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i UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE TESE A DUPLA SERPENTE: ESTADO E AGROINDÚSTRIA SUCROENERGÉTICA BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA MATRIZ DE INSERÇÃO GLOBAL (2003-2014). GERARDO ENRIQUE CERDAS VEGA 2015

a dupla serpente

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    UFRRJ

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE CINCIAS

    SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO,

    AGRICULTURA E SOCIEDADE

    TESE

    A DUPLA SERPENTE: ESTADO E AGROINDSTRIA

    SUCROENERGTICA BRASILEIRA NA CONSTRUO DE UMA

    NOVA MATRIZ DE INSERO GLOBAL (2003-2014).

    GERARDO ENRIQUE CERDAS VEGA

    2015

  • ii

    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE CINCIAS SOCIAIS EM

    DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE

    A DUPLA SERPENTE: ESTADO E AGROINDSTRIA

    SUCROENERGTICA BRASILEIRA NA CONSTRUO DE UMA

    NOVA MATRIZ DE INSERO GLOBAL (2003-2014)

    GERARDO ENRIQUE CERDAS VEGA

    Sob a Orientao do Professor

    Srgio Pereira Leite

    Rio de Janeiro, RJ

    Agosto de 2015

    Tese de doutorado apresentada como requisito

    parcial para obteno do grau de Doutor em

    Cincias Sociais no Programa de Ps-

    Graduao de Cincias Sociais em

    Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.

  • iii

    338.10981

    C413d

    T

    Cerdas Vega, Gerardo Enrique.

    A dupla serpente: Estado e agroindstria sucroenergtica brasileira na construo de uma nova matriz de insero global (2003-2014) / Gerardo Enrique Cerdas Vega, 2015.

    317 f.

    Orientador: Srgio Pereira Leite.

    Tese (doutorado) Universidade Federal Rural do Rio de

    Janeiro, Instituto de Cincias Humanas e Sociais.

    Bibliografia: f. 283-315.

    1. Estado - Teses. 2. Indstria sucroenergtica - Teses. 3.

    Internacionalizao - Teses. I. Leite, Srgio Pereira II.

    Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Instituto de Cincias Humanas e Sociais. III. Ttulo.

  • iv

    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

    INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE CINCIAS SOCIAIS EM

    DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE

    GERARDO ENRIQUE CERDAS VEGA

    Tese submetida como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Cincias

    Sociais, no Programa de Ps-Graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento,

    Agricultura e Sociedade.

    TESE APROVADA EM 31/08/2015

    Srgio Pereira Leite. (Dr.) CPDA/UFRRJ

    (Orientador)

    Nelson Giordano Delgado. (Dr.) CPDA/UFRRJ

    Jorge Osvaldo Romano. (Dr.) CPDA/UFRRJ

    Paulo Roberto Raposo Alentejano. (Dr.) UERJ

    Maria Luisa Mendona. (Dra.) UERJ

  • v

    AGRADECIMENTOS

    Devo dizer que no tive, ao longo da preparao dessa tese, um buraco na barriga do

    tamanho do que tenho agora, diante da necessidade de escrever os agradecimentos. Vem

    cabea a preocupao: e se me esqueo de algum importante? Se no fao justia a todas as

    pessoas que contriburam comigo no processo de estudo, discusso e escrita dos ltimos seis

    anos, desde que apliquei para entrar no mestrado do CPDA, at hoje que defendo a tese de

    doutorado? Enfim, um risco que tentarei enfrentar mediante um exerccio de memria,

    percorrendo de novo a caminhada, suas correntezas e transformaes, para trazer aqui todas as

    presenas sem as quais eu no estaria hoje rabiscando essas linhas.

    Agradeo primeiramente s pessoas que me estimularam para entrar no CPDA: em

    especial a Laeticia Jalil e a Jorge Romano, que me animaram a dar esse passo, ainda antes de

    vir morar no Brasil e que tanto apoio me deram, j estando aqui. Tambm quelas que leram

    meu projeto inicial e me encorajaram a seguir enfrente: o prprio Jorge Romano, Osvaldo da

    Silva Heller e Carlos Aguilar; o texto foi bem avaliado graas a suas perspicazes observaes.

    Agradeo tambm ao professor e amigo Hctor Alimonda, cujo estmulo e orientao

    (acadmica e pessoal) nos primeiros tempos no CPDA foram valiossssimos para me adaptar

    nova realidade. E como no agradecer ao professor Srgio P. Leite por seu acompanhamento

    nesses anos, cuja orientao nunca deixou de estimular minha autonomia como pesquisador.

    Meus anos de estudo no CPDA foram muito importantes, de grande benefcio em

    minha vida profissional e crescimento intelectual. Agradeo a todas e todos meus colegas de

    turma, tanto no mestrado quanto no doutorado, que fizeram esse passo mais rico e instigante,

    em especial a Fabrcio Walter, Camila Bastista, Juliano L. Palm, Clarisse Kalume, Laila

    Sandroni, Iby Montenegro e Mario N. R. Salvador, meu queridssimo lutador terena. Entre

    risos, copos e tertulias, as jornadas de estudo passaram bem mais velozes do que eu teria

    querido.

    No plano acadmico, desejo agradecer as aulas ministradas por todas as professoras e

    os professores do CPDA com quem teve a extremamente boa fortuna de estudar. Para citar

    alguns casos especialmente marcantes, devo falar das aulas sobre economia poltica

    internacional do professor Nelson Delgado, as aulas sobre economia brasileira contempornea

    do professor Srgio P. Leite e as aulas sobre sociologia econmica do professor John

    Wilkinson. Essas trs disciplinas, junto com aquela sobre economia poltica e

    desenvolvimento, ministrada pelo professor Jos Lus Fiori (na UFRJ), contribuiram muito

    com minha formao. Contudo, impossvel deixar de lado as aulas de sociologa poltica e o

    seminrio de tese da professora Leonilde Medeiros e ainda outras, como a disciplina sobre

    histria agrria e meio ambiente oferecida pelas professoras Susana Cesco e Eli Napoleo de

    Lima, e o tpico especial em natureza, sociedade, cincia e saberes, ministrado pela

    professora Claudia J. Schmitt, igualmente relevantes e frutferas. Tambm desejo agradecer o

    professor Fernando Bastos, da UFRN, pela oportunidade de realizar com ele um estgio

    docente na cidade de Natal.

    Igualmente, devo meus sinceros agradecimentos ao pessoal administrativo e da

    biblioteca do CPDA, cujo trabalho a base segura sobre a qual podemos caminhar. So

    mltiplas as ocasies em que me ajudaram para realizar um trmite, conseguir uma assinatura,

    dar recado a um professor, receber documentos, me ligar em recordatrio de algum

    compromisso importante, encontrar o livro mais perdido imaginvel... ou simplesmente

    conversar e compartilhar o cotidiano acadmico. Teresa, Marquinhos, Reginaldo, Enrique,

    Mrcia, Tiemi, Diva, Kayth, Silvia... Gente, valeu!

  • vi

    Quero falar tambm de minha famlia e agradecer a eles o apoio na distncia. Nesses

    anos, esteve mais cerca deles que nunca antes. Ademais, gostaria lembrar minha av que, a

    seus noventa anos, quando ouviu que seu neto estava fazendo um doutorado no Brasil,

    exclamou: Que bom, por fim teremos um mdico na famlia! Explicar a ela que eu seria um

    doutor que no curaria nada, no fez diminuir seu entusiasmo com a notcia. Ainda bem!

    Ademais, agradeo a minha filhinha Berenice e a Erika Mndez, pela oportunidade recibida.

    Quero agradecer a amizade e o carinho enorme de pessoas sempre presentes como

    Daniela Egger, Mrcio Ranauro, Debora Mendona, Lola Cubels, Inti Segura, Manuel Arce,

    Mara Jos Chvez, Natalie Ramos, Oscar Gmez, Juan Carlos Muoz, Esteban Urea,

    Soledad Castro, Berta Cceres e o povo lenca, Tasa Chehab, Tau Pires, Carmen S.

    Andriolli, Mariana Hasse, Moema Miranda, Martha Moreira, Monique Tolardo, Ricardo

    Oliva, Daniela Domeneghini e Rodrigo Thedim. Muito especialmente, uma alegria lembrar-

    me da amizade e cumplicidade de Luciane Udovic e Luiz Bassegio, da Secretaria do Grito dos

    Excluidos Continental e do Programa de Justia Econmica, com quem tantos caminhos

    percorri desde sempre. Sem vocs eu no teria chegado at aqui, juro. Tambm agradeo a

    Maria Luisa Mendona por ter me estimulado com seus comentrios e sugestes sobre a

    minha pesquisa. Da mesma forma, agradeo de corao aos amigos/as do IBASE e em

    particular a Moema Miranda e Maria Elena Rodrguez, que nessa reta final tem me oferecido

    tanto apoio e confiana.

    Institucionalmente, indispensvel reconhecer o apoio de entidades como o CNPq, a

    FAPERJ e a CAPES, j que uma bolsa de estudo faz sim a diferena. Como estrangeiro, no

    poderei nunca agradecer o suficiente o apoio recebido, por meio delas, do povo brasileiro: h,

    ainda, muitas pessoas nesse pas que no tiveram acesso educao superior e inclusive que

    no conseguem completar a educao bsica. por isso que meu agradecimento e

    compromisso estaro para sempre vinculados a esse pas, que tanto tem me dado. Aproveito

    para lembrar a importncia de defender a educao pblica de qualidade em todos os nveis,

    garantindo acesso e boas condies para todos, em especial para crianas e jovens negros,

    indgenas, mulheres e outros grupos historicamente excluidos das salas de aula. Mesmo com

    avanos, preciso fazer muito mais aqui no Brasil, como um exemplo para os outros pases

    da regio de que possvel sim superar as maelas de tantos sculos de segregao e

    violncia.

