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A energia dos ventos

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Pesquisa FAPESP - Ed. 177

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Page 1: A energia dos ventos

Page 2: A energia dos ventos

Lançamento mundial Olympus®

PRATICIDADE E INOVAÇÃO EM FLUORESCÊNCIA

O FSX1 00 Bio lmaging é um microscópio motorizado, com câmera, fluorescência, contraste de fase e campo claro com iluminação LED. O comando, assim como a visualização e a

análise de imagens, são realizados pelo computador que acompanha o equipamento.

Fácil de usar Nenhuma experiência anterior em microscopia é necessária para obtenção de imagens de alta qualidade de fluorescência, contraste de fase, imagens brilhantes e de campo, time-lapse e conjuntos de imagens de Z -stack, já em poucos minutos de uso.

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Page 3: A energia dos ventos

IMAGEM DO MÊS

Bendita rã A peruana Ranitomeya benedicta é uma das 583 espécies animais descobertas na Amazônia, nos últimos 10 anos, por pesquisadores de todo o mundo, de acordo com o relatório Amazônia viva! Uma década de descobertas 7999-2009, publicado pela organização não governamental WWF.

PESQUISA F'APESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 3

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As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

OPINIÕES OU SUGESTÕES

Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP, rua Joaquim Antunes, 727 -10° andar, São Paulo, SP 05415-012, pelo fax (11) 3087-4214 ou pelo e-mail: [email protected]

SITE DA REVISTA

No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

PARA ANUNCIAR Ligue para: (11) 3087-4212

ASSINATURAS, RENOVAÇÃO E MUDANÇA DE ENDEREÇO

Envie um e-mail: [email protected] ou ligue: (11) 3038-1434

ASSINATURAS DE PESQUISADORES E BOLSISTAS

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EDIÇÕES ANTERIORES

Preço atual de capa da revista acrescido do valor de pastagem. Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3087-4213

4 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUI SA FAPESP 177

CARTAS [email protected]

EMPRESA QUE APOIA A CIÊNCIA BRASILEIRA

BiOLAB

Número pi

A nota sobre o cálculo do pi na edição 176 chama a atenção pelo hilariante título, "O novo valor do número pi". Ao que parece, esse número misterio­so muda de valor a cada cálculo- sor­te que isso não ocorre com o número 10 ou outros números mais populares. Depois aparece outro divertido erm técnico: o "valor anterior" era de 2,7 trilhões de dígitos decimais, o que cor­responde a 9 trilhões de bits; como é que isso dobrou para chegar a 2 qua­trilhões? Esses são detalhes que diver­tem quem sabe um pouco de mate­mática, até desculpáveis por passar despercebidos numa leitura casual. Mas a última frase da matéria apre­senta uma grande falha, na essência do objetivo da Pesquisa FAPESP de divulgar a ciência e a pesquisa cientí­fica: ela sugere que o objetivo do tra­balho é "aumentar a precisão do valor do pi". O que menos interessa nessa pesquisa é a "precisão"- certamente nada do ponto de vista prático, e de pequena utilidade para alguns projetas teóricos. O importante é que o cálcu­lo dos dígitos do pi é um teste de la­boratório para avaliar algoritmos e técnicas de programação e manipula­ção de dados. Assim, o grande resul­tado da pesquisa não são os dígitos do

FARMACÊUTICA

pi, e sim o "programa de computador" mencionado na matéria de forma to­talmente casual e desconsiderada.

ARNALDO MANDEL

Instituto de Matemática e Estatística

daUSP São Paulo, SP

O número pi é um número e, como tal, não faz sentido dizer que tem valor variável. Sob o ponto de vista mate­mático, este anúncio é equivalente a proclamar "o novo valor do número 2". O fato anunciado é na realidade uma aproximação decimal do número pi com maior número de casas deci­mais que as anteriores. Nenhuma des­sas aproximações é o número pi.

MARCELO fiRER, LEANDRO CURVINEL E

JERRY ANDERSON PINHEIRO

Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica

da Unicamp

Campinas, SP

Nota da redação: O texto da nota em questão deixa claro que o valor obtido é o de uma aproximação decimal ao número pi, e não do próprio número. Não se pretendeu que o título da nota fosse entendido em sentido literal.

Dom

Reen< Pesqu go Br a com início lar ur padr~ Instit res (I mero interi Pretc que é tecno infra Dem mm a para torn< tisfei uma desei cina com' sob r, advo mod que1 dos: o el< verd

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Page 5: A energia dos ventos

Domingo Braile

Reencontrei, nas páginas da excelente Pesquisa FAPESP meu amigo Domin­go Braile (edição 176) cuja trajetória acompanho, com admiração, desde o início, quando teve a ousadia de insta­lar um Serviço de Cardiologia de alto padrão, longe de um grande centro. O Instituto de Moléstias Cardiovascula­res (IMC) serviu de modelo para inú­meros serviços que foram nascendo no interior do Brasil. Em São José do Rio Preto quebrou outro tabu: mostrou que é possível pesquisar e desenvolver tecnologia de ponta sem dispor de uma infraestrutura de Primeiro Mundo. Demonstrou que criatividade e deter­minação são os principais ingredientes para fazer avançar os conhecimentos e torná-los de aplicação prática. Não sa­tisfeito, teve inspiração para organizar uma pós-graduação em que procura desenvolver as interfaces entre a medi­cina e todas as outras profissões, dando como exemplo uma tese de doutorado sobre ética médica, defendida por um advogado, em absoluta sintonia com as modernas propostas de Edgar Morin que tem como tema central a "religação dos saberes". Fez tudo isso sem romper o elo de ligação mais profundo de um verdadeiro médico- os pacientes.

CELMO CELENO PoRTO

Professor emérito da Faculdade de

Medicina da UFG

Goiânia, GO

FAPESP

Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos à FAPESP, através deste veículo de notícias, entendendo que possa servir de incentivo a outros jovens pós-graduandos e até mesmo estudantes de ensino médio que ini­ciarão sua atividade acadêmica em breve. Desde o início de minha gra­duação (FC/Unesp) recebi o suporte da FAPESP através de financiamento de projetas de iniciação científica. A bolsa de estudos, por assim dizer, foi fundamental para minha escolha entre

o trabalho e a permanência no labora­tório. Isso ocorreu em meados de 2003 e de lá pra cá não houve um único mo­mento em que fiquei sem o suporte da FAPESP para os projetas que vieram a seguir. Graças ao incentivo sem igual desta Fundação pude seguir com mi­nha formação na pós-graduação (IB/ Unicamp) até o final do doutorado sem ter que se questionar pela neces­sidade da busca de rendimentos extras. Nesse período, tive a frutífera oportu­nidade de conhecer pessoas admiráveis e inúmeras regiões do Brasil e do exte­rior, graças ao apoio da reserva técnica que nos permite apresentar estudos em congressos científicos nacionais e in­ternacionais, bem como a realização de estágios complementares. O suporte da FAPESP se seguiu pelo pós-doutorado (FC/Unesp) e hoje, graças a essa sólida trajetória apoiada por esta exemplar Fundação, estou realizando o sonho por estar trabalhando em instituição acadêmica e compartilhando toda essa construção que foi alcançada ao longo desses anos com os alunos. Que esse ciclo não se esgote e que muitos ou­tros possam continuar contando com o apoio das FAPs. Mais uma vez, meus profundos agradecimentos.

A LEX RA FACH O

Departamento de Ciências Fisiológicas ~

CCB/UFSC

Florianópolis, SC

Revista

A Associação Brasileira de Tecnologia Educacional parabeniza a revista Pes­quisa FAPESP pelos temas enfocados no periódico.

A u RORA EuGEN IA S. C ARVALHO

Diretora Rio de janeiro, R)

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim Antunes, 727 - 10° andar - CEP 05415-012 - Pinheiros -São Paulo, SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

fUNDAÇÃO OE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CELSO LAFER PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER. HORÁCIO LAFER PI V A, HERMAN JACO BUS CORNELIS VOORWALD, MARIA JOSt SOARES MENDES GIANNINI, JOSt OE SOUZA MARTINS, JOSt TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TtCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PR ESIDENTE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENT fFICO

JOAQUIM J . DE CAMARGO ENG LER DIRETOR A DMI NI STR AT IVO

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENT(FICO), CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZ, CYLON GONÇALVES DA SILVA, FRANCISCO ANTÓNIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOÃO FURTADO, JOSt ROBERTO PARRA, LUfS AUGUSTO BARBOSA CORTEZ, LUfS FERNANDES LOPEZ, MARIE-ANNE VAN SLUYS, MÁRIO JOSt ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, StRGIO QUEIROZ, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLU

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES ), FABRfCIO MARQUES (POLfTICA ), MARCOS DE OLIVEIRA <TECNOLOGIA ), RICARDO ZORZETTO (Cit.NCIA )

EDITORES ESPECI A IS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA ([DIÇ~O ON-L/NE)

EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO

EDITORA DE ARTE LAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇ.l.O>

ARTE MARIA CECILIA FEL LI E JÚLIA CHEREM RODRIGUES

FOTÓGRAFO EDUARDO CESAR

WEBMASTER SOLON MACEOONIA SOARES

SECRETARIA DA REDAÇÃD ANDRESSA MATIAS

COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO 0[ DADOS), CAMILA ALVITE, CHICO LOPES. ESTEVAN PELU, FABIO REYNOL, FRANCISCO BICUDO, GABRIEL AMARAL JOSE LIA AGUIAR, LAURABEATRIZ, LEO RAMOS, MARCIO CARVALHO, MARIANA SAMPAIO, NELSON PROVAZI, PAULA GABBAI, RENATO OE AGUIAR, SALVADOR NOGUEIRA, UVA COSTRIUBA E YURI VASCONCELOS

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP

t: PROIBIDA A RE PRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRt:VIA AUTORIZAÇÃO

PA RA FA LAR COM A REDAÇÃO (11) 3087-4210 cartas<l>fapesp.br

PARA ANUNCIAR (11 ) 3087-4212 mpiliadis!Jifapesp.br

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DISTRIBUIÇÃO DINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP

PESQUISA FA PESP RUA JOAQUIM ANTUNES, NO 727 • 10° ANDAR, CEP 05415-012 PIN HEIROS · SÃO PAULO - SP

FA PESP RUA PIO XI , NO 1.500, CEP 05468·901 ALTO DA LA PA - SÃO PAULO - SP

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR

GOVERNO DO ESTADO OE SÃO PAU LO

Este produto é impresso na PLURAL com papel certificado FSC - garantia de manejo florestal responsável, e com tinta ecológica Agriweb - elaborada com matérias-primas bioderivadas e renováveis.

INSTITUTO VERIFIC ADOR DE CIRCULAÇlO

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 5

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CARTA DA EDITO RA

Os bons ventos brasileiros MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO

O uando começamos a pensar numa repor­tagem de capa sobre a energia eólica no Brasil, em particular sobre as pesquisas

tecnológicas movidas pela vontade de torná­-la mais barata e eficiente, eu antegozava suas enormes possibilidades plásticas. As leves e grandes pás perfiladas que encimam altas tor­res e ajudam a transformar a força dos ventos em energia parecem-me elementos tão natu­ralmente dotados de intensidade estética que tomá-las para compor visualmente a capa de Pesquisa FAPESP não representaria, imagina­va eu, maiores desafios para as designers da revista, Laura Davifia e Mayumi Okuyama. E creio que assim foi.

O que nem de longe eu antevia- ou melhor, sabia- era, por exemplo, que a produtividade dos parques eólicos instalados no Nordeste brasileiro, beneficiados pelos ventos alísios que sopram constantemente o ano todo, está bem acima da média mundial. Tampouco tinha no­ção do dinamismo que empresas nacionais e algumas multinacionais imprimem neste mo­mento ao setor, com seus investimentos no promissor mercado brasileiro estimulados por uma feliz combinação de fatores econômicos internos e externos. Observe-se que, embora a capacidade instalada do parque eólico brasilei­ro tenha aumentado em 15 vezes nos últimos 10 anos para atingir os atuais 835 megawatts, a energia originada dos ventos ainda responde por menos de 1% da matriz energética brasi­leira, indicação de que tem um imenso espaço para crescer. Eu também desconhecia que boa parte da capacidade inovativa brasileira para o setor mantém o foco no desenvolvimento de aerogeradores, equipamentos que, junto com as pás normalmente feitas de fibra de vidro e um gerador elétrico, formam um conjunto de pequeno porte muito útil para áreas sem aces­so à energia mais convencional. Essas informa­ções e muitas outras fui obtendo à medida que nossa editora assistente de tecnologia, Dinorah Ereno, mergulhava fundo para tentar capturar

6 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA F'APESP 177

as reais possibilidades da inovação tecnológica em relação ao crescimento da energia eólica na matriz brasileira. O que ela trouxe à cena e apresenta aos leitores a partir da página 16 foi um panorama complexo, muito interes­sante, bem contextualizado, que certamente aumentará a familiaridade de nossos leitores com a energia eólica no Brasil.

Há vários outros destaques possíveis nesta edição: o ambicioso programa para a mode­lagem do clima que está em desenvolvimento no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe (página 52); novos estudos sobre a ti­reoide, seja relacionando seu mau funciona­mento a uma estranha paralisia nas pernas ou detectando mecanismos cerebrais que de­terminam a redução da ação dos hormônios dessa glândula ante condições clínicas compli­cadas, como as desencadead!ls por acidentes vasculares cerebrais (a partir da página 46); e a revitalização do pelletron, o acelerador de partículas da USP (página 58). Entretanto, é a reportagem sobre Cândido Portinari (página 78), elaborada por nosso editor de humanida­des, Carlos Haag, que quero destacar de forma especial antes de finalizar esta carta. O artista, que neste momento tem reproduções de algu­mas de suas principais obras apresentadas em uma exposição no saguão da sede da FAPESP, dado que foram escolhidas para enriquecer o relatório de 2009 da Fundação, poderá ser visto de uma maneira muito especial no Brasil e pelo mundo afora entre 2011 e 2013. É que seu imenso e extraordinário painel Guerra e Paz, doado pelo governo brasileiro para o edifício­-sede da ONU, chega ao país neste mês para ser restaurado, mostrado, e depois seguir viagem. A reportagem relata também o encontro do quadro inédito no Brasil, o "quarto Retiran­te" (e o mostra), e ainda explica um enfoque técnico inteiramente novo para se verificar a autenticidade de pinturas, desenvolvido graças ao Projeto Portinari <http:/ /www. portinari. org.br>. É imperdível.

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17 7 I NOVEMBRO 2010

POLÍTICA C& I

28 INTERNACIONALIZAÇÃO Grupo de pesquisa em óptica da USP em São Carlos atrai estudantes da América Latina e Europa

32 PARCERIAS Braskem ganha competência em biotecnologia

34 DIFUSÃO Curso na Califórnia busca transformar cientistas insatisfeitos em jornalistas de ciência

36 Jornais da América Latina dão pouco espaço para ciência regional

38 PRÊMIO NOBEL Um dos destaques da premiação de 2010 é a pesquisa sobre o grafeno, em que o Brasil teve participação pioneira

~ 34

WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR

CIÊNCIA

46 ENDOCRINOLOGIA Alteração genética favorece paralisia dos membros em pessoas com hipertireoidismo

50 Estudo mostra como o cérebro adota o hipotireoidismo para se proteger de agressões

52 AMBIENTE Programa integra fenômenos da atmosfera, dos oceanos e da superfície terrestre

58 FÍSICA Modernizado, acelerador de partículas da USP continua a desvendar o comportamento de núcleos exóticos

62 BOTÂNICA Alterações do clima devem afetar a composição das florestas tropicais

64 GEOLOGIA Fissuras microscópicas em cristais ajudam a resgatar a história do planalto da Bocaina

CAPA 16 Potencial eólico brasileiro

movimenta pesquisa para o desenvolvimento de geradores de pequeno porte

ENTREVISTA 10 Luiz Eugênio Mello, diretor

do Instituto Tecnológico Vale, fala sobre os projetas de P&D e ensino da maior empresa privada brasileira

IE_CNOLO

72 QUÍMICA Técnica brasileira de espectrometria de massas identifica adulterações em documentos e dinheiro falso

76 NANOTECNOLOGIA Partículas levam drogas solúveis em água até um local doente do corpo

88

SEÇÕES

3 IMAGEM DO MÊS

4 CARTAS

6 CARTA DA EDITORA

8 MEMÓRIA

23 ESTRATÉGIAS

42 LABORATÓRIO

66 SCIELO NOTÍCIAS

68 LINHA DE PRODUÇÃ O

92 RESENHA

93 LIVROS

94 FICÇÃO

96 CLASSIFICADOS

HlJ.MA NLDA DES

78 ARTE Voltam ao Brasil obras de Portinari que revelam seu amor pela paz

84 HISTÓRIA Estudos mostram importância da participação de tropas brasileiras na Segunda Guerra

88 HISTÓRIA DA CIÊNCIA A celebrada instituição britânica Roya l Society completa 350 anos

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A luneta no telhado

Há 400 anos nascia George Marcgrave, que construiu o primeiro observatório das Américas no Recife

NELDSON MARCOLIN

8 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

o período em que o conde alemão Maurício de Nassau administrou Recife e boa parte do Nordeste (1637-1644) como uma possessão holandesa, artistas e naturalistas estiveram por algum tempo no Brasil para descrever paisagens e animais, fazer mapas, conhecer o território e prospectar riquezas. Os mais conhecidos são

os pintores Frans Post, Albert Eckhout e Zacharias Wagner, o médico Guilherme Piso e o alemão George Marcgrave. Este último foi provavelmente o primeiro naturalista e astrônomo a fazer descrições e estudos científicos no Brasil com uma visão mais moderna, valorizando, no método, a observação e a experimentação. Em 2010 completam-se 400 anos de seu nascimento-e este ano será lançado o livro O observatório no telhado (Companhia Editora de Pernambuco), do astrônomo Oscar T. Matsuura, um estudo minucioso de apenas uma das contribuições deixadas por Marcgrave, a astronômica.

"Marcgrave foi um polímata às vésperas da emergência da ciência moderna. Ele já não era mais o cientista medieval clássico que procurava o conhecimento apenas no passado", diz Matsuura, professor aposentado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências

Residência de S. Excia.: aquarela de Zacharias Wagner mostra casarão com o observatório

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Page 9: A energia dos ventos

Atmosféricas da Universidade de São Paulo, atual pesquisador associado do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e professor associado do Programa de História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Embora ainda um homem em transição, diferentemente de seus antecessores que estiveram no Brasil, ele tinha recebido formação e treinamento específicos para, por meio da observação atenta e sistemática da natureza, descobrir novos conhecimentos."

Os primeiros relatos feitos no Novo Mundo e o trabalho de Marcgrave são momentos distintos da evolução da ciência. "As descrições mais amadoras não eram validadas cientificamente. Isso não significa que elas não possuam valor científico, tinham sim, mas como fontes primárias de valor memorial", explica o historiador Marcos Galindo, coordenador do Programa

de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco.

Marcgrave deixou sua cidade natal, Liebstadt, aos 17 anos e peregrinou por pelo menos 1 O universidades europeias, onde aprendeu geografia, cartografia, botânica, medicina, matemática e astronomia na Alemanha, França, Polônia, Suíça e Holanda. Na Holanda frequentou a Universidade de Leiden em 1636 e 1637, onde foi aluno do astrônomo Jacob Golius

e usuário do observatório, o primeiro de uma instituição acadêmica no mundo. Marcgrave foi um dos primeiros astrônomos a usar luneta para observar o céu de modo sistemático.

De Leiden veio para o Brasil, provavelmente por influência de Johan de Laet, um dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais, que patrocinava viagens exploratórias pelo mundo. Junto com Piso, integrou a equipe de Nassau, já no Recife. Chegou em 1638, aos 28 anos, e fez

Imagem em 3D do observatório do Recife, com quadrante, sextante, luneta e globo

Rascunho com esquema dos capítulos de Historia natura/is brasi/iae

expedições, descreveu e desenhou animais e plantas e conheceu índios. Depois da morte aos 34 anos, em Angola, seus relatos foram publicados junto com os de Piso em Historia naturalis brasiliae. Carl Lineu utilizou o trabalho do alemão para fazer suas primeiras classificações.

No Recife, Marcgrave morou no mesmo casarão em que já vivia Nassau. "Foi no telhado da casa que ele construiu o primeiro observatório astronômico das Américas, em 1639, em que fez observações com a melhor instrumentação da época, inclusive uma luneta", conta Matsuura. Em seu livro, no prelo, o pesquisador reconstituiu com imagens tridimensionais (ver ao lado) como seria o observatório com seus instrumentos graças a documentos originais encontrados nos arquivos das cidades de Leiden e de Paris. O modelo será incorporado a uma exposição multimídia do Mast, assim como no portal eletrônico do museu.

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Luiz Euyênio Mel lo

Para pensar o futuro

m setembro deste ano os cadernos de eco­nomia de alguns jornais trouxeram uma notícia diferente sobre a Vale, a mineradora que é a maior empresa privada brasileira. Tratava-se de informar que a companhia iria criar unidades de pesquisa e desenvolvi­mento (P&D) dentro do Instituto Tecnoló­

gico Vale (ITV) em três estados diferentes. O projeto é acalentado há alguns anos pela empresa, que já tem três centros de tecnologia- dois em Minas Ge­rais e um no Canadá- voltados para prover soluções imediatas e de curto prazo. As novas unidades serão diferentes: terão a missão de pensar o futuro da Vale a longo prazo, sempre ligadas nas novas tendências dos negócios que, muitas vezes, determinam a cria­ção ou o fechamento de companhias.

Para uma empresa como a Vale é crucial estar atenta e se antecipar aos movimentos. Criada em 1942 e privatizada em 1997, tem um valor de mer­cado estimado em US$ 145 bilhões. No terceiro trimestre de 2010 alcançou um lucro líquido de R$ 10,5 bilhões. É a segunda maior minerado­ra do mundo, apenas atrás da australiana BHP Billiton. Os negócios da Vale envolvem, além de mineração, logística (ferrovias, terminais por­tuários e navegação de cabotagem), fertilizantes e hidrelétricas- consome, sozinha, 4,5% de toda a energia do país. A produção de minério de ferro, o carro-chefe da empresa, foi de 238 milhões de toneladas em 2009. Hoje emprega mais de 100 mil funcionários e está presente em 35 países. Com essa musculatura, qualquer gesto que faça sempre tem grande repercussão.

