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A Dinamarca fica no Norte da Europa. Ali os Invernos são longos e rigorosos com noites muito compridas e dias curtos, pálidos e gelados. A neve cobre a terra e os telhados, os rios gelam, os pássaros emigram para os países do sul à procura de sol, as árvores perdem as suas folhas. Só os pinheiros continuam verdes no meio das florestas geladas e despidas. Só eles, com os seus ramos cobertos por finas agulhas duras e brilhantes, parecem vivos no meio do grande silêncio imóvel e branco. Há muitos anos, há dezenas de anos e centenas de anos, havia um certo lugar da Dinamarca, no extremo Norte do país, perto do mar, uma grande floresta de pinheiros, tílias, abetos e carvalhos. Nessa floresta morava com a sua família um Cavaleiro. Viviam numa casa construída numa clareira rodeada de bétulas. E em frente da porta da casa havia um grande pinheiro que era a árvore mais alta da floresta. Na Primavera as bétulas cobriam-se de jovens folhas, leves e claras, que estremeciam à menor aragem. Então a neve desaparecia e o degelo soltava as águas do rio que corria ali perto e cuja corrente recomeçava a cantar noite e dia entre ervas, musgos e pedras. Depois a floresta enchia-se de cogumelos e morangos selvagens. Então os pássaros voltavam do Sul, o chão cobria-se de flores e os esquilos saltavam de árvore em árvore. O ar povoa-se de vozes e de abelhas e a brisa sussurrava nas aragens.

A Dinamarca Fica No Norte Da Europa

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O Cavaleiro da Dinamarca

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Page 1: A Dinamarca Fica No Norte Da Europa

    

A Dinamarca fica no Norte da Europa. Ali os Invernos são

longos e rigorosos com noites muito compridas e dias curtos, pálidos

e gelados. A neve cobre a terra e os telhados, os rios gelam, os

pássaros emigram para os países do sul à procura de sol, as árvores

perdem as suas folhas. Só os pinheiros continuam verdes no meio das

florestas geladas e despidas. Só eles, com os seus ramos cobertos por

finas agulhas duras e brilhantes, parecem vivos no meio do grande

silêncio imóvel e branco.

Há muitos anos, há dezenas de anos e centenas de anos, havia

um certo lugar da Dinamarca, no extremo Norte do país, perto do

mar, uma grande floresta de pinheiros, tílias, abetos e carvalhos.

Nessa floresta morava com a sua família um Cavaleiro. Viviam numa

casa construída numa clareira rodeada de bétulas. E em frente da

porta da casa havia um grande pinheiro que era a árvore mais alta da

floresta.

Na Primavera as bétulas cobriam-se de jovens folhas, leves e

claras, que estremeciam à menor aragem. Então a neve desaparecia

e o degelo soltava as águas do rio que corria ali perto e cuja corrente

recomeçava a cantar noite e dia entre ervas, musgos e pedras.

Depois a floresta enchia-se de cogumelos e morangos selvagens.

Então os pássaros voltavam do Sul, o chão cobria-se de flores e os

esquilos saltavam de árvore em árvore. O ar povoa-se de vozes e de

abelhas e a brisa sussurrava nas aragens.

Nas manhãs de Verão verdes e doiradas, as crianças saíam

muito cedo, com um cesto de vime enfiado no braço esquerdo iam

colher flores, morangos, amoras, cogumelos. Teciam grinaldas que

poisavam nos cabelos ou que punham a flutuar no rio. E dançavam e

cantavam nas relvas finas sob a sombra luminosa e trémula dos

carvalhos e das tílias. Passado o Verão o vento de Outubro despia os

arvoredos, voltava o Inverno, e de novo a floresta ficava imóvel e

muda presa em seus vestidos de neve e gelo.

Page 2: A Dinamarca Fica No Norte Da Europa

 

Páginas 5, 6, 7, 8.

PROPOSTA DE ANÁLISE

 

Nas primeiras páginas da obra, Sophia situa a acção no espaço

– Dinamarca – mais especificamente na floresta, onde se situa a casa

do Cavaleiro, personagem principal. A floresta vai constituir um

espaço primordial para a acção, pois é aí na parte final que o herói vai

enfrentar os últimos obstáculos e atingir o seu objectivo – estar com a

família na noite de Natal. A floresta, símbolo de angústia, de opressão

vai ser representada por uma natureza agreste e frígida do Inverno,

que vai ser ultrapassada pelo aparecimento do pinheiro, símbolo de

força e de vida.

