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A DITADURA QUE MUDOU O BRASIL - 50 Anos Do Golpe de 1964 - Daniel Aarao Reis

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    aniel Aaro Reis

    arcelo Ridenti

    odrigo Patto S Motta

    rganizadores)

    A ditadura que mudou o Brasil

    anos do golpe de 1964

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    umrio

    resentao

    A ditadura faz cinquenta anos: histria e cultura poltica nacional-estatista

    Daniel Aaro Reis

    As oposies ditadura: resistncia e integrao

    Marcelo Ridenti

    A modernizao autoritrio-conservadora nas universidades e a influncia da cultura

    poltica

    Rodrigo Patto S Motta

    Mudanas sociais no perodo militar (1964-1985)Francisco Vidal Luna e Herbert S. Klein

    Transformaes econmicas no perodo militar (1964-1985)

    Francisco Vidal Luna e Herbert S. Klein

    Revisitando o tempo dos militares

    Renato Ortiz

    Para onde foi o novo sindicalismo? Caminhos e descaminhos de uma prtica sindical

    Ricardo Antunes e Marco Aurlio Santana

    A grande rebelio: os marinheiros de 1964 por outros faris

    Anderson da Silva Almeida

    O aparato repressivo: da arquitetura ao desmantelamento

    Mariana Joffily

    A Anistia de 1979 e seus significados, ontem e hoje

    Carla Simone Rodeghero

    Por que lembrar? A memria coletiva sobre o governo Mdici e a ditadura em Bag

    Janana Martins Cordeiro

    O engajamento, entre a inteno e o gesto: o campo teatral brasileiro durante a ditadu

    militar

    Miriam Hermeto

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    Poltica externa do Brasil: continuidade em meio descontinuidade, de 1961 a 2011

    Miriam Gomes Saraiva e Tullo Vigevani

    tas

    ferncias bibliogrficas

    bre os autores

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    presentao

    momento em que se completa o cinquentenrio do golpe de 1964, as condies so propciaslises menos afetadas pelo calor dos acontecimentos. A distncia no tempo favorece um olhar altico e menos passional, ainda que interessado politicamente e compromissado com o rep

    olncia e ao autoritarismo.Em que pese essa constatao sobre o distanciamento temporal, os temas relacionados ao

    ditadura continuam plenos de atualidade, de vez que alguns aspectos de seu legado seguemerpelando e permanecem espera de solues satisfatrias: o autoritarismo que continpregnar certas relaes sociais; a democratizao incompleta do Estado e da sociedade, parteda incapaz de exercer a cidadania plena; os nveis elevados de violncia social e policial quolam; as desigualdades sociais (de renda, educao, acesso Justia) extremas que acterizam a paisagem brasileira. Seria um equvoco atribuir ditadura a responsabilidadegimento de tais problemas. Eles fazem parte das estruturas da nossa sociedade h muito tempoanto, o golpe interrompeu um processo poltico que poderia ter levado ao enfrentamenumas dessas questes, j que segmentos populares estavam se organizando e demandavamluso poltica e social. Mais ainda, as polticas implantadas pela ditadura contriburam

    ravar sobremodo as desigualdades estruturais da sociedade brasileira.A atualidade da ditadura deve-se tambm ao impacto duradouro, portanto, ainda visvel

    s, das polticas de modernizao implantadas naqueles anos, que, at certo ponto, distinguso brasileiro dos regimes polticos semelhantes, vigentes nos pases vizinhos na mesma poclitares brasileiros e seus aliados civis lograram deslanchar um processo de modernizao

    plicou mudanas importantes na infraestrutura do pas, com repercusses principalmenonomia, nas comunicaes, no aparato tecnolgico e cientfico, na indstria cultural, entre ouentanto, tal projeto modernizador teve como par inseparvel a conservao e a consolida

    ares tradicionais da ordem social, cuja base a excluso de parte das classes subordinadaorporao subalterna dos segmentos populares mais afortunados. Uma moderniz

    nservadora, portanto, e acima de tudo autoritria, pois os projetos de desenvolvimento fmandados pela tecnocracia civil e militar, e as dissenses no passveis de incorporao fregues mquina repressiva (tambm ela modernizada naqueles anos).

    O ttulo do livro,A ditadura que mudou o Brasil, refere-se a essa modernizao impla

    oritariamente. Mudana usada aqui no sentido da conhecida frase do romance de Lampedupardo: Tudo deve mudar para que fique como est, isto , mantendo-se os pilares da oabelecida. Em suma, a mudana garantiu a continuidade, em novos termos, da velha combinre moderno e arcaico que marca a sociedade brasileira.

    Exatamente por sua atualidade e relevncia, a temtica da ditadura tem sido objeto de inmvestigaes (acadmicas e jornalsticas), atraindo cada vez mais os jovens pesquisadores forms universidades. O incremento nas pesquisas com enfoque na ditadura salta aos olhompararmos o quadro atual com a ltima efemride relevante, os quarenta anos do golpe, em ando, a propsito, organizamos uma coletnea sobre o mesmo tema. Nos ltimos tempos, m

    balhos tm aparecido no cenrio acadmico, por vezes explorando sendas originais a par

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    vos enfoques, em outros casos baseando-se nos acervos documentais h pouco abertos pesqEste livro tem como proposta oferecer ao leitor uma coletnea de textos e reflexes produ

    entemente, em uma mescla que buscou reunir pesquisadores mais jovens ao lado de autores duros. Na mesma linha, os textos renem abordagens sobre temas j clssicos na pesquisa soadura, assim como anlises que apontam novas abordagens e outros caminhos historiogrsse modo, procuramos fazer uma sntese da produo acadmica atual que, ademais, tedado de preservar a pluralidade de opinies e evitar quaisquer dogmatismos. O resultado

    mbinao propicia ao pblico (acadmico ou leigo) uma porta de entrada para a histria da

    adura brasileira, aquela que o golpe de 1964 inaugurou. A coletnea significa um balanado da arte, do quadro do conhecimento disponvel sobre o tema, e apresenta nssibilidades para se pensar e pesquisar a histria da ditadura.

    Entretanto, tema como este no mobiliza apenas o dever (e a paixo) do conhecimento, qutas regras e padres tico-cientficos a serem observados. Ele implica tambm responsabilica da parte de quem escreve, pois as representaes construdas e divulgadas sobre o paente podem influenciar as escolhas atuais dos cidados. Por isso to importante pesquiadura, assim como divulgar o conhecimento produzido e enfrentar as polmicas quxoravelmente provoca. Alm das disputas inerentes lgica do conhecimento acadmico, es

    go a formao poltica dos cidados brasileiros. Tal aspecto da questo em partinificativo entre ns porque, no Brasil, muito numeroso o grupo de pessoas que desconhssado recente.

    Dessa maneira, ao contrrio do que muitos tm apregoado, o melhor no virar a pgine se refere ao perodo da ditadura. Escolha mais adequada empreender uma apropriao csse passado poltico recente, tanto para consolidar nossa frgil cidadania quanto para entenlidade em que vivemos. Para tanto, fundamental estudar a ditadura que comeou h cinq

    os, a fim de compreender a atualidade do seu legado e, assim, criar condies de super-lo.

    RODRIGOPATTOSMDANIELAARO

    MARCELORI

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    A ditadura faz cinquenta anos: histria e cultura poltica nacional-

    estatista

    DANIELAARO

    carter da ditadura: memria e histria

    ditadura mudou o Brasil entre 1964 e 1979. aEconomia, poltica, cultura e sociedade.1No fimos 1970, quando se anunciava o amanh, nada mais era igual ao que havia quando scuro, em 1964.b

    Os custos foram muito altos. Para alm dos perseguidos, presos, torturados, exilados ou mndizvel a dor e a angstia de toda uma populao empurrada em ritmos inditos de mobilidcial e geogrfica , revolvida nos alicerces culturais por um vendaval de modernizao qu

    ma autoritria, conduziu a sociedade para um novo patamar de desenvolvimento do capitalismUm projeto de Repblica perdeu-se em 1964. Nacionalista,baseado no protagonismo do Ealiana com as classes populares das cidades e dos campos, o programa das chamadas refo

    base experimentou estranha derrota, saindo de cena sem travar nenhum combate.cA fuga deulart, aos soluos, muito menos causa do que sntese e expresso de uma de

    smoralizante.d

    Portas que se fecham, portas que se abrem.Ganhou a parada o projeto de modernizao autoritria, surpreendendo a todos que apost

    utopia do impasse.eSob a ditadura, construiu-se um modelo cujo legado ainda persiste.

    Quinze anos. Foi o tempo que fez escuro.Depois, revogados os Atos Institucionais, ainda houve cerca de dez anos de transio, at

    se possvel ver chegar o amanh, com a aprovao de uma nova Constituio.Restava delimitar o tempo em que fez escuro e os responsveis pela escurido. Quan

    amada Constituio cidad foi publicada, em 1988, a memria social, salvo rudos, ensolidada.

    O marco inicial, 1964, no suscita dvidas. A ditadura instaurou-se, como se disse, contrerminado programa nacionalista e popular. A ruptura a clara, embora as continuidades s

    mbm evidentes, como se ver. Perdeu-se um tipo de Repblica na qual havia uma democmitada, mas em processo de ampliao. Ganhou-se uma ditadura que se radicalizaria com o temEm relao ao fim do perodo, os marcos so mais fluidos. Seria 1979, com a revoga

    os Institucionais? Ou 1985, com a eleio indireta de Tancredo Neves e Jos Sarney? Ou, a88, com a aprovao de uma nova Constituio?

    A rigor, seria mais correto falar em discurso hegemnico: para a grande maioria, a ditaabou em 1985, por mais que isso seja incongruente com o fato de o novo presidente, Jos Sasido um homem da ditadura. Mas a memria assim: substitui evidncias pela vontade e

    eresse, que, no caso, se articularam para responsabilizar unicamente os militares pelo

    atorial. No mesmo movimento, obscureceu-se a participao dos civis na construo do reg

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    vaziando-se de quebra o estudo e a compreenso das complexas relaes que sempre vigorre o poder ditatorial e a sociedade.

    Afirmaram-se, portanto, duas delimitaes. Os militares como nicos responsveis adura, e o perodo ditatorial, enquadrado entre 1964 e 1985, com rupturas sublinhadas na gnencerramento do espetculo. E a ruptura de 1985, mais problemtica, sobretudo depois da mTancredo Neves.fFoi ento que se reforou o personagem no convincente de Jos Sarney

    ma expresso sedutora: a Nova Repblica. A atmosfera de liberdades democrticas reconquistcontraste com o sufoco ditatorial, contribuiu para o sucesso dos termos.

    A dupla delimitao convenceu e se consolidou. O perodo ditatorial foi confinado no teos de chumbo. Um parntese. Trgico, mas superado. Cabe ao historiador, no entanto, romparras da histria vigiada,2do senso comum e das memrias estabelecidas.

