143
CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL CAMPUS MARIA AUXILIADORA Flavio Marcos de Souza A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA HUMANIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL X PACIENTE AMERICANA 2018

A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL – CAMPUS MARIA AUXILIADORA

Flavio Marcos de Souza

A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA

HUMANIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL X PACIENTE

AMERICANA

2018

Page 2: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

Flavio Marcos de Souza

A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA HUMANIZAÇÃO

DA COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL X PACIENTE

Dissertação apresentada ao Centro

Universitário Salesiano de São Paulo –

Campus Maria Auxiliadora como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre

em Educação. Sob Orientação da

Professora Doutora Maria Luísa Amorim

Costa Bissoto.

AMERICANA

2018

Page 3: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas
Page 4: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

FLAVIO MARCOS DE SOUZA

A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA HUMANIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL X PACIENTE.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação – área de concentração: Educação Sociocomunitária. Linha de pesquisa:

Análise das Intervenções na Práxis Educadora

Sociocomunitária.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Luisa Amorim Costa Bissoto

A sessão pública de Defesa de Dissertação foi realizada utilizando-se da ferramenta

virtual denominada Skype, defendida e aprovada em 08 de fevereiro de 2018, pela

comissão julgadora,

__________________________________________ Profa. Dra. Beatriz Akemi Takeiti – Membro Externo

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

__________________________________________

Profa. Dra. Lívia Moaris Garcia Lima – Membro Interno Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL __________________________________________ Profa. Dra. Maria Luisa Amorim Costa Bissoto – Orientadora Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Page 5: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

Dedico este trabalho:

À Deus, que é a luz dos meus caminhos.

À minha mãe Neide, pelo apoio incondicional, por todos os ensinamentos e por ser minha inspiração, minha amiga, meu amor.

À meu irmão Fábio, meu ídolo, meu exemplo e eterno amigo, te amo.

A minha cunhada Ana Paula, pela amizade e torcida,

por dar à luz às maiores riquezas da família, Matheus e Heitor.

À Carina Spósito, eterna namorada e cúmplice, por ser paciente nos momentos difíceis e compreender minhas ausências.

Page 6: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

AGRADECIMENTOS A minha família, meu alicerce.

A minha orientadora Professora Doutora Maria Luísa Amorim Costa Bissoto, minha fonte de energia e inspiração. Malu, obrigado por todo ensinamento, pela competência que sempre conduziu suas aulas, pela motivação contagiante e por me permitir trabalhar com você, foi uma honra ser seu orientando.

Aos professores que ofereceram seus talentos e habilidades para que eu pudesse me desenvolver intelectualmente e crescer profissionalmente, serei eternamente grato!

À secretária do PPGE Vaníria Felippe, pelo apoio e profissionalismo, por orientar as atividades do programa com brilhantismo e competência.

A todos os colaboradores do UNISAL, cada um em sua contribuição fizeram tudo acontecer, meu respeito a vocês!

À João Marcos Sardinha, pelo apoio incondicional, pelas palavras de incentivo e por ser um grande amigo, minha eterna gratidão.

Aos companheiros, mais que amigos, Leo Bruno e Luciano Munari, meus irmãos do coração, nossa convivência foi espetacular, obrigado por tudo! Aos amigos que construí no percurso acadêmico, em especial Daniela Suniga, Leila Fernandes, Patrícia Saladini, Clesio Geraldo, Mara Lima, Wellington Aires, Erica Belon, Adriano “Batata”, vocês fizeram a diferença em minha vida, obrigado pelo companheirismo. À Ana Carolina Medeiros, minha amiga e companheira de trabalho, obrigado por todo incentivo e torcida. Aos alunos, profissionais e pacientes que fizeram parte dessa pesquisa, obrigado pela confiança.

Aos membros da banca examinadora, Professora Doutora Maria Luísa Amorim Costa Bissoto, Professora Doutora Lívia Morais Garcia Lima e Professora Doutora Beatriz Akemi Takeiti, pelas contribuições que engrandeceram essa pesquisa.

À todos que contribuíram para que até aqui eu pudesse chegar.

Page 7: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

RESUMO

A comunicação humanizada entre o profissional da saúde, no caso o fisioterapeuta e o sujeito das suas práticas, deve ser a base sobre a qual se constituirá a relação entre ambos. Humanizar a comunicação significa compreender o outro em sua subjetividade, considerando sua cultura, fatores socioafetivos, econômicos e sociais. A discussão sobre a humanização da comunicação no viés da educação sociocomunitária busca refletir como é possível que os profissionais da saúde, especialmente na prática da saúde coletiva, colaborem para a organização das comunidades, no sentido de envolverem-se ativamente nas discussões que abarcam saúde e qualidade de vida, no papel que o profissional da saúde pode aí assumir e também sobre as possibilidades de empoderamento dos sujeitos em relação aos seus contextos de vida. O objetivo dessa investigação, mediante o exposto, foi analisar a formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas e ao paradigma de humanização na saúde. A promoção da humanização em saúde ainda é um dos pontos nevrálgicos no campo da saúde, e consideramos que a comunicação é essencial para fazer avançar os propósitos de tal paradigma. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada no contexto das práticas clínicas de estágio em saúde pública, com estudantes do nono semestre do curso de fisioterapia, em uma instituição privada de ensino. O desenho da investigação é interacionista simbólico, pois procurou-se conhecer os significados culturais atribuídos pelos estudantes à comunicação terapeuta-paciente. Os dados foram coletados por meio da pesquisa documental, da observação participante e de grupos focais. Como resultados, consideramos que as concepções dos estudantes sobre como se estabelece a relação profissional-paciente indicam, em maior ou menor grau, como concebem as relações de poder presentes na prática clínica. Sentindo-se a parte empoderada dessa relação, o futuro profissional acaba por estabelecer uma comunicação verticalizada, afastando-se dos princípios de humanização da saúde. Dada a relevância que a comunicação profissional-paciente tem para a qualidade de vida, para a adesão ao tratamento, e para a efetivação da humanização em saúde, consideramos a relevância de se implementar, na formação inicial do fisioterapeuta, estratégias que contemplem, mais incisivamente, essa questão, desenvolvendo a consciência acerca daquilo que desumaniza o profissional e a prática da saúde.

Palavras-chave: Educação Sociocomunitária. Fisioterapia. Comunicação. Humanização.

Page 8: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

Abstract

Humanized communication between the health professional, in this case the physiotherapist and the subject of his practices, should be the basis on which the relationship between both will be constituted. Humanizing communication means understanding others in their subjectivity, considering their culture, socio-affective, economic and social factors. The discussion about the humanization of communication in the bias of socio-community education seeks to reflect how it is possible for health professionals, especially in the practice of collective health, to collaborate in the organization of communities in order to actively engage in discussions that cover health and quality of life, the role that the health professional can assume, and also the possibilities of empowering the subjects in relation to their life contexts. The purpose of this investigation, through the above, was to analyze the training of the physiotherapist in what refers to professional communication X subjects of practices and to the paradigm of humanization in health. The promotion of humanization in health is still one of the key points in the field of health, and we consider that communication is essential to advance the purposes of such a paradigm. Methodologically, this is a qualitative research, carried out in the context of the clinical practices of public health training, with students of the ninth semester of the physiotherapy course, in a private teaching institution. The design of the research is symbolic interactionism, because it was sought to know the cultural meanings attributed by students to the therapist-patient communication. Data were collected through documentary research, participant observation and focus groups. As results, we consider that students' conceptions of how the professional-patient relationship is established indicate, to a greater or lesser extent, how they conceive the power relations present in clinical practice. Feeling the empowered part of this relationship, the professional future ends up establishing a vertical communication, moving away from the principles of humanization of health. Given the relevance that the professional-patient communication has for the quality of life, adherence to the treatment, and for the effectiveness of humanization in health, we consider the importance of implementing, in the initial training of the physiotherapist, strategies that contemplate, more incisively, this issue, developing awareness about what dehumanizes the professional and the practice of health.

Keywords: Socio-Community Education. Physiotherapy. Communication. Humanization.

Page 9: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Diversificação da oferta de cursos no ensino superior Brasileiro .................. 19

Quadro 2 Decreto de Lei 938 de 1969 ......................................................................... 21

Quadro 3 Regulamento de organização didática do primeiro curso de fisioterapia ....... 21

Quadro 4 Currículo mínimo aprovado pelo MEC em 1983 ........................................... 22

Quadro 5 Lei 6.316 de 1975 ......................................................................................... 23

Quadro 6 Transformações na regulamentação da fisioterapia e na área de saúde ...... 24

Quadro 7 A promoção da saúde e os níveis de prevenção .......................................... 36

Quadro 8 Modelos de relação médico-sujeito das práticas .......................................... 44

Quadro 9 Matriz curricular do primeiro semestre do curso de fisioterapia. ................... 116

Quadro 10 Matriz curricular do segundo semestre do curso de fisioterapia ................... 117

Quadro 11 Matriz curricular do quarto e quinto semestre do curso de fisioterapia. ........ 121

Quadro 12 Matriz curricular do nono semestre do curso de fisioteapia. ......................... 124

Page 10: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Organização do ambiente de coleta da observação participante ........ 87

Tabela 2 Descrição da coleta por sujeitos participantes alunos, sujeitos das

práticas, data e horário e local do atendimento .................................. 89

Tabela 3 Organização do ambiente de coleta do grupo focal ............................ 101

Tabela 4 Distribuição dos participantes por subgrupos nos grupos focais ........ 102

Tabela 5 Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas

do G.1/SG.1......................................................................................... 103

Tabela 6 Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas

do G.1/SG.2........................................................................................ 104

Tabela 7 Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas

do G.2/SG.1........................................................................................ 107

Tabela 8 Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas

do G.2/SG.2........................................................................................ 108

Tabela 9 Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas

do G.3/SG.1........................................................................................ 110

Tabela 10 Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas

do G.3/SG.2........................................................................................ 112

Page 11: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Representação esquemática do modelo de controle de danos ........... 27

Figura 2 Representação esquemática do modelo de riscos e danos ................ 28

Figura 3 Resolução do Conselho Nacional e Estadual de Educação ................ 31

Figura 4 Parecer do Conselho Nacional e Estadual de Educação .................... 38

Figura 5 Representação das dimensões individuais e coletivas do ser

humano ............................................................................................... 51

Figura 6 Representação dos temas transversais que compõem a PNH ........... 58

Figura 7 Representação esquemática do equilíbrio entre corpo, mente e

espírito na promoção da saúde ........................................................... 70

Figura 8 Representação esquemática dos fatores que afetam a qualidade

de vida. ................................................................................................ 77

Figura 9 Organização da triangulação dos dados ............................................. 79

Figura 10 Atendimentos realizados pelos participantes M.1 e M.2 ...................... 92

Figura 11 Atendimentos realizados pelos participantes F.1 e M.4 ...................... 93

Figura 12 Atendimentos realizados pelos participantes F.5 e F.6 ....................... 94

Figura 13 Atendimentos realizados pelos participantes F.7 e F.8 ....................... 95

Figura 14 Atendimentos realizados pelos participantes M.14, F.15 e F.16 ......... 95

Figura 15 Atendimentos realizados pelos participantes M.9, F.10, M.11,

M.12 e F.13 ......................................................................................... 99

Page 12: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

PARTE I .................................................................................................................................. 18

1. DISCUTINDO A PROFISSÃO E A FORMAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA ...... 18 1.1. BREVE HISTÓRICO DA FISIOTERAPIA NO BRASIL .......................... 18 1.2. CONCEPÇÕES SOBRE A FISIOTERAPIA E SUA

PRÁTICA NO BRASIL ................................................................................. 25 1.3. DA FORMAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA ................................................. 30 1.4. CURRÍCULO ATUAL E PRINCÍPIOS DE FORMAÇÃO

NA FISIOTERAPIA ....................................................................................... 34 1.5. DA RELAÇÃO FISIOTERAPEUTA X SUJEITO DAS PRÁTICAS:

UM OLHAR SOBRE OS DIVERSOS MODELOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL ................................................................. 42 PARTE II ............................................................................................................................................ 51

2. DA HUMANIZAÇÃO NO CAMPO DA SAÚDE .................................................... 51 2.1. A HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE E SUAS INTERFACES COM A

FISIOTERAPIA .............................................................................................. 51 2.2. ESTADO DA ARTE NA RELAÇÃO FISIOTERAPIA X

HUMANIZAÇÃO EM SAÚDE ...................................................................... 59 2.3. A COMUNICAÇÃO ENTRE O PROFISSIONAL E O SUJEITO

DAS PRÁTICAS COMO FACE DA HUMANIZAÇÃO EM SAÚDE ....... 65 2.4. A CONCEPÇÃO DE CORPO DOENTE COMO BALIZADORA

DA COMUNICAÇÃO EM SAÚDE .............................................................. 71

PARTE III ................................................................................................................. 79

3. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA .......................................................... 79 3.1. DA METODOLOGIA, PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS

UTILIZADOS PARA A COLETA DE DADOS ...................................... 79 3.2. DA CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE E DOS

PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ................................... 84 3.2.1. A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ............................................... 84

3.3. DOS DADOS CONSTRUÍDOS A PARTIR DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE .................................................................................. 87

3.3.1. DOS DADOS CONSTRUÍDOS A PARTIR DO GRUPO FOCAL...........................................................................................100

3.3.2. DOS ENCONTROS DOS GRUPOS FOCAIS ASSOCIADOS AO MICROENSINO.............................................................................102

3.4. DA TRIANGULAÇÃO DOS DADOS...................................................114 3.4.1. A RELAÇÃO ENTRE O PROFISSIONAL E O SUJEITO DAS

PRÁTICAS.....................................................................................114 3.4.2. A VERTICALIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO..................................120 3.4.3. A HUMANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE SAÚDE..........................123

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................127

REFERÊNCIAS........................................................................................................130

Page 13: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

ANEXO I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE).....140

ANEXO II – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP........................................141

Page 14: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

Juro, por Deus e minha família, diante de meus mestres que me dedicarei à

Fisioterapia com honra e dignidade, respeitando a vida humana desde a

concepção até a morte, jamais cooperando em ato que voluntariamente se atente

contra ela, ou que coloque em risco a integridade física, psíquica e social do ser

humano; dispondo todo meu conhecimento, talento e inteligência para a

promoção, proteção e recuperação da saúde. Repassarei meus conhecimentos

sempre que se fizer necessário e agirei com humildade e honestidade.

Assim, eu juro.

Page 15: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

14

INTRODUÇÃO “Para agir, é preciso ao menos localizar.

Como agir sobre um terremoto ou um furacão? É, sem dúvida, à necessidade terapêutica que se deve atribuir a

iniciativa de qualquer teoria ontológica da doença. Ver em qualquer doente um homem aumentado

ou diminuído em algo já é, em parte, tranquilizar-se. O que o homem perdeu pode lhe ser restituído;

o que nele entrou, pode sair.

Georges Canguilhem (2009).

O fisioterapeuta, como profissional da saúde, e originariamente formado no

modelo biomédico1 de atuação, tem imbuído, em seu processo de formação e no

repertório de conhecimentos dos quais se apropria, ao longo desse processo, a

convicção de ser o detentor da verdade sobre a doença que acomete o sujeito das

práticas e os modos de tratá-la e de preveni-la. Neste aspecto, não está sozinho, mas

integra uma forma de conceber a saúde e a doença/o doente, própria de uma tradição

médico-clínica “ortopédica”, que compreende a doença como ausência de saúde, que

requer métodos e técnicas específicas, para sua correção e estabelecimento da

normalidade. Com isso, pode-se identificar no fisioterapeuta, mas também em outros

profissionais da área médica, um comportamento “dominante”, e consequentemente,

no sujeito das práticas, um alguém “dominado”, fazendo dessa relação potencialmente

verticalizada.

Esta relação deixa suas marcas: conflitos entre os profissionais da saúde e

entre esses e o sujeito das práticas, degradação da qualidade das relações pessoais,

clima de animosidade, e de resistência às orientações profissionais, dentre outras,

incluindo negativamente quer no tratamento quer nas ações de cunho preventivo

(LIMA; BASTOS, 2007).

Para que se tenha uma relação de mais qualidade entre o profissional e sujeito

das práticas é importante, como será aqui argumentado, que tal relação seja

1 Por modelo biomédico, entende-se aquele que se caracteriza pelo tecnicismo, biologicista e curativa, hospitalocêntrica, estando centrado no modelo clínico individualista da prática médica, que prioriza uma postura autoritária e unidisciplinar do profissional, em detrimento daquela multidisciplinar, social e participativa (VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2013). Conjuga os princípios do denomindado modelo flexneriano, proposto por Flexner, que defendia uma proposição de ensino em saúde pautada em concepções tecnicista, biologicista, fragmentada, curativa, hospitalocêntrica e mecanisicta, apropriadas ao planejamento de sistemas de saúde numa perspectiva de uma clínica altamente hospitalizada, numa vertente médico-industrial do capitalismo.

Page 16: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

15

horizontalizada, caso contrário, da parte dominante – em geral, aquela do profissional-

se explicita uma conotação de “poder” e o dominado – comumente o paciente se vê

em uma condição de inferioridade e obrigado a cumprir as diretrizes que lhe são

impostas. O que colabora para que as relações estabelecidas se perpetuem como

heterônomas.

Clavreul (1983) afirma que a relação médico-paciente, cujo modelo se estende

para os demais profissionais da saúde, veio se tornando crescentemente mecanizada

e, nessa perspectiva, excluem-se as particularidades e subjetividades do sujeito. À

partir de 1919, momento em que ocorre o início das práticas da fisioterapia, as funções

do fisioterapeuta foram construídas num perfil hegemonicamente reabilitador,

centrada em ações predominantemente intervencionistas, curativas e, em menor grau,

naquelas preventivas. Contemporaneamente, com a ampliação científica e

tecnológica, e através de iniciativas políticas voltadas para a promoção da saúde

numa perspectiva humanizada, pode-se constatar uma atuação que tende a ser

melhor distribuída por todos os níveis de atenção à saúde, desde a prevenção até à

intervenção. Mas que ainda se caracteriza pesadamente pela desumanização

(SIMONI et al., 2015, p. 13).

A presente pesquisa, na esteira dessas afirmações, tem por objetivo discutir a

formação do fisioterapeuta, fortemente pautada no modelo biomédico, analisando

especificamente como são ensinadas e construídas, pelos estudantes, as habilidades

de comunicação do profissional com os sujeitos das suas práticas, como os alunos

incorporam as relações de poder que permeiam tais práticas, e como isso se vincula

ao paradigma de humanização da saúde.

Nossa preocupação com esse tema se refere, de forma mais aguda, ao

contexto da saúde pública, pois é naqueles contextos de vulnerabilidade

socioeconômica, nos quais os sujeitos das práticas de saúde estão mais colocados

numa posição de subalternidade, frente aos profissionais clínicos, que exacerbam-se

as relações de dominação e a anulação de subjetividades. Partimos do pressuposto

de que no cerne da interação profissional-sujeitos das práticas de saúde está a

comunicação estabelecida entre ambos. Comunicação esta que tanto torna manifesta

como reproduz relações de poder, mas que também pode ser o meio para modificar

tais relações.

Page 17: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

16

Sendo assim, fortalecendo o propósito pela busca de respostas à problemática

aqui posta, há que se perguntar: Como se estabelecem as relações de comunicação

profissional-sujeitos das práticas, ou com sujeitos que são alvo da atenção básica em

saúde, envolvendo aquelas de prevenção? Como se delineiam e caracterizam as

relações de poder, no âmbito dessas práticas? Há implicações destas relações para

a adesão ou o abandono do tratamento, ou na mudança de hábitos cotidianos, que

muitas vezes estão na base da prevenção em saúde? Como os estudantes de

fisioterapia se colocam na interação comunicativa com os pacientes e demais sujeitos

das práticas de saúde pública? Como lidam com as relações de poder, que permeiam

tal interação?

Entende-se que a comunicação em saúde está tradicionalmente enraizada

numa concepção de “corpo doente”, que caracteriza a continuidade das relações

estabelecidas entre o profissional e aqueles que são objeto da sua atenção. Ter

consciência desse ponto de partida é essencial para que os profissionais formadores

preparem e sensibilizem o futuro profissional fisioterapeuta para outros olhares,

possíveis de serem construídos em referência àqueles que serão por eles atendidos.

Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, adotando-se por design metodológico

um enfoque interacionista simbólico, pois buscamos compreender os significados

conceituais e socioculturais atribuídos pelos participantes às suas práticas

profissionais. Como instrumentos de coleta de dados fizemos uso da observação

participante, da pesquisa documental e de grupos focais, utilizando a educação

sociocomunitária como pano de fundo para as discussões traçadas.

Os participantes foram 16 estudantes do curso de graduação em Fisioterapia,

de uma instituição privada de ensino, localizada na região administrativa de Bauru,

estado de São Paulo. Os estudantes, à época da coleta de dados, que se realizou de

junho a setembro do ano de 2017, cursavam o nono semestre letivo, e realizavam o

estágio supervisionado em saúde pública.

A presente dissertação está organizada em três partes: a primeira e a segunda

trazem uma revisão sistematizada de literatura, na qual se discutem a formação do

fisioterapeuta, do ponto de vista de sua historicidade, filosofia e documentos

direcionadores, bem como a questão do relacionamento profissional-sujeitos das

práticas de saúde. Na última parte apresenta-se o desenvolvimento da pesquisa

Page 18: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

17

propriamente dito, com os pressupostos metodológicos, a descrição do contexto da

investigação, os dados e sua análise.

Como resultados, consideramos ser possível afirmar que a despeito da vigência

de discursos sobre a essencialidade da humanização no campo da saúde, tanto em

documentos oficiais de órgãos da saúde como no currículo de formação do

fisioterapeuta, a natureza da relação comunicativa entre o futuro fisioterapeuta e os

sujeitos da sua ação caracteriza-se ainda por constituir-se de forma verticalizada,

reafirmando modelos de subalternização profissional x pacientes, o que

possivelmente comprometerá uma atuação humanizada desses profissionais.

Page 19: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

18

PARTE 1. DISCUTINDO A PROFISSÃO E A FORMAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA

1.1 BREVE HISTÓRICO DA FISIOTERAPIA NO BRASIL

A iniciativa de um ensino superior voltado para as questões de saúde no Brasil

teve seu início no ano de 1808, com a chegada da Corte Portuguesa, com a criação

da Faculdade de Medicina da Bahia e da Escola de Cirurgia, no Rio de Janeiro. Outras

profissões da saúde, contudo, vieram se estabelecer na educação superior somente

após o país se constituir República, em 1889. Até a República, predominava no Brasil

a formação de pessoas com aptidões práticas para o exercício das profissões, para

isso, as formações outorgavam um “Certificado de Aptidão” que permitia o direito à

atuação, sem mesmo um ensino regulamentado e com parâmetros mínimos ou

pautados em diretrizes curriculares nacionais (CECCIM, 2009).

Sampaio (s/d, p. 01), identifica cinco marcos na história do ensino superior no

Brasil: 1808, 1898, 1930, 1968 e 1985. No primeiro destes marcos, o ensino pautou-

se pela dicotomia ensino e pesquisa, tendo caráter eminentemente técnico, como dito

acima. A formação acadêmica, que estava sob controle do Estado, diplomava

profissionais liberais, garantindo-lhes destaque social e mercado de trabalho, no

atendimento ou na prestação de serviço às elites.

Na virada do século XIX para o século XX, na esteira das grandes

transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas (fim da Monarquia,

República, abolição da escravatura, imigração, cultura cafeeira, dentre outros), a

educação passa por importantes modificações. Há maior descentralização e abre-se

a possibilidade de instituições privadas oferecerem cursos superiores. Essas medidas

ampliaram em muito a oferta de opções para o ensino superior, entre os anos de 1889

e 1918. Dentre essas, na área da saúde houve o surgimento de escolas de Farmácia

e de Enfermagem.

Já nas primeiras décadas do século XX o ensino superior, reencontrou-se com

a pesquisa, e instituições fundamentais para o campo da saúde, como o Instituto

Butantã (inicialmente Instituto Vacino gênico de São Paulo) e o Instituto Soroterápico

de Manguinhos (atualmente, Instituto Oswaldo Cruz). Uma discussão central nesse

período foi a luta pela autonomia universitária, processo ainda em construção no

Brasil. O ensino superior, na década de 1930, embora tivesse sido contemplado por

um processo mais consistente de democratização, e em que pese uma maior

Page 20: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

19

vinculação com a pesquisa, ainda manteve-se prioritariamente voltado para a

formação de profissionais liberais.

A década de 1960 foi conturbada pela Reforma Universitária, que contemplava

mudanças radicais nos modelos de ensino superior anteriores, como a flexibilização

da formação pelo sistema de créditos, pela maior abertura de vagas e de cursos,

principalmente pelas instituições privadas, prioritariamente confessionais, e pelo

cerceamento do regime militar. Nas palavras de Sampaio (s/d, p. 18):

As diferentes faces desse processo contribuiram para desvalorizar ainda mais os criterios academicos: pela absorcao de pessoal pouco qualificado; pela manipulacao de influencias clientelisticas e politicas nas contratacoes; e pela introducao de diferenciais de remuneracao e de condicoes de trabalho que nada tinham a ver com exigencias de competencia e desempenho. As bases academicas da carreira universitaria, instituidas pela reforma, foram solapadas. A regularizacao dessa situacao, em 1980, feita em termos de atender as demandas mais corporativas do corpo docente acabou por destruir, na pratica, todo o sistema de merito fundado na titulacao.

Finalmente, a década de 1980 em diante é marcada pela diversificação: só para

citar alguns exemplos, temos uma ampliação da diversidade de cursos, inclusive na

pós-graduação, de carreiras, de meios e recursos de gerir o conhecimento, como a

educação a distância, das formas de acesso às universidades, e do financiamento da

educação superior.

No quadro 01, abaixo, elaborado por Sampaio (s/d, p. 22), expõe-se a

expansão da oferta de tipos de cursos universitários no Brasil, podendo-se observar

também quando houve o surgimento ou a expansão daqueles das áreas da saúde:

Quadro 1. Diversificação da oferta de cursos no ensino superior brasileiro

Fonte: SAMPAIO, H. Evolução do ensino superior brasileiro, 1808-1990.

Page 21: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

20

Mais especificamente em relação à fisioterapia, o ano de 1919 marcou o início

desta prática no Brasil, com a fundação do Departamento de Eletricidade Médica da

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O Dr. Rolim de Moraes cria,

em 1951, o primeiro curso de Fisioterapia do Brasil, com a finalidade de formar

técnicos em fisioterapia (SANCHES, 1984).

O surgimento deste curso de fisioterapia foi potencializado pela demanda

epidemiológica da época, momento em que o Brasil transitava por um surto de

doenças como febre amarela, malária, poliomielite, tuberculose, doenças parasitárias

e infecciosas, que favoreciam o aparecimento de problemas motores e incapacidades

funcionais. E, ainda, devido ao avanço industrial e aumento da contratação de “mão

de obra” para as fábricas, pois o decorrente acometimento dos trabalhadores por

doenças laborais tornou-se crescente (SIMONI et al., 2015).

De acordo com Ceccim (2009), entre os anos 1960 e 1970, ocorre a

regulamentação das profissões da área da saúde que até então adotavam práticas

tratadas como técnico-profissionais, como a fisioterapia, a fonoaudiologia e a terapia

ocupacional. Que, a partir daí, ascendem para profissões técnico-científicas, gerando

uma explosão destes cursos nas escolas superiores, ofertando formação científica e

tecnológica, com uso de novos aparelhos, técnicas e formas de atuação, assistidos

pela expansão de um mercado promissor e necessário. Foi neste cenário que

surgiram e foram regularizados os cursos de fisioterapia e terapia ocupacional, através

da Portaria de GR 347 de 7 de abril de 1967 (Quadros 2 e 3).

De acordo com Souza et al., (2013, p. 177), após tal regulamentação

(...) mudanças constantes são disparadas no cotidiano das práticas nos mais diferentes espaços e principalmente nos núcleos de conhecimento existentes, dentre eles a Fisioterapia, que pela vivência no campo da reabilitação, em especial na média e alta complexidade, requer um redimensionamento das suas práxis para atender a essa realidade.

Desde o início da regulamentação profissional os fisioterapeutas e terapeutas

ocupacionais adotavam práticas embasadas na formação técnica, pautada pelo

modelo médico-clínico de atendimento, condizente com a denominação dessas

profissões, consideradas “paramédicas”.

Page 22: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

21

Quadro 2. Decreto-Lei 938 de 1969 – Reconhece a fisioterapia e terapia ocupacional como profissões de nível superior

Fonte: Decreto-lei 938 de 13 de Outubro de 1969 publicado no Diário Oficial - Marques (1994, p. 9).

Quadro 3. Regulamento e organização didática do primeiro curso de fisioterapia.

Fonte: Portaria de GR 347 de 7 de abril e publicado no Diário Oficial em 1967 - Marques (1994, p. 9).

A reabilitação se constituía como a tônica profissional, feita de acordo com

critérios de diagnósticos e prescrições médicas. Essa concepção de atuação ficava

clara no currículo mínimo aprovado pelo MEC no início da década de 1980 (Quadro

4):

Page 23: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

22

Quadro 4. Currículo mínimo aprovado pelo MEC em 1983.

Fonte: Currículo aprovado pelo MEC e publicado no Diário Oficial em 1983 - Marques (1994, p. 9).

Em meados de 1975 a fisioterapia e a terapia ocupacional conquistam seu

próprio conselho no âmbito federal (COFFITO) e nas esferas estaduais os

(CREFITOS), através da Lei 6.316 de 17 de dezembro de 1975 (quadro 5), decretada

pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Na ocasião,

pela baixa demanda de profissionais tanto da fisioterapia como da terapia

ocupacional, houve a necessidade de juntarem-se ambas as categorias profissionais

para que se lograsse êxito na aprovação de um conselho unificado. Atualmente as

duas profissões continuam sendo geridas conjuntamente por esses órgãos.

Page 24: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

23

Quadro 5. Lei 6.316 de 1975.

Fonte: Criação dos conselhos, publicado no Diário Oficial em 1975 - Marques (1994, p. 8).

Nas décadas subsequentes à regulamentação dos cursos de fisioterapia e de

terapia ocupacional, os profissionais dessas áreas desenvolveram uma maior

autonomia de atuação, favorecendo com que o fisioterapeutas e os terapeutas

ocupacionais pudessem se estabelecer como profissionais competentes para produzir

diagnóstico cinético-funcional e de outros tipos, através de sua própria investigação

clínica e, a partir daí, passassem a traçar suas condutas (REBELATTO, 1999).

Cavalcante et al. (2011, p. 515), corroboram essa afirmação: “A Fisioterapia

apresentou mudanças no decorrer dos 40 anos legais de profissão. No início, a

profissão se baseava em livros de reabilitação e algumas técnicas, como Bobath,

Kabat, etc. Felizmente, essa tendência sofreu grandes mudanças”.

Contudo, para Bispo-Junior (2010, p. 1632), a marca característica dessas

profissões era (e ainda o é) o modelo biomédico:

A fisioterapia necessita romper com as barreiras do modelo biologicista-curativo em que sempre se apoiou e se aproximar da saude coletiva, que valoriza o social como categoria analitica do processo saude-doenca e propoe novas formas de organizacao do setor de saude.

A mudança de paradigmas na área da fisioterapia, ocorrida entre as décadas

de 1960-1980, pode ser observada abaixo (Quadro 6), com as respectivas influências

dos marcos legais e técnicos; e continuará a ser discutida mais adiante.

Page 25: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

24

Quadro 6. Transformações na regulamentação da fisioterapia e na área da saúde.

Fonte: Rezende et al., (2009, pag. 1407).

Logo após a regulamentação da profissão de Fisioterapia no Brasil estavam

ativos apenas seis cursos de graduação, que lançavam no mercado de trabalho

algumas dezenas de fisioterapeutas. Decorridos quinze anos desta regulamentação

pode-se identificar dezesseis novos cursos, perfazendo um total de vinte e dois cursos

no ano de 1984 (SIMONI et al., 2015, p. 12). Ainda, de acordo com a mesma autora,

nos anos 1990 ocorreu um aquecimento na procura pelo ensino superior, devido às

políticas educacionais vigentes na época, o que, somado ao fato de que a fisioterapia

passara a ser uma profissão mais reconhecida socialmente, valorizada e respeitada

pela população, fez aumentar o números de cursos de fisioterapia no Brasil. Dados

do CNE/CES (2009) revelam que no Brasil existem atualmente 503 cursos de

graduação em fisioterapia, a maior parte deles distribuídos entre os estados de São

Paulo, com representação de 27%, Minas Gerais 10,3%, Rio de Janeiro 8,3% e Bahia

com 7,2% (MARÃES, 2015).

Page 26: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

25

1.2. CONCEPÇÕES SOBRE A FISIOTERAPIA E SUA PRÁTICA NO BRASIL

Consideramos que embora as mudanças no ensino superior ocorridas no

Brasil, o ensino e as práticas de saúde que poderiam inserir-se no contexto da

educação sociocomunitária, entendida aqui como aquela que se preocupa com a

compreensão das necessidades básicas do ser humano no contexto comunitário, e

se dirige a desenvolver as atitudes relacionais e organizativas em/da comunidade,

visando a autonomia e o empoderamento desta, ainda precisam ampliar-se.

Estas ponderações incluem o profissional da fisioterapia, que através das suas

práticas carregam significados de compreensão do sujeito inserido na sociedade, no

campo da prevenção e da reabilitação, atentando-se para a divulgação e a produção

de conhecimento que levem à modificação de práticas cotidianas, ao design e a

implementação de políticas de saúde pública, e no que tange mais especialmente à

reabilitação, lançando olhares direcionados para a recuperação funcional de seus

pacientes, utilizando-se dos saberes profissionais na qualificação da saúde destes

sujeitos (ALMEIDA, 2009).