    No posso encerrar esses agradecimentos sem fazer meno a todas as pessoas que me

    concederam ricas e extensas entrevistas para a elaborao dessa tese. Seus aportes foram

    chave para eu chegar at aqui e, portanto, quero enfatizar o extraordinrio valor de nossas

    conversaes, em especial, ampliando minha compreenso do objeto de pesquisa e me

    ajudando a explorar questes novas no processo. Tanto no meio acadmico quanto

    institucional e empresarial, teve a boa fortuna de encontrar pessoas abertas e dispostas ao

    dilogo. Espero no ter esquecido ningum, mas no posso jurar que dei conta da tarefa com

    total fidelidade. Contudo, me consola saber que a memria sempre uma inveno, como

    bem o ensinou o poeta Manoel de Barros. Isso faz com que o buraco na barriga no esteja

    mais incomodando e que eu possa agora dedicar o resto do domingo a escutar msica e

    repensar estas linhas. Obrigado!

  • vii

    RESUMO

    CERDAS VEGA, GERARDO ENRIQUE. A dupla serpente: Estado e agroindstria

    sucroenergtica brasileira na construo de uma nova matriz de insero global (2003-2014).

    2015. 391 p. Tese (Doutorado em Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e

    Sociedade). Instituto de Cincias Humanas e Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

    Rio de Janeiro, RJ. 2015.

    Desde 2003, a agroindstria sucroenergtica brasileira (ASB) tem vivenciado expressivas

    transformaes, associadas por um lado ao ressurgimento do etanol como alternativa aos

    combustveis fsseis, especialmente num contexto global de crise energtica e climtica e, por

    outro, intensa reconfigurao patrimonial do setor cuja marca fundamental tem sido, nos

    ltimos anos, a internacionalizao do complexo. Para compreender esse processo, a tese

    constri um marco terico e histrico que serve como referencial para situar a anlise das

    tendncias atuais, inserindo-as, assim, num movimento de longo prazo da economia e da

    poltica brasileiras, destacando-se o relevante papel do Estado na configurao das condies

    de acumulao de capital na agroindstria canavieira, no apenas no passado, mas ainda hoje.

    Portanto, entende-se que a internacionalizao desta agroindstria, hoje denominada de

    sucroenergtica, a resultante de mudanas que envolvem tanto a internacionalizao do

    capital e a globalizao econmica, quanto a construo de uma nova matriz de insero

    global ativamente elaborada por dentro do prprio Estado brasileiro (espao estratgico das

    disputas entre as diversas fraes do capital) pela redefinio do padro de acumulao a

    partir da dcada de 1990, quando iniciam: (i) uma forte virada para a liberalizao e

    desregulamentao econmica no plano domstico e (ii) um alargamento do espao global de

    acumulao, especialmente pela guinada para a financeirizao da economia, no plano

    externo. A resultante desse processo se reflete no predomnio do grande capital transnacional

    na agroindstria sucroenergtica, tanto na produo de acar, etanol, energia eltrica e outros

    produtos derivados da cana-de-acar, quanto na comercializao nacional e internacional de

    suas principais commodities. Da mesma forma, so analisados os arranjos poltico-

    institucionais setoriais construdos ao longo das ltimas duas dcadas e meia, sublinhando as

    continuidades e descontinuidades com relao ao passado e as diversas formas em que o

    Estado continua a ocupar um lugar central na sustentao da ASB. A internacionalizao do

    complexo sucroalcooleiro transformou as relaes entre Estado e agroindstria canavieira,

    introduzindo novos atores, dinmicas e escalas na disputa poltica. A tese busca dar uma viso

    panormica destas transformaes e se insere no conjunto de reflexes e pesquisas que

    historicamente tem debatido o lugar da agroindstria canavieira na economia e na poltica

    nacionais.

    Palavras-chave: Estado Agroindstria sucroenergtica Internacionalizao Etanol

  • viii

    ABSTRACT

    CERDAS VEGA, GERARDO ENRIQUE. The Double Serpent: State and Brazilian

    Sugarcane Agroindustry in building a New Matrix of Global Integration (2003-2014). 2015.

    391 p. Thesis (Doctorate in Social Sciences in Development, Agriculture and Society).

    Institute of Humanities and Social Sciences. Federal University of Rio de Janeiro, Rio de

    Janeiro, RJ. 2015.

    Since 2003, the Brazilian Sugarcane Agroindustry (BSA) has experienced significant

    transformations due, on the one hand, to the resurgence of ethanol as alternative to fossil

    fuels, especially in a context of global energy and climate crisis and, on the other, to the

    intense asset reconfiguration of the industry whose key feature has been, in recent years, their

    internationalization. To understand this process, the thesis builds a theoretical and historical

    landmark that serves as a reference to locate the analysis of current trends, placing them, thus,

    as part of a movement of long-term of Brazilian economy and politics, highlighting the

    important role of State in the configuration of capital accumulation conditions in BSA, not

    only at past, but today. Therefore, here we understood that the internationalization of

    sugarcane agroindustry is the result of changes that involve both the internationalization of

    capital and the economic globalization and the building a new global integration matrix

    actively developed within the Brazilian State itself, as strategic space of disputes between

    different fractions of capital, fighting for redefining the Brazilian accumulation pattern since

    the 1990s, when start (i) a strong domestic turn for the liberalization and economic

    deregulation and (ii) an expansion of the global accumulation space, especially by the shift to

    the financialization of the economy. The result of this process is reflected in the dominance of

    large transnational capital in the sugar-energy industry, both in the production of sugar,

    ethanol, cogeneration of electricity and other products derived from sugarcane, as in the

    national and international commercialization of its main commodities. Therefore, we analyzed

    the sectorial political and institutional arrangements, built over the past two and half decades,

    stressing the continuities and discontinuities with the past and the various ways in which the

    State continues to occupy a central place in support of BSA. The internationalization of the

    BSA transformed the relations between State and sugarcane industry, introducing new actors,

    dynamics and scales in the political dispute. The thesis seeks to give an overview of these

    changes and inserts itself into the stream of reflections and research that has historically

    debated the place of the sugarcane industry in the economy and national policy.

    Keywords: State - Sugarcane Agroindustry - Internationalization Ethanol

  • ix

    LISTA DE BOX, FIGURAS, GRFICOS E QUADROS

    Box I. Ciclos contemporneos de E&I da agroindstria sucroenergtica no Brasil...................... 7

    Box n. 2.1. Os mercados preferenciais de acar......................................................................... 85

    Box n. 5.1. Empresas integrantes da GranBio, Brasil................................................................... 243

    Figura n. I. Linha de tempo da agroindstria sucroenergtica brasileira desde a dcada de

    1970: alguns fatos relevantes........................................................................................................

    7

    Figura n. 3.1. Brasil. Localizao dos investimentos da Radar Propriedades Agrcolas

    S.A..............................................................................................................................................

    145

    Figura n. 4.1. As 25 maiores companhias do mundo por receitas e por ativos,

    2014.............................................................................................................................................

    206

    Figura n. 4.2. Diretorias entrelaadas entre companhias petroleiras e grandes bancos

    internacionais. 2013.....................................................................................................................

    209

    Figura n. 4.3. Composio acionria ADECOAGRO, 2014...................................................... 214

    Figura n. 5.1. Zoneamento agroecolgico da cana-de-acar...................................................... 236

    Grfico n. 2.1. Brasil: produo e consumo de lcool (anidro e hidratado), 1970-

    1982.............................................................................................................................................

    89

    Grfico n. 2.2. Evoluo dos investimentos pblicos no PNA, 1976-1989............................... 96

    Grfico n. 3.1. Taxa de juros (%): EUA e Europa (economia privada)...................................... 100

    Grfico n. 3.2. Valor global dos ativos financeiros e o PIB Mundial........................................ 102

    Grfico n. 3.3. Matriz energtica mundial (2012)...................................................................... 104

    Grfico n. 3.4. Brasil: exportaes e importaes (FOB), 1990-2014....................................... 120

    Grfico n. 3.5. Fuses e aquisies no Brasil, 2002-2014......................................................... 128

    Grfico n.3.6. Brasil: dispndio e receitas com a importao/exportao de petrleo e

    derivados (gasolina e leo diesel), 2002-2013............................................................................

    135

    Grfico n. 3.7. Brasil (regio Centro-Sul). Produo de lcool anidro, hidratado e acar,

    1985-2014.......................................................................................................................................

    137

    Grfico n. 3.8. Brasil. Evoluo da rea plantada com cana-de-acar, 1990-2012..................... 192

    Grfico n. 5.1. Desembolsos do BNDES para o setor sucroenergtico 2000-2014...................... 242

    Quadro n. 1.1. A diviso internacional do trabalho da mundializao......................................... 20

    Quadro n. 1.2. Interpretaes da globalizao............................................................................. 41

    Quadro n. 2.1. As prioridades de desenvolvimento definidas pelo II PND (1974-

    1979)............................................................................................................................................

    69

    Quadro n. 2.2. Fases do IAA e caracterizao da interveno estatal na agroindstria

    canavieira (1933-1974)................................................................................................................

    80

    Quadro n. 3.1. Estoque de capitais brasileiros no exterior, 2001-2013....................................... 126

    Quadro n. 4.1. Decretos, leis e principais disposies relativas reorganizao do complexo

    sucroalcooleiro, dcada de 1990 e incio da dcada de 2000........................................................

    159

    Quadro n. 4.2. Principais atores pblicos e privados do complexo sucroalcooleiro em perodos

    histricos recentes........................................................................................................................

    165

    Quadro n. 4.3. Comparao entre as competncias dos atores pblicos e privados do

    complexo sucroalcooleiro durante e depois do PNA....................................................................

    168

    Quadro n. 4.4. Grupos empresariais e usinas / destilarias que integram o quadro de associadas

    da UNICA, 2015.........................................................................................................................

    174

    Quadro n. 4.5. Presena global da BUNGE............................................................................... 198

    Quadro n. 4.6. Participao da PETROBRAS Biocombustvel na produo de acar e

    etanol............................................................................................................................................