A inovação em áreas estratégicas é, portanto, questão de sobrevivência. O ITV terá atuação para além dos centros tecnológicos que já funcionam. A meta é ter ensino e pesquisa para inovação em áreas como mineração, desenvolvimento sustentá­vel e energias renováveis. O modelo a ser seguido é o do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), tradicional instituição norte-americana que dá ênfase à transferência de tecnologia para empresas e à formação de empreendedores. Para colocar o ITV de pé foi contratado Luiz Eugênio

Diretor do Instituto Tecnológico Vale fala sobre os projetas de P&D e ensino da maior empresa privada brasileira

MARCOS DE OLIVEIRA

E NELDSON MARCOLIN

Mello, um neurofisiologista que exercia o cargo de pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ).

Mello é um pesquisador produtivo que sempre teve um pé na pesquisa de neurociência e o outro na gestão de ciência e tecnologia. Professor titular da Unifesp, foi um dos coordenadores adjuntos da diretoria científica da FAPESP (2003-2006) e é pes­quisador nível1A do Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico ( CNPq). Como pró-reitor de Graduação entre 2005 e 2008 teve par­ticipação destacada na ampliação da universidade­foram criados mais quatro campi, 18 novos cursos e o número de vagas cresceu de 1.200 para 3.800.

Em 2008 trocou São Paulo pelo Rio - sede da Vale S.A.- com a missão de transformar o ITV em algo concreto. Passados dois anos, pode-se dizer que está conseguindo. As unidades de Belém e de Ouro Preto do instituto, em instalações próprias, come­çam a funcionar no primeiro semestre de 2012, e a de São José dos Campos, no segundo. O investimen­to da mineradora no instituto, um desejo antigo de seu presidente, Roger Agnelli, é superior a US$ 350 milhões, de 2009 a 2011. "Erguer um projeto desse porte numa empresa como a Vale, num país como o Brasil, é uma oportunidade única", diz Mello ao explicar por que aceitou o desafio. Uma vez por

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 11

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I

semana ele continua orientando alunos na pós-graduação e ainda arruma tem­po para escrever artigos científicos. A !

seguir, ele detalha o projeto do ITV.

• Onde a Vale começou a utilizar tec­nologia mais avançada na atividade mineradora? - A melhor maneira de falar disso é usar a perspectiva histórica. A Vale foi fundada em 1942 em Itabira, Mi­nas Gerais, onde havia um depósito de hematita notável, e cresceu trabalhando ali seu minério de ferro. No início da década de 1960 começaram as dificul­dades técnicas. A hematita estava ra­reando e o minério então disponível, que também contém ferro, mas numa outra forma, era o itabirito, com teor mais pobre de ferro. Implementar o uso de separadores magnéticos de alta intensidade possibilitou à Vale benefi­ciar o itabirito. Esse processo inovador é considerado o primeiro grande salto tecnológico que propiciou a criação de seu primeiro centro de pesquisa e de­senvolvimento, no município de Santa Luzia, a meio caminho entre Itabira e Belo Horizonte. Naquela época já era visível a necessidade de usar mais tec­nologia. Era um tempo em que se abria uma mina apenas pedindo seu licencia­mento com um plano de lavra.

• E o que mudou? - Hoje é necessário ter um plano de abertura e de fechamento da mina. As regulamentações ambientais têm outra magnitude. Quando se começa uma operação dessas, eventualmente se tem já a definição de que a jazida terá 40 anos, 50 anos de exploração ou mais. Itabira está em atividade há 68 anos. Houve tempo em que se pensa­va que já teria acabado a atividade de mineração por ali, mas começaram a lavrar outros minérios e até rejeites, com outras características, que antes eram considerados inadequados e ho­je são utilizáveis. Tudo isso foi avanço técnico e tecnológico. O Roger Agnelli, presidente da Vale, diz com frequência que o mundo está saindo de uma eco­nomia de mercado para uma economia verde. E nessa nova situação é preciso uma licença para operar, que não é ex­clusivamente concedida pelas agências regulatórias, que definem o que se pode fazer hoje, mas também pela população

12 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

O ITV só faz sentido aqui porque o Brasil, em várias dimensões, é os Estados Unidos de décadas atrás

dos arredores, do estado, do país e, em última análise, do mundo.

• É nesse ponto que a tecnologia se tor­na aliada? - É a grande aliada, antecipando pro­blemas. Quando se começou a explorar óleo em um poço do Texas, o petróleo, estava quase na superfície. Hoje tem que furar sete quilômetros para achar alguma coisa. O cobre tem de ser bus­cado a 700 metros de profundidade. Na África do Sul há minas com quase 4 mil metros. Mas tem de valer a pena. Gasta­-se muita energia para subir o minério e há enormes dificuldades de logística. Explorar ouro nessas condições pode ser justificado. Mas para outros miné­rios o limite técnico e econômico está entre 700 e 800 metros.

• A Vale sempre trabalhou com miné­rio de ferro? - Começou com minério de ferro em ltabira e depois expandiu para outros. Hematita e itabirito são minérios de ferro, mas hoje a Vale trabalha também minerando níquel, cobre, carvão, ficou minoritária no negócio de bauxita, alu­mina e alumínio e fez algumas tentati­vas de exploração na área de diamantes. Fertilizantes agora é o novo desafio da empresa. Eles se dividem em pelo me­nos duas áreas principais para a Vale, fosfato e potássio.

• Por que fertilizante? -A lógica que tem aí é a seguinte: o que move o mercado de ferro é a cons-

trução civil, a indústria automobilística, principalmente, e algumas outras áreas. E se as pessoas deixarem de comprar carro ou eles passarem a ser feitos de um material diferente? Isso mudaria o cenário para a Vale. E se deixarem de morar ou trabalhar em arranha­-céus para usar apenas casas que não demandam ferro, feitas com outro tipo de processo construtivo? Muda de no­vo. O risco que a Vale tem de trabalhar só com minério de ferro é grande. A empresa decidiu diversificar em termos minerais e investiu em níquel, ao com­prar a mineradora canadense Inco, em 2006. E optamos também pelos fertili­zantes, cujo motor é a alimentação. É outro tipo de negócio. A estratégia de diversificação é importante.

• O ITV abrange todas essas linhas? - O instituto tem três dimensões. Ele havia sido proposto em 2006 e já existia esse nome, Instituto Tecnológico Vale. No diagnóstico interno produzido na­quela época foi definido um conjunto de áreas temáticas. A primeira é a de meio ambiente e biodiversidade, ou­tra de mineração propriamente dita e uma terceira de energias. Essas áreas são vistas como críticas para o desen­volvimento da empresa.

• Energia aqui é energia elétrica? - Energia de forma geral, em especial a renovável. No momento, o biocom­bustível é o que se apresenta como mais interessante. A Vale irá produzir óleo de palma, matéria-prima para a obtenção de biodiesel a partir de 2014, na região do Vale do Acará e Baixo Tocantins, abrangendo sete municípios do Pará. A palma pode produzir até 2 mil litros de biodiesel por hectare plantado. A Va­le consome bilhões de litros de diesel por ano. No caso do Pará, criamos o Consórcio Bio Vale, em parceria com a empresa Biopalma. O consórcio será o maior produtor de óleo de palma das Américas, com investimento deUS$ SOO milhões no projeto. Com essa parceria, a Vale vai utilizar uma parcela da produ­ção de óleo de palma para a produção de biodiesel B20 (80% de diesel comum e 20% de biodiesel), combustível que irá alimentar toda a frota de locomotivas da Estrada de Ferro Carajás, máquinas e equipamentos de grande porte das minas da empresa na região.

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• O !TV deseja seguir realmente o mo­delo do MIT? -Temos dois grandes modelos de universidade no mundo e ambos estão em Boston, nos Estados Unidos. Um é Harvard, o outro é o MIT. Harvard é a universidade acadêmica por excelência, com muitos artigos publicados, gran­de reputação dos cientistas etc. O MIT nasceu com outra dimensão, que é fazer ciência de qualidade, mas tentando o máximo possível transferir isso para o setor empresarial. Esse modelo do MIT é muito bem-sucedido. O de Harvard também é, inspirado nas universidades inglesas, como Cambridge e Oxford, mas fortaleceu sobremaneira seu braço de administração e gestão de negócios. A Harvard Business School é o elemen­to mais visível dessa aproximação do empreendedorismo. O MIT, porém, faz isso alicerçado em sua ciência, ainda que também auxilie na capacitação de pessoas e empreendedores, enquanto Harvard parece executar essas ações muito mais para o público externo do que tendo sua ciência como base.

• Foi essa prática do MIT que inspi­rou a Vale? - Isso remonta a uma frase do próprio Roger Agnelli, que falava que queria ter o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] da mineração. O ITA foi em parte decorrência de professores do MIT-o primeiro reitor do insti­tuto brasileiro, Richard Smith, era do MIT. Roger, por outro lado, fala que quer ter um MIT da Vale. A empresa já tem, de longa data, um programa de capacitação de seus executivos no MIT. Acho que essa aspiração da Vale em parte decorre do entendimento de que, quando olhamos para a universi­dade brasileira, essa faceta do instituto norte-americano é exatamente a que falta. Do transbordamento das frontei­ras, de interação com o setor privado, empresarial ... Mas ainda é um processo de construção, que demorará algumas décadas para se estabelecer.

• Mas é um modelo real a ser seguido? -É real. E acho que tem grande chan­ce de sucesso aqui porque o Brasil de hoje não é os Estados Unidos de hoje. Eu diria que, se a Vale fosse uma em­presa com sede nos Estados Unidos, ela talvez não precisasse montar o instituto

nesse formato. Ele só faz sentido aqui porque o Brasil, em várias dimensões, é os Estados Unidos de décadas atrás. O número de eletrodomésticos nas casas, o grau de alfabetização da população, a porcentagem de jovens entre 18 e 24 anos em um curso de nível superior, o número de carros ... Em vários desses parâmetros o Brasil de hoje se compara com os Estados Unidos das décadas de 1940 e 1950. Acho que há um paralelo entre os dois países. Estamos nesse pro­cesso de alcançar, superar etapas.

• O !TV funcionará dentro de um mo­delo também não convencional no Brasil de hoje, de inovação aberta [em que o fluxo de informações entre vários agentes permite que as ideias sejam mais bem aproveitadas mesmo que não seja neces­sariamente por quem as gerou}? -A Vale já trabalha com inovação aberta. É importante dizer que a em­presa tem e continuará tendo outros centros de P&D, que fazem pesquisas voltadas para as necessidades imediatas. O centro de que falei no início, em San­ta Luzia, faz isso e continuará existindo assim como os dois outros, o Centro de Tecnologia de Ferrosos, também em Minas, e o que funciona no Canadá. Eles são fundamentais para o sucesso da empresa no seu dia a dia.

• Esses centros são semelhantes ao que a IBM anunciou que vai instalar no Brasil? - Exatamente. Acho que a IBM, na sua sede nos Estados Unidos, se situa de forma semelhante a um conjunto hoje pequeno de empresas no mundo que tem P&D de longo prazo, como

a HP, a Siemens, a GE, a Dupont, por exemplo. AGE também está montando um centro no Brasil. A maior parte das empresas trabalha apenas no curto pra­zo, buscando suas soluções fora ao fazer acordo com as universidades. Agora, a Vale se situa como uma das poucas em­presas no mundo, em conjunto com as acima citadas, que passa a ter também um grupo de P&D de longo prazo.

• Como vão funcionar as três unidades previstas do !TV? -Na primeira delas, em Belém, traba­lharemos com a Universidade Federal do Pará, Universidade Rural da Amazô­nia, Embrapa Ocidental, com o Museu Goeldi, instituições que estão ali e são parceiros privilegiados porque a pro­ximidade física facilita a colaboração. Isso não exclui a parceria com outras instituições. Já temos um acordo assi­nado com o MIT, que vai mandar pro­fessores para lá, assim como docentes e estudantes brasileiros também irão para o instituto americano.

• Qual é o foco dessa unidade? - Desenvolvimento sustentável e em­preendedorismo. Esse acordo de coo­peração é importante, o primeiro desse tipo que o MIT faz com uma instituição vinculada a uma empresa.

• E dentro dessa temática vocês estuda­rão o quê, exatamente? - Meio ambiente, para mim, é a área mais importante nesse conjunto. Os dois países de onde é extraída a maior parte do minério de ferro para expor­tação são Brasil e Austrália. A Austrália é o país com maior desenvolvimento

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em ciência e tecnologia para minera­ção. Mas lá eles mineram no deserto. Nós fazemos isso na floresta tropical. De um lado, temos de mexer na flo­resta, de outro, chove muito, tem uma série de condições que são diferentes, demandam tecnologias e têm impactos ambientais diferentes. O que os austra­lianos pesquisam não é necessariamen­te aplicável para o que fazemos aqui.

• Onde ficarão os outros dois campus do ITV? - Um estará em Ouro Preto, em Minas Gerais, dedicado à atividade da mine­ração. O outro ficará em São José dos Campos, em São Paulo, e terá estudos dirigidos para a área de energia. Tanto para o de Belém como o de Ouro Preto temos o projeto arquitetônico e esta­mos avançando no detalhamento da engenharia e finalizando a contratação dos diretores. Em seguida contratare­mos os pesquisadores.

• O ITV terá quantos pesquisadores? - Entre 50 a 60 em cada uma das três unidades, todos doutores, contratados pelo ITV com plano de carreira, salário e vantagens, que farão pesquisa no âm­bito de linhas temáticas que estão sendo definidas em uma série de workshops. Além desses doutores vamos ter um grupo adicional entre 100 e 120 de pós­-doutores nas três unidades. Ou seja, te­remos ensino de pós-graduação stricto sensu, credenciado na Capes, com mes­trados, doutorados, técnicos e o corpo administrativo. Ao todo, cada unidade terá entre 350 e 400 pessoas. Foi feito um edital conjunto com a FAPESP, em São Paulo, a Fapemig, em Minas, e a Fapespa, do Pará. O convênio com as FAPs, assinado em 2009, contribui pa­ra termos outros pesquisadores desses

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estados fazendo uma parte dos projetas em colaboração com os pesquisadores das unidades do ITV. São R$ 120 mi­lhões envolvidos no projeto.

• Em qual proporção? - Em São Paulo e Minas a relação é um para um: R$ 20 milhões da Vale, R$ 20 milhões da FAP. No Pará, onde a FAP está ainda em processo de conso­lidação, também são R$ 40 milhões no total, só que R$ 8 milhões da fundação e R$ 32 milhões da Vale. No total a Vale apartará R$ 72 milhões e as FAPs R$ 48 milhões. O convênio é de quatro anos, a duração de um temático da FAPESP.

• O que os projetas envolvem? -Nesses casos podem envolver bql­sa, equipamento, custeio, uma parte pode ser construção. A Vale já tinha um plano de investir mais ou menos esse volume de recursos, que antecedeu minha entrada na empresa. No fim, é uma equação onde todos ganham. No formato anterior dos projetas da Vale era assim: se havia um porto em que era preciso ser mais eficiente a empresa in­vestia. O de Tubarão, no Espírito Santo, é o porto graneleiro mais eficiente do mundo. E só se tornou exemplar nes­se nível porque a empresa contratou projetas de pesquisa nas universidades, especificamente na USP, que deram re­sultado. Mas isso não resolve o futuro. Como ficam os problemas daqui a 10 anos, 20 anos? Os editais em curso com as FAPs são para isso, queremos olhar para temas distantes com chances de mudar o negócio na Vale. Um exemplo que gosto de usar é dos motores cerâ­micos. Há uns 20 ou 30 anos havia essa promessa de que o motor cerâmico era a grande revolução. Não haveria motor de carro feito com ferro, seria tudo ce-

râmico porque a resistência era muito maior. Isso não se tornou realidade, não sei por quais razões. Mas e se tivesse acontecido? A Vale teria que estar pre­parada. Quem vai olhar as coisas sob esse aspecto para a empresa será o ITV, que tem de estar antenado no mundo e tentando ver quais as possibilidades de mudar o negócio.

• O ITV terá gente de todas áreas ou só as ligadas àquele tema específico de cada unidade? -Teremos pesquisadores os mais diversos, inclusive de ciências huma­nas. Gente que estuda o direito, a an­tropologia, a sociologia, algumas das áreas que são importantes para nós. Há estudos que são mais remotos, mul­tidisciplinares. O que a Vale será daqui a 50, 100 anos? Não sei, mas nenhuma empresa quer morrer. A Vale tem a am­bição de em 2014 ser não só a maior mineradora do planeta como também a melhor. Mas e em 2024? Em 2034? Nessa época, com os resultados apre­sentados pelo ITV, ela vai continuar sendo a melhor e a maior porque terá olhado para o futuro antes dos outros e terá se antecipado às necessidades do mundo daqui 20 ou 30 anos.

• Qual a importância da unidade de São José dos Campos nessa estratégia? -Ela é importante por várias razões. Uma delas é que está em São Paulo, base de produção de energia renovável no Brasil, se considerarmos o etanol. Te­mos também 50% de ciência e tecno­logia produzida no país no estado. Há a FAPESP, um braço forte de investimento em pesquisa. Por outro lado, em São José dos Campos tem o ITA e o Inpe, [Ins­tituto Nacional de Pesquisas Espaciais], duas instituições importantes. Já temos uma parceria com o ITA na empresa VSE, Vale Soluções em Energia, para produzir motores e turbinas movidas a biocombustível, e porque a empresa tem necessidade de geração distribuída de energia. A VSE tem dois anos e é uma iniciativa em parceria entre o BNDES, que financia 48%, e a Vale (52%).

• Nos cursos de pós-graduação está pre­vista a formação de empreendedores? - As universidades são o principal lo­cal onde surge a inovação no Brasil e o pesquisador, em geral, tem uma grande

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Vamos falar sobre suas próprias pes­quisas. Do que tratam suas patentes? -As duas patentes foram concedi­das no Brasil, na China, no Canadá, na Comunidade Europeia, na Coreia, no Japão e no México. Trata-se de trata­mento de epilepsia. Há uma condição de epilepsia que se chama pós-traumá­tica. Se você tiver um trauma crânio­-encefálico de grande magnitude, quer dizer, uma pancada que o faça perder a consciência e provoque uma perfu­ração do crânio, existe o risco de se desenvolver epilepsia. O risco é tanto maior quanto maior for a lesão e, claro, também dependendo de que área do sistema nervoso for afetada. Não existe hoje nenhuma intervenção terapêutica que possa ser feita que diminua o risco de desenvolver epilepsia depois de uma pancada séria na cabeça. Comecei a pesquisa ainda como projeto de ini­ciação científica, da Cristina Massant, com bolsa da FAPESP. A patente trata do uso da droga escopolamina, que pode também ser usada como soro da verdade. Embora tenha potencial alucinógeno, é usada em voluntários humanos sadios, normais, para imitar uma condição de doença de Alzhei­mer. Ela causa uma perda de memória transitória, só quando se toma a droga. É a mesma usada no golpe "boa noi­te, Cinderela': Uma das empresas que poderiam investir nela como medica­mento não se interessou porque viu um potencial de uso ilícito. A condição que vi nos animais no laboratório é que, usada no período correto, pou­cos desenvolviam epilepsia. E, quando desenvolviam, era uma crise menos intensa. Como houve resistência da indústria, busquei outra droga com uso clínico parecido, mas sem poten­cial alucinógeno. Usei o biperideno, utilizado para tratar Parkinson, mas numa dose muito menor e em outra condição. Mostrei em animais de la­boratório e, preliminarmente em seres humanos, que se usar biperideno, de­pois de uma pancada muito forte na cabeça, num período muito específico, é possível evitar a epilepsia. Patentea­mos também essa droga.

O instituto tem de estar antenado no mundo para perceber as possibilidades de mudança para a Vale

• O mecanismo das duas drogas então é o mesmo? - É o mesmo. E, por isso, como as duas interferem no mesmo receptor, eu, no segundo caso, patenteei tam­bém a classe de drogas que agem nesse receptor. É uma patente mais abran­gente. Mas ainda assim não consegui trabalhar com ela, nem interessa a uma indústria, ainda.

As novas atividades diminuíram sua produção acadêmica? - Falta tempo, mas neste ano consegui publicar sete artigos próprios ou em colaboração com outros pesquisado­res, todos sobre neurociência. Também este ano foram defendidas três teses de doutorado onde sou o orientador principal. Outras duas teses e uma dis­sertação de mestrado serão defendidas ainda em 2010.

• Como arruma tempo? -Acordo às cinco horas, escrevo e­mails, resolvo pendências. Quando estou em São Paulo marco reuniões no fim ou no começo do dia, no final de semana ... É o único jeito de fazer o tempo render.

• E como um neurocientista se tornou diretor do instituto tecnológico de uma mineradora? - Vim a uma reunião com o Roger em agosto de 2008, numa sexta-feira. Na época já havia os prenúncios da crise, embora o mundo parecesse saudável,

e o Roger estava sempre na imprensa falando que precisava de profissionais como soldadores e engenheiros, mas não achava. Eu havia me tornado pró­reitor de Graduação da Unifesp em 2005 e no âmbito do Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais] tínhamos criado quatro campi e 18 no­vos cursos de graduação. Durante essa expansão havia a possibilidade de abrir um campus em Osasco e uma das ideias era que fosse na área de engenharia. Montamos uma comissão para estudar o assunto e percebemos que a Vale po­deria ser um parceiro privilegiado da Unifesp. A universidade tem excelentes indicadores em vários patamares e eu acreditava que fazia sentido tentar criar uma parceria forte entre a empresa que precisava de engenheiros bem forma­dos e uma nova escola de engenharia. Foi essa a conversa que vim ter com o Roger. Fiquei um ano insistindo até conseguir marcar uma reunião por causa da agenda dele. Na sala estavam ele e a diretora executiva de recursos humanos, Carla Grasso. Vendi meu peixe por meia hora. Quando acabei, ele falou, "útimo, isso é muito legal, mas eu tenho um sonho. Quero mon­tar o Instituto Tecnológico Vale, uma entidade semelhante ao MIT. Acho isso importantíssimo, um legado que a Vale tem de deixar para o Brasil. Você me ajuda?". Eu disse que sim, que conhecia muita gente boa e voltei para o meu assunto. Ele tornou a falar do instituto, eu voltei a falar dos cursos que queria criar, e na terceira vez, ele disse, "Você não está entendendo, estou falando em você trabalhar aqui". De fato, eu não tinha vindo para ser recrutado, não estava pedindo emprego. Mas fiquei absolutamente fascinado com a pos­sibilidade de tocar um projeto gran­dioso e importante como esse. No dia seguinte, um sábado, acordei às quatro horas da manhã, já montando o insti­tuto. Como seria, quais pesquisadores teria, de que jeito, fui olhar no Google Earth para ver onde poderia ficar a uni­dade de Belém ... Ter um convite des­ses para fazer um projeto desse porte numa empresa como a Vale, num país como o Brasil, e no atual momento do mundo é uma oportunidade única. E também uma responsabilidade do ta­manho do mundo. •

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oinhos de vento de cerca de 110 metros de altu­ra transformam em energia os ventos alísios que sopram constantemente durante todo o ano nas costas e no interior do Nordeste brasileiro, asse­gurando aos parques eólicos instalados na região uma produtividade bem acima da média mundial. "Os parques eólicos de Pernambuco, Ceará e Rio

Grande do Norte produzem bem mais do que os da Europa, China ou Estados Unidos", diz o engenheiro aeronáutico Odi­lon Camargo, um dos donos da empresa Camargo Schubert, de Curitiba, no Paraná, responsável pelo Atlas do potencial eólico do território brasileiro, lançado em 2001 pelo Ministério das Minas e Energia e Eletrobrás. O atlas apontou um poten­cial eólico para o Brasil da ordem de 143 gigawatts, ou seja, 10 vezes a capacidade de Itaipu. "O potencial estimado naquela época já era maior do que tudo o que se tem hoje instalado em termos de geração de eletricidade, que é da ordem de 100 gigawatts", diz Camargo, que antes de se tornar empresário era pesquisador do Centro de Tecnologia Aeroespacial ( CTA) do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, no interior paulista.