    J questionei em outros textos a feio exclusivamente militar da ditadura. Ao longo da cada, pesquisas diversas tm confirmado a participao civil e a responsabilidade ampliadnstruo da ditadura brasileira.3 O que importa agora questionar o carter excepcionaadura, discutir se no h aspectos comuns entre os governos pr-ditadura, ditatoriais eatoriais, ou, ainda, como compreender melhor a insero da ditadura numa histria mais ampl

    Com essa perspectiva, proponho reflexo uma anlise, no tempo longo, da cultura pocional-estatista.g A grande questo a seguinte: at que ponto e em que medida essa cultica, amplamente compartilhada, no se ter construdo antes da ditadura, continuado combora sofrendo metamorfoses, e perdurado, modificando-se, depois dela? Se houver um gr

    rdade na resposta afirmativa, a iluso corrente de que a ditadura significou um parntese radictria do pas poderia ser questionada.4

    cultura poltica nacional-estatista

    r cultura poltica entendo um conjunto de representaes portadoras de normas e valoresnstituem a identidade das grandes famlias polticas.5Uma espcie de cdigo ou um conreferncias, amplamente disseminadas no seio de uma famlia ou de uma tradio polmando um sistema coerente de viso de mundo, constitudo por um substrato filosfico

    ma srie de referncias histricas, dados-chave, textos seminais, fatos simblicos e galeriandes personagens, alm de rituais, sentimentos, uma psicologia coletiva, uma poltimria7 e uma representao da sociedade ideal na qual um grupo ou uma corrente po

    pira a viver.8 Quando surge e se afirma, uma cultura poltica responde a condies e dema

    onmicas, polticas e culturais. Mas no apenas reflexiva. Ao se desenvolver, e se consolma cultura poltica contribui para modelar as sociedades em que vigora.Em cada sociedade, comum o embate de diferentes culturas polticas, assim como a eve

    gemonia de uma delas, que coexistir com outras, conjunturalmente subordinadas. Contudo, nde ter das culturas polticas uma concepo esttica. Segundo as circunstncias e as opentexto das lutas polticas e sociais, uma cultura poltica pode pedir emprstimos e stamorfoses sem que, no entanto, seu substrato filosfico e muitas de suas questes-ch

    fram alteraes substanciais.A cultura poltica nacional-estatista tem uma arraigada histria neste pas e no conjun

    mrica Latina. Aproveitando-se do enfraquecimento da capacidade de controle das gra

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    tncias, desde os anos 1930 ela estruturou-se com notvel sucesso em diferentes varipolgando sociedades e fundamentando polticas de Estado.

    Este artigo examina, em grandes linhas, o nacional-estatismo no tempo longo. Selecionaraatro grandes momentos: a ditadura do Estado Novo (1937-1945); os anos democrtiourados de Juscelino Kubitschek (1955-1960); os anos de ouro e de chumboh do godici (1969-1974); e, finalmente, os dois governos de Luiz Incio Lula da Silva (2003-2ata-se de conjunturas e personagens muito distintos entre si, e por isso mesmo foram escolhidesto saber como se construiu, como se transformou e como sobreviveu a cultura po

    cional-estatista em conjunturas to diferentes e ao longo de tantas dcadas decisivas pmao de um pas chamado Brasil.

    nacional-estatismo em sua gnese: a ditadura do Estado Novo (1937-1945)

    be-se que no de bom-tom chamar o Estado Novo de ditadura. No limite, admitenominao regime autoritrio.iO que predomina mesmo, porm, a expresso neutra: Evo. Triunfo da memria sobre a histria, mas assim que tem sido nomeado e conhecid

    rodo entre 1937 e 1945. Entretanto, o Estado Novo foi uma ditadura, um estado de exceontido prprio da palavra, ou seja, lugar onde, ou perodo em que as leis existentesbordinadas vontade arbitrria dos homens do poder. Pois foi nas entranhas dessa ditade adotou a tortura como poltica de Estado que se gerou a cultura poltica nacional-estatisasil. Vale a pena sublinhar o fato porque a marca e a lgica autoritria nunca se descossa cultura poltica.

    Desde a primeira proclamao de Getlio Vargas, irradiada para todo o pas em 1vembro de 1937, o enaltecimento da centralizao estatal tornou-se um mantra, em contraste cficincia das assembleias e dos partidos polticos, considerados particularistas e fragment

    m aparelho inadequado e dispendioso. Tornara-se desaconselhvel mant-lo.jDe mais a exigncias de aparelhamento eficiente para as Foras Armadas exigiam ordem, tranquilididade, um regime forte, de paz, justia e trabalho. Mesmo porque era necessrio e urgente a continuao do Brasil.9Tais referncias eram defendidas desde 1930, mas foi preciso o novembro e a nova Constituio de 1937 para que tomasse corpo uma nova cultura poltica.

    Em 11 de junho de 1940, a bordo doMinas Gerais, couraado capitnia da Marinha de Guma associao novamente nada casual com os militares, Getlio Vargas iria se referir ao l

    uma nova era, caracterizada pelo declnio do individualismo e do liberalismo e

    evalncia de um Estado regulamentador. No exato momento em que a Frana capitulavaso nazista, gerando apreenso pela sobrevivncia dos valores democrticos, Getlio Vo se mostrava nem um pouco inquieto. Ao contrrio, jubilava: No marchamos para o fiilizao, mas para o incio tumultuoso e fecundo de uma nova era, marcada por uma econ

    uilibrada e a riqueza da nova ordem social. Os liberalismos imprevidentes que estndo derrotados, assim como as demagogias estreis e os personalismos semeadoresordens. Haveria agora uma ordem criada pelas circunstncias novas, incompatvel cdividualismo, mas favorvel disciplina poltica, baseada na justia social e no ampabalhador, porque o proletrio era um elemento indispensvel colaborao social.10

    A centralizao ditatorial tambm era legitimada pelo imperativo da integrao naciotro mote do nacional-estatismo. Assegurar a unidade do mercado nacional era m

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    divel, condio para a solidificao da federao poltica: A grande tarefa do momentomobilizao dos capitais nacionais na conquista econmica das regies retardadas. No terrsto e rico encontraro atividades altamente remuneradoras, realizando, ao mesmo tempo,ritica de unificao. As crticas ao carter ditatorial do Estado eram caracterizadas

    mpostura de fundo demoliberal, um regime baseado na fico eleitoral, anacrnmaggico, caldo de cultura onde se desenvolviam o regionalismo, o caciquismo, o caudilhisextremismos da esquerda e da direita. Ao contrrio, o Estado Novo era a expresso da voncional e da unificao nacional.11

    A ideia da integrao nacional, sustentada pela mdia governamental, ganharia outra roupm o lanamento da Marcha para o Oeste e com o resgate do mito dos bandeirantesaltao da obra do marechal Rondon.12 No seria apenas uma integrao espacial, ncipalmente social. As ideias de colaborao de classes e do trabalho como ato patrinstituiriam as bases da poltica trabalhista do governo ditatorial, sintetizada e formalizad43, com a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), resgatando-se uma dvida de quatroceos.13

    No plano das relaes internacionais, a ditadura do Estado Novo fez o possvel para afirberania e os interesses nacionais mantendo o pas fora da guerra que se desdobrava em e

    undial. Segundo Vargas, nada prenderia o Brasil s potncias beligerantes, nem sequstificativa de interesses econmicos. De resto, as alianas se faziam e desfaziam muito

    elo clculo e ajustamento dos interesses em equao que por afinidades ideolgicas. Emristecidos pelo espetculo de runas promovido pela guerra, os brasileiros no dev

    purar culpas e aferir responsabilidades relativamente a acontecimentos complexos, que s cmpo poderiam ser analisados com iseno e justeza.14

    Como se sabe, a ditadura do Estado Novo foi constrangida a abandonar a polticutralidade por presso dos Estados Unidos e tambm em decorrncia do afundamento de nasileiros por submarinos alemes. Esse processo foi soluante, enfrentando resistncias deo, resultando no envio de uma Fora Expedicionria mais simblica que efetiva aos campalha da Itlia apenas em meados do segundo semestre de 1944, a menos de um ano do fgunda Guerra Mundial. Ele no foi convincente, como se demonstrou nas presses nericanas pela deposio de Vargas em 1945, atestado de quanto o ditador era considerad

    versrio, apesar da aparente aliana na guerra, firmada desde 1942.A anlise da cultura nacional-estatista em sua gnese, por meio dos discursos de seu

    tlio Vargas, evidencia alguns dispositivos estratgicos, entre os quais so relevantes: atado centralizado e integrador, ao qual se subordinam todas as particularidades egosticas

    ia assinalada como marca registrada de uma nova era; b) um iderio nacionalista, unifico esteio das Foras Armadas Getlio um lder civil, mas o poder exercido com base no perviso do Exrcito (coadjuvado pela Marinha); d) amplas alianas sociais, incluindo-balhadores urbanos e rurais, sempre sob vigilncia e tutela; e) concepes de moderniza

    dustrializao em nome das quais todos os sacrifcios so demandados; f) uma poltica exterrmao nacional.

    Esses aspectos, conjugando-se, sero apresentados como um modelo civilizatrio, origgulhoso de si mesmo, perante a histria e o mundo. Tendncias subservientes e marcadamplexos de inferioridade, usuais nas tradies das elites brasileiras, sero substitudas po

    do afirmativo, valorizando especificidades antes omitidas (o pas mestio, cadinho das as). Nesse quadro, o Brasil j no ser o pas do futuro, mas uma realidade presente.

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    Vejamos agora o destino que teve essa cultura poltica.

    cultura nacional-estatista nos anos de Juscelino Kubitschek (1956-1961)

    escolha, aqui, do perodo juscelinista no foi casual. A memria nacional dos anos douradom representado como o melhor momento democrtico da Repblica fundada pela Constitui46. Trata-se de conferir de que modo a cultura poltica nacional-estatista sobreviveu aos v

    e ho de vir.kEla, que fora gerada no ventre de uma ditadura, como se ter havido com as democracia?

    Cabe assinalar que tais luzes no eram l muito fortes. O regime democrtico-liberal funa Constituio de 1946, graas singular mescla entre as heranas do Estado Novo e a doeral, tinha um marcado carter elitista e antipopular, era uma democracia autoritria.15

    Em estudo clssico, Lencio Martins Rodrigues mostrou como as estruturas corporatiadas no Estado Novo, com flego felino, ultrapassaram vrias e distintas conjunturas, para chbora transformadas, aos dias atuais.16 Processo semelhante ocorreu com a cultura po

    cional-estatista. Ela amoldou-se aos jogos institucionais, liberdade de imprensa, s disltico-partidrias, em suma, vigncia do registro liberal das liberdades democrticas.nservou o que tinha de essencial.

    Embora respeitando os parlamentos e os tribunais, Juscelino Kubitschek (JK) articulouana entre o Partido Social Democrtico (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), lciais do varguismo reunidas para impulsionar o desenvolvimento do pas. Quando, ainda afrentava problemas, JK habilmente os contornava com os Grupos Executivos, unidades de pogesto que, suavemente, curto-circuitavam o Parlamento. Agigantou-se assim o Estado

    ntralizao, reproduzindo tendncias construdas no Estado Novo.