    210

    Quadro n. 5.1. O atual arranjo poltico-institucional do acar e do lcool................................. 229

  • x

    LISTA DE SIGLAS

    ABAFRUTAS Associao Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas

    ABAG Associao Brasileira de Agribusiness

    ABC Agncia Brasileira de Cooperao

    ABDIB Associao Brasileira da Infra-Estrutura e Indstrias de Base

    ABECE Associao Brasileira de Empresas Trading

    ABFA - Advanced Biofuel Association

    ABIA Associao Brasileira das Indstrias da Alimentao

    ABICAB Associao Brasileira da Indstria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e

    Derivados

    ABIEC Associao Brasileira das Indstrias Exportadoras de Carnes

    ABIQUIM Associao Brasileira das Indstrias Qumicas

    ABIT Associao Brasileira da Indstria Txtil

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    ADM Archers Daniels Midland Company

    AIAA Associao das Indstrias de Acar e lcool do Estado de So Paulo

    AIE Agncia Internacional de Energia

    ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas

    AMCESP Associao dos Municpios Canavieiros do Estado de So Paulo

    AMCHAM Cmara Americana de Comrcio

    ANATEL Agncia Nacional de Telecomunicaes

    ANDA Associao Nacional para Difuso de Adubos

    ANEEL Agncia Nacional de Energia Eltrica

    ANFAVEA Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores

    ANP Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis

    ANTT Agncia Nacional de Transportes Terrestres

    APEX Agncia Brasileira de Promoo das Exportaes e Investimentos

    APLA Arranjo Produtivo Local do lcool

    ASB Agroindstria Sucroenergtica Brasileira

    BACEN Banco Central do Brasil

    BAMAPITO Bahia, Maranho, Piau e Tocantins

    BANESPREV Fundo de Penses do Banco do Estado de So Paulo

    BASA Banco da Amaznia S.A.

    BB Banco do Brasil

    BIC Brazil Industries Coalition

    BIOCANA Associao de Produtores de Acar, Etanol e Energia

    BM&FBOVESPA Bolsa de Mercadorias e Futuros do Estado de So Paulo

    BNB Banco do Nordeste do Brasil

    BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    BNDES-Par BNDES Participaes

    BP British Petroleum

    BRENCO Brazilian Renewable Energy Company

    BRICS Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul

    BUSBC Brazil - United States Business Council

    CADE Conselho de Administrativo de Defesa Econmica

    CACEX Carteira de Comrcio Exterior do Banco do Brasil

    CAI Complexo Agro Industrial

  • xi

    CAPADR Comisso de Agricultura, Pecuria, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da

    Cmara dos Deputados

    CASSA Compaia Azucarera Salvadorea S.A. (El Salvador)

    CBE Capitais Brasileiros no Exterior

    CDI Conselho de Desenvolvimento Industrial

    CEAM Comisso de Estudos sobre o lcool-Motor

    CEISE Centro Nacional das Indstrias do Setor Sucroenergtico e Biocombustveis

    CENAL Comisso Executiva Nacional do lcool

    CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe

    CEVASA Central Energtica Vale do Sapuca

    CDPA Comisso de Defesa da Produo de Acar

    CIDE Contribuio sobre Interveno no Domnio Econmico

    CIMA Conselho Interministerial do Acar e do lcool

    CINAL Comisso Interministerial do lcool

    CMN Conselho Monetrio Nacional

    CNA Confederao Nacional da Agricultura

    CNE Comisso Nacional de Energia

    CNI Confederao Nacional da Indstria

    CNAA Companhia Nacional de Acar e lcool

    CNAL Comisso Nacional do lcool

    CNAL Conselho Nacional do lcool/*

    CNPA Conselho Nacional de Poltica Agrcola

    CNPAE Centro Nacional de Pesquisa de Agroenergia

    CNPE Conselho Nacional de Poltica Energtica

    CNPEM - Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais

    CNP Conselho Nacional do Petrleo

    COFCO China National Cereals, Oils and Foodstuffs Corporation

    COMECOM Conselho para Assistncia Econmica Mtua

    CONAB Companhia Nacional de Abastecimento

    CONSECANA Conselho de Produtores de Cana de Acar, Acar e Etanol do Estado de

    So Paulo

    CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

    COPERFLU Cooperativa Fluminense dos Produtores de Acar e lcool

    COPERSUCAR Cooperativa Central dos Produtores de Acar e lcool do Estado de So

    Paulo

    CPRM Companhia de Recursos e Pesquisas Minerais

    CSAA Cmara Setorial do Acar e do lcool

    CTA Centro Tcnico da Aeronutica

    CTBE Laboratrio Nacional de Cincia e Tecnologia do Bioetanol

    CTC Centro de Tecnologia Canavieira

    CUT Central nica de Trabalhadores

    CVM Comisso de Valores Mobilirios

    DRN/MRE - Diviso de Recursos Energticos e Renovveis do Ministrio das Relaes

    Exteriores

    EBI Energy Biosciences Institute

    EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronutica

    EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    EMBRATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    EPA United States Environmental Protection Agency

    EPE Empresa de Pesquisa Energtica

  • xii

    EPL Empresa de Planejamento e Logstica S.A.

    ePURE European Renewable Fuel Association

    ESALQ Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

    E1G Etanol de primeira gerao

    E2G Etanol de segunda gerao

    E3G Etanol de terceira gerao

    E&I Expanso e Investimento

    FAESP Federao de Agricultura do Estado de So Paulo

    FAPESP Fundao de Apoio Pesquisa do Estado de So Paulo

    FAO Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e a Agricultura

    FEE Fundo Especial de Exportao

    FEBRABAN Federao Brasileira de Bancos

    FECOMBUSTVEIS Federao Nacional do Comrcio de Combustveis e Lubrificantes

    FENABRAVE Federao Nacional da Distribuio de Veculos Automotores

    FEPLANA Federao de Plantadores de Acar

    FGV Fundao Getlio Vargas

    FIB Frum Internacional sobre Biocombustveis

    FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

    F&A Fuses e Aquisies

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FNS Frum Nacional Sucroenergtico

    GBEP Global Bioenergy Partnership

    GEE Gases de Efeito Estufa

    GERAN Grupo Especial para a Racionalizao da Agroindstria Canavieira do Nordeste

    GRFA Global Renewable Fuel Alliance

    GRI Global Report Iniciative

    IAA Instituto do Acar e do lcool

    IAC Instituto Agronmico de Campinas

    IBAS Frum ndia, Brasil e frica do Sul

    IBC Instituto Brasileiro do Caf

    ICONE Instituto de Estudos do Comrcio e Negociaes Internacionais

    ICMS Imposto a Circulao de Mercadorias e Servios

    IED Investimentos Estrangeiros Diretos

    IETHA International Ethanol Trade Association

    IFC International Finance Corporation

    IFRS International Financial Reporting Standards

    ILUC Indirect Land Use Change

    INIMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia

    IPO Initial Public Offer

    IRENA Agncia Internacional de Energias Renovveis

    ISO International Organization for Standardization

    LAICA Liga Agrcola Industrial de la Caa de Azcar (Costa Rica)

    LDC Louis Dreyfuss Commodities

    MA Ministrio da Agricultura

    MAPA Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    MDA Ministrio de Desenvolvimento Agrrio

    MDIC Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior

    MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome

    MdE Memorando de Entendimento

    MERCOSUL Mercado Comum do Sul

  • xiii

    MF Ministrio da Fazenda

    MIC Ministrio da Indstria e Comrcio

    MLM Mercado Livre Mundial

    MMA Ministrio do Meio Ambiente

    MME Ministrio de Minas e Energia

    MTE Ministrio do Trabalho e Emprego

    MRE Ministrio das Relaes Exteriores

    MODERFROTA Programa de Modernizao da Frota de Tratores Agrcolas e Implementos

    Associados e Colheitadeiras

    MoU Memorandum of Understanding

    MP Mercado Preferencial

    NAEGA North American Export Grain Association (Estados Unidos)

    NGFA National Grain and Feed Association (Estados Unidos)

    OCB Organizao das Cooperativas Brasileiras

    OCDE Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico

    OEA Organizao dos Estados Americanos

    OLADE - Organizao Latino-americana de Energia

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    OPEP Organizao do Pases Produtores de Petrleo

    ORPLANA Organizao de Plantadores de Cana da Regio Centro-Sul do Brasil

    OTAN Organizao do Tratado do Atlntico Norte

    P&D Pesquisa e Desenvolvimento

    PAISS Plano de Apoio Inovao dos Setores Sucroenergtico e Sucroqumico

    PBIO PETROBRAS Biocombustveis S.A.

    PETROBRAS Petrleo Brasileiro S.A.

    PETROMOC Petrleos de Moambique S.A.

    PETROS Fundo de Penses da PETROBRAS.

    PIS/COFINS Programa de Integrao Social e Contribuio para o Financiamento da

    Seguridade Social

    PLANALSUCAR Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Acar

    PGPM Poltica de Garantia de Preos Mnimos

    PMB Produto Mundial Bruto

    PNA Programa Nacional do lcool

    PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente

    PRAA Programa de Racionalizao da Agroindstria Aucareira

    PREVI Fundo de Penses do Banco do Brasil

    PNRA Programa Nacional de Reforma Agrria

    PRORENOVA Programa de Renovao de Canaviais

    P&D Pesquisa e Desenvolvimento

    QIA Qatar Investment Authority

    RFA Renewable Fuel Association

    RFS Renewable Fuel Standard

    RIDESA Rede Interuniversitria para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergtico

    RSB Roundtable on Sustainable Biomaterials

    RSO Roundtable n Sustainable Oil

    SEPLAN Secretaria de Planejamento

    SGPR Secretaria Geral da Presidncia da Repblica

    SIAMIG Sindicato da Indstria da Cana de Acar de Minas Gerais

    SIFAEG Sindicato da Indstria de Fabricao de Etanol do Estado de Gois

    SIFAESP Sindicato da Indstria de Fabricao de lcool do Estado de So Paulo

  • xiv

    SIMESPI Sindicato das Indstrias Metalrgicas, Mecnicas, de Material Eltrico,

    Eletrnico, Siderrgicas, Fundies e Similares de Piracicaba e Regio

    SINDACAR/BA Sindicato da Indstria do Acar e lcool do Estado de Bahia

    SINDACAR/PE Sindicato da Indstria do Acar e lcool do Estado de Pernambuco

    SINDICOM Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustveis e de

    Lubrificantes

    SNA Sociedade Nacional da Agricultura

    SNCR Sistema Nacional de Crdito Rural

    SONAGOL Sociedade Nacional de Combustveis de Angola

    SOPRAL Sociedade de Produtores de Acar e lcool

    SPFZW Stichting Pensioenfonds Zorg en Welzijn (Holanda)

    SRB Sociedade Rural Brasileira

    STI Secretaria de Tecnologia Industrial

    SUMOC Superintendncia da Moeda e do Crdito

    TEAS Terminal de Exportao de lcool e Acar de Santos

    TNI Transnational Institute

    TTF Tripartite Task Force Brazil, European Union & United States of America

    UDR Unio Democrtica Ruralista

    UE Unio Europeia

    UEMOA Unio Monetria e Econmica do Oeste Africano

    UNICA Unio das Indstrias da Cana de Acar

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    UNIDA Unio Nordestina dos Produtores de Cana de Acar

    UNCTAD Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento

    USDA United States Department of Agriculture

    WRA World Refining Association

    ZAE Zoneamento Agroecolgico da Cana de Acar

    II PND II Plano Nacional de Desenvolvimento

    Nota

    /* Tanto a Comisso Nacional do lcool quanto o Conselho Nacional de lcool, criados em

    diferentes momentos do Programa Nacional de lcool, utilizaram-se da mesma sigla (CNAL).