As competências do profissional fisioterapeuta, ao executar suas funções na

atenção à saúde, particularmente naquela da atenção primária, devem ultrapassar o

formato queixa-sintoma-ação curativa, que ainda caracteriza fortemente as práticas

dos profissionais da saúde. Com isso, constrói-se uma ótica totalizadora da atenção

com viés para a integralidade, equidade e universalidade no atendimento, como

estabelecido na lei orgânica da saúde (BRASIL, 1990).

A atuação do profissional fisioterapeuta não se restringe, nessa ótica, à

aplicação de técnicas próprias da reabilitação, pelo contrário, enfatiza-se a autonomia

dos sujeitos na promoção da saúde, sendo que o conceito de automomia indica: “uma

abertura à convivência com o outro, pautada em valores que respeitem a alteridade e

a livre escolha” (SUNDFELD, 2010, p. 1083). O que se baseia nas práticas de

comunicação em saúde, as quais promovem o fortalecimento da adesão ao

tratamento e à mudança no modo de perspectivar o cotidiano. Estas práticas

envolvem o saber lidar, o ouvir e o compreender o sujeito.

Subtil et al., (2011) descrevem o relacionamento entre fisioterapeuta e paciente

como “um fator fundamental para o sucesso da reabilitação, além de ser peça-chave

no processo de adesão ao tratamento”. Ainda, segundo Véras et al., (2004): “O

Page 27: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

26

fisioterapeuta deve articular suas ações integrando a recuperação, a prevenção de

incapacidades e/ou doenças e a promoção da saúde”.

Para o profissional da fisioterapia, traçar um plano de tratamento para seu

paciente se trata, quase sempre de uma rotina. O fato de as doenças, suas

sintomatologias, a existência de procedimentos terapêuticos protocolares e o

comportamento, muitas vezes resistente e de negação dos pacientes, comporem a

usualidade do fisioterapeuta, favorece com que o profissional desenvolva um perfil

mecânico de atuação, fazendo com que sua atenção volte-se, principalmente, para as

queixas do paciente. Na mesma linha, não é comum observar-se, por parte do

profissional, expressões emotivas na presença da dor e da complexidade dos casos

dos pacientes (CANTO, 2009).

O binômio “fisioterapeuta-paciente” tem sido comumente encontrado e

amplamente difundido na área de saúde, e, embora devesse condicionar a relação

face a face entre o profissional e os sujeitos das práticas, implicando na identificação

de mecanismos comunicacionais que estabeleçam uma relação horizontalizada para

garantir o progresso do tratamento, com frequência não é isso que encontramos na

prática profissional cotidiana (BALDO, 2008, p.11). Canto (2009, p. 308) afirma ainda

que,

[...] é preciso considerar que a experiência de estar próximo ao sofrimento de outros (in)sensibiliza os profissionais que, por vezes, se recusam a conhecer as circunstâncias de vida do paciente, evitando o confronto com seus sentimentos, isso talvez pela crença de que sua formação profissional não abarque esses possíveis aspectos da vida humana.

De acordo com Maia et al., (2015, p. 111), a prática clínica do fisioterapeuta

atualmente está ancorada em pesquisas científicas e atenta em seus resultados para

a tomada de decisão, isso confere e reafirma o interesse desse profissional pela

prática baseada em evidências. Dessa forma, com uma específica e criteriosa

formação, o graduado em fisioterapia dispõe de conhecimentos técnicos relevantes

para atuar na prevenção e no tratamento de distúrbios de órgãos e sistemas, tanto

numa perspectiva clínica individual como na saúde pública, na atenção básica, junto

a grupos e populações.

Page 28: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

27

Inserido em um contexto específico de reabilitação e manutenção da saúde, a

fisioterapia oficializa sua atuação em território nacional através do Decreto Lei nº

4638/69 e da Lei Federal nº 6.316/75. Já no ano de 1987, posteriormente à VIII

Conferência Nacional de Saúde, e à resolução nº 80 do Conselho Federal de

Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), buscou-se dimensionar e ampliar o

leque de serviços e competências inerentes à prática da fisioterapia, lançando-se

olhares para o modelo sanitarista de atenção à saúde. Neste modelo adota-se como

discurso uma fisioterapia aplicada, e que tem como objeto de estudo o movimento

humano em suas formas de expressão e potencialidades, seja em aspectos

patológicos, orgânicos ou psíquicos. Ainda, uma fisioterapia que adota por objetivos a

preservação, manutenção, restauração e integridade da saúde, não mais

compreendida como ausência de doença, mas como um conjunto de fatores, de várias

ordens, que favorecem a qualidade da vida. Assumindo-se a necessidade de passar-

se do modelo descrito abaixo, de controle de danos, (Figura 01):

Figura 01. Representação esquemática do modelo de controle de danos:

Fonte: Bispo-Junior (2010, p. 1630)

para outra concepção da fisioterapia, que engloba, além do controle de danos, o

controle de riscos (Figura 02):

Page 29: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

28

Figura 02. Representação esquemática do controle de risco e danos.

Fonte: Bispo-Junior (2010, p. 1631)

A resolução (COFFITO nº 80/87) reforça essa transição de modelos,

destacando a importância do fisioterapeuta nos níveis de atenção e assistência no

campo da saúde, ao afirmar que por suas competências profissionais o fisioterapeuta

é um elemento estratégico na atuação preventiva em saúde pública (MAIA et al., 2015,

p. 112).

De acordo com Menegazzo (2010, p. 349) a presença do fisioterapeuta na

atenção aos sujeitos das práticas em condições de vulnerabilidade socioeconômica,

como é o caso daqueles atendidos pela atenção básica, possibilita maior

conscientização desses sobre os agentes de riscos, limitantes posturais, doenças

osteomusculares e articulares, e ainda, favorece o resgate do pensamento cidadão.

Sua presença pode mobilizar as pessoas (pacientes e familiares) a pensarem na

qualidade de atenção à saúde que vem recebendo e em estratégias para melhorá-la.

O fisioterapeuta torna-se, dessa forma, o agente corresponsável pelas práticas em

saúde quando tratada em contexto de saúde na coletividade, e sua atuação,

potencialmente interdisciplinar, favorece a convergência de saberes para o foco

principal da sua atuação: o ser humano e sua qualidade de vida.

De acordo com Bispo Junior (2009, p. 663),

Page 30: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

29

[...] ao analisar o campo de atuação profissional, percebe-se clara contradição entre o número de profissionais existentes e as necessidades de assistência da população. De um lado, encontra-se grande contingente de profissionais aptos a prestar assistência; de outro, a população desassistida e com carência de oferta de serviços de saúde.

Ainda persistem no Brasil os entraves no acesso aos serviços públicos de

saúde, e o que se percebe, como marca geral, é o descaso do Estado diante das

complexas demandas de atenção às doenças, à infraestrutura, cuidados nutricionais,

preventivos e outros, e, sobretudo, as precárias condições de subsistência, que

dificultam ainda mais a qualidade de vida da população mais vulnerável

socioeconomicamente (PAIM, 2002).

A Lei Orgânica da Saúde (nº 8080/90) foi criada com o objetivo de enfrentar a

problemática da atenção à saúde pública, enraizando princípios norteadores para o

sistema único de saúde (SUS), com base na universalidade, integralidade e equidade

no acolhimento e assistência, e elege o Estado como regulador e mantenedor

financeiro das ações em saúde (BRASIL, 2003).

Para uma completa atuação e aproximação do SUS às questões de saúde

focada na atenção primária, meta principal da saúde pública, não se pode deixar de

levar em conta o histórico de atuação terciária da fisioterapia, que desde sua origem

trilha caminhos reabilitativos de sequelas e complicações biomecânicas. Por anos os

fisioterapeutas se distanciaram das ações coletivas de atenção à saúde, da atenção

primária, e segundo Bispo Junior (2009, p. 663), “... a atuação dirigida apenas para a

reabilitação impõe restrições à prática do fisioterapeuta, que se limita a intervir quando

a doença já está instalada...”.

Segundo Rebelatto (1999), a morosidade dos profissionais de transitar de um

modelo biomédico, ao qual as práticas da fisioterapia parecem inerentes, para outros

modelos, afastando-se do papel reabilitador, no qual a concepção de corpo-doente já

se encontra pré-estabelecido, denomina-se “inércia profissional”. Com isso,

restringem-se as intervenções fisioterapêuticas apenas ao âmbito da reabilitação,

empobrecendo-se as possibilidades de atuação e de transformação da qualidade de

vida social, para a qual o fisioterapeuta pode contribuir.

Ao analisar-se historicamente a forma de atuação e o modelo de formação do

fisioterapeuta, percebe-se que apesar dos discursos e das relativas mudanças

paradigmáticas, como acima já referido, as influências do modelo curativo-reabilitador,

Page 31: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

30

fixando o contexto de aprendizagem do futuro profissional em lógicas biologicistas e

tecnicistas, na ótica privatista e assistencialista, própria à visão capitalista de atenção

à saúde (CAMPOS, 2008). Dessa forma, mesmo ampliando-se a oferta de cursos no

campo da fisioterapia, observa-se que a sistemática da formação, em nível de

graduação, está focada na formação para um mercado de trabalho, que privilegia e

reforça o modelo clínico biomédico, como anteriormente descrito, em detrimento da

formação para uma fisioterapia mais humanizada, de cunho mais social ou coletivo,

ou, ainda, de força mobilizadora da emancipação dos sujeitos.

De acordo como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em

2015, através da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), no Brasil, cerca de 12 milhões

das pessoas estão acometidas por algum tipo de deficiência. Se forem observadas as

deficiências físicas e que comprometem a motricidade, esse número representa 1%

da população e ao levar em consideração a intensidade e grau das limitações, esse

valor equivale a 46% do total das deficiências. Ainda, de acordo com o IBGE, das

pessoas acometidas por alguma limitação física, somente 18% são contempladas por

algum serviço de reabilitação (IBGE, 2015).

Para que os números melhorem e a saúde coletiva alcance bons resultados, é

significativo que se faça um dimensionamento da quantidade de fisioterapeutas por

número de pacientes atendidos, além disso, é relevante pensar em suas práticas no

que tange aos serviços prestados por este profissional, aqueles de reabilitação e

prevenção de doenças e agravos, como também os aspectos relativos à comunicação

com os sujeitos das práticas de saúde.

Atualmente, a formação do fisioterapeuta não prioriza as questões

condicionantes da desigualdade social, ainda mais em se tratando da população de

baixa renda e em condição de vulnerabilidade social (CONDRADE et. al., 2010). Isso

se deve ao fato das práticas educacionais no ensino superior privilegiarem outras

propostas de sociedade e de modelos de saúde.

1.3. DA FORMAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA

Ao rever os elos entre formação e atuação profissional, observam-se pontos

que tradicionalmente parecem não estarem contemplados nas práticas e nos

currículos dos cursos de graduação em fisioterapia. As considerações acima

Page 32: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

31

apontadas, quanto à vigência do modelo biomédico, é um destes pontos. A pouca

ênfase posta no desenvolvimento de habilidades de comunicação horizontalizada

entre o fisioterapeuta e o paciente, que colaboraria, por exemplo, para reduzir o

distanciamento provocado pelas relações interpessoais verticalizadas, o que acaba

interferindo negativamente no desenvolvimento de ações preventivas e educativas, é

outro ponto. Na elaboração do processo formativo do fisioterapeuta é considerável

levar em conta os mais diferenciados ambientes de trabalho que esse profissional

encontrará, e também, a diversidade de público que suas práticas contemplarão. Para

tanto, como defendemos aqui, a formação do fisioterapeuta deve ser a mais holística

e humanizada possível, pois somente partindo de concepções menos clínicas-

corretivas dos sujeitos é que tal formação poderá ser efetiva para atender às

necessidades dos atendidos (SOUZA et al., 2013, p. 180).

O campo da saúde é regulado por princípios que direcionam os profissionais

para uma atuação com base em seus moldes educativos, nesse sentido, balizar não

o tratamento, mas o “fazer saúde”, só é possível através da permanente mediação do

conhecimento entre os profissionais, os pesquisadores, produtores de conhecimento,

e os diversos participantes das práticas de saúde, que colaboram com os seus

saberes para consolidar este fazer.

Para que a formação do profissional se desenvolva e garanta embasamento

mínimo é necessário cumprir, conforme a legislação atual, requisitos mínimos,

respeitando as competências e habilidades descritas no artigo quarto da Resolução 4

de 2002 do Conselho Nacional de Educação (CNE) e Conselho Estadual de Educação

(CES) (Figura 03):

Figura 03. Resolução do Conselho Nacional e Estadual de Educação.

Fonte: Parecer CNE/CES 4/2002 e publicado no Diário Oficial em 2002 - Marques (1994, p. 9).

Page 33: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

32

Destacamos, abaixo, algumas destas habilidades e competências, presentes

na legislação em vigor (RESOLUÇÃO CNE/CES 4, 2002):

I - Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional,

devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e

reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve

assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais

instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os

problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais

devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos

princípios da ética e bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à

saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de

saúde, tanto em nível individual como coletivo;

II - Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar

fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e

custo efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de

procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências

e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas,

baseadas em evidências científicas;

III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a

confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros

profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação

verbal, não verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma

língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;

IV - Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde

deverão estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem

estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia,

habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva

e eficaz;

V - Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar

iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos

recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos

Page 34: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

33

a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde;

e

VI Educação Permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender

continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os

profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e

compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de

profissionais, mas proporcionando condições para que haja benefício mútuo entre os

futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e

desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação

através de redes nacionais e internacionais.

De acordo com Souza et al., (2013, p. 181) a educação é parte fundante de

uma cultura, construída por conceitos empíricos e disseminada por vários canais de

comunicação e interações comunicativas, sendo assim, assegurar uma educação

superior voltada para a construção de uma saúde resolutiva e humanizada, deveria

ser parte integrante – e efetiva- dos currículos de formação. O profissional da

fisioterapia, em sua formação, deve considerar o direcionamento multivariado de suas

práticas e fazer a transposição desse aprendizado para sua rotina diária.

Bandura (2008), em seu livro sobre Teoria Social Cognitiva, afirma que as

pessoas se tornam agentes de suas próprias vidas através das suas experiências, ao

invés de estarem/serem sujeitas dela. Segundo Cloninger (1999, p. 31), a

aprendizagem deve acontecer de forma ativa, experiencial, e isso inclui a observação,

através da qual se permite a transformação cognitiva, provocando uma intensa

reflexão sobre o comportamento, tanto próprio como dos outros. A formação do aluno

no curso de fisioterapia deve estar ancorada na reflexão sobre os comportamentos

profissionais e as responsabilidades inerentes a esses, que esse aluno vai

aprendendo a desenvolver durante o curso. E isso vale tanto para o aluno como para

os professores formadores, que precisam rever constantemente sua prática, a luz dos

desafios que são postos aos profissionais, advindos das transformações sociais,

econômicas, culturais... Não numa ótica behaviorista, mas como um meio pelo qual

se favorecerá com que se entenda a complexidade do ser humano. Isso exige do

aluno empoderamento, sem o qual ele terá dificuldades para problematizar as

questões da sua época, e para interpretar criticamente a realidade, e, dessa forma,

também entender as lógicas da concepção e da atenção em saúde vigentes.

Page 35: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

34

1.4. CURRÍCULO ATUAL E PRINCÍPIOS DE FORMAÇÃO NA FISIOTERAPIA

Na abordagem a seguir será discutido o currículo mínimo para a formação do

fisioterapeuta, sua matriz curricular e a constituinte do projeto político pedagógico de

um curso de fisioterapia, segundo a lei de diretrizes e bases da educação brasileira e

conforme recomendações do Ministério da Educação (BRASIL, 1996).

De acordo com a definição do COFFITO, a fisioterapia é uma ciência aplicada,

cujo objeto de estudos é o movimento humano em todas as suas formas de expressão

e potencialidades, quer nas suas alterações patológicas, quer nas suas repercussões

psíquicas e orgânicas, com objetivos de preservar, manter, desenvolver ou restaurar

a integridade de órgãos, sistemas ou funções (RESOLUÇÃO COFFITO, 1987).

As Diretrizes e Bases da Educação Brasileira estão estabelecidas na Lei nº.

9.394 de 20 de dezembro de 1996 (LDB) e conceituam a educação no âmbito nacional

da seguinte maneira:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Esta Lei de Diretrizes e Bases (LDB/96) busca validar, através das Diretrizes

Curriculares Nacionais, um novo currículo formativo para os profissionais graduados

na área da saúde, com a intenção de promover novos moldes formativos. O que se

dá face às necessidades de enquadrar os profissionais ao modelo de intervenção

instituído pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que são, em tese, amparados pelas

demandas sociais (CHIESA et al., 2007). Também contempla os princípios da

Constituição de 1988, que defendem a saúde como direito de todo cidadão e

responsabilidade de toda a sociedade. As regulamentações do SUS estão descritas

em textos da Lei Orgânica n. 8.080 de 1990 e dissertam sobre os tipos e formas de

direcionar os atendimentos oferecidos à população brasileira, bem como, as formas

que os processos educativos devem acontecer no âmbito da educação permanente

em saúde (BRASIL, 1990).

Os cursos superiores no Brasil sofreram importantes reformulações nas últimas

décadas, em especial após a “Constituição Cidadã”, de 1988, e da Reforma da Saúde,

Page 36: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

35

que se seguiu a essa, também em 1988. Esses foram pontos centrais, que

desencadearam a implantação das Diretrizes Curriculares Mínimas para o ensino

superior, principalmente na área da saúde. Tais diretrizes estabelecem disciplinas por

habilidades e competências próprias durante o curso, refazendo consideravelmente a

óptica desenvolvimentista do ensino superior, que em registros passados adotavam

modelos tecnicistas focados na atenção às demandas de uma saúde elitista.

De acordo com o PARECER CNE/CES nº 776/97 (MEC/CNE, 1997):

As Diretrizes Curriculares reúnem elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento de forma a promover no estudante a capacidade de aprimoramento intelectual e profissional autônomo e permanente. Incluem, entre outras, dimensões éticas e humanísticas, visando ao desenvolvimento no aluno de atitudes e valores voltados para a cidadania.

Conforme Chiesa et al., (2007), ao identificar elementos determinantes do

processo saúde e doença, para além da concepção biologicista, o profissional da

saúde deve investigar os fatores contextuais (econômicos, de infraestrutura, políticos,

sociais, culturais) e aqueles patológicos para propor intervenções resolutivas. Para

isso, no caso do fisioterapeuta, é considerável compreender não só a eleição dos

mecanismos terapêuticos, mas a compreensão holística das pessoas, grupos e

populações que serão alvo da sua atenção, juntamente com a construção de

conhecimentos, que vão sendo apropriados no decorrer da formação. Tal formação

deve propor metodologias que visem a inserção do aluno em ambientes práticos e

teórico-práticos de aprendizagem, nos quais possam exercitar a capacidade para

resolução de problemas frente a “situações problematizadoras”. Isso contribuirá para

o amadurecimento profissional e para as tomadas de decisões no ambiente desafiador

da área da saúde.

Segundo Almeida (2003, p. 75), “o crescente desafio das instituições de ensino

consiste em preparar os profissionais para atuarem em diferentes níveis do sistema

de saúde”. Estes níveis de atuação, tratados por Leavell e Clark (1965) (apud

DEMARZO, 2008) são distribuídos em atenção primária, secundária e terciária, como

exposto no quadro 07:

Page 37: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

36

Quadro 07. A promoção da saúde e os níveis de prevenção

Fonte: Modelo da História Natural das Doenças – (LEAVELL e CLARK, 1965) apud

(DEMARZO, 2008).

A complexidade de cada serviço incorre na adoção de concepções de saúde e

de ser humano, de teorias, técnicas e capacitações inerentes aos modelos de

atendimento. E, no interstício entre formação e atuação, o fisioterapeuta expressa

competências individuais que nem sempre são desenvolvidas nos bancos das

faculdades, sendo adquiridas através da vivência pessoal e profissional.

A educação em saúde, em uma perspectiva contemporânea, está ancorada no

processo pelo qual se dá a construção de saberes que serão aplicados

profissionalmente, e para a vida toda, permitindo conhecimentos direcionados acerca

do ser, do comportamento, da relação, da comunicação, das críticas, da cultura e das

influências ofertadas pelo meio (MACIEL, 2009). No entender de Silva:

A formação em saúde pressupõe a necessidade de formar profissionais habilitados a compreender e comunicarem-se adequadamente com os seus pacientes. Nesse sentido, coloca-se a necessidade de que os Projetos Políticos Pedagógicos – PPP dos cursos da área médica, bem como suas políticas formativas, atendam a necessidade de capacitar os acadêmicos uma boa compreensão do homem em seu contexto, social/cultural/econômico, a serem capazes de lidar com a alteridade, respeitando os indivíduos em suas particularidades, compreendendo o “outro” em sua singularidade (SILVA, 2015, p. 299).

Page 38: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

37

Para que o fisioterapeuta pudesse, então, alcançar os vários requisitos

implicados nas suas práticas profissionais, nas diversas especialidades desta

profissão, houve a necessidade programar um currículo mínimo de ensino, amparado

em bases legais de direitos e deveres profissionais. Passa, assim, a vigorarem as

Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Fisioterapia, através do Parecer

CNE/CES nº 1,210/2001, de 12 de setembro de 2001 (Figura 04), que estabelecem

em seus artigos as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino do curso de

Graduação em Fisioterapia (SALBEGO, 2015). Nas diretrizes se definem os

princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de fisioterapeutas,

estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de

Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e

avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Fisioterapia das

Instituições do Sistema de Ensino Superior.

A carga horária mínima recomendada atualmente pela comissão CNE/CES é

de 4.000 horas para a completa formação acadêmica dos alunos do curso de

graduação em fisioterapia. Dessa carga, além das aulas teóricas, obriga-se à vivência

da prática nas áreas de atuação da fisioterapia no campo de estágio, supervisionado

por um profissional fisioterapeuta devidamente registrado em seu conselho de classe

(BRASIL, 2002).

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) em seu artigo 3º, o

futuro fisioterapeuta deve compreender e estar habilitado para uma atuação

generalista, humanista, crítica e reflexiva, e deverá atuar em todos os níveis de

atenção à saúde, com uma visão focal, ampliada e globalizada das questões de saúde

e políticas públicas de saúde vigentes no país.

A atuação do fisioterapeuta deverá ser feito em conformidade com princípios

éticos e bioéticos, morais e culturais, respeitando-se o indivíduo em estado de doença,

em situação de vulnerabilidade e a coletividade, com o objetivo de preservar e

qualificar a vida humana, desenvolver ações de prevenção com enfoque na educação

do sujeito, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, sendo um

profissional voltado ao desenvolvimento científico continuado e permanente.

Page 39: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

38

Figura 04. Parecer Conselho Nacional e Estadual de Educação.

Fonte: Parecer CNE/CES 1.210/2001 e publicado no Diário Oficial em 2001 (MARQUES, 1994, p. 10).

Como requisitos de formação, o fisioterapeuta deverá adquirir competências e

habilidades inerentes à execução de suas atividades. Os conhecimentos básicos para

sua formação compreendem o estudo aprofundado da constituição biológica do ser

humano, de sua gênese até os aspectos morfofuncionais, os processos

fisiopatológicos gerais e específicos dos órgãos e sistemas (BRASIL, 2002). Como

profissional que deve constituir uma concepção integrante e integrada do ser humano,

Page 40: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

39

a formação precisa contemplar a associação dos conceitos humanísticos e sociais,

abrangendo o estudo do ser humano e suas relações, os processos de saúde-

doenças e seus desencadeantes multifatoriais, diferentes concepções de vida,

princípios motivadores, aspectos psicossociais, culturais, filosóficos, antropológicos e

deontológicos do ser (BRASIL, 2009).

De acordo com Bandura (2008, p. 46), “os agentes não são apenas

planejadores e prognosticadores, são auto-reguladores, pois adotam padrões

pessoais, monitorando e regulando seus atos”. O aprendente, entendido nessa

perspectiva de agente, e não como “receptor passivo” de informações, se torna autor

de suas próprias ações e coordena seus atos, dessa forma definindo-se o processo

pelo qual acontecerá o modus operandi da ação humana, inclusive aquela da

aprendizagem. Esta concepção, em nosso entender, é aquela que deve guiar o

processo formativo do futuro profissional, pois se o fisioterapeuta deve promover a

autonomia e o empoderamento dos sujeitos, esse processo também precisa ser por

ele aprendido na sua formação. Tal concepção nos parece, ainda, o caminho mais

efetivo para contemplar uma formação pautada em conhecimentos pertinentes ao

estado de atuação, pensados e estruturados nas diretrizes da saúde pública,

educação, gestão administrativa e acompanhando o avanço tecnológico. A formação

do profissional da fisioterapia abrange conhecimentos específicos de biofísica,

bioquímica, informática aplicada à saúde e metodologias científicas, que favoreçam a

incorporação de inovações e tendências tecnológicas próprias da prática clínica

(BRASIL, 2002).

São fundamentalmente importantes os conhecimentos das funções e

disfunções dos movimentos humanos, os recursos semiológicos, diagnósticos,

preventivos e terapêuticos, que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas

diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção fazem com que o

profissional seja habilitado para suas práticas clínicas e também na atuação

comunitária em saúde. Deve-se considerar as habilidades e conhecimentos do futuro

profissional e que ele precisará colocar-se à disposição da população, quer na

atenção básica como naquelas secundárias e terciárias, através dos recursos físicos

e tecnológicos, na expertise do pensamento preventivo e curativo, para a promoção

da saúde e melhoria da qualidade de vida.

Page 41: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

40

De acordo com perspectivas contemporâneas de formação do fisioterapeuta

este deverá iniciar suas práticas clínicas e supervisionadas desde o início do processo

de formação. A experiência profissional é dependente da prática em que se origina, e

a práxis educativa voltada para o desenvolvimento da agência humana, como aqui

argumentado, permite ao discente estabelecer vínculos entre teorias, conceituações

e as práticas vivenciadas. Tal correlação incorpora a necessidade de experiências

advindas do meio, trabalhadas didaticamente por meio de exemplos, reflexões e de

outras metodologias, de caráter ativo (DÍAZ, 2011).

Quando o aluno é estimulado nesse processo de construção do conhecimento,

utilizando-se das mediações dos docentes e das metodologias ativas, o fator

aprendizagem se fundamenta na origem incentivadora da autonomia dos sujeitos, e

se torna contínua, ao longo da vida (SALBEGO, 2015). Os ingressantes no curso de

fisioterapia, nessa perspectiva, passarão por atividades que gradualmente ofereçam

maior complexidade, dentre estas aquelas que consistem na observação do

atendimento realizado por um fisioterapeuta já formado no ambiente clínico-

terapêutico, na atenção básica, hospitalar, dentre outros campos.

No precedente de formação fisioterapêutica, os alunos devem obrigatoriamente

passar por estágios supervisionados e devem completar no mínimo 900 horas de

atividades clínicas, hospitalares, unidades básicas de saúde e intervenções

preventivas. Todo este processo deverá seguir critérios próprios de acordo com o

regimento institucional dos cursos de fisioterapia e de órgãos reguladores, como o

conselho de classe profissional, bem como garantir um rigor avaliativo e metodológico

no desenvolvimento das atividades (BRASIL, 2009).

Durante o curso de graduação em fisioterapia, os alunos deverão aprimorar

seus currículos e repertório acadêmico através de atividades complementares, que

servirão para potencializar e garantir maior aproveitamento dos conhecimentos

adquiridos. As atividades complementares serão viabilizadas pelas instituições de

ensino que regularmente promovem cursos, monitorias, iniciação científica,

programas de extensão universitária, estudos complementares dentre outras

atividades.

Os concluintes do curso de graduação em fisioterapia, de acordo com as

diretrizes de cada instituição, deverão elaborar um trabalho de conclusão de curso,

através da orientação de um professor da instituição, que em conformidade com as

Page 42: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

41

normas instituídas institucionalmente deverá garantir a seriedade exploratória e

condução dos dados e comportamento ético diante do fazer ciência.

Os cursos de graduação em fisioterapia devem construir coletivamente um

projeto político pedagógico, de forma que contemplem os requisitos básicos do

processo de ensino e deve ser centrado no aluno como sujeito ativo da aprendizagem,

o professor devendo figurar como facilitador desta.

O Projeto Político Pedagógico deve ser integralizado, articulado e alicerçado

no ensino, pesquisa e extensão. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Político

Pedagógico deverão ser os fundamentos do curso. Os currículos poderão diversificar-

se, entretanto, deverão contemplar as diferentes áreas e níveis de abrangência da

atuação profissional para que se cumpra a devida formação generalista.

De acordo com Maia (2015, p. 111),

[...] os fisioterapeutas têm uma formação clínica generalista consistente, o que os habilita a atuar no atendimento de diversas áreas da saúde e nos diversos níveis de atenção (primária, secundária e terciária). Estes profissionais estão habilitados a intervir na prevenção de doenças, tratamentos, na referência e contra referência e na educação e promoção à saúde, sendo esta última à base prioritária em saúde pública.

No que pesem as questões formativas do curso de fisioterapia, observa-se, de

forma geral, o distanciamento dos conteúdos abordados no trajeto de formação

naquilo que se refere à necessidade social. Nesse sentido, Munhoz e Nascimento

(2017), propõem que a execução do Projeto Político Pedagógico esteja em

conformidade tanto com as demandas científicas da profissão como que seja capaz

de formar profissionais críticos e reflexivos, provocando no campo da ciência

transformações, por meio das produções acadêmicas incorporadas ao compromisso

das instituições de ensino superior com as questões sociais.

Ao analisar o campo de imersão da fisioterapia, Pivetta (2015, p. 75) relata,

[...] os currículos dos cursos superiores formam, em sua grande maioria, profissionais habilitados para a execução de técnicas de reabilitação, o que termina por motivar nesses mesmos profissionais, durante sua prática profissional, o questionamento do contexto formativo que receberam por perceberem que a realidade que os cerca compreende uma complexidade para a qual não estão preparados para atuar ativamente.

Page 43: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

42

A formação profissional não pode estar enraizada apenas na identificação de

fatores diagnósticos, no acolhimento, no cuidado, nas intervenções, na visão

prognóstica, nos fatores etiológicos ou mesmo preventivos das patologias ou agravos

à saúde. Deve estar atenta aos fatores condicionantes do atendimento e na nas

demandas de qualidade de vida, bem-estar e saúde da população.

Para tanto, são necessárias metodologias que se difundam em uma gama de

recursos, que favoreçam a apropriação dos conhecimentos técnico-científicos numa

concepção humanizada de sujeito (ROBERTO, 2012). Barbosa (2013, p. 52)

complementa esta reflexão argumentando a favor das metodologias ativas de atuação

docente no ensino superior e acrescenta,

[...] mesmo que o sistema educacional forme indivíduos tecnicamente muito bem preparados, é indispensável que eles sejam capazes de exercer valores e condições de formação humana, considerados essenciais no mundo do trabalho contemporâneo, tais como: conduta ética, capacidade de iniciativa, criatividade, flexibilidade, autocontrole, comunicação, dentre outros.

O aprender, no campo da saúde, passa a ser mais que a composição de

disciplinas curriculares, preocupando-se com a maturidade profissional e pessoal do

aluno, numa vertente humanista, que coloca o ser humano integral no cerne da sua

prática, e sua sensibilização às problemáticas sociais. Permitindo aos estudantes

qualidades de um profissional generalista, humanista e crítico-reflexivo, como parte

da construção de seu perfil profissional.

1.5. DA RELAÇÃO FISIOTERAPEUTA X SUJEITO DAS PRÁTICAS: UM OLHAR

SOBRE OS DIVERSOS MODELOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Nesta parte, serão tratadas as implicações estabelecidas na relação

fisioterapeuta/sujeitos das práticas, e em quais modelos vem sendo construída a

formação do fisioterapeuta. Ainda, serão abordados os aspectos da comunicação

profissional-sujeitos, fatores condicionantes do adoecimento e da adesão ao

tratamento, bem como as formas de correlacionar a tecnologia e a ciência em favor

da relação com o outro.

Os processos que devem envolver os modelos de atendimento no contexto de

saúde têm sido amplamente difundidos, enfatizando-se o equilíbrio dos pontos éticos,

Page 44: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

43

humanizadores e sociais da atuação dos profissionais. Ao formular ações que

atendam às necessidades consideradas básicas para a (sobre)vivência, o profissional

de saúde precisa adentrar em um emaranhado complexo de concepções acerca do

sujeito, e nisso, entender os paradigmas culturalmente incutidos no comportamento

social, inclusive na sua própria formação.

De acordo com Silva (2011, p. 299), “A formação em saúde pressupõe a

necessidade de formar profissionais habilitados a compreender e comunicarem-se

adequadamente com os sujeitos das práticas”. Sendo assim, se torna imprescindível

que os mecanismos formativos para o sujeito ingressante na área de saúde contemple

os aspectos singulares de entendimento do “outro” enquanto ser humano, dotado de

sentimentos, e que seja horizontalizada qualquer forma de comunicação, pois a

singularidade do ser não deve ser sobreposta pela máquina tecnicista de atuação

profissional.

Para que se possam compreender quais implicações estão estabelecidas no

relacionamento entre fisioterapeuta e o sujeito das suas práticas, faz-se necessário

entender em quais condições essa relação se constrói. Diante do histórico

profissional, ético, técnico e comportamental em que se apresenta a área de

fisioterapia, vale pontuar a adesão ao papel reabilitador, do qual esses profissionais

vem tradicionalmente se apropriando em virtude tanto dos paradigmas biomédicos,

que vem marcando a concepção tanto do que significa ser fisioterapeuta como do que

significa ser “doente”, mas também do olhar focal das instituições de ensino, que vem

preservando esses paradigmas, incutindo em seus alunos a ideia de que a prioridade

na atuação profissional se dá em razão das demandas por ações curativas.