Convém referir que a floresta do Cavaleiro passa por vários

estádios da vida, associados às quatro estações. Estações estas que

também serviram de mote ao compositor António Vivaldi, que, como

outros compositores, procurou evocar a Natureza através da música.

Na 4ª parte das Quatro Estações de Vivaldi - o Inverno, os

primeiros acordes da orquestra baseados em acordes dissonantes

mostram a queda da neve e o frio do Inverno, que são descritos por

Sophia nos dois primeiros parágrafos da obra. A música, através do

violino, em escalas descendentes e arpejos, anunciam a neve que

chega e que, segundo o texto, vai cobrir a terra e os telhados,

deixando apenas as cores branco para a dita neve e verde dos

pinheiros que permanecem vivos no meio de uma Natureza silenciosa

e muda. A orquestra acompanha o violonista marcando a harmonia e

o ritmo, imitando o vento frio e arrepiante que gela os rios, afasta os

pássaros ávidos de calor e sol e desnuda as árvores, apenas

conservando os majestosos pinheiros com as suas agulhas duras e

brilhantes. Essa harmonia e ritmo, no texto, revelam-se através do

uso do adjectivo, muitas das vezes empregue num recurso estilístico

de dupla adjectivação, e do advérbio com valor locativo e de

exclusividade. O vento sopra nas palavras utilizadas por Sophia

Page 3: A Dinamarca Fica No Norte Da Europa

quando descreve os Invernos, nas primeiras linhas, com uma

aliteração em “s”, denunciando o som do vento sibilante e agreste

nesta estação do ano. Para além disto a autora conjuga e faz tocar

todos os sentidos numa sinestesia no final do primeiro parágrafo:

“grande silêncio imóvel e branco”.

A Primavera em Vivaldi inicia-se como alegre melodia

interpretada pelos violinos mostrando o despertar, o renascer da

Natureza. Também Sophia, no texto, apelando às sensações,

evidencia uma natureza que se cobre de folhas leves, frágeis, a

estremecer à menor aragem. Nas Quatro Estações, 1ª parte – a

Primavera – notamos uma ascensão progressiva da luminosidade

para descrever o nascimento de uma natureza transbordante de vida,

daí que o ambiente esteja inundado por luz e cor; aspectos revelados

no texto em análise através da evolução da paleta de cores, que

deixa de ser baça, cinzenta para rejubilar em cores vivas e alegres

como o vermelho e o verde vivo. Este crescendo de vida, visível no

degelo dos rios, na floresta a encher-se de frutos, no regresso dos

pássaros, no ar povoado de vozes, nas abelhas domina inteiramente

o terceiro parágrafo da obra.

O Verão já aparece com outro ritmo no compositor, ou seja,

com breves motivos realizados pela orquestra separados entre si por

silêncios, que parecem evocar a respiração lenta e profunda, não

esquecendo as escalas descendentes nos violinos, continuadas pelas

violas e baixos, e repetidas em tom mais alto evocando um ambiente

relaxante e silencioso. Estas sensações são aproveitadas no texto

através da meticulosa selecção de cores quentes “manhãs de Verão

verdes e douradas” e “morangos, amoras”. A escritora acrescenta um

ambiente festivo através da dança e do canto que Vivaldi prefere

tocar a solo no trecho do lamento do jovem camponês. Todavia, entre

eles, permanece o desejo de atribuir alguma inocência da juventude a

esta estação, focando no texto as crianças e na peça musical o

jovem.

Page 4: A Dinamarca Fica No Norte Da Europa

Na 3ª parte – o Outono -, Vivaldi inicia com a orquestra a

interpretar uma bela e simples melodia de carácter dançante. Da

mesma forma, podemos visualizar esta dança através do vento de

Outubro que despe freneticamente os arvoredos para, de novo, a

Natureza cair num adormecimento profundo. A Natureza fica com as

suas cores esbatidas, mergulhando na hibernação da terra.

Tal como Vivaldi, assim Sophia desejou mostrar o Ciclo da

Natureza que será regulador do tempo da acção principal do

Cavaleiro da Dinamarca, tempo este também associado aos lugares

primordiais da vida do Cavaleiro.