    As concepes modernizantes/industrializantes do Estado Novo tambm foram retomadasremaram, com seus ritmos delirantes. Tratava-se de fazer cinquenta anos em cinco, e o stodo um programa. Tocado pelo Estado, o desenvolvimentismo juscelinista mobilizo

    pritos e empolgou a nao. A terra enigmtica estava espera da energia humana qbjugue, discipline e dela faa um fator de enriquecimento do pas e da consolidao ddependncia econmica.17 A natureza a ser subjugada, disciplinada e explorada. Halhor sntese do produtivismo formulado nos anos do Estado Novo? Em todo caso, nenhluncia malfica ser capaz de impedir o surto do nosso desenvolvimento.18Mesmo porquvia outra opo: Ou a Amrica Latina se industrializa ou renuncia sua sobrevivncia. T

    brasileiros devem estar unidos nesta batalha comum pelo nosso desenvolvimento, sob quaverno ou sob qualquer partido.19Caso contrrio, estaremos em perigo como nao.20

    Apesar de criticado pela abertura aos investimentos estrangeiros, o governo brasileiro da o se furtou, em determinado momento, a romper com o receiturio antidesenvolvimentista do Fonetrio Internacional (FMI). Foi quando JK lanou a Operao Pan-Americana (OPA)egou a estremecer as relaes com os Estados Unidos. Segundo o presidente, estavam em jancipao e o futuro do pas. Nessa hora aparecia a faceta nacionalista de JK, contrarian

    gar-comum, entre esquerdas mais radicais, de que ele no era nada alm de um lder poendido ao imperialismo. Com a OPA, o Brasil tentava projetar-se no cenrio interameri

    evemos imprimir novos rumos vida da famlia continental, tendo em vista a acelerao do n

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    senvolvimento, a plena mobilizao de nossos recursos.21 O Brasil e os demais pasentinente haviam amadurecido a conscincia de que no convm formarmos um mero conral, uma retaguarda incaracterstica, um simples fundo de quadro.22 E ainda mais enfamos iniciar uma batalha conjunta para solucionar neste hemisfrio o grave problemagnao, que o reino da misria, e o atraso que nos degrada.23

    Getlio Vargas assinaria embaixo.Tambm no faltou esteio militar a JK. Salvou-o, j eleito e antes de tomar posse, um ge

    alista, Henrique Teixeira Lott, liderando um movimento constitucionalista em 11 de novemb

    55 e abortando o golpe em gestao por foras de direita, inconformadas com a vitria eleitorigao formada por JK e Joo Goulart. Elas asseguraram a posse de JK e, em todo o mandago de Lott no ento Ministrio da Guerra, como a sublinhar o carter relativo daquela democrecordar que, mesmo consagrado pelas urnas, os presidentes precisavam ser garantidos

    to modo, tutelados pelos chefes militares.A inaugurao de Braslia, em 21 de abril de 1960, foi a sntese e a glria do man

    esidencial de JK. Ao mesmo tempo, foi um momento importante para que outra vez mais foebradas as virtudes nacionais e a singularidade construtiva do povo brasileiro, um exemplo p

    undo, pois somos um pas que caminha sozinho. Um pas que no se deixa ficar no atraso e m

    ante, corajosamente em direo a um destino de grandeza.24A cultura poltica nacional-estatista, adaptando-se, passara pela prova democrtica e

    ertura aos capitais estrangeiros. No entanto, suscitaria, e cada vez mais, inquietasassossego entre as elites e as foras sociais conservadoras, o que se tornaria claro na conjuis quente que a histria republicana conheceu, entre 1961 e 1964. Nesse perodo, aqu

    ualmente por ameaas revolucionrias que se sucediam em todo o mundo, segmentos imports classes populares tentaram seduzir a sociedade com um programa reformista revolucionriamadas reformas de base) que, caso vitorioso, iria redistribuir a riqueza e o poder numa edita nos anais da histria brasileira.

    Entretanto, no fim de maro e comeo de abril de 1964, as foras conservadoras triunfaramm golpe de Estado. Na composio heterognea que ento empalmou o poder, eram muitos ounciavam o fim da Repblica e das tradies varguistas. A destruio de uma e de otuaria uma revoluo no pas. O alvo era claro: destruir pela raiz a cultura poltica naciatista.

    ditadura civil-militar e o renascimento da cultura nacional-estatista

    primeiro governo ditatorial, chefiado pelo general Humberto de Alencar Castello Branco, asspoder com esse programa: destruir o legado varguista. Em tempos de Guerra Fria intensamlarizada, no quadro das chamadas fronteiras ideolgicas, o Brasil alinhava-se no cmocrtico, subordinado aos Estados Unidos, na Amrica Latina. O envio de uma pedicionria em apoio interveno norte-americana na Repblica Dominicana, em 1965, bre de finados da poltica externa independente.

    A represso aos movimentos populares, concretizada na interveno em centenas de sindina perseguio e priso de lideranas populares, ao lado de uma poltica econmica antipop

    seada no chamado arrocho salarial, marcava tambm o rompimento com outro pilar do naci

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    atismo: as alianas com os trabalhadores das cidades e dos campos.m

    Na economia, acordos favorveis e estimulantes ao ingresso de capitais estrangeiros romm as reservas e os controles anteriormente definidos. Era o triunfo do internacionalismo libognsticos sombrios: a ditadura radicalizaria as tendncias esboadas no perodo de JK oia vendido ao imperialismo, perdendo-se qualquer sombra de autonomia. Desmoronavatradies nacional-estatistas. O chamado populismo entrara em colapso definitivo.n

    Restara o esteio militar, mas as centenas de cassaes de oficiais e graduados das Fmadas, identificados real ou supostamente com as esquerdas, indicavam que, a tambm,

    apadas as bases de sustentao do nacional-estatismo. Os militares vencedores, dantreguista das Foras Armadas, notria desde os anos 1950, o no seriam obstculassalamento do pas pelos interesses estrangeiros.p

    Segundo os mais importantes pensadores de esquerda, o pas entrara num beco sem sadria da ditadura significara o triunfo das foras mais conservadoras e retrgradas o latifnmperialismo norte-americano , bloqueadoras de qualquer perspectiva desenvolvimentistavia jeito, o futuro seria marcado por estagnao econmica e represso poltica.qMas no e aconteceu.

    J a partir do prprio governo Castello Branco o fervor antiestatista foi silenciosamandonado. O Estado no definhou, como esperavam os liberais ortodoxos. Ao contrrio, crianovas agncias e modernizaram-se outras. Foi conservada a estrutura sindical corporat

    bana, cavalo de batalha das denncias que faziam oposio herana varguista, devidampurada, o mesmo se podendo dizer dos sindicatos rurais, que continuaram vivos e em fpanso. Tanto uns quanto outros constituram nichos nos quais foi possvel manter, emborsio subordinada e sob estrita vigilncia, milhares de lideranas populares.

    A partir do segundo governo ditatorial, chefiado pelo general Arthur da Costa e Silva eoio das lideranas industriais, sob o comando de Delfim Netto, novo czar da econom

    rtodoxia monetarista seria superada. O Estado no podia ser apenas guardio dos equilcroeconmicos, mas deveria tambm ativar-se como agente fundamental do desenvolvimento.A tendncia seria consolidada e exacerbada no governo seguinte, presidido pelo general E

    rrastazu Mdici. Esses foram os tempos mais repressivos do perodo ditatorial, os anoumbo. No entanto, tambm foram os mais gloriosos da ditadura e os de maior desenvolvimonmico, os anos de ouro.

    Em maro de 1970, alguns meses depois de ser ungido presidente-ditador do Brasil, Mdia inaugural da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, reencontraria ac

    senvolvimentistas-industrialistas: Como a grande meta o desenvolvimento, comearei

    mpo econmico. Justo que se recorde o extraordinrio salto que a Revoluo logrou dm seguida enumerava os xitos realizados:

    eleramos a explorao industrial, a produo de ao, de navios, de veculos, de cimentciamos a explorao do xisto, ao mesmo tempo que intensificamos a extrao do petr

    versificamos nossos esforos no campo da petroqumica e comeamos a batalha das pesqnerais, a produo energtica muito se ampliou.

    Ele constatava ainda o quadro de reorganizao e reaparelhamento de nossos portos e de

    arinha Mercante.26Essas palavras reverberavam discursos proferidos por Vargas em pleno Estado Novo: G

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    estabilidade interna, ao planejamento econmico, austeridade de ao administrativa, ao de prioridades, ao esforo no sentido de maior produtividade, restauramos a nonomia e estamos em condies de acelerar o processo de desenvolvimento econmico.27

    O futuro era promissor: Esperamos acelerar a marcha do desenvolvimento em ritmscimento da ordem de 10%, aumentando a taxa de investimento; e reduzindo a inflaemos um patrimnio econmico na dimenso mesma de nossos patrimnios moral, geogrfmano.28

    Como na poca de JK, o desenvolvimento dominaria e subjugaria a natureza: Pelo dom

    ercido sobre a natureza, cujas energias submete ao servio do seu interesse, experimentardade, o homem moderno sensao de poder que o leva a ter-se como capaz de elimstculos.29

    Subsistiam referncias ao capital privado nacional e estrangeiro , ao estmulvatismo, mas no parecia haver dvida em relao liderana estatal do processo. Entre 173 configurou-se o milagre brasileiro, com as taxas de desenvolvimento alcanando, dedro invejvel: 9,8% em 1968, 9,5% em 1969, 10,4% em 1970, 11,3% em 1971, 12,1% em 0% em 1973. Parecia uma reencarnao dos melhores anos do Estado Novo ou do perodo sma triangulao formada por Estado, empresas privadas nacionais e internacionais, sob indontrole estatal.