O ensino da saúde no Brasil tem-se enquadrado em um modelo de ensino

descrito como biomédico/flexneriano, como já anteriormente explicitado, construído

por uma forte influência do modelo de saúde vigente nos Estados Unidos, voltado para

fomentar a geração de negócios no campo da saúde, numa concepção não de saúde

pública, mas de práticas de saúde privadas e superespecializadas (SALMÓRIA,

2008). A fisioterapia, em seus mais diversos meios de atuação e protocolos de

tratamento, espelha-se também nesse formato de atuação, que estabelece em sua

forma de agir um papel focado numa ótica de reabilitação que entende que o paciente

se configura apenas como uma anomalia anatomofisiológica e/ou psicológica, a ser

corrigida. Neste sentido, os aspectos que definem o sujeito como “Ser Humano”, tais

Page 45: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

44

quais sua singularidade, perspectivas de vida e de compreensão do que é ser/estar

doente, sua vontade, etc., não são levados em consideração.

Silva (2010, p. 542) classifica os modelos médicos de atuação (Quadro 08) e a

relação médico paciente, como: sacerdotal, engenheiro, colegial e contratualista.

No modelo sacerdotal, os autores consideram que há uma posição paternal na

relação entre médico e paciente, situação em que desconstrói qualquer tipo de

argumentação partindo do paciente. Neste modelo fica evidente a dominação do

profissional e a submissão do paciente.

No modelo engenheiro, o paciente tem participação ativa nas decisões,

entretanto, nessa condição, prevalece a acomodação do profissional e o paciente

assume uma posição controladora do processo.

No modelo colegial, as decisões são compartilhadas e não prevalece a decisão

do mais empoderado, mantêm-se preservados os direitos dos pacientes, entretanto,

exige-se que o paciente se aproprie de conhecimentos para além daqueles do senso-

comum, em relação às causas que o levaram ao atendimento profissional.

No modelo contratualista, o médico preserva sua autoridade e conhecimento,

se mantém responsável pelos pacientes e é quem faz as tomadas de decisões, por

outro lado, os valores e desejos dos pacientes são preservados, ocorrendo uma troca

de informações e saberes.

Quadro 08. Modelos de Relação Médico-Sujeito das Práticas.

Fonte: Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil (SILVA, 2010).

Sampaio et al., (2002, p. 114) descreve o modelo médico como,

Page 46: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

45

Um modelo direcionado para o entendimento da etiologia que afeta órgãos e tecidos e que resulta em sintomas físicos ou psicológicos. A lógica do modelo médico é baseada no diagnóstico ou descoberta dos sintomas relacionados a uma condição patológica e na adoção de uma terapia para a causa da doença.

O fisioterapeuta enquadra-se no modelo médico ao minimizar importantes

fatores de humanização e canalizar esforços para identificar e tratar a patologia como

objeto central do seu trabalho. Ao avaliar o paciente, o fisioterapeuta busca por dados

da história do sujeito, explorados através da anamnese, mas focando-se nos

antecedentes causais que mais lhe parecem próximos ao evento nosológico.

Entretanto, pouco se utiliza dessa busca para entender o sujeito como “um todo”, o

que contribuiria para um prognóstico consistente e uma conduta resolutiva, numa

perspectiva mais humanizada.

Os profissionais fisioterapeutas carregam em seu eixo formador certa

dificuldade de transpor o conhecimento adquirido no percurso de sua formação ao

ambiente prático de atuação, e percebe-se na trajetória formadora o distanciamento

das teorias em relação aos fatores, que emergentes dos contextos sociais, implicam

em deterioração da qualidade de vida. Partindo dessa ideia, Pivetta (2015, p. 78)

acrescenta que “o fisioterapeuta não consegue ter a sensibilidade de acompanhar e

compreender as diferentes indicações que surgem na relação terapeuta/paciente”.

A temática que envolve as implicações da relação terapeuta e paciente não é

nova no contexto da saúde, embora continue atual. O assunto já foi abordado por

vários autores, especialmente a partir de meados do século XX, que criticavam o

“caminho baseado exclusivamente na instrumentação técnica e na objetividade dos

dados” (CAPRARA; FRANCO, 1999, p. 648).

Segundo Caprara (2004, p. 140), “a tecnologia foi se incorporando no exercício

da profissão, deixando-se de lado os aspectos subjetivos da relação”. Apesar das

descobertas tecnológicas e científicas terem se mostrado eficientes no processo de

recuperação e reestabelecimento da saúde do sujeito, não se notavam importantes

mudanças na condição e qualidade de vida da população. Nessa lente, destaca-se a

intenção de aprimorar as ações de saúde pautadas na comunicação, observação e

execução de trabalhos em equipe, como requisito fundamental e no mínimo aceitável

para os valores estabelecidos na relação humana no campo das práticas de saúde. O

Page 47: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

46

sujeito se torna o centro do processo, ao invés de sua maior representação ser a

patologia que o afeta.

Segundo Braga (2006, p. 307),

Existe um entendimento do processo terapêutico como um conjunto deliberado de intervenções do terapeuta, sendo o resultado da terapia dependente das suas habilidades, e os fatores relevantes nesse processo à escolha correta das técnicas e o treino do terapeuta no seu manejo.

Os aspectos intervencionistas dos terapeutas, como assim entendidos, revelam

verdadeiros executores de técnicas embasadas em conceitos científicos, e, nesse

sentido, Silveira (2000, p. 214) afirma que “tal pressuposto levou uma geração de

terapeutas comportamentais a adotar atitudes mecanicistas”.

Para Canto (2009, p. 308) a limitação encontrada pelo fisioterapeuta em

entender a relação corpo e mente do sujeito sob seus cuidados parte da compreensão

da segmentação do indivíduo em ser fisiológico e psicológico, e acrescenta:

[...] tratar o paciente representa, muitas vezes, uma rotina: ele já está familiarizado com as doenças, seus sintomas, as reações dos pacientes e as restrições do tratamento, o que o leva a preocupar-se somente com a solução da queixa física do paciente.

Entender os fatores causais incutidos no percurso de adoecimento é essencial

para que se tenha uma efetiva e direcionada promoção e assistência em saúde. O

sujeito, que no passado gozava de um estado biologicamente saudável, na ocasião

nosológica passa a conviver e a ter que vencer diariamente os percalços da transição

saúde-doença. Aqui, entenda-se sujeito doente como um ser físico, psíquico e social.

Canguilhem (2009, p. 47) descreve o equilíbrio harmonioso entre natureza,

sujeito e o estar doente e afirma que, “A doença não está em alguma parte do homem,

está em todo o homem e é toda dele. As circunstâncias externas são ocasiões, e não

causas”. Ao analisar os aspectos mais profundos do estar doente, percebe-se que a

condição “estar” conota algo transitório e não perpetuado. O autor (2009, p.54)

salienta, ainda, que “A doença não é somente desequilíbrio ou desarmonia; ela é

também, e talvez, sobretudo, o esforço que a natureza exerce no homem para obter

um novo equilíbrio”. Equilíbrio esse que não fica circunscrito à biologia, mas que, numa

Page 48: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

47

ótica de saúde como qualidade de vida, envolve reorganizar situações e dinâmicas de

vida para outros equilíbrios: econômicos, socioculturais, políticos, comunitários, etc.

Entender as variáveis da relação do sujeito com sua doença é parte integrante

do olhar avaliativo do profissional de saúde, que sumariamente busca interpretar

sinais e sintomas, por vezes distantes do que realmente se apresenta. Starfield (2002,

p. 412), ao referir-se à relação profissional-paciente: “o vínculo pressupõe a existência

de uma fonte regular de atenção, e requer o estabelecimento de fortes laços

interpessoais, que reflitam a cooperação mútua entre as pessoas da comunidade e os

profissionais de saúde”.

É relevante que se estabeleça uma aproximação de confiança entre o

fisioterapeuta e o paciente, na complexidade de cada caso, permitindo uma abertura

para a troca de medos, anseios, saberes...para que possa haver diálogo na

construção das condutas e no executar das ações terapêuticas. Há que se permitir

autonomia do sujeito em processo de cura, dessa forma, participar ativamente dos

processos de prevenção, conscientização na/para a saúde, e de reabilitação se torna

um objetivo no planejamento e na proposta das ações (SUBTIL et al., 2011).

A relação fisioterapeuta/paciente está diretamente atrelada à relação que se

constrói durante o tempo em que ambos canalizam intenções para solucionar uma

problemática no campo da saúde. Nessa perspectiva, o agente facilitador e

determinante do sucesso ou insucesso das práticas é a relação, na qual oportunizam-

se eixos comuns de diálogo entre o fisioterapeuta e o sujeito/grupos/populações. O

fisioterapeuta assume um papel motivacional nesta relação. Através de seu repertório

técnico científico, impregnado por uma concepção humanizadora de suas práticas,

sua capacidade de mostrar atenção, carinho e afeto, efetiva-se. Há um “permitir”, do

ponto de vista da confiança entre ambos, que favorece a efetivação das práticas e

melhora a adesão a essas.

De acordo com Subtil (2010), os estudos que tratam sobre a relação

profissional/sujeito são reduzidos, porém, o autor ressalta e argumenta que um ponto

forte do processo de reabilitação, e, acrescentamos, em todos os níveis de atenção

em saúde, nos quais o fisioterapeuta pode estar inserido, consiste em trabalhar as

implicações bilaterais inseridas na convivência. Isso sugere um contrabalançar de

comportamentos e responsabilidades inerentes aos papeis no seio da relação, que

poderão resultar em melhora da qualidade de conexão entre os envolvidos. Portanto,

Page 49: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

48

ao passo em que há um envolvimento interpessoal, há também um selar de afetos

que refletem e condensam robustamente os objetivos estabelecidos e explicitados nas

práticas propostas.

Conhecer o contexto de vida dos sujeitos é a peça chave na promoção da

saúde, e o fisioterapeuta, ao levar em consideração os aspectos socioeconômicos,

estruturais, culturais, educacionais e as crenças e saberes, consegue planejar e

orientar uma forma de abordagem mais compartilhada, horizontalizada. Desde que

favoreça que também o sujeito o conheça não só como terapeuta, mas como ser

humano. Isso não significa superexposição das partes, algo que parece muito

presente na cultura contemporânea, com a facilidade de “vitrinização” das vidas das

pessoas nas redes sociais. Mas desenvolver a comunicação horizontalizada, que se

baseia em trocas e no mútuo respeito. Nesta chave de leitura, pode-se perceber o

caráter social e humanizado da atuação fisioterapêutica. Silveira (2000, p. 122)

descreve o ambiente social em que a fisioterapia está inserida e esclarece,

[...] os fisioterapeutas por suas práticas, que carregam significados relacionados com a forma de compreender a sociedade, com sua visão de saúde, com as relações de poder estabelecidas no seu espaço. O conceito de lugar enquanto espaço relacional oferece elementos da reprodução da vida social, portanto, da reprodução da fisioterapia na sociedade. Compreender e refletir sobre esse lugar social é fundamental como parâmetro de reorientação dos caminhos da profissão.

O fisioterapeuta, como ser social e parte integrante de uma classe profissional

que articula iniciativas fecundas no contexto reabilitativo e de prevenção em saúde,

deve orientar suas ações de maneira ética e construtiva na relação com os sujeitos.

Sua conduta deve representar elevado grau de transparência e competência na

execução de suas práticas, de forma que favoreça a qualidade de vida- observando

que a autonomia e a organização dos contextos de vida e da própria comunidade para

a promoção da emancipação e da cidadania ativa também são inerentes à ideia de

qualidade de vida com os sujeito/s.

A figura dominante do profissional da saúde sugere uma falsa ideia de

“controle” de situações, e, com a ideia de deixar clara a autoridade do fisioterapeuta,

adota-se uma postura controladora, detentora da verdade absoluta dos temas

relacionados à saúde. Nesta perspectiva, o fisioterapeuta leva a crer (e é levado a

crer, em seu processo formativo) que tal postura favorecerá a recuperação do

Page 50: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

49

paciente. No entanto, o que se percebe é a evasão da terapia, o abandono do

processo de tratamento, pois há a negação da pessoa, nesse processo de

verticalização das relações. Considera-se, contudo, que nem sempre a adoção de

uma postura controladora se trata de algo intencional: acreditamos que, na verdade,

há uma carência no processo formativo inicial dos estudantes de fisioterapia, e na

educação permanente em saúde, em estimular habilidades comunicacionais e

relacionais nos fisioterapeutas.

Britto (2010, p. 80) descreve a comunicação como um mecanismo de troca de

ideias, sentimentos e emoções, e acrescenta que essa “ocorre mediante o uso da

palavra escrita e falada, além de mecanismos não verbais que podem ou não

influenciar no comportamento das pessoas que, por sua vez, reagirão a partir de suas

crenças, valores, história de vida e cultura”.

Os modelos de comunicação profissional e paciente estão construídos em um

conjugar de ideias e comportamentos que refletem o contexto científico, metodológico

e tecnicista em que a formação acontece. Entender a relação entre ciência e a prática

clínica é um desafio, que tem origem no passado histórico das profissões da saúde.

A comprovação científica acerca dos impactos das relações interpessoais

profissional da fisioterapia-sujeitos era escassa até meados do final do século XX,

quando as discussões envolvendo essa temática começam a despontar no campo da

fisioterapia. Desde as concepções iniciais de formação no campo da saúde o

fisioterapeuta construiu seu perfil profissional em plataformas tecnicistas e

racionalistas, como aqui já argumentado. Reconhecer e valorizar as contribuições das

relações interpessoais empregadas nos processos fisioterapêuticos têm sido

desafiador para todos envolvidos nesses processos, o que exige uma compreensão

bilateral, ambos devem compreender que ao fortalecer a relação comunicativa estão

construindo laços de empatia e, consequentemente, potencializando o alcance, a

durabilidade, a extensão e a efetividade das práticas desenvolvidas. E vivificando a

humanização em saúde.

Ao correlacionarmos os modelos de ensino e de atuação do fisioterapeuta, às

habilidades profissionais, que incluem uma determinada compreensão de corpo

doente, podem-se observar um comportamento empoderado do fisioterapeuta. E uma

consciência de pertencimento a uma classe de profissionais que se utiliza de uma

roupagem dominadora, por meio de seus conhecimentos no campo médico-clínico.

Page 51: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

50

Diante disso, torna-se ilusório esperar um papel ativo dos sujeitos, uma vez que esse

vai aprendendo, ao longo de sua história de vida, que suas percepções e opiniões

pouco significam para o profissional da saúde, e, em assim sendo, também serão

pouco consideradas pelo fisioterapeuta.

A temática das relações dos fisioterapeutas com as pessoas que participam

das suas práticas continuará a ser discutida abaixo, no contexto da humanização da

saúde.

Page 52: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

51

PARTE 2. DA HUMANIZAÇÃO NO CAMPO DA SAÚDE

2.1. A HUMANIZAÇÃO NA SAÚDE E SUAS INTERFACES COM A FISIOTERAPIA

Na parte que se segue será tratada a questão da humanização no contexto

geral da saúde, e, mais especificamente na fisioterapia, abordando-se quais as

percepções, abordagens e importância são dadas ao tema e quais diretrizes são

implementadas pelo Estado para garantir uma equilibrada prática de humanização, de

acordo com a Lei Orgânica da Saúde (8.080/9) e a Política Nacional de Humanização

(MATHEUS, 2003).

Observamos que só se discute a humanização em saúde porque antes se

percebe uma desumanização social: as pessoas que trabalham na área de saúde,

antes, são sujeitos que pertencem a uma sociedade, os pacientes que se utilizam do

sistema também fazem parte da mesma sociedade e ambos trazem da própria cultura

os problemas, as frustrações, as limitações e também as dificuldades em relação à

humanização. A (des)humanização em saúde é, assim, uma face de um todo mais

amplo, que é aquele da (des)humanização da sociedade (Figura 05).

Figura 05. Representação das dimensões individuais e coletivas do ser humano.

Fonte: Próprio autor (2017).

Se a sociedade está desumanizada, então, consideramos que seja preciso

buscar respostas sobre as razões disso e como seria possível colaborar para a

transformação desse quadro. Que é fundamental, pelo fato de que para se construir

uma saúde mais humanizada, antes, se faz necessário debater a qualidade dos

vínculos sociais na contemporaneidade, a dificuldade em entender a complexidade do

todo social, caindo-se em reducionismos que acentuam os preconceitos e os

Page 53: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

52

radicalismos, reconhecer o individualismo exacerbado, a transformação do outro em

mercadoria, enfim, comportamentos que hodiernamente parecem dominantes, e

marcam as decisões cotidianas, que culminam na perda do afeto e respeito pelo ser

“humano”.

Os profissionais da área da saúde precisam estabelecer contato direto com

aqueles que estão sob seus cuidados. É preciso entender que o sujeito não se

incorpora apenas de uma patologia a ser tratada, são seres humanos em

singularidade e complexidade, que necessitam de uma atenção especial, quer seja no

campo da prevenção, quer seja naquele da reabilitação. A relação entre fisioterapeuta

e os sujeitos se configura no marco central da busca pela qualidade de vida. Entender

e aprimorar a comunicação, para que essa busca seja personalizada – única forma

de ser efetiva- é uma das chaves de leitura da humanização.

A ideia de humanizar a relação entre os profissionais da saúde e os sujeitos

perde força ao nos depararmos com as elevadas demandas de doenças que atingem

a população, em especial aquela que vive em contexto de vulnerabilidade

socioeconômica, frente ao pouco dimensionamento de profissionais, recursos

materiais e estruturas disponíveis. Ainda, a prejudicar tal humanização está a

necessidade destes profissionais cumprirem metas de atendimentos nos mais

variados níveis de complexidade, dificuldade de infraestrutura, insumos e materiais,

que também atingem mais fortemente as periferias. Tudo isso coloca em risco a

relação humanizada profissional e sujeitos, a comunicação e, por conseguinte, a

qualidade da atenção em saúde.

O propósito de se promover a humanização no campo da saúde, em especial

naquele da saúde pública, parte do reconhecimento de que nas práticas desse campo

subsistem sérios problemas, decorrentes tanto da dinâmica capitalista dos serviços

de saúde, já anteriormente mencionada, como do descaso do Estado em relação à

saúde da população mais economicamente vulnerável. Tais práticas tendem a anular

o sujeito como figura central das ações do sistema de saúde. Sendo assim, humanizar

o atendimento considera a possibilidade de mudanças diversas, inclusive culturais,

que vão desde a gestão até o cuidado, mas culminam, ao menos da parte dos

profissionais, em esforços para viabilizar, na relação com os sujeitos, uma postura

ética e de cuidado dialógico respeitoso.

Page 54: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

53

A humanização passa pelo acolhimento do usuário do sistema de saúde, de

modo a fazer com que as práticas de saúde possam ter um novo sentido, tanto para

os profissionais como para s sujeitos. E um primeiro passo é mudar a mentalidade de

que o sujeito doente não se trata apenas de uma patologia a ser tratada, nem do

objeto de uma relação de consumo entre o sistema de saúde e o cliente. A mudança

da mentalidade é que favorecerá com que a relação comunicativa possa ser

horizontalizada (FORTES, 2004, p. 24). No entender de Silva:

A humanização, atualmente, é entendida como a capacidade de ofertar atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos, com acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos trabalhadores (SILVA, 2011, p. 1537).

Segundo Rios (2009, p. 8) o tema humanização é um assunto frequente no

campo da saúde pública, nesse sentido, abordar tal tema significa reviver

comportamentos que deixaram de ser valorizados, e, de alguma forma criar a

consciência de que necessitamos aprimorar as relações pessoais para uma

convivência compatível com o bem de todos e em conformidade com os preceitos de

justiça social. Ainda de acordo com Rios (2009, p. 9) existem várias lentes para

compreender o cerne da proposta de humanização, são eles:

Princípio de conduta de base humanista e ética

Movimento contra a violência institucional na área da Saúde

Política pública para a atenção e gestão no SUS

Metodologia auxiliar para a gestão participativa

Tecnologia do cuidado na assistência à saúde

Nas questões que envolvem o respeito e a valorização do sujeito, e

extrapolando os aspectos reducionistas da relação humana e suas singularidades,

encontra-se a humanização. De acordo com Rios: “No campo das relações, a perda

de suportes sociais e éticos, somada ao modo narcísico de ser, cria as condições de

intolerância à diferença, e o outro é visto não como aliado, mas ameaça” (RIOS, 2009,

p.8).

Oliveira (2006, p. 278) descreve a ideia de humanidade como o funcionamento

de toda a espécie, que tem em comum as indigências que necessitam ser sanadas,

Page 55: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

54

da mesma forma, que cada um possa desenvolver suas habilidades e capacidades.

Nas palavras do autor (2006, p. 280),

Humanizar é, ainda, garantir à palavra a sua dignidade ética. Ou seja, o sofrimento humano, as percepções de dor ou de prazer no corpo para serem humanizadas precisam tanto que as palavras com que o sujeito as expressa sejam reconhecidas pelo outro, quanto esse sujeito precisa ouvir do outro, palavras de seu reconhecimento. Pela linguagem fazem-se as descobertas de meios pessoais de comunicação com o outro, sem o que se desumaniza reciprocamente.

Os acordos éticos e morais que norteiam as relações sociais complementam

as atitudes coletivas e definem o fazer humanização como o processo que regularia

as ações que interconectam os sujeitos, considerando suas singularidades. Em

relação aos usuários do Sistema Único de Saúde, quando tratados em contexto de

vulnerabilidade, o conceito de humanização abre precedentes de igualdade, equidade

e no anteparo solidário, buscando enfrentar as problemáticas imersas nos fatores

condicionantes da desumanização, dentre eles a exclusão social.

De acordo com Silva (2011, p. 28), vários fatores revelam a desumanização na

saúde, podendo serem agrupados em três categorias que se interligam, tendo como

produto final o descaso à pessoa.

Na primeira categoria, trata-se das falhas na organização do atendimento,

como longas filas de espera, adiamentos de consultas e exames, ausência de

regulamentos e rotinas para acolhimento, precárias instalações e equipamentos

obsoletos ou parados por falta de manutenção e, ainda, acrescenta-se o atraso para

realização de exames complementares e emissão de laudos.

Na segunda categoria pode-se evidenciar especificamente a relação entre o

profissional da saúde e o paciente, fatores que comprometem a integridade moral e

física do paciente, como a aglomeração de pessoas no momento do atendimento e a

falta de privacidade, a ausência de preparo psicológico e ético dos profissionais, e de

informações precisas para auxiliar os usuários do sistema de saúde a entender o que

está se passando com ele, o processo de tratamento, onde buscar apoio social,

emocional e financeiro, e mesmo os locais para realizar exames e terapias

complementares, etc.

Na terceira e última categoria estão a falta de condições de trabalho dos

profissionais, considerando os baixos salários, jornadas dupla ou tripla, que confluem

Page 56: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

55

para a sobrecarga e consequente cansaço físico e psíquico, principalmente se

observado o ambiente tenso e muitas vezes belicoso, que desfavorece a qualidade

do ambiente de atuação.

A fragmentação da saúde, que se reflete nos serviços oferecidos pelo sistema

único de saúde desperta grande discussão sobre as reais necessidades de se ter uma

relação estreita entre os campos de atuação da saúde, de seus profissionais e dos

sujeitos que por eles são assistidos. Mesmo com a instituição de políticas que têm

como finalidade a redução da desigualdade e o acesso aos serviços de saúde de

forma gratuita, igualitária, integral e equanimemente distribuída, nomeadamente o

SUS, ainda é preciso reger os processos de humanização da saúde. E, consideramos,

desde o processo formativo dos profissionais.

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) se deu através da Lei nº 8.080,

de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção,

proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços

correspondentes”. Primeira lei orgânica do SUS, essa detalha os seus objetivos e

atribuições, princípios e diretrizes, a organização, direção e gestão, a competência e

atribuições de cada nível (federal, estadual e municipal); a participação complementar

do sistema privado; os recursos humanos; financiamento e gestão financeira e

planejamento e orçamento. Em 1990 cria-se a lei nº 8.142, que dispõe sobre a

participação da comunidade na gestão do SUS (particularmente participando nas

Conferências de saúde e nos Conselhos de saúde) e sobre as transferências

intergovernamentais de recursos financeiros (BRASIL, 1990).

A lei orgânica da saúde é de importância fundamental, pois regula em todo o

território nacional as ações e serviços voltados para as práticas em saúde, seja ela

em seus níveis primários, secundários ou terciários, e ainda, executada de forma

individualizada ou coletiva, em caráter permanente ou eventual, e sua abrangência

inclui o atendimento à pessoas naturais ou jurídicas (BRASIL, 2003). É por meio desse

dispositivo legal que se vivifica os preceitos constitucionais da saúde como um direito

fundamental do ser humano, sendo que o Estado deve ser seu provedor, garantindo

a formulação e execução de políticas que visem o controle de riscos, doenças e

agravos. O artigo terceiro da lei registra os fatores relevantes para a garantia da saúde

e qualidade de vida, e revela,

Page 57: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

56

[...] a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 2003).

A humanização na saúde, conjugada à ideia de direitos humanos, tem por

finalidade conseguir que “a todos seja dado acesso ao que precisam segundo suas

necessidades e a cada um as condições para desenvolver e exercitar suas

capacidades” (OLIVEIRA, 2006, p. 280). Dessa forma, estar atento aos sinais

apresentados pelos pacientes, oferecer condições de escuta e propor resolutividade

para as questões postas pelos sujeitos que procuram o sistema de saúde público, é

mais que simplesmente agir com generosidade, é fazer valer a proteção do oprimido

ao promover a consciência de corresponsabilidade humana. Somos elementos ativos

na sobrevivência do outro, quando este se encontra em estado de risco, enfermo,

vulnerável aos insultos multifatoriais da vida.

É necessário humanizar as práticas em saúde, haja vista a desigualdade social,

o crescente e acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, que tende a suprimir

as crenças e o valores individuais, pois esses são banidos da relação dos sujeitos

com a ciência, a aceleração da vida nas sociedades urbanas modernas e a ênfase

no ter, que obscurece a singularidade das pessoas, dentre outros, que poderíamos

citar, e que acabam desumanizando a assistência e estabelecendo uma crise na

relação com o outro (CASATE, 2005). Silva corrobora esta afirmação, esclarecendo

que

A humanização surge como um desafio no novo século para os trabalhadores de saúde, pois há a preocupação com a complexidade tecnológica, fragmentação do cuidado em visões isoladas, especialização dos saberes, considerando também que nos serviços de saúde há situações “desumanizantes”, como a racionalização, a mecanização e a burocratização excessiva do trabalho, além do impedimento de que o trabalhador desenvolva sua capacidade crítico-criativa (SILVA, 2011, p. 1544).

Com base na evolução desse cenário, nas últimas décadas surgiu a

necessidade da criação de uma política que minimizasse os efeitos deletérios da

desumanização, o que foi buscado na implantação da Política Nacional de

Humanização (PNH). De acordo com Pasche (2011, p. 4542) a PNH foi criada em

2003 pelo Ministério da Saúde e pactuada na Comissão Intergestores Tripartite e

Page 58: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

57

Conselho Nacional de Saúde da atenção e da gestão do SUS, propondo-se trabalhar

para consolidar quatro metas específicas:

1. Serão reduzidas as filas e o tempo de espera com a ampliação do acesso e

atendimento acolhedor e resolutivo baseado em critérios de riscos.

2. Todo usuário do SUS saberá quem são os profissionais que cuidam de sua

saúde e os serviços de saúde se responsabilizarão por sua referência territorial.

3. As unidades de saúde garantirão as informações aos usuários, o

acompanhamento de pessoas de sua rede social, e os direitos previstos no

código dos usuários do sistema público de saúde.

4. As unidades de saúde garantirão gestão participativa e educação permanente

aos seus trabalhadores e usuários.

A PNH pressupõe a atuação em vários eixos, que objetivam a

institucionalização e a difusão das suas estratégia e, principalmente, a apropriação de

seus resultados pela sociedade. Nesse sentido, observam-se seis eixos próprios para

integralizar as ações promotoras da humanização, são elas:

1. No eixo das instituições do SUS pretende-se que a PNH faça parte do plano

nacional, dos planos estaduais e municipais dos vários governos, sendo

pactuada na agenda de compromissos da saúde, pelos gestores e pelo

conselho de saúde correspondente.

2. No eixo da gestão do trabalho, propõe-se a promoção de ações que

assegurem a participação dos trabalhadores no processo de discussão e

decisão, fortalecendo e valorizando os trabalhadores, sua motivação, o

autodesenvolvimento e o crescimento profissional.

3. No eixo do financiamento, propõe-se a integração de recursos vinculados a

programas específicos de humanização e outros recursos de subsídios à

atenção, unificando-os e repassando-os fundo a fundo mediante o

compromisso dos gestores com a PNH.

4. No eixo da atenção, propõe-se uma política incentivadora do protagonismo

dos sujeitos e da ampliação da atenção integral à saúde, promovendo a

intersetorialidade.

Page 59: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

58

5. No eixo da educação permanente, indica-se que a PNH componha o conteúdo

profissionalizante na graduação, pós-graduação e extensão em saúde,

vinculando-a aos polos de educação permanente e às instituições de

formação.

6. No eixo da informação/comunicação, indica-se por meio de ação de mídia e

discurso social amplo a inclusão da PNH no debate de saúde.

7. No eixo da gestão da PNH, indica-se o acompanhamento e avaliação

sistemática das ações realizadas, estimulando a pesquisa relacionada às

necessidades do SUS na perspectiva da humanização.

Para a construção de uma política de qualificação do SUS, a humanização deve

ser vista como uma das dimensões fundamentais (Figura 06), não podendo ser

entendida como apenas um “programa” a mais a ser aplicado aos diversos serviços

de saúde, mas como uma filosofia e uma política, que opere transversalmente em toda

a rede SUS.

Figura 06: Representação dos temas transversais que compõem a PNH.

Fonte: Ministério da Saúde. Cadernos Temáticos PNH: formação em humanização. Brasília-

DF, 2010.

Entenda-se transversalidade como parte da política de humanização, não como

projeção de pontos a serem abduzidos do sistema de saúde, mas sim como a tratativa

Page 60: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

59

pontual de questões que fortalecerão as estratégias para se criar uma saúde mais

humanizada.

Com base no artigo 2º da Cartilha dos Direitos do Paciente, desenvolvida pelo

Conselho de Saúde do Estado de São Paulo, em estudos relativos aos direitos dos

usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado:

[...] as normas garantem aos usuários do sistema de saúde o direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso; a ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome; a não ser identificado ou tratado por números, códigos ou de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso; a ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais, através da manutenção do sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública; a poder identificar as pessoas responsáveis, direta e indiretamente, por sua assistência; receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre hipóteses diagnósticas, diagnósticos realizados, exames solicitados e ações terapêuticas; a consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados; a acessar, a qualquer momento, o seu prontuário médico (FORTES, 2004, p. 32).

O risco de se tomar a humanização como mais um “programa” seria o de

aprofundar relações verticais, em que estão estabelecidas, pelos profissionais,

normativas que devem ser aplicadas e operacionalizadas, pelos sujeitos aos seus

cuidados. O que significa, grande parte das vezes, efetuação burocrática,

descontextualizada e dispersiva, ações pautadas em índices a serem cumpridos e

metas a serem alcançadas, independentemente de sua resolutividade e qualidade.

Ou numa visão biomédica, de que o corpo, enquanto doente, pertence ao

profissional/sistema, sendo coisificado.

2.2. ESTADO DA ARTE NA RELAÇÃO FISIOTERAPIA X HUMANIZAÇÃO EM SAÚDE

O texto a seguir propõe abordar mais pontualmente a problemática da

humanização no campo da fisioterapia, e como está se constrói no percurso formativo

do curso de fisioterapia.

Dentre as diversas áreas que incorporam a saúde, predominantemente aquelas

com perfil mais tecnicista e mecanicista como forma de trabalho, a fisioterapia se

destaca, pela sua proximidade ao modelo médico. E, apesar da especificidade dos

textos que direcionam a prática profissional, voltada à fisioterapia, adota em seu

Page 61: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

60

percurso formativo uma postura que pouco discute ou pratica uma conduta

humanizada, pautada nas tratativas verticalizadas com os pacientes, numa adesão ao

modelo flexneriano. Num discurso de dominação, para que a crença na

autoridade/autoritarismo do profissional seja parte constituinte do processo de cura.

Para que se tenha humanização no atendimento, contrapondo-se ao modelo

biomédico, o profissional da fisioterapia precisa considerar na relação com o sujeito

os fatores que o levaram até ali, quais as queixas apresentadas por ele, considerando-

as em sua complexidade, quais os possíveis motivos que originaram o processo

patológico, também do ponto de vista do sujeito e, ainda, promover a autonomia e o

empoderamento na busca pelo tratamento. Deve-se considerar a possibilidade da

negação da doença e, principalmente, a rejeição espontânea do tratamento. O

convencimento, para que o doente tenha adesão ao tratamento, passa pela

capacidade de persuasão do fisioterapeuta, mas que não pode ser falsa ou “sedutora”,

mas deve estar baseada, sobretudo, nas trocas que se estabelecem entre sujeito e o

profissional. Que se baseiam numa confiança provinda do diálogo, o que pressupõe,

por sua vez, o reconhecimento do outro como ser produtor de valor moral, científico,

cultural, dentre outros. Não devendo nunca extrapolar ou anular a decisão pessoal do

sujeito: “Humanizar na atenção à saúde é entender cada pessoa em sua

singularidade, tendo necessidades específicas, e, assim, criando condições para que

tenha maiores possibilidades para exercer sua vontade de forma autônoma”

(FORTES, 2004, p. 31).

Ainda, de acordo com Fortes (2004), humanizar tem como precursor a ética

estabelecida nas relações, o que deveria ser próprio da condição humana e

apresentar-se nos interesses comuns, pautados em valores emergentes e que estão

enviesados no caráter da subjetividade, mesmo estando o sujeito em sociedade. A

humanização, para o profissional de saúde, deve considerar as disparidades sociais

e propor formas de enfrentá-las, sensibilizar-se para as desigualdades, utilizando-se

da consciência cidadã, ética e educativa.