  • xv

    SUMRIO

    INTRODUO............................................................................................................. 1

    CAPTULO I INTERPRETANDO O COMPLEXO. MERCADO MUNDIAL,

    GLOBALIZAO, ESTADO.....................................................................................

    13

    1.1. Mercado mundial, globalizao e estado..............................................................

    15

    1.1.1. A circulao do capital, a diviso internacional do trabalho e o papel do Estado

    na conformao do mercado mundial.............................................................................

    15

    1.1.2. Ciclos sistmicos de acumulao e ajustes espao-temporais: as contradies

    do capital.........................................................................................................................

    25

    1.2. Estado e globalizao numa perspectiva estratgico-relacional........................ 32

    1.2.1. Elementos para uma abordagem estratgico relacional do Estado.................. 33 1.2.2. Implicaes da globalizao para os Estados nacionais..................................... 39 1.2.3. A globalizao como fenmeno enraizado: uma anlise das tendncias globais em curso.............................................................................................................

    41

    1.2.3.1.A economia global est enraizada local, nacional e institucionalmente............ 43

    1.2.3.2.Os Estados na globalizao: algumas chaves de leitura.................................... 47

    1.2.3.3. Capacidades, pontos de inflexo e lgicas organizadoras................................. 52

    CAPTULO II A AGROINDSTRIA SUCROENERGTICA BRASILEIRA

    (ASB) EM PERSPECTIVA..........................................................................................

    58

    2.1. Brasil e o mercado mundial...................................................................................

    61

    2.1.1. Elementos gerais sobre a vinculao da economia brasileira com o mercado

    mundial............................................................................................................................

    61

    2.1.2. A trajetria da economia brasileira desde 1930 at a crise dos anos 1970............ 64

    2.1.3. Desdobramentos na agricultura: modernizao e formao dos Complexos

    Agroindustriais (CAI)......................................................................................................

    70

    2.2. A regulao e modernizao da agroindstria canavieira no Brasil (1931-

    1990)................................................................................................................................

    74

    2.2.1. Conjuntura e interveno estatal na agroindstria canavieira anterior

    formao do Instituto do Acar e do lcool (IAA)......................................................

    74

    2.2.2. A criao do Instituto do Acar e do lcool (IAA): papel, importncia e fases

    da interveno estatal na agroindstria canavieira (1933-1990).....................................

    79

    2.2.3. A instaurao do Programa Nacional de lcool (PNA): mudanas duradouras

    na agroindstria alcooleira e o comeo do fim do IAA..................................................

    86

    2.2.4. O arranjo institucional do PNA: atores, tendncias e conflitos............................ 91

    2.2.5. A fase final do PNA e as mudanas do complexo sucroalcooleiro na dcada de

    1990.................................................................................................................................

    95

    CAPTULO III - A NOVA MATRIZ DE INSERO GLOBAL DA

    ECONOMIA BRASILEIRA A PARTIR DA DCADA DE 1990 E A

    INTERNACIONALIZAO DA ASB.......................................................................

    98

  • xvi

    3.1. As dcadas de 1970 e 1980 como ponto de inflexo sistmica............................ 98

    3.2. Tendncias globais relevantes............................................................................... 103

    3.3. A nova matriz de insero global da economia brasileira a partir da dcada

    de 1990............................................................................................................................

    110

    3.3.1. Transformao da participao do Estado: os princpios da poltica econmica,

    a liberalizao, a abertura, a privatizao e a criao das agncias reguladoras.............

    111

    3.3.2. As mudanas na orientao da economia brasileira e as caractersticas do novo

    projeto hegemnico.........................................................................................................

    117

    3.3.3. Internacionalizao e reconfigurao patrimonial das empresas brasileiras no

    perodo recente................................................................................................................

    123

    3.3.4. Mudanas especificamente relacionadas com o setor agropecurio..................... 130

    3.4. A internacionalizao da agroindstria sucroenergtica no sculo XXI:

    expanso e crise (2003-2014).........................................................................................

    134

    3.4.1. A internacionalizao da agroindstria sucroenergtica no perodo 2003-2014... 138

    3.4.1.1. A fase de expanso: 2003-2010.......................................................................... 139

    3.4.1.2. A fase de crise: 2010-2014................................................................................. 149

    CAPTULO IV REFORMAS, REORGANIZAO SETORIAL E GRUPOS

    CORPORATIVOS MULTINACIONAIS NA INTERNACIONALIZAO DA

    ASB.................................................................................................................................

    156

    4.1. Mudanzas relativas regulao do mercado de acar e etanol e seus

    reflexos na organizao setorial (criao da UNICA)...............................................

    156

    4.1.1. As mudanas na regulao setorial na dcada de 1990, abertura e

    desregulamentao / re-regulamentao..........................................................................

    158

    4.1.2. O impacto das reformas na organizao da agroindstria sucroenergtica.

    Conflitos setoriais, a formao e composio da UNICA, suas formas de atuao, as

    mudanas setoriais dos anos 1990 e os novos arranjos poltico-institucionais que ela

    promove...........................................................................................................................

    169

    4.2. Anlise dos principais grupos corporativos que integram a UNICA................ 194

    4.2.1. As grandes tradings do agronegcio: BUNGE, CARGILL e LDC............... 195

    4.2.2. As grandes petroleiras: SHELL, BP, PETROBRAS............................................ 205

    4.2.3. Os fundos de investimento e outros grupos internacionais................................... 211

    CAPTULO V O ESTADO BRASILEIRO E A INTERNACIONALIZAO

    DA AGROINDSTRIA SUCROENERGTICA....................................................

    218

    5.1. Os novos arranjos poltico-institucionais relativos agroindstria

    sucroenergtica..............................................................................................................

    219

    5.1.1. O Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE)........................................ 223 5.1.2. A Agncia Nacional de Petrleo, Gs e Biocombustveis (ANP)...................... 224 5.1.3. O Conselho Interministerial do Acar e do lcool (CIMA)............................. 226

    5.1.4. A Cmara Setorial do Acar e do lcool (CSAA)........................................... 229

    5.2. O Estado e a internacionalizao da agroindstria sucroenergtica................. 231

    5.2.1. Estruturao territorial e de mercados................................................................. 233 5.2.2. Financiamento para instalaes industriais, reforma de canaviais e inovao

    tecnolgica: o BNDES e a internacionalizao do complexo sucroenergtico...............

    240

    5.2.3. Promoo internacional: diplomacia e estratgia comercial............................... 244

  • xvii

    5.2.4. Regulao, coordenao e participao no negcio de etanol............................ 252 5.2.5. Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).................................................................. 255 5.2.6. Regulao das relaes trabalhistas..................................................................... 258 5.3. O Estado na arena internacional: a formao de espaos de governana

    supranacionais do etanol...............................................................................................

    262

    CONCLUSES. A DUPLA SERPENTE: ESTADO E AGROINDSTRIA

    SUCROENERGTICA BRASILEIRA NA CONSTRUO DE UMA NOVA

    MATRIZ DE INSERO GLOBAL (2003-2014)...................................................

    268

    BIBLIOGRAFIA........................................................................................................... 283

  • xviii

    O concreto concreto porque a sntese

    de muitas determinaes, isto , unidade do diverso.

    Karl Marx

    Introduo Crtica da Economia Poltica

    O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi

    tecido junto; de fato, h complexidade quando elementos diferentes so inseparveis

    constitutivos do todo (como o econmico, o poltico, o sociolgico, o psicolgico, o afetivo, o

    mitolgico), e h um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de

    conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso,

    a complexidade a unio entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos prprios a

    nossa era planetria nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutvel com

    os desafios da complexidade.

    Edgar Morin

    Os sete saberes necessrios educao do futuro

    "O capitalismo , por essncia, conjectural.

    Fernand Braudel

    A dinmica do capitalismo

  • 1

    INTRODUO

    A tese que apresento aqui resultado de vrios anos de pesquisa, inclusive de um

    perodo que antecedeu realizao do mestrado e do doutorado no CPDA. H alguns anos,

    quando ainda morava na Costa Rica, comecei me interessar por questes relacionadas com a

    crise alimentar centro-americana e com a acelerada perda de soberania alimentar por parte de

    todos os pases daquela regio, questo que se fez evidente durante a drstica elevao dos

    preos dos alimentos entre 2007 e 2008. Dentre as causas daquele surto no preo dos

    alimentos, apontava-se na poca a crescente produo dos chamados biocombustveis, num

    momento em que vrios pases sinalizavam claramente a vontade de incorpor-los de forma

    duradoura em suas respectivas matrizes energticas.

    O cenrio internacional era complexo e uma das suas marcas mais expressivas era o

    elevado preo do petrleo, criando toda sorte de expectativas sobre o suposto papel que

    caberia ao etanol e outros combustveis de biomassa na superao da dependncia fssil dos

    diversos pases e na diminuio da poluio ambiental causada pelo crescente despejo de CO2 (e outros gases de efeito estufa) na atmosfera do planeta, tanto pela indstria quando pelos

    transportes. Tanto pases desenvolvidos como em desenvolvimento comearam falar do etanol

    em termos promissrios, anunciando suas intenes de aumentar sua participao nas

    respectivas matrizes energticas.