    A resultante disso, no plano simblico, seria a produo de um mesmo sentimento de eufooexaltao: Num mundo marcado por angstias, egosmo, faz-se certeza a esperan

    ande destino do Brasil. A Nao encontra confiana em si mesma, a convergncia da voetiva, a conscincia do prprio valor, as energias e o entusiasmo de um legtimo org

    cional.30

    Nos festejos do Sesquicentenrio da Independncia, unindo-se conquistas esportivonmicas, atingiu-se o auge de orgulho patritico e de unio nacional. Os slogans da poc

    nhecidos: Ningum segura este pas, Pra frente, Brasil, Brasil, ame-o ou deixe-o. O gedici, radinho de pilha ao ouvido, era ovacionado em pleno Maracan.31

    A efervescncia no tardaria a se projetar nas relaes internacionais. Ao contrrio de cpectativas, o pas no foi recolonizado. Numa anlise de longo prazo, tornou-se evidbretudo depois do quarto governo ditatorial, chefiado pelo general Ernesto Geisel, quuperaram, por meio do pragmatismo responsvel, caractersticas da chamada poltica ex

    dependente, de tradio estado-novista e muito presente nos anos anteriores ao golpe.r

    certo que as lideranas sindicais viviam sob vigilncia, eventualmente eram reprimidaso tinha acontecido o mesmo no tempo do Estado Novo, quando tudo fora gerado? O fato q

    ruturas sindicais urbanas e sobretudo rurais no haviam deixado de se expandir e se consolr outro lado, o crescimento econmico, embora profundamente concentrado e desigual do pvista social e regional havia beneficiado setores considerveis da populao, em escala

    o medida e avaliada.t Assim como se adaptara aos tempos democrticos, a cultura pocional-estatista reemergia, redefinida, em tempos de ditadura, com uma catadura modernizaoritria.

    nacional-estatismo em tempos de Lula (2003-2010)

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    vaneceu-se a ditadura em processo complexo e negociado, restaurando-se, depois de nsio, um regime democrtico no pas, em 1988. A nova Constituio, apesar das vociferas direitas liberais e da maioria no Congresso de que dispunham as foras conservadnsagrava preceitos e valores do iderio nacional-estatista, mais uma evidncia de que nem direitas brasileiras tm formao ou cultivam ideais liberais.

    O pas suportou bem os ventos liberais que sopraram ao longo dos anos 1980 e 1990vatizaes determinadas por Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrdoso (1994-2002) no diminuram a capacidade de controle e de regulao do Estado brasi

    m seu potencial intervencionista. Nem muito menos o chamado neoliberalismo enfraqucisivamente as tradies nacional-estatistas. Ao contrrio.A cultura poltica nacional-estatista continuou muito viva, devidamente redefinida, sobr

    re as esquerdas moderadas e radicais. E voltaria a assumir papel hegemnico nos dois goverados por Luiz Incio Lula da Silva.

    Quando assumiu a Presidncia, em 2003, Lula enfatizou a mudana como marca registrae seria seu governo:

    udana esta foi a palavra-chave, a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleies de

    tubro, diante do esgotamento de um modelo que produziu estagnao, desemprego e fomfracasso de uma cultura do individualismo, do egosmo, da desintegrao das famlias

    munidades, o povo brasileiro me elegeu para mudar.32

    Mas no para mudar a cultura poltica nacional-estatista. Ao contrrio, para consolid-la.Em sua primeira mensagem ao Congresso como presidente eleito, em fevereiro de 2003,

    fatizou que a perspectiva do crescimento econmico a qualquer custo voltaria para no maandonada. Os padres haviam sido formulados entre 1950 e 1980: As taxas mdiascimento do PIB e do PIB per capita foram, respectivamente, de 7,37% e 4,37%. 33Era pr

    uperar esses ndices, sem perder de vista a preocupao com os pobres, a distribuio de rincluso social.

    Para a consecuo do programa, o Estado, apoiado em ampla aliana de classes, voltaupar um lugar central, em contraste com as concepes e polticas anteriores, dos governrnando Collor e de Fernando Henrique Cardoso. A crise internacional do capitalismo libciada em meados de 2008, s contribuiria para acentuar essa nfase.

    A perspectiva policlassista liderada pelo Estado governado por Lula assemelha-se, nas lenciais, mas com caractersticas prprias, s adotadas por Getlio Vargas e por JK. F

    amadas a colaborar e participar ativamente as lideranas empresariais urbanas e rurais balhadores, com as quais o dilogo, no desprovido de eventuais tenses, tornou-se permanenestgio do Estado agigantou-se como nunca medida que as polticas de distribuio de olsa-Famlia, crdito consignado, subsdios cesta bsica) e de alocao de recursos (linhanciamento oferecidas por instituies estatais) eram assumidas por ele, fazendo com que ptado convergissem, cada vez mais, as demandas e as negociaes.

    O grande emudecido ou os grandes ausentes nesse cenrio so as Foras Armadrcito em particular, sem prejuzo de intervenes de emergncia, consideradas indispensviosas, mas sempre especficas.us vezes parece que o pas no tem Foras Armadas. v O

    zes, elas parecem um Estado dentro do Estado, como, por exemplo, no processo de formaadros, no qual continuam a prevalecer as referncias dos anos 1960 e 1970. wA rigor, depo

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    taurao democrtica, e em particular na situao de ps-Guerra Fria, ainda no se formulouva doutrina para orientar o papel das Foras Armadas. Em contrapartida, todas as tentativclarecer fatos e episdios do perodo ditatorial tm enfrentado resistncia por parte de autorilitares, que se negam a entregar os arquivos ou a colaborar. De sorte que, pela primeira vtria da cultura poltica do nacional-estatismo, os militares perderam o papel de protagoplcito.

    O crescimento econmico com incluso social empreendido nos governos Lula teve imcesso, fazendo do ex-presidente a figura mais popular do pas, com ndices inditos de aprov

    pois dos dois mandatos. No fim do segundo mandato, haviam sido gerados, em oito anos,lhes de empregos novos formalizados , e mais de 20 milhes de brasileiros haviam sadbreza extrema.34

    O resultado disso foi a renovao entusiasmada da celebrao do pas e do Estado,ojees na poltica externa, inclusive porque a situao brasileira, assim como a de outros pmergentes, contrasta fortemente com a profunda crise em que ainda se enredam as sociepitalistas mais avanadas (Estados Unidos, Unio Europeia e Japo).

    Desde que assumiu o governo, em 2003, Lula sancionou um tom otimista: Devemos euito de ns mesmos, porque ainda no nos expressamos por inteiro na nossa histria, po

    da no cumprimos a grande misso planetria que nos espera. E todos vamos ter de aprenar com intensidade ainda maior nosso pas, a amar nossa bandeira, a amar nosso povo.35

    Com o sucesso da poltica de Lula, a misso planetria do pas tem sido marteladaistncia cada vez maior, criando ondas de elevao da autoestima e do orgulho prnfirmadas e potencializadas pela escolha do pas como sede da Copa do Mundo e das Olimperem realizadas em 2014 e 2016, respectivamente. A autocelebrao atual s encontra pars melhores momentos do Estado Novo ou dos perodos de JK e do general Mdici.

    No toa, e de modo muito sintomtico e expressivo, por mais de uma vez Lula se refer

    ma elogiosa a alguns de seus antecessores mais ilustres no quadro da cultura poltica naciatista. Ainda em campanha eleitoral, disputando seu primeiro mandato, afirmou: O Brasil emomentos foi pensado a longo prazo e planejado estrategicamente. No governo de Getliverno Juscelino e com os militares.x

    ARGUMENTAO FAVORVEL perenidade da cultura poltica nacional-estatista, ao longnjunturas diversas, no exclui, antes pressupe, redefinies e metamorfoses. Espero queham sido explicitadas. Na histria de qualquer cultura poltica, dinmica por naturezcunstncias e as opes deixam marcados os selos prprios. Procurou-se neste artigo, de f

    eliminar, evidenciar as permanncias. Se houver aqui um gro de verdade, ser possvel quesenso comum de que o perodo ditatorial mais recente, inaugurado em 1964, foi uma excegra, um parntese sinistro e felizmente superado.

    J h alguns anos sustento que a ditadura, como estado de exceo, encerrou-se em 1979, com a revogao dos Atos Institutendo incio, a partir de ento, um processo de transio democrtica. Cf. Aaro Reis, 2000. A expresso, com acepes pr fora empregada por Emir Sader, 1986 e 1990; Brasilio Salum, 1996; Maria Jos Resende, 1996. Elio Gaspari (2002) tambmo fim da ditadura em 1979.

    Aluso, em forma de homenagem, ao verso de Thiago de Mello, escrito pouco depois da instaurao da ditadura: Faz escuro,

    canto, porque o amanh vai chegar.

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    A expresso estranha derrota foi empregada por Marc Bloch (1990) ao referir-se queda desmoralizante da Frana diainvaso nazista em maio de 1940. A derrota de 1964, considerada inevitvel por certa histria retrospectiva, merece prreviso.

    No se trata de absolver ou condenar, mas de compreender. A fuga do presidente, at pelos poderes que ele concentrava prestgio que ainda detinha, deu importante contribuio para a derrota. Da a consider-lo um bode expiatrio vai uma distncia.

    Assim me referi tese, acolhida por muitos pensadores de esquerda, de que o Brasil, sem as reformas preconizadas, entrarimpasse catastrfico, caracterizado pela estagnao econmica e pela represso poltica. A tese vertebrou os programas darmada contra a ditadura. Cf. Aaro Reis, 1990.

    Embora poltico moderado, Tancredo Neves sempre se situou em oposio aos vrios governos ditatoriais.

    Tenho defendido essa ideia em palestras e encontros; a pesquisa ainda preliminar e a ela me dedicarei no futuro.

    A memria social caracteriza-os apenas como anos de chumbo. Mas as evidncias revelam situaes bem mais complexpara alguns, foram anos de chumbo, para muitos outros foram anos de ascenso, enriquecimento e felicidade. Cf., entreAaro Reis, 2000.

    Ressalve-se a concepo, minoritria, mas presente, que ainda o conceitua como fascista. Entretanto, por lhe faltareemprica e substncia terica, ela tende a perder importncia.

    A Constituio outorgada em novembro de 1937 revogou a de 1934 e dissolveu os partidos e as assembleias eleitas em todos os

    Venturis ventis, Aos ventos que ho de vir, lema smbolo de Braslia.

    O vice-presidente de JK, Joo Goulart, ungido principal herdeiro poltico de Getlio Vargas, presidente do PTB, virtual do

    legenda, cumpria o papel de avalista do getulismo no governo. Registre-se que, na poca, o vice-presidente no era apenfigura simblica, mas exercia, por atribuio constitucional, a presidncia do Senado Federal.

    Veremos como o carter radical desse rompimento pode ser questionado.

    Embora em retirada, ainda predominam na academia e na poltica brasileiras as teses populistas, formuladas por socilogos pque, sob essa denominao, estudam as tradies nacional-estatistas; cf. Jorge Ferreira, 2001.

    Referncia s disputas pela diretoria do Clube Militar, onde rivalizavam as correntes nacionalista e entreguista. Fazia-secegueira militante, abstrao de que grande parte dos entreguistas, quando no todos, participara ativamente do (e dera susteao) Estado Novo, integrando a gnese do nacional-estatismo.

    Nessa perspectiva, o Brasil estaria ameaado de um processo de recolonizao, referncia muito usada por comunistas de dtendncias em diferentes conjunturas no passado.

    Cf. aluso utopia do impasse, nota e, p.12.Recordem-se, entre outras medidas: a demarcao das 200 milhas martimas como territrio nacional (Mdici); a poltica nureconhecimento da independncia de Angola e o desmanche da Comisso Militar Mista Brasil-Estados Unidos (Geisel).

    Dados do IBGE mostram que, entre 1968 e 1978, o total de sindicatos na rea urbana aumentou de 2.616 para 4.009. A rea ruficou atrs: de 625 sindicatos para 1.669. Os dados, utilizados por Marcelo Ridenti, em As oposies ditadura: resistintegrao, neste livro, e que gentilmente os transmitiu a mim, foram colhidos por Armando Boito (1991), que tem, naturalmenprpria interpretao do fenmeno.