A educação é um dos elementos cruciais entre o saber, o ser e o fazer a

humanização, quando está conjugadas em práticas de inclusão sólidas e pautadas no

respeito aos direitos humanos. Contudo, Penha (2003, p. 14) acrescenta que “É

particularmente na educação que se depositam todas as esperanças de superação

das contradições que se descortinam”.

Page 62: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

61

Em uma visão casuística de humanização, seria legitimo associar o

comportamento desumanizador do sujeito à evasão do convívio social e formativo?

Esta concepção deixaria rasas as indagações acerca da problemática da

humanização, sociedade e educação. Nem sempre o sujeito sociável e formalmente

educado se comporta nos padrões do que se considera humanização, por outro lado,

tampouco o sujeito pouco social e pouco formalmente educado age com transgressão

à humanização. Humanizar deveria estar na essência das práticas cotidianas dos

sujeitos, e apesar de sofrer influências da socialização e da educação formal, não se

reduz à essas, não são as suas únicas determinantes. Embora, claramente, sejam

importantes.

É perceptível o agir usurpador do corpo doente por parte do fisioterapeuta, ao

fazer prevalecer seu conhecimento científico sobre aquele do sujeito, na execução

das suas práticas diante do paciente. O profissional age promovendo o afastamento

do sujeito quando se detém apenas nos conhecimentos técnicos e científicos,

negligenciando os aspectos comunicacionais da relação com aqueles sob seus

cuidados. Estabelece-se nessa conjunção uma regulação unilateral de poder e as

condutas se tornam ditatoriais e expressamente obrigatórias para serem cumpridas

pelo paciente. Reconhecer quais implicações estão estabelecidas nessa relação, para

além das condutas técnicas, constitui o marco dessa investigação, buscando

conhecer como se delineiam as relações de poder na prática profissional, e o papel

que a comunicação tem nesse processo.

É importante salientar que a formação do aluno que está cursando a fisioterapia

está ancorada na manipulação de estruturas cadavéricas ou modelos anatômicos

para identificação dos sistemas muscular, esquelético e todos os outros pertinentes à

composição e entendimento do corpo humano, bem como simuladores realísticos que

provocam situações próximas aos quadros patológicos reais. Entretanto, embora não

se desconsidere a relevância deste conhecimento na formação do profissional

argumenta-se, por sua vez, que somente este conhecimento não satisfaz uma prática

no campo da fisioterapia que se mostre efetiva.

Se a formação do profissional for embasada na separação das características

singulares do sujeito (razão e emoção) em relação ao corpo (material) poderá causar-

lhe danos, pois se enxergará o paciente apenas como um simples pedaço de um

quebra cabeça. Ainda:

Page 63: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

62

[...] o futuro profissional é formado a partir de uma visão que privilegia unicamente os aspectos técnico-científicos e de uma metodologia que prioriza o controle e a manipulação do corpo e descarta a subjetividade do paciente. Aspectos humanos e sociais são desvalorizados e/ou descartados. Os futuros profissionais serão preparados para aprender a consertar ou a reparar os danos e as avarias de um determinado corpo por meio da utilização de equipamentos, tecnologias e materiais diversos. O paciente é desconsiderado em sua totalidade e singularidade (CONDRADE et al., 2010, p. 27).

Ao somar-se o modelo biomédico, de matriz relacional verticalizada, a uma

formação profissional tecnicista, pautada em recursos didático-metodológicos que

pouco contemplam a complexidade do ser vivente, propor um tratamento humanizado,

como preconizado pela PNH, pode não se sustentar. As revisões de conceitos e

paradigmas acerca da humanização precisam ser trabalhadas desde a formação

inicial dos futuros profissionais. Mas também na formação/educação das próprias

pessoas: a sociedade também deve interessar-se pela problemática da humanização,

organizando-se para favorecê-la tanto em nível de reivindicá-la como naquele de

executá-la, mesmo nos pequenos atos cotidianos. Assim como, também é preciso que

se modernizem e aprimorem a estrutura e a dinâmica dos serviços de saúde, e o

respeito aos usuários.

Pensar em uma reestruturação na base de formação do fisioterapeuta seria o

caminho para favorecer um comportamento mais humanizado, efetivado na/pela

horizontalização das relações com os sujeitos que estarão sob seus cuidados? Se nos

primeiros anos de formação houvesse maior exposição e interação do aluno com

situações clínicas reais, mesmo que observacionais, os conceitos de humanização

poderiam ser mais amplamente difundidos? Entendemos que sim, desde que o

profissional formador esteja sensível a essa necessidade formativa, de já ensinar com

o espírito da PHN em mente. Dessa forma poder-se-ia desenvolver competências

relacionais entre o fisioterapeuta e o paciente desde o princípio de formação, por meio

de uma prática didática ela mesma já pautada em uma relação docente-discente mais

horizontalizada.

Condrade et al., (2010, p. 26) assim se coloca em relação aos discursos sobre

a humanização na saúde “destacam a necessidade de os profissionais da saúde se

lembrarem de que os pacientes são pessoas e, como tais, também têm interesses e

desejos. E, portanto, a subjetividade está presente em ambos os lados”. E o mesmo

vale para a relação professor-aluno, pois é nessa relação que o aluno começará a

Page 64: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

63

aprender a respeitar a subjetividade do outro, a ser empático, no ambiente

profissional.

Para Bazon (2004, p. 45) no vínculo entre profissional e sujeito há que se ter a

ampla compreensão daquele que está em situação vulnerável por uma doença,

favorecendo nesse vínculo a emersão da empatia, para que haja a transposição da

condição de “caso” ou “número” para o de “ser” enquanto pessoa: “isso é possível

pela disposição do profissional em relacionar-se de forma mais personalizada, menos

objetificada e mais humanizada, características do profissional aberto para a

exploração dos relacionamentos humanos (...)”.

Para Deslandes (2004, p. 8), ao analisar os documentos que tratam sobre a

humanização no campo da saúde, observam-se pontos que norteiam o entendimento

preciso dessa temática, dentre eles:

a. Democratização das relações que envolvem o atendimento – nesse sentido, as

decisões são tomadas em comum acordo, partindo do princípio que o paciente

é parte integrante das decisões clínicas e do contexto da

prevenção/reabilitação. As verticalizações dão espaço à horizontalidade no

atendimento.

b. Reconhecimento dos direitos do paciente, de sua subjetivação e referências

culturais – entender as diferenças de modos de pensar e de viver talvez seja

um dos maiores desafios do ser humano, e quando se transpõe essas

diferenças ao campo da saúde pode haver vários agravantes, em virtude das

crenças populares sobre o corpo, seu funcionamento, o adoecimento e formas

tradicionais de cura. Que influenciarão a relação entre o profissional e o sujeitos

do processo terapêutico.

c. Reconhecimento das expectativas de profissionais e pacientes como sujeitos

do processo terapêutico – o caminho até a cura envolve o comprometimento

bilateral dos envolvidos no processo. Existem vários consensos na literatura

que defendem a coparticipação do fisioterapeuta – e de outros profissionais - e

do paciente na reabilitação; os esforços são indissociáveis, ambos devem se

comprometer para que a condição ativa do paciente melhore.

d. Maior diálogo e melhoria da comunicação entre profissional e paciente – um

dos maiores desafios da humanização está impressa no fator diálogo e na

Page 65: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

64

comunicação. Estampa-se no ser humano um rótulo de “ser de linguagem”, que

busca no diálogo e nos processos comunicacionais meios para expressar-se.

Contudo, as barreiras postas à comunicação são múltiplas, e de diferentes

naturezas, variando desde aquelas socioculturais até às decorrentes de déficits

articulatórios e cognitivos. É razoável afirmar que há dificuldades para o

fechamento de diagnósticos mais precisos devido à falha comunicacional:

ouve-se menos e fala-se demais, em especial por parte do profissional2. Outro

fator relevante nesse contexto é que as expressões e instruções complexas,

utilizadas na área de saúde, são claras apenas para os profissionais que as

detêm. E um dos problemas da comunicação em saúde é a de que estes

profissionais não se certificam da compreensão dessas expressões e

instruções pela outra parte, ou seja, os pacientes e suas famílias/cuidadores.

Diante da dificuldade de acompanhar tais preceitos, que observamos no campo

da fisioterapia, consideramos que as principais obstáculos para isso, em especial no

campo da saúde pública, estão no cruzamento dos fatores “concepção de corpo

doente X poder X demanda por atendimento X tempo X carência material”. E no não

levar em consideração os benefícios da proximidade do fisioterapeuta ao ambiente

em que o sujeito está inserido, sendo que o distanciamento dessa realidade

impossibilita a formulação de intervenções e trocas mais precisas e necessárias.

Segundo Silva (2011, p. 495) “tal proximidade do profissional com o ambiente familiar

e domiciliar proporciona, além dos cuidados diretos no tratamento da doença, uma

visão do contexto todo”.

É relevante que os profissionais da saúde aprendam a estabelecer uma

aproximação de confiança com os sujeitos, na complexidade de cada caso, e vice-

versa. Criando condições para uma abertura em que possa haver diálogo na

construção das condutas e no planejar e executar as ações terapêuticas, pois dentre

os direitos dos pacientes está aquele de compreender o que se passa com ele, e de

saber das possibilidades terapêuticas, consequências, enfim, há que se constituir a

prática da saúde com a autonomia do sujeito (SUBTIL et. al., 2011).

2 Ver Oliveira e Gomes (2016).

Page 66: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

65

2.3. A COMUNICAÇÃO ENTRE O PROFISSIONAL E O SUJEITO DAS

PRÁTICAS COMO FACE DA HUMANIZAÇÃO EM SAÚDE

Na etimologia da palavra comunicar, expressa no latim “communicare”, significa-se

“por em comum”. Nas relações sociais, e como meio para sobrevivência, a

comunicação se torna um elemento crucial para o estabelecimento de vínculos,

relações e contatos com outras pessoas. Sendo assim, através da comunicação nos

revestimos de símbolos e significados, que serão úteis para outras trocas simbólicas

e de (re)construção de significados (SILVA, 2002).

De acordo com Gaspar (2015, p. 734) ao levar em consideração a comunicação

no campo da saúde pode-se entender que se trata do fator condicionante para que

aconteçam práticas humanizadas. O autor afirma que “é por meio da comunicação

que o paciente exterioriza seus sentimentos, suas necessidades e interage com os

profissionais de saúde facilitando a identificação de sinais e sintomas, e ainda,

possíveis problemas ou desconfortos físicos”.

Também para Guerreiro: “A comunicação é um processo mais amplo que

somente falar, envolve outros recursos como linguagem corporal, gestos e

sinalização” (GUERREIRO, 2010, p. 36). Ela pode ser utilizada na forma verbal, não

verbal, mas é sempre mediada pelas trocas simbólicas. Comunicar requer daqueles

envolvidos nesse processo a materialização dos pensamentos através dos signos,

que deve ser parte integrante do contexto dos envolvidos. Isso é muito dificultado

quando os sujeitos partem de vivências culturais díspares, como é o caso dos

profissionais da Saúde e dos sujeitos usuários do sistema público de saúde. Exigindo

um esforço comunicativo que priorize, de fato, o entendimento da posição do outro.

A comunicação se caracteriza pela expressão de um pensamento ou fato com

a finalidade de compreender as situações de vida, e é acompanhada por emoções,

expressões faciais e corporais, vocalização, gestos, os signos, etc (ARAÚJO; SILVA,

2012). Na lente sociológica, a comunicação tem um papel importante na transmissão

de significados entre os sujeitos sociais para que se tenha um alicerce organizacional

e estruturante da sociedade. Constantemente o ser humano se comunica e isso

permite a interação necessária para a sobrevivência, e ainda, quanto maior o contato

entre as pessoas, maior parece ser a necessidade de comunicação. Silva (2002, p.

75) acrescenta:

Page 67: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

66

[...] o conteúdo da comunicação está intimamente ligado ao referencial de cultura, e o profissional de saúde tem uma cultura própria, diferente do leigo, por isso é importante saber que quanto mais informações se adquirem sobre alguém, e quanto maior a habilidade de correlacionar os saberes, melhor será o desempenho no aspecto da transmissão de informações e conteúdo.

Sobre os aspectos comunicacionais do profissional de saúde, nem sempre se

tem a percepção de que a comunicação não está atrelada apenas às palavras

expressas durante a verbalização, e sim em todos os ensejos não verbais, como

expressão corporal, incluindo de gestos a manifestações fisionômicas, questões

posturais, e a maneira como o sujeito/profissional se deslocam, se situam um em

relação ao outro. Ao observar-se, por exemplo, a forma com que o sujeito deambula

podemos perceber muito sobre a intensidade da disfunção, seu ânimo, como se

coloca na relação doente/profissional, sinais comumente desprezados no percurso da

anamnese, ou que mascaram outros, tantas vezes emitidos pelo sujeito na expectativa

de não exteriorizar suas limitações. Como afirma Silva: “A comunicação pressupõe a

informação e o domínio sobre o que queremos comunicar, a nossa intenção, emoção

e o que pretendemos quando nos aproximamos do nosso paciente” (SILVA, 2002, p.

75).

Outro ponto não menos importante são os meios dos quais o profissional se

utiliza para estabelecer uma comunicação mediada eficiente, neste caso, seria

pertinente adotar recursos para assegurar que o sujeito compreendeu as orientações

acertadas entre ambos no momento do atendimento, por meio de anotações,

lembretes, figuras ou até mesmo demonstrações práticas de uma determinada

conduta:

A comunicação no âmbito dos cuidados de saúde não é um mero “opcional”, um “extra”, mas é um componente vital, inerente e necessário, razão pela qual no currículo de formação dos profissionais de saúde deve-se aprofundar as questões relacionadas à comunicação. A comunicação não envolve somente os cuidados dos profissionais da saúde e paciente, mas também a relação entre os profissionais da saúde e família, pacientes e sua família, entre outros âmbitos (PESSINI, 2005, p. 503).

O Manual de Cuidados Paliativos (2012), desenvolvido pela Academia Nacional

de Cuidados Paliativos, estabelece que uma das habilidades chave da comunicação

entre profissionais e pacientes é a escuta. Através da escuta, o profissional consegue

Page 68: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

67

compreender melhor as queixas do paciente e, após, permite a elaboração de um

diagnóstico mais preciso, mais participativo, e o tratamento, na sequência, torna-se

mais efetivo.

Teixeira (2012, p. 51) define assim a comunicação em saúde: “diz respeito ao

estudo e utilização de estratégias de comunicação para informar e para influenciar as

decisões dos indivíduos e das comunidades no sentido de promoverem a sua saúde”.

Tais percepções são importantes para o pensamento contemporâneo de saúde como

bem precioso, e promoção da boa qualidade de vida, e o alcance disso está vinculado

à qualidade das comunicações interpessoais:

De fato, comunicação em saúde inclui mensagens que podem ter finalidades muito diferentes, tais como: Promover a saúde e educar para a saúde - evitar riscos e ajudar a lidar com ameaças para a saúde - prevenir doenças, sugerir e recomendar mudanças de comportamento (TEIXEIRA, 2012, p. 53).

Segundo Souza (2012, p. 11) “Todos os profissionais de saúde,

independentemente de sua formação básica, têm como a base de seu trabalho as

relações humanas, e por isso, necessitam aprimorar as habilidades de comunicação”.

Com base na concepção do autor, a comunicação estreitada entre os profissionais de

saúde e os sujeitos de suas práticas deve ser perene para que se tenha profundidade,

confiança e ajuda mútua. Além disso, deve ser transparente e perspicaz, saber

quando expor ou omitir a fala, e no momento pertinente oferecer mais do que palavras,

gestos de segurança e apoio emocional:

Profissionais da saúde que tratam de pacientes que perderam o recurso da fala, por qualquer que seja o motivo, têm como técnica de comunicação disponível a linguagem não verbal que permite se expressar por meio do gesto, do toque, da linguagem corporal; permitindo ao paciente manifestar e compartilhar suas dúvidas, sentimentos e sofrimento, contribuindo com seu bem estar. A habilidade de comunicação é uma ferramenta fundamental na relação humana e um essencial componente no cuidado ao paciente (SOUZA, 2012, p. 11).

Para materializar os aspectos comunicacionais na relação com o paciente,

Spagnuolo (2007, p. 1605) classifica quatro diferentes modelos do processo de

comunicação, são eles:

Page 69: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

68

1. Modelo Unilinear – a comunicação acontece em sentido unidirecional,

após a emissão da informação ocorre apenas a recepção desta pelo

sujeito receptor.

2. Modelo Dialógico – permite o diálogo entre o emissor e receptor, nessa

condição, ambos modelam e expressam seus pensamentos.

3. Modelo Estrutural – faz dos emissores e receptores objetos da

comunicação, ambos estão ideologicamente envolvidos no meio da

ação.

4. Modelo Diagramático – transmissor e receptor são os sujeitos envolvidos

na comunicação como uma “grande rede”.

O modelo diagramático é predominantemente defendido no campo da saúde

coletiva, pois esse modelo valoriza as práticas em “rede”, na qual todos são

socialmente corresponsáveis pela saúde. Desta forma, deve-se valorizar a relação

com o outro, pois o outro faz parte efetiva do processo comunicativo, sem o qual não

se pode ascender à humanização. Ceccim (2009, p. 534) faz uma ressalva acerca das

ações de governos quando se referem a programas de humanização: “o equívoco dos

programas de humanização como lugares a humanizar, era pela ausência desse tipo

de rede, a ausência da noção de sistema de saúde, a opção por uma dimensão

local/individualizante”. Contudo, a observação da prática profissional cotidiana nos

revela a predominância do modelo unilinear.

Várias explicações são possíveis para a compreensão da prevalência do

modelo unilinear na comunicação em saúde. Uma delas pode ser encontrada no

avanço do cientificismo das práticas e das relações sociais, a partir do século XIX, e

com as descobertas das formas de contágio das doenças. O que fez com que os

profissionais da saúde, ao longo do tempo, fossem construindo suas práticas

baseadas nas regulamentações de biossegurança. Com isso, o contato físico com os

pacientes foi aos poucos sendo abolido nos protocolos de tratamentos, com a

finalidade de preservar a integridade física do profissional de saúde, e dos pacientes.

Diante dos riscos potencialmente contaminantes e danosos à condição de saúde, o

contato com o outro passa a ser o mínimo necessário, provocando situações de

distanciamentos e influenciando na comunicação, bilateralmente. O que pode ser

entendido como um desajuste necessário, que por um lado amplia as questões de

Page 70: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

69

segurança e por outro produz um efeito distanciador da afetividade entre os

envolvidos. Outra, está no “jogo” de poder que existe nas sociedades urbanas

modernas, na qual os saberes e as profissões vinculados ao cientificismo são

valorizados, colocando outras formas de saber, e os sujeitos que não se apropriam do

cientificismo, sob a “autoridade” dos primeiros.

Subtil et al. (2011, p. 746) ponderam que no campo da fisioterapia, mesmo com

a escassa produção científica acerca da temática “relacionamento interpessoal entre

fisioterapeutas e pacientes”, há que se evidenciar nos achados a concordância da

necessidade de se ter boa relação com o paciente para a efetividade das condutas e

adesão ao tratamento. Mas não somente com o objetivo de aumentar a efetividade,

e, sim, pelo respeito mútuo que deve existir entre os sujeitos que compartilham uma

relação de atenção à saúde. Os mesmos autores (2011, p. 746) acrescentam: “o

tratamento em questão apresenta fatores favoráveis ao surgimento de um

relacionamento interpessoal, por haver: longo período de convivência, estímulos táteis

prolongados e comunicação verbal em boa parte do atendimento fisioterapêutico”.

O fisioterapeuta é um profissional que deveria ter competências técnicas e

comunicativas para assegurar uma relação de prevenção e de reabilitação física dos

sujeitos sob seus cuidados, pois estabelece e trabalha com relações afetivas e

empaticamente, que precisariam ser motivadoras. E, acrescentamos, que a motivação

é tanto maior quanto mais o sujeito se sente empoderado em relação ao seu próprio

corpo.

A adesão ao tratamento/a prevenção na fisioterapia constitui uma rede

complexa de fatores, que em diferentes lentes promovem uma ampla discussão. Ao

serem analisados tais fatores, percebe-se que aderir ou não ao tratamento não se

trata apenas de uma questão de vontade do paciente, das suas limitações

musculoesqueléticas ou tampouco à proposta de recuperação funcional: se trata do

todo, corpo, mente e espírito.

O ser humano é integrado pelo corpo, mente e espírito (Figura 07), da interação

dentre essas esferas resultando a saúde/doença. Porém, é importante que se pense

nesse tripé de forma estendida, considerando que a cultura, as relações sociais, a

economia, são fatores que o integram (mente/espírito). Portanto, não se deveria

dissociar o corpo da mente e do espírito no processo de atenção à saúde. O

comportamento psicossomático das doenças caracteriza o indivíduo como “SER

Page 71: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

70

acometido”, não se atribui ao conjunto apenas partes doentes, é o “todo” que está

doente. E, quando se trata da comunicação, é importante que o profissional de saúde

compreenda o “todo” do sujeito, não somente a “parte” que deverá ser restituída de

funcionalidades. Entendendo que o próprio profissional passa compor este todo.

Figura 07. Representação esquemática do equilíbrio entre corpo, mente e espírito na promoção da

saúde.

Fonte: O próprio autor (2017).

A comunicação entre o fisioterapeuta e o sujeito deve ser parte ativa da relação

interpessoal, considerando as particularidades de cada caso, como cultura, fatores

socioeconômicos e outros, que influenciarão no acesso ao serviço, motivação para o

tratamento e desejo de recuperação, de forma global. Para Subtil e colaboradores:

“Cuidar integralmente de um indivíduo significa percebê-lo como um ser social, físico

e emocional, que carrega consigo todos os medos, angústias e frustrações por estar

doente naquele momento” (SUBTIL et al., 2011, p. 750).

Neste contexto, de acordo com Oliveira (2004, p. 460): “A comunicação tem

como funções: transmitir mensagens, obter informações, deduzir novas conclusões,

reconstruir o passado, antecipar fatos futuros, iniciar e modificar processos fisiológicos

corporais, e influenciar outras pessoas e acontecimentos externos”.

Utilizar-se da comunicação para expressar os sentimentos, receios e medos é

essencial para aqueles que são acometidos por uma limitação funcional, entender

como os processos de limitação acontecem e buscar compreender os motivos pelos

quais ocorrem, contribui para a aceitação e adesão ao tratamento. Também para

negociá-lo com o profissional. O fisioterapeuta é a peça chave para lidar com essas

AUTONOMIA

DO SUJEITO

Page 72: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

71

questões, ao promover e integralizar as técnicas fisioterapêuticas à comunicação,

numa perspectiva humanizada de atenção à saúde, contribui para que se obtenham

resultados positivos no tratamento. Que incluirão o empoderamento dos sujeitos, pois

a autonomia e as trocas de saberes ocorridas ao longo do processo de reabilitação,

ou das práticas de prevenção, não se encerrarão com o fim destes.

Nogueira (2015) recomenda, através de reflexões sobre a comunicação, que

os profissionais da saúde, incluindo médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos

de enfermagem e todos os outros que atuam direta ou indiretamente na abordagem

em serviços de saúde, que fortaleçam suas habilidades de comunicação através de

treinamentos e capacitações. Mas, principalmente, se sensibilizando e

conscientizando da relevância da comunicação para processo de humanização da

saúde, e do pensamento humanizado, em saúde.

A finalidade de se aprimorar a comunicação está ancorada nas boas práticas

de atendimento, nivelando os diversos nichos de atuação para a promoção de uma

saúde mais humanizada e resolutiva. Contudo, olhar sistematicamente o outro como

um “Ser” que tem direito ao respeito, ao empenho profissional, à dedicação, à empatia,

à solidariedade e à competência técnica, fará do fisioterapeuta e dos demais

profissionais de saúde, por sua vez, também pessoas mais humanizadas.

2.4. A CONCEPÇÃO DE CORPO DOENTE COMO BALIZADORA DA

COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

Na escrita que segue serão tratadas as concepções de corpo e a importância

destas para a distinção do normal e do patológico. Não se pode conceber o anormal

se o normal não tiver sido anteriormente concebido. A discussão, então, está nos

parâmetros que levam à concepção de normalidade. Como ponto central da

argumentação serão observados os elementos relevantes da ideia de corpo doente

como mecanismo articulador na comunicação entre paciente e profissional de saúde.

Em suma, qual a imagem de corpo e de doente que se constrói na fisioterapia?

Segundo Spagnuolo (2007, p. 1604), a comunicação utilizada nas práticas de

saúde pode ser definida como “função vital”, e, esta, pode ser entendida como o meio

pelos quais as pessoas se relacionam e permitem a interpretação de informações, que

serão transformadas em diagnósticos e tratamentos. Pode-se, então, observar no

Page 73: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

72

fazer saúde que as habilidades comunicacionais são determinantes para o

entendimento do outro em sua concepção de corpo. E, assim, de corpo doente.

É comum na rotina dos profissionais de saúde entender que suas práticas estão

pautadas na abordagem específica para a recuperação de um corpo doente, todas as

ações e atendimentos clínicos estão tomados pela ideia de um “corpo sede de

órgãos”, que não estão “funcionando dentro da normalidade”. E, para corrigir a

disfunção, o profissional tem o “direito” de governar o paciente (CECCIM, 2009).

No corpo encontram-se as referências necessárias para aproximação ou

distanciamento na relação interpessoal, com base nas imagens e molduras

representativas entre sujeitos, construídas por estes ao longo de suas vidas. Dessa

forma, a ideia de corpo doente também é construída e, via de regra, o é pela negação.

Ou seja, do ser/estar doente não advém nada de positivo. O que torna a correção, via

tratamento, ainda mais urgente e necessária. Nessa perspectiva, não é imprescindível

haver compatibilidade e empatia com o outro: basta que o profissional seja o mais

competente possível na seleção e aplicação dos métodos diagnósticos e das técnicas

adequadas.

O corpo humano representa a identidade das pessoas, simbolicamente, nele,

estão determinadas as diferentes constituições identitárias e, acompanhado delas,

suas concepções de mundo, suas crenças e culturas. De acordo com Alves (1994, p.

103),

[...] o corpo é pensado, representado e passível de leituras diferenciadas de acordo com o contexto social, tornando-se assim um importante objeto de estudo dentro das ciências sociais. O corpo é um reflexo da sociedade, não sendo possível conceber processos exclusivamente biológicos, instrumentais ou estéticos no comportamento humano. Ao corpo se aplicam sentimentos, discursos e práticas que estão na base de nossa vida social. Por sua vez, o corpo é emblemático de processos sociais.

A autoimagem desenhada no contexto patológico se diferencia à medida que

as incapacidades aumentam, e nesse ritmo do acometimento a tendência a não

aceitação da própria imagem torna-se constante. Quando o paciente encontra-se em

estágios avançados da doença, pode-se perceber sua recusa na exposição de sua

imagem, seja no espelho, registros de vídeos ou fotografias, e em situações extremas,

tal dificuldade se transfere para a interação social, e pode evoluir para o

enclausuramento.

Page 74: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

73

Entender as questões estéticas ou mesmo as de ordem egocêntricas passa a

ser um desafio a ser vencido pelo profissional da saúde, visto que esse profissional

se relaciona diariamente com as recusas dos sujeitos de aceitar seu próprio corpo e

mesmo na tentativa de ser o elemento motivador de uma mudança de atitude, acaba

por extrapolar a linha demarcatória do bom senso e pode acabar agindo

impositivamente. Negando a dor do sujeito.

Segundo Campos (2007, p.8) o corpo liga o ser humano à história, e

acrescenta:

[...] a condição humana é fundamentalmente corporal, o que significa que falar de homem e mundo seria quase impossível sem que se tratasse do corpo enquanto carne e osso, corpo cognitivo, corpo espírito, corpo afeto etc. É com o corpo que lemos e produzimos imagens de nós mesmos e do outro. É ele quem dita exatamente o que fomos, somos e seremos, ou seja, a nossa história é resultado de um constante diálogo com nossa experiência corporal.

Todo corpo é suscetível de experimentar boas ou más sensações ou de ser

objeto de certas ações, suas necessidades podem ser moduladas de várias formas,

dependendo da condição em que se encontra. Ainda para Campos: “O corpo é flexível,

construído por hábitos, práticas e valores variados, inscrevendo-se, portanto, na

história ao longo de séculos e de sociedades distintas” (CAMPOS, 2007, p. 9).

O corpo humano ao longo dos tempos foi sendo descoberto e discutido por

diversas lentes, os modelos corporais foram ditados em cada geração por um requisito

específico, conforme as exigências da época, em relação a que se considerava fosse

o essencialmente humano. As influências religiosas, de diversas gêneses,

consagravam o corpo como morada do espírito e atribuíam a ele um conceito sagrado

de intocabilidade, sendo que aquele que o violasse, se não por meio do cumprimento

das regras sacramentadas, cometia graves pecados. Mais moderna e

mercadologicamente, o corpo é destituído de suas formas sagradas e incorporado na

sociedade como objeto de desejo, suas formas e contornos servem ao comércio da

beleza e da sensualidade (CAMPOS, 2007).

O corpo só passa a ter sentido quando lhe são atribuído significados, estes por

sua vez, devem emergir das regras que socialmente foram estabelecidas. No campo

da saúde, coexistem perspectivas sobre a valoração atribuída ao corpo e o como isso

impacta nas representações sociais da doença/saúde.

Page 75: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

74

Nas ciências da saúde, o corpo é geralmente concebido como constituído por

estruturas anatômicas e fisiológicas, quando em homeostase mantém-se em estado

funcionalmente capaz de suprir as necessidades vitais. Nesse discurso, o corpo se

torna alvo do mercado da saúde, quando entram em cena os produtos fitness, desde

roupas, calçados, alimentos, suplementos alimentares, equipamentos e ferramentas,

e atividades físicas com promessas milagrosas de alto desempenho e perfeito

equilíbrio entre corpo, saúde e bem estar. E, também, padronizando a concepção de

doença como a falha da homeostase. Pois, quando o corpo encontra-se em

desequilíbrio, abrem-se as portas para o processo patológico. Nessa lente, justifica-

se a ideia de que saúde é a ausência de doença, conceito que fora desconstruído pela

Lei Orgânica da Saúde n. 8.080/90 e que amplia o conceito de saúde a partir do

momento em que as necessidades básicas do indivíduo, em não sendo supridas,

impactam negativamente a sua qualidade de vida.

De acordo com Polak (1996, p. 5) existem três fatores que interligam as

condicionantes da doença: o corpo, o conhecimento da doença e, por fim, as

repercussões que o estar doente causa na vida. Nesse sentido, o autor salienta a

dificuldade de se compreender o corpo quando está saudável/doente, pelo fato de ser

profundamente complexa a forma com que se encara a doença/saúde. Neste caso,

asseguram-se na relação corpo e doença quatro fases distintas:

1. A divinização da doença – ao deparar-se com o desequilíbrio

homeostático o paciente passa a encarar a doença como fator reinante

em sua vida.

2. A relação entre doença e natureza – fatores desencadeantes, a cura

desenvolvida a partir dos achados naturais e o corpo como parte

constituinte da natureza.

3. A realização e exames clínicos e laboratoriais.

4. Atos de prevenção e diagnósticos através da alta tecnologia.

As experiências corporais experimentadas pelos sujeitos e interpretadas pela

semiologia dos profissionais de saúde emergem de um conjunto de significados

bastante restrito, construído no campo médico e no qual se encaixam, dentre outros,

Page 76: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

75

as concepções atribuídas culturalmente pelo sujeito àquilo que percebe que não vai

bem no seu corpo. E no momento em que este necessita expressar aquilo que sente.

Ao ser abordado pelo fisioterapeuta, no momento da investigação clínica, o

paciente se depara com a necessidade de revelar o que está lhe causando

desconforto. A interpretação dos signos atribuídos ao que se sente e à parte do corpo

que está acometida, torna-se um desafio. Utilizar-se de uma linguagem técnica

específica para traduzir o que se sente não se trata de uma tarefa fácil, ainda mais

quando o paciente não detém o repertório próprio para esse tipo de comunicação, o

que acaba dificultando a coleta de informações pelo profissional de saúde. Situação

ainda mais complexa no caso de sujeitos desprovidos de recursos de linguagem

verbal, pois, nestes casos, interpretar o corpo passa a ser seu maior desafio. Torna-

se dificultoso expressar algo, e se a concepção do profissional for restrita na forma de

compreender esse corpo, os resultados não serão favoráveis.

Segundo Pereira et al., (2004, p. 1014) “a transformação do indivíduo em

paciente inclui a vivência de uma série de separações marcadas, frequentemente, por

experiências de fragmentação e perda de autonomia sobre o próprio corpo”.

É comum notar-se, particularmente nos sujeitos que se utilizam do sistema

público de saúde, em especial aqueles de contextos de maior vulnerabilidade

socioeconômica, que a forma pela qual os sujeitos relatam o que estão sentindo

baseiam-se no conhecimento popular e na cultura local do grupo em que estão

inseridos. Longe das terminologias técnicas e muito próximo, empiricamente, dos

conhecimentos de matriz popular. A concepção de horizontalidade na comunicação

implica reconhecer e validar esta linguagem, que expressa os saberes por ele, sujeito,

constituídos. É, assim, no diálogo entre saberes do profissional e dos sujeitos que os

processos de prevenção/de intervenção na saúde vão acontecendo.

Na relação entre linguagem e significados, o fisioterapeuta se depara com a

necessidade de interpretar fatos através das conceituações feitas pelo paciente e para

isso deve contar com a experiência previamente adquirida sobre a sintomatologia,

características visíveis à inspeção como alterações cutâneas, diferenças volumosas

de órgãos e tecidos, sinais flogísticos como dor, calor, rubor, dentre outras formas de

comunicação, como a expressão facial e as compensações corporais. A experiência

do profissional, neste caso, é determinante para a completa e eficaz avaliação clínica,

entretanto, não se pode desprezar a necessidade de aprimorar as habilidades

Page 77: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

76

comunicacionais e relacionais do profissional, visto que, parte desse diagnóstico se

deve a essas habilidades. Por outro lado, o profissional precisa estar consciente de

que também ele comunica-se com ou sujeitos de suas práticas o tempo todo, quer

pelas suas posturas corporais, pelas suas expressões fisionômicas, o tipo de toque,

dentre outros.

