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O Cavaleiro da Dinamarca
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A Dinamarca fica no Norte da Europa. Ali os Invernos são
longos e rigorosos com noites muito compridas e dias curtos, pálidos
e gelados. A neve cobre a terra e os telhados, os rios gelam, os
pássaros emigram para os países do sul à procura de sol, as árvores
perdem as suas folhas. Só os pinheiros continuam verdes no meio das
florestas geladas e despidas. Só eles, com os seus ramos cobertos por
finas agulhas duras e brilhantes, parecem vivos no meio do grande
silêncio imóvel e branco.
Há muitos anos, há dezenas de anos e centenas de anos, havia
um certo lugar da Dinamarca, no extremo Norte do país, perto do
mar, uma grande floresta de pinheiros, tílias, abetos e carvalhos.
Nessa floresta morava com a sua família um Cavaleiro. Viviam numa
casa construída numa clareira rodeada de bétulas. E em frente da
porta da casa havia um grande pinheiro que era a árvore mais alta da
floresta.
Na Primavera as bétulas cobriam-se de jovens folhas, leves e
claras, que estremeciam à menor aragem. Então a neve desaparecia
e o degelo soltava as águas do rio que corria ali perto e cuja corrente
recomeçava a cantar noite e dia entre ervas, musgos e pedras.
Depois a floresta enchia-se de cogumelos e morangos selvagens.
Então os pássaros voltavam do Sul, o chão cobria-se de flores e os
esquilos saltavam de árvore em árvore. O ar povoa-se de vozes e de
abelhas e a brisa sussurrava nas aragens.
Nas manhãs de Verão verdes e doiradas, as crianças saíam
muito cedo, com um cesto de vime enfiado no braço esquerdo iam
colher flores, morangos, amoras, cogumelos. Teciam grinaldas que
poisavam nos cabelos ou que punham a flutuar no rio. E dançavam e
cantavam nas relvas finas sob a sombra luminosa e trémula dos
carvalhos e das tílias. Passado o Verão o vento de Outubro despia os
arvoredos, voltava o Inverno, e de novo a floresta ficava imóvel e
muda presa em seus vestidos de neve e gelo.
Páginas 5, 6, 7, 8.
PROPOSTA DE ANÁLISE
Nas primeiras páginas da obra, Sophia situa a acção no espaço
– Dinamarca – mais especificamente na floresta, onde se situa a casa
do Cavaleiro, personagem principal. A floresta vai constituir um
espaço primordial para a acção, pois é aí na parte final que o herói vai
enfrentar os últimos obstáculos e atingir o seu objectivo – estar com a
família na noite de Natal. A floresta, símbolo de angústia, de opressão
vai ser representada por uma natureza agreste e frígida do Inverno,
que vai ser ultrapassada pelo aparecimento do pinheiro, símbolo de
força e de vida.
Convém referir que a floresta do Cavaleiro passa por vários
estádios da vida, associados às quatro estações. Estações estas que
também serviram de mote ao compositor António Vivaldi, que, como
outros compositores, procurou evocar a Natureza através da música.
Na 4ª parte das Quatro Estações de Vivaldi - o Inverno, os
primeiros acordes da orquestra baseados em acordes dissonantes
mostram a queda da neve e o frio do Inverno, que são descritos por
Sophia nos dois primeiros parágrafos da obra. A música, através do
violino, em escalas descendentes e arpejos, anunciam a neve que
chega e que, segundo o texto, vai cobrir a terra e os telhados,
deixando apenas as cores branco para a dita neve e verde dos
pinheiros que permanecem vivos no meio de uma Natureza silenciosa
e muda. A orquestra acompanha o violonista marcando a harmonia e
o ritmo, imitando o vento frio e arrepiante que gela os rios, afasta os
pássaros ávidos de calor e sol e desnuda as árvores, apenas
conservando os majestosos pinheiros com as suas agulhas duras e
brilhantes. Essa harmonia e ritmo, no texto, revelam-se através do
uso do adjectivo, muitas das vezes empregue num recurso estilístico
de dupla adjectivação, e do advérbio com valor locativo e de
exclusividade. O vento sopra nas palavras utilizadas por Sophia
quando descreve os Invernos, nas primeiras linhas, com uma
aliteração em “s”, denunciando o som do vento sibilante e agreste
nesta estação do ano. Para além disto a autora conjuga e faz tocar
todos os sentidos numa sinestesia no final do primeiro parágrafo:
“grande silêncio imóvel e branco”.
A Primavera em Vivaldi inicia-se como alegre melodia
interpretada pelos violinos mostrando o despertar, o renascer da
Natureza. Também Sophia, no texto, apelando às sensações,
evidencia uma natureza que se cobre de folhas leves, frágeis, a
estremecer à menor aragem. Nas Quatro Estações, 1ª parte – a
Primavera – notamos uma ascensão progressiva da luminosidade
para descrever o nascimento de uma natureza transbordante de vida,
daí que o ambiente esteja inundado por luz e cor; aspectos revelados
no texto em análise através da evolução da paleta de cores, que
deixa de ser baça, cinzenta para rejubilar em cores vivas e alegres
como o vermelho e o verde vivo. Este crescendo de vida, visível no
degelo dos rios, na floresta a encher-se de frutos, no regresso dos
pássaros, no ar povoado de vozes, nas abelhas domina inteiramente
o terceiro parágrafo da obra.
O Verão já aparece com outro ritmo no compositor, ou seja,
com breves motivos realizados pela orquestra separados entre si por
silêncios, que parecem evocar a respiração lenta e profunda, não
esquecendo as escalas descendentes nos violinos, continuadas pelas
violas e baixos, e repetidas em tom mais alto evocando um ambiente
relaxante e silencioso. Estas sensações são aproveitadas no texto
através da meticulosa selecção de cores quentes “manhãs de Verão
verdes e douradas” e “morangos, amoras”. A escritora acrescenta um
ambiente festivo através da dança e do canto que Vivaldi prefere
tocar a solo no trecho do lamento do jovem camponês. Todavia, entre
eles, permanece o desejo de atribuir alguma inocência da juventude a
esta estação, focando no texto as crianças e na peça musical o
jovem.
Na 3ª parte – o Outono -, Vivaldi inicia com a orquestra a
interpretar uma bela e simples melodia de carácter dançante. Da
mesma forma, podemos visualizar esta dança através do vento de
Outubro que despe freneticamente os arvoredos para, de novo, a
Natureza cair num adormecimento profundo. A Natureza fica com as
suas cores esbatidas, mergulhando na hibernação da terra.
Tal como Vivaldi, assim Sophia desejou mostrar o Ciclo da
Natureza que será regulador do tempo da acção principal do
Cavaleiro da Dinamarca, tempo este também associado aos lugares
primordiais da vida do Cavaleiro.