    Meu interesse pelo tema s aumentou quando fui convidado, em maro de 2007, pela

    Rede de Justia e Direitos Humanos, para participar em um Seminrio Internacional que

    discutiria os impactos socioambientais dos agrocombustveis, como foram chamados pelos

    movimentos sociais, em particular pela Via Campesina. Naquele mesmo momento (no mesmo

    ms de maro), os Estados Unidos e o Brasil selavam uma aliana, a Aliana do Etanol

    (como a imprensa se deu ao trabalho de repetir), assinando o famoso Memorando de

    Entendimento entre os Estados Unidos e o Brasil para avanar na Cooperao sobre

    Biocombustveis. O acordo buscava a commoditizao do etanol e envolveria, para alm

    dos pases signatrios, terceiros pases (da frica, Amrica Central e Caribe) com potencial de

    produo de cana-de-acar e seus respectivos derivados.

    Aquele documento foi tido por muitos analistas, dentre eles eu, como um marco na

    dinamizao e ampliao da escala de produo de etanol em patamar continental e, inclusive,

    global, acirrando o debate fuel versus food que estava, de fato, em seu ponto mais lgido.

    Naquele tempo, minhas preocupaes se expressaram na escrita de um artigo sobre o tema,

    que seria publicado pelo Anurio de Estudos Centro-Americanos, da Universidade de Costa

    Rica, em 2008. Refletindo bem o teor dos debates daquele momento, titulei-o:

    Agrocombustveis: as ameaas do imperialismo verde.

    Enfim, fao essa breve digresso apenas para dizer que fui chegando ao tema da

    presente pesquisa aos poucos, e no de uma vez s. Mais tarde, quando fui aceito para cursar

    o mestrado no CPDA (em 2010), as primeiras formulaes da pesquisa focaram nos esforos

    do governo brasileiro para transformar o etanol numa commodity global, naquele momento,

    um dos principais objetivos da poltica externa comandada pelo ex-ministro das Relaes

    Exteriores Celso Amorim e pelo ex-presidente Lula em pessoa. daquele momento a frase

    diplomacia do etanol, questo que chamou a minha ateno e sobre a qual tentei articular

    algumas ideias visando elaborao de minha dissertao de mestrado.

  • 2

    Contudo, a realidade terminou se impondo e demonstrando que a diplomacia do

    etanol foi uma nuvem passageira. O governo instalado a partir de 1 de janeiro de 2011 deu

    menor importncia promoo do etanol mundo afora. Isto no quer dizer que o etanol saiu

    da pauta, mas sim, que ele no foi mais o alvo prioritrio da poltica externa. Assim, j no

    doutorado, comecei amadurecer o que seria uma nova abordagem para o tema, considerando

    aspectos mais estruturais do movimento da agroindstria sucroenergtica vivenciado desde

    2003. Via vrias tendncias operando e uma srie de pesquisas, acadmicas ou no, tentando

    dar conta do fenmeno, em especial no tocante aos impactos socioambientais da acelerada

    expanso na produo de cana-de-acar e seus derivados, particularmente do etanol. Foi ali

    que surgiu a ideia de analisar o processo de crescente internacionalizao da agroindstria

    sucroenergtica brasileira (ASB), um aspecto muito relevante da problemtica, mas que tinha

    sido relativamente pouco estudado, em parte por ele ter se acelerado apenas em 2008 e em

    parte, talvez, pela premncia das questes socioambientais em termos de impactos sociais

    visveis e imediatos.

    Por internacionalizao da agroindstria sucroenergtica, quis fazer referncia ao

    intenso movimento de dupla mo caracterizado, por uma parte, pela projeo de empresas

    brasileiras para fora, tanto pela exportao de etanol para novos mercados como buscando se

    estabelecer em terceiros pases (inclusive como fornecedores de equipamentos industriais),

    ampliando assim a influncia brasileira e abrindo oportunidades de negcios num setor que

    prometia uma expanso continuada. Por outra parte, a internacionalizao setorial estava

    cada vez mais se expressando no movimento de concentrao e centralizao de capital

    pelo qual grandes empresas multinacionais passaram a controlar, parcial ou totalmente,

    tanto a produo de etanol quanto a propriedade das empresas do ramo.

    Pareceu-me, tambm, que era preciso desenvolver uma abordagem terica que no

    ficasse limitada dinmica do capitalismo e do Estado brasileiros, dadas as expressivas

    e inmeras conexes do processo com o movimento mais abrangente da economia

    global. No quis, neste sentido, partir de uma leitura centrada nas empresas, em suas lgicas e

    estratgias especficas, considerando-as o efeito, e no a causa, da internacionalizao

    observada. Qual seria um ponto de partida adequado minha anlise? Inicialmente, a questo

    da internacionalizao do capital me pareceu ser um fio condutor pertinente, j que ele

    permitiria a articulao da anlise do Estado, do capital e de suas diversas interfaces no

    processo de expanso em que ambos auferem ganhos, materiais e simblicos, que consolidam

    suas respectivas posies de poder. Considerando essas questes, a primeira formulao a

    limpo do nosso objeto de pesquisa foi definida nos seguintes termos, l em 2013:

    Cabe a formulao de nosso objeto de pesquisa como a anlise da relao entre

    Estado e grupos corporativos, na construo de uma nova matriz de insero global da

    agroindstria sucroenergtica, tendo como pano de fundo o processo de

    internacionalizao do capital.

    Assim, estabeleci uma relao fundamental: Estado e grupos corporativos. Ademais,

    falei de uma nova insero global, querendo de esta forma resumir as caractersticas

    diferenciadas da insero do complexo na economia global, com relao ao passado. E falei

    tambm em internacionalizao do capital no sentido de internacionalizao de uma relao

    social e no apenas de uma mera expanso da atividade econmica.

    Com relao aos objetivos da pesquisa, a ideia principal era, naquele momento,

    analisar a relao entre o Estado brasileiro e os grupos corporativos da agroindstria

  • 3

    sucroenergtica, tal como esta relao se materializa na atuao de suas agncias e

    instncias representativas, que de forma combinada favorecem a insero da ASB numa

    nova matriz de insero global caracterizada pela centralizao, concentrao e

    internacionalizao do capital, a partir de 2003 aproximadamente. Para tanto, seria

    necessrio compreender a reorganizao do complexo canavieiro entre as dcadas de 1980 e

    1990, tanto econmica quanto politicamente, assim como mapear os novos arranjos

    institucionais mediante os quais o Estado brasileiro continuava a manter expressiva

    capacidade de regular a expanso de um dos setores mais tradicionais do agronegcio,

    considerando ao mesmo tempo os potenciais conflitos interburocrticos presentes.

    Colocadas essas questes, ficou evidente que uma abordagem adequada do assunto

    implicaria tambm com avanar na compreenso da forma em que os interesses do grande

    capital transnacional so representados politicamente e dos mecanismos de influncia e

    participao que estes grupos corporativos acessam no Brasil. Tomei como referncia as

    empresas que integram o quadro base da Unio da Indstria da Cana de Acar (UNICA),

    considerando em especial os grandes grupos que conformam esta entidade, as relaes de

    poder que se estabelecem entre eles e os eventuais conflitos internos que nela tem lugar. J

    com relao s hipteses, foram colocadas as seguintes afirmaes orientadoras:

    Hipteses

    Est em curso um processo de concentrao, centralizao e internacionalizao da agroindstria sucroenergtica brasileira, cuja viabilizao possvel apenas pela

    ao combinada do Estado brasileiro e daqueles grupos corporativos que j

    atuam numa escala internacional ou que tem chances significativas de faz-lo, do

    qual derivam-se ganhos polticos e econmicos importantes, embora desiguais para os

    diversos atores, dada a natureza estratgica da ao destes.

    Os atores envolvidos no processo agem a partir de interesses especficos, que se combinam favorecendo a internacionalizao da ASB, mas que no so idnticos.

    Assim, o Estado brasileiro atua movido por seu desejo de reconhecimento

    internacional como potncia emergente, de maneira que itens como a cooperao com

    terceiros pases e sua prpria transformao em potncia energtica, em particular no

    tocante a energias renovveis, seriam relevantes como elementos positivos na

    legitimao do seu papel num mundo multipolar. Por sua vez, os grupos corporativos

    atuam visando oportunidades de negcios dentro e fora do Brasil, apostando em

    setores com boas expectativas de expanso do agronegcio, porm, nos quais

    inexiste um mercado global bem definido, como no caso dos combustveis de

    biomassa, beneficiando-se da ao do Estado.

    O atual arranjo institucional do etanol apresenta diferenas expressivas com relao quele prvio dcada de 1990, no sentido de que o Estado no dispe mais de

    mecanismos centralizados de deciso, de que as regras do jogo no so mais

    determinadas a partir de critrios fixos e de que os grupos empresariais tem um peso

    relativo maior na determinao das polticas. Ao mesmo tempo, apresenta

    importantes semelhanas, no sentido de ser um arranjo fragmentado, do qual

    participam diversas agncias estatais e privadas, cada qual agindo de forma estratgica

    na consecuo de fins especficos, no qual prevalecem formas de representao no

    formalizadas numa nica estrutura de representao vertical e central.

  • 4

    A internacionalizao da agroindstria sucroenergtica brasileira se enquadra no processo de internacionalizao do capital em escala global, resultante das

    mudanas havidas no sistema-mundo durante as ltimas quatro dcadas; portanto, no

    podemos observar e analisar o fenmeno com relao apenas dinmica econmica

    nacional, mas com relao ao conjunto, considerando o carter internacionalizado da

    formao social brasileira desde seus primrdios at hoje e, ao mesmo tempo, os

    elementos especficos que do forma a seu Estado e interrelao entre este e os

    grupos de poder econmico, internos e externos.