    Gustavo Alonso (2011), avaliando a msica popular sertaneja, encontrou variados exemplos de exaltao dos governos militadiscos muito mais vendidos que as canes de protesto. Tambm Janana M. Cordeiro (2012) flagrou pesquisas de opinio dando a Mdici ndices muito altos de popularidade.

    Operaes para organizar e reforar a segurana urbana; para auxiliar em situaes de emergncia (catstrofes naturaiproteo e viabilizao de atividades essenciais; para acompanhar decises de poltica externa (interveno no Haiti).

    Talvez seja possvel fazer uma comparao entre a situao das Foras Armadas sob o governo Lula e a das estruturas sindicas ditaduras instauradas em 1937 e 1964. Elas conservam-se como nichos ativos, mas relativamente marginalizados, embouma grande diferena, alis decisiva: a Constituio de 1988 consagrou, ainda uma vez, a tutela das Foras Armadas.

    Nas escolas e colgios militares, o golpe de 1964 continua a ser referido como revoluo democrtica. As autoridades cFernando Collor a Dilma Rousseff, passando por Lula, fingem ignorar esse fato.

    Lula, em entrevista imprensa, 30 ago 2002. Na mesma entrevista, Lula ressaltou que os militares pensavam o Brasil comdecenais (sic): Os militares, com todos os defeitos de viso poltica que tiveram, pensaram o Brasil estrategicameconstruram o Prolcool, o polo petroqumico, um sistema de telecomunicaes. As referncias elogiosas a Mdici, Geisel, VJK se repetiriam outras vezes, ao longo dos dois mandatos.

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    As oposies ditadura: resistncia e integrao

    MARCELORI

    ora e legitimao

    oposies ditadura instaurada no Brasil em 1964 s podem ser compreendidas em conexodevir do prprio regime, em seus vrios momentos, que combinaram diferenciadamente o ua e as tentativas de legitimao.

    Sabe-se, para usar formulaes de Max Weber, 1que a dominao alcana alguma estabilenas se no se restringir ao uso da fora. Qualquer regime s pode durar ao longo do tempnstruir alguma base de legitimidade. Nos termos de Antonio Gramsci,2a poltica envolve asp

    fora e de convencimento. A relao entre dominantes e dominados, mesmo em regoritrios, deve ser compreendida no s com base no confronto, mas tambm na negociao, nos em concesses aos adversrios, sem as quais no se constri uma base de legitimigociar e conceder implicam reconhecimento do outro, levando em conta a oposio, que

    ecisa ser entendida em seu encadeamento com a situao. Em suma, as oposies e a ditaduciedade brasileira devem ser compreendidas de modo relacional, envolvendo zonas intermedre colaborar e resistir.3

    Sem hesitar em usar a fora, os golpistas de 1964 preocuparam-se tambm comitimidade. O golpe foi dado em nome da democracia, supostamente ameaada. O retaurado jamais se assumiu como ditadura, no mximo como democracia relativa. Semp

    eocupou em manter uma fachada democrtica. O Congresso funcionou durante quase torodo, apesar das cassaes de mandatos parlamentares em momentos de crise, da imposipartidarismo, no final de 1965, e de ser fechado de tempos em tempos, alm de onstrangimentos. Havia julgamento legal de prisioneiros polticos, embora na Justia Militar s duras, sem contar perseguies a oposicionistas, torturas e mortes margem da lei do prgime. Os militares governaram sob a vigncia de uma Constituio, mesmo com os limites da1967, reformada estruturalmente em 1969, em sentido ainda mais autoritrio.

    Num primeiro momento, em plena Guerra Fria, o golpe buscou legitimar-se junto a segmpressivos de uma parte da sociedade que se sentia ameaada por um suposto avan

    munismo, do sindicalismo e da corrupo. O suporte civil vinha do empresariado nacioltinacional, oligarquias rurais, setores das classes mdias, grande imprensa, instituies religprofissionais liberais, e at de alguns trabalhadores. Sem contar o apoio expresso ou veladior parte dos integrantes de partidos legais, que por isso mesmo continuaram em atividadtubro de 1965, uma vez afastados seus integrantes acusados de subverso da ordem: fssados mais de cinquenta deputados federais, cuja maioria vinha da ala esquerda do Paabalhista Brasileiro (PTB) e de outras agremiaes menores.

    Apesar das divergncias histricas entre eles, o Partido Social Democrtico (PSD), a Umocrtica Nacional (UDN) e uma parte significativa do PTB eram predominantem

    nservadores. A UDN participou de modo ostensivo do golpe, assim como outras agremia

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    so do Partido Social Progressista (PSP), do governador de So Paulo, Adhemar de Barrosntar lideranas expressivas do PSD, algumas das quais, posteriormente, fariam histrosio, como o deputado Ulysses Guimares.

    Derrubou-se um governo constitucional respaldado por outros setores sociais significaglobando trabalhadores organizados em sindicatos, partidos e movimentos no campo e na cigmentos das classes mdias intelectualizadas e parte das elites, sobretudo as vinculadarelho de Estado. Foram realizadas prises, intervenes em sindicatos e movimentos popussaes, expulso de funcionrios civis e militares de seus cargos, abertura de inquritos pol

    litares e toda sorte de violncia e humilhao contra os adeptos do governo deposto, e at aassinatos.Os trabalhadores organizados em sindicatos e partidos foram os mais atingidos pela repr

    lpista. Em 1964 e 1965, diretorias de mais de trezentas entidades sindicais foram destitunfederaes de empregados sofreram interveno, revogaram-se conquistas trabalhaticamente se extinguiu o direito de greve, alm das prises e dos processos contra trabalhausados de subverter a ordem democrtica. Comunistas e reformistas em geral foram especialmados, como os lavradores que lutavam pela reforma agrria, os integrantes de movimentorinheiros e de sargentos que contestavam a hierarquia militar, lderes do movimento estuda

    tros.Reprimidos e atarantados pelo golpe, a que praticamente no opuseram resistncia imedia

    oiadores do regime deposto e seus crticos de esquerda tentaram articular uma oposio ditlongo de 1964 e 1965, combinando aspectos legais e clandestinos, de dentro do Brasil e tamexlio. No meio intelectualizado surgiram algumas das primeiras manifestaes pblica

    osio: matrias no jornal carioca Correio da Manh (que de incio apoiara o golpnifestao dos oito do Glria, que levou para a cadeia oito intelectuais e artistas

    otestavam contra o regime, o show Opiniono Rio de Janeiro, a criao daRevista Civilizasileira, e assim por diante.

    oposio clandestina

    Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outros de inspirao marxista, j proibidos antes de 19m funcionamento tolerado na conjuntura anterior ao golpe , foram duramente perseguidos o.4Eles tiveram seu momento de maior influncia poltica no incio dos anos 1960, quand

    ciedade como um todo ganhava destaque o tema da revoluo brasileira, fosse naci

    mocrtica ou socialista. Conquistaram mais terreno aqueles que, a exemplo do PCB, associararabalhistas e outras foras num projeto de reformas de base que acabou derrotado com o golpInstalada a ditadura, o eixo da poltica de esquerda estabeleceu-se em torno dela,

    errubada ou derrotada: havia grupos e movimentos que pretendiam derrub-la pela luta aros que procuravam outros meios para venc-la politicamente. Todos propunham a necessidaor-se ditadura, independentemente dos projetos polticos diferenciados que davam base aupo poltico ou movimento, desde os projetos revolucionrios nacionalistas, como o comanr Leonel Brizola, passando pela proposta do PCB de revoluo pacfica, nacional e democros que propunham uma revoluo socialista.

    O golpe gerou vrias dissidncias no PCB, crticas em relao suposta modera

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    ssividade da maioria de sua direo. Carlos Marighella liderou os que criaram a Ao Libertcional (ALN), organizao guerrilheira mais destacada, que se inspirava na revoluo cutra ciso importante redundou na criao do Partido Comunista Brasileiro Revolucio

    CBR). Houve ainda muitas dissidncias, sobretudo estudantis, organizadas em todo o pas.Grupos de esquerda atuantes antes de 1964, como o Partido Comunista do Brasil (PCdo

    o Popular (AP), a Organizao Revolucionria Marxista Poltica Operria (Polop) e a esqcionalista continuaram em ao aps o golpe, todos suscetveis a cises, que geraram grupos Vanguarda Popular Revolucionria (VPR), os Comandos de Libertao Nacional (Colin

    nguarda Armada Revolucionria Palmares (VAR-Palmares), a Ala Vermelha do PCdoB rtido Revolucionrio dos Trabalhadores (PRT).A esquerda brasileira converteu-se, em pouco tempo, num mosaico de dezenas de pequ

    ganizaes polticas. Elas divergiam quanto ao carter da revoluo brasileira (nacimocrtica ou socialista), sobre as formas que a luta revolucionria deveria assumir (pacfimada; se armada, guerrilheira ou insurrecional; centrada no campo ou na cidade), sobre o tipganizao poltica necessria para conduzir a revoluo (partido leninista ou organizerrilheira). Entretanto, havia em comum a proposta de fazer frente ditadura. O PCB buanas com a oposio legal e moderada, procurando derrotar politicamente o regime milit

    maioria dos demais grupos de esquerda, apesar das diferentes propostas, convergia na necessderrubar a ditadura pelas armas.

    Houve vrias tentativas de organizar uma oposio armada. A comear pelas iniciacionalistas, logo depois do golpe, comandadas por Leonel Brizola, no exlio no Urugustradas em 1967, aps a priso de militantes que treinavam para uma eventual guerrilha na Capara. Depois vieram as aes de guerrilha urbana da ALN, da VPR e de muitos o

    quenos grupos. Finalmente, houve a Guerrilha do Araguaia, promovida pelo PCdoB e derrlitarmente no comeo de 1974. Todas foram aniquiladas. O governo no hesitou em preturar, matar e exilar seus adversrios, especialmente aqueles ligados a organizaes clandes

    madas ou no.

    oposio institucional

    m primeiro momento, antes do surgimento da esquerda armada, o regime sentiu-se mais ameaa oposio moderada, que, em outubro de 1965, demonstrou fora poltica nas eleies d

    ra o governo de onze unidades da federao. A aliana entre PSD e PTB triunfou nos dois es

    is importantes em que houve eleio, Guanabara e Minas Gerais, at ento governpectivamente, pelos udenistas Carlos Lacerda e Magalhes Pinto, dois dos principais lderesgolpe de 1964. Apesar da moderao dos governadores eleitos, a vitria foi vista pelo gov

    deral e pelas Foras Armadas como ameaa continuidade da nova ordem.Diante desse quadro, o presidente Castello Branco decretou o Ato Institucional n.2 (AI-2

    de outubro de 1965.a Ele dava ao presidente liberdade para governar por decreto, fecngresso, suspender direitos polticos e cassar mandatos. Determinava ainda eleies indra a Presidncia da Repblica. O regime passou a ganhar contornos ditatoriais mais nstrando a expectativa de polticos civis que apoiaram o golpe mas esperavam que os mil

    go voltassem aos quartis. Carlos Lacerda, que postulava sua candidatura s eleies desidenciais previstas para 1966, desentendeu-se com os antigos aliados e acabou cassado

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    osio, tentou articular uma Frente Ampla com os ex-presidentes, tambm j cassados, ulart e Juscelino Kubitschek. A iniciativa foi proibida pelos militares e no seguiu adiante.

