ser a escrita mais
conservadora e lenta na incorporao das mudanas. Alm das mudanas
geogrficas, estes autores mencionam as mudanas fonticas, as fonolgicas, e as
analgicas.
As mudanas fonticas ou alteraes fonticas so as modificaes rpidas
ou lentas que sofrem os sons de uma lngua no decorrer de sua histria (DUBOIS et
al, 2006, p. 423). Essas pequenas mudanas so transformaes simples ocorridas
no hbito de pronunciar certos fonemas, o que no acarreta uma transformao na
estrutura dos vocbulos da lngua.
J as mudanas fnicas (fonolgicas) alteram a estrutura fonemtica da
lngua pelo desaparecimento e/ou aparecimento de um ou mais fonemas (DUBOIS
et al, 2006, p. 423). Assim, sendo a estrutura inteira afetada, a produo de um
determinado fonema no vai se restringir a um vocbulo, e sim a todo o lxico da
lngua. Para exemplificar a diferena entre mudanas fonticas e fonolgicas, os
autores recorrem ao ingls e ao francs, ambos nas fases arcaica e moderna.
Assim, a passagem das vogais longas do ingls arcaico a ditongos (stan [sta:n]
stone [stown]) no ingls moderno constitui uma mudana fontica. Inversamente, a
passagem das africadas do francs arcaico [ts], [dz] a fricativas [s], [z] em francs
moderno corresponde a uma mudana fnica, pois acarretou o desaparecimento de
dois fonemas [ts] e [dz] e a homonmia de palavras como cire, cera, e sire, senhor
(Op. cit., p. 423-424).
Quanto mudana analgica, trata-se de uma transformao que no
regular e s ocorre em certas situaes a certas unidades dadas, por exemplo, se
um determinado falante da lngua francesa esquecer a regra particular dos plurais
franceses em aux e usar a forma les chevals, isso no significa que haver uma
generalizao desse uso (DUBOIS et al, 2006, p. 423).
Segundo Mattoso Cmara (2000, p. 154), a partir do sculo XIX passou-se a
usar a nomenclatura leis fonticas14 para referir-se s mudanas fonolgicas; o
termo surge tomando-se por base as cincias fsicas. Este autor considera
imprprio o cotejo, uma vez que as mudanas fonolgicas s so percebidas em
determinada lngua [...] e ainda assim em determinada poca [...], restritas no tempo
e no espao, o que se ope frontalmente s leis da fsica, que so princpios gerais
da natureza. Zauner (Apud Coutinho, 2005, p. 134), estabelece uma separao
entre leis fonticas e leis naturais; enquanto as leis fonticas esto condicionadas
ao tempo e ao espao, nas quais as alteraes nos fonemas se do de igual modo
quando se encontram em idntico meio e circunstncia, as leis naturais so
eternas e universais.
Por sua vez, Coutinho (2005, p. 134) afirma que os antigos gramticos no
concordam com a expresso leis fonticas, j que elas no explicam todos os
fenmenos e, portanto, no tm o carter de lei, sendo mais apropriado o termo
tendncias.
Cmara Jnior (op. cit., p. 15