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Esses ventos excepcionais, aliados a projetas de grande escala em exten­sões de área com baixa ocupação de­mográfica e à crise do crédito mundial em 2009, que fez a oferta de máquinas ser maior em relação à procura, leva­ram as empresas nacionais e algumas multinacionais a investir no promissor mercado brasileiro. O resultado disso é que o preço médio da energia eóli­ca baixou consideravelmente nos dois leilões de energia renovável promovi­dos pela Agência Nacional de Energia Elétrica em dezembro de 2009 e agosto de 2010, tornando-a altamente compe­titiva. Em dezembro do ano passado, com a contratação de 1.808 megawatts (MW) para entrega até julho de 2012, o megawatt-hora ficou em R$ 148,30. Já em agosto, com a encomenda de 70 no­vas usinas que somam 2.047 MW para entrega em outubro de 2013- capaci­dade que corresponde a mais de uma vez e meia a usina nuclear de Angra 2 -, o megawatt-hora caiu para R$ 130,86,

POTENCIAL EÓLICO DO BRASIL

bem mais baixo que o valor ofertado pelas usinas movidas a queima de baga­ço de cana (R$144,20) e pelas pequenas centrais h idrelétricas (R$141,93).

Alternativa energética - Matéria publicada no caderno de Negócios do jornal O Estado de S. Paulo no dia 25 de outubro relata que é recente a eferves­cência no setor. "Tem pouco mais de um ano. Antes disso, o preço da ener­gia eólica era inviável para a realidade brasileira. Mas os ventos m udaram e os projetas deixaram de fazer parte da ideologia dos ambientalistas para virar alternativa de abastecimento energé­tico do país." A mudança dos ventos trouxe em seu rastro empresas de todas as partes do mundo, como a argentina Impsa e a norte-american a General Electric, qu e já estão produzindo. Na disputa pelo mercado brasileiro estão ainda a espanh ola Gamesa, a india­na Suzlon, a dinamarquesa Vestas e a alemã Siemens, além da francesa Als-

Levantamento de 2001 mostra onde estão os melhores ventos

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tom. Pioneira no Brasil, a Wobben de Sorocaba, com a tecnologia da alemã Enercon, continua a se manter entre as líderes de nosso mercado.

Embora tenha o maior parque eó­lico da América Latina e a sua capaci­dade instalada atual de 835 MW tenha aumentado em 15 vezes nos últimos 10 anos, os ventos ainda correspondem a menos de 1% da energia produzida no Brasil. No ranking dos países pro­dutores, os Estados Unidos lideram com 35 gigawatts (GW)- ou 35 mil MW- de capacidade instalada. Na se­quência vêm a China, com 26 GW, e a Alemanha, com 25,8 GW, segundo a Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA, na sigla em inglês). Enquanto as fabricantes multinacionais dominam o fornecimento de máqu inas para os projetas ganhadores dos leilões e res­pondem pelos maiores investimentos no país, nas universidades e centros de pesquisa brasileiros o foco de interesse é o desenvolvimento de aerogeradores ou geradores eólicos- equipamentos que formam um conjunto com as pás feitas normalmente de fibra de vidro e um gerador elétrico - de pequeno porte, apropriados para uso em co­munidades isoladas, fazendas ou áreas sem acesso à energia convencional. Eles seguem a trilha aberta pelo engenheiro aeronáutico Bento Koike, da empresa Tecsis, de Sorocaba, no interior paulis­ta, que também trabalhou no CTA e, ao sair, dedicou-se ao desenvolvimento de uma tecnologia própria para fabri­cação das pás dos aerogeradores, que hoje são um sucesso de mercado. Sua empresa chegou a fabricar cerca de 7 mil pás sob encomenda por ano, com comprimento de 40 a 50 metros, e tem contrato de fornecimento com a GE e outros fabricantes de peso do mercado mundial de aerogeradores.

Pequenos no mercado - Um dos pro­jetas realizados por pequenas empresas iniciado em 2003 pela Eletrovento, que na época estava abrigada na Incuba­dora de Empresas de Base Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), resultou em dois geradores eólicos de baixa potência, um de 0,5 e outro de 2 quilowatts (kW), que estão prontos para serem comercializados. Máquinas capazes de transformar a energia cinética dos ventos em energia

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elétrica, os aerogeradores são dotados de sensores que identificam a direção e a intensidade do vento e se ajustam para aproveitar o maior potencial em cada momento.

Os modelos mais populares são os horizontais de três pás, por apre­sentarem maior eficiência energética em decorrência da melhor distribui­ção das tensões diante das mudanças da direção do vento. A energia obtida pode ser transferida diretamente para a rede elétrica convencional ou utiliza­da em sistemas isolados. Coordenado pelo engenheiro eletrônico Cassiano Nucci Paes Cruz, o projeto apoiado pela FAPESP na modalidade Pesqui­sa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) tinha como objetivo inicial o desenvolvimento de um aerogerador com capacidade instalada de 5 kW.

"Projetado com uma folga de efi­ciência, transformou-se em um aero­gerador comercial de 7 kW, suficiente para suprir as necessidades energéticas de sete residências médias", diz Cruz. No decorrer do projeto foram desen­volvidos os dois outros modelos de 0,5 e 2 kW que serão os primeiros a ser vendidos pela Eletrovento, que em feve­reiro deste ano passou para o controle

MODELOS

HORIZONTAIS

DE TRÊS PÁS

APRESENTAM

MAIOR EFICIÊNCIA

ENERGÉTICA

da empresa Everest, de Mairinque, no interior paulista, assim como a tecnolo­gia desenvolvida por Cruz, em parceria com o engenheiro Rubens Luciano. "A tecnologia envolve desde a construção das pás de fibra de vidro até o controle eletrônico responsável pelos ajustes da máquina, capaz de se adaptar tanto às enormes variações de vento quanto à carga elétrica", diz o pesquisador.

A quantidade de energia gerada de­pende das correntes de vento no local da instalação. "Com um vento médio de 6 metros por segundo, ou 22 quilôme­tros por hora, o gerador eólico de 0,5 quilowatt consegue produzir em torno

de 60 kWh por mês", diz Carlos Pascoal Fernandes, diretor operacional da Ele­trovento. A energia gerada dá para ali­mentar uma geladeira, uma televisão, antena parabólica, algumas lâmpadas e um computador, ou seja, suficiente para uma casa pequena, com poucos mora­dores. Para efeito de comparação, uma residência média brasileira consome em torno de 100 a 150 kWh por mês. "Já com o gerador de 2 quilowatts e a mesma quantidade de vento é possível produzir 250 kWh por mês." Isso resulta em uma economia da ordem de R$ 290,00 por mês na conta de consumo de energia. O preço de venda para o equipamen­to de 0,5 kW, que inclui torre, bateria e gerador, sem os custos de transporte e instalação, fca em torno de R$ 17 mil e para o de 2 kW em R$ 30 mil.

Sistemas similares - Outra empresa paulista, a Dynamis, também trabalha no desenvolvimento de um gerador eó­lico de médio porte, na faixa de 100 kW, com apoio da FAPESP, pelo Pipe, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). "Em 2003 fizemos estudos prévios em parce­ria com o ITA para o desenvolvimento de geradores eólicos", diz o engenheiro aeronáutico Luciano Tanz, que antes de se tornar empresário trabalhou na Embraer. Os estudos serviram de base para um projeto iniciado em 2006 pela empresa. "O aerogerador que estamos desenvolvendo tem cerca de 22 metros

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de diâmetro, suficiente para fazer fun­cionar uma pequena indústria, uma fazenda grande ou até um vilarejo", diz Tanz. A previsão é de que até o início de 2012 um protótipo do modelo esteja em operação. A escolha de geração de 100 kW é estratégica, segundo o pesqui­sador. "Os aerogeradores com potência abaixo de 50 kW não conseguem con­correr com o custo da energia que está no mercado", diz Tanz. "Os de 100 kW têm mais espaço para competir." Para o desenvolvimento do aerogerador a empresa se valeu da experiência obtida com a fabricação de um simulador de queda livre, um túnel de vento que gera um fluxo de alta velocidade capaz de equilibrar o peso de algumas pessoas, projeto iniciado em 2002 com apoio do Pipe. "As duas tecnologias utilizam sistemas similares", diz Tanz.

"O mercado eólico mundial de ae­rogeradores de pequeno porte encon­tra-se em expansão com uma taxa de crescimento de 53% relativo a 2007 e uma capacidade de geração de 40 me­gawatts em 2008", diz o professor Jorge Villar Alé, coordenador do Centro de Energia Eólica (CE-Eólica) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) . Os 220 fabricantes espalhados pelo mundo venderam cerca de 19 mil unidades em 2008. "Um dos

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FABRICANTES

VENDERAM 19 MIL

AEROGERADORES

DE PEQUENO

PORTE EM 2008

principais empecilhos no auxílio que o nosso centro presta a fabricantes de aerogeradores de pequeno porte é que são empresas com poucos recursos para investir na realização dos ensaios exigi­dos pelas normas do mercado interna­cional", diz Alé. "Quando as empresas tiverem incentivo governamental para fabricar seus aerogeradores, elas po­derão aumentar seus investimentos na pesquisa para desenvolvimento de pro­dutos com a melhor qualidade possível." O professor cita como exemplo o proje­to Minieólica da Espanha, que recebeu

Aerogerador de pequeno porte produzido pela Eletrovento

€ 13 milhões do governo para pesquisa e desenvolvimento de aerogeradores. "O projeto envolve 30 instituições, públicas, privadas, centros de pesqui­sa e universidades, que se dedicam a aumentar a inserção nacional de ae­rogeradores de pequeno porte conec­tados à rede elétrica ou como sistemas isolados", diz Alé.

Testes cíclicos - Entre os projetos desenvolvidos atualmente pelo CE­Eólica estão levantamento de ventos, incluindo medições com torres me­teorológicas, tratamento estatístico dos dados obtidos e determinação do potencial eólico, além de suas melho­res aplicações. Um dos projetos, com duração de cinco anos, é realizado em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco e a Escola Politécni­ca da Universidade de São Paulo, para estudos de anemometria (medição da velocidade do vento) e aerogeradores de pequeno porte. Em outro estudo, uma bancada foi especialmente de­senvolvida para realizar testes cíclicos de pás de geradores com até 3 metros de comprimento, o que corresponde à potência de 5 kW. O centro fechou uma parceria com a empresa Enersud, do Rio de Janeiro, para avaliação das primeiras pás fabricadas por ela.

Além das pás, a Enersud desenvolveu um equipamento eletrônico que possi­bilita a instalação das turbinas eólicas diretamente na rede, sem a necessidade de baterias, resultado de um convênio entre a empresa, a Universidade Federal do Ceará e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em parceria com as empresas catari­nenses Milano, de Criciúma, e a Weg, de Jaraguá do Sul, desenvolveu um gerador eólico de 15 kW, batizado de Ventus, para atender pequenas comu­nidades. Um protótipo da torre eólica está instalado em um sítio no balneário Rincão, no município catarinense de Içara, desde 2009. Ele pode alimentar até 30 residências com consumo mé­dio de 70 kWh por mês. No CE-Eólica também são estudados os modelos de aerogeradores de eixo vertical, que pela sua arquitetura podem ser utilizados em áreas urbanas, no alto de edifícios. "Fabricamos e testamos diversos pro­tótipos de eixo vertical", diz Alé.

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O Brasil tem 46 parques eólicos em operação atualmente - 38 no Nordeste e oito no Sul, que respondem pelos 835 MW de capacidade instalada. O maior produtor individual, o parque Praia For­mosa da cidade de Camocim, no Ceará, tem 104 MW. Na região de Osório, a 100 quilômetros de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, os parques de Osório, dos Índios e Sangradouro têm capacidade instalada total de 150 MW. A potência gerada pelos três juntos seria suficiente para abastecer metade da necessidade de consumo de energia elétrica da cidade de Porto Alegre, que em 2009 possuía quase 1,5 milhão de habitantes.

Hoje já se sabe que o potencial es­timado no Atlas eólico de 2001 é mui­to maior do que os 143 GW previstos.

OS PRO~ETOS

7. Desenvolvimento de um aerogerador nacional de 5 kW­n° 2002/08008-6 2. Gerador eólico de médio porte com transmissão continuamente variável - n° 2005/04435-5

MODALIDADE

1 e 2. Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas

COORDENADORES

1. Cassiano Nucci Paes Cruz -Eletrovento 2. Luciano Tanz - Dynamis

INVESTIMENTO

1. R$ 179.681,00 (FAPESP) 2. R$ 181.596,05 CFAPESP)

Turbinas instaladas em alto-mar na Dinamarca

Isso porque para esse cálculo só foram consideradas as áreas com ventos acima de 7 metros por segundo a 50 metros de altura- parâmetros avaliados co­mo um limiar de atratividade técnica para um projeto começar a ser con­siderado interessante naquela época. "De todas as áreas mapeadas, só 20% foram consideradas aproveitáveis por conta de problemas ambientais, fun­diários ou topográficos", diz Camargo. Os 50 metros eram a base média das máquinas geradoras de energia eólica. Hoje elas têm 80, 100, 110 metros de altura. "Quando aumenta a altura, o potencial aumenta também, porque há mais vento." Pelo critério utilizado na época, só a Região Sul do Brasil pode­ria gerar 22,8 GW. "Só que apenas os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em área territorial, são maio­res que a Alemanha, que já tem pra­ticamente instalados 26 GW e ainda está crescendo", diz Camargo. Como ambas têm ventos parecidos, já se sabe que o potencial da Região Sul é muito maior do que o inicialmente previsto. O interior da Bahia, próximo à região do rio São Francisco, assim como outras áreas do Nordeste também são promis­sores para esses empreendimentos. Mas existe potencial aproveitável em todas as regiões do Brasil.

A Alemanha tem hoje duas Itaipus de energia eólica em capacidade ins-

talada. "Lá o interesse por essa fonte energética surgiu depois do pânico geral causado pelo acidente nuclear de Chernobyl, na década de 1980", diz Camargo. No Brasil, como consequên­cia do racionamento de 2001, após o apagão causado pelo baixo volume de água nas hidrelétricas, o governo criou em 2002 o Programa de Incen­tivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que resultou em um primeiro impulso para uso de biomassa, pequenas centrais hidre­létricas e eólicas. A primeira grande compra de energia eólica pelo governo no Proinfa foi de 1.453 MW, em 2005 . Depois disso, por meio do Programa Subvenção Econômica da Finep, o governo federal lançou dois editais que também contemplavam projetos para a área energética. No primeiro deles, em 2007, apenas dois projetos de energia eólica foram apresentados. Em 2009, o número saltou para 16, com propostas que abarcaram desde o de­senvolvimento de equipamentos ele­troeletrônicos aplicados à produção de energia eólica, apresentada pela Weg, de Santa Catarina, passando pelo de­senvolvimento de torres, pela Seccio­nal Brasil, do Paraná, até a produção de aerogeradores de pequeno porte, pela Clamper, de Minas Gerais.

Energias complementares - Como os novos reservatórios de água do Brasil encontram-se distantes dos maiores mercados consumidores, as eólicas são vistas pelos especialistas como complementares às hidrelétricas. "As duas hidrelétricas em construção no rio Madeira, a de Santo Antônio e Gi­rau, têm juntas 6.600 MW de potên­cia, mas por praticamente não terem reservatório a quantidade de energia gerada na época da cheia e da vazante é completamente diferente", diz Pedro Perrelli, diretor executivo da Associa­ção Brasileira de Energia Eólica (Abe­eólica), que congrega 70 empresas da cadeia geradora. "O regime de chuvas na Amazônia que origina a cheia dos rios e o regime de ventos do Nordeste são complementares." Isso porque os períodos de seca, quando os reservató­rios das barragens estão nos seus níveis mais baixos, coincidem com o período de maior incidência e intensidade dos ventos no Nordeste.

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 21

Page 22: A energia dos ventos

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MERCADO EM ASCENSÃO Aumento substanc ial da capacidade instalada em megawatts

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* 25/10/2010-835 MEGAWATTS I FONTES: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE ENERGIA EÓLICA {WWEA)/ ANEEL

Em artigo publicado no Proceedin­gs of the National Academy of Sciences (PNAS) em 2009, pesquisadores da Universidade Harvard estimaram um potencial de geração eólico 40 vezes maior do que a atual produção mundial de eletricidade. "A pesquisa aponta que o Brasil tem um potencial eólico equi­valente a 25 vezes a capacidade atual de geração do país", diz Alé. Esse cálculo não leva em consideração os impactos sociais, econômicos e ambientais. Esse é um ponto que deve ser considerado antes da instalação de um parque eóli­co, para evitar o que ocorreu em 2009 no Ceará, quando o Ministério Público Federal denunciou diversos problemas socioambientais, como devastação de dunas, aterramento de lagoas, inter­ferência em aquíferos, destruição de moradias, assim como conflitos com comunidades de pescadores. "Todos os possíveis impactos ambientais devem ser estudados antes da implantação dos parques eólicos", diz Alé. Colisões de aves e morte de morcegos, efeito de ruí­dos das máquinas, assim como efeitos de sombras e possíveis interferências eletromagnéticas, têm sido amplamen­te estudados por especialistas que tra­balham com energia eólica.

22 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

IMPACTOS AMBIENTAIS. SOCIAIS E ECONÔMICOS TÊM DE SER AVALIADOS ANTES DA INSTALAÇÃO DE UM NOVO EMPREENDIMENTO

"Um problema que existe na Alema­nha e em outros lugares, onde existem parques eólicos instalados próximos a áreas residenciais, é a sombra da pá giran­do que projeta um efeito de cintilação em algumas janelas das casas, que incomoda os moradores", diz Camargo. A solução apontada pelo engenheiro é a colocação de um sensor que, em determinados pe-

ríodos do dia propícios a esse fenômeno, faria a máquina dar uma parada. "É um problema fácil de sanar", diz. Em rela­ção a colisões de pássaros, Camargo diz que antes as máquinas eram pequenas e por isso tinham um giro muito rápido, o que atrapalhava as aves. Hoje, mesmo na rotação máxima, as pás são bastante visíveis. "Houve uma grande redução na velocidade angular e as máquinas ficam a pelo menos 40 metros do chão."

Baixo impacto - O Conselho Mundial de Energia Eólica (GWEC), em parceria com o Greenpeace, divulgou um levan­tamento mostrando que a energia eólica deverá atender 12o/o da demanda elétrica mundial em 2020 e poderá chegar a 22o/o em 2030. De acordo com o estudo, essa fonte terá participação estratégica na redução das emissões de gases estufa nos próximos anos. O interesse é tanto por essa energia renovável de baixo impacto que o gigante de buscas Google anunciou em outubro que investiria recursos em um projeto deUS$ 5 bilhões, que prevê a instalação de uma linha de transmissão de energia elétrica de 563 quilômetros que vai interligar usinas eólicas construídas no mar à costa leste dos Estados Unidos. As linhas de transmissão também são uma preocupação brasileira, mesmo com os parques eólicos construídos em terra firme ou próximos da costa. Tanto que a Abeeólica pretende entregar ao governo federal até o final deste ano um estudo propondo a construção de uma grande linha de transmissão, com quase 1.000 quilômetros de comprimento, exclusiva para energia eólica. "Essa linha sairá de Pau Ferro, em Pernambuco, passará pela Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e terminará em São Luís, no Maranhão", diz Perrelli. Para construir essa linha serão necessários cerca de R$ 800 milhões. "Ela vai complementar a rede convencional e criar subestações em locais que estão hoje sobrecarregados." O linhão, como está sendo chamado, também reduziria o custo de energia, como consequência da diminuição das distâncias entre os parques geradores e as linhas de transmissão. •

Art iço científico

LU, X.; MCELROY, M.B.; KIVILUOMA, J. Global potencial for wind-generated electricity. PNAS. v. 106, n. 27, p. 10.933-38. 22 jun. 2009.

IIPCC lN( SUGESl

O Painel lnt daONUpa Climáticas ( em inglês)' as recomen~ em setembr comitê inde de especiali: de reforçar de suas aval as sugestõe> em cuja cor o diretor ci~ FAPESP, C2 de Brito Cr ser ainda rr captação e dados, dan< incorporaç; divergente> a transparê1 informaçãc da literatm isso precis< para evitar ligado ao Ir (IAP), foi< Nações Un os procedi1 que foi alv< a descober pontuais e de 2007. A avaliações, foi posta e especialist arregaçar; fazer melh que nunca Pachauri, comando' o comitês também n

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Page 23: A energia dos ventos

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IIPCC INCpRPORA SUGESTOES

O Painel Intergovernamental da ONU para as Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) aceitou adotar as recomendações propostas em setembro por um comitê independente de especialistas, a fim de reforçar a credibilidade de suas avaliações. Entre as sugestões do comitê, em cuja composição figura o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, o órgão deve ser ainda mais rigoroso na captação e divulgação de dados, dando ênfase à incorporação de informações divergentes e ampliando a transparência- se uma informação for obtida fora da literatura científica, isso precisa ser ressaltado para evitar ruídos. O comitê, ligado ao InterAcademy Panel (IAP), foi convocado pelas Nações Unidas para revisar os procedimentos do IPCC, que foi alvo de críticas após a descoberta de erros pontuais em seus relatórios de 2007. A qualidade das avaliações, contudo, não foi posta em dúvida pelos especialistas. "Precisamos arregaçar as mangas e fazer melhor e mais do que nunca", disse Rajendra Pachauri, que seguirá no comando do IPCC. Como o comitê sugeriu reformas também na estrutura gerencial, a saída do presidente foi cogitada. Atualmente o IPCC trabalha no seu quinto relatório que deve ser publicado em 2014.