    O AI-2 tambm extinguiu os partidos polticos existentes. Em seguida, o Ato Complementatituiu o bipartidarismo como soluo para garantir ao governo maioria estvel no Congcional. Assim surgiam a Aliana Renovadora Nacional (Arena), partido do governo,

    ovimento Democrtico Brasileiro (MDB), rgo da oposio majoritariamente moderanstrutiva. O bipartidarismo consolidou-se e continuou vigente por catorze anos.5

    Alguns setores da sociedade civil, sobretudo das classes mdias que de incio haviam

    oio ao golpe, foram se desencantando com o progressivo fechamento poltico, associaesso econmica entre 1964 e 1968. Essa situao, somada s denncias de desrespeitoeitos humanos de oposicionistas presos, levou a maior parte da Igreja catlica a retirar seu aregime, passando a constituir, nos anos seguintes, um dos principais focos de oposioretanto sempre se abriu ao dilogo com os donos do poder, como apontou, por exemplo,rbin.6

    Apesar da represso a suas lideranas e entidades aps o golpe, paulatinamente o movimudantil recuperou foras, reorganizou-se e passou a expressar o crescente descontentamcial, que no encontrava vazo nos marcos institucionais do regime. Os estudantes fora

    nando os agentes sociais mais visveis da oposio, como indicam as obras de Joo Roartins e Victoria Langland,7entre outras. Em 1968, eles organizaram grandes manifestaes d

    todo o pas, especialmente no Rio de Janeiro e em So Paulo. No mesmo ano, em articulaoestudantes, despontou um setor radical no movimento operrio que deflagrou greves expresContagem (MG) e Osasco (SP) contra a poltica econmica que impunha conteno salarial.

    O governo do marechal Arthur da Costa e Silva, sucessor de Castello Branco em 1967, osre o dilogo e a represso aos movimentos de 1968, que se inseriam numa conjuernacional de revolta, por exemplo, contra a guerra do Vietn, promovida pelos Estados Un

    Brasil, o descontentamento com a ditadura evidenciava-se em peas teatrais, canes, fimances, poemas, quadros e outras obras de arte, nos protestos de rua, nas pginas dos jornais.

    No interior do MDB organizou-se um setor mais aguerrido, que procurou representar as rungresso, em apoio ao movimento estudantil. Foi um discurso do deputado Mrcio Moreira Alnsiderado uma ofensa pelos quartis que deu pretexto para a edio do Ato Institucional n.5aps a recusa dos parlamentares de conceder licena para o governo processar o deputado

    zava de imunidade parlamentar garantida pela Constituio de 1967.O AI-5 significou a quebra da legalidade imposta pelo prprio regime; dava poderes q

    mitados ao presidente da Repblica, por exemplo, para legislar por decreto, suspender dir

    lticos dos cidados, cassar mandatos eletivos, suspender o habeas corpus em crimes congurana nacional, julgar crimes polticos em tribunais militares, demitir ou aposentar jutros funcionrios pblicos.

    A arquitetura poltica do regime, entre fora e convencimento, pendeu fortemente em favmeira aps a edio do AI-5. O Congresso ficou fechado por quase um ano, muitos parlamenam cassados, oposicionistas foram detidos, consolidou-se uma censura rgida a meiomunicao, artes e espetculos. O aparelho da polcia poltica foi incrementado e reorganizad

    egitimao da ordem e oposio

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    fora no bastava, contudo, para garantir a estabilidade da dominao. Seria preciso encoum mecanismo de aceitao pacfica da ordem estabelecida. A partir de 1969, ficou clara a blegitimidade na retomada a todo vapor do desenvolvimento econmico, que vinha em alta

    67, concomitante represso contra os opositores e s medidas de reorganizao da sociefundia-se a ideia de que s com os governos militares fora possvel retomar o progresso nacm manuteno da ordem pblica. A legitimao do regime passou a ancorar-se em seu dernizador, que envolvia ainda medidas de assistncia social.

    Fosse fruto de um plano arquitetado, pelo menos desde o comeo dos anos 1960, por

    ana de militares com o empresariado nacional e multinacional, como props Dreifuss;9ultado quase aleatrio de um jogo pragmtico dos donos do poder, como parece consispari10 o fato que desde 1964 foi se constituindo um projeto de modernizao da socie

    asileira a partir de medidas econmicas e polticas do Estado autoritrio, associadas inicvada, o que se convencionou chamar de modernizao conservadora, tomando emprestado o Barrington Moore Jr.11Assim, os governos militares promoveram o desenvolvimento, emb

    sta do cerceamento das liberdades democrticas e com grande concentrao de riquezas, nos do capitalismo de massas, sonhado por Celso Furtado e outros nacional-desenvolvimenes do golpe. Ao contrrio do que inicialmente pensaram seus adversrios, a ditadura imp

    ojeto de modernizao da sociedade que ficou evidenciado a partir de 1970 com o chailagre brasileiro na economia.

    O regime, entretanto, no apostou todas as suas fichas de legitimao apenasenvolvimento. No fim de 1969, tratou de reabrir o Congresso, devidamente expurgado,eger o general Emlio Garrastazu Mdici como novo presidente da Repblica. A opos

    ganizada no MDB, absteve-se de votar. Em descrdito, o partido sofreu sua maior derrota po1970, quando parte dos descontentes com a ordem estabelecida votou nulo ou em branc

    ies parlamentares. Apesar do recorde de votos brancos e nulos, a Arena venceu folgadameleies, baseando sua campanha no sucesso do milagre.

    A represso e o desenvolvimento desarticularam as oposies por algum tempo, at porqurte delas compartilhava as iniciativas modernizadoras do governo. Mas o milagre no duuito, e em 1973 e 1974 j surgiam sinais de crise econmica, levando o regime a buscar ncoras para manter a estabilidade. A represso, o xito econmico, medidas modernizadorasistncia social no bastavam para assegurar a ordem. Ademais, montou-se uma m

    pressiva dentro das Foras Armadas, que passou a agir com relativa autonomia, pondo em rirarquia da instituio.

    A tese de uma transio lenta, gradual e segura para a democracia comeou a ganhar

    re os militares e seus aliados civis, mas eles consideravam tambm que os crticos mais radordem estabelecida deviam ficar sob controle ou at ser eliminados. Em 1974, o general Erisel assumiu a Presidncia da Repblica. Ele promoveu uma poltica de distenso, tamnominada abertura poltica, iniciando a transio democrtica, que ainda duraria, com avanuos, at a eleio indireta de um civil para a Presidncia, em 1984.

    Aps a derrota eleitoral de 1970, setores do MDB convenceram-se da necessidade de conma atuao oposicionista mais consistente, indispensvel sobrevivncia do partido, pressde 1971 por Ulysses Guimares, antigo poltico do PSD. A oportunidade veio com a disteciada no governo Geisel. Candidatos do MDB usaram o horrio eleitoral gratuito na televiso

    er crticas ao governo durante a campanha eleitoral parlamentar de 1974. Buscavam represto descontentamento com a ditadura, que ficara indicado pelo nmero elevado de votos nu

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    ancos em 1970, e que vinha aumentando com os problemas do milagre econmico. Os resulitorais mostraram que o descontentamento era maior do que se supunha: com apoio concens grandes centros urbanos, o MDB teve mais votos que a Arena para o Senado, embora perr pequena margem no sufrgio para a Cmara Federal. Apesar de manter a maioria no Congrgoverno ficou assustado, mesmo considerando que os eleitos pelo MDB em geral eram modet aderiam s diretrizes governamentais.

    Setores das Foras Armadas tramaram contra a distenso de Geisel, que teve fora polticarrot-los, como no caso da demisso do ministro do Exrcito, Slvio Frota, em outubro de

    r outro lado, o regime no poupou esforos para reprimir os partidos clandestinos de esqui em seu governo que se exterminou a guerrilha do Araguaia, com toda a sorte de desrespeiteitos humanos, at o desaparecimento dos corpos dos guerrilheiros executados, que se tornaim, desaparecidos polticos. Eliminada a oposio em armas, a represso voltou-se para o

    upos. Em 1975, por exemplo, o PCB que sempre apoiou o MDB teve dirigentes presortos. Em dezembro de 1976, lderes do PCdoB foram executados pelo Exrcito enquanuniam numa casa do bairro paulistano da Lapa. A direo dos dois partidos ficou praticamsarticulada.

    Aos trancos e barrancos, seguia a poltica de distenso que levou ao fim o AI-5, com bas

    enda constitucional de outubro de 1978. A poltica era de vaivns, com recuos notveis, comamado Pacote de Abril, em 1977, que imps medidas para assegurar o controle do govbre o processo poltico e econmico, aps recesso temporrio do Congresso Nacional, por esrecusado a aprovar o projeto governamental de reforma do Poder Judicirio. Adotaradidas como a continuidade de eleies indiretas para os governos estaduais e federal, el

    direta de um tero dos senadores o que garantia colgios eleitorais com maioria da Aretries s campanhas eleitorais no rdio e na televiso, e algumas cassaes de parlamentarngresso foi logo reaberto, e o governo seguiu com o projeto de distenso, mas ficou evidenteposio que o regime pretendia ditar a forma, o contedo e o ritmo da abertura poltica.