Nesta vertente, pode-se destacar a comunicação e atribuição de signos para

queixas como fator fundamentalmente importante para a conclusão diagnóstica e

conduta de tratamento. Alves (1994, p. 102) esclarece que “a função do signo é

comunicar ideias, por intermédio de mensagens, ou seja, o signo tem o objetivo de

transmitir uma informação, fazendo parte assim de um processo de comunicação”. E

completa

Aproprio-me desta noção ao referir-me ao corpo como signo, à medida que, através de determinadas mensagens emitidas pelo corpo, os sintomas experienciados pelo indivíduo e os sinais observados no exame clínico levam a um significado, a doença. O signo só tem valor enquanto tal se compartilhado pelo grupo social. Este caráter eminentemente social do signo é percebido pelo fato da necessidade de que a cultura tenha definido elementos reconhecíveis com base em algumas características emergentes, de forma que possam ser compartilhados por todos os seus componentes (ALVES, 1994, p. 103).

O corpo doente está carregado de códigos e incorpora nessa direção várias

designações preponderantes ao grupo em que se insere. Segundo Ferreira (2001), o

corpo humano está marcado por significados e expressões sociais que não

essencialmente estão ligados à biologia, mas a conceitos estruturados em culturas,

representações sociais diversas. Dentre estas, as concepções de incapacidade,

invalidez e morte, essenciais para a forma como sujeitos e profissionais encararão as

práticas de prevenção/ intervenção.

A saúde remete ao pensamento preventivo, à prática de atividades físicas, boa

qualidade de vida, hábitos saudáveis e boa relação com o corpo, enquanto a doença

segue o sentido oposto. Para Vieira (2004, p. 270) a qualidade de vida é definida como

“o estado ou condição benéfica de vida em que os componentes que interferem no

bem estar físico, mental, emocional e social estão devidamente controlados”. O estado

de saúde qualifica o sujeito e o enquadra na condição normal ou anormal de vida, por

outro lado, o comportamento em estado “saudável” difere do “patológico”, logo, a

doença está no sujeito, em seu comportamento e na qualidade com que se vive.

Dessa perspectiva, a saúde é tanto um conceito biológico como um conceito social e

Page 78: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

77

político-econômico. Essa perspectiva multidimensional da saúde é aquela que deve

prevalecer.

Spirduoso (2005), em seu livro Dimensões Físicas do Envelhecimento,

caracteriza os fatores condicionantes para que o sujeito possa ter qualidade de vida

(Figura 08), dentre as citações encontram-se os fatores cognitivos e emocionais, a

condição financeira estrategicamente organizada e efetivamente definida, os aspectos

sociais recreativos e de lazer, alimentação saudável, acesso aos serviços de saúde,

atividade física, moradia e trabalho. O corpo é o meio de comunicação entre o Eu

interno e o mundo, através dele as manifestações mais íntimas acontecem e permitem

expressar as particularidades do sujeito.

Figura 08. Representação esquemática dos fatores que afetam a qualidade de vida.

Fonte: (SPIRDUSO, 2005, p.52)

E, se por um lado a concepção de corpo influência nos conceitos do que é

normal e anormal, por outro lado tal concepção também recebe influência das

transformações sociais. É com base nas concepções de corpo, e de suas

transformações sociohistóricas, que discutem-se os nossos comportamentos quando

na presença de uma pessoa com deficiências, ou que se definem quais seriam as

suas “necessidades especiais”, o mesmo valendo para nossas condutas diante de

alguém doente. Pode-se observar, por exemplo, o pré-conceito do observador ao

deparar-se com um sujeito doente, pois, dependendo do contexto sociocultural,

podem haver manifestações de negação, medo, repulsa, curiosidade ou até mesmo

sentimento de empatia, dó, consternação ou benevolência para com o outro.

Page 79: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

78

Assim, debater as concepções de corpo como balizadoras das práticas de

saúde é deparar-se com arquétipos impregnados nas diferentes roupagens sociais,

presentes num grupo social. Toda relação saúde-doença é, dessa forma,

eminentemente simbólica, mediada pela comunicação dos envolvidos nessa relação,

que acontece através das mais variadas expressões, sejam elas de expressão

corporal, cultural, revestidas por conceitos pré-estabelecidos. Estes pontos,

infelizmente, têm sido pouco abordados na formação inicial do profissional da saúde,

que têm priorizado concepções mecanicistas e patologizantes do corpo.

Page 80: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

79

PARTE 3. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Nessa parte são tratados os componentes metodológicos, procedimentos e

instrumentos utilizados para a coleta de dados, o resultados são apresentados,

analisados e discutidos por meio da triangulação dos dados e à luz do referencial

teórico na perspectiva da educação sociocomunitária.

3.1. DA METODOLOGIA, PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS

PARA A COLETA DE DADOS

A investigação pautou-se numa abordagem qualitativa, e buscou compreender

como se constrói a relação entre o profissional fisioterapeuta e os sujeitos das

práticas, ao longo do processo de formação inicial desse profissional, pela perspectiva

da comunicação, e discutir a relevância que uma comunicação de boa qualidade nas

práticas de saúde assume para favorecer a humanização. Consideramos que a

importância da pesquisa está em analisar e promover a reflexão sobre o processo de

formação do fisioterapeuta, marcado historicamente pelo modelo biomédico, que se

mostra presente ainda hoje nos moldes de formação do campo da saúde.

Adotou-se como pressuposto epistemológico para o design metodológico o

interacionismo simbólico, tendo como instrumentos de coleta de dados a análise

documental, a observação participante e o grupo focal. Para análise dos dados

utilizou-se a triangulação entre as seguintes categorias: a. a relação profissional e

sujeito das práticas, b. a comunicação e c. a humanização (Figura 09). Como pano de

fundo teórico empregamos a perspectiva da Educação Sociocomunitária.

Figura 09: Organização da triangulação dos dados

Fonte: O próprio autor (2017).

Page 81: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

80

De acordo Isaú (2007), ao se referir à educação sociocomunitária, “é muito

difícil conceber a educação sem que ela seja por si mesmo também comunitária e

social, se definimos o homem como um ser social. A educação precisa se adequar à

própria natureza do homem”. A educação sociocomunitária, ao tratar da questão da

qualificação da saúde, propõe a participação ativa da sociedade civil, de forma

autônoma e emancipada, na organização da atenção à saúde, entendendo como

fundamental o papel que a comunidade assume para a regulação do Estado em

relação à gestão dos serviços essenciais à vida e à garantia da qualidade de vida.

Portanto, acompanhando Azevedo (2007, p.75), a educação sociocomunitária é

aquela que se preocupa com a construção e a manutenção do

processo de coordenação da acção dos diferentes actores sociais em cada comunidade local, resultante da interacção, conflito e compromisso dos diferentes interesses, racionalidades e estratégias em presença, pode também ser descrita como regulação sócio-comunitária. Esta regulação, em complemento da acção reguladora do Estado central, torna-se nevrálgica nos processos de mudança social, na medida em que só ela dá conta dos actores, das situações sociais concretas, das dinâmicas de articulação territoriais (perspectiva horizontal), e das medidas e políticas geradas e desencadeadas pela administração (perspectiva vertical).

Acreditamos que essa concepção de Educação Sociocomunitária, por alinhar

a mobilização social com a regulação do Estado, é adequada para tratar da questão

da saúde, que, constitucionalmente, se estabelece como prerrogativa do Estado. Mas

que requer a participação ativa da sociedade civil para sua regulação:

A regulação sócio-comunitária da educação implica esta perspectiva de responsabilidade social, compromisso e solidariedade e este protagonismo sustentado no saber-se e reconhecer-se como protagonista da, porque a educação é sempre um compromisso com o desenvolvimento humano e com a cidadania cooperante e solidária (AZEVEDO, 2008, p. 128).

Segundo Gomes (2008), a educação sociocomunitária se caracteriza por

constituir-se numa estratégia voltada para a intenção de organizar a comunidade em

grupos, que teriam em comum desarranjos que danificam a organização social,

predominantemente, ainda, regulada pelo Estado. Para isso, adota-se como recursos

transformadores estratégias com caráter emancipatório e que fortalecem a autonomia

dos sujeitos para uma ampla atuação conjunta e favoravelmente ajustada por aqueles

que se organizam.

Page 82: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

81

No bojo dessas concepções consideramos que a pesquisa qualitativa, num viés

interacionista simbólico, era a abordagem mais adequada para a realização dessa

investigação. Uma pesquisa é classificada como qualitativa, de acordo com Flick

(2009), quando se dirige à interpretação dos significados daquilo que está sendo

estudado e que estão presentes nos processos que caracterizam as relações entre

sujeitos envolvidos em determinado fenômeno, através da fundamentação teórica,

das formas de construir e de organizar os dados. Nessa perspectiva, o propósito não

é aquele de contabilizar quantitativamente os resultados, ou de analisar os produtos

resultantes de determinado evento, mas, sim, de buscar a compreensão do processo

pelo qual determinado grupo passou, tendo em vista certo fenômeno, como

“recortado” pelo pesquisador e pelo próprio grupo.

Os métodos qualitativos não devem ser separados do processo de pesquisa e

do assunto estudado, e ainda, segundo Flick (2009, p. 203),

[...] as ideias centrais que conduzem à pesquisa qualitativa diferem daquelas empregadas na pesquisa quantitativa. Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consistem na escolha correta de métodos e teorias oportunos, no reconhecimento e na análise de diferentes perspectivas, nas reflexões dos pesquisadores a respeito de sua pesquisa como parte do processo de produção de conhecimento, e na variedade de abordagens e métodos.

Em relação ao interacionismo simbólico, para Carvalho (2010, p. 148) esse viés

epistemológico se apoia numa perspectiva de que as pessoas constroem suas ideias

de mundo com base em suas próprias percepções, experiências, relações sociais e

pela sua ação sobre esse:

De um modo geral, pode-se dizer que o interacionismo simbólico constitui uma perspectiva teórica que possibilita a compreensão do modo como os indivíduos interpretam os objetos e as outras pessoas com as quais interagem e como tal processo de interpretação conduz o comportamento individual em situações específicas.

O autor (2010, p. 149) ainda salienta que “o interacionismo simbólico é,

potencialmente, uma das abordagens mais adequadas para analisar processos de

socialização e também para o estudo de mobilização de mudanças de opiniões,

comportamentos, expectativas e exigências sociais”. Na perspectiva da investigação

aqui realizada, levando em conta que se trata de um estudo sobre a formação do

profissional fisioterapeuta, especialmente quanto ao modo como se constrói a relação

Page 83: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

82

comunicativa profissional-paciente, compreender a (con)formação das concepções e

entendimentos que os alunos têm dessa relação nos pareceu primordial.

Quanto aos instrumentos de coleta de dados. A análise documental é uma

técnica consistente para o desenvolvimento de pesquisas, e necessariamente deve

ser composta por documentos historicamente relevantes, ou tornados relevantes pelo

próprio processo de pesquisa, como aqueles de caráter oficial, empregados nessa

dissertação, a saber, legislações e normatizações, dentre outros. Trata-se do

processo de transformar documentos em dados, a partir de sua interpretação,

sistematizando seu estudo e conferindo-lhes cientificidade. Torna-se parte importante

do processo de investigação, pois, quase sempre, formam a base da pesquisa,

conferindo autenticidade à investigação. Para Chartier (2002) a análise documental

constitui-se uma técnica significativa quando se trata de pesquisa qualitativa, tanto

para a complementação de outras técnicas como para desenvolver novos temas.

A observação participante, outro instrumento aqui empregado, é descrita na

literatura como “a descrição sistemática de eventos, comportamentos e artefatos, no

contexto social escolhido para o estudo” (MARSHAL, 1989, p. 79). Segundo Gold

(1958), o observador participante é aquele que se envolve com as atividades

desenvolvidas pelo grupo estudado, que está consciente da sua presença e identifica

no observador alguém com a função de “coletor de dados”. Ainda nesse sentido:

Na observação participante, portanto, o pesquisador obrigatoriamente encontra-se na zona intersticial entre os dois polos, mas nunca alcançando a plenitude de um deles, pois o famoso bias, ou “viés”, sempre estará presente nas investigações. Mas isso não é algo para se lamentar, pois faz parte de nossas vidas, o tempo inteiro. Cabe, sim, ao pesquisador, torná-lo seu aliado na compreensão do seu objeto por meio do rigor metodológico, e não tratá-lo como inimigo ou elemento indesejável que “contamina” a investigação (FERNANDES; MOREIRA, 2013, p. 521).

Já os grupos focais, também por nós empregados, são descritos por Hattum-

Jassen; Caires e Sánchez-Fernández (2016, p. 187) como “uma metodologia de

recolha de informações acerca das percepções, atitudes, sentimentos e/ou opiniões e

conhecimentos em torno de um determinado tema”. De acordo com Stain-Backes

(2011, p.439) os estudos com grupos focais representam uma forma de viabilizar o

acesso à compreensão interativa e dinâmica dos integrantes de um grupo acerca de

um determinado fenômeno, ou de pessoas envolvidas com um fenômeno, pois através

Page 84: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

83

dessa técnica possibilita-se a expressão e a (re)formulação concepções, com foco na

análise de um tema/problema, por meio da relação discursiva, verbal e não verbal,

estabelecida entre os sujeitos participantes. O autor ainda acrescenta

[...] desenvolve-se a partir de uma perspectiva dialética, na qual o grupo possui objetivos comuns e seus participantes procuram abordá-los trabalhando como uma equipe. Nessa concepção, há uma intencionalidade de sensibilizar os participantes para operar na transformação da realidade de modo crítico e criativo.

Num grupo focal espaços de discussão podem acontecer, e, nesse sentido,

levar em consideração as experiências trazidas pelos sujeitos participantes possibilita

algumas problematizações, que na interação individual do pesquisador com um

participante da pesquisa, não ocorreria. Para Stain-Backes: “Os participantes, de

modo geral, ouvem as opiniões dos outros antes de formar as suas próprias e,

constantemente, mudam de posição, ou fundamentam melhor sua opinião inicial”

(STAIN-BACKES, 2011, p. 440).

No grupo focal existe, dessa forma, a possibilidade da abordagem de temas

pouco trabalhados, por exemplo, num processo formativo, como o aqui analisado, ou

até mesmo socialmente evitados, como o é a questão das habilidades de

comunicação em saúde. E, com isso, o debate de certo tema por um grupo se torna

mais crítico, e pode ser mais envolvente. Conforme aponta Gondim (2003, p. 152) “o

moderador de um grupo focal assume uma posição de facilitador do processo de

discussão, e sua ênfase está nos processos psicossociais que emergem”. De acordo

com Debus (1997, p. 26) “o grupo focal em seu caráter subjetivo de investigação é

utilizado como estratégia metodológica qualitativa, caracterizada pela busca de

respostas acerca do que as pessoas pensam e quais são seus sentimentos”. O

conjunto das características do grupo focal como forma de coleta de dados foi o que

nos levou a adotá-lo nessa investigação.

Page 85: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

84

3.2. DA CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE E DOS PROCEDIMENTOS DE

COLETA DOS DADOS

3.2.1 A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

A observação participante foi desenvolvida em uma Unidade de Estratégia de

Saúde da Família (ESF), em um bairro situado na periferia da cidade de Bauru,

localizada à noroeste do estado de São Paulo. Distante 340 km da capital do estado,

possui uma área de 674 mil Km² e uma população de aproximadamente 367 mil

habitantes (IBGE, censo de 2017), tendo economia diversificada, mas mais

concentrada na agropecuária, comércio e polos industriais. Em 2015, o salário médio

mensal era de 2.9 salários mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação

à população total era de 38.5% (IBGE, 2017). A cidade foi fundada em 1896,

impulsionado pelo progresso e ocupação da região central do Brasil, proposto pelo

governo do então Presidente Getúlio Vargas, e ganhou notoriedade no contexto

nacional com a chegada da ferrovia, expansão da indústria cafeeira e cana de açúcar.

Conhecida como a “Cidade Sem Limites”, Bauru, no campo da saúde, é reconhecida

por abrigar o Hospital Centrinho - USP, referência internacional no tratamento de

pacientes com fissuras labiopalatais.

Na unidade de Estratégia de Saúde da Família em que a observação

participante foi desenvolvida, atualmente encontram-se em atividade duas equipes

multidisciplinares, compostas por médicos, fisioterapeuta, dentistas, enfermeiros,

técnicos de enfermagem, nutricionista, assistente social e agentes comunitários de

saúde, encarregados de atender aproximadamente 10 mil usuários.

Dos serviços prestados, além das consultas de rotina, há coleta de exames

laboratoriais, realização de testes diagnósticos, de curativos, e, dentre outras práticas,

dispõe-se de atendimentos no campo da fisioterapia, em regime de convênio com uma

instituição universitária de ensino superior, desde o ano de 2014. O pesquisador

acompanha os estudantes nesse campo de estágio desde o ano de 2014, havendo

ainda outros docentes que realizam acompanhamento de estágios dos alunos nos

campos de Saúde do Trabalhador, Saúde do Idoso, Fisioterapia em Terapia Intensiva,

Fisioterapia Hospitalar e Ambulatorial, Fisioterapia em Hidrocinesioterapia,

Fisioterapia em Neurologia Adulto e Infantil e Fisioterapia em Ortopedia e

Traumatologia. Os pacientes encaminhados para esse tipo de atendimento são

Page 86: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

85

avaliados pelo fisioterapeuta (professor da referida instituição de ensino) e pelos

alunos (estagiários) do nono semestre do curso de fisioterapia, da mesma instituição,

a fim de estabelecer um prognóstico fisioterapêutico e a partir daí traçar uma conduta

de tratamento.

A instituição universitária de ensino superior, que foi participante dessa

pesquisa, localiza-se na cidade de Bauru, iniciou suas atividades na cidade no ano de

2007, e atualmente possui 23 cursos de graduação, 08 de especialização, 4.800

alunos, 110 professores. Conforme o site institucional, sua missão é melhorar a vida

das pessoas por meio da educação responsável e de qualidade, formando cidadãos

e preparando profissionais para o mercado, contribuindo para o desenvolvimento de

seus projetos de vida. Sua visão, é ser referência em educação, atuando de forma

inovadora e sustentável, e a melhor escolha para estudar, trabalhar e investir, líder

nos mercados onde atua. Seus valores são: Paixão por Educar: somos educadores

movidos pela paixão em formar e desenvolver pessoas, Respeito às

Pessoas: Promovemos o respeito à diversidade e aos compromissos assumidos,

cultivando relacionamentos, Honestidade e Responsabilidade: Agimos com

integridade, transparência e assumimos os impactos de nossas ações, Fazer

Acontecer: Somos ágeis em transformar ideias e desafios em realizações, Foco em

Geração de Valor Sustentável: Trabalhamos para gerar impactos positivos e

sustentáveis para a sociedade, Trabalhar e Aprender Juntos: Unimos esforços para

o mesmo propósito.

Em relação ao curso de fisioterapia, há a seguinte grade curricular: Ciências

moleculares e celulares, ciências morfofuncionais do aparelho locomotor – membros

inferiores e coluna vertebral, ciências morfofuncionais do aparelho locomotor –

membros superiores, cabeça e tronco, ciências morfofuncionais dos sistemas

digestório, endócrino e renal, ciências morfofuncionais dos sistemas imune e

hematológico, ciências morfofuncionais dos sistemas nervoso e cardiorrespiratório,

ciências morfofuncionais dos sistemas tegumentar, locomotor e reprodutor,

cinesioterapia aplicada, cinesioterapia geral, diagnóstico cinético-funcional e

imaginologia - membros inferiores e coluna vertebral, diagnóstico cinético-funcional e

imaginologia – membros superiores, cabeça e tronco, estágio curricular

supervisionado ambulatorial I, estágio curricular supervisionado ambulatorial II,

estágio curricular supervisionado hospitalar, estágio curricular supervisionado na

Page 87: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

86

atenção básica, ética e deontologia, ética, política e sociedade, fisioterapia

cardiopulmonar na saúde do adulto, fisioterapia e inovações, fisioterapia em unidade

hospitalar, fisioterapia musculoesquelética na saúde do adulto, fisioterapia na saúde

da criança e do adolescente, fisioterapia na saúde da mulher, fisioterapia na saúde do

adulto na atenção primária, fisioterapia na saúde do adulto na atenção secundária,

fisioterapia na saúde do adulto na atenção terciária, fisioterapia na saúde do atleta,

fisioterapia na saúde do idoso, fisioterapia na saúde do neonato, fisioterapia na saúde

do trabalhador, formação integral em saúde, homem, cultura e sociedade,

metodologia científica, práticas fisioterapêuticas atenção secundária e terciária,

primeiros socorros e prótese e órtese.

O curso dispõe de laboratórios de práticas fisioterapêuticas em ortopedia,

neurologia, neuropediatria, cardiorrespiratória, anatomia humana, microscopia,

microbiologia e ginásio de práticas clínicas, as turmas são formadas por 80 alunos e

a média de conclusão do curso é de 45 estudantes.

As práticas no campo da fisioterapia, inserida no contexto da saúde pública, e,

assim, também nessa ESF, incluem:

Avaliar e prescrever condutas fisioterapêuticas nos diversos quadros de

incapacidades funcionais no atendimento domiciliar.

Avaliar pacientes com mobilidade reduzida para prescrição de órteses e meios

para locomoção.

Desenvolver atividades em grupos de Idosos, Gestantes, Hipertensos e

Diabéticos com objetivos que consistem na melhora da força muscular,

mobilidade das articulações, equilíbrio, desenvolvimento da marcha e

socialização.

Realizar atividades de educação e prevenção nos diversos eixos temáticos que

contemplam a saúde pública nos moldes da Estratégia de Saúde da Família.

Atuar em equipe multiprofissional na ótica da assitência ao usuário do Sistema

Único de Saúde.

Os atendimentos acontecem semanalmente, e os alunos, juntamente com o

professor, realizam visitas domiciliares aos pacientes uma vez por semana, sendo que

Page 88: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

87

a quantidade de sessões é determinada pelo grau de complexidade de cada caso.

Além disso, algumas atividades em grupo são desenvolvidas na própria ESF, como o

trabalho com gestantes, hipertensos, diabéticos e idosos.

3.3. DOS DADOS CONSTRUÍDOS A PARTIR DA OBSERVAÇÃO

PARTICIPANTE

Nesse item serão apresentados os resultados a partir da observação

participante, realizada no campo de estágio em Saúde Pública. A caracterização dos

procedimentos da observação participante está organizada por período, locais de

atendimentos, identificação do pesquisador, dos sujeitos participantes e dos sujeitos

das práticas (Tabela 01).

A observação participante teve por finalidade investigar o como ocorrem os

processos comunicativos na relação entre os alunos do nono semestre do curso de

fisioterapia e seus pacientes, aqueles atendidos pelo Sistema Único de Saúde, na

unidade de Estratégia de Saúde da Família. O observador, nesse caso, o próprio

pesquisador, levou em consideração alguns aspectos da comunicação

profissional/sujeito, retirados da literatura e da sua própria experiência profissional,

desde a abordagem do sujeito pelo futuro profissional, até a escuta, a proposição de

atividades e as orientações para a vida diária e para a continuidade do tratamento.

Tabela 01. Organização do ambiente de coleta da observação participante.

Período da Coleta 05 de Junho de 2017 a 18 de Agosto de 2017

Locais de

Atendimento

Unidade de Estratégia de

Saúde da Família e

Domicílios situados na região leste

da cidade de Bauru.

Pesquisador Professor do curso de

fisioterapia e

supervisor de estágio curricular no

campo da saúde pública.

Sujeitos Participantes 16 alunos (07 do sexo

masculino e 09 do sexo

feminino), com idades

variando entre 22 e 36

anos.

cursando o nono semestre do curso

de fisioterapia de uma Faculdade

situada na região administrativa da

cidade de Bauru.

Page 89: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

88

Sujeitos das Práticas 05 pacientes, conforme

descrição abaixo.

Domiciliados e que necessitam de

cuidados especiais, dependentes

ou parcialmente dependentes.

06 gestantes Integram o grupo de

acompanhamento gestacional

estabelecido pelo Programa de

Humanização de Pré-Natal e

Nascimento.

Fonte: O próprio autor (2017).

Os alunos foram antecipadamente contatados, avisados de que o professor

estava também realizando uma investigação com os objetivos já aqui enunciados, as

fases, procedimentos e os instrumentos de coleta de dados, o que isso demandaria

deles e, por meio de um termo de consentimento livre e esclarecido3, convidados a

comporem a pesquisa, na condição de “participantes”, e orientados de que nenhum

prejuízo adviria a eles, em momento algum, caso não quisessem participar. Todos

concordaram em fazê-lo. Os procedimentos da investigação foram submetidos ao

comitê de ética do Unisal e aprovado sob o número 2.198.800 (Anexo II).

Os participantes alunos foram identificados pelo gênero, idade e números

sequenciados, aleatoriamente atribuídos pelo pesquisador. Entendemos que as

variáveis gênero e idade poderiam colaborar para a compreensão da construção da

relação profissional-paciente, pois incorporam modos de ser socialmente delineados.

Os sujeitos das práticas estão identificados por gênero, idade, acometimento

patológico e comprometimento funcional, já o local do atendimento está caracterizado

pelo ambiente e condições de higiene e saneamento (Tabela 02). Consideramos

esses dados relevantes porque, de acordo com dados do Ministério da Saúde (2010),

a desnutrição e as condições precárias de higiene e moradia, incluindo as carências

de saneamento básico, afetam principalmente a população de baixa renda, agravando

as condições de saúde, das deficiências e a qualidade de vida. No mesmo documento

acrescenta-se que as “doenças relacionadas à sistemas precários de água e esgoto

e a deficiências de higiene causaram a morte de mais de 1,6 milhão de pessoas em

3 Encontra-se nos anexos.

Page 90: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

89

países pobres, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS)” (2010).

Requerem, dessa maneira, um olhar diferenciado por parte do profissional da saúde,

tanto do ponto de vista técnico, das práticas específicas da fisioterapia, como daquele

de colaborar para com a organização da população para que se mobilize na

participação, reivindicação e efetivação de melhorias na sua comunidade. Também

isso, consideramos, passa pelas habilidades de comunicação e de humanização da

saúde.

Tabela 02. Descrição da coleta por sujeitos participantes alunos, sujeitos das práticas, data e

horário e local do atendimento.

SUJEITOS

PARTICIPANTES/ALUNOS

SUJEITOS

DAS PRÁTICAS

DATA E

HORÁRIO

LOCAL DO

ATENDIMENTO

M.1 (24) e M.2

(28)

Homem, 69 anos, acometido por um Acidente Vascular Encefálico (AVE) há 3 anos, encontra-se acamado, totalmente dependente de cuidados de terceiros. Não deambula e apresenta dificuldade na articulação da fala.

05 de Junho de

2017 às 9h.

Domicílio. O local apresenta

condições precárias de higiene, esgoto não canalizado e acumulo de lixo no interior da

residência.

F.3 (22) e M.4(30) Homem, 36 anos, acometido por politrauma em virtude de um acidente automobilístico, ocorrido há 5 meses. Parcialmente dependente e deambula com dificuldade. Capacidade de articular a fala preservada.

14 de Junho de 2017 às 8h45.

Domicílio. O local apresenta boas condições de

higiene e saneamento. O ambiente encontra-

se organizado e o

sistema de água e

esgoto são

encanados.

F.5 (25) e F.6(29) Homem, 67 anos, acometido por um quadro de Erisipela e limitações funcionais em membros inferiores há 5 anos. Deambula com dificuldade e utiliza-se de meio auxiliar para locomoção, reside sozinho.

16 de Junho de 2017 às

10h.

Domicílio. O local apresenta

condições precárias de higiene, ambiente desorganizado e com

acúmulo de lixo.

Page 91: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

90

F.7 (25) e F.8(24) Mulher, 78 anos, acometida por um quadro de artrose de quadril, joelho e tornozelo, perda da visão e diabetes há 10 anos. Deambula com dificuldade e apresenta déficit de equilíbrio.

21 de Junho de

2017 às 9h.

Domicílio. A residência é constituída por

madeira, e mesmo com o desgaste provocado pelo tempo, o local

apresenta boas condições de higiene,

organização e saneamento.

M.9(25), F.10(24),

M.11(27), M.12(27) e

F.13(28)

Grupo de gestantes com idades entre 15 e 22 anos, integrantes do Programa de Humanização de Pré-Natal e Nascimento.

09 de Agosto de 2017 às 9h30.

Unidade de Estratégia de Saúde da Família.

O local apresenta boas condições de

higiene e saneamento.

M.14(36), F.15(26), e

F.16(29)

Mulher, 72 anos, apresenta um quadro de artrose de joelho, déficit de equilíbrio e perda significativa de força muscular, perda de visão há 2 anos. Deambula com auxílio do familiar.

18 de Agosto de 2017 às 9h40.

Domicílio. O local apresenta

condições precárias de higiene e

saneamento. A residência apresenta

acúmulo de lixo e aparente

desorganização. Fonte. O próprio autor (2017).

No percurso da observação, levou-se em consideração o comportamento do

participante aluno em relação aos sujeitos das práticas, sua linguagem expressa

corporalmente e verbalizada, a escuta do paciente, a capacidade de expressão no

sentido de realmente querer se fazer entender, a empatia e ainda, como se

manifestavam as relações de poder. Para direcionar a observação participante, o

pesquisador utilizou-se de um “Guião” de questões, já descritas anteriormente, mas

abaixo retomadas para favorecer o acompanhamento pelo leitor.

a. O aluno oferece ao paciente explicação sobre o que será feito durante a

sessão?

Durante as abordagens realizadas pelos participantes (M.1 e M.2) e (F.3 e M.4),

o observador identificou, em suas verbalizações, um imperativo “comando de voz”

para que as atividades fossem realizadas pelos sujeitos das práticas, conforme

observado nas seguintes falas “O senhor tem que puxar o ar antes de contrair, da

Page 92: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

91

forma que mandei”, ou ainda, “O senhor não está fazendo direito, vamos lá, sem corpo

mole”. Os sujeitos, por sua vez, cumpriram rigorosamente as proposições

estabelecidas, em alguns momentos, com manifestações fisionômicas e corporais

expressando dor, tentaram sinalizar o desconforto de várias maneiras, ao franzir a

testa e os olhos, apresentar sudorese intensa e esboçar sinais de fadiga ao falar,

contudo, foram desconsiderados pelos estagiários, fortalecendo a ideia do

comportamento tecnicista de atuação (o que importa é a “cura” e não o que o sujeito

sente, faz ou mostra pensar). Pode-se observar também que o posicionamento

adotado pelos sujeitos participantes ao estabelecerem uma comunicação com o

sujeito das práticas (Figuras 10 e 11), desfavoreceu o contato visual,

significativamente importante para o estabelecimento de uma comunicação eficiente.

Como observam Taylor e colaboradores (2014), o contato visual é um tipo de

comunicação não verbal em que há muitas variáveis culturais, que interferem na

qualidade da relação. O contato visual direto pode ser visto como invasivo ou pouco

educado pelos orientais e seus descendentes, por exemplo, havendo também

variáveis como idade e gênero. Contudo, explorar o contato visual de maneira

respeitosa, ainda mais em um caso no qual há a dificuldade da comunicação verbal,

é uma importante abertura para a horizontalidade da comunicação. Na fisioterapia o

contato entre as pessoas é muito próximo, e o fato dos alunos (não somente esses,

mas os demais também) não se aperceberem da relevância do contato visual, suas

diferenciações culturais, é preocupante, por talvez indicar que essa relevância parece

não estar sendo evidenciada ao longo do curso.

Na interface entre os protocolos de fisioterapia utilizados pelos alunos e a

compreensão das orientações e instruções, por parte dos sujeitos, pode-se observar

um carente repertório de práticas voltadas para as questões instrucionais. Isso é, a

observação dos alunos evidenciou que esses não são ensinados a como explicitar

para os sujeitos o que devem fazer, como, ou mesmo se há atividades e “exercícios”

alternativos. O que deveria ser parte integrante da relação entre profissionais e

sujeitos envolvidos em um processo de reabilitação, caso não prevalecesse o modelo

biomédico, no qual se evidencia a verticalização relacional e o empoderamento do

profissional como aquele que detém as possibilidades de “cura”. Na atenção primária,

na prevenção ou na educação para evitar agravos à saúde, o agir instrucional diretivo

também prevalece, igualmente sem uma preparação para discutir a eficácia ou

Page 93: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

92

modelos alternativos visando ampliar a efetividade das práticas abordadas, para as

quais a adesão das pessoas é tão indispensável quanto o é ao processo terapêutico,

no caso das patologias já instaladas.

O que se parece esperar do profissional envolvido no processo de reabilitação

– e o que o próprio profissional parece esperar de si- é que se faça uso de recursos

técnicos da fisioterapia, sem adentrar em explicações que seriam mais do “domínio”

da área médica, ou consideradas “desnecessárias” à consecução das atividades, ou,

ainda, “incompreensíveis” ao “nível cultural/intelectual” dos sujeitos. Assim, o

profissional da fisioterapia restringe o acesso dos sujeitos à informação aos princípios

técnicos das condutas fisioterapêuticas, como se maiores explicações não se

fizessem necessárias, e o profissional acaba por estabelecer uma barreira na relação

com o outro, favorecendo a não cooperação e até mesmo a evasão do tratamento. O

pesquisador identificou que os sujeitos participantes não ofereceram explicações

sobre seus procedimentos e conduziram a fisioterapia de maneira estritamente

protocolar.

Figura 10. Atendimento realizado pelos participantes M.1 e M.2.

Fonte: O próprio autor (2017).

Page 94: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

93

Figura 11. Atendimento realizado pelos participantes F.3 e M.4.