NÃO AO DITADOR

Sob pressão, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) anunciou a suspensão por tempo indeterminado da concessão de um prêmio científico que seria patrocinado e levaria o nome de um ditador africano, o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema. O Prêmio Internacional Unesco/ Obiang Nguema para a Pesquisa em Ciências da Vida, no valor de US$ 3 milhões, deveria ter sido atribuído em junho. Mas entidades de defesa dos direitos humanos e vencedores do Nobel,

ESTRATÉGIAS MUNDO

SUPERCAMPUS NO SUBÚRBIO

Caminha a passos acelerados o

projeto do governo da França de

construir um supercampus cientí­

fico a 25 quilômetros de Paris até

2020. O presidente Nicolas Sarkozy

anunciou oficialmente a proposta

no final de setembro. Sua ambição

é transformar numa espécie de Ins­tituto de Tecnologia de Massachu­

setts (MIT) à francesa a região de

Saclay, que já abriga instituições de

pesquisa públicas e privadas e gran­

des instalações como o laboratório

Synchrotron Solei!. Várias Grandes

Écoles, institutos de educação su­perior de elite, serão transferidas

para Saclay, assim como parte do campus da Universidade Paris-Sud

11. Os 23 parceiros do empreendi-

mento, entre os quais agências de

pesquisa, universidades e as Grandes Écoles, vão formar um

comitê encarregado de levar o projeto adiante. São estimados

investimentos de € 4 bilhões só na construção de prédios. A

ideia é estimular a pesquisa em 12 tópicos, da nanotecnologia

à energia de baixo carbono, e dar impulso à inovação, por

meio da concentração de investimentos e de massa crítica. O

supercampus deverá abrigar 12 mil pesquisadores. Segundo

a revista Nature, Sarkozy definiu a situação atual de Saclay

como "um mosaico de instituições de alto prestígio, mas

separadas por barreiras institucionais artificiais".

como Desmond Tutu e Mario Vargas Llosa, vinham insistindo com a organização para que não se associasse a um político que está no poder desde agosto de 1979, quando depôs e mandou executar o tio, o ex-presidente Francisco Macías, é acusado de manipular as eleições e foi apontado pela revista

Forbes como o oitavo governante mais rico do mundo, embora comande um país muito pobre. O prêmio destinava-se a recompensar projetas de cientistas, instituições ou organizações não governamentais em favor da pesquisa que contribua para melhorar a qualidade de vida dos seres humanos.

PESQUISA F'APESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 23

Page 24: A energia dos ventos

I

Q_ Q_

I POLÍTICAS CONSISTENTES

Vinte anos após a reunificação de seu território, a Alemanha está conseguindo retomar a proeminência em pesquisa que detinha antes da ascensão do nazismo, observou editorial da revista Nature. Conseguiu isso através de políticas consistentes. Diversos governos têm tratado a ciência como prioridade e ampliado o investimento em pesquisa a cada ano, garantindo orçamentos crescentes para instituições como as sociedades Max Planck e Helmholtz, cujos institutos e centros de pesquisa realizam pesquisa básica, bem como para a DFG (Fundação Alemã para Pesquisa Científica), agência de fomento à pesquisa nas universidades. Os 16 estados da Alemanha também aumentaram seus orçamentos para a ciência. Os investimentos com pesquisa e desenvolvimento aumentaram de 2,27%

do Produto Interno Bruto

(PIB) em 1998 para cerca de 2,63% em 2008. Segundo o Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), os gastos da França no mesmo período caíram de 2,14% do PIB para 2,02%, enquanto os da Grã-Bretanha subiram de 1,76% para 1,88%. Mesmo agora, com o corte de 3,8% no orçamento do Ministério da Ciência alemão proposto para 2011, o montante será 7% maior do que o de 2010.

Fim do sossego para os anima is de Alamogordo

24 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

I EM BUSCA DA VAC INA

A Índia e a África do Sul vão unir-se para estudar as cepas do vírus HIV comuns nos dois países, em busca de uma vacina. Virander Chauhan, diretor do Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia, em Nova Délhi, disse à agência SciDev.Net que o projeto envolverá cinco grupos de pesquisa de cada país e contará com investimentos de US$ 1 milhão. O HIV tem vários subtipos e a maioria dos pesquisadores está debruçada sobre a cepa dominante na Europa e nos Estados Unidos.

Já o subtipo responsável por 90% das infecções na Índia e na África do Sul é diferente. Chauhan salientou que os governos dos dois países dispõem de capacidade científica na área e estão envolvidos em pesquisa de vacinas. Segundo Anastassios Pouris, diretor do Instituto para Inovação Tecnológica da Universidade de Pretória, na África do Sul, a iniciativa é insuficiente. "Os dois países respondem por apenas 6% da pesquisa nessa área. O problema da vacina contra a Aids é que, com exceção dos Estados Unidos, os demais países industrializados investem pouco no seu desenvolvimento", afirmou.

A SORTE DOS CHIMPANZÉS

O destino de'185 chimpanzés que há 10 anos habitam o Insti­

tuto de Primatas de Alamogordo, no estado norte-americano

do Novo México, opõe cientistas e defensores dos direitos

dos animais. Os chimpanzés foram utilizados em pesquisas

sobre Aids e hepatite C nos anos 1990, mas conquistaram

uma aposentadoria informal em 2001 depois que a Fundação

Couston, laboratório que os

abrigava, foi acusada de ne­

gligência. Agora os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos

Estados Unidos querem vol­

tar a utilizá-los. O argumento

é que são cruciais para pes­

quisas, principalmente para a

busca de uma vacina contra a

hepatite C. O contrato de 10

anos que garantiu sossego aos

chimpanzés em Alamogordo

vai expirar no ano que vem e os NIH não querem renová-lo.

A célebre primatóloga Jane

Goodall mandou uma carta

ao diretor dos NIH, Francis

Collins, pedindo que Alamo­

gordo seja transformado num

santuário permanente.

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O PAI DOS FRACTAIS

O matemático franco-america­

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em Cambridge, de câncer, aos

85 anos. Seu nome está liga­

do ao surgimento dos fractais,

família de formas geométricas

que ele descreveu nos anos

1970 e teve implicações em

áreas como a biologia, a física,

a astronomia ou o sistema fi­

nanceiro. Em 1975, Mandelbrot

cunhou o termo "fractal" para

descrever objetos matemáticos fragmentados e irregulares,

cuja estrutura se repete em diferentes escalas e tem vínculo

com formas encontradas na natureza. A geometria fractal é

utilizada para modelar sistemas físicos, biológicos e financei­

ros, e sustenta a física dos sistemas dinâmicos e a teoria do

caos. A imagem de fractais mais conhecida chama-se Conjunto

de Mandelbrot e foi gerada por computador, mostrando uma

estética elaborada de círculos e quase-círculos ornamentados

com extremidades espinhosas, espirais e filamentos que se

enrolam em todas as direções ao longo de diversas escalas,

numa quantidade infinita de informação.

I NA FRONTEIRA DO do conhecimento. CONHECIMENTO O Centro de Investigação

Champalimaud, em Graças a € SOO milhões Lisboa, foi inaugurado legados pelo milionário no dia S de outubro Antonio Champalimaud, seguindo um esquema que morreu de câncer em em que a pesquisa e 2004, Portugal ganhou um o atendimento médico centro que promete colocar estão totalmente sua pesquisa sobre câncer integrados. "Os médicos e neurociência na fronteira que contratarmos terão

..

SOo/o do seu tempo reservado à pesquisa", disse ao jornal O Público o indiano Raghu Kalluri, professor da Universidade Harvard e diretor da divisão de oncologia do centro. James Watson, um dos descobridores do DNA, preside o comitê científico da instituição. O centro abrigará 12 equipes de pesquisadores, que serão recrutados em vários países a partir de janeiro. "Já fomos contatados por dezenas de grupos no mundo, cientistas conságrados dos Estados Unidos, da Europa, de Cingapura", diz Kalluri. O complexo é composto por dois edifícios, ligados por uma ponte de vidro.

Centro Champal imaud: pesquisa em oncolog ia e neuroc iênci a

Num deles vão funcionar os centros de diagnóstico e de tratamento, os laboratórios e os escritórios dos pesquisadores. O outro edifício abrigará um auditório, um centro de exposições, um restaurante e os escritórios da Fundação Champalimaud. Enquanto a pesquisa contra o câncer privilegiará a aplicação clínica dos resultados, a da neurociência será mais voltada para a investigação básica.

IRMÃOS EM ÓRBITA

Os astronautas gêmeos norte-americanos Scott e Mark Kelly, de 46 anos, deverão encontrar-se na Estação Espacial Internacional em fevereiro de 2011. Scott foi na frente e chegou no mês passado à estação, a bordo de uma nave russa Soyuz, para uma missão de cinco meses e meio. Já o irmão Mark foi escalado para comandar a missão do ônibus espacial Endeavour, que deve ir ao espaço em fevereiro. "Não foi de propósito, mas tivemos sorte. Acho que vai ser divertido", disse Mark, segundo a agência Associated Press. Será a primeira vez que membros de uma mesma família se encontrarão em órbita. Nascidos no estado de Nova Jersey, os gêmeos são astronautas veteranos. Mark, que nasceu seis minutos antes do irmão, já participou de três missões em ônibus espaciais, ante duas de Scott.

PESQUISA f APESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 25

Page 26: A energia dos ventos

I

ESTRATÉGIAS BRASIL

I HOMENAGEM NA ESALQ

O engenheiro agrônomo Joaquim José de Camargo Engler, diretor administrativo da FAPESP, recebeu o troféu O Semeador, concedido pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. A premiação ocorreu durante a 53• Semana Luiz de Queiroz, realizada de 4 a 9 de outubro. O troféu é concedido há dois anos a personalidades vinculadas à Esalq que contribuem para o desenvolvimento do ensino na área de agricultura ou do agronegócio brasileiro. "Engler foi um dos principais responsáveis por transformar a então unidade de ensino, que à época era apenas Escola Luiz de Queiroz, em campus universitário, quando foi diretor em 1985, e por ter projetado a Esalq no cenário ~

nacional e internacional como um dos principais centros de pesquisa agrícola do Brasil", disse Antonio Roque Dechen, diretor da Esalq, que é professor titular do Departamento de Ciência do Solo. Também ganhou o troféu Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura entre 2003 e 2006, que é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), em Jaboticabal.

26 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

A SEMANA DA CIÊNCIA

Com o tema Ciência para o Desenvolvimento

Sustentável, a 7a Semana Nacional de Ciência e

Tecnologia, realizada entre os dias 18 e 24 de ou­

tubro, promoveu cerca de 10 mil atividades em 389

cidades. Em São Paulo foram 640 atividades em

30 municípios. O Instituto Butantan, por exemplo,

inaugurou a exposição Amigos, amigos, micróbios

à parte, sobre doenças que podem ser adquiridas

pelas pessoas quando entram em contato com

animais que convivem com o homem - que con­

tinua em cartaz até fevereiro. A Estação Ciência,

da USP, criou uma programação especial, com

oficinas interativas tratando de temas ligados à

sustentabilidade. E sediou a mostra internacional

Ver ciência, que consiste na exibição dos melhores

vídeos produzidos por TVs do mundo todo com temas cien­

tíficos. Em Campinas, cerca de 10 mil estudantes passaram

pelo Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer para

ver a 11 Mostra de ciência e tecnologia da Fundação Fórum

Campinas, com estandes de 10 instituições de pesquisa.

ESCRITÓRIO EM SÃO PAULO

A Freie Universitat Berlin (Universidade Livre de Berlim) inaugurou um escritório de representação da instituição em São Paulo. O Escritório Regional da FU Berlin no Brasil, atualmente em fase de construção, será abrigado no Centro Alemão de Inovação e Ciência (DWIH, da sigla em alemão), inaugurado em abril de 2009. A criação dos Centros Alemães de Inovação e Ciência em países estratégicos é uma iniciativa do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha para apoiar a

integração de seus cientistas a redes internacionais de pesquisa. De acordo com Claudio Struck, diretor do escritório brasileiro, a ideia é incentivar a cooperação científica entre a Alemanha e a América Latina. "A escolha do Brasil se deu porque o país vem crescendo em importância global em vários aspectos, com destaque para a área científica. O escritório tem a finalidade de atrair estudantes de graduação e pesquisadores do país para a FU Berlin, facilitar a colaboração científica e desenvolver instrumentos de cooperação para o intercâmbio acadêmico", disse Struck à Agência FAPESP.

I O RETRA­DA INOVP

Os resultados de Inovação 1 (Pintec) 2008 pelo Instituto de Geografia (IBGE), mos1 cresceu a tax; das indústria de grupos se setor de serv telecomunic informática: do setor de 1 desenvolvirr Brasil. O ín<

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Page 27: A energia dos ventos

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I O RETRATO DA INOVAÇÃO

Os resultados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) 2008, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que cresceu a taxa de inovação das indústrias, das empresas de grupos selecionados do setor de serviços (edição, telecomunicações e informática) e das empresas do setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil. O índice, que era de 34,4% no período de 2003 a 2005, chegou a 38,6% entre 2006 e 2008. Foram pesquisadas 106,8 mil companhias, das quais 41,3 mil implementaram produtos e/ou processos novos ou aprimorados entre 2006 e 2008. Das 100,5 mil empresas industriais, 38,1 o/o foram consideradas inovadoras. Na Pintec 2005, esse índice foi de 33,4%. O percentual da indústria foi menor do que o observado no setor de P&D, cuja taxa de inovação foi de 97,5%, e em serviços, de 46,2%. O aumento real do dispêndio empresarial em atividades internas de P&D foi de 23%, trazendo o valor de 2005 para 2008 com base no IGP-DI, principalmente por causa da intensificação do crescimento da economia no período coberto. A intensidade da inovação empresarial, como se sabe, depende m uito do crescimento econômico. A maior parte do crescimento observado foi verificada no setor de indústria de transformação: corrigindo os valores de 2005 para 2008 pelo IGP-DI,

Biocombustíveis: dispêndio maior

houve aumento real de R$ 2,3 bilhões. Por setor, este aumento se concentra no de fabricação de veículos (R$ 1,1 bilhão); em petróleo, nuclear e biocombustíveis (R$ 0,57 bilhão); e em fabricação

de produtos químicos (R$ 0,41 bilhão). No setor de serviços o maior aumento foi em telecomunicações ( + R$ 0,68 bilhão) e houve uma redução apreciável no setor de informática (-R$ 0,4 bilhão).

MÚLTIPLOS USUÁRIOS

Uma máquina com capacidade de processamento equiva­

lente à de 5 mil computadores domésticos de última gera­

ção interligados foi inaugurada no mês passado pelo Cen­

tro Nacional de Processamento de Alto Desempenho em

São Paulo (Cenapad-SP), instalado na Unicarrip.

O equipamento, que custou US$ 1,35 milhão,

foi financiado pela FAPESP. "Com esse reforço,

nossa capacidade computacional será ampliada

em 25 vezes", disse ao Jornal da Unicamp o

coordenador executivo do Cenapad-SP, o físico

Edison Zacarias da Silva. O parque computa­

cional é um espaço utilizado por usuários de

múltiplos segmentos da ciência e de várias ins­

tituições. Atualmente cientistas de 17 estados,

além de São Paulo, recorrem ao Cenapad-SP

para desenvolver suas pesquisas. Por meio da

internet, pesquisadores cadastrados podem sub­

meter, a partir de seus computadores pessoais,

cálculos de suas pesquisas. Quando os cálculos

terminam, o pesquisador recebe um e-mail au­

tomático informando o resultado. Nos últimos

12 anos, segundo ele, o centro gerou 1.776 pu­

blicações (revistas nacionais e internacionais,

livros e anais de congressos) e 201 teses, sendo

107 de mestrado e 94 de doutorado.

INCLUSÃO DIGITAL

A professora Maria Cecília Calani Baranauskas, do Instituto da Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC-Unicamp), conquistou o ACM Sigdoc Rigo Award 2010, que reconhece contribuições importantes em design da comunicação. A cerimônia de premiação ocorreu durante o 28° ACM International Conference on Design of Communication (ACM Sigdoc'10), realizado em setembro em São Carlos (SP). Cecília dividiu o prêmio com Clarisse de Souza, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Cecília coordena o e-Cidadania, projeto do Instituto Virtual de Pesquisas FAPESP-Microsoft Research que busca desenvolver redes sociais para pessoas com baixa escolaridade e escassa experiência no uso de computadores.

PESQUISA F'APESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 27

Page 28: A energia dos ventos

[ INTERNACIONALIZAÇÃO ]

Ambiente multicultural

Grupo de pesquisa em óptica da USP em São Carlos atrai estudantes da América Latina e Europa

FABRÍCIO MARQUES

m grupo de pesquisa em óptica liderado por Van­derlei Salvador Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), vem se destacando pela capacidade de atrair estudantes de pós-graduação do exterior. Atualmente ele conta com quatro estudantes de países latinos, sendo três da Colômbia e um do

México, e dois oriundos da Alemanha, que se integraram às linhas de investigação do Centro de Pesquisa em Optica e Fotônica de São Carlos (Cepof), um dos 11 Centros de Pes­quisa, Inovação e Difusão ( Cepid) da FAPESP, coordenado por Bagnato. Segundo o professor, o grupo tem se empe­nhado em divulgar lá fora seu programa de pós-graduação. Um exemplo disso é a participação do Instituto de Física de São Carlos no exame unificado de pós-graduações em física, que é aplicado em vários países (ver quadro). "Trata-se de uma evolução na seleção de alunos. O exame seleciona os melhores e já tem gente esperando para ser nosso estudante. Isso é fantástico", afirma Bagnato.

Mas ele observa que a inserção internacional de seu grupo dá lastro ao interesse dos estudantes estrangeiros. "Dou muitas palestras e publicamos um número elevado de artigos em revistas de impacto. Com isso, grande número de pessoas nos procura", afirma. "Mostramos aos estrangeiros que temos feito no Brasil uma ciência equivalente à dos países considerados maduros. Isso é importante, pois eles se sentem em condições de fazer o mesmo em seus países quando retornam. E alguns, de extrema boa qualidade, acabam ficando em nosso país."

O grupo de Bagnato tem dado contribuições científico­-tecnológicas relevantes à área de óptica. Em pesquisa básica, dentro do laboratório de física atômica e molecular, o grupo foi pioneiro mundial em colocar simultaneamente na mesma armadilha átomos de espécies distintas. "Isso deu origem a vários programas de pesquisas em diversos países", diz Bagnato. Essa linha de pesquisa se relaciona ao chamado Condensado de Base-Einstein, nome dado a um agrupamento de átomos

Esta é a terceira reportagem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo

Page 29: A energia dos ventos

(ou moléculas) que, quando resfriados de forma intensa, passam a se comportar como uma entidade única. Em maio pas­sado, Bagnato ganhou o Prêmio CBPF de Física de 2010, graças a um trabalho publicado na Physical Review Letters que demonstrou pela primeira vez o fenô­meno de turbulência em um Conden­sado de Base-Einstein e revelou as con­dições em que tal turbulência pode ser investigada. No experimento os físicos mantiveram uma nuvem contendo entre 100 mil e 200 mil átomos do elemento químico rubídio aprisionada por cam­pos magnéticos em um espaço dezenas de vezes menor do que a cabeça de um alfinete e resfriada a uma temperatura bem próxima do zero absoluto ( -273,15 graus Celsius). Nessas condições, os átomos de rubídio alcançam o menor nível de energia possível, praticamente param de se movimentar e passam a se comportar como se fossem um único superátomo, com a dimensão total da nuvem. Por sua importância, o artigo foi comentado pelos físicos Natalia Berloff, da Universidade de Cambridge, Inglater­ra, e Boris Svistunov, da Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, na seção viewpointda Physics, da Sociedade Americana de Física. Já no âmbito das pesquisas aplicadas, foram realizados vá­rios desenvolvimentos tecnológicos que levaram à implantação de cinco indús­trias na área de óptica. "Também com relação a aplicações de laser em medicina

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

e odontologia nossos trabalhos têm per­mitido a implantação de técnicas tera­pêuticas contra o câncer, bioestimulação e uso de laser de potência em preparos de cavidades", diz Bagnato.

Elo antigo - A vinda de estudantes da Alemanha resulta de uma colabo­ração entre o Cepof e a Universidade de Tübingen. O físico alemão Philippe Wilhelm Courteille, contratado como professor doutor no IFSC, lecionou em Tübingen até 2009. Ele tem um elo an­tigo com o Brasil: um de seus cinco pós­-doutoramentos foi feito em São Carlos, com bolsadaFAPESP,entre 1999 e2000. Hoje Courteille orienta alunos nos dois países. Um deles, Dominik Vogel, está em São Carlos desde agosto para concluir a tese que conferirá o grau de mestre na Alemanha, com bolsa do Daad, agên­cia alemã de intercâmbio. Seu tema é a estabilização de frequência de um laser de díodo para operar uma armadilha para criar condensados de Base-Einstein de estrôncio. Não é a primeira vez que Vogel busca experiência internacional. Em 2006 passou um ano na Universida­de de Guadalajara, no México. "Lá não havia muita pesquisa em comparação com Tübingen e fiquei receoso de que isso pudesse acontecer no Brasil. Ago­ra, depois de um mês trabalhando aqui, não me arrependo da decisão. O grupo é multicultural e a qualidade da investi­gação parece-me muito alta. Não tenho

Page 30: A energia dos ventos

Vanderlei Bagnato: física de fronteira

dúvidas de que poderei fazer minha tese aqui com a mesma qualidade que teria na Alemanha", afirma.