    Com as restries impostas, nas eleies parlamentares de 1978, o MDB s conseguiu mantao que obtivera quatro anos antes. A oposio seguiu minoritria no Congresso, mas o sispartidrio deixara de ser funcional para o regime. Ao agregar num nico partido todas as forntestao, agora muito mais fortes que antes, o governo nada tinha a ganhar. quela altura, o M

    mais uma frente poltica, com vrias faces internas, que um partido.A oposio institucional tambm foi ativa em rgos da sociedade civil, como a Ordem

    vogados do Brasil (OAB) e a Associao Brasileira de Imprensa (ABI), que, entretfendiam posies variadas ao longo dos anos, entre colaborao e resistncia, como demons

    r exemplo, Denise Rollemberg.12

    A atuao da imprensa tambm era repleta de ambiguidre opor-se e colaborar com a ditadura.13

    A ambiguidade explica-se, em parte, porque a modernizao exigia profissionais capacituitos deles de oposio. A indstria cultural, por exemplo, amadureceu sob uma ditadura que do incentivava a cultura e de outro a censurava seletivamente. Alguns professores incmodosstados, mas a pesquisa e a tecnologia foram financiadas at no meio universitrio mais aves

    gime.Na segunda metade dos anos 1970, surgiram movimentos sociais em busca de expresso na

    ltica, revelando a insatisfao e o desejo de participao de organizaes de bairro, favela, d

    casa, negros, mes e mulheres contra a carestia, por creches, moradia, comisses de sa

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    im por diante. Muitas vezes os movimentos se articulavam com as comunidades eclesiais deIgreja catlica, com o novo sindicalismo e com remanescentes da esquerda clande

    nforme apontaram pesquisadores como Eder Sader e Marco Perruso.14

    Em 1977, o movimento estudantil ressurgiu em manifestaes de rua, reivindicando liberdmocrticas. O movimento vinha se reorganizando lentamente nos anos anteriores, num proe culminou em 1979, com a refundao da Unio Nacional dos Estudantes (UNE), extinta dezes, em consequncia de dura represso.15 Apesar de terem a dianteira na retomadanifestaes pblicas, os estudantes passaram a ser coadjuvantes na cena poltica de oposio

    greves operrias que ganharam corpo a partir de 1978.Tornou-se emblemtica a figura do lder dos trabalhadores de So Bernardo do Campo

    iz Incio da Silva, o Lula. Quando eclodiram as grandes greves de 1978, 1979 e 1980, ele ocuresidncia do Sindicato dos Metalrgicos. Lula era originrio da estrutura sindical oficial e lEstado, que foi mantida pelo regime militar, uma vez expurgada das lideranas conside

    bversivas, depois de 1964. Inicialmente despolitizado, apesar de ter um irmo mais vmunista, Lula fez carreira no sindicato a partir de 1969. A princpio, em meados dos anos 19curso e a prtica dele e de seus companheiros caminhavam na direo de um sindicalismobies polticas, voltado para obter melhorias trabalhistas, mais interessado em acordos qu

    a de classes. Por isso, Lula chegou a ser elogiado pelos donos do poder econmico e polticom nele um lder operrio confivel, parecido com certos sindicalistas norte-americanos.

    Nos piores anos da represso, entre 1968 e 1978, o total de sindicatos oficiais na rea umentou 53,3%, foi de 2.616 para 4.009. Nas regies rurais houve crescimento ainda pressivo, ligado iniciativa da ditadura militar, que atrelava os sindicatos ao sisevidencirio e a convnios assistenciais: de 625 sindicatos em 1968, o total chegou a 1.6675, conforme dados do IBGE organizados por Armando Boito. 16 Esses nmeros, bem cojetria inicial de Lula, so indicativos das relaes tambm complexas dos trabalhadorempo e da cidade com a ditadura, que reprimia os lderes dos sindicatos mais combativos, pentivava os que se integravam nova ordem e a seu sistema assistencial, buscando itimar-se.

    A organizao social, poltica e econmica estabelecida, contudo, impunha limitencesses aos trabalhadores. A crise do milagre econmico, o arrocho salarial, a cresncentrao de riquezas, a insatisfao com as medidas repressivas, as mudanas na conjultica, entre outros fatores, levaram politizao de parte da classe trabalhadora. A partir de dinmica das greves ganhou todo o territrio nacional, como expresso do novo sindicalise constituiu um dos principais movimentos de oposio ditadura, embora organizado no in

    sua estrutura institucional.17

    As greves levaram a ganhos materiais relativamente modesraram represso governamental, com interveno em sindicatos e vrias prises, inclusivela, em 1980. Ento, foi amadurecendo a proposta de um setor da classe trabalhadora, que pasfender a construo de um novo partido de oposio, com base na experincia de lutadicatos e nos movimentos populares que cresciam paralelamente, sobretudo na periferi

    andes cidades. A oportunidade institucional veio em 1980, com o fim do bipartidarismoopiciou o nascimento do Partido dos Trabalhadores (PT).18

    oposio nos momentos finais da ditadura

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    general Joo Batista Figueiredo, sucessor de Geisel na Presidncia, deu continuidade ao prodistenso. Promoveu a anistia em agosto de 1979, dando uma resposta institucional pa

    obilizaes da oposio, que envolveram vrias entidades, do pioneiro Movimento Femininoistia, criado em 1975, aos Comits Brasileiros pela Anistia, a partir de 1978, tema que vem udado por pesquisadores como Janana Teles.19

    Figueiredo conduziu a reforma poltica que buscava preservar um partido de sustentaverno enquanto dividia a oposio. No final de 1979 encaminhou ao Congresso um projeorma partidria que foi aprovado contra a vontade do MDB, embora desse vazo a desej

    ores oposicionistas de assumir sua particularidade. O projeto imps o fim das legendas ArDB e definiu normas para a constituio de novos partidos, mas excluindo a possibilidadalizao dos comunistas.

    A Arena converteu-se no Partido Democrtico Social (PDS), que manteve maioria na Cderal. O antigo MDB passou a denominar-se Partido do Movimento Democrtico BrasMDB). Surgiram mais quatro partidos institucionais de oposio. O Partido Popular (PP), lidr Tancredo Neves, fazia oposio bem moderada. O Partido Democrtico Trabalhista (PDTrtido Trabalhista Brasileiro (PTB) rivalizavam pela herana do trabalhismo. Os dois ltntaram de incio com poucos deputados, assim como o PT, que ocupou uma faixa mais esqu

    PCB, o PCdoB e vrias outras pequenas agremiaes continuavam clandestinas, sem possibillegalizar-se. Entretanto, a maioria atuava institucionalmente, sobretudo dentro do PMDB e dproposta de protestar com a anulao do voto nas eleies, que vinha minguando pleito ito, desde 1974, j no tinha praticamente adeptos.

    Com a proibio de alianas partidrias nas eleies diretas para governador, em 19ioria do PP integrou-se ao PMDB para melhorar as oportunidades eleitorais de seus candidat

    MDB elegeu governadores, com destaque para So Paulo e Minas Gerais. No Rio de Janceu o PDT de Leonel Brizola, cabendo ao PDS a maioria em estados menores, sobretudrdeste. As oposies, porm, no obtiveram a maioria das cadeiras no Congresso Nacionacolgio eleitoral que elegeria indiretamente o novo presidente da Repblica.

    Apesar das manifestaes de rua que reuniram milhes de pessoas em todas as princades do pas em favor da aprovao da emenda constitucional que previa a realizao de eleetas para a Presidncia da Repblica, em 1984 que ficaram conhecidas como Movimento retas J , a oposio no conseguiu maioria para garantir sua aprovao no Congresso.

    Favorito para ganhar as eleies indiretas, o PDS dividiu-se entre dois candidatos nasvias internas sucesso presidencial: o militar Mrio Andreazza e o ex-governador civil dulo, Paulo Maluf, que acabou triunfando. Sem aceitar a candidatura de Maluf, os dissid

    maram a Frente Liberal, que mais tarde deu origem ao Partido da Frente Liberal (PFL).gociaram com o PMDB e acabaram apoiando Tancredo Neves nas eleies indiretas. Obtivere-presidncia na chapa, para a qual foi indicado Jos Sarney, antigo lder do PDS.

    Com a nova correlao de foras no colgio eleitoral, os oposicionistas foram eleitos. A mbita de Tancredo resultou na posse de Jos Sarney. O primeiro governo aps o ciclo dos genralmente considerado o marco do fim da ditadura, foi chefiado pelo antigo lder do partidverno Figueiredo, fato que mostra bem a intrincada simbiose poltica entre oposio e situarodo da transio democrtica.

    Um episdio envolvendo intelectuais e o MDB ilustra as ambiguidades da oposio

    abaria triunfando com a eleio de Tancredo Neves. Em 1973, Ulysses Guimares procuro

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    ntistas sociais muitos deles afastados fora da universidade que haviam criado em So Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap). O principal dirigente do MDB busda para sua campanha como candidato s eleies indiretas para a Presidncia da Repblica

    bia no ter chance no colgio eleitoral contra Geisel, candidato do regime, mas lanou-seupar o espao institucional, tentando reerguer seu partido, que andava em baixa.

    Alguns membros do Cebrap como Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort e FranOliveira aceitaram participar como grupo de apoio, que era remunerado. Segundo Francisiveira, seis pesquisadores originrios do Cebrap foram a Braslia para debater o prog

    borado, a pedido de Ulysses Guimares, reunindo a alta cpula do MDB, quase toda vindigo PSD: Ulysses, Amaral Peixoto, Thales Ramalho, Tancredo Neves e Nelson Carneiro. E dr Franco Montoro, que tinha origem na democracia crist e teria sido o nico a comentar al

    asio. Os outros ouviram impassveis, silenciosos e formais, sem se comover com os dresentados, como a distribuio de renda concentradora de riquezas. Oliveira concluiu qoblema deles era a ditadura, no o regime econmico.20

    O episdio revela vrios aspectos, como a heterogeneidade da oposio ditaduedomnio dos setores mais moderados dentro do MDB e ainda a existncia de uma oposiio intelectual, que tinha aspectos radicais mas tambm se profissionalizava dentro da orde

    gime.A oposio aos atos de fora da ditadura nem sempre significou contestar seus esfor

    titucionalizao, que acompanharam o processo de modernizao conservadora da oabelecida. Ademais, a poltica econmica de crescimento era apoiada pelas classes dirigenr vrios setores da sociedade civil, que no raro fechavam os olhos para as arbitrariedadgime, ou at as apoiavam expressamente.

    esistncia e integrao

    odernizao, desenvolvimento capitalista, autoritarismo e lutas sociais pela constituio defera pblica, ou at mesmo de um outro tipo de sociedade, entrelaaram-se de tal manbretudo a partir dos anos 1970, que qualquer desses aspectos s pode ser compreendido levem conta os demais. Isso talvez ajude a explicar a atualidade da discusso sobre os tempadura, cinquenta anos aps o golpe e quase trinta anos depois da volta do governo a um presiil. Em 1987, o debate sobre o Estado Novo de 1937 no tinha nem de longe a mesma reperce hoje ainda tem o golpe de 1964. Afinal, as bases da sociedade em que vivemos f

    nstrudas a partir dali.21

    A organizao da ordem produtiva, do Poder Judicirio, do sistema partidrio, da Previdns mecanismos de assistncia social, da indstria cultural, do complexo de telecomunicaeslcias, dos bancos e finanas, do sistema de ensino, inclusive nas universidades e naaduao, tudo isso tem razes naquele perodo decisivo da modernizao conservadorciedade brasileira. Ela no pode ser atribuda s aos militares, mas tambm a seus aliados e levaram em conta a ao das oposies, cujas demandas procuraram contemplar a seu mer com medidas impostas, quer negociadas, o que significa que elas tambm participaram ocesso.