Fonte: O próprio autor (2017).

Enfatizamos também que conforme o parágrafo oitavo, do segundo capítulo

do Manual dos Direitos do Paciente estabelecido pela Portaria do Ministério da Saúde

nº1286 de 26/10/93, o paciente tem direito a informações claras, simples e

compreensivas, adaptadas à sua condição cultural, sobre as ações diagnósticas e

terapêuticas, o que pode decorrer delas, a duração do tratamento, a localização de

sua patologia, qual o instrumental a ser utilizado e quais regiões do corpo serão

afetadas pelos procedimentos. O que foi reforçado pela Recomendação do Conselho

Federal de Medicina N. 01/20164 , que afirma a essencialidade dos profissionais

médicos (mas também de forma estendida aos demais profissionais da saúde)

considerarem o consentimento livre e esclarecido dos pacientes, nas práticas de

saúde. Ênfase é colocada também no assentimento informado, no caso daquelas

pessoas que em sendo deficientes intelectuais, com perdas cognitivas, crianças e

menores de 18 anos, ou outros, também têm o direito de se manifestar em relação

aos procedimentos que serão adotados em relação à sua saúde. Ou seja, reconhece-

se o direito dos pacientes terem disponibilizados, de forma transparente, as

informações e explicações sobre seu estado de saúde, prognóstico, procedimentos

possíveis, etc., e de manifestar-se em relação a isso. Práticas que se afastem disso,

tanto na formação do profissional como na sua atuação, caminham na contramão da

humanização da saúde, dos direitos dos pacientes e dos próprios direitos humanos.

4 Disponível em https://portal.cfm.org.br/images/Recomendacoes/1_2016.pdf

Page 95: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

94

b. O aluno realiza orientações sobre atividades que deverão ser realizadas

pelo sujeito até a próxima sessão e de que forma se propõem tais

orientações? E ainda, quais recursos ele se utiliza para deixar registradas

as informações necessárias para a compreensão do paciente?

Nesse ponto, a abordagem realizada pelos participantes F.5 e F.6 (Figura 12)

ao sujeito 3 (S3), o observador pôde identificar que ao finalizar a conduta de

tratamento os alunos elaboraram e realizaram orientações para a realização mais

correta das atividades de vida diária. As orientações foram dadas diretamente ao

sujeito. Dentre essas, orientaram também alongamentos e fortalecimentos

musculares variados, fizeram a composição da prescrição de maneira tecnicamente

correta, do ponto de vista fisioterapêutico. Entretanto, não se certificaram da

compreensão das orientações, por parte do sujeito. Não houve qualquer tentativa de

averiguar se as orientações haviam sido entendidas, nem mesmo de usar recursos

visuais ou auditivos, como desenhos, escrita, áudio, etc., para o registro das

orientações, de modo a favorecer com que o sujeito pudesse, posteriormente,

consultar anotações, registros ou lembretes acerca do “que fazer”.

Figura 12. Atendimento realizado pelos participantes F.5 e F.6.

Fonte: O próprio autor (2017).

Na abordagem realizada pelos participantes F.7 e F.8 (Figura 13) ao sujeito 4

(S4) o pesquisador observou que não foram realizadas as devidas orientações, e se

levado em consideração as características desse sujeito, que incluíam dificuldades de

locomoção e perda da acuidade visual, as orientações seriam fundamentais para a

Page 96: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

95

manutenção da qualidade de vida. De acordo com Silva (1988) orientar, no campo da

saúde, significa mediar ensinamentos que consistem em promover mudanças

atitudinais, comportamentais, e, ainda, estimular habilidades importantes para a

promoção, manutenção e recuperação da saúde.

Figura 13. Atendimento realizado pelos participantes F.7 e F.8.

Fonte: O próprio autor (2017).

As recomendações desenvolvidas pelos participantes M.14, F.15 e F.16, no

atendimento ao sujeito 5 (S5) foram precisas e pontuais, do ponto de vista da

fisioterapia. Utilizaram-se de um material descritivo e ilustrado para prevenção de

quedas, porém, não se deram conta da perda da acuidade visual sofrida pelo sujeito

(Figura 14), em decorrência de uma infecção no globo ocular.

Figura 14. Atendimento realizado pelos participantes M.14, F.15 e F.16.

Fonte: O próprio autor (2017).

Page 97: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

96

Ao analisar o princípio da integralidade contida na Lei Orgânica da Saúde,

pode-se destacar as características implícitas na abordagem do profissional desse

campo, que deve exercer suas competências a fim de extrapolar as práticas curativas,

dimensionando os riscos à saúde e a partir daí promover ações preventivas e

educativas (SAMPAIO ALVES, 2004). Isso requer uma compreensão holística do

sujeito em seu contexto de vida, e não é possível se as características, necessidades,

desejos, angústias e medos dos sujeitos não são explorados via o estabelecimento

de relações de comunicação profissional-sujeitos. Exige também sensibilidade ao

outro, base do agir dialógico.

Na perspectiva da linguagem utilizada pelos alunos para a comunicação, e que

deveria permitir melhor compreensão por parte dos sujeitos atendidos, o que também

se observou foi a utilização de termos técnicos e científicos, sem a necessária

“tradução” desses para o conhecimento no senso-comum. No caso do aluno F.7, por

exemplo, uma das frases empregadas no atendimento foi “vamos aferir a pressão

arterial da senhora”, e M.2 assim se expressou para o S1: “o senhor tem uma

espasticidade acentuada nesse membro”. Seguindo nessa mesma lógica, em que a

utilização das terminologias da área médica foram empregadas nos atendimentos, e

pouco contribuíram para facilitar a comunicação, nem do estabelecimento de uma

proximidade comunicacional, o pesquisador registrou a fala do aluno F.3: “mantenha

o corpo ereto”, e “quando eu disser o senhor faz uma inspiração e depois uma

expiração bem lenta”. As falas relatadas eram pouco compreendidas pelos sujeitos

atendidos, que não correspondiam, assim, às solicitações dos estudantes. Segundo

Wolf (2003) para que a comunicação seja bem empregada, os interlocutores devem

estar em sintonia e nesse caso, os alunos deveriam, constantemente, monitorar a

competência linguística e cultural própria e aquela dos sujeitos atendidos. Numa via

de mão-dupla, buscando superar a separação entre os saberes científicos e aqueles

do senso-comum. Isso empoderaria todos os participantes da relação, pois os sujeitos

atendidos incorporariam, aos poucos, o pensamento científico e sua racionalidade, o

que se mostra de valor para uma compreensão mais acurada do processo saúde-

doença. E, por outro lado, os estudantes, em apropriando-se de outras formas de

linguagem, também apreenderiam os saberes e outras lógicas, próprias ao senso-

comum, que também compõem esse processo de saúde-doença. O domínio sobre tal

Page 98: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

97

processo não é de um ou de outro campo de saberes5: as questões envolvendo a

saúde e a doença perpassam e são perpassadas por todos os aspectos da vivência

humana como um todo. Essa compreensão deveria fundamentar a base do agir

relacional e comunicativo dos profissionais da saúde e dos sujeitos por eles atendidos.

c. O aluno considera a fala e deixa espaço para as manifestações verbais e

não verbais do sujeito? Há algum tipo de resistência em relação ao

sujeito, como condições de moradia, higiene e comportamento?

Nesse quesito, a abordagem realizada pelos participantes F.3 e M.4 a S2 foi

marcada pela anulação do sujeito atendido no que concerne à abertura para as

manifestações e expressões desse. O pesquisador observou esse comportamento de

anulação, por parte dos estudantes, quando S2 tentava se expressar, de várias

maneiras, e mesmo com insistência, mas era barrada ou impedida de fazê-lo, pelos

alunos. Tal anulação ficou também evidenciada quando na execução de outras

práticas, por parte de outros alunos, quando esses não davam atenção ou não

formulavam respostas às falas dos sujeitos. A total absorção na execução das tarefas

de reabilitação marca a atuação mecanizada do profissional, que ao não interagir com

o sujeito, acaba contribuindo para minar a subjetividade dos atendidos.

Ao realizar a abordagem a S3, os participantes F.5 e F.6 (Figura 17) iniciaram

direcionando uma grande quantidade de perguntas ao sujeito, com a intenção de

estabelecer uma causa para a disfunção apresentada por esse. O pesquisador

observou que tais questões era simultaneamente proferidas pelos participantes,

ficando pouco claras, o que causou embaraço e confusão ao sujeito, que não sabia a

quem ou o que responder. O equívoco comunicacional gerou respostas desconexas

por parte de S3, e que não contemplavam os questionamentos propostos. Dessa

forma, além da compreensão do quadro ficar prejudicada, a qualidade das respostas

pode gerar a ideia de que o sujeito atendido possui algum déficit cognitivo ou cultural,

levando o profissional a concepções errôneas, e a tomadas de decisão terapêuticas

5 Oliveira (2002, p. 64), referindo-se a estudos de Knauth (1991), afirma que entre 70-90% dos “episódios de doença são manejados fora desse sistema (aquele formal de cuidados à saúde), por autocuidado ou busca de formas alternativas de cura (...). Ou seja, o modelo biomédico é apenas um entre tantos disponíveis no “mercado” da saúde”.

Page 99: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

98

mal formuladas. Ressalta-se, pela reflexão sobre essas observações, o imperativo de

considerar-se, efetivamente, a bagagem cultural dos sujeitos atendidos. Como afirma

Oliveira (2002, p. 65): “Portanto, quando mencionamos “comunicação”, também

queremos dizer que há produção de significados de ambos os lados e que a cultura

de cada grupo social estará igualmente presente”. Embora não igualmente

representada, como nos casos acima exemplificados.

É importante salientar, ainda, que a qualidade da prestação de serviços pelo

profissional de saúde não se define apenas por equipamentos, materiais e

conhecimento técnico. “A qualidade do serviço também está intimamente ligada às

relações estabelecidas pela equipe de saúde com o usuário, derivadas das técnicas

interativas e comunicacionais” (TORALLES-PEREIRA et al., 2004).

Na abordagem dos participantes M.9, F.10, M.11, M.12 e F.13 (Figura 15),

atuando junto ao grupo de gestantes, o pesquisador pôde observar uma postura de

certa “superioridade” dos alunos durante as interações com as jovens em estado

gestacional. Houve, no percurso das atividades desenvolvidas, algumas falas que

expressavam julgamento, comparação e pré-concepções, dos alunos em relação às

gestantes. Algumas puderam ser destacadas, como aquela de F.10: “Nossa, você tem

a minha idade e já está grávida?” e aquela de M.12: “Não penso em ter filhos agora,

acho muito cedo, prefiro estudar” e, ainda, aquela de F.13: “Como você irá sustentar

seu filho sem um bom futuro?”. Nesse sentido, a postura dos estudantes parece seguir

as concepções também mostrada por outros profissionais da saúde quando exercem

suas atividades junto a mães adolescentes. Estudo de Bocardi (2004) revela que, no

entender dos profissionais da saúde as adolescentes grávidas são vistas como: a.

desprovidas de uma parceria sexual fixa ou de um relacionamento estável,

aumentando as possibilidades de preconceito moral e, em decorrência, de uma atitude

desumanizada e de anulação de subjetividades; b. desprovidas de conhecimentos

diversos (sobre contracepção, como cuidar do filho, como se prevenir de doenças

sexualmente transmissíveis, etc), a serem “supridos” pelos conhecimentos das

equipes de saúde, numa relação de pouca escuta das jovens e um discurso excessivo,

muitas vezes de cunho moral, da parte dos profissionais; c. carecendo de apoio

familiar, ou vindas de “famílias desestruturadas”, nas quais falta o “controle” sobre as

filhas, ou havendo o controle, essas jovens são vistas como “transgressoras” e, dessa

forma, “merecedoras” dos problemas decorrentes da gestação e da maternidade e d.

Page 100: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

99

a gravidez não foi planejada, o que revelaria certa irresponsabilidade e

“comportamentos de risco”, que, por sua vez, seriam “típicos” da adolescência.

A ênfase no desenvolvimento da comunicação e na qualidade das relações dos

profissionais da saúde com os sujeitos de suas práticas, já no processo de formação,

não colaboraria para uma visão menos preconceituosa e mais próxima da realidade

das adolescentes? Uma outra compreensão das razões e expectativas (ou falta

dessas) das adolescentes, ao engravidarem? Acreditamos que seria possível, com

uma formação mais humanizada, e menos preconceituosa, que os profissionais da

saúde colaborassem para o empoderamento dessas adolescentes.

Figura 15. Atendimento em grupo realizado pelos participantes M.9, F.10, M.11, M.12 e F.13.

Fonte: O próprio autor (2017).

d. O aluno levou em consideração os fatores econômicos do sujeito para

solicitar atividades extra atendimento (Quebra da lógica da saúde

privada)?

Levar em consideração os fatores socioeconômicos para prescrever

tratamentos e atividades extra atendimentos parece ser um desafio constante para o

profissional do campo da saúde. Não é incomum identificar disparidades entre as

solicitações dos profissionais da saúde e a realidade do sujeito das suas práticas. Para

que se tenha adesão ao tratamento e aos complementos de terapia extra ambiente

clínico, faz-se necessário, ao profissional da saúde, a compreensão das condições

socioeconômicas em que o sujeito das suas práticas está inserido. De acordo com

Fortes (2004) a adesão ao tratamento pode ser descrita como “o desempenho de

Page 101: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

100

atividades que satisfaçam as exigências terapêuticas dos cuidados à saúde, aceitação

do decurso do tratamento prescrito pelo prestador do cuidado ou apoiante”.

Durante a execução da conduta fisioterapêutica para alongamento das

estruturas musculares dos membros inferiores, os participantes F.7 e F.8, no

atendimento a S4, identificaram a necessidade da utilização de um faixa elástica

denominada Theraband. Como se trata de um material de custo elevado, foi

apresentado a S4 a possibilidade de substituir o referido material por uma “meia calça

de nylon”. Dessa forma, os objetivos seriam alcançados e não haveria a necessidade

de desembolsar qualquer valor mais expressivo, pois poderia ser usada qualquer meia

calça, mesmo já gasta. Ao deparar-se com essa situação, o pesquisador observou

que houve a intenção dos participantes em não sugerir uma conduta que tivesse a

necessidade de materiais de alto custo, visto que o sujeito dispunha do material

sugerido. O que indicou sensibilidade ao sujeito atendido e ampliou as possibilidades

desse aderir ao tratamento.

Durante as atividades com o grupo de gestantes, por outro lado, os alunos M.11

e M.12 falaram sobre a necessidade da gestante se alimentar bem nesse período da

gravidez, com dietas equilibradas, diversificadas e rica em nutrientes. No transcorrer

de tais recomendações, percebeu-se que os participantes mostravam-se distantes da

realidade dos sujeitos. Conceber que os sujeitos pudessem não ter como se alimentar,

ou mesmo, alimentar-se com qualidade, ou, ainda, seus hábitos alimentares, pareceu

estar distante de suas experiências de vida, pautadas numa lógica de pessoas com

mais poder aquisitivo.

3.3.1. DOS DADOS CONSTRUÍDOS A PARTIR DO GRUPO FOCAL

Nessa parte serão abordados os dados obtidos através da realização dos

grupos focais, e desse relato constam o período da coleta, locais dos encontros,

quantidade e duração dos encontros e quais foram os sujeitos participantes (Tabela

04). Para Stein Backes e colaboradores: “O grupo focal representa uma técnica de

coleta de dados que, a partir da interação grupal, promove uma ampla

problematização sobre um tema ou foco específico” (STEIN BACKES et al., 2011) .

Trata-se de uma discussão, centrada em determinado tema, realizada em grupo, e

que pode estar agregada a outros instrumentos de coleta de dados ou de

Page 102: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

101

investigação-ação. No caso da presente pesquisa utilizou-se como recurso agregado

ao grupo focal o microensino. A técnica de microensino foi descrita por Oliveira (2013)

como “uma metodologia pedagógica útil na formação e desenvolvimento de

competências docentes, pois promove o treinamento de habilidades de ensino,

discussões sobre desempenho em classe e a autocrítica”. E Hansford (1977, p. 232)

o descreve como “a filmagem e o feedback controlado de um breve episódio de ensino

em um ambiente de laboratório”. Essa opção foi feita considerando-se que uma

investigação que tem por cerne processos de ensino-aprendizagem e de formação

profissional poderia, no âmbito da pesquisa qualitativa, na qual está implícita a

transformação da realidade concomitantemente à investigação, contribuir já para

tratar, com os estudantes, a importante questão da comunicação nas relações com os

sujeitos das suas práticas e membros das equipes multiprofissionais.

Durante as discussões direcionadoras dos grupos focais, associadas ao

microensino, o pesquisador atuou como mobilizador e observador, e adotou, como

guião, as seguintes questões: Como ocorre a comunicação e a escuta entre os alunos,

representando o papel de fisioterapeuta, o papel de cuidador e aquele do sujeito das

práticas? Existe a preocupação com as questões sociais e de humanização?

As tabelas 03 e 04, abaixo, apresenta a organização e distribuição dos

subgrupos por grupo focal, os participantes que fizeram a composição dos papeis de

sujeitos das práticas, cuidador e fisioterapeuta.

Tabela 03. Organização do ambiente de coleta do grupo focal.

Período da Coleta 14, 21 e 28 de Agosto de 2017 às 14h.

Local dos Encontros Clínica Escola de uma instituição de ensino superior na

Região de Bauru.

Quantidade e duração dos

encontros

Foram realizados 3 encontros, com duração de 40

minutos cada.

Sujeitos Participantes 16 alunos do nono semestre do curso de fisioterapia, os

mesmos que foram sujeitos da observação participante

quando do momento dos estágios na saúde pública, mas

agora divididos em 2 grupos (SG 01 e SG 02), para

favorecer a dinâmica dos grupos focais.

Fonte. O próprio autor (2017).

Page 103: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

102

Tabela 04. Distribuição dos participantes por subgrupos nos grupos focais.

GRUPO

FOCAL

SUBGRUPOS

PAPEL DE SUJEITO DAS

PRÁTICAS

(S)

PAPEL DE

CUIDADOR

(C)

PAPEL DE

FISIOTERAPEUTA

(FIS)

1 SG.1 F.3 (S.1) M.2 (C.1) M.1 (FIS.1)

SG.2 F.6 (S.2) F.5 (C.2) M.4 (FIS.2)

2 SG.1 F.7 (S.1) F.15 (C) F.8 (FIS.1)

SG.2 M.14 (S.2) F.16 (FIS.2)

3 SG.1 M.9 (S.1) F.10 (C) M.11 (FIS.1)

SG.2 M.12 (S.2) F.13 (FIS.2)

Fonte. O próprio autor (2017).

3.3.2. DOS ENCONTROS DOS GRUPOS FOCAIS ASSOCIADOS AO

MICROENSINO

O primeiro encontro do grupo focal (G.1) foi realizado no dia 14 de agosto de

2017 às 14h em um laboratório de práticas clínicas de uma instituição universitária na

cidade de Bauru (Tabelas 5 e 6). Neste primeiro encontro estavam presentes 6

participantes, de ambos os sexos, que já haviam sido sujeitos da observação

participante na fase anterior da coleta de dados (Observação participante). Ao

chegarem ao laboratório, o pesquisador solicitou que se organizassem em subgrupos

com três participantes cada (SG.1 e SG.2), e que em cada subgrupo fosse eleito um

participante para assumir o papel do sujeito das práticas (denominados S.1 e S.2),

outro no papel de cuidador (denominados C.1 e C.2) e, por último, um no papel de

fisioterapeuta (denominados FIS.1 e FIS.2).

Para propiciar que as questões que direcionaram as discussões do grupo focal

fossem feitas de maneira mais aprofundada, o pesquisador criou uma narrativa, de

forma que cada papel tivesse características que mobilizassem o debate. Essas

narrativas “reproduziam” os casos com os quais os alunos estavam trabalhando no

estágio em saúde pública. Os participantes tinham, assim, que simular um processo

de atendimento, sendo livres para “complicarem” a situação, colocando obstáculos

que, de acordo com a experiência que já tinham (quer como estagiários, quer como

usuários de práticas de saúde), dificultam a atuação profissional e o diálogo

Page 104: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

103

profissional-cuidador-família. E era sobre tal simulação que os debates do grupo focal

se davam.

PRIMEIRO ENCONTRO DO GRUPO FOCAL (G.1/SG.1 – 14/AGO/2017).

Tabela 05. Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas do G.1/SG.1.

GRUPO

FOCAL

SUBGRUPOS SUJEITO DAS PRÁTICAS

(S)

CUIDADOR

(C)

1 SG.1 Mulher, 40 anos, desempregada,

acometida por um Acidente

Vascular Encefálico (AVE),

hipertensa, faz uso de meio

auxiliar para locomoção

Esposo, desempregado,

cuida da esposa e dos 3 filhos

menores. Não recebe auxilio

doença, reside em uma casa

alugada e utiliza o transporte

público urbano para chegar

até a clínica.

Fonte: O próprio autor (2017).

FIS.1. No desenvolvimento da simulação do primeiro subgrupo, o participante M.1 no

papel de fisioterapeuta, adotou uma abordagem voltada para as práticas

hospitalocêntricas e tecnicista em sua atuação. Ao elaborar questões para colher

dados da patologia e do sujeito, para seguir com o diagnóstico e posteriormente traçar

a conduta adequada, o participante concentrou seus esforços no cuidador,

desprezando a capacidade cognitiva, a compreensão e a subjetividade do sujeito das

práticas, que segundo o roteiro, estava preservada. E, mesmo que não estivesse,

como já visto aqui, anteriormente, o paciente deve ter a garantia de ser tratado com

transparência e de ser ouvido em tudo aquilo que se refere ao que será feito com ele.

Outro ponto importante nessa abordagem é que as características socioeconômicas

apresentadas no início do grupo focal, não foram questionadas pelo participante,

reafirmando o caráter não humanizado do atendimento, pois a preocupação do

profissional estava canalizada para a “solução” de problemas de ordem física e

fisiológica, escamoteando-se a compreensão do todo, e a influência do contexto, para

o processo de reabilitação. Ao interagir com o fisioterapeuta M.1 (FIS. 1), o

participante M.2 (C.1), não propositadamente, negligenciou categoricamente a fala e

a participação do sujeito das práticas, no caso F.3 (S.1) que se manteve calada e

suscetível às práticas daquele que se posicionou como fisioterapeuta.

Page 105: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

104

De acordo com Silva (2011), a relação entre profissionais e sujeitos, para

construir-se em possibilidades de práticas no eixo da saúde, requer o diálogo. E ainda,

[...] a humanização depende da capacidade de falar e de ouvir. As coisas do mundo só se tornam humanas quando ocorre o diálogo, tornando viáveis as relações e interações humanas, não somente pela técnica de comunicação verbal, mas através do conhecimento que se constrói sobre o outro.

Após a simulação, no debate do grupo focal, discutiu-se a atuação do

participante M.1, suas crenças na existência de práticas humanizadas em saúde, sua

concepção de fisioterapia, dentre outras. No desenvolver do seu raciocínio, o

participante declara: “Eu acredito que tenha humanização na saúde sim, não podemos

generalizar, há profissionais e profissionais”, e ainda acrescenta, “a relação com o

paciente é uma questão de empatia”. O que se pode considerar é a existência de uma

consciência da necessidade de se humanizar, entretanto, no processo de formação,

parecem faltar recursos capazes de desenvolver no aluno um comportamento mais

humanizado. O discurso é coerente com a necessidade de se estabelecer relações

mais horizontalizadas, porém, o que se observa no desenrolar da simulação, é um

comportamento oposto.

PRIMEIRO ENCONTRO DO GRUPO FOCAL (G.1/SG.2 – 14/AGO/2017).

Tabela 06. Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas do G.1/SG.2.

GRUPO

FOCAL

SUBGRUPOS SUJEITO DAS PRÁTICAS

(S)

CUIDADOR

(C)

1 SG.2 Mulher, 20 anos, profissional de

telemarketing, sofreu uma queda

de motocicleta e fraturou o fêmur,

faz uso de meio auxiliar para

locomoção e seu principal meio

para deslocamento até a clínica é

o transporte público urbano.

Irmã, vendedora, conseguiu

dispensa do trabalho para

acompanhar sua irmã nos

atendimentos, residem juntas

em um bairro periférico da

cidade.

Fonte: O próprio autor (2017).

Page 106: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

105

FIS.2. Ao recepcionar a “paciente”, M.4 se identificou como fisioterapeuta, pediu para

que ela se direcionasse até um tablado existente no local onde estava sendo realizado

o grupo focal, e que se colocasse na posição sentada. Ao iniciar os procedimentos

iniciais, como a aferição da pressão arterial e posterior aplicação da conduta

fisioterapêutica, a “irmã” mencionou que a “paciente” não colaborava com o

tratamento, pois, segundo ela, os exercícios prescritos pelo “fisioterapeuta” não eram

executados em casa. O "fisioterapeuta”, tomando conhecimento dessa fala, se

direcionou à “paciente” de forma incisiva, dando-lhe uma “bronca”, e dizendo que se

não cooperasse de nada adiantaria fazer fisioterapia.

O pesquisador observou que não houve uma tentativa de diálogo do

“fisioterapeuta” com a “paciente”, nem tampouco a tentativa de compreender o porquê

dos exercícios não estarem sendo executados. Dessa forma, pode-se evidenciar,

também no participante M.4, a anulação da subjetividade do sujeito-paciente,

deixando transparecer, ainda uma vez, o caráter flexneriano da atuação

fisioterapêutica. A forma com que o participante estabeleceu sua comunicação com o

sujeito das práticas evidencia um comportamento dominador, comumente encontrado

nos profissionais do campo da saúde. E destacamos que essa tentativa do profissional

da saúde de intimidar o paciente por “broncas” ou outros atos de violência simbólica,

como ignorá-lo ou olhar ameaçadoramente, é, via de regra, assumida quando o

paciente não se mostra “colaborador” do profissional. Nas palavras de Baptista:

Alguns autores discutem que, por serem detentores de conhecimento específico, os profissionais de saúde desenvolveram uma concepção estereotipada na qual o paciente é um ser desprovido de conhecimento. Por essa razão, o considera incapaz de compreender o que acontece em seu corpo, relegando-o à categoria de objeto submisso aos cuidados profissionais e reafirmando paciente como objeto, com risco de construir a heteronomia como "iatrogênese social" caracterizada pela disseminação do papel de doente como comportamento apassivado e dependente da autoridade (BAPTISTA et al., 2017).

Ao finalizar a simulação, adentrando a discussão do grupo focal, debateu-se

acerca do papel dominador do profissional da saúde, que muitas vezes adota esse

perfil na tentativa de ser obedecido, para que os objetivos propostos possam ser

alcançados. Na fala do participante M.4: “Se o paciente fizer o que eu digo, há uma

grande possibilidade dele melhorar, estudamos para isso!” e ainda, “Eu faço minhas

orientações para o paciente desenvolver em casa, e muitas vezes o acompanhante

Page 107: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

106

relata que ele não quer fazer, isso não ajuda”. A fala deixa clara a construção do

comportamento empoderado do fisioterapeuta, construído no percurso formativo, e

que impactará diretamente em uma relação pouco humanizada, com baixa qualidade

comunicativa, com o sujeito das práticas de reabilitação ou de prevenção. A

participante F.6, no percurso das discussões, deixa claro seu desconforto diante da

situação em que lhe foi chamada a atenção, e acrescenta a seguinte fala “Eu tenho

que escutar, nesta situação, eu que estou errada” e finaliza “Mas é assim em todos os

lugares, a saúde no Brasil é assim”. Observamos que ao aluno parece restar poucas

opções, que não aquela de ser incisivo e, por vezes, mesmo violento, quando o

paciente se recusa a seguir as prescrições. Isso porque essas situações, embora

recorrentes na realidade que ele enfrentará, não são discutidas ao longo do processo

formativo. Como escutar o paciente, buscar compreender as razões da não adesão

às prescrições, nada disso é geralmente abordado. Uma das razões é que isso leva

tempo, mas, também, parece já haver um enquadramento do futuro profissional em

um modelo de saúde mercantilista, no qual também não “haveria tempo” para o

diálogo, para a relação humanizada.

SEGUNDO ENCONTRO DO GRUPO FOCAL (G.2/SG.1 – 21/AGO/2017).

O segundo encontro do grupo focal (G.2) foi realizado no dia 21 de agosto de

2017 às 14h (Tabelas 7 e 8). Neste segundo encontro estavam presentes 5

participantes de ambos os sexos, que já haviam sido observados na fase anterior

(Observação participante). Ao chegarem no laboratório, o pesquisador solicitou que

se organizassem em subgrupos, um com três participantes e outro com dois

participantes (SG.1 e SG.2). No SG.1 foi solicitado que elegessem um participante no

papel do sujeito das práticas (S.1), outro no papel de cuidador (C) e por último um no

papel de fisioterapeuta (FIS.1). No SG.2, um seria o sujeito das práticas (S.2) e o outro

o fisioterapeuta (FIS.2).

Page 108: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

107

Tabela 07. Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas do G.2/SG.1.

GRUPO

FOCAL

SUBGRUPOS SUJEITO DAS PRÁTICAS

(S)

CUIDADOR

(C)

2 SG.1 Mulher, 81 anos, aposentada,

senil, apresenta postura antálgica,

diminuição do equilíbrio e

dificuldade para locomoção,

ainda, apresenta redução da

capacidade auditiva e faz uso de

meio auxiliar para locomoção.

Cuidadora, autônoma, não

possui vínculos familiares e

está desempenhando sua

função há 3 semanas.

Fonte: O próprio autor (2017).

FIS.1. A participante F.8, em sua abordagem no papel de fisioterapeuta, se identificou

ao sujeito das práticas e logo foi advertida pela cuidadora para que utilizasse um tom

de voz mais alto, visto que a “paciente” não possuía boa capacidade auditiva.

Seguindo tais recomendações, a “fisioterapeuta” iniciou sua anamnese e o que se

observou foi uma tentativa de estabelecer uma relação de proximidade com a idosa,

utilizando-se de frases com palavras no diminutivo como “A senhora está boazinha?”

ou “Tomou o cafezinho da manhã?”. Após a cuidadora mencionar a dificuldade da

idosa em se alimentar, a fisioterapeuta infantilizou o diálogo da seguinte forma “Tem

que papar tudinho viu, pra ficar fortinha”. Nota-se uma tentativa de estabelecer uma

boa relação, mesmo afetiva, com o sujeito das práticas, na perspectiva de favorecer

a empatia e a adesão ao tratamento. Outro ponto importante a ser discutido foi a

intensidade e frequência com que os toques entre a “profissional” e a “paciente”

aconteceram. No campo da fisioterapia, o contato físico é inerente às práticas, e, no

caso do atendimento à pessoa com idade mais avançada, pela própria natureza das

limitações, tal contato acaba sendo mais recorrente. Para Subtil,

[...] à medida que os pacientes se envolvem no tratamento fisioterapêutico, relações interpessoais marcadas pela afetividade se desenvolvem e podem afetar o curso e a qualidade do tratamento em questão. Nesse panorama, o desenvolvimento do relacionamento entre fisioterapeuta e paciente

Page 109: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

108

apresenta-se como algo natural e muito provável de acontecer entre essas partes, visto que o tratamento em questão apresenta fatores favoráveis ao surgimento de um relacionamento interpessoal, tais como: longo período de convivência, estímulos táteis prolongados e comunicação verbal em boa parte do atendimento fisioterapêutico (SUBTIL, 2011).

Ao finalizar suas condutas, a “fisioterapeuta” certificou-se verbalmente de que

a “cuidadora” tinha entendido suas recomendações. Entretanto, não utilizou-se de

recursos para registrar tais orientações, como anotações e demonstrações práticas.

No debate do grupo focal discutiu-se sobre as formas com que os profissionais da

saúde realizam suas orientações, em geral, sucintas e pouco didáticas. E, na fala de

F8: “Eu acho que o paciente entende minhas orientações, ele diz que faz os exercícios

que eu peço pra fazer durante a semana”, e ainda “Faço minhas recomendações e o

paciente cumpre, pois ele sabe da importância disso para sua recuperação”. Pode-se

notar certa resistência na compreensão da relevância de uma comunicação cuidadosa

profissional-paciente como balizadora para as boas práticas na saúde, sejam elas

intervencionistas, preventivas ou educativas. E a crença de que o conhecimento

científico, prerrogativa do profissional da saúde, por ser “verdadeiro”, é (deve ser)

aceito pelos pacientes e seus cuidadores de forma absoluta, isso é, sem admitir

senões.

SEGUNDO ENCONTRO DO GRUPO FOCAL (G.2/SG.2 – 21/AGO/2017).

Tabela 08. Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas do G.2/SG.2.

GRUPO

FOCAL

SUBGRUPOS SUJEITO DAS PRÁTICAS

(S)

CUIDADOR

(C)

2 SG.2 Homem, 25 anos, motoboy,

atualmente está afastado de suas

funções, reside com os pais em

uma apartamento no centro da

cidade. Sofreu queda da própria

altura e fraturou tornozelo, faz uso

de meio auxiliar para locomoção.

Não tem.

Fonte: O próprio autor (2017).

Page 110: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

109

FIS.2. Ao identificar-se como “fisioterapeuta”, a participante F.16 iniciou sua

investigação (anamnese) ainda em pé e ao questionar o sujeito sobre o ocorrido a sua

fala foi acompanhada de afirmações como “Caiu de moto, né?” e “Foi jogando bola?”.

Ao negar tais afirmações, o “paciente” segue dizendo “Escorreguei no tapete e cai,

fraturando o tornozelo”. O que se observou nessa tentativa de “adivinhação” por parte

da "fisioterapeuta”, foi a falha na escuta do sujeito, pois antes mesmo deste apresentar

a justificativa para o ocorrido, a “profissional” fez suposições – que podem até ser

entendidas como preconceituosas, pois “andar de moto” e “jogar futebol” podem

assumir, no senso comum, o sentido de atividades que, se forem feitas sem cuidado,

resultam em acidentes. Reiterando a ideia, que parece bastante vigente entre os

profissionais da saúde, de que o paciente é responsável pela sua própria dor, e que o

tratamento, nesse sentido, é “expiação”. As “adivinhações” podem inibir os pacientes,

fazendo com que não expressem com qualidade dialógica, o que de fato ocorreu.