Vanderlei Bagnato destaca a deter­minação dos estudantes estrangeiros. "Um indicativo da disposição é que eles deixaram seus países e procuraram outros lugares para se aperfeiçoar. Eles normalmente toleram mais o estresse exigido na pós-graduação", diz o profes­sor. O colombiano Andrés David Rodrí­guez Salas graduou-se neste ano na Uni­versidad del Atlántico, em Barranquilla, e conseguiu ingressar no programa de mestrado em física do IFSC, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A opção pela USP foi natural. "Procurava uma oportunidade de completar minha formação acadêmica e realizar pesqui­sas em temas a tua is e de impacto. A USP é a melhor universidade do Brasil e a melhor da América Latina. E aqui no IFSC há excelentes professores e labo­ratórios equipados com tecnologia de ponta, além de ser possível participar de projetos de grande impacto mundial", afirma. Na Colômbia, ressalta, isso seria mais difícil. "Estudar no meu país, na maioria das vezes, significa investir uma grande quantidade de dinheiro num curso de pós-graduação e não receber uma educação completa. Lá não exis­tem programas de bolsas. O que há, na melhor das hipóteses, são auxílios que ajudam a pagar os estudos exigindo em troca dos estudantes que cumpram uma carga de aulas", diz.

30 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

O também colombiano Freddy Ja­ckson Poveda Cuevas, que está fazendo doutorado no IFSC, foi estimulado a estudar no Brasil por um professor do curso de física da Universidad Pedagó­gica y Tecnológica de Colombia, onde se graduou. "Esse professor havia feito mestrado, doutorado e pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Gran­de do Sul e me falou que o Brasil era um excelente país para estudar porque tinha bolsas e seria culturalmente rico para minha formação", afirma. "Então decidi me candidatar, mas não para a USP porque nesse momento não ti­nha exame unificado. Enviei os meus documentos para o Instituto de Física Teórica da Unesp e concluí meu mes­trado lá em março de 2009. Agora, no doutorado, procurei a USP", afirma.

Um dos alunos estrangeiros de Bag­nato tem bolsa da FAPESP. O profes­sor orienta, desde 2006, o doutorado direto do físico mexicano Jorge Amin Seman Harutinian, num projeto inti­tulado "Experimentos com magnetis­mo quântico numa amostra de átomos frios Base-condensados". O artigo de Bagnato na Physical Review Letters que trata do fenômeno da turbulência tem Harutinian como coautor. Ele se gra­duou na Universidade Nacional Autô-

Disposição

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noma do México (Unam), a melhor do país, mas optou por fazer doutorado no Brasil depois de aconselhar-se com o professor Victor Romero, do Insti­tuto de Física da Unam, que mantém colaboração com Bagnato. "O Brasil é um país latino-americano com proble­mas muito similares aos encontrados no México. No entanto, nos últimos anos, o governo brasileiro, tanto o fede­ral quanto o estadual, vem implemen­tando políticas que favorecem o desen­volvimento científico e tecnológico do país. Ao mesmo tempo, os cientistas brasileiros estão fazendo um esforço enorme para produzir mais e melhor. Então para mim ficou claro que no Brasil não só poderia aprender física, mas também fazer ciência experimental de qualidade em um país semelhante ao meu", afirma. O estudante ressalta a importância da bolsa que recebe da FAPESP, no valor de R$ 2.541,30 men­sais. "Considero a FAPESP uma das me­lhores instituições de financiamento à pesquisa que existem. A bolsa é mais que suficiente para viver bem, princi­palmente numa cidade pequena como São Carlos. A oportunidade de ter uma reserva técnica tão generosa para mim foi incrível", afirma.

Boas cabeças- Para Vanderlei Bagna­to, o apoio das agências de fomento tem sido fundamental para a estratégia de internacionalização de seu grupo. ''As bolsas, os recursos para os projetos, a infraestrutura criada, a possibilidade de comprar equipamentos modernos para seguir o ritmo da ciência mun­dial, tudo isso só é possível com o apoio das agências. Em São Paulo, a FAPESP tem nos permitido ser um pouco mais ousados, realizando uma ciência de base, que exige investimento e tempo." Segundo ele, são exatamente essas ca­racterísticas que atraem os estrangeiros. "O aluno quer fazer pós-graduação nos Estados Unidos ou na Alemanha por saber que lá encontrará gente fazen­do coisas significativas para a ciência e com condições técnicas para trabalhar. Esta condição essencial, a FAPESP tem permitido fazer aqui no estado de São Paulo, onde a chamada física defrontei­ra é uma realidade. Esta física alimenta

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Page 31: A energia dos ventos

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o espírito dos jovens que querem entrar na carreira científica", afirma. Bagnato ressalta que os valores das bolsas ofe­recidas no país são bastante atraentes. "Hoje as bolsas da FAPESP estão entre as melhores do mundo. Esse ingredien­te nós já temos. Precisamos agora ter de nos atrever com a ciência e com os temas para atrair as boas cabeças de todo o mundo", afirma.

A intenção do IFSC é ampliar ain­da mais o contingente de estudantes e pesquisadores estrangeiros. Em abril de 2011, Vanderlei Bagnato vai coorde­nar a Escola Avançada Desafios Mo­dernos com Matéria Quântica: Áto­mos e Moléculas Frias, financiada pela FAPESP numa modalidade de apoio que busca aumentar a exposição inter­nacional de áreas de pesquisa de São Paulo já competitivas mundialmente. Além de discutir um tema emergen­te, o que se busca, segundo Bagnato, é atrair bons alunos do exterior e de outros estados para atuar em São Pau­lo. Como acontece em todas as Escolas Avançadas, a metade dos alunos convi­dados virá de outros países e a ambição do programa é que parte deles se can­didate a bolsas de pós-doutoramento no Brasil. No rol de atividades, os par­ticipantes conhecerão laboratórios de universidades paulistas, como a USP e a Unicamp. "Ciência não tem nacio­nalidade nem território. Se quisermos fazer ciência, temos de contar com todos. Foi dessa forma que grandes nações criaram seu talento científico, contando com as melhores cabeças do mundo e não apenas de sua vizinhan­ça", diz o professor. "Saímos ganhando de várias maneiras: temos as melhores cabeças trabalhando para o país, co­locamos nossa cultura no cotidiano dessas pessoas, tornamos nossa pro­dução tecnológica disponível a todos. Quando esses alunos voltam aos seus países, levam consigo o Brasil e deixam aqui um pouco de seu talento, de sua juventude. Isso tudo nos enriquece co­mo nação séria em ciência", afirma. •

I

\

Alunos estrangeiros na pós-graduação Física cr ia exame unificado e traz estudantes de fora

Já chega a cerca de 10% a proporção de candidatos estrangeiros nos programas de pós-graduação em física de várias universidades paulistas, graças ao advento de um exame unificado de seleção que é aplicado simultaneamente no Brasil , em países da América Latina e até na Europa e na Ásia. Desde 2008, um exame comum é patrocinado pela USP (Institutos de Física em São Paulo e São Carlos), a Unicamp, a Unesp (Instituto de Física Teórica) e as universidades federais de São Carlos (UFSCar) e do ABC (UFABC), que dividem tarefas na formulação e aplicação do teste. Outras instituições, como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e as universidades federais da Paraíba (UFPB) e do Paraná (UFPA), também usam a prova para recrutar alunos. "O exame está se ampliando e o ideal é que seja adotado nacionalmente" , diz George Kleiman, coordenador do programa de pós-graduação do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp.

A ideia era criar uma ferramenta capaz de identificar os melhore;; alunos, pois nem sempre a seleção através de currículos garante qualidade. "Quando a maioria dos candidatos eram os nossos próprios alunos, o histórico escolar bastava, mas hoje mais da metade deles vem de outros lugares do país e de outros países", diz Carmen Prado, coordenadora do programa de pós-graduação do Instituto de Física da USP. Outro objetivo era facilitar a vida dos candidatos, que antes tinham de prestar exames em várias instituições. O expediente revelou-se eficiente, ainda, para incentivar a internacionalização dos programas,

já que a prova, em inglês ou em português, é aplicada em vários pontos do Brasil e em países como Peru, Uruguai, Cuba, Colômbia, Costa Rica e México. " No início tínhamos 10 candidatos do exterior, entre 200 inscritos. Agora já são cerca de 100 entre 550 inscritos", diz Tito Bonagamba, coordenador de pós-graduação do Instituto de Física de São Carlos, da USP.

Os candidatos estrangeiros podem inscrever-se normalmente pela internet, competindo de igual para igual com estudantes brasileiros. Como vários professores dos programas têm colaborações com institu ições da Europa, dos Estados Unidos e da Ás ia, foi proposto a eles que estimulassem também a participação dos alunos das universidades com quem mantêm contato. Por conta disso, as provas já foram aplicadas nos Estados Unidos, Alemanha, Rússia e Paquistão. Os estudantes de fora da América Latina, até o momento, precisam da anuência de um orientador brasileiro para se inscrever, o que não é exigência na Unicamp, onde há uma brecha para um estudante bem colocado na prova vir para o Brasil e procurar o orientador aqui. "Cada instituição tem autonomia para utilizar as notas do exame, que são avaliadas junto a outros critérios", diz Kleiman, da Unicamp. Carmen Prado, da USP, diz que os organizadores da prova ainda não sabem se seria conveniente ter um processo seletivo mundial. "Não temos estrutura para ampliar a seleção e queremos preservar bolsas para os bons alunos brasileiros", diz ela, referindo-se à possibilidade, por exemplo, de uma grande quantidade de alunos da fndia ou da China interessar-se em vir para o Brasil.

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 31

Page 32: A energia dos ventos

[ PARCERIAS ]

Química verde Braskem ganha competência em biotecnologia

MARCOS DE ÜLIVEIRA

inco pesquisadores contratados por uma empresa. Essa foi a boa experiência vivida dentro do grupo do professor Gonçalo Guimarães Pereira, do De­partamento de Genética, Evolução e Bioquímica do Instituto de Biologia da Universidade Esta­dual de Campinas (Unicamp) . Foram duas pós­-doutorandas, dois doutorandos e um mestre que

passaram a ser funcionários da Braskem, empresa brasileira que é a oitava petroquímica do mundo e quer adotar uma produção sustentável, com produtos, no caso insumos para a indústria de plásticos, fabricados pela via da biotecnolo­gia utilizando fontes renováveis, principalmente cana-de­-a~úcar e microrganismos. "De repente fiquei sem alunos", bnnca Pereira, que coordena o projeto "Rotas verdes para o propeno", do programa Parceria para Inovação Tecno­lógica (Pite) da FAPESP, realizado por sua equipe e pela Braskem com investimento total de R$ 8 milhões, sendo a metade da Fundação. "Tivemos bons resultados ao longo de trê~ an~s e produzimos duas patentes. Mas nosso papel na umvers1dade não é produzir tecnologia, é fazer ciência ali­nhada com a tecnologia futura", diz Pereira. Ele explica que a empresa queria ser líder em uma tecnologia desconhecida e foi buscar conhecimentos novos na universidade, onde a missão é ter ideias e liberdade criativa. Para viabilizar as soluções encontradas no projeto Pite, que ainda não podem ser reveladas, a Braskem fez um acordo com o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), um dos três laboratórios associados do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e

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Page 33: A energia dos ventos

Materiais (CNPEM), junto com o La­boratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e o Centro de Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas, no interior paulista. O convênio assinado com o LNBio prevê o estabelecimento da Plataforma Biotecnológica Braskem, num espaço alugado pela empresa den­tro da instituição. "Com isso, a empresa se vale da instrumentação e do conhe­cimento dos nossos pesquisadores em áreas da biologia molecular e estrutural, importantes para o aprofundamento científico necessário no atual estágio do projeto", diz o professor Kleber Fran­chini, diretor do LNBio, entidade que atende a comunidade acadêmica, além de demandas pontuais de empresas. "O laboratório Braskem estabelecido no LNBio é um ambiente entre o caos da universidade e a rigidez da empresa, pa­ra que a tecnologia possa, junto com os nossos ex-alunos recém-contratados, amadurecer antes de ser incorporada pela companhia", analisa Pereira.

Os cinco alunos escolhidos pela Braskem que vão trabalhar no LNBio são as pós-doutorandas Joahana Rincones

O PROJETO

Rotas verdes para o propeno -n° 07/58336-3

MODALI DADE

Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite)

COORDENADOR

Gonçalo Amarante Guimarães Pereira - Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 1.139.076,78 e US$ 1.597.197,53 (FAPESP) R$ 4.000.000,00 (Braskem)

Perez, a primeira contratada, em janeiro deste ano, e Inês Lunardi, os doutoran­dos Maria Carolina de Barros Grassi e Lucas Pedersen Parizzi, e o mestre Felipe Galzerani, os quatro em outubro. Todos tiveram bolsa da Braskem. A perspecti­va é de que o número de pesquisado­res cresça. "Nós queremos dentro de dois ou três anos, conforme o avanço das pesquisas, ter 40 pesquisadores da Braskem dentro do LNBio", diz Antô­nio Queiroz, diretor de tecnologia da empresa. "Não tínhamos competência em biotecnologia e a maneira de obtê-la foi fazer a parceria com a Unicamp e a FAPESP", explica Queiroz. Depois, em sinergia com o trabalho desenvolvido, a Braskem firmou um convênio também com a Novozymes, multinacional dina­marquesa que desenvolve enzimas para processos industriais.

Bem formados - A Braskem, que re­cém inaugurou no Rio Grande do Sul uma fábrica de eteno derivado de eta­nol, matéria-prima para a fabricação de um tipo de plástico de largo uso, o polietileno, como em brinquedos e uti­lidades domésticas, quer investir cada vez mais em química de matéria-prima renovável. "Agora estamos investindo nas rotas biotecnológicas. Queremos ser a empresa líder no mundo em quí­mica sustentável tanto em produtos renováveis como em produtos petro­químicos [origem das matérias-primas para plásticos] que na produção con-

sumam menos água, energia e emi­tam menos co2 ou ainda que ajudem a capturar esse gás da atmosfera", diz Queiroz. Ele tem a consciência de que para atingir esse patamar é preciso pro­fissionais bem formados nessa área. "O aspecto de maior valor da parceria com a Unicamp e a FAPESP foi a formação de recursos humanos", diz.

"Esse processo mostra que estamos diante de um novo modelo de interação universidade-empresa para geração de tecnologia e contratações de nível quali­ficado. Sabemos que no mundo a maior parte das pesquisas é feita nas empresas, mas não dá para a empresa surgir do nada. Mesmo em países como os Estados Unidos é preciso começar na universida­de com ideias inovadoras", diz Pereira. Para os contratados, a parceria se trans­formou em uma grande oportunidade de exercício profissional. "Sempre quis trabalhar no ramo empresarial e em de­senvolvimento sustentável': diz a bióloga Maria Grassi, 25 anos. Ela vai defender sua tese de doutorado em julho de 2011 que tem como tema a modificação ge­nética de microrganismos para gerar polímeros "verdes':

No caso de Lucas Parizzi, ainda fal­tam dois anos para ele apresentar sua tese de doutorado. Formado em ciên­cia da computação, especializou-se em bioinformática. "Eu tinha interesse em genética e desde o segundo ano da gra­duação estudo bioinformática", diz. Na tese, ele vai abordar a simulação computacional do comportamento metabólico de microrganismos. "Foi muito bom ser contratado, tendo meus estudos alinhados com as necessida­des da empresa. Mesmo assim, existe a possibilidade de mudar o foco do trabalho no meio do doutorado sem prejudicar os objetivos da Braskem e da minha pesquisa." Outros alunos do grupo do professor Gonçalo Pereira estão sendo preparados para também trabalhar no laboratório da empresa no LNBio. "Já temos dois mestrandos e dois alunos da graduação que vão fazer mestrado, além de dois de iniciação científica, que poderão ser contrata­dos pela empresa para atuarem como pesquisadores", diz Pereira. •

PESQUISA F'APESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 33

Page 34: A energia dos ventos

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Curso na Califórnia transforma cientistas em jornalistas de ciência

MARCOS PIVETTA , DE SANTA CRUZ

odo ano uma dezena de jovens biólogos, astro­físicos ou engenheiros abandona sua iniciante carreira de cientista e vai tentar aprender outra ocupação em Santa Cruz, pequena cidade lito­rânea distante 120 quilômetros ao sul de San Francisco, conhecida por ser uma das capitais do surfe e abrigar um campus da Universida-

de da Califórnia. Ali se dedicam durante um ano ao Science Communication Program, nome formal de um curso que tem como objetivo transformar pesquisado­res em jornalistas especializados na cobertura de temas científicos. "Nosso curso é para cientistas que querem mudar de carreira", explica Robert Irion, coordenador do programa, do qual foi aluno em 1988. "Aqui quase todas as aulas são práticas, os alunos fazem ao menos dois estágios em veículos de comunicação e ninguém precisa defender teses acadêmicas."

Em quase 30 anos de existência, o programa trei­nou mais de 250 ex-cientistas nas lides jornalísticas e angariou a fama de ser um dos melhores cursos prá­ticos em science writing dos Estados Unidos, talvez o melhor ao lado do curso de jornalismo científico oferecido pela New York University. Science writingé a expressão usada em inglês para designar o trabalho dos divulgadores da ciência, sejam eles jornalistas a serviço dos veículos de comunicação da imprensa em geral ou especializada ou profissionais que trabalhem na estrutura de comunicação montada por universidades, museus e instituições de pesquisa. No si te do curso de Santa Cruz é creditada à revista inglesa New Scientist, uma das mais renomadas na área de divulgação da ciência, a afirmação de que o programa acadêmico da Califórnia fornece o "melhor treinamento nos Estados Unidps para jornalistas de ciência':

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A julgar pela quantidade de pessoal formado em Santa Cruz que a revista já contratou como freelance ou funcioná­rio, a frase não soa exagerada. Apenas para citar dois exemplos, as atuais edi­tora e repórter de assuntos espaciais da New Scientist, respectivamente, Maggie McKee e Rachel Courtland, ambas físicas de formação, são ex-alunas do programa. Também não faltam nomes oriundos do curso no expediente de veículos impor­tantes da área científica, como Nature, Science, Scientific American e Discover.

A abordagem do curso, que selecio­na apenas 10 candidatos por ano, em nada lembra a proposta acadêmica das tradicionais faculdades de jornalismo. Aliás, nem há faculdade de jornalismo na Universidade da Califórnia em San­ta Cruz e o programa é uma iniciativa totalmente independente dentro da estrutura da instituição de ensino su­perior. Para ser aceito como aluno, o postulante tem de ter formação acadê­mica em alguma área científica, de pre­ferência biologia, física ou engenharia, e ter trabalhado ao menos seis meses como pesquisador. "Somos os únicos nos Estados Unidos que exigem esse tipo de pré-requisito para selecionar os candidatos", comenta Irion. "Cerca de 40% de nossos alunos têm doutorado, 70% são mulheres e a maioria tem um pouco menos de 30 anos." Também é

necessário saber escrever bem para se candidatar a uma vaga do programa, mas não na linguagem jornalística. Afi­nal, aprender a fazer jornalismo cientí­fico é o objetivo final do curso.

Aulas práticas - O programa tem iní­cio em setembro e o ano acadêmico é dividido em três trimestres. O curso, que custa cerca deUS$ 14 mil parare­sidentes na Califórnia, se assenta em dois pilares, ambos de caráter mui­to mais prático que teórico: aulas na universidade durante duas manhãs, totalizando oito horas por semana, e os estágios profissionais nos veículos de comunicação. Além de Irion, que estudou ciências planetárias e da terra e hoje é jornalista de ciência, as aulas são dadas por professores convidados, todos profissionais de veículos de co­municação na área de San Francisco.

As disciplinas do curso ensinam os alunos a produzir reportagens para dife­rentes veículos de comunicação (jornal, revista e internet) e a pautar, escrever e editar textos jornalíticos de caráter dis­tinto, como pequenas notas informativas, matérias aprofundadas sobre um tema, perfis e ensaios. Praticar o jornalismo in­vestigativo e dominar a produção de pe­quenos vídeos e podcasts para a internet também figura entre os objetivos do pro­grama. Para ganhar vivência numa reda-

ção jornalística, os alunos têm de fazer ao menos dois estágios em tempo parcial em veículos parceiros do programa, em geral diários, revistas, sites ou universidades com serviços de difusão de informação da região de San Franciso. E, no lugar de uma tese ao final do curso, são obrigados a fazer um terceiro estágio, mais longo e em tempo integral, em outro veículo de comunicação. "Esse estágio é a porta de entrada para muitos no mercado de trabalho", comenta Irion.

Foi exatamente isso o que ocorreu com Maria-José Vi fias, uma espanhola de 33 anos que odiava sua antiga pro­fissão, a de veterinária. Assim que ter­minou o curso de jornalismo científico de Santa Cruz em 2008, foi trabalhar como coordenadora de informação pú­blica na American Geophysical Union (AGU). "Os professores do programa são excelentes e me ajudaram a escolher bem os estágios", diz Maria. "E eu tive sorte. No fim do curso pedi um estágio de verão na AGU, mas já ofereceram diretamente um emprego."

Aluna mais velha da turma que concluiu o programa de Santa Cruz em 2010, a inglesa Jane Palmer, de 42 anos, deixou para trás a formação científica em ciências da cognição e o doutorado em biologia molecular computacional para abraçar a nova profissão. Hoje trabalha como estagiária do setor de jornalismo do Cooperative Institute for Research in Environmental Sciences (Cires), em Boulder, Colorado. Faz um pouco de tudo: produz press-releases, podcasts e pequenos vídeos e escreve para a revista da instituição. "O curso foi minha plata­forma de lançamento na nova carreira", diz Jane. "Adoro aprender, conversar com cientistas e escrever. Acho que tenho os ingredientes-chave do jornalismo e o resto posso aprender com o tempo." •

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I

Cobertura parcial

Jornais da América Latina dão pouco espaço para ciência regional

m estudo inédito, ainda não publicado, sobre a cobertura de temas científicos feita por 12 jornais de nove países da América Latina, inclusive o Brasil, mostra alguns cami­nhos que o jornalismo espe­

cializado nessa área parece ter trilhado nos últimos anos pelo continente. Pri­meiro a boa notícia. O trabalho indica que há um espaço razoável para repor­tagens de ciência, em especial sobre assuntos ligados à área de medicina e saúde, que tem um impacto mais direto na vida do leitor. Em meio ao noticiário geral dos diários, permeado de reporta­gens em tom negativo, os textos sobre pesquisas e descobertas científicas for­mam um contraponto positivo. Agora a má notícia. O jornalismo científico ain­da se assenta sobre pilares relativamente frágeis, especialmente nos países menos

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desenvolvidos. O tamanho e o tom da cobertura de ciência refletem mais as iniciativas individuais dos donos dos diários e sobretudo dos repórteres e editores de ciência, que, por interes­ses pessoais, exibem maior afinidooe com algumas áreas de pesquisa do que propriamente o contexto nacional dos países estudados.