    Considerando os elementos anteriores, relevante fazer algumas aclaraes que

    facilitaro a leitura da tese. Em primeiro lugar, o objeto de pesquisa insere-se na discusso

    mais ampla relativa modernizao da agricultura brasileira. Como sabido, se trata de um

    debate complexo, sustentado por diversos autores e que abarca muitos processos interligados,

    dentre eles a industrializao do Brasil e suas caractersticas e condicionantes, a expanso de

    um determinado paradigma cientfico-tcnico vinculado agricultura no segundo ps-guerra,

    as relaes de poder por dentro e por fora do Estado, dentre outros tpicos. Esse debate, que

    dista muito de ser conclusivo, emergiu como contraposio ao debate sobre a questo

    agrria que caracterizou as dcadas de 1950 e 1960, contudo, no ser possvel abordar de

    maneira to ampla como mercem essas ricas discusses. Nossa abordagem visa uma leitura

    crtica das teorias da modernizao da agricultura ao inserir a discusso num marco conceitual

    mais amplo.

    suficiente por ora lembrar que um dos pontos centrais da discusso girou ao redor da

    categoria de complexo agroindustrial (CAI), surgida nos anos 1980 e que analisou a grande

    agricultura brasileira (tal como configurada na dcada de 1970), como aquela caracterizada

    pela articulao a montante e a jusante de atividades vinculadas produo agrcola

    (produo de bens de capital, as atividades propriamente agrcolas e agroindstria

    processadora), integradas pelo capital financeiro e pelo Estado. Sem a inteno de simplificar

    o debate, que ser retomado mais a frente, interessa aqui reter a ideia, presente ao longo da

    tese, de que houve efetivamente um processo de modernizao da agroindstria canavieira a

    partir da dcada de 1970, induzido autoritariamente pelo Estado brasileiro, que ampliou e

    modificou as bases da acumulao de capital nesse setor da grande agricultura. A noo de

    CAI no dever ser entendida como a descrio de um fenmeno efetivamente constitudo,

    mas como uma categoria analtica aberta, til para pensar nos fluxos e nos mltiplos

    encadeamentos de atores e processos que tem lugar no conjunto da ASB. Igual cuidado deve

    ser tomado com relao noo, muito mais imprecisa, de agronegcio, que parece ter

    substitudo por completo a discusso sobre os complexos agroindustriais, embutindo por

    dentro dela toda uma gama de questes de difcil equalizao.1

    Assim, quando se fala, na literatura especializada, de agroindstria canavieira

    (SZMRECSNYI, 1979) ou, ainda, de complexo agroindustrial canavieiro (RAMOS,

    1999), usualmente considera-se que a categoria envolve os diversos elos da cadeia produtiva,

    quer dizer, os produtores de acar e lcool, os produtores de cana-de-acar e os produtores

    de mquinas e equipamentos e outros insumos para essa agroindstria. Nessa pesquisa,

    considerando a complexidade da cadeia produtiva da cana-de-acar como um todo e as

    especificidades de cada um de seus subsetores, preciso delimitar a abrangncia da anlise.

    1 Para uma discusso ampla sobre o conceito de agronegcio ver Mendona (2013).

  • 5

    Portanto, focarei no elo especificamente agroindustrial da cadeia, considerando sua

    posio privilegiada como controladores dos produtos finais (acar, lcool e

    termoeletricidade), assim como o fato desses produtores tambm controlarem a produo de

    uma grande parcela da matria prima utilizada no setor.2 Ademais, por ser

    preponderantemente na parte agroindustrial onde o processo de internacionalizao tem

    ocorrido nos ltimos anos, a ateno dar prioridade a este segmento, em particular queles

    grupos representados pela Unio das Indstrias da Cana de Acar (UNICA), com presena

    na regio Centro-Sul, predominando os grandes produtores do Estado de So Paulo.3

    Nos ltimos anos, ganhou fora a denominao de (agro) indstria sucroenergtica

    para se referir agroindstria canavieira, para enfatizar sua significativa participao na

    produo e comercializao de energia a partir de biomassa (e no apenas de acar, seu

    produto final tradicional), em particular, mediante a produo em larga escala de etanol

    (anidro e hidratado), assim como, mais recentemente, mediante a cogerao de eletricidade a

    partir da queima do bagao e da palha da cana, antigamente descartados como resduos do

    processamento industrial da matria prima.

    Dado que a pesquisa prestar ateno, no fundamental, dimenso energtica do

    setor e a seus desdobramentos recentes na perspectiva da internacionalizao, preferi adotar a

    denominao de agroindstria sucroenergtica, podendo usar a sigla ASB ao longo do

    texto, para facilitar a leitura. Na verdade, nos meios empresariais utiliza-se a noo de

    indstria sucroenergtica, mas isso faz com que se perca a conexo com a dimenso

    agrcola. Mas a cana-de-acar e seguir sendo um produto agrcola, independentemente de

    quanto avance seu processamento industrial, e inclusive esse fato um dos principais

    empecilhos commoditizao do etanol, dadas a sazonalidade da matria-prima e a

    instabilidade decorrente dos volumes de produo, que podem apresentar altas e baixas

    dramticas de uma safra para outra.

    Desde a primeira metade da dcada de 2000 e at a atualidade, a ASB tem mostrado

    um expressivo dinamismo, inclusive a despeito dos impactos da crise financeira global, que se

    fizeram sentir com peso a partir das safras 2009 e 2010, em paralelo com fenmenos

    climticos (seca ou chuva fora do padro) e aspectos relacionados com a poltica setorial a

    partir de 2011 (com a chegada de um novo governo), fatores que, segundo seus porta-vozes,

    incidiram negativamente sobre a produtividade do setor.

    O crescimento acelerado da produo de etanol e da rea cultivada de cana nos ltimos

    anos, o aumento da produtividade agrcola e do consumo de etanol nas grandes cidades

    brasileiras (impulsionado pela adoo do veculo flex, em 2003), assim como o acelerado

    2 Segundo dados da Organizao de Plantadores de Cana da Regio Centro-Sul do Brasil (ORPLANA), na safra

    2009/2010, os quase 14 mil produtores de cana-de-acar da regio (77% deles concentrados no Estado de So

    Paulo), entregaram um total de 139,2 milhes de toneladas para a moagem das usinas (ORPLANA, 2014). Por

    sua vez, segundo a Unio das Indstrias da Cana de Acar (UNICA), o total de cana moda naquela safra (na

    regio Centro-Sul) foi de 541,9 milhes de toneladas (UNICA [a], 2014). Considerando esses dados, na safra

    2009/2010, o elo agroindustrial da cadeia produtiva alimentou suas usinas e destilarias com aproximadamente

    74% de cana prpria. Numa perspectiva histrica, isso faz parte do processo de constituio da ASB no Brasil,

    caracterizado pelo fracasso de todas as tentativas de separar a parte agrcola e a parte industrial dos

    estabelecimentos, como resultado do qual, ainda hoje, as usinas e destilarias so praticamente autossuficientes e

    os fornecedores de cana continuam a ser um setor de menor poder relativo. (RAMOS, 1999; SUZIGAN, 2000;

    SOARES, 2001). 3 De acordo com os dados da entidade, as mais de 130 companhias associadas UNICA so responsveis por

    mais de 50% do etanol e 60% do acar produzidos no Brasil. (NICA [b], 2014).

  • 6

    processo de concentrao e centralizao de capital verificado desde 20004, sob o comando do

    grande capital (nacional e/ou transnacional), so expresses de um novo ciclo de expanso

    setorial cuja interpretao precisa de ferramentas conceituais adequadas leitura de mltiplos

    fenmenos (de longo e curto prazo) que convergem na configurao desse processo.

    Por exemplo, no plano temporal mais imediato, o ano 2003 trouxe consigo, ademais

    do incio da segunda guerra do Iraque e da consequente elevao do preo internacional do

    petrleo (no plano externo), a chegada ao Governo Federal do Partido dos Trabalhadores, na

    figura de Luiz Incio Lula da Silva (no plano interno). Ambos os assuntos receberam

    ateno maiscula dentro e fora do Brasil e pode-se dizer que eles foram signos de uma

    mudana de poca: o primeiro, mal agourado; o segundo, auspicioso. Tambm, nesse ano, a

    indstria automobilstica brasileira deu os primeiros passos na adoo de uma nova

    tecnologia, deciso que teria significativas e imediatas consequncias: a introduo dos

    motores flex-fuel, capazes de funcionar tanto com gasolina quanto com lcool, ou com

    qualquer combinao de ambos.

    Contudo, qual a relao entre esses trs fenmenos, aparentemente muito diferentes

    entre si? Por caminhos insuspeitados, a conjuno desses elementos resultou fundamental

    para a emergncia de um segundo ciclo de expanso, investimentos e acumulao de capital

    na agroindstria canavieira brasileira entre 2003 e a atualidade, viabilizado fundamentalmente

    pela ascenso do etanol como a nova panaceia no campo das alternativas energticas, numa

    poca marcada pelo debate internacional em torno do aquecimento global e das mudanas

    climticas, dando origem a diversas solues de mercado para essas questes. Nesses anos,

    teve incio, verdadeiramente, a era do capitalismo verde.

    Falo de um segundo ciclo de expanso e investimentos porque, nas dcadas de 1970

    e 1980, a instaurao do Programa Nacional de lcool (PNA) marcou o incio do primeiro

    grande ciclo contemporneo de crescimento setorial, catapultando o complexo aucareiro

    tradicional para patamares de produo nunca antes vislumbrados, em particular, no tocante

    produo de lcool combustvel: dos 555 milhes de litros produzidos em 1975, saltou-se para

    11,7 bilhes de litros apenas uma dcada depois (CAVALCANTI, 1992, p. 3-5) ou seja um

    aumento de mais de 2000%.

    Semelhante crescimento esteve acompanhado de uma expanso territorial significativa

    e de uma intensa reconfigurao patrimonial no setor, com o avano e consolidao de

    grandes grupos agroindustriais, reunindo numa s figura o produtor agrcola e o processador

    industrial, sobre a base da grande propriedade fundiria. Durante todo o processo, o suporte

    financeiro e poltico do Estado foi a pea-chave do crescimento, como terei ocasio de

    demonstrar. Durante a dcada de 1990, houve uma paralizao dos investimentos, quadro que

    se reverteria a partir de 2003, como j mencionado. De maneira grfica, a seguinte figura

    permite observar a sucesso de alguns eventos relevantes na trajetria da ASB nas ltimas

    dcadas.

    4 Naquele ano, ocorreram as primeiras IPO (sigla em ingls de Oferta Pblica Inicial de aes) setorial, quando

    os grupos COSAN, Guarani e So Martinho abriram seu capital. Logo em seguida algumas das maiores tradings

    agrcolas do mundo se associaram a grupos brasileiros produtores de acar e lcool, dentre elas Cargill

    (CEVASA), ADM (Cabrera), Bunge (Santa Juliana) e Dreyfus (Tavares de Melo). (BIAGI FILHO, 2009: 195).