    Eis um exemplo de como o uso da fora no significava necessariamente ignorar a opos

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    es procurando resolver suas reivindicaes de modo palatvel para a consolidao de uma dem, modernizada autoritariamente. Em pleno governo Mdici, o ex-coronel Jarbas Passaupou o Ministrio da Educao e Cultura, sob vigncia de uma forte legislao reprepecialmente o Decreto n.477), que durante alguns anos conseguiu calar o movimento estud

    mesmo tempo, levou adiante a reforma universitria e do ensino mdio, que procuravposta nos termos do governo s reivindicaes de estudantes nas ruas em 1968, como o fiedra e a ampliao de vagas no ensino superior. Ele escreveu em suas memrias que o pcial era implantar o ensino superior pblico pago. Isso s no teria ocorrido pela resist

    erna no governo, receoso da agitao estudantil, segundo Passarinho.22Certamente tambmsido considerada a correlao de foras nas instncias dirigentes das universidades, onde te enraizamento das propostas de ensino pblico e gratuito, que s foram parcialmntornadas com a crescente abertura para o ensino superior privado.

    Assim, as lutas da oposio estudantil no foram em vo. Apesar da derrota do movimeno dos estudantes ajudou a moldar as reformas do governo, que pautava suas aes levandnta possveis respostas dos opositores. O mesmo se deu em tantos outros casos. Para citar apis um, envolvendo o mesmo ministro, ele implantou o Movimento Brasileiro de Alfabetizobral), em 1971, como resposta ao mtodo politizado de alfabetizao de adultos levado ad

    r Paulo Freire antes de 1964.Usando termos gramscianos, sob a ditadura, contraditoriamente, estabeleceram-se as bases

    consolidao da hegemonia burguesa no Brasil. Isto , a sociedade organizou-se em mpitalistas contemporneos, tendendo a fundamentar-se mais no convencimento que na foraretanto segue presente. A organizao capitalista da sociedade nos moldes em que se estabeBrasil tornou-se algo naturalizado, como se fosse o caminho necessrio da modernidade, apelos partidos identificados com os trabalhadores, que no entanto buscariam atuar no senti

    tigar os efeitos socialmente perversos do sistema. possvel que, quanto mais a ordem capitalista se consolidar no Brasil, mais as rev

    toriogrficas avanaro no sentido de matizar o uso da fora durante o regime militar, ressalu aspecto modernizador, considerado positivo em si mesmo. Veja-se o debate sobtabranda, a partir de um polmico editorial daFolha de S.Paulo, de 17 de fevereiro de e usava essa expresso.

    O regime implantado em 1964 foi o coroamento de um longo processo de revoluo burgueasil, sob bases autoritrias, como props Florestan Fernandes.23 Indo alm: a complexidaodernizao, com o tempo, tornou anacrnicos os moldes ditatoriais. Lentamente, em oposis tambm em interao com as polticas governamentais , foi se consolidando, de ma

    ntraditria, uma esfera pblica com regras para arbitrar as condutas e os embates entre os agciais a fim de estabelecer direitos e deveres legalmente reconhecidos, inclusive de compeitoral. Isso ocorria em paralelo tradicional troca de favores, prtica herdada de

    ciabilidade de caractersticas pr-capitalistas, sem contar a violncia institucionalizada em mo as Polcias Militares. Em outros termos, avanaram as lutas pelos direitos sociais emocracia, num sentido civilizador, mas no interior do capitalismo, que segue sem ameaas emculiar caracterizao na sociedade brasileira, na qual apesar de eventuais melhorias pais pobres o moderno indissocivel do atrasado, e as desigualdades sociais eterniza

    mo se fossem naturais.

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    O primeiro Ato Institucional, de abril de 1964, continha medidas de perseguio aos considerados subversivos, entre outrfortaleciam o poder central. Mas manteve a Constituio de 1946 e o calendrio eleitoral. O Ato inicialmente no tinha nmestabelecia seu prazo de validade at janeiro de 1966.

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    A modernizao autoritrio-conservadora nas universidades e a

    influncia da cultura poltica

    RODRIGOPATTOSM

    regime militar fenmeno prximo de ns. Ele faz parte do espao de experincia de masileiros, e o seu legado marca mesmo quem no viveu aqueles anos ou ignora completamentessado recente. Entretanto, com o transcurso de cinquenta anos, os eventos de 1964 comenhar certa distncia temporal, sobretudo para os mais jovens, o que pode trazer alguns ganhostarefas do conhecimento. O envolvimento emocional com o objeto de pesquisa est se

    esente no trabalho do historiador, e ele implica aportes positivos. A paixo em excesso, poda a viso, alm de ser fraca conselheira poltica.

    O momento propcio para produzir conhecimento mais refinado sobre 1964 e o reoritrio, superando esquemas simplistas e explicaes deterministas que fizeram sucesso d

    s. H muito a investigar sobre a ditadura brasileira, que, a propsito, entre as congnermrica do Sul, legou o maior acervo documental, fontes cada vez mais acessveis granquistas democrticas dos ltimos anos. As pesquisas e reflexes recentes tm questioquemas interpretativos criados no calor dos acontecimentos e sob a influncia das modas tes anos 1970 e 1980. Conceitos como Estados burocrtico-autoritrios, Doutrina (ou ideologigurana nacional, Estados terroristas, entre outros, ainda que ofeream insights interessantes proximao ao tema, podem se tornar camisas de fora tericas, principalmente quando utilizra igualar todas as ditaduras da Amrica Latina sob os mesmos rtulos, ou para impor uma lrea aos acontecimentos.

    Se o eixo do conflito era a oposio nacionalismo versus internacionalismo, com os golprfilando-se na ltima posio, como explicar a intensificao do desenvolvimentismo sob o relitar, que aumentou a interveno estatal na economia? Se o golpe foi essencialmente fruquinaes dos Estados Unidos, como encaixar nesse esquema o afastamento em rela

    ashington a partir do segundo governo militar? Se os militares seguiram um script desenhadopitalismo multinacional, por que os capitais privados internacionais no vieram em avalaando da vitria dos golpistas, e s intensificaram de fato seus investimentos no quadro do monmico, anos depois? Se o movimento de 1964 foi estruturado base da rejeio totograma reformista, por que a ditadura se apropriou de alguns projetos defendidos no contexverno Joo Goulart, como a reforma universitria, e por que o primeiro presidente mstello Branco, props ao Congresso mudanas na Constituio para viabilizar a distribuiras?

    Claro, o capital multinacional e o governo dos Estados Unidos ajudaram a derrubar Gouaudiram com entusiasmo a ascenso dos militares, e muitos dos apoiadores do novo rebretudo proprietrios rurais) eram conservadores na estrita acepo da palavra, queriam m

    do como antes. Mas o ponto que a coalizo golpista era ampla e heterognea, difcquadrar em uma anlise simples. Alm disso, nem todos os grupos tinham projetos claros p

    uro, apenas a certeza de remover o governo Goulart para interromper o processo de esquerdiu comunizao, como se dizia) ento em curso, que afetaria os interesses de todos. E tais inter

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    o eram apenas de natureza poltica, econmica ou social, mas tambm cultural, como a defeores religiosos, por exemplo. Esse conjunto de interesses ameaados expressou-se em lingultica com base na lgica binria de ns contra eles, ou democratas contra comunigundo as representaes dos apoiadores do golpe.

    O consenso anticomunista entre os vitoriosos foi fundamental para uni-los, sobretudrporaes militares, porm, como disse certa vez o general Carlos Meira Matos, issouficiente como programa de governo.1Para compreender as polticas implantadas pela ditad

    eciso considerar que no havia um projeto perfeitamente desenhado antes do golpe: muita

    colhas foram tomadas ao sabor dos eventos, das presses e das lutas travadas ao longo dos vezes de maneira improvisada. Os programas do regime militar resultaram das negociaes nflitos entre os grupos apoiadores do regime, que foram influenciados por presses internacioo contexto econmico, pelas aes dos opositores e tambm pelas tradies do pas,

    quecer que as preferncias pessoais dos detentores do poder igualmente entram em conta.No o caso de retornar narrativa da historiografia tradicional, que se ocupava apena

    andes personagens e das intrigas palacianas, porm, os esquemas generalizantes igualmerecem explicaes insuficientes. Melhor abordagem combinar na anlise a atuao dos ldenfluncia exercida sobre eles por fatores estruturais que, simultaneamente, oferecem aos ag

    lticos um leque de escolhas e limitam suas opes.O cuidado com a problematizao terica se justifica em vista da dimenso dos desaf

    frentar nesse campo. H muito ainda a analisar e explicar sobre o regime militar brasileirotria eivada de ambiguidades e paradoxos, algumas vezes raiando a contradio. O Eoritrio foi marcado por indefinies ideolgicas, dividido entre assumir-se como ditadu

    nciliar com os princpios liberais, ao passo que oscilava entre o nacionalismo desenvolvimeos princpios do livre mercado. Ao mesmo tempo que demonizou o populismo de ecessores, a ditadura no s manteve intactas, como tambm ampliou as estruturas corpora

    rdadas, alm de ter criado um sistema previdencirio universal, sob controle do Estado.Considerando as aes repressivas, que produziram centenas de mortos e um nmero

    ior de torturados, em certas ocasies as perseguies aos esquerdistas foram contornadasse em interesses pragmticos ou em arranjos pessoais, resultando em cooptao de quadros parelho estatal e em certa tolerncia com elementos da esquerda intelectual e artstica. O regimnvictamente anticomunista, porm, manteve relaes corretas com Moscou e o bloco socixceto Cuba), e, enquanto a leitura de Mao e Guevara era proibida, Marx podia circular nos baiversitrios e mesmo nas bancas de revistas.a Alm disso, os vitoriosos de 1964 atacaraomessas do governo deposto, mas se apropriaram de alguns de seus projetos e ideias, co

    orma universitria, que implantaram de modo autoritrio e elitista.Nessa direo, o conceito de modernizao conservadora pode servir como snteseradoxos e contradies do regime militar. O grande paradoxo da ditadura era expre

    multaneamente, impulsos conservadores e modernizadores que, por vezes, geraram ntraditrias. O desejo modernizador implicava desenvolvimento econmico e tecnolgirtanto, aumento dos contatos com o exterior e da mobilidade das pessoas, alm de expdustrial e mecanizao agrcola. Com isso, levava-se ao aumento da urbanizao e do operabril, gerando potenciais tenses e instabilidade nas relaes sociais e de trabalho. J o imnservador estava ligado vontade de preservar a ordem social e os valores tradicionais, o

    uflava o combate s utopias revolucionrias e outras formas de subverso e desvio, a inclestionamentos moral e aos comportamentos convencionais.

  • 7/23/2019 A DITADURA QUE MUDOU O BRASIL - 50 Anos Do Golpe de 1964 - Daniel Aarao Reis

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    O resultado das polticas modernizadoras colocava em xeque as utopias conservadoras,apava as bases da sociedade tradicional ao promover a mobilidade social e urbana em

    elerado: o sucesso econmico da ditadura abalava a ordem social defendida por alguns deoiadores. Por outro lado, se levado s ltimas consequncias, o programa conservador ostculos modernizao, pois o expurgo de todos os suspeitos e indesejveis, grupo presentado na elite universitria e intelectual do pas, significaria a perda de quadros fundamra o proje