O pesquisador identificou várias lacunas comunicacionais durante a aplicação

das condutas fisioterapêuticas, pois, na tentativa de demonstrar domínio sobre a

proposta de tratamento, a “fisioterapeuta” tentou explicar o passo a passo daquilo que

estava executando. A proposta de fazer com que o paciente participe do processo de

reabilitação é plausível e, sem dúvida, um passo desejável para a comunicação eficaz.

Mas o que aconteceu, de fato, foi um emaranhado de explicações técnicas e

científicas sobre o protocolo fisioterapêutico a ser seguido para uma fratura no

tornozelo. E, ainda, de acordo com a visão do pesquisador, no momento das

explicações, não se observou na “fisioterapeuta” a tentativa de se fazer entender pelo

paciente. Conforme descreve Souza (2012) sobre a instituição da relação entre

profissional e sujeito das práticas,

[...] é fundamental que a comunicação estabelecida entre os profissionais de saúde e o paciente e sua família seja uma relação de ajuda efetiva, dentro de um ambiente que haja confiança mútua, onde o paciente e sua família possam revelar seus medos e anseios. É necessário que os profissionais de saúde sejam sinceros e se façam entender, fornecendo informações concretas, claras e reais, para que a relação que está sendo construída seja de total confiança.

Na discussão após a simulação, debateu-se a comunicação do profissional com

o sujeito das práticas e, de acordo com a fala de F.16: “Em muitos casos, o paciente

nos vê em situação superior à deles e acaba se inibindo e travando”, e ainda, “Nós

Page 111: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

110

sabemos o que é bom para a reabilitação do paciente, pra ele melhorar, pra voltar a

fazer as atividades diárias, pra trabalhar”. Já o participante M.14 (S.2) não sentiu-se

incomodado com as asserções do fisioterapeuta, e não percebeu a tentativa de

cercear suas falas ao reportar o fato ocorrido. Pode-se perceber a carência de uma

formação focada nas questões de horizontalidade dos processos comunicativos, para

configurar uma adequada relação com o sujeito das práticas, com as condicionantes

da patologia, e também, com o percurso do tratamento.

TERCEIRO ENCONTRO DO GRUPO FOCAL (G.3/SG.1 – 28/AGO/2017).

O terceiro encontro do grupo focal (G.3) foi realizado no dia 28 de agosto de

2017 às 14h (Tabelas 9 e 10). Neste terceiro encontro estavam presentes 5

participantes de ambos os sexos, que já haviam sido observados na fase anterior

(Observação participante). Ao chegarem no laboratório, o pesquisador solicitou que

se organizassem em subgrupos, um com três participantes e outro com dois

participantes (SG.1 e SG.2). No SG.1 foi solicitado que elegessem um participante no

papel do sujeito das práticas (S.1), outro no papel de cuidador (C) e por último um no

papel de fisioterapeuta (FIS.1), no SG.2, um seria o sujeito das práticas (S.2) e o outro

o fisioterapeuta (FIS.2). Após, o pesquisador entregou para cada subgrupo um roteiro

para que simulassem uma situação de atendimento, cada um no papel anteriormente

estabelecido.

Tabela 09. Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas do G.3/SG.1.

GRUPO

FOCAL

SUBGRUPOS SUJEITO DAS PRÁTICAS

(S)

CUIDADOR

(C)

3 SG.1 Homem, 28 anos, metalúrgico,

afastado do trabalho, sofreu uma

fratura no joelho esquerdo em

decorrência de um acidente de

trabalho, faz uso de meio auxiliar

para locomoção (Cadeira de rodas

emprestada).

Esposa, 27 anos, assumiu a

maternidade aos 15 anos,

está tentando recolocação no

mercado de trabalho, não

completou o ensino

fundamental I, produz

bombons para complementar

a renda familiar.

Fonte: O próprio autor (2017).

Page 112: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

111

FIS.1. Ao recepcionar o “paciente”, M.11, no papel de “fisioterapeuta” deu início ao

procedimento de avaliação e anamnese. Ao se deparar com a necessidade de

transferir o sujeito da cadeira para a maca, o “fisioterapeuta” imediatamente começou

a manipular a cadeira de rodas, sem o consentimento do “paciente”, sendo que esse

expressou seu desconforto com essa atitude. A cadeira de rodas é uma extensão do

corpo do sujeito, não devendo o profissional apropriar-se dessa sem a permissão da

pessoa com deficiência. Conforme cita Prestes (2011) “a cadeira de rodas é

verdadeiramente uma extensão do corpo do usuário; portanto ela deve satisfazer as

expectativas e preferências de acordo com as necessidades físicas e funcionais de

seus usuários”. Após a transferência da cadeira para a maca, o “fisioterapeuta” deu

sequência às investigações da anamnese, direcionando seus questionamentos aos

aspectos clínicos da lesão. Mesmo tendo recebido o briefing do caso, no qual estavam

expostas as características socioeconômicas do “paciente” e sua família, não se

observou a intenção do “profissional” em aprofundar a investigação para colher outras

informações nesse sentido, ainda que tais informações sejam importantes subsídios

para o entendimento da pessoa no contexto do processo de recuperação/reabilitação.

Ao finalizar sua conduta de tratamento, o “fisioterapeuta” ofereceu importantes

orientações para que o sujeito desenvolvesse uma série de exercícios em sua

residência. O pesquisador observou que o “profissional” dispunha de recursos para o

registro por escrito das atividades orientadas, mas que não fez uso desses. Ainda, os

participantes que adotaram os papeis de sujeitos das práticas e cuidador não

estabeleceram qualquer vínculo durante a sessão, não houve articulação de falas

entre fisioterapeuta/sujeito das práticas e fisioterapeuta/cuidador.

Na discussão do grupo focal debateu-se se os aspectos sociais são

significativos para as tomadas de decisão, em fisioterapia. Em sua fala, M.11 afirmou

que “Tenho uma boa compreensão da situação em que o paciente se encontra, isso

ajuda quando preciso traçar meus objetivos de tratamento” e ainda, “Muitas vezes o

fisioterapeuta não analisa o paciente individualmente, temos receitas prontas, não

levamos em consideração sua particularidade”. Fica evidenciado, à semelhança de

outras falas, a dicotomia entre os discursos e a prática dos estudantes. Isto é, parece

haver o conhecimento de qual seria o comportamento profissional ideal na relação

Page 113: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

112

com profissional-paciente, mas esse conhecimento não chega a materializar-se em

práticas de humanização, ou de uma relação comunicativa mais horizontalizada.

TERCEIRO ENCONTRO DO GRUPO FOCAL (G.3/SG.2 – 28/AGO/2017).

Tabela 10. Características patológicas e socioeconômicas do sujeito das práticas do G.3/SG.2.

GRUPO

FOCAL

SUBGRUPOS SUJEITO DAS PRÁTICAS

(S)

CUIDADOR

(C)

3 SG.2 Homem, 24 anos, auxiliar de

limpeza, apresenta um quadro de

hérnia discal e refere dores

intensas. Reside em um bairro

periférico da cidade, considerado

de vulnerabilidade econômica e

suas atividades profissionais

exigem intenso esforço físico.

Não tem.

Fonte: O próprio autor (2017).

FIS.2. Durante a anamnese, a participante F.13, no papel de “fisioterapeuta” solicitou

que o “paciente” contasse sua história, e mostrou-se atenta às informações

oferecidas. Em todo o processo de avaliação, o pesquisador observou a preocupação

da “fisioterapeuta” em colher dados sobre a rotina de vida diária do “paciente”,

estabelecendo uma relação comunicativa de troca de informações, inclusive com

várias recomendações posturais para a execução das suas atividades laborais.

Recolher dados acerca do ambiente em que o sujeito está inserido é um fator

determinante no processo de reabilitação, e poderá contribuir significativamente para

a o resultado do tratamento. Ao finalizar sua conduta, F.13 procurou demonstrar na

prática suas orientações, pedindo que o “paciente” as realizasse logo em seguida,

verificando a compreensão das orientações feitas. O participante M.12 (S.2) buscou

compreender as falas do fisioterapeuta e agradeceu as informações oferecidas, se

Page 114: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

113

dizendo favorável às mudanças em sua rotina, e acrescentou a seguinte fala “Eu

preciso melhorar, senão, não posso trabalhar”. Utilizar-se de mecanismos para

certificar-se que houve entendimento por parte do sujeito é uma forma de humanizar

a comunicação em saúde, é um princípio para romper com modelos de atuação

mecanizados, resultantes tanto da alta demanda de atendimentos como pelo

pensamento biomédico, que caracteriza a prática em saúde no Brasil. Inclusive,

podendo ser responsável, dentre outros fatores, pela própria alta demanda de

atendimentos, pois o foco não está na prevenção, na atenção primária em saúde, ou

mesmo na educação na/para a saúde, que oferecem pouco retorno monetário às

empresas que lucram com a venda de serviços médicos, diagnósticos, tratamentos,

etc.

Giddens (2004) discute a ótica das especializações, que marca tanto as

profissões da saúde, seus métodos tecnicistas de atendimento, formado na base do

modelo biomédico de atuação, fazendo com que o corpo humano seja visto como uma

máquina composta por peças, que ao entrarem em colapso devem ser ajustadas.

Ainda, no qual o paciente é visto como um sujeito passivo, e que se apresenta em um

“corpo doente”, que deve ser tratado separadamente dos aspectos sociais, ambientais

e mentais (afetivos e cognitivos).

Ao terminar a simulação, na discussão do grupo focal, debateu-se a abordagem

mais horizontalizada de atuação/comunicação e sobre estratégias para executar

orientações mais pontuais e assertivas. Na fala de F.13: “Não me acho melhor que

meu paciente, somos pessoas diferentes” e ainda “Eu gosto de ver aquilo que aprendi

sendo colocado em prática pra melhorar a vida de alguém, meu objetivo é que o

paciente se reabilite em um espaço curto de tempo”.

Ao buscar uma relação comunicativa de melhor qualidade com o “paciente”,

pautada na compreensão mais equânime entre a figura do profissional e do doente,

F.13 reflete aquilo que é colocado por Oliveira (2002, p. 67), acerca da relação

profissional-paciente: “Os pacientes e os agentes de cura são componentes básicos

do sistema, estando imersos num contexto de significados culturais e de relações, não

podendo ser entendidos fora dele”. Ou seja, os padrões de comportamento dos

sujeitos que vivenciam um processo de saúde-doença emergem dos padrões culturais

existentes numa comunidade, mediados simbolicamente. O agir terapêutico, incluindo

a comunicação e a relação interpessoal, depende das interpretações que profissional

Page 115: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

114

e paciente fazem desse simbolismo, envolvendo marcadores como tipo de

conhecimentos, classe social, gênero, raça, nível de escolaridade, etc. Descortinar

esse horizonte para os alunos (e mesmo para os professores) é essencial se

pretendemos formar profissionais capazes de efetivar práticas comunicativas mais

humanizadas em saúde. Mas também na educação. Como é o caso das metodologias

ativas, são recursos inovadores que reconhece e permite a atuação docente em um

cenário de estratégias que viabilizem o alcance dos discentes, utilizando-se de meios

que desenvolvam as habilidades de análise, avaliação, comparação, tornando-o

crítico-reflexivo e corresponsável por sua formação

3.4. DA TRIANGULAÇÃO DOS DADOS

Na parte que se segue serão tratados os pontos que interligam as discussões

acerca da relação estabelecida entre o profissional da saúde, no caso o fisioterapeuta,

e o sujeito das práticas, a humanização nos serviços de saúde e a comunicação como

parte integrante do processo de humanização. Para a fundamentação dessa

triangulação serão utilizados os documentos que direcionam a formação do

profissional da fisioterapia, os documentos reguladores da profissão, a observação

participante e os dados colhidos nos grupos focais. As categorias elegidas para essa

análise foram a relação, a humanização e a comunicação entre fisioterapeuta e sujeito

das práticas.

3.4.1. A RELAÇÃO ENTRE O PROFISSIONAL E OS SUJEITOS DAS PRÁTICAS

A fisioterapia, historicamente marcada pela atuação biomédica, ainda hoje

utiliza-se desse modelo para constituir o processo de formação dos futuros

profissionais, com práticas voltadas para a reabilitação calcadas numa concepção do

corpo enquanto “ser doente” e, seguindo a tradição hospitalocêntrica na forma de

intervir nesse corpo. Mesmo com o advento do SUS, e a possibilidade de ampliação

dos segmentos de atuação, a fisioterapia se manteve com marcas intervencionistas

clínicas. Ainda que com o apelo à importância da prevenção e da atenção primária,

atualmente reconhecidas como os caminhos mais efetivos para uma justiça social na

saúde e à contribuição que poderia ser dada para a saúde pública com uma

Page 116: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

115

perspectiva de uma fisioterapia coletiva, no sentido de comunitária, os passos nessa

direção ainda são tímidos nas práticas e no pensamento fisioterapêutico. Continua a

ignorar-se a necessidade de aprimorar os aspectos relacionais e humanísticos

incutidos no arcabouço de atividades do fisioterapeuta, com pouco destaque sendo

dado, tanto na formação inicial como naquela continuada, para esses temas

(BERTONCELLO; PIVETTA, 2015). No entender de Silva, isso está na contramão do

que a reforma sanitária propôs:

A criação do Sistema Único de Saúde - SUS, a partir dos movimentos de Reforma Sanitária, recoloca os limites da formação tradicional e reforça a necessidade de um modelo formativo que priorize uma formação generalista, humanista e crítico-reflexiva, pois o novo modelo de saúde demanda um profissional que atente não apenas para as dimensões técnicas do trabalho, mas também para as dimensões políticas e éticas implicadas na práxis (SILVA, 2015).

Durante a pesquisa documental, e ao observar o Projeto Político Pedagógico

(PPP) do curso de fisioterapia da instituição na qual foi desenvolvida a pesquisa, pode-

se notar que as habilidades relacionais não estão no horizonte das ações formativas,

e não fica patente a importância, nem as formas didático-pedagógicas, de promover

uma formação com olhares humanistas para a subjetividade dos sujeitos das práticas.

Contrariamente, privilegia-se ainda como o lado mais forte de atuação do

fisioterapeuta o cenário reabilitador.

Os objetivos do curso de Fisioterapia, de acordo com os documentos legais,

foram concebidos para serem implementados em uma modalidade sistêmica e global,

buscando a coerência entre o perfil do profissional e o contexto educacional. De

acordo com a Resolução CNE/CES 4/2002, o curso deverá formar profissionais

fisioterapeutas imbuídos de práticas preventivas e promotoras da manutenção da

qualidade de vida do ser humano, na reabilitação cinético funcional, e para isso o

profissional deverá deter os conhecimentos próprios da motricidade humana e intervir

nas incapacidades funcionais com métodos e técnicas específicas da fisioterapia, bem

como na sua prevenção (BRASIL, 2002). O fisioterapeuta deverá elaborar o

diagnóstico cinético-funcional, identificando as limitações e disfunções do corpo

humano, e nesse sentido, deverá considerar os aspecto clínicos, científicos, éticos e

sociais da doença. Sua atuação deverá ser direcionada para a prevenção do agravo,

através da educação e promoção da saúde, e para isso deverá assegurar a

Page 117: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

116

integralidade da pessoa, individual e coletiva. Isso converge para a perspectiva da

argumentação aqui defendida, de que a formação inicial do fisioterapeuta deveria

caracterizar-se também pelos princípios de uma educação sociocomunitária, no

sentido de que esse profissional, como um agente da saúde, pode contribuir

importantemente para com que as pessoas se organizem em prol da qualificação dos

serviços de saúde, agindo mais proativamente em sua comunidade, organizando-se

politicamente, etc. De acordo com Gomes (2008)

[...] a proposta da investigação em Educação sociocomunitária surgiu do estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação salesiana. Em suas origens históricas, ela se fundava na articulação de uma comunidade civil - de religiosos e cidadãos comuns - em torno de um projeto educacional, que participou e promoveu transformações sociais em seu tempo e lugar histórico.

Ao analisar a matriz curricular do primeiro semestre do curso de fisioterapia

(Quadro 09) da instituição em que a pesquisa foi realizada, pode-se perceber que não

há qualquer intenção de promover discussões acerca das relações dos futuros

profissionais e dos sujeitos das práticas, principalmente se for levado em

consideração a capacidade do fisioterapeuta de viabilizar nos sujeitos a autonomia

para organizar-se socialmente.

Quadro 09. Matriz curricular do primeiro semestre do curso de fisioterapia.

Fonte: Projeto Político do Curso da instituição na qual foi feita a pesquisa (2016).

No primeiro semestre a disciplina que poderia contemplar uma abordagem mais

profunda dos aspectos relacionais entre o profissional e os sujeitos seria aquela

Page 118: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

117

intitulada “Homem, Cultura e Sociedade”. Na ementa, a proposta de abordagem está

centrada na formação do pensamento ocidental, na discussão acerca do homem

enquanto sujeito pertencente ao contexto social, produto e produtor de cultura, e

ainda, as relações étnico-raciais e a luta antirracista dos movimentos negros no Brasil.

No segundo semestre do curso de fisioterapia (Quadro 8), pode-se notar a

intenção de promover as questões éticas, políticas e sociais em uma disciplina

também interativa denominada “Ética, Política e Sociedade”.

Quadro 10. Matriz curricular do segundo semestre do curso de fisioterapia.

Fonte: Projeto Político do Curso da instituição na qual foi feita a pesquisa (2016).

Nessa disciplina abordam-se as questões da formação moral e política

praticada no ocidente, e ainda tenta-se contextualizar a construção de uma sociedade

coletiva e globalizada. É significativo observar que a preponderância do tema está na

teorização das discussões sociais, não existindo direcionamentos práticos para os

aspectos inter-relacionais, seja ele profissional-sujeito, sujeito-sujeito e profissional-

profissional. Isso parece ficar a cargo dos professores responsáveis pelas disciplinas,

quer presenciais, quer a distância. Contudo, a proposta didática, em qualquer das

modalidades, não contempla a discussão das temáticas para além da generalização.

Ademais, nas matrizes dos semestres posteriores, não existe registro de disciplinas

com enfoque social, somente conteúdos relacionados às intervenções clínicas nas

diversas especialidades que caracterizam a profissão. E, nessas, também as

questões de organização social, ou de humanização, ficam subjacentes, à mercê do

professor encarregado de lecioná-las. Mas não há um planejamento do grupo de

Page 119: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

118

docentes, ou mesmo institucional para que essas questões sejam efetivamente

abordadas. Nem, fica claro, perspectivas didáticas que permitissem contemplá-las.

Rosa (2012, p. 61), em estudo sobre as representações de docentes e

discentes de um curso de fisioterapia, apoiando-se no pensamento de Rocha e

colaboradores (2007), expõe que

existe uma desarticulação dos docentes, com vínculos frágeis aos cursos, o predomínio da medicalização de problemas de ordem social, a abordagem clínica compartimentalizada e a doença prevalecendo sobre uma abordagem sistêmica, sendo que a academia tem mantido seus currículos com característica de séculos passados, ou seja, centrado no ensino de patologias. (...) não se pode restringir a formação dos profissionais ao modelo hegemônico médico-centrado, pois isso resultaria em uma distância cada vez maior dos profissionais das necessidades de saúde das pessoas e da sociedade na qual elas se encontram inseridas.

O que tem perpetuado o currículo da fisioterapia no estudo das sequelas das

lesões/patologias, sendo que pelos achados da autora acima referida a representação

dos profissionais e futuros profissionais da área é que, de fato, a função primordial do

fisioterapeuta é a reabilitação, escanteando-se a aproximação com a realidade social

da população mais economicamente vulnerável, com a organização comunitária das

pessoas para o envolvimento com as políticas de saúde, com a prevenção, com a

preocupação e a crítica quanto aos fatores que estão subjacentes ao adoecimento da

população, ou com a humanização da saúde, etc. Achados que foram corroborados

pelo estudo aqui relatado.

Durante a observação participante, o pesquisador pode verificar que as

questões relacionais não estão no eixo norteador das práticas desenvolvidas pelos

alunos. Estão distantes do raciocínio clínico, embora apareçam nos discursos dos

alunos. As colocações dos estudantes são expressas nos moldes estabelecidos na

matriz curricular do curso de fisioterapia. As condutas adotadas pelos estagiários são

normativamente técnicas, tendendo a mecanizadas, havendo pouca margem para a

exploração da subjetividade dos sujeitos das práticas. Que dirá para o

empoderamento desses.

De acordo com Bispo Junior (2009, p. 1630), no campo da fisioterapia ainda

predomina o modelo flexneriano-biologicista-privatista de atuação e, nesse aspecto,

privilegia-se o tecnicismo e se fragmentam as especialidades em face do corpo

doente. O autor ainda chama a atenção para o fato de que,

Page 120: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

119

[...] o fisioterapeuta, além de estar inserido no mesmo contexto dos demais profissionais da saúde com formação direcionada para a doença, padece desse infortúnio de forma mais acentuada, já que é visto como ‘o profissional da reabilitação’, ou seja, aquele que atua exclusivamente quando a doença, lesão ou disfunção já foi estabelecida.

Sendo assim, reafirmando o tecnicismo e mecanicismo no modo de operar a

fisioterapia, como os demonstrados durante a observação participante, o pesquisador

salienta que tais práticas são inerentes ao ambiente em que a formação ocorre, e para

modificá-las, propondo concepções mais humanistas, nas quais se privilegie também

os aspectos comunicativos, para além daqueles técnicos, é necessário intervir nos

componentes curriculares do curso. Além da preparação dos docentes.

No grupo focal foi possível identificar disparidades semelhantes entre discursos

e práticas acerca da atuação dos participantes. Os documentos que regulam a

profissão, embora atenuem a ênfase no modelo biomédico e a perspectiva

mercantilista de saúde, revelam direcionamentos no sentido de uma formação

engessada e tecnicamente rigorosa nos preceitos biomédicos, e pouca ênfase nos

princípios da humanização, da saúde pública, nas habilidades de comunicação e da

relevância da horizontalidade da relação profissional-paciente, do empoderamento

desse, inclusive do ponto de vista da organização social, para envolverem-se no

pensar a saúde nas comunidades, participando dos conselhos de saúde, por exemplo.

Destaca-se a falta de preparo dos futuros profissionais na prescrição das

atividades de vida diária ou na forma de realização dos “exercícios” fisioterapêuticos,

que com raras exceções não partiam de nenhum pressuposto didático, nem usavam

de bom senso, como registrando-os ou verificando o nível de compreensão dos

sujeitos e seus cuidadores. Espera-se mesmo que os pacientes cumpram as

instruções? E essa questão não se refere apenas aos estudantes, que ainda têm a

seu favor a inexperiência, mas aos próprios profissionais, professores, que não

preparam os alunos para essa importante parte do tratamento/prevenção,

provavelmente porque também não o fazem.

Na observação participante, assim como no grupo focal, os alunos revelaram a

apropriação das habilidades estabelecidas nos documentos reguladores, apesar dos

discursos serem coroados por pensamentos que, se revelavam pontos em

consonância com uma prática mais humanizada, mostravam claramente uma atuação

robotizada e com reduzidas iniciativas de humanização ou preocupação com as

Page 121: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

120

subjetividades do sujeito das práticas/cuidadores. O grupo focal revelou, durante as

discussões, que apesar dos participantes notarem a necessidade de se refazer o

modelo de atuação, no que tange às questões relacionais, acreditavam que pouco se

poderia fazer, seja por falta de recursos estratégicos ou mesmo por falta de interesse,

da instituição, dos profissionais ou dos próprios alunos, pois predomina o interesse

pelo modelo clínico capitalista de atuação.

3.4.2. A VERTICALIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

A ausência de horizontalidade no tratamento entre os sujeitos envolvidos no

processo saúde-doença, a relação de poder, caracterizada pelo domínio do

profissional sobre o paciente, própria ao modelo biomédico e os desajustes entre

formação profissional, políticas públicas, falta de estrutura no sistema público de

saúde, e deficiência no desenvolvimento de habilidades comunicacionais, se

apresentaram, no estudo feito, como pontos nevrálgicos na efetivação de uma saúde

mais humanizada.

De acordo com a análise documental, ao buscarem-se os aspectos formativos

da comunicação entre profissionais da fisioterapia e os sujeitos das práticas, pode-se

notar que existe uma ineficiência no desenvolvimento de tais habilidades, quando se

trata das matrizes curriculares e disciplinares do curso de fisioterapia. Observe-se, no

quarto e quinto semestre (Quadro 9) do curso estudado, algumas disciplinas que

poderiam desenvolver as habilidades comunicacionais, sendo elas “Formação Integral

em Saúde”, que discorre sobre as bases da saúde coletiva, suas bases legais,

planejamento e modelos assistenciais de saúde, conforme diretrizes do SUS, e a

“Psicologia Aplicada à Saúde”, que aborda a construção do desenvolvimento humano,

no campo da psicologia social e saúde.

Contudo, em que pese a existência dessas disciplinas na grade curricular, tanto

a observação participante como os grupos focais evidenciaram a falta de preparo

comunicacional dos alunos, na prática profissional. Em nosso entender, isso se deve

ao pouco valor que os próprios profissionais docentes da área da saúde atribuem ao

processo de comunicação, à horizontalidade da relação profissional-paciente e à

própria questão da humanização da saúde.

Page 122: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

121

Quadro 11. Matriz curricular do quarto e quinto semestre do curso de fisioterapia.

Fonte: Projeto Político do Curso da instituição na qual foi feita a pesquisa (2016).

Acompanhando o pensamento de Oliveira (2002, p. 70), o que se afigura é que

os docentes levam para a sala de aula a concepção de que o atendimento em saúde

é organizado pelos técnicos para ser simplesmente “usufruído” pelos pacientes, que assumiriam uma posição um tanto quanto passiva diante do que lhes é ofertado (...) os serviços de saúde são “equipecêntricos”, um tipo particular de etnocentrismo, em que a equipe de saúde passa a julgar seus usuários a partir da visão dos seus membros, estabelecendo unilateralmente o que é certo ou errado, adequado ou inadequado, em relação ao cuidado com a saúde.

Isso apesar do próprio SUS representar um avanço na questão da

comunicação e humanização em saúde, defendendo a orientação adequada do

profissional ao sujeito das práticas como essencial na promoção da saúde. Segundo

Moraes (2013),

A comunicação em saúde deve ser entendida de forma integralizada, considerando o sujeito na sua totalidade, suas dificuldades, seus anseios, e não meramente como o repasse de informações rebuscadas com o uso de termos técnico. Os sujeitos precisam ser os protagonistas, capazes de compreender a dinâmica do sistema de saúde, e que o mesmo possa usufruir

Page 123: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

122

destas informações de forma a viabilizar o acesso e a efetivação dos seus direitos.

No ano de 2011 foi realizado o XIV Conselho Nacional de Saúde e um dos

pontos centrais desse conselho foi a discussão sobre a necessidade do debate acerca

da informação e comunicação em saúde. Na ocasião, foi apontada a comunicação

como importante ferramenta para qualificar e divulgar informações sobre os tipos de

atendimentos oferecidos pelo sistema de saúde, bem como melhorar a relação do

sujeito das práticas com os profissionais e serviços de saúde (BRASIL, 2012).

Mesmo diante das necessidades de implementação de uma comunicação

eficiente no campo da fisioterapia, levando em consideração a Lei Orgânica da Saúde

(8.080/90), e as tratativas durante o XIV Conselho Nacional de Saúde, pode-se ainda

observar uma distância entre formação do fisioterapeuta e as exigências do Sistema

Único de Saúde. No que se apresenta durante a análise documental aqui realizada, é

relevante observar que mesmo fazendo parte de políticas e estratégias

governamentais, a formação desse profissional (mas também de outros, da área da

saúde) está aquém da ideal para a integração do fisioterapeuta nos moldes da saúde

pública.

Nesse sentido, uma formação profissional balizada nos princípios de uma

educação sociocomunitária poderia ser a balizadora para uma construção e

organização participativa da sociedade no pensar a saúde, nesse caso, fortalecendo

a formação do futuro fisioterapeuta, propondo uma educação pautada na promoção

da sustentabilidade social, viabilizando através desse profissional (e de outros

profissionais da saúde) a possibilidade de organização social, de autonomia e de

emancipação dos sujeitos. Nesse sentido, tal formação deveria contemplar o estímulo

para que as comunidades se preocupassem em promover e proteger os direitos das

pessoas naquilo que se refere ao acesso e às práticas de saúde. Nessa perspectiva,

os princípios centrais de uma educação assim pensada se baseariam, de acordo com

Osorio (2004, p. 03)

na construção de sentidos e possibilidades de um pensamento crítico (fonte hermenêutica); construção de sujeitos atuando em diversos espaços e movimentos (fonte crítica) e ruptura do claustro do pensamento único e reinvenção do poder cidadão (fonte cidadã).

Page 124: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

123

Durante a observação participante, o pesquisador identificou nos participantes

uma comunicação deficiente na condução de suas práticas. Nas conversações, o que

pode ser notado foram as verticalizações das falas, deixando evidente a relação de

poder impresso nos comportamentos de dominação do sujeito participante sobre o

sujeito das práticas. Diante dessas expressões, verdadeiramente de cima pra baixo,

há que se questionar, seria a ausência do desenvolvimento das habilidades

comunicacionais no percurso de formação o elemento promotor da verticalização? E

ainda, ao verticalizar a comunicação entre os sujeitos participantes e os das práticas,

estaria o futuro fisioterapeuta fortalecendo um perfil profissional ditatorial e

desumanizador? E por fim, ao estabelecer uma comunicação unilateralmente

dominante, o fisioterapeuta contribuiria para uma saúde menos igualitária e mais

evasiva?

Nas atividades desenvolvidas durantes os encontros dos grupos focais, o

pesquisador registrou alguns comportamentos que expressam a tônica do

empoderamento e dominação do profissional, ao manifestarem-se diante dos “sujeitos

das práticas” como o único detentor dos conhecimentos e recursos capazes de

reabilitar e promover a cura, com expressões verdadeiramente tecnicistas, sem

considerar a subjetividade do outro, portanto, a atuação do fisioterapeuta está

marcada pela deficiente estrutura curricular formativa, que não contempla os aspectos

e habilidades comunicacionais, relacionais e que estão longe da humanização

necessária.

3.4.3. A HUMANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE SAÚDE

Pensar a humanização em saúde é reconhecer a realidade em que os sujeitos

das práticas vivem e considerar a sua cultura. O profissional da saúde, nesse caso o

fisioterapeuta, deve adotar mecanismos de abordagens focadas no entendimento do

outro como ser singular e que necessita ser compreendido, no processo saúde-

doença, em suas diversas manifestações clínicas e sociais.

Segundo Silva (2015, p. 298), “o paciente precisa ser compreendido como ser

biopsicossocial, suscetível às alterações em seu meio ambiente ou em sua mente” e,

ainda acrescenta, que o profissional da saúde deve compreender as implicações

estabelecidas nessa relação e distanciar-se das condutas mecanicistas e tecnicistas

Page 125: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

124

de atuação. Nesse sentido, Canguilhem (2009) desconstrói o pensamento entre o que

se tem por normalidade e o que se classifica por patológico, afirmando não existir uma

regra irrefutável para tal separação, e que generalize os sujeitos como “saudáveis” e

“doentes”, nem via de regra para as ações intervencionistas e preventivas em saúde,

pautadas nessa dicotomia.

Ao analisar os documentos formativos (PPC do curso em questão e currículo),

no que se refere ao ato humanizador no campo da saúde, pode-se identificar que as

práticas que deveriam promover o pensamento acerca da humanização não são

priorizadas nas disciplinas curriculares do curso de fisioterapia, nem naquelas

pertencentes às práticas supervisionadas no campo de estágio. O aluno que cursa o

nono semestre do curso de fisioterapia deverá cumprir 120 horas de estágio em saúde

pública, como parte integrante dos atendimentos em atenção básica (Quadro 10).

Quadro 12. Matriz curricular do nono semestre do curso de fisioterapia.

Fonte: Projeto Político do Curso da instituição na qual foi feita a pesquisa (2016)

Neste campo de atuação, os alunos devem integrar-se das questões voltadas

para a historicidade da saúde pública no Brasil, dos documentos produzidos nas

conferências nacionais e internacionais que discutem questões como reforma

sanitária, modelos de saúde, processos de saúde-doença, devem apropriar-se dos

marcos históricos da Fisioterapia no SUS e do desenvolvimento da profissão no

contexto nacional, como também dos princípios e diretrizes que são regulamentados

pela lei orgânica da saúde.

Os futuros fisioterapeutas necessitam tomar conhecimento da atuação

profissional no campo da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e do Núcleo de

Atenção à Saúde da Família (NASF). No campo de estágio, os alunos ainda deveriam

Page 126: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

125

conhecer as atribuições do fisioterapeuta na Atenção Básica, em ações individuais e

coletivas/comunitárias na atenção à saúde do homem, da mulher, do idoso, da

criança, da pessoa com deficiência e nos Programas governamentais, como o

HIPERDIA6, Hanseníase, Tuberculose e doenças sexualmente transmissíveis, dentre

outros. Contudo, baseado tanto nesse como em outros estudos (conforme aquele de

Rosa (2012), aqui já citado; Simoni e colaboradores (2015), que discorrem sobre a

historicidade da perspectiva clínica e especialista na formação do fisioterapeuta no

Brasil, e de Ribeiro, Alves e Maia Filho (2016), que aborda a percepção de estudantes

da fisioterapia de que não são formados para trabalhar na rede pública), concluímos

que a formação para a atenção à saúde pública e comunitária não recebe o mesmo

valor no processo formativo, em referência à prática clínica. Dessa forma, não são

preconizados durante as abordagens terapêuticas a questão da relação humanizada

entre profissional e sujeitos das práticas, mesmo que isso esteja subentendido nas

práticas apresentadas aos alunos, ou nas disciplinas curriculares, a discussão central

da temática não está regulada pelo projeto político do curso, corroborando também

achados de Mattos (2006). Distorção que ainda se agrava, pois parece ficar entendido

que a questão da humanização, e da relação comunicativa horizontalizada se coloca

somente para a população econômica e culturalmente “carente”. Como se no

consultório ou nas clínicas particulares de fisioterapia o paciente já “falasse a língua”

dos profissionais, estabelecendo-se uma relação já por si mais horizontalizada por

estarem em “diálogo” pessoas com nível de empoderamento semelhante. O que não

se verifica, em nosso entender, e nem reflete a profundidade das discussões no

campo da saúde que devem ser estabelecidas à luz das relações de poder contidas

nas práticas profissionais desse campo. Colaborando para que não vejamos avanços

numa mudança do paradigma biomédico, centrado no profissional, para um centrado

no sujeito das práticas de saúde.