O trabalho analisou a cobertura no ano de 2006 em 12 diários de elite, lidos pela parte mais culta da popu­lação, com seções fixas de ciência ou equivalente que pudessem ser acessadas pela internet. Das maiores economias da região foram escolhidos dois jornais para serem estudados: Folha de S. Paulo e O Globo no Brasil, Clarín e La Nación (Argentina); e Reforma e La ]ornada (México). De outros seis países foram escolhidos somente um diário: El Mer­curio (Chile), El Tiempo (Colômbia), La Nación (Costa Rica), El Comercio (Equador), El Nuevo Día (Porto Rico) e El Nacional (Venezuela).

"É claro que há bom jornalismo de ciência no Brasil, na Argentina e no Mé­xico", diz a jornalista Luísa Massarani, coordenadora do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica, do Museu da Vida da Fiocruz, no Rio de Janeiro, e principal

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autora do estudo. "Mas nem todos os diários dedicam um bom espaço à ciên­cia feita dentro de seus próprios países." Em apenas um veículo, El Nacional, a porcentagem de reportagens que trata­vam de pesquisas tocadas por cientis­tas locais representava mais da metade das notícias de ciência. Mas o Clarín ( 49,6% ), a Folha de S. Paulo ( 40,6%) e o La Nación da Argentina (38,7%) che­garam perto disso.

Do período analisado, juntando a cobertura de todos os diários, os pesqui­sadores contabilizaram 2.228 reporta­gens de ciência. É preciso salientar que o número não inclui, a rigor, todas as reportagens publicadas em 2006, mas uma amostra do conteúdo dos diários, obtida com o auxílio de uma técnica comumente empregada em análises desse tipo ( constructed week method). A abordagem pode gerar algumas dis­torções, mas é considerada válida por muitos autores. O jornal que publicou mais reportagens de ciência (332) no período analisado foi o La Nación- não o da Argentina, mas sim o da Costa Ri­ca. "A descoberta nos surpreendeu visto que o sistema de ciência desse país é menos desenvolvido do que em outras partes da América Latina", afirma Luísa. Depois do diário costa-riquenho, apa­recem os meios de comunicação dos três grandes da região como os que mais deram espaço para temas científicos: Clarín (278), Reforma (247), Folha de S.Paulo (224), La Nación, da Argentina (194), e O Globo (162). O El Tiempo, da Colômbia, foi o que menos produziu textos sobre assuntos científicos (107).

Ao analisar os temas mais enfoca­dos pelo noticiário de ciência nos diá­rios latino-americanos, os dois jornais brasileiros se destacam por apresentar um cardápio variado e equilibrado. Eles cobrem bem o setor de medicina e saú­de, mas também produzem textos sobre

Reportagens sobre

medicina e saúde

são as mais

comuns na seção

de ciência da

maioria dos

diários estudados

pesquisas das áreas de exatas, meio am­biente, biologia mais básica e até ciên­cias sociais (embora, nesse último caso, com menor frequência). Na Argentina, praticamente metade do noticiário tan­to do Clarín como do La Nación enfoca as ciências médicas.

Espaço desigual - No final do ano passado um estudo de abrangência nacional, que analisou a cobertura de ciência, tecnologia e inovação feita em 2007 e 2008 por 62 jornais brasi­leiros, desde os grandes de circulação nacional passando pelos especializados em economia até os pequenos d~ários regionais e locais, mostrou um dado preocupante. Feito pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (An­di) em parceria com a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fun­dep ), ligada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o levantamen­to apontou que a cobertura de temas científicos ainda é muito desigual em todo o país. Enquanto os jornais com repercussão em todo o país, como O Estado de S.Paulo e O Globo, publica­ram em média 2,3 notícias sobre a área por dia, os títulos menores só fizeram uma reportagem sobre temas científi­cos a cada cinco dias.

Segundo o estudo, intitulado Ciên­cia, tecnologia & inovação na mídia brasileira, em mais de 85% das 2.599 reportagens de ciência analisadas quase não havia elementos do contexto em

que foram feitas as pesquisas noticia­das. O jornalismo científico também não costuma recorrer a múltiplas fontes de informação para fazer seus textos. Em 55% do material analisado apenas uma única fonte foi citada. Dar espa­ço para opiniões divergentes também não é praxe comum e apenas 10% das reportagens exploravam visões opostas sobre o assunto de que tratavam. O tra­balho ainda mostrou que o jornalismo científico costuma ser pouco crítico e apresenta os resultados de estudos cien­tíficos como se fossem verdades quase definitivas: somente 13% dos textos estudados chegavam a mencionar que havia algum grau de incerteza nas con­clusões das pesquisas apresentadas.

Talvez o jornalismo de ciência pu­desse caminhar para a adoção de uma postura menos acrítica sobre os resulta­dos das pesquisas, atitude que parece ter sido empregada pelos principais meios de comunicação dos Estados Unidos em sua cobertura sobre os efeitos do uso da internet e de novos aparelhos ele­troeletrônicos na vida das pessoas. Um estudo divulgado no final de setembro deste ano pelo Projeto pela Excelência do Jornalismo do Pew Research Center, instituto privado sediado em Washing­ton, indicou que a mídia americana enfatiza quase com a mesma frequência aspectos positivos e negativos decorren­tes da introdução de novas tecnologias. Numa amostra de 437 reportagens pro­duzidas entre junho de 2009 e junho de 2010 por 52 veículos distintos (jornais, sites, televisões e rádios), dois temas se destacaram: o primeiro, presente em 23% das reportagens analisadas, dava a entender que "a tecnologia torna a vida mais produtiva"; o segundo, encontrado em 18% do material, passava a ideia de que a "internet não é segura': •

MARCOS PIVETTA

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I

[ PRÊMIO NOBEL ]

Brasil foi cenário de pesquisas pio­neiras envolvendo a física do grafe­no, filme de carbono densamente compactado e com espessura de apenas um átomo, objeto de inves­tigação da dupla de cientistas que ganhou o Nobel de Física deste ano,

os russos Andrei Geim, 51 anos, e Konstantin Novoselov, 36, da Universidade de Manches­ter, Inglaterra. Desde 1999, um grupo liderado pelo físico Yakov Kopelevich, do Laboratório de Materiais e Dispositivos do Instituto de Fí­sica Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vem se dedicando ao estudo da física do grafite e alcançou resul­tados convergentes com os achados de Geim e Novoselov, que conseguiram isolar flocos de grafeno a partir do grafite usado em lápis comuns e demonstrar suas propriedades.

Como resultado das pesquisas que conta­ram com R$ 1 milhão da FAPESP e do Conse­lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), Kopelevich e dois alu­nos, José Henrique Spahn Torres e Robson Ricardo da Silva, identificaram no início da década propriedades elétricas e magnéticas que jamais se imaginou que o grafite pudes­se apresentar- e ajudam a compreender por que o grafite pode se comportar ora como um metal e conduzir eletricidade, ora como um material isolante. Kopelevich e sua equipe conseguiram realizar de forma pioneira a me­dição do Efeito Hall Quântico e detecção de férmions de Dirac nesse material, com artigos publicados na revista Physical Review Letters em 2003 e 2004.

O Efeito Hall Quântico coordena o movi­mento de partículas eletricamente carregadas - no caso do grafite, os elétrons - em super-

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Andrei Geim (a/to) e Konstantin Novoselov demonstraram propriedades do grafeno

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Page 39: A energia dos ventos

Um dos destaques da premiação de 2010 é a pesquisa sobre o grafeno, em que o Brasil teve participação pioneira

fícies planas. Foi descoberto por Klaus von Klitzing, físico do Instituto Max Planck que recebeu o Nobel em 1985 por causa desse achado. Esse efeito é a versão para o mundo microscópico quântico de um fenômeno identificado um século antes pelo físico norte-americano Edwin Hall, que observou o efeito que leva seu nome ao aplicar um campo magnético a uma barra condutora atravessada por uma corrente elétrica. O campo magné­tico, perpendicular à corrente, causa um desvio na trajetória dos elétrons, que se acumulam em uma das extremidades da barra, gerando um campo elétrico na di­reção transversal à da corrente. Quando os físicos submetem um material qual­quer a temperaturas baixas e a um cam­po magnético, o aumento da intensidade desse campo faz a resistência Hall crescer em saltos proporcionais, permanecendo

Edwards, Nobel de Medicina, e Neqishi, premiado em Química

constante entre um aumento e outro. Esse fenômeno toma a forma de gráfi­cos que lembram lances de uma escada intercalados por patamares. Foi esse padrão de aumento da resistência Hall em consequência da variação do campo magnético que a equipe de Kopelevich detectou no grafite e detalhou em um artigo publicado em 2003 na Physical Review Letters.

Em outro artigo da mesma revis­ta, Kopelevich e Igor Luk'yanchuk, da Universidade de Picardie Jules Verne, na França, descobriram outra proprie­dade do grafite. Variando a intensidade do campo magnético, constataram que os elétrons livres desse material exibem um comportamento atípico, descrito por equações da física quântica cria­das em 1928 pelo físico inglês Paul Dirac: esses elétrons movem-se como

partículas sem massa, de modo seme­lhante às partículas de luz, os fótons. Em 2005 Andrei Geim, na Inglaterra, e Philip Kim, nos Estados Unidos, vi­ram em folhas de grafeno esse mesmo efeito. "Nós observamos a contribuição muito grande de férmions de Dirac e concluímos pela existência de grafenos desacoplados no grafite. Somente de­pois experimentos semelhantes foram realizados nos grafenos por Geim, No­voselov e outros, que, evidentemente, desenvolveram excelentes trabalhos em seguida", afirmou Kopelevich ao Pesqui­sa Brasi~ programa de rádio da Pesquisa FAPESP "O Brasil certamente é pionei­ro nessa área, embora hoje o número de trabalhos sobre a física do grafite não seja tão alto quanto em outros países. Mas estamos continuando", diz.

O grafeno foi descrito em 1961 pelo químico alemão Hanns-Peter Boehm. A velocidade e a facilidade com que os elétrons se movem nesse material tornam-no um candidato natural a su­cessor do silício em chips de computa­dor de alta velocidade, ainda que falte muita pesquisa para alcançar esse pata­mar. Como condutor de eletricidade, o grafeno é tão eficiente quanto o cobre. Como condutor de calor, supera qual­quer outro material conhecido. É quase transparente, mas tão denso que nem mesmo o hélio, o menor dos átomos gasosos, é capaz de atravessá-lo. Graças à absorção de luz, a folha da espessura de um átomo é visível a olho nu. Seus átomos de carbono formam uma rede hexagonal, como as de uma colmeia,

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 39

Page 40: A energia dos ventos

I

quase sem defeitos. "É um cristal gran­de e 100 vezes mais resistente do que o aço. Podemos esticá-lo até 20% e tem muitas outras propriedades interessan­tes que podem ser usadas em diferentes aplicações", justificou Bjorn Jonsson, membro da Academia Sueca.

Síntese orgânica - O carbono também foi protagonista na premiação do Nobel de Química. Dois cientistas japoneses e um norte-americano foram os agracia­dos pelo desenvolvimento das chamadas reações de acoplamento catalisadas por paládio, uma ferramenta fundamental para a síntese orgânica de moléculas complexas, hoje amplamente usadas em áreas tão diversas corno a medicina, a agricultura e a eletroeletrônica. Por estudos iniciados há mais de 40 anos nesse campo, Akira Suzuki, de 80 anos, professor da Universidade de Hokkaido, Ei-ichi Negishi, de 75 anos, da Univer­sidade Purdue, e Richard F. Heck, de 79 anos, da Universidade de Delaware, dividirão em partes iguais o prêmio em dinheiro deUS$ 1,5 milhão dado pela Real Academia de Ciências da Suécia. Se­gundo o comitê do Nobel, o impacto da adoção desse tipo de reação de acopla­mento para a produção de moléculas na medicina é enorme: um quarto de todos os remédios sintetizados atualrnente é fabricado com alguma variante da téc­nica. Na eletroeletrônica, os chamados Oleds, ou LEDs orgânicos, diodos que emitem luz, também são criados com o auxílio desse tipo de reação.

Para fabricar compostos mais so­fisticados ou reproduzir no labora­tório grandes moléculas encontradas na natureza, os químicos precisam alterar urna característica do carbono, elemento-base da vida: seus átomos são

40 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

Mais de 4 milhões

de pessoas já vieram

ao mundo com o

auxílio da técnica

de fertilização in

vitro desenvolvida

pelo médico Edwards

estáveis e não se ligam facilmente entre si. Várias técnicas já foram concebidas para resolver o problema. Nenhuma delas, no entanto, mostrou-se tão efi­ciente e limpa (sem gerar tantos resí­duos químicos) quanto as reações de acoplamento catalisadas por paládio. Corno o nome indica, nessas reações o paládio é o elemento que inicia, que estimula as ligações com os carbonos. Com o empurrão dado pela presença desse elemento, os carbonos que nor­malmente não se ligariam tornam-se reativos e formam complexas moléculas orgânicas. Heck foi o primeiro a usar,

Mortensen, Pissarides e

Diamond: ferra menta

para ana lisar o desemprego

em 1968, o paládio corno catalisador das ligações de carbono. No final dos anos 1970, Negishi introduziu compos­tos de zinco para facilitar a atuação do paládio e Suzuki adicionou o boro a esse tipo de reação, obtendo resultados ainda melhores.

Bebê de proveta -Um avanço que per­mitiu a milhões de casais a possibilidade de ter filhos foi reconhecido na prernia­ção do Nobel na categoria Medicina ou Fisiologia. O britânico Robert G. Edwar­ds, professor emérito da Universidade de Cambridge, Inglaterra, ganhou o prêmio pelo desenvolvimento da fertilização humana in vitro, técnica popularmente conhecida corno bebê de proveta. "Suas contribuições representam um marco no desenvolvimento da medicina mo­derna", disseram os promotores da hon­raria. Muito doente, aos 85 anos, Edwar­ds, que receberá um cheque deUS$ 1,5 milhão pelo Nobel, não pôde comentar a premiação. As bases da fertilização in vitro começaram a ser pesquisadas por Edwards ainda nos 1950 e redundaram, mais de duas décadas depois, no esta­belecimento de uma técnica capaz de ajudar casais com problemas de infer­tilidade a terem filhos. Por meio desse método, os óvulos são fertilizados fora do corpo da mulher e posteriormente

implantados • bebê de provE de 1978, a ing mais de4mil mundo com ceiro de Edwc Patrick Stept também teve balho de elev condição de prática médi• premia cienti foi dada excl 1980,aoladc dou na cida< Hall Clinic, fertilização i

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Page 41: A energia dos ventos

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implantados em seu útero. O primeiro bebê de proveta nasceu em 25 de julho de 1978, a inglesa Louise Brown, e hoje mais de 4 milhões de pessoas vieram ao mundo com o auxílio da técnica. Par­ceiro de Edwards, o ginecologista inglês Patrick Steptoe, que morreu em 1988, também teve importante papel no tra­balho de elevar a fertilização in vitro da condição de técnica experimental à de prática médica. Mas, como o Nobel não premia cientistas já falecidos, a honraria foi dada exclusivamente a Edwards.Em 1980, ao lado de Steptoe, Edwards fun­dou na cidade de Cambridge a Bourn Hall Clinic, centro especializado em fertilização in vitro.

Desemprego - Num momento em que o capitalismo tenta reerguer-se de uma grande crise, o Nobel de Economia foi concedido a três pesquisadores que for­mularam e desenvolveram uma teoria capaz de explicar por que há tanta gente sem emprego ao mesmo tempo que as empresas não param de abrir postos de trabalho. Pela criação de modelos ma­temáticos que explicam situações de mercado em que há ruídos ou imper­feições entre a demanda e a oferta de bens ou serviços, os americanos Peter A. Diamond, de 70 anos, professor de economia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e Dale T. Mortensen, de 71 anos, da Universidade Northwes­tern, vão dividir o prêmio em dinheiro

Pesquisa que rendeu

o Nobel de Economia

sugere que a visão

clássica do mercado

perfeito não

encontra amparo

no mundo concreto

de US$ 1,5 milhão com Christopher A. Pissarides, cidadão cipriota e inglês de 62 anos que dá aulas na London School of Economics and Politicai Science.

Os primeiros trabalhos dos econo­mistas nesse campo datam dos anos 1970 e redundaram no chamado mo­delo Diamond-Mortensen-Pissarides (DMP), ferramenta utilizada para anali­sar o desemprego, o mecanismo de for­mação de salários e o impacto das polí­ticas públicas sobre esse setor. Embora o mercado de trabalho seja a área em que a teoria é mais empregada, o modelo também pode ser usado para entender o mercado imobiliário e outras esferas da economia. Segundo a Academia Sueca, o mérito do trabalho dos economistas

Os laureados com os prêm ios de Literatura e da Paz: o escrito r Vargas Llosa e o at ivista Liu Xiaobo

consiste em mostrar que a visão clás­sica do mercado perfeito nem sempre encontra amparo no mundo concreto. A teoria tradicional defende a ideia de que compradores e vendedores de bens e serviços se encontram rapidamente no mercado, sem nenhum custo para as partes, e que todos estão bem infor­mados sobre os preços das mercadorias. Não há oferta ou demanda em excesso de um produto e todos os recursos são usados em sua plenitude. Nessa situação ideal, o preço de bens e serviços expres­sa a igualdade de oferta e de demanda. "Mas não é isso que ocorre no mun­do real", escreveu o comitê do Nobel. "Custos elevados são frequentemente associados às dificuldades dos compra­dores em encontrar vendedores. Mesmo depois de eles terem se encontrado, as mercadorias em questão podem não corresponder aos requerimentos dos compradores. O comprador pode con­siderar o preço do vendedor muito alto, ou o vendedor pode achar a oferta do comprador muito baixa. Então a tran­sação não ocorre e as duas partes con­tinuam a procurar (a mercadoria) em outro lugar." Esse mecanismo é típico de muitos setores da economia, inclusive o mercado de trabalho.

Nas categorias não científicas, o es­critor peruano Mario Vargas Llosa foi agraciado com o Nobel de Literatura por sua "cartografia das estruturas de poder" e "vigorosas imagens de resis­tência individual, revolta e derrota", conforme destacou a Academia Sueca. O escritor de 74 anos escreveu mais de 30 romances, peças e ensaios. Vargas Llosa é o primeiro sul-americano a ga­nhar o prêmio desde o colombiano Ga­briel García Márquez, agraciado com o prêmio em 1982. O ativista chinês Liu Xiaobo ganhou o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento a décadas de ativis­mo não violento pela democracia e os direitos humanos. A escolha colocou na berlinda a situação dos direitos huma­nos na China, num momento em que o país começa a se valer do seu expressivo crescimento econômico para ocupar um papel de maior destaque no cenário político internacional. O comitê do No­bel elogiou Xiaobo por "sua luta longa e não violenta pelos direitos humanos fundamentais na China" e reiterou sua crença em "uma estreita conexão entre direitos humanos e paz': •

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 41

Page 42: A energia dos ventos

LABORATÓRIO MUNDO

VIDA SEM ÁGUA

É possível que Titã, a maior lua de Sa­

turno, produza moléculas pré-bióticas,

os tijolos básicos para o surgimento de

seres vivos. Sara Hõrst e Roger Yelle, da

Universidade do Arizona, nos Estados

Unidos, mostraram que a forte radiação

solar que atinge a atmosfera de Titã

pode ser a fonte de energia para for­

mar essas moléculas. Eles apresenta­

ram o estudo no congresso da Divisão

de Ciência Planetária da Sociedade

Astronômica Americana, em outubro

na Califórnia. Em simulações, o grupo

verificou que a radiação quebra molé­

culas de nitrogénio, metano e monó­

xido de carbono e dá origem às bases

nitrogenadas que compõem o DNA e o

RNA - citosina, adenina, timina, gua-

nina e uracila -, além de dois aminoácidos, glicina e alanina.

Foi a primeira vez que esses compostos pré-bióticos foram

produzidos sem água, considerada condição essencial para a

vida. "Conseguimos fazer isso inteiramente numa atmosfera",

disse Sara à assessoria de imprensa da Sociedade Astronômica

Americana. "Não precisamos de água líquida, não precisamos

de superfície. Mostramos que é possível fazer moléculas muito

complexas nas partes externas de uma atmosfera."

42 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

I QUENTE E IMPREVISÍVEL

Quem já nadou no Pacífico talvez veja com bons olhos o possível aquecimento de suas águas em consequência de mudanças no clima do planeta. Mas pode não ser tão bom assim. Simulações coordenadas por Emanuele Di Lorenzo, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, indicaram que as alterações de temperatura na superfície do Pacífico central típicas do El Nino causam mudanças na circulação atmosférica, que, por sua vez, aumentam as flutuações climáticas com ciclos de 20 a 30 anos, conhecidas como Oscilação Decenal do Pacífico (Nature Geoscience) . Ambos os efeitos são caracterizados por um aquecimento no Pacífico central que se estende para

.... a costa oeste dos Estados

Unidos e o resfriamento na porção norte do oceano. As mudanças do clima em curso devem tornar mais imprevisíveis essas flutuações, aumentando as oscilações de temperatura no Pacífico. Os efeitos, os autores preveem, deverão ser sentidos em aspectos físicos e biológicos.

TENSÃO PÓS-MENSTRUAL

Tem grande fama a fase pré-menstrual em que a maior parte das mulheres tem as emoções exacerbadas. Mas não é o único período digno de nota entre os enfrentados a cada mês pela população feminina: a fase da ovulação também pode trazer alterações, como dificuldade de concentração e de aprendizado. Pelo menos em ratas, segundo estudo coordenado por Wayne Brake, da Universidade Concórdia, no Canadá. O artigo, disponível no site da Brain and Cognition, relata que ratas com altos níveis de estrogênio, o que em mulheres acontece durante a ovulação, demoraram mais para associar sons a eventos novos num experimento. O próximo passo é entender como o estrogênio age no cérebro para inibir capacidades cognitivas, o que pode tornar as mulheres um pouco menos enigmáticas. Há uma possível vantagem para as que passaram da menopausa: o fim de picos de estrogênio que atrapalham o aprendizado.