  • 7

    Siglas. IAA: Instituto do Acar e do lcool. Ciclo E&I: Ciclo de expanso e investimentos.

    Quando falo de internacionalizao da ASB, por outra parte, fao referncia de

    maneira explcita ao processo de entrada de grandes capitais estrangeiros na produo de

    etanol e acar, assim como aos desdobramentos econmicos e polticos desse fenmeno.

    No obstante, a internacionalizao em si mesma no algo novo para a agroindstria

    canavieira, como atestam suas origens histricas e a importncia que o capital estrangeiro

    ganhou na passagem do sculo XIX para o XX (quando por iniciativa do governo imperial

    buscou-se modernizar os engenhos brasileiros recorrendo a capitais forneos) e pelo fato de

    que a mesma modernizao da agricultura no Brasil j teve expressiva participao de capitais

    externos, especialmente americanos. Desta maneira, o uso que fao do termo aponta para

    processos mais restritos no tempo e uma forma de sinalizar o carter ou tendncia geral mais

    significativa que observamos com relao ao conjunto da ASB na atualidade.

    Assim, sem o desejo de esquematizar demasiado o processo, mas com o intuito de

    mostrar momentos os mais marcantes, aponto a seguir alguns elementos que permitem

    visualizar de forma rpida os temas que sero desenvolvidos ao longo da tese.

    Box n. I.

    Ciclos contemporneos de E&I da agroindstria sucroenergtica no Brasil

    Dcadas de 1970-1980. Incio e fim do PNA: O PNA foi o programa governamental que

    elevou o lcool a patamares de produo e consumo inditos no Brasil e no mundo.

    Estima-se que teve um custo prximo a US$ 19 bilhes (entre subsdios e emprstimos),

    financiado em grande medida com recursos do Sistema Nacional de Crdito Rural e do

    Banco Mundial. Foi o primeiro grande ciclo contemporneo de expanso e investimento

    (E&I) setorial.

    Dcada de 1990 e incios da dcada de 2000: Profundas reformas institucionais e

    corporativas. extinto o Instituto do Acar e do lcool e comea o processo de

    reestruturao institucional relativo ao setor, junto com mudanas significativas na

    composio setorial e em suas organizaes de representao.

    2003. Lanamento do carro flex-fuel: A nova tecnologia veio mudar completamente o

    panorama, devolvendo a confiana aos consumidores e favorecendo a elevao continuada

    do consumo de etanol hidratado, utilizado diretamente no motor. O Ministrio da

  • 8

    Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA) teve papel relevante na deciso de

    impulsar a nova tecnologia, inclusive contra a rejeio inicial de uma parte dos usineiros.

    2004-2008. Inicia o 2 ciclo de E&I: Novos investimentos (greenfields) fazem

    aumentar de forma significativa a rea plantada e a produo de etanol. Fuses e

    Aquisies (F&A) entre empresas nacionais, consolidando a posio dos principais

    grupos no topo do complexo. Forte envolvimento do Banco Nacional de Desenvolvimento

    Econmico e Social (BNDES) como agente financeiro do processo. Mais de 100 novas

    usinas so construdas e duplica-se o tamanho das lavouras canavieiras. o perodo de

    auge da diplomacia do etanol.

    2008-2010. Perodo de crise setorial e internacionalizao: A crise internacional atinge

    o setor e desacelera o ritmo dos investimentos, junto com ocorrncias climticas severas.

    Intensifica-se a internacionalizao do complexo sucroenergtico, com a entrada de

    grandes companhias multinacionais que passam progressivamente a dominar o setor. O

    governo continua a promover o etanol no mbito internacional, porm com menos

    intensidade.

    2010-2015. Crise generalizada no complexo e redefinio de rumos: Nos ltimos anos,

    mais de 60 usinas faliram e at grandes grupos multinacionais ficaram no vermelho. O

    governo deixa de priorizar a promoo internacional do etanol e enfatiza a explorao do

    pr-sal; contudo, o investimento do BNES no complexo sucroenergtico continua alto.

    Novas tendncias comeam se desenhar no horizonte: investimentos na renovao de

    canaviais, mecanizao da colheita, cogerao de eletricidade, etanol de segunda e terceira

    gerao, novos materiais (bioplsticos), novas variedades e transgenia da cana-de-acar,

    dentre outras. O BNDES passa a dar maior relevncia e esses itens.

    Finalmente, cabe um comentrio com relao periodizao da pesquisa.

    Concretamente, como estabelecido no ttulo da tese, presto ateno no fundamental a um

    conjunto de fenmenos e questes localizadas entre 2003 e 2014. Como j mencionado, o ano

    de 2003 tomado como ponto de partida por ser este o momento em que o carro flex-fuel

    foi lanado no mercado nacional, sendo considerado por vrios analistas e pesquisadores o

    principal ponto de inflexo na trajetria ascendente da ASB na ltima dcada. Encerro no ano

    2014 porque foi durante este ltimo que realizei o trabalho de campo e sistematizei a maior

    parte das informaes (documentos, depoimentos, relatrios de pesquisa, teses, etc.) que

    embasam o trabalho. Durante essa dcada, o arco da expanso e crise da ASB permite a

    anlise das diversas tendncias e questes relevantes que informam seu processo de

    internacionalizao, sendo um tempo suficientemente grande como para permitir a observao

    da histria em movimento, e suficientemente curto como para no perder o fio da meada e

    manter um foco concreto. De todas as formas, como se ver ao longo da tese, para analisar o

    perodo escolhido, preciso ir para trs com muita frequncia, na medida em que as razes do

    presente remetem a uma complexidade de assuntos passados cuja ponderao, mesmo nos

    limites de uma tese, indispensvel para se entender as configuraes do objeto de estudo e

    suas potencialidades futuras.

    Estrutura da tese

    Para abordar esses processos, inicio o Captulo I com um posicionamento terico

    adequado ao objeto de pesquisa, partindo da anlise de Marx sobre a circulao de capital e a

    progressiva criao do mercado mundial, cuja dinmica desigual e contraditria est na base

    de uma expanso inevitvel do capitalismo na tentativa de superar, justamente, suas

    contradies temporais e espaciais. Dentre outras coisas, isso nos permite enquadrar aspectos

    centrais da pesquisa, como o intenso processo de fuses e aquisies da ASB vivenciado nos

  • 9

    ltimos anos, dentro das tendncias seculares e internas do capitalismo, caracterizado

    intrinsecamente pela acumulao, concentrao e centralizao de capital como componente

    de sua prpria circulao expansiva. Introduzo complementarmente reflexes sobre a diviso

    internacional do trabalho contempornea, no marco da globalizao, assim como sobre a

    internacionalizao do capital e sobre o papel do Estado na configurao destas dinmicas

    sistmicas.

    Assim, chamo a ateno para a existncia de tendncias gerais como o

    desenvolvimento de ciclos sistmicos de acumulao (segundo autores como Giovanni

    Arrighi) e o mecanismo de ajustes espao-temporais (tal como tratado por David Harvey), que

    operam como um dispositivo para aliviar a tenso autodestrutiva intrnseca ao capital, a cada

    passo prestes a implodir se ele no for capaz de aumentar sua prpria escala de operao e sua

    magnitude absoluta. por isso que, como Braudel, considero o capitalismo como algo

    eminentemente conjectural, sujeito a uma constante destruio e recomposio, cuja

    existncia cclica, porm, no linear. Ainda no Captulo I, vou trabalhar com as noes

    desenvolvidas por Nicos Poulantzas, Bob Jessop e Saskia Sassen, cujas abordagens enfatizam

    a anlise do Estado como:

    (i) Constitudo a partir de uma dinmica estratgico-relacional, onde os diversos agentes (classes sociais e fraes de classe, grupos econmicos,

    agncias burocrticas, etc.) disputam entre si pela orientao da economia e

    da poltica, num balano instvel de foras que devem ser constantemente

    renegociadas, o qual determina em larga medida quais sero os grupos

    capazes de impor, respectivamente, um projeto hegemnico e uma estratgia

    de acumulao por um determinado perodo, no contexto da crescente

    globalizao e das exigncias que esta coloca para o Estado nacional,

    (ii) Sendo o lugar fundamental para a construo da globalizao, a partir da ideia de que no de cima para baixo, mas sim de baixo para cima, que esta

    configurada. Em outras palavras, o Estado internaliza as condies que

    fazem possvel a existncia de uma ordem global, desnacionalizando e

    privatizando parcialmente algumas de suas competncias e agendas chave,

    na medida em que as articula em funo de questes privadas que se

    apresentam como pblicas. O Estado-nao no visto como uma vtima

    da globalizao e sim como um dos seus atores principais, no sentido dele

    deter capacidades indispensveis para adequar as diferentes escalas de um

    mesmo processo de circulao de capital, ganhando relevo a noo de

    cidades globais como territrios especficos por onde passa a acumulao.

    Ao trazer para a tese estas reflexes, busco apontar caminhos analticos de carter ao

    mesmo tempo abrangentes e operacionais, ou seja, capazes de permitir o trnsito entre uma

    escala global e a escala nacional, onde o jogo poltico se desenrola, de maneira a podermos

    observar mais de perto a inter-relao entre a poltica dos atores e os processos mais gerais

    nos quais essa poltica se insere e ganha sentido e relevncia. Assim, atento para a lgica

    estratgica e relacional do Estado e para os mecanismos mediante os quais uma ordem

    globalizada instaurada por dentro desse mesmo Estado.

    No Captulo II, avano na tentativa de estabelecer o conjunto de processos, atores e

    tendncias poltico-econmicas mais relevantes para uma interpretao qualificada do objeto

    de pesquisa, enfatizando a diversidade e complexidade dos atores, interesses, tendncias e

    conflitos entrecruzados no avano dos combustveis de biomassa pelo mundo. Portanto, nesse

  • 10

    captulo se faz um percurso que parte de questes relacionadas insero do Brasil no

    mercado mundial, enfatizando o perodo que inicia na dcada de 1930 e vai at a de 1980,

    passando pela tumultuada dcada de 1970 que representou um verdadeiro ponto de inflexo

    sistmico cujas consequncias ainda hoje so sentidas. Passo tambm a analisar a interveno

    e regulao da agroindstria canavieira desde a criao do Instituto do Acar e do lcool

    (IAA) em 1931 at a fase final do PNA, com a inteno de visualizar a dinmica e os arranjos

    poltico-institucionais que prevaleceram at aquele momento com relao agroindstria

    canavieira, o que contribui para se compreender as mudanas que tiveram lugar a partir da

    dcada de 1990.