No percurso da observação participante o pesquisador pode identificar, nas

abordagens realizadas pelos sujeitos participantes, algumas falas que caracterizavam

certos sentimentos de consternação, empatia, e até mesmo piedade em relação aos

6 Destina-se ao cadastramento e acompanhamento de portadores de hipertensão arterial e/ou diabetes

mellitus atendidos na rede ambulatorial do Sistema Único de Saúde – SUS, permitindo gerar informação para aquisição, dispensação e distribuição de medicamentos de forma regular e sistemática a todos os pacientes cadastrados. O sistema envia dados para o Cartão Nacional de Saúde, funcionalidade que garante a identificação única do usuário do Sistema Único de Saúde – SUS.

Page 127: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

126

sujeitos das práticas, como observado na fala do participante M.1 “Eu sinto muito por

ele estar nessa situação, quero o melhor para meu paciente, por isso sou exigente em

minhas condutas”. As falas contrapunham-se às ações, nos discursos era possível

notar certa condescendência com a situação do outro, entretanto, o comportamento

mecanizado, técnico e ditatorial desconstruía a coerência entre a lógica, a teoria e a

prática.

Acerca da humanização, ainda foi possível notar que de acordo com as

propostas estabelecidas pelo SUS existe um enfoque nas questões comunicacionais

como balizadora da humanização, como aqui já referido (FORTES, 2004). Neste caso,

a comunicação estabelecida pelos participantes, no momento das abordagens, não

contribuíram para o estabelecimento de uma relação de poder mais horizontalizada,

como discutido anteriormente. Mas, por outro lado, fizeram ampliar a distância entre

profissional e pacientes, na relação estabelecida, o que prejudica tanto a recuperação

dos sujeitos das práticas como impacta negativamente a transposição do gap entre

saberes científicos e do senso-comum, que é uma forma de empoderamento

(SANTOS, 2010).

No grupo focal, as intenções também se apresentavam contraditórias, o

discurso utilizado fazia jus às questões de humanização, mas a configuração dos

atendimentos robusteciam o caráter desumanizado do profissional, principalmente, ao

fazerem as recomendações para que os sujeitos realizasses as atividades de vida

diária, não considerando as possibilidades socioeconômicas, dificuldade de

compreensão do ponto de vista de se fazer entender pelo sujeito e ainda, a dominação

presente nas falas descontruía qualquer intenção de humanizar a relação.

Page 128: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

127

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve por intenção investigar através da análise documental, da

observação participante e do grupo focal o processo de formação inicial do

fisioterapeuta, naquilo que concerne ao desenvolvimento de habilidades de

comunicação e de relacionamento profissional-paciente e da apropriação de uma

prática humanizada e comunitária, no sentido de colaborar, como agente da saúde,

com a organização da população para a garantia e a promoção do direito à saúde,

regulando o papel do Estado. Partimos do princípio de que a formação desses

profissionais está imbuída por práticas formativas pautadas no modelo biomédico de

atuação, ou seja, como um padrão de atuação marcado pela concepção

hospitalocêntrica/clínica, especializada, baseada na verticalização da comunicação

entre os envolvidos no processo saúde-doença e centrado no profissional, pois

fundamenta-se no estabelecimento de relações de poder nas quais o profissional age

como dominador e espera-se que o sujeito das práticas assuma um papel de

passividade.

No percurso da análise documental, ao investigar o Projeto Político de Curso

da instituição na qual foi realizada a pesquisa, a Lei Orgânica da Saúde e as Diretrizes

Curriculares Mínimas estabelecidas pelo Ministério da Educação, e outros, que

regulamentam a formação e a atuação do fisioterapeuta, pôde-se perceber que na

construção do perfil profissional as questões sobre a relação, a comunicação e a

humanização em saúde não estão bem alinhadas no aporte teórico das disciplinas e

tampouco nas práticas desenvolvidas em campo, ao menos da forma como são

didaticamente conduzidas. O que favorece a aquisição de um perfil profissional

verticalizado e com comportamentos desumanizantes, fortalecendo a lógica da

relação de poder inerente ao modelo clínico de atuação. E o desempoderamento dos

pacientes.

Ao correlacionar a análise dos documentos regulamentadores e o percurso da

observação participante pôde-se evidenciar a maneira com que os estudantes

participantes delineavam sua forma de agir diante do sujeito das práticas, sua forma

Page 129: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

128

de se comunicar impositivamente na condução das condutas de tratamentos e

recomendações, no desprezar a subjetividade do outro em prol da execução de

atividades protocolares mecanizadas e ao construir uma barreira relacional entre o

fisioterapeuta como “dominador” e o sujeito das práticas como “dominado”.

Através do microensino e das discussões nos grupos focais, o pesquisador

verificou a falta de harmonia entre o pensamento, o raciocínio clínico que foi

construído pelos alunos e a prática por esses executada. No momento das

discussões, foi identificado nos participantes certa contradição ao apropriar-se dos

conceitos sobre a comunicação humanizada para o estabelecimento de uma relação

de qualidade, e alguns posicionamentos se revelaram humanizadores. Porém, em

suas práticas, não se notavam expressões efetivas na intenção de considerar o outro

em sua subjetividade. Pode-se afirmar que os estudantes de fisioterapia da instituição

investigada seguem a tradição mais comum nesse campo, de considerar o sujeito das

práticas da atenção fisioterapêutica numa perspectiva de verticalização das relações

de poder, pouco fazendo para distanciar-se de uma prática clínica, em direção a uma

que se pudesse dizer social e emancipatória.

Como seria possível romper com tal tradição, que também foi observada em

outros estudos aqui citados? Algumas chaves de leitura se destacaram ao longo da

pesquisa. Uma delas, é trabalhar a formação inicial com didáticas diferenciadas,

fazendo uso de metodologias ativas e participativas de ensino, que favorecem com

que os estudantes – mas também os professores- repensem a prática profissional

trazendo-a para ser refletida e investigada no ambiente universitário. Nesse sentido,

o microensino e os grupos focais mostraram-se promissores, pois favoreceram a

dinâmica de aprendizagem à partir da simulação, e oportunizaram momentos de

discussão sobre as práticas verticalizadas, próprias do modelo biomédico, e neste

caso, como é possível construir um modelo mais humanizado, centrado na

comunicação e na relação entre o profissional fisioterapeuta e o sujeito das práticas.

Outra dessas chaves aponta para a necessidade dos docentes revisitarem suas

posições profissionais e pessoais a respeito dos paradigmas que devem direcionar a

fisioterapia na sociedade brasileira. O modelo biomédico/clínico, hospitalocêntrico,

especializado, afigura-se como o mais sustentável para a nossa sociedade? Ou esse

modelo deve ser equilibrado com outros paradigmas, como aquele da fisioterapia

comunitária? Argumentamos que mais ênfase deva ser dada a esse modelo se

Page 130: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

129

pretendemos ter mais justiça social na saúde. Para isso os princípios de uma

educação comunitária na formação do fisioterapeuta seria essencial, perpassando

pelas concepções de negociação cultural dos elementos envolvidos no processo

saúde-doença, pela discussão das políticas públicas de saúde, e da organização da

comunidade para participarem ativamente dessas políticas, encarando a luta pela

qualidade em saúde como direito e dever de todos, o debate do saber-científico como

instrumento de poder e de exclusão. Envolvida em todos esses processos está a

comunicação. Pelo estabelecimento de relações dialógicas – que exigem reconhecer

o outro em sua alteridade e subjetividade- é que se faz possível articular as práticas

profissionais ao juízo crítico da realidade, capacidade de interpretação e de fazer

sentidos do que aí transcorre, deliberar com base numa leitura de mundo mais

sistêmica e ética, no sentido de responsabilidade social e cidadã.

Por fim, a formação do profissional, sem invalidar a identidade desse

profissional em seus saberes, precisa voltar-se para a horizontalidade e o

reconhecimento do outro como pessoa. Isso significa significá-lo (valorizá-lo) em seu

contexto sociocultural, o que está imbuído na filosofia da humanização em saúde.

O estudo aqui realizado enseja outros caminhos para a pesquisa sobre a

formação inicial e continuada no campo da fisioterapia, para considerar-se uma maior

vinculação entre os documentos que regulam a formação e a atuação do

fisioterapeuta e os projetos políticos de curso e a didática empregada nas instituições

universitárias, cuidando-se do desenvolvimento das habilidades de comunicação

profissional-sujeitos das práticas, além de perseverar na busca por uma mudança

paradigmática que enfatize a formação do fisioterapeuta para a saúde pública e a

atenção comunitária.

Page 131: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

130

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, A.L.J.; GUIMARÃES, R.B. O lugar social do fisioterapeuta brasileiro. Fisioterapia e Pesquisa. São Paulo, v. 16, n. 1, p. 82-8, 2009.

ALMEIDA, M.; MARANHÃO, E. Diretrizes curriculares nacionais para os cursos universitários da área da saúde. Londrina: Rede UNIDA, 2003.

ALVES, P.C.; MINAYO, M.C.S. Saúde e doença: um olhar antropológico. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1994. 174 p.

ARAUJO, M.M.T.; SILVA, M.J.P. Estratégias de comunicação utilizadas por profissionais de saúde na atenção à pacientes sob cuidados paliativos. Rev Esc Enferm USP, v. 46, n. 3, p. 626-32, 2012.

AZEVEDO, J. A educação de todos e ao longo de toda a vida e a regulação sociocomunitária da educação. Comunicação aos 2º Encontros de Pedagogia Social – Universidade Católica Portuguesa-Porto, 2008.

AZEVEDO, J. A autonomia das escolas e a regulação sóciocomunitária da educação. In: Encontros dos Jerónimos Estado Garantia: O ESTADO DO SÉC. XXI, 2007. BALDO, G.V. Competências do fisioterapeuta no processo de interação com o paciente: proposta de um instrumento de avaliação. 2008, 70 fls. (Dissertação). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. SC. 2008.

BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre: Editora Artmed, 2008. 176 p.

BAPTISTA et at., O paciente e as relações de poder-saber cuidar dos profissionais de enfermagem. Esc Anna Nery. v. 21, n. 4, 2017.

BARBOSA, E.F.; MOURA, D.G. Metodologias ativas de aprendizagem na Educação Profissional e Tecnológica. B. Tec. Senac, Rio de Janeiro, v. 39, n.2, p.48-67, 2013.

BAZON, F.V.M.; CAMPANELLI, E. A.; ASSIS, S. M. B. A importância da humanização profissional no diagnóstico das deficiências. Psicologia: Teoria e Prática, v. 6, n. 2, p. 89-99, 2004.

BERTONCELLO, D.; PIVETTA, H. M. F. Diretrizes curriculares nacionais para a graduação em fisioterapia: reflexões necessárias. Cad edu saude e fis. v. 2, n. 4, 2015. BISPO JUNIOR, J.P. Fisioterapia e saúde coletiva: desafios e novas responsabilidades profissionais. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 1, p. 1627-1636, 2010.

Page 132: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

131

BRAGA, G.L.B.; VANDENBERGHE, L. Abrangência e função da relação terapêutica

na terapia comportamental. Estudos de Psicologia. Campinas, v. 23, n. 3, p. 307-

314, 2006.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Esgotamento sanitário inadequado e impactos na saúde da população, (2010). Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/novo_site/cms/trata_brasil/esgotamento.pdf acesso em: 12.10.2017.

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Legislação do SUS/Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: CONASS, 2003.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.934/96, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Lei No. 8080/90, de 19 de setembro de 1990. Brasília: DF. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8080.htm Acesso em: 28 ago. 2017.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Relatório final 14ª Conferência Nacional de Saúde: todos usam o SUS: SUS na seguridade social: Política pública, patrimônio do povo brasileiro. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. BRASIL. Resolução COFFITO nº 80. Atos Complementares à Resolução COFFITO nº 08, relativa ao exercício profissional do fisioterapeuta, e à Resolução COFFITO nº 37, relativa ao registro de empresas nos conselhos regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1987.

BRASIL. Resolução nº CNE/CES 4 de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Fisioterapia. Brasília: DF, Diário Oficial da União, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 11. BRASIL. Resolução nº CNE/CES4/2009 de 6 de abril de 2009. Dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de graduação em saúde. Diário Oficial da União, Brasília, 7 de abril de 2009, Seção 1, p.27. BRITO, F.R.; SAMPERIZ, M.M.F. Dificuldades de comunicação e estratégias utilizadas pelos enfermeiros e sua equipe na assistência ao deficiente auditivo. Einstein. v. 8, n. 1, p. 80-85, 2010. BOCARDI, M. I. Assistência pré-natal na adolescência: concepções das adolescentes e dos profissionais de saúde. Tese. (Doutorado em Enfermagem). USP, Ribeirão Preto, 2004. CAMPOS, E.L.A. A representação do corpo na Modernidade: especificidades na publicidade. 2007. 38 fls. (Dissertação) - Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Brasília, DF. 2007. CAMPOS, F.E.; AGUIAR, R.A.T.; BELISÁRIO, S.A. A formação superior dos profissionais do SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. p. 1011-1035. 2008.

Page 133: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

132

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 6ª ed. Rio de Janeiro: Revista Forense Universitária, 2009. 154 p.

CANTO, C.R.E.M.; SIMÃO, L.M. Relação fisioterapeuta-paciente e a Integração corpo e mente: um Estudo de Caso. Psicologia Ciência e Profissão, v. 29, n. 2, p. 306-317, 2009.

CAPRARA, A.; FRANCO, A.L.S. A Relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 647- 654, 1999. CAPRARA, A.; RODRIGUES, J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9 n. 1, p. 139-146, 2004. CARVALHO, et al., Interacionismo Simbólico: Origens, Pressupostos e Contribuições aos Estudos em Psicologia Social. Psicologia Ciência e Profissão, v. 30, n. 1, p. 146-161, 2010. CARVALHO, R.; PARSONS, H. (Orgs). Manual de cuidados paliativos ANCP. 2 e. Academia Nacional Cuidados Paliativos, 2012. CASATE, J.C.; CORRÊA, A.K. Humanização do atendimento em Saúde: conhecimento veiculado na literatura brasileira de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v. 5, n. 14, p. 105-111, 2005. CAVALCANTE, C.C.L. et al., Evolução científica da fisioterapia em 40 anos de profissão. Fisioter Mov. v. 24, n. 3, p. 513-522, 2011. CECCIM, R.B.; CARVALHO, Y. M. Ensino da saúde como projeto da integralidade: educação dos profissionais de saúde no SUS. Interface Comunic. Saúde Educ., v. 13, n. 1, p. 531-42, 2009.

CHARTIER, R. Os desafios da escrita. São Paulo: UNESP, 2002. CHIESA, A.M. et al., Formação de profissionais da saúde: aprendizagem significativa à Luz da promoção da saúde. Cogitare Enferm, v. 12, n. 2, p. 236-240, 2007. CLAVREUL, J. A ordem médica: poder e impotência do discurso médico. São Paulo: Brasiliense, 1983. CLONINGER, S.C. Teorias da personalidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 626 p. CONDRADE, T.V.L. et. al. Humanização da saúde na formação de profissionais da fisioterapia. Rev. Equilíbrio Corporal e Saúde, v. 2, n. 2, p. 25-35, 2010.

Page 134: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

133

COTRIM, B.C.; CARVALHO, C.G.; GOUVEIA, N. Comportamentos de saúde entre jovens estudantes das redes pública e privada da área metropolitana do Estado de São Paulo, Rev. Saúde Pública, v. 34, n. 6, p. 636- 45, 2000. DEBUS M. Manual para excelência em la investigacion mediante grupos focales. Washington: Academy for Educational Development, 1997.

DEMARZO, M.M. P.; AQUILANTE, A.G. Saúde escolar e escolas promotoras de saúde. In: Programa de Atualização em Medicina de Família e Comunidade. Porto Alegre: Artmed, v. 3, p. 49-76, 2008.

DESLANDES, S.F. Análise do discurso oficial sobre humanização da assistência hospitalar. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 1, p. 7-14, 2004.

DÍAZ, F. O processo de aprendizagem e seus transtornos. Salvador: EDUFBA, 2011. 396 p. FERNANDES, B.; MANUEL, F.; MOREIRA, R.M. Considerações metodológicas sobre as possibilidades de aplicação da técnica de observação participante na Saúde Coletiva. Revista de Saúde Coletiva, v. 23, n. 2, p. 511-529, 2013.

FERREIRA, J. Semiologia do corpo. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, p. 89-104, 2001.

FLICK, U.; COSTA, J.E. Introdução à Pesquisa Qualitativa. 3. ed.Porto Alegre: Artmed, 2009. 405 p.

FORTES, N.; VENÍCIOS, A.O. L., Análise dos fatores que interferem no controle da pressão arterial de pessoas acompanhadas numa unidade básica de atenção à saúde da família, Texto & Contexto Enfermagem, v. 13, n. 1, p. 26-34, 2004.

FORTES, P.A.C. Ética, direitos dos usuários e políticas de humanização da atenção à saúde. Saúde e Sociedade, v. 13, n. 3, p. 30-35, 2004. GASPAR, M.R.F. et. al., A equipe de enfermagem e a comunicação com o paciente traqueostomizado. Rev. CEFAC, v. 17, n. 3, p. 734-744, 2015.

GIDDENS, A. Sociologia do corpo: saúde, doença e envelhecimento. In _____, Sociologia. 4 ed. Lisboa: Gulbekian, p 128-149, 2004.

GOLD, R.L. Roles in sociological field observations. Social Forces, ed.36, p. 217-223, 1958.

GOMES, P.T. Educação Sociocomunitária: delimitações e perspectivas. In: II CONGRESSO INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL, São Paulo: v. 2, 2008. GONDIM, S.M.G. Grupos focais como técnica de investigação qualitativa: desafios metodológicos. Paidéia, v. 12, n. 24, p. 149–161, 2003.

Page 135: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

134

GUERREIRO, C. Comunicar-se com objetividade. Revista Língua Portuguesa - Direto ao ponto, v. 56, p. 36-39, 2010. HANSFORD, B.C. Microteaching, feedback, dogmatism, and nonverbal perceptiveness. The Journal of Psychology, v. 95, p. 231-235, 1977. HATTUM-JANSSEN, N.; CAIRES. S; SÁNCHEZ-FERNÁNDEZ, M. O uso de Grupos focais na análise de perceções dos alunos quanto à Responsabilidade Social Universitária. In: BISSOTO, M.L. MIRANDA, A.C. Metodologia em Educação Sociocomunitária. Paco Editorial, Jundiaí, 2016, 266 pag. IBGE, Dados demográficos da região administrativa de Bauru. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/bauru/panorama, acesso em: 28.09.2017. IBGE. PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE: 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grandes regiões e unidades da federação/IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. 100 p. ISAÚ, M. Da educação social à educação sócio comunitária e os salesianos. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 26, p. 2–24, 2007. JUNIOR, P.B. Formação em fisioterapia no Brasil: reflexões sobre a expansão do ensino e os modelos de formação. Homem Cultura e Sociedade, v. 16, n. 3, p. 655-668, 2009. LIMA, I. B.; BASTOS, L. O. Conflitos de poder na relação entre profissionais de saúde sob a óptica do paciente. Revista de enfermagem UFPE. on line-ISSN: 2010. Disponível em: periodicos.ufpe.br Acesso em: 26.08.2017. MACIEL, M.E.D. Educação em saúde: conceitos e propósitos. Cogitare Enferm. v. 14, n. 3, p. 773-776, 2009. MAIA, F.E.S. et.al., A importância da inclusão do profissional fisioterapeuta na atenção básica de saúde. Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 17, n. 3, p. 110 - 115, 2015. MARÃES, V. R. F. S. et. al., Distribuição territorial e características dos cursos de graduação em fisioterapia: uma análise no ambiente virtual do ministério da educação. v. 2, n. 3, 2015. MARQUES, A.P.; SANCHES, E.L. Origem e evolução da fisioterapia: aspectos históricos e legais. Rev. Fisioter. Univ. São Paulo, v. 1, n. 1, p. 5-10, 1994. MARSHALL, C.; ROSSMAN, G. B. Designing qualitative research. Newbury Park, CA: Sage. 1989.

Page 136: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

135

MATHEUS, E. V. Política Nacional de Humanização (2003). Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/oministerio/principal/secretarias/sas/humanizasus. Acesso em: 26.08.2017. MATTOS, R. Ensinar Saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2006.

MEC/CNE (1997). Parecer CES 776, de 03 de dezembro de 1997. Orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCS77697 Acesso em: 28.08.2017.

MENEGAZZO, I.R.; PEREIRA, M.R.; VILLALBA, J.P. Levantamento epidemiológico de doenças relacionadas à fisioterapia em uma unidade básica de saúde do município de campinas. J Health Sci Inst, v. 28, n. 4, p. 348-351, 2010.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadernos Temáticos PNH: formação em humanização. Brasília- DF, 2010.

MORAES, A. F. Informação estratégica para as ações de intervenção social na saúde. Ciênc. saúde coletiva, 2013.

MUNHOZ, S. V., NASCIMENTO, L. A. Os desafios da formação do fisioterapeuta na contemporaneidade: a dimensão cultural no ensino superior. Emicult. 2017. Disponível em: http://omicult.org/emicult/. Acesso em: 28.08.2017. NOGUEIRA, J. W. S.; RODRIGUES, M. C. S. Comunicação efetiva no trabalho em equipe em saúde: desafio para a segurança do paciente. Cogitare Enferm, v. 20, n. 3, p. 636-640, 2015. OLIVEIRA, B.R.G.; COLLET, N.; VIER, C.S. A humanização na assistência à saúde. Rev Latino-am Enfermagem. v. 14, n. 2, p. 277-284, 2006.

OLIVEIRA, T. M. V. Contribuições do Microensino para a Formação Docente em Administração: Reflexões sobre a Vivência de Professores Um Ano Após o Treinamento. Encontro da ANPAD, XXXVII. Rio de Janeiro, RJ Setembro 2013.

OLIVEIRA, V.Z.; GOMES, W.B. Comunicação médico-paciente e adesão ao tratamento em adolescentes portadores de doenças orgânicas crônicas. Estudos de Psicologia, v. 9, n. 3, p. 459-469, 2004. OLIVEIRA, M.; GOMES, L. A praga das consultas a jato. Revista Isto É, caderno Medicina & Bem-Estar, 21 fev. 2016. OSORIO, J. Pedagogía y ética en la construcción de ciudadanía: la formación en valores en la educación comunitária. Polis, Revista Latinoamericana, n. 07, p. 1-11, 2004. PAGLIOSA, F. L.; DA ROS, M. A. O Relatório Flexner: para o bem e para o mal. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 32, n. 4, p. 492 – 499, 2008.

Page 137: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

136

PAIM, J.S. Saúde: política e reforma sanitária. Salvador: ISC. 2002. PASCHE, D.F.; PASSOS, E., HENNINGTON, E.A. Cinco anos da Política Nacional de Humanização: trajetória de uma política pública. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 11, p. 4541-4548, 2011. PENHA, M.D.J. Educação, tecnologia e humanização. Cad. de Pós-Graduação em Educ., Arte e Hist. da Cult. v. 3, n. 1, p. 9-19, 2003. PEREIRA, M.L.T. at. al., Comunicação em saúde: algumas reflexões a partir da percepção de pacientes acamados em uma enfermaria. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 4, p. 1013-1022, 2004. PESSINI, L.; BERTACHINI, L. Novas perspectivas em cuidados paliativos: ética, geriatria, gerontologia, comunicação e espiritualidade. O Mundo da Saúde. São Paulo, v. 29, n. 4, 2005. PIVETTA, H.M.F. Diretrizes curriculares nacionais para a graduação em fisioterapia: reflexões necessárias. CAD EDU SAUDE E FIS. v. 2, n. 4, p. 72-84, 2015. POLAK, Y.N.S. A Concepção de Corpo no Mundo da Saúde. Cogitare Enfer. Curitiba, v. 1, n. 1, p. 4-9, 1996. PRESTES, R. C. Tecnologia assisitva: atributos de design de produto para adequação postural personalizada na posição sentada. Dissertação [2011] Escola de Engenharia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. REBELATTO, J.R., BOTOMÉ, S.P. Fisioterapia no Brasil: fundamentos para uma ação preventiva e perspectivas profissionais. Manole. ed. 2, São Paulo, 1999.

REZENDE, M. et. al., A equipe multiprofissional da ‘Saúde da Família’: uma reflexão sobre o papel do fisioterapeuta. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p. 1403-1410, 2009. RIBEIRO, M.; ALVES, H.; MAIA FILHO, A. Percepções de estudantes do curso de

fisioterapia de uma instituição privada sobre sua formação profissional para a

atuação no sistema único de saúde. Revista Saúde em Foco, Teresina, v. 3, n. 1, p.

20-35, jan./jun. 2016.

RIOS, I.C. Caminhos da humanização na saúde: Prática e reflexão. São Paulo: Áurea Editora, 2009, 182 pag.

ROBERTO, R.; JUAN, H. Anatomia Humana: Ciência, Ética, Desenvolvimento e Educação. Revista Faculdade Médica, v. 20, n. 2, p. 11-13, 2012.

Page 138: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

137

ROSA, L. A formação do fisioterapeuta e sua prática no sistema único de saúde: um estudo das representações sociais. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Universidade Estadual do Ceará, 2012. SALBEGO, C. et. al., Percepções Acadêmicas sobre o Ensino e a Aprendizagem em Anatomia Humana. Revista Brasileira de Educação Médica, Pernambuco: v. 39, n. 1, p. 23-31, 2015.

SALMÓRIA, J. G.; CAMARGO, W. A. Uma Aproximação dos Signos: Fisioterapia e Saúde, aos Aspectos Humanos e Sociais. Saúde soc., São Paulo, v. 17, n. 1, p.73-84, 2008.

SAMPAIO ALVES, V. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial. n. 16, p. 39–52, 2004.

SAMPAIO, H. Evolução do ensino superior brasileiro, 1808-1990. Disponível em: http://nupps.usp.br/downloads/docs/dt9108.pdf. Acesso em: 26.08.2017.

SAMPAIO, R.F.; MANCINI, M.C.; FONSECA, S.T. Produção científica e atuação profissional: Aspectos que limitam essa integração na fisioterapia e na terapia ocupacional. Rev. Bras. Fisioter. v. 6, n. 3, pág. 113-118, 2002.

SANCHES, E.L. Histórico de fisioterapia no Brasil e no mundo. Rev. Atual. Bras. Fisioter, São Paulo, p. 29-36, 1984.

SILVA, F. D.; CHERNICHARO, I. M.; FERREIRA, M. A. Humanização e desumanização: a dialética expressa no discurso de docentes de enfermagem sobre o cuidado. Esc. Anna Nery. v. 15, n. 2, 2011.

SILVA, H.B. Beneficência e paternalismo médico. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant, Recife, v. 10, n. 2, p. 419-425, 2010. SILVA, I.D.; SILVEIRO, M.F.A. A humanização e a formação do profissional em fisioterapia. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 1, p. 1535-1546, 2011. SILVA, L.A.; MUHL, C.; MOLIANI, M.M. Ensino médico e humanização: análise a partir dos currículos de cursos de medicina. Psicol Argum. v. 33, n. 80, p. 298-309, 2015. SILVA, M.J.P. O papel da comunicação na humanização da atenção à saúde. Revista Bioética, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 73-88, 2002. SILVA, R. M. Necessidades de orientação para a alta de paciente com problema cirúrgico ginecológico. Rev. Esc. Enf. USP, v. 22, n. especial, p. 68–82, 1988. SILVEIRA, J. M.; KERBAUY, R. R. A interação terapêutica: uma investigação com base na queixa clínica. In Sobre comportamento e cognição, Santo André, v. 5, p. 213-221, 2000.

Page 139: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

138

SIMONI, D.E. et. al., Formação educacional em fisioterapia no Brasil: fragmentos históricos e perspectivas atuais. Hist enferm Rev eletrônica, v. 6, n. 1, p. 10-20, 2015. SOUSA SANTOS, B. Descolonizar el saber, reiventar el poder. Uruguai: Ediciones Trilces, 2010. SOUZA, A.S.; SARAN, D.S. A comunicação como ferramenta de apoio à pacientes terminais. Comunicação & Mercado. Dourados, v. 01, n. 03, p. 08-14, 2012. SOUZA, M.C. et. al., Fisioterapia e núcleo de apoio à saúde da família: conhecimento, ferramentas e desafios. O Mundo da Saúde. v. 37, n. 2, p. 176-184, 2013. SPAGNUOLO, R.S.; PEREIRA, M.L.T. Práticas de saúde em Enfermagem e Comunicação: um estudo de revisão da literatura. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 6, p. 1603-1610, 2007. SPIRDUSO, W.W. Dimensões Físicas do Envelhecimento. Barueri: Manole, 2005. STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. 725p.

STEIN BACKES, D. et al., Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas. v. 35, n. 4, p. 438–442, 2011.

SUBTIL, M. et al., O relacionamento interpessoal e a adesão na fisioterapia. Fisioter Mov, v. 24, n. 4, p. 745–753, 2011.

SUBTIL, M.M.L.; SOUZA, M.L. Adesão ao tratamento fisioterapêutico: uma análise fenomenológico-semiótica da percepção de pacientes e terapeutas [dissertação]. Espírito Santo: Universidade Federal do Espírito Santo; 2010.

SUNDFELD, A. C. Clínica ampliada na atenção básica e processos de subjetivação: relato de uma experiência. Revista de Saúde Coletiva, v. 20, n. 4, p. 1079 -1097, 2010. TAYLOR, C.; LILLIS, C.; LeMONE, P.; LYNN, P. Fundamentos de enfermagem: a arte e a ciência do cuidado de enfermagem. 7 e. Porto Alegre: Artmed, 2014. TEIXEIRA, R. C. Aderência dos cursos de Fisioterapia da região Norte às Diretrizes Curriculares Nacionais. Fisioter Mov. v. 25, n. 1, p. 47-54, 2012. TORALLES-PEREIRA, M. L. et al., Comunicação em saúde: algumas reflexões a partir da percepção de pacientes acamados em uma enfermaria. Ciência & Saúde Coletiva, p. 1013–1022, 2004.

Page 140: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

139

VÉRAS, M. M. S. et. al., O fisioterapeuta na estratégia saúde da família: primeiros passos na construção de um novo modelo de atenção. v. 5, n. 1, p. 169-173, 2004. VERDI, M. I. M.; DA ROS, M. A.; CUTOLO, L. R. A. Saúde e Sociedade [Recurso eletrônico] Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2013. 96p. VIEIRA, E. B. Manual de gerontologia: um guia teórico-prático para profissionais cuidadores e familiares. ed. 2, Rio de Janeiro: Revinter, 2004. WOLF, M. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 2003.

Page 141: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

140

ANEXO I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (via do participante)

A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA HUMANIZAÇÃO DA

COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL X PACIENTE

Estamos realizando uma pesquisa com a proposta de investigar o como se processa a

construção da relação comunicativa profissional/paciente dos estudantes de fisioterapia.

Os objetivos que nortearam essa pesquisa foram fixados na análise da construção da relação

profissional/paciente, com foco nas habilidades de comunicação, visando aprimorar e formar o futuro

profissional fisioterapeuta numa perspectiva de humanização de sua atuação>. Para tanto, suas

respostas são importantes e bem vindas. Caso queira participar da pesquisa sob a responsabilidade

do pesquisador Flavio Marcos de Souza do PPG em Educação do Centro Universitário Salesiano de

São Paulo, solicitamos que assine este termo de consentimento, estando ciente que:

- Os procedimentos aplicados oferecem riscos mínimos à sua integridade moral, física, mental ou efeitos colaterais conhecidos e não é esperado que esse projeto venha a causar algum constrangimento;

- Você será convidado(a) a participar de um grupo focal para a discussão de temas que envolvem o processo formativo do fisioterapeuta e as implicações estabelecidas na comunicação e relação com o paciente.

- A participação na pesquisa poderá ser interrompida a qualquer momento que você desejar;

- Seus dados pessoais serão mantidos em sigilo e os resultados gerais obtidos por meio da pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho acima exposto, cujos dados poderão ser publicados em periódicos científicos;

- Você poderá entrar em contato com o responsável pelo estudo – Flavio Marcos de Souza – sempre que julgar necessário, pelo email: [email protected]

- Você concorda ter recebido todas as informações necessárias para poder decidir conscientemente sobre sua participação nessa pesquisa;

- Este termo de consentimento é feito em duas vias sendo que uma delas ficará em seu poder e a outra com o pesquisador responsável.

Eu, ___________________________ , RG, _____________dou o

consentimento livre e esclarecido para participar desta pesquisa.

Bauru, ______ de _________________ de ___________. _____________________________________

Assinatura do Voluntário ou Responsável Legal

Page 142: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

141

ANEXO II – Parecer Consubstanciado do CEP

Page 143: A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E A FISIOTERAPIA: PELA ...§ão_Flavio... · formação do fisioterapeuta naquilo que se refere à comunicação profissional X sujeitos de práticas

142