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Page 43: A energia dos ventos

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SUBINDO PELAS PAREDES

As lagartixas constantemente desafiam a lei da

gravidade andando por tetas e paredes. O segre­

do acrobático está em minúsculas projeções em

forma de pelos que se enfileiram nas solas das

patas desses répteis e permitem aderir às super­

fícies por meio de um fenômeno conhecido pelos

físicos como força de Van der Waals. Um grupo

coordenado por Kellar Autumn, da faculdade

Lewis and Clark, no Oregon, acaba de descobrir

como a umidade do ambiente ajuda a melhorar

a adesão das lagartixas e impedir que caiam na

cabeça de algum passante azarado (The Journal

of Experimental Bio/ogy). Acoplando um aparelho

à pele que as lagartixas perdem naturalmente de

tempos em tempos, os pesquisadores mostraram que não se

trata, como supunham as teorias recentes, de uma interação

direta entre a água nas patas e a parede. Eles descobriram que

a ação da água é indireta: a umidade amolece os pelos adesi ­

vos e melhora seu desempenho. O resultado do experimento

mantém a força de Van der Waals como o único mecanismo

responsável pela agilidade das lagartixas enquanto caçam

mosquitos, moscas e aranhas.

INTIMIDADE INDECENTE

Invadir células vegetais não é fácil. Elas são protegidas por paredes celulares, muralhas feitas de celulose, hemicelulose e pectina. Os animais em geral não conseguem romper essas barreiras, mas muitas bactérias produzem

compostos que dissolvem essas moléculas. Foi justamente um conjunto de genes responsáveis pela produção desses compostos que algumas espécies ancestrais de nematódeos, vermes com 2,5 milímetros de comprimento, copiaram das bactérias. Essas chaves químicas abriram a eles as portas para explorar novos

recursos e, por isso, foram incorporadas ao longo da evolução ao arsenal genético de nematódeos como o Meloidogyne incognita, que vive nas raízes de tomateiros, segundo o trabalho de Etienne Danchin, do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica, na França (PNAS). O grupo francês constatou que genes copiados de bactérias foram duplicados, modificados e ganharam novas funções nesses nematódeos. Eis um belo exemplo de transfeiência lateral de genes - troca de genes entre espécies diferentes-, razão de debates acalorados entre evolucionistas (ver Pesquisa FAPESP no 159).

MALÁRIA NA PELE

O trabalho de pesquisadores do Instituto Pasteur, em Paris, vem alterando a compreensão de como se instala no organismo o parasita causador da malária, que infecta a cada ano cerca de 250 milhões de pessoas no mundo e mata 1 milhão. Na Unidade de Biologia

e Genética da Malária do Pasteur, o biomédico brasileiro Rogerio Amino infectou mosquitos do gênero Anopheles, transmissores do parasita, com uma espécie de Plasmodium que causa malária em roedores. Em seguida, deixou os mosquitos picarem os camundongos e, com um microscópio que permite reconstruir imagens em três dimensões de tecidos vivos, observou o que acontecia. Algumas horas depois de penetrar na pele dos roedores, cerca de 50% dos exemplares de Plasmodium permaneciam ali - e 10% continuavam no local um dia mais tarde - , onde parte dos parasitas amadureceu e alcançou o estágio em que são capazes de invadir as hemácias e causar a doença. Antes desse resultado, antecipado na edição 153 de Pesquisa FAPESP e publicado no início de outubro na revista PNAS, acreditava-se que em mamíferos essa etapa de amadurecimento do protozoário ocorresse apenas no interior das células do fígado.

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Page 44: A energia dos ventos

I

LABORATÓRIO BRASIL

CÉLULAS-TRONCO VERSUS CHAGAS

O início foi animador, mas o final decepcionou. Em 2004, um teste piloto em seres humanos no Hospital Santa Izabel (HSI) da Santa Casa de Misericórdia da Bahia indicou que células-tronco derivadas de medula óssea poderiam ajudar no tratamento da doença de Chagas. Mas essa não foi a conclusão da segunda etapa de testes, o dito estudo de eficácia. Realizada em São Paulo, Paraná, Goiás e Bahia, sob coordenação da Fundação Oswaldo Cruz, essa etapa envolveu 231 pessoas com doença chagásica crónica (155 acompanhadas por seis meses e 135 por um ano). "Infelizmente não se consegue demonstrar benefícios com o uso da preparação de células-tronco': observou Gilson Feitosa, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, um dos coordenadores do estudo, apresentado em agosto no

DNA AOS PEDAÇOS

Cocaína e ecstasy causam

danos ao organismo, todos

sabem. Mas não se imagi­

nava que uma dose única

dessas drogas pudesse

causar lesões celulares

tão rapidamente. Em testes

com animais, a aplicação

de uma só dose provocou

danos no material genético

(DNA) das células que pu­

deram ser detectados uma hora mais tarde, revela estudo

de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo

(Unifesp) e do Instituto de Criminalística de São Paulo,

publicado na Addiction Biology. A biomédica Tathiana Al­

varenga administrou três diferentes doses de cocaína e

três de ecstasy a camundongos e analisou o que aconteceu

com as células do sangue, do fígado e do cérebro. A dose

mais baixa de cocaína já foi suficiente para avariar o DNA

das células do sangue e do cérebro dos animais: enquanto

as lesões só foram observadas com as quantidades mais

elevadas de ecstasy. Foram efeitos localizados, que prova­

velmente não alterariam o funcionamento desses órgãos.

Mas que devem se disseminar com o uso frequente. "Em

muitos casos", conta Tathiana, "a molécula de DNA havia

se rompido, o que pode levar à morte da célula".

congresso europeu de cardiologia. A seu ver, essa estratégia deve ser inibida de imediato, "poupando-se assim falsas expectativas e custos aos pacientes e à sociedade". Não quer dizer, porém, que as células-tronco devam ser esquecidas. "Temos de ajustar o tipo de célula, a maneira e o momento de fazê-las chegar aos alvos", diz ele. "É um campo em franco desenvolvimento e com perspectivas fantásticas."

I PASSOS CONTIDOS

O maior felino das Américas já não percorre as distâncias que costumava. As onças da Mata Atlântica do Alto Paraná vivem em fragmentos de floresta afetados por desmatamento e alagados por represas. Acredita-se que restem três populações na região, mas nenhuma das áreas é ampla o bastante para sustentar esses grandes predadores. Seria menos

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de maneira a como uma área maior. Mas não é o que de acordo com o de Taiana Haag coo por Eduardo Eizirik, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul, e por Francisco da Universidade Federal Rio Grande do Sul Ecology). O estudo perda de diversidade e divergência genética entre'

-

as populações. Traduzindc O isso significa que elas estãc MOSA~ bastante isoladas umas das DE LU outras. A boa notícia é que .

. dJ dos ecosststem• os resultados sugerem am m . , . · s alta dtveD ser posstvel mtsturar essas :om mat d _ . · 16 ·ca 0 Cerra populaçoes. Basta amphar )lO gt '

e proteger as matas junto :ampos formados aos rios, hábitat preferido por capim, ma tal~~

. - breadas a e das onças dessa regtao. e som '. fisionomia mats ca com pequenas ár retorcidas que prc uma sombra mai sobre as plantas Entender como s variedade inclui no tempo e no incidência de lUl plantas do s~b­Parque NaClon do Cipó, o gru Pires de Lemos Universidade Minas Gerais, durante a esta que dura cinc água e sobra 1 fotossíntese . J das chuvas, q tempestades paisagem, há mas chega P plantas junt (Brazilian Jo

Page 45: A energia dos ventos

MOSAICO DE LUZ

Um dos ecossistemas com mais alta diversidade biológica, o Cerrado inclui campos formados quase só por capim, matas densas e sombreadas, além da fisionomia mais característica, com pequenas árvores retorcidas que produzem uma sombra mais tímida sobre as plantas rasteiras. Entender como surgiu essa variedade inclui mapear, no tempo e no espaço, a incidência de luz sobre as plantas do sub-bosque. No Parque Nacional da Serra do Cipó, o grupo de José Pires de Lemos-Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, verificou que durante a estação seca, que dura cinco meses, falta água e sobra luz para a fotossíntese. Já na estação das chuvas, quando tempestades encharcam a paisagem, há água de sobra, mas chega pouca luz às plantas junto ao solo (Brazilian fournal of

Biology). Somada à variação de sombra, a alternância entre meses de sol e de chuva torna o Cerrado um desafio, encarado apenas por plantas adaptadas às condições específicas de uma ou outra fisionomia desse ecossistema.

I COMO DRtBLAR A MORTE SUBITA

Físicos brasileiros identificaram as condições necessárias para produzir feixes de laser que conservem uma propriedade curiosa do mundo das

CÂMERA INDISCRETÁ

Uma simples pancada na perna pode gerar um

processo inflamatório, com inchaço, vermelhidão

e aumento da temperatura no local. Isso acontece

mesmo quando não há infecção por bactérias. Um

dos problemas da inflamação é que os neutrófilos,

as células mais abundantes do sistema imunoló­

gico, podem lesar tecido sadio na tentativa de

remover o danificado. Pesquisadores da Universi­

dade de Calgary, no Canadá, com participação do

brasileiro Gustavo Menezes, atualmente na Uni­

versidade Federal de Minas Gerais, investigaram

o que ocorre durante uma inflamação no fígado de

camundongos. Quando não há infecção, a morte das células

do fígado libera compostos que fazem os neutrófilos aderirem

à parede interna de capilares sanguíneos (Science). Assim, os

neutrófilos viajam até a inflamação no interior dos vasos - e

não atravessando os tecidos, como nas infecções bacterianas

-, causando o menor estrago possível.

partículas: o entrelaçamento quântico. Essa propriedade permite a partículas não conectadas fisicamente compartilhar informações e é essencial para desenvolver computadores e criptografia quânticos. O difícil é gerar entrelaçamentos robustos, resistentes a interferências do ambiente. Anos atrás o físico Luiz Davidovich, do Rio de Janeiro, verificou que o entrelaçamento de fótons individuais pode se desfazer de um momento para o outro. Agora o grupo dos físicos Marcelo Martinelli e Paulo Nussenzveig, da USP, mostrou que feixes intensos de laser podem ser gerados tanto em estados entrelaçados robustos como frágeis (Nature Photonics). "O resultado é importante para o desenvolvimento de sistemas de computação quântica com dispositivos fotônicos que controlem a luz ou a convertam em sinais elétricos", diz Martinelli.

Neutrófilos, em verde: tráfego pelos capilares até a inflamação

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 45

Page 46: A energia dos ventos

hormônio de glândula na base do pescoço altera atividade muscular

RICARDO ZoRZETTO

FoTos MARIANA SAMPAIO

m diagnóstico difícil feito em 1998 inquietou o endocrinologista Magnus Régios Dias da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), e o levou a identificar um dos fatores que predis­põem a uma forma rara de paralisia: a paralisia periódica hipocalêmica tireotóxica, que atinge 1% dos homens e 0,1 % das mulheres com hi­

pertireoidismo - o aumento anormal da produção dos hormônios da tireoide, glândula situada na parte anterior do pescoço. Numa investigação que consumiu 10 anos de trabalho e contou com pacientes de outros cinco países, Magnus encontrou ao menos dois defeitos genéticos que, em certas situações, contribuem para bloquear tempora-

Page 47: A energia dos ventos

riamente a contração dos músculos e, durante minutos ou horas, deixar imóveis as pernas e os braços.

Apresentados em uma série de artigos científicos, o mais importante publicado este ano na Cell, esses achados ajudam a compreender a cadeia de reações bioquímicas que levam os músculos, de tempos em tempos, a parar de responder às ordens voluntárias (conscientes) ou in­voluntárias (instintivas) de executar um movimento. A busca por conexões entre alterações em genes, variações nos níveis sanguíneos de hormônios e minerais e o sur­gimento dos sinais físicos dessa paralisia já produziu ao menos dois desdobramentos importantes para os médicos e para quem apresenta o problema.

O primeiro é que agora se compreende melhor como, quando e por que os porta­dores de hipertireoidismo podem sofrer essa perda repentina de força e sensibilidade, que, por razão desconhecida, é mais comum nas pernas. As crises que deixam os músculos flácidos, por vezes sem força para flexionar os dedos do pé, costumam surgir na madru­gada, horas depois de uma atividade física intensa ou em seguida a uma refeição farta de massas e doces. O segundo desdobramento é de interesse especial para quem sofre dessa forma de complicação do hipertireoidismo.

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 47

Page 48: A energia dos ventos

A constatação de que ela resulta da ocorrência simultânea de um defeito genético e de um distúrbio hormonal deve permitir o diagnóstico mais preciso e o tratamento mais adequado. Pouco conhecida entre os médicos de outras especialidades, essa forma de paralisia só cede definitivamente quando se controla a produção dos hormônios da tireoide.

Magnus identificou desde 1998 quase 40 casos do problema no Hos­pital São Paulo, ligado à Unifesp, e notou que muitos não recebiam a me­dicação correta. A maior parte dessas pessoas já havia passado por consulta com médicos de outras áreas, em geral clínicos gerais e psiquiatras, e recebia medicamentos indicados para tratar outras enfermidades. Como os sinais do hipertireoidismo muitas vezes são sutis e escapam aos médicos, o proble­ma costuma ser confundido com outra forma de paralisia semelhante- a pa­ralisia periódica hipocalêmica familial, que não envolve alterações hormonais­ou ainda com distúrbios psiquiátricos, a exemplo da ansiedade ou até mesmo da histeria, manifestação física de pro­blemas emocionais estudada em fins do século XIX na França pelo neuro­logista Jean-Martin Charcot, professor de Freud. "Cerca de 70% das pessoas que atendemos na universidade com essa forma de paralisia já tinham sido tratadas com tranquilizantes, o que não resolve o problema", conta Magnus.

No plantão - O interesse de Magnus pelo assunto surgiu durante sua espe­cialização em endocrinologia, no final dos anos 1990. Em um plantão noturno, ele recebeu no Hospital São Paulo, na zona sul da capital paulista, um motoboy de pouco mais de 20 anos que chegou caminhando ao pronto-socorro e procu­rava ajuda porque não tinha conseguido se levantar para trabalhar naquele dia. Contou ao médico que, quando o des­pertador tocou de manhã, não pôde sair da cama porque suas pernas não mexiam. Magnus suspeitou da história, uma vez que o motoboy já não apresentava mais paralisia. Imaginou que essa fosse mais uma daquelas conversas de quem pro­cura um atestado médico para justificar a falta ao trabalho, fez um rápido exame clínico e dispensou o paciente.

Mas o médico se surpreendeu qua­tro dias mais tarde ao ver, durante outro

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plantão no turno, o motoboy retornar ao pronto-socorro. Desta vez sentado em uma cadeira de rodas por causa de ou­tro surto de fraqueza que o impedia de parar em pé. Um exame mais detalhado deixou evidente que havia algo errado. O motoboy apresentava os sinais típicos do hipertireoidismo- os olhos estavam um pouco arregalados, o coração acele­rado e a tireoide aumentada. A análise

OS PRO~ETOS

1. Detecção de mutações nos genes dos canais de cálcio (CACNL1A3) em pacientes com paralisia periódica hipocalêmica tireotóxica - n° 2000/03442-4 2. Laboratório de sequenciamento no programa Genoma Humano do Câncer - n° 1999/03688-4

MODA LI DADE

1. Bolsa no País - Doutorado 2. Auxílio Pesquisa - Programa Genoma

COORDENADOR

1. Rui Monteiro de Barros Maciel (bolsista: Magnus Régios Dias da Silva) - EPM/Unifesp 2. Rui Monteiro de Barros Maciel -EPM/Unifesp

INVESTIMENTO

1. R$ 75.728,97 2. R$ 282.950,70

do sangue confirmou que sua tireoide estava produzindo níveis elevados de tri-iodotironina (T3) e tiroxina (T4), hormônios que controlam a produção e o gasto de energia do corpo. Para com­pletar, nos surtos de paralisia o nível san­guíneo de potássio, elemento químico fundamental para a contração muscular, se encontrava abaixo do normal.

Os sintomas correspondiam aos de paralisia temporária hipocalêmica tireotóxica - que, como diz o nome, é marcada por redução na taxa san­guínea de potássio (hipocalemia) e de hipertireoidismo, também chamado de tireotoxicidade. Exceto por um detalhe. Esse tipo de paralisia, até então, havia sido descrita em japoneses e chineses. E o motoboyera brasileiro, mulato, com uma provável mistura de genes euro­peus e africanos. "Na época nos custava acreditar que ela pudesse ocorrer na população ocidental", diz Magnus.

Com os dados em mãos, ele pro­curou o endocrinologista Rui Maciel, que nos anos 1980 havia descrito um caso semelhante, e propôs que investi­gassem a causa genética do problema, que poderia ser mais comum do que se acreditava. Magnus pensou: se essa complicação lhe havia escapado num primeiro momento, talvez também ti­vesse passado despercebida a outros. Ele consultou endocrinologistas e exa­minou os casos de paralisia atendidos no Hospital São Paulo nos anos ante­riores. Encontrou alguns semelhantes

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Page 49: A energia dos ventos

ao do motoboy e os convidou a passar por uma reavaliação.

De 1998 a 2004, Magnus e Maciel reuniram outros 24 casos. De todos, só quatro eram descendentes de japoneses. A maioria era de origem ocidental: 10 eram brancos, oito mulatos, dois negros e um ameríndio, relataram os pesquisa­dores em 2004 nos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia. Eram e vi­ciências suficientes para desfazer a crença de que esse era um problema quase ex­clusivo de japoneses e chineses.

Brasileiros e asiáticos - "Acredito que essa forma de paralisia seja mais comum na população brasileira que na europeia'; comenta Maciel. "Estudos feitos pela equipe de Sergio Pena, de Minas Gerais, já mostraram que parte dos brasileiros tem traços genéticos indígenas. E se sabe que os índios das Américas descendem das populações asiáticas, que teriam che­gado ao continente há milhares de anos pelo estreito de Behring!'

Ao mesmo tempo que identificavam novos casos, Magnus e Maciel inicia­ram a procura de alterações genéticas que explicassem por que nas crises os músculos se tornavam flácidos e entra­ram em conta to com o neurogeneticista Louis Ptácek, da Universidade da Cali­fórnia em São Francisco, especialista na forma hereditária (não hormonal) da paralisia. Como os sinais físicos eram parecidos, era possível que ambas tives­sem alterações gênicas semelhantes.

Quem tem a forma hereditária da doença costuma apresentar mutação em algum dos genes responsáveis pe­la formação de poros que permitem a entrada ou a saída de substâncias das células. Esses poros são os canais iôni­cos que regulam a passagem de cálcio, sódio ou potássio- elementos químicos com carga elétrica positiva (íons) que integram os sais minerais dos alimen­tos e são responsáveis pela mudança na eletricidade das células.

Em repouso as células musculares acumulam em seu interior uma propor­ção maior de íons negativos do que po­sitivos. Mas, quando se apanha a caneta do chão ou pisa-se em um caco de vi­dro, o sistema nervoso envia sinais que fazem essas células se contraírem. Ao receber a ordem, elas abrem os canais de sódio e cálcio, que as inundam com íons positivos. E só retornam ao estado

TIREOIDE OU TIROIDE?

Alguns chamam de tireoide. Outros, tiroide. A tentativa de definir o termo mais correto é antiga. E controversa. Há dois mil anos se conhece a cartilagem, que tem o mesmo nome da glândula, enquanto a glândula foi descrita em 1656. A ideia de que a cartilagem parece um escudo - thyreós, em grego, daí a grafia tireoide - prevaleceu por muito tempo. Nas últimas décadas se adotou o radical thyra, porta, em grego, para a cartilagem, a glândula e os hormônios. A nomenclatura internacional prefere tiroide, mas o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra as duas formas.

inicial depois de abrirem os canais que lançam potássio para o exterior e redu­zem o excesso de cargas positivas.

Da Califórnia, Ptácek acionou cola­boradores na França, na China, na Tai­lândia e em Cingapura, que enviaram amostras de sangue de pessoas com a paralisia associada ao hipertireoidismo. A análise dos genes, porém, não encon­trou no DNA de quem tinha o proble­ma hormonal as mesmas alterações de quem estava livre do hipertireoidismo. A resposta viria do Brasil. Entre os pa­cientes daqui, Magnus detectou sete

alterações em um gene que codifica uma proteína dos canais de potássio. Analisando a regulação desses canais pelo hormônio tireoidiano, ele notou que duas delas faziam as células produ­zirem canais defeituosos, que eliminam o potássio mais lentamente.

As descobertas, descritas na Cell, permitiram ao grupo propor o meca­nismo bioquímico explicando a para­lisia das células musculares. "Mas só as mutações não bastam para gerar a para­lisia", explica Magnus, "é preciso haver um evento deflagrador da crise".

Um dos deflagradores é o nível de T3, hormônio que regula a atividade do gene responsável pela produção doca­nal de potássio. Se o gene está alterado e a taxa de T3 alta, mais canais defei­tuosos são fabricados e as células não eliminam o potássio de modo eficiente. Já o consumo de grande quantidade de carboidratos retém potássio por outra razão. Nas células, o carboidrato é con­vertido em ATP, o combustível celular, que facilita o fechamento dos canais de potássio. "Só agora", diz Magnus, "con­seguimos completar esse quadro': •

Artigo científico

RYAN, D. P. ; DIAS DA SILVA; M. R. et ai. Mutations in potassium channel Kir2.6 cause susceptibility to thyrotoxic hypokalemic periodic paralysis. Cell. v. 140( l ), p. 88-98. jan. 20 lO.

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 49

Page 50: A energia dos ventos

/"....

NEURONIOS EM MARCHA LENTA

uando agredido, o cérebro humano consegue às vezes reagir de forma fascinante. Em certos casos ainda não muito bem compreendidos é capaz de deslocar o controle de funções vitais, que eram coman­dadas por áreas agora lesionadas,

para regiões com conexões neuronais ainda preservadas. Esse não é o único esforço de autopreservação do órgão diante de uma ameaça. Estudos coordenados nos últimos dois anos pelo brasileiro Antonio Bianco, chefe da Divisão de Endocrinologia, Dia­betes e Metabolismo da Escola de Medicina da Universidade de Miami, enfocam outro tipo de plasticidade do cérebro, bem menos conhecida, mas igualmente manifestada em situações de perigo: a capacidade de regu­lar a quantidade do hormônio da tireoi­de que atua localmente em suas células e, dessa forma, acelerar ou brecar o ritmo de funcionamento de acordo com suas neces­sidades. Outros órgãos, como o coração, os músculos e os nervos, também exibem essa faculdade, mas nenhum deles de forma tão refinada como o cérebro.