    O Captulo III, por sua vez, aborda de maneira detalhada as transformaes sistmicas

    que iniciaram nas dcadas de 1970 e 1980, assim como seus desdobramentos em termos de

    tendncias globais relevantes que, em especial a partir da dcada de 1990 e at a atualidade,

    se refletem na construo de uma nova matriz de insero global da economia brasileira.

    Todos estes elementos do passo, na parte final do captulo, anlise da internacionalizao

    da ASB propriamente dita, no perodo 2003-2014, considerando-se duas fases diferenciadas:

    1) uma fase de expanso entre 2003 e 2010, caracterizada pela ampliao da capacidade

    produtiva e pelo crescimento acelerado do setor em todas as frentes e 2) uma fase de crise que

    vai de 2010 at o presente, caracterizada pela veloz e abrangente centralizao de capitais que

    tem permitido aos grandes grupos corporativos, mormente estrangeiros, controlar uma parcela

    crescente da produo e comercializao dos produtos derivados da cana-de-acar e

    consolidar patrimonialmente o setor, deslocando grande parte dos capitais nacionais que

    dominavam o complexo canavieiro.

    No Captulo IV, ser tratado o processo de reformas setoriais que teve incio no

    alvorecer da dcada de 1990, cujo smbolo foi a extino do IAA, a entidade estatal que

    durante quase sessenta anos comandou o planejamento da agroindstria canavieira no Brasil.

    Nesse sentido, parte-se da anlise das disposies legais e polticas orientadas

    desregulamentao setorial, enfatizando, simultaneamente, o progressivo surgimento de novas

    regulamentaes governamentais sobre a ASB, que criaram novos mecanismos de

    governana setorial na medida em que buscavam resolver as questes mais prementes

    colocadas pela instaurao de um regime mais aberto lgica concorrencial. Como ser

    discutido, essa re-regulamentao setorial reps a capacidade estatal de orientar parcela

    significativa das decises dos atores econmicos, fazendo com que o discurso sobre a suposta

    menor presena do Estado no setor perca em grande parte sua validade. A partir da, avano

    na anlise sobre os impactos das reformas na organizao do setor privado, tomando como

    referncia o caso da Unio da Indstria da Cana de Acar (UNICA), a maior organizao

    patronal setorial de So Paulo e uma das mais importantes do pas, pela agregao de

    poderosos atores econmicos. Termina o captulo com uma aproximao ao perfil dos

    principais grupos corporativos que integram a UNICA, mostrando suas escalas de atuao e

    as ramificaes da internacionalizao da ASB em termos da diversidade de capitais que nela

    convergem.

    Finalmente, no Captulo V desenvolvida a maneira em que o Estado brasileiro tem

    reorganizado seus arranjos e modificado suas competncias com relao ao complexo

    sucroenergtico, contribuindo de forma decisiva com a transformao do mesmo, com a

    emergncia de um novo ciclo de E&I e em ltima instncia, com sua internacionalizao. O

    Estado, graas redefinio dos agentes da governana setorial, tem sido capaz de viabilizar

    novas dinmicas e arranjos nos quais conserva recursos de poder expressivos. Portanto, a

    finalizao da era de interveno (simbolizada pelo IAA e o PNA) deu passo a uma era em

  • 11

    que, ainda quando o Estado j no centraliza completamente o processo decisrio, ele

    continua a jogar um papel estratgico para se entender adequadamente o alcance da expanso

    da ASB no perodo recente. Analiso, consequentemente, as reas substantivas nas quais o

    Estado continua a desempenhar competncias chave, as novas tendncias que se desenham na

    atualidade e o papel estatal na construo de um regime de governana supranacional para o

    etanol. Assim, a ao do Estado aparece por um lado como sendo indissocivel da expanso

    do capital e, por outro, como uma ao orientada por objetivos prprios que no sempre so

    idnticos aos interesses dos capitalistas, na medida em que o etanol passou a ser visto como

    um elemento relevante para a recolocao do Brasil no cenrio multipolar que se configurou

    no percurso das ltimas duas dcadas e meia em nvel mundial. Nas Concluses, elaboro

    algumas reflexes-sntese e fao um balano geral dos aspectos mais relevantes da pesquisa,

    os achados, desafios e temas em aberto que ela deixou.

    Metodologia e trabalho de campo

    Metodologicamente falando, o esforo ao longo da elaborao da tese esteve centrado

    no mtodo de articulao categorial tal como entendido no marco do materialismo histrico

    marxiano. Recordemos que, na Introduo Crtica da Economia Poltica (de 1857) Marx

    criticou a forma convencional do pensamento econmico, invertendo o procedimento de

    articulao das categorias analticas e formulando a expresso de que O concreto concreto

    porque a sntese de muitas determinaes, isto , unidade do diverso, frase que muito bem

    resume a novidade da nova abordagem por ele proposta e que nos segue parecendo uma rica

    orientao para o trabalho de pesquisa.

    Tendo isto em mente, tento identificar quais seriam essas determinaes vinculadas

    ao objeto de estudo cuja sntese constitui o concreto e cuja articulao indispensvel para

    alcanar ou construir o concreto-em-pensamento (JESSOP, 1982), a representao e

    interpretao que fazemos do real a partir da anlise de suas mltiplas dimenses internas.

    Assim, categorias como internacionalizao da agroindstria sucroenergtica brasileira,

    relao Estado-grupos corporativos, nova matriz de insero global e outras, foram

    abordadas levando em considerao a inter-relao de suas partes ou processos constitutivos,

    tentando assim, de alguma forma, capturar seu movimento para faz-lo inteligvel.

    O trabalho de campo envolveu, como de praxe, a obteno de informaes de fontes

    primrias e secundrias. Com relao s fontes primrias, foram realizadas 19 entrevistas, que

    envolveram a participao de 28 pessoas, representantes dos meios acadmico, institucional e

    empresarial, localizados no Rio de Janeiro, Braslia e interior de So Paulo (ver Anexo I).

    Cabe aclarar que algumas das entrevistas datam de finais de 2010, realizadas como subsdio

    para a dissertao de mestrado, mas tambm contriburam para a elaborao da tese.

    A realizao de entrevistas no meio empresarial foi a tarefa mais difcil e na qual

    menos avanamos; contudo, as duas entrevistas realizadas junto a representantes patronais

    foram de grande proveito e renderam muitas informaes valiosas para a pesquisa, muito

    especialmente a realizada com o representante da UNICA, inicialmente prevista para durar

    uma hora e que terminou proporcionando mais de quatro horas de gravao. Esse fato, diante

    da dificuldade de programar entrevistas com representantes do setor, foi crucial para o

    trabalho.

    No tocante ao setor pblico, houve maior facilidade de acessar funcionrios em

    posies estratgicas, faltando uma entrevista mais aprofundada com algum representante

  • 12

    governamental na Cmara Setorial do Acar e do lcool. Faltou tambm, infelizmente, uma

    entrevista na Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), o que

    teria ajudado enormemente na consolidao da anlise. Contudo, todas as entrevistas

    realizadas foram de grande qualidade e abriram perspectivas de anlise interessantes e

    proveitosas, dado o envolvimento destes funcionrios em diversas facetas chave da relao

    entre o Estado e a ASB. Por sua vez, as entrevistas com representantes do meio acadmico

    revelaram-se valiosssima fonte de informaes, no apenas pelas opinies manifestas durante

    a entrevista, mas tambm pelas recomendaes de temas e leituras que foram indicadas por

    estes pesquisadores/as.

    As fontes secundrias de informao foram variadas. Uma das mais relevantes foi o

    conjunto de informaes produzidas ou veiculadas pela UNICA em seu site e em seu

    boletim semanal. Tambm, jornais especializados como o Nova Cana e o Jornal Cana, ambos

    dedicados especificamente produo de informaes sobre a agroindstria sucroenergtica,

    assim como o Jornal Valor Econmico, foram de grande ajuda durante todo o processo de

    pesquisa. Em todo momento, cuidei de utilizar dados confiveis provenientes de fontes

    oficiais, como relatrios anuais, pesquisas e artigos acadmicos, que dessem a sustentao e

    credibilidade que uma pesquisa de doutorado necessita. Assim, bases de dados de centros

    acadmicos, ministrios e empresas pblicas, organismos internacionais pblicos e privados,

    organizaes no governamentais, dentre outros, foram indispensveis para articular a anlise

    sobre a base de informaes relevantes.

    Cabe ressaltar os servios estatsticos do Banco Central do Brasil (BACEN), do

    Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas (IPEA) e os repositrios de legislao brasileira

    disponibilizados pelo Congresso, pelo Senado e pela Casa Civil, todos eles, fonte de

    valiosssimas informaes. Por sua parte, o servio estatstico da UNICA foi de bastante

    utilidade, da mesma maneira que os acervos da Embrapa Agroenergia, do Banco Nacional de

    Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), da Unio Europeia e da Global Bioenergy

    Partnership (GBEP), dentre outros, que contriburam de forma decisiva na realizao da

    presente pesquisa. Tudo isto sem falar do acervo do prprio CPDA, que ao longo de todos os

    anos de mestrado e doutorado foi um suporte importante para a elaborao de muitos trechos

    de meu trabalho. Teses e dissertaes sobre temticas conexas minha tambm contriburam

    de forma significativa, em especial de alguns colegas do CPDA, assim como de universidades

    como a UNICAMP, a USP e a UNESP.

    Finalmente, cabe apontar que nessa tese no abordei de forma extensiva as dimenses

    ambiental e trabalhista vinculadas com a expanso da ASB na ltima dcada, considerando

    que existem j trabalhos de pesquisa, acadmicos ou no, que do conta destas

    problemticas.5 O meu recorte priorizou questes que me pareceram menos trabalhadas em

    pesquisas acadmicas, objetivando realizar uma contribuio ao campo de estudo escolhido.

    5 Ver por exemplo os relatrios de pesquisa elaborados e publicados por organizaes como a Rede Social de