Num trabalho recente com células do cérebro humano cultivadas in vitro, publi­cado em junho no ]ournal of Clinical Inves­tigation (]C[), Bianco descreve o complexo mecanismo celular que permite ao cérebro diminuir a taxa de funcionamento desses hormônios quando ocorre um problema de saúde como um derrame. Na interpre­tação do pesquisador, a redução faz parte de um esforço adaptativo do órgão para frear seu metabolismo e, assim, tentar minimi­zar os efeitos nocivos da condição clínica. "O cérebro aumenta ou diminui o nível do

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Hipotireoidismo protege o cérebro de agressões como o derrame

MARcos PrvETTA

hormônio da tireoide em razão de es­tar exposto a situações de doença ou de saúde", diz o endocrinologista. "O derrame causa um hipotireoidismo no tecido cerebral, localizado, que, ao que tudo indica, é benéfico ao organismo."

O acidente vascular cerebral, no­me técnico do derrame, causa hipóxia. Faltam sangue e oxigênio para o bom funcionamento dos neurônios. Se for privado por muito tempo desses ele­mentos, o tecido cerebral morre. Con­frontado com essa ameaça, o cérebro diminui os níveis locais dos hormônios da tireoide, passa a usar menos ener­gia e os neurônios demandam menos oxigênio. Adotar um metabolismo no modo slow-motion é uma forma de lutar contra os efeitos nocivos do derrame. Outros dois brasileiros também partici­param do estudo do ]CI, Rui Maciel, da Universidade Federal de São Paulo, e a aluna de doutorado Beatriz Freitas.

Transformação - Entender como o cé­rebro modula o impacto local do hor­mônio da tireoide envolve um conhe­cimento de todo o processo de meta­bolização dessa substância. Localizada na base frontal do pescoço, a glândula tireoide utiliza iodo dos alimentos para fabricar não um, mas dois hormônios: a tiroxina (T4) e a tri-iodotironina (T3). Numa pessoa normal, cerca de 80% do hormônio secretado é T4 e o restante, T3. A tireoide produz essas duas formas de hormônio e as despeja no sangue, que as distribui aos tecidos do corpo. Tecnicamente, o T4 é um pró-hormô-

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Page 51: A energia dos ventos

nio, uma forma menos ativa do hor­mônio da tireoide que, para influenciar o metabolismo, precisa ser convertida por uma enzima para T3, sua versão ativa. Então, o que conta, em termos práticos, é a quantidade de T3 presente em um órgão específico.

Efeito duplo - Bianco é um dos maio­res especialistas do mundo nas desioda­ses, um conjunto de três enzimas (Dl , D2 e D3) que ativam ou desativam os hormônios da tireoide, e encontrou no cérebro um padrão de expressão muito particular dessas proteínas. Segundo o modelo proposto no ]CI, a enzima D2 atua nas abundantes células gliais do cérebro, que dão suporte aos neurônios e os nutrem. Essa enzima converte o T4 em T3, elevando a taxa da forma ativa do hormônio da tireoide no órgão. O T3 resultante da ação da D2 é trans­portado para as células neuronais ad­jacentes às gliais. Num derrame, a falta de oxigênio reduz a produção de T3 nas celulas gliais ao mesmo tempo que os neurônios aumentam a expressão de

outra desiodase, a D3, que inativa o T3 . "Um quadro de hipóxia faz a expressão da enzima D3 aumentar cerca de sete vezes nos neurônios", explica Bianco. Em outras palavras, coloca isoladamen­te o cérebro numa condição análoga à de um indivíduo com hipotireoidismo. O órgão passa a funcionar em marcha lenta, consumindo menos energia e minorando os estragos da escassez de oxigênio. Há indícios ainda de que o hipotireoidismo instalado em certos tecidos estimule a proliferação de cé­lulas e, assim, ajude na regeneração e cura de doenças.

Na prática médica, os endocrino­logistas estão preocupados com a con­centração que circula no sangue de hormônio ativo da tireoide. É ela que diz se uma pessoa tem hipo ou hiper­tireoidismo, duas condições anormais que podem causar problemas de saúde se não forem tratadas. Mas olhar para os níveis desse hormônio em tecidos específicos, tanto em quadros associa­dos a doenças como em situações de plena saúde, também pode fornecer

informações importantes. ''Alguns es­tudos já mostraram que, em indivíduos à beira da morte, reaparece uma quan­tidade aumentada da enzima D3 em tecidos como o fígado, os músculos e o coração", afirma Bianco. Como se viu, a maior produção da D3 num tecido re­duz drasticamente a presença da forma ativa do hormônio da tireoide. Nesses casos terminais, o hipotireoidismo é aparentemente a derradeira cartada do organismo para desacelerar ao mínimo possível o gasto energético e, talvez, per­manecer vivo. A estratégia parece fazer sentido. Afinal, as células de pacientes com hipotireoidismo podem consumir cerca da metade da energia das células de indivíduos normais e um quarto das de pessoas com hipertireoidismo. •

Art igo científ ico

FREITAS, B. C. et ai. Paracrine signaling by glial cell-derived triiodothyronine activates neuronal gene expression in the rodent brain and human cells. Journal of Clinical lnvestigation. v. 120, p. 2.206-1 7. jun. 2010.

PESQU ISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 51

Page 52: A energia dos ventos

• o

QUEIMADAS (PONTOS

VERMELHOS) NA

AMAZÔNIA

EM 2004: FUMAÇA

DIFICULTA A

FORMAÇÃO DE

NUVENS DE CHUVA

Page 53: A energia dos ventos

[ AMBIENTE ]

Clima, versão 2.0 Programa integ ra fenômenos da atmosfera, dos oceanos e da superfície terrestre

CARLOS FIORAVANTI

stá em desenvolvimento no Institu­to Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) um ambicioso programa de computador para a modelagem do clima, coordenado pelo climatolo­gista Carlos Nobre, que pela pri­meira vez integra, no Brasil, infor­

mações sobre o fluxo de umidade, calor e gás carbônico na atmosfera, nos oceanos e na superfície terrestre globais. Para utilizar tal programa de modelagem do clima global para gerar cenários de mudanças climáti­cas, entre outros, foi comprado por R$ 50 milhões (R$ 15 milhões da FAPESP e R$ 35 milhões do Ministério da Ciência e Tecno­logia) um supercomputador da fabricante norte-americana Cray, capaz de realizar 224 trilhões de operações por segundo. O no­vo supercomputador chegou em outubro ao Brasil, em 84 caixas, e neste mês já deve estar inteiramente montado no campus do Inpe em Cachoeira Paulista, cidade do Vale do Paraíba, interior de São Paulo. A capacida­de de processamento do novo computador é 50 vezes maior que a do computador em uso no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe.

A nova máquina deve abrigar um progra­ma de computador chamado oficialmente de Modelo Brasileiro do Sistema Climático

Page 54: A energia dos ventos

Global, que terá como função principal servir como base para pesquisas relati­vas aos efeitos das mudanças climáticas sobre as atividades humanas. Desse mo­do, por ter a capacidade de projetar ce­nários climáticos plausíveis em 1 O (com resolução espacial de até 10 x 10 km) ou 100 anos (com resolução espacial de até 50 x 50 km), poderá servir para agricultores planejarem o desenho da agricultura brasileira no futuro, para os economistas anteciparem o risco de seus negócios e para gestores públicos adequarem o transporte e a ocupação das cidades e das zonas costeiras.

Alerta - "Esperamos que as conclusões do novo modelo climático ajudem are­duzir os danos causados pelas mudan­ças climáticas. Vão surgir epidemias que poderíamos evitar? Precisamos de mais hidrelétricas? Ou devemos reforçar a produção de energia eólica ou solar?", diz Paulo Nobre, pesquisador do Inpe e coordenador do modelo brasileiro do sistema climático global. "Os recentes episódios climáticos intensos são um alerta, reforçando a necessidade de to­dos nós produzirmos projeções climá­ticas mais confiáveis para evitar danos ainda maiores." Ele se refere à seca que prejudicou a safra de trigo no Rio Gran­de do Sul no início do ano, à que fez o leito dos rios Amazonas e Negro recuar como nunca antes e a enchentes como a do Paquistão, que deixou 4 milhões de pessoas sem casa.

A construção do novo programa de previsão climática envolve cerca de 50 pesquisadores, mobilizados por meio da Rede Brasileira de Pesquisa em Mu­danças Climáticas Globais- Rede Cli­ma e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Mudanças Climáticas (INCT-MC), sediado no Inpe. Os pri­meiros resultados indicam as dimensões preocupantes das alterações climáticas em andamento no país. Uma versão preliminar do módulo de superfície, em elaboração na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e no Inpe, mostrou que o desmatamento na Amazônia e no Cer­rado pode aumentar e depois reduzir o volume de água dos principais rios de uma região, por causa das alterações na circulação de massas de ar na baixa atmosfera; a vazão no rio Araguaia, por exemplo, aumentou 25% (ver "Terra se­ca, rios cheios'; Pesquisa FAPESP n° 164,

54 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

Espalhando o calor: mares e nuvens evitam temperaturas mais altas ou baixas

outubro de 2009). Paulo Nobre e ou­tros pesquisadores do Inpe, com uma versão intermediária do novo modelo climático, alimentado com dados dos últimos 20 anos de variação climática no continente e nos oceanos, mostraram que a perda hipotética de toda a Floresta Amazônica reduziria a quantidade de chuvas sobre a Amazônia, em razão do aumento da frequência do fenômeno El Nino no Pacífico equatorial.

O projeto do modelo brasileiro do sistema climático global envolve intensa colaboração internacional. Um exemplo é o programa que avalia o impacto da fumaça das queimadas sobre o clima, desenvolvido pelos pesquisadores Karla Longo e Saulo Freitas, do Inpe, e o que trata do fogo florestal, resultado do tra­balho conjunto de uma equipe do Inpe e outra do Hadley Centre, da Grã-Breta­nha. Uma versão preliminar dos módu­los que avaliam o impacto das plumas de fumaça e das queimadas florestais no Brasil sobre o clima global já está em tes-

tes no modelo do sistema climático do Hadley Centre. Segundo Nobre, esses dois programas representarão a contri­buição científica brasileira original para a formulação dos cenários de mudanças climáticas que o Painel Intergoverna­mental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a instituição científica mundial de maior peso nessa área, pretende apre­sentar em 2014. "Os climatologistas da África do Sul também estão desenvolven­do um modelo computacional da atmos­fera global, que utilizará o módulo de superfície desenvolvido pela UFV e Inpe", comenta Nobre. Não é a primeira vez que os climatologistas brasileiros criam pro­gramas de propósitos ousados. Em 2007, uma equipe do Inpe coordenada por Jo­sé Marengo concluiu um modelo climá­tico regional que detalhou as informações de modelos globais e mostrou uma ele­vação da temperatura média anual e da intensidade de chuvas na América Latina (ver "Um Brasil mais quente'; Pesquisa FAPESP n° 130, dezembro de 2006).

Em três anos, quando o novo mo­delo climático global estiver pronto, o Brasil entrará no limitado grupo de países aptos a lidar com informações

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em primeira mão sobre o comporta­mento do clima no próprio território e verificar como o que se passa aqui ecoa no mundo, conciliando fenô­menos locais e globais. Por enquanto, poucos países- Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Japão, Ca­nadá e Austrália - têm seus próprios modelos climáticos, vistos como estra­tégicos porque facilitam a identificação de problemas locais como a formação de tempestades, secas ou chuvas inten­sas. "Não podemos esperar que cien­tistas de outros países resolvam nossos problemas", afirma Marcos Hei! Costa, professor da UFV que coordena o de­senvolvimento do módulo de super­fície. "No Brasil", diz ele, "os impactos das mudanças do uso do solo, como o desmatamento na Amazônia e no Cer­rado, podem ser mais intensos que os causados pela elevação dos níveis de gás carbônico na atmosfera".

Como um dos projetas do Progra­ma FAPESP de Pesquisa sobre Mu­danças Climáticas Globais, o modelo computacional climático brasileiro deve reunir três módulos distintos, que analisam os fenômenos climáticos

O INTENSO

NOTICIÁRIO

SOBRE OS

IMPACTOS DAS

MUDANÇAS

DO CLIMA

MOBILIZOU OS

PESQUISADORES

EM TORNO

DE OBJETIVOS

COMUNS

que se passam na atmosfera, no ocea­no e na superfície terrestre. Segundo Nobre, uma parte do novo programa, reunindo a componente atmosférica do modelo global do CPTEC e a oceânica do modelo oceânico (MOM4) do Geo­physical Fluid Dynamics Laboratory, da Agência Nacional Atmosférica e Oceâ­nica (NOAA), dos Estados Unidos, já funciona no supercomputador NEC do Inpe, que fornece as previsões globais de temperatura da superfície do mar e eventos como o El Nifío, no oceano Pa­cífico, com meses de antecedência. Em breve, esse módulo computacional que une as previsões do clima na atmosfera e nos oceanos deve começar a funcionar no supercomputador Cray do Inpe, que deve entrar em operação no início de 2011 em Cachoeira Paulista.

Programas livres- Esse é só o começo. O núcleo oceano-atmosfera deve aos poucos integrar-se às outras partes do programa, que tratam dos impactos da vegetação, dos incêndios florestais, dos rios, do ciclo do carbono na superfí­cie e do gelo marinho sobre o clima no Brasil e no mundo. "Até três anos atrás nenhum de nós acreditava que daria para fazer no Brasil um mode­lo computacional capaz de rodar em máquinas de alto desempenho, com centenas de processadores trabalhan­do integrados ao mesmo tempo", diz Costa. O intenso noticiário sobre os prováveis impactos das mudanças cli­máticas alertou os órgãos públicos e mobilizou os pesquisadores em torno de um projeto pioneiro.

O novo programa do clima não saiu do zero. A versão 1.0, adaptada de um programa sobre o clima na atmosfera, já funcionava nos computadores do CPTEC. Os programas complementares para a versão 2.0 já estavam prontos ou semiprontos - e foram construídos no Inpe, como o caso do modelo de química atmosférica e aerossóis, ou eram libera­dos sem custos por instituições como a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, o Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR), o Instituto Woods Hole de Oceanografia e as universidades Princeton e de Wisconsin, também dos Estados Unidos. Parcerias com o Institu­to Indiano de Ciências (IISc) e o Conse­lho para Pesquisa Científica e Industrial ( CSIR), da África do Sul, também fazem

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parte do projeto. Só os programas, claro, não bastavam se os pesquisadores não soubessem lidar com eles. Além de or­ganizar os grupos e acertar direções co­muns, era preciso adequar os programas às necessidades brasileiras e entender- às vezes ajustar- as equações matemáticas que regem as informações e indicam, por exemplo, a intensidade da chuva no norte ou sul do país.

Tradutor do tempo - Outro desafio era criar metodologias adequadas para aproveitar bases de dados já prontas, como a do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), um programa internacional de pesquisas iniciado no final dos anos 1990, e da rede de pesquisa com boias ancoradas no oceano Atlântico tropical (Pirata), iniciado em 1998 em parceria do Inpe e a Diretoria de Hidrologia e Navegação com a NOAA nos EUA e o IRD e o MetéoFrance na França. Algo igualmente difícil, para qualquer grupo

de pesquisa: integrar as informações de grupos que trabalhavam com enfoques diferentes, enfatizando a vegetação, oceanos, rios ou ações humanas como o desmatamento e agropecuária, e em escalas geográficas diferentes, com uma visão mais global ou mais detalhada, de acordo com as próprias necessidades.

Um programa que interage com os outros programas, chamado acoplador de fluxos, resolveu esse problema. "O acoplador de fluxos é como um tradu­tor on-line que informa o cálculo de chuva concluído pelo módulo atmos­férico para o programa de superfície. O programa de superfície, por sua vez, vai trabalhar essa informação, que vai indicar que os rios vão encher mais, e em seguida avisa o programa oceânico de que tem mais água chegando", expli­ca Nobre. Desse modo, cada módulo pode ter certa independência de esca­la e linguagem de programação, desde que possa interagir com o acoplador de fluxos. Essa abordagem diluiu as

COMO A

TEMPERATURA

DO ATLÂNTICO

SUL ESTÁ SUBINDO,

MAIS RESSACAS,

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INDO,

diferenças entre as partes do modelo computacional climático. "Até algumas décadas atrás a ciência do clima não olhava para o oceano, que é muito mais difícil de estudar que a atmosfera, além de muito grande", diz Edmo Campos, pesquisador do Instituto Oceanográfi­co (IO) da Universidade de São Paulo (USP) que coordena um grupo da USP que colabora com o desenvolvimento do módulo de previsão oceânica. "Os oceanos demoram mais que a atmos­fera ou o continente para aquecer e resfriar. Não apresentam variações tão bruscas de temperatura, mas depois a liberação de calor pode também ser mais demorada."

Os programas de previsão climática nos oceanos chegam em boa hora, por­que vários estudos indicam que a tem­peratura das águas do Atlântico Sul, que

O Catarina, março de 2004: outros podem vir

banha o litoral sul e sudeste do Brasil, está subindo. Uma das razões, confir­mada pelo programa da equipe da USP, é que o Atlântico está recebendo mais água quente do oceano Índico, por causa de mudanças na circulação dos ventos. Águas mais quentes no Atlântico Sul au­mentam o risco de chuvas torrenciais como as de abril de 2010 e de furacões como o Catarina. Fenômeno raríssimo no Brasil, o Catarina chegou em mar­ço de 2004, depois de formar ondas de cinco metros de altura em alto-mar, destruindo 100 mil casas e plantações de arroz e banana em 40 municípios de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Mas não bastam só programas de computador para evitar tragédias co­mo essa. ''Antes de o Catarina chegar ao continente, o pessoal do NOAA avisou que a pressão estava m uito baixa e o olho do furacão estava se formando, mas não tínhamos como confirmar. Falhamos na previsão e não tínhamos nenhum instrumento de monitora­mento na região. A rigor, ainda não temos", afirma Campos. Segundo ele, para contornar essa lacuna, uma equipe do INCT para Mudanças Climáticas está trabalhando com os engenheiros de uma empresa do Rio de Janeiro na montagem de uma boia de fibra de vi­dro com três metros de diâmetro que deve ser ancorada com rodas de trem a 300 quilômetros da costa catarinense numa lâmina d'água de 4.000 metros de profundidade, em junho ou julho de 2011, para acompanhar a varíação de temperatura e salinidade da camada superior do oceano e variáveis atmosfé­ricas (vento, temperatura, pressão, umi­dade e radiação solar) à superfície.

A integração de programas sobre o clima na atmosfera, nos oceanos e na superfície terrestre deve dar uma visão mais completa das relações dos fenôme-

O PROJETO

Brazilian model of the global climate system - n° 09-50528-6

MODALIDADE Projeto Temático PFPMCG/Pronex FAPESP

COORDENADOR Carlos Afonso Nobre- lnpe

nos climáticos no Brasil e no planeta. "Em setembro, em uma palestra na Feira de Agronegócios de Londrina, mostrei como o desmatamento da Amazônia poderia aumentar a variabilidade climática no Paraná': conta Nobre. "Depois perguntei se não deveríamos incluir o custo da ma­nutenção da FlorestaAmazônica em cada saca colhida no Paraná. Naquele momen­to eu não estava defendendo a Amazônia, mas a produção de alimentos, ameaçada por enchentes e secas mais intensas:'

A água do Amazonas - As dúvidas sobre problemas conceituais devem se dispersar. Um deles: no computador, uma linha chamada termoclima, que separa águas quentes e frias de acordo com a profundidade, indica que há mais água fria no meio do mar, não nas bor­das, como se vê na realidade. "Os mo­delos oceânicos talvez estejam falhando em reproduzir a estrutura térmica real dos oceanos, entre outros motivos por­que não consideram a descarga de água doce, e mais fria, dos rios Amazonas, Orinoco, São Francisco e Prata, cujo efeito vamos agora examinar com aten­ção", diz Nobre. "Um estudo recente da Science mostrou que a descarga de água do Amazonas aumenta 10 vezes o con­sumo de C02 na região do Atlântico próxima à foz, porque a atividade bio­lógica induzida pelos nutrientes carrea­dos pelas águas fluviais absorve mais C02• Não imaginávamos esse efeito nem esse volume. Pensávamos apenas no efeito térmico para o balanço de C02

entre a atmosfera e o mar." Paulo Nobre espera que o número

de usuários do programa de previsão climática cresça rapidamente. A possi­bilidade de cada módulo poder funcio­nar também em computadores comuns -até mesmo em notebooks, com algum esforço- e ser distribuído gratuitamen­te, com o manual de instruções, deve facilitar o uso amplo. "Nosso objetivo é preparar centenas de pessoas para tra­balhar com esses programas no Brasil", diz Costa. "Talvez a gente consiga criar um quadro de especialistas do mesmo nível que em outros países, já que se trata de um projeto estratégico para o país. Estamos hoje onde outros gru­pos estavam há 1 O anos, mas em alguns anos queremos estar equiparados com os países que têm modelos do sistema climático global próprios." •

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uma ampla reforma e modernização, que deve soprar nova vida à pesquisa nuclear nacional. Uma das especialida­des do Pelletron é o estudo dos núcleos exóticos, por meio do projeto Ribras (sigla para Feixes de Íons Radioativos no Brasil), coordenado por Lichten­thaler Filho. Instalado no Pelletron, o Ribras é o único equipamento no he­misfério Sul capaz de produzir feixes de núcleos exóticos.

Excentricidade - Mas o que afinal são esses núcleos exóticos? Eles ganham es­se nome quando sua composição nu­clear os torna instáveis, com existência muito curta. Isso ocorre quando há um desequilíbrio grande entre o número de prótons e o de nêutrons. O hélio, por exemplo, o segundo elemento mais abundante do Universo, tem dois pró­tons no núcleo. Mas pode apresentar um nêutron (hélio-3), dois (hélio-4) ou mais. Só que as versões com mais de dois nêutrons são instáveis. O hélio-5 é o mais raro deles e, uma vez formado, dura uma fração ridiculamente pe­quena de segundo: da ordem de 10-22

segundos. Já o hélio-6 tem meia-vida, tempo em que metade da amostra sofre decaimento radioativo e se transforma em outro elemento, de 0,8 segundo.

Uma das curiosidades dos núcleos exóticos é que apresentam formatos e tamanhos incompatíveis com sua massa, definida pela soma de prótons e nêutrons (ver Pesquisa FAPESP n°s 99 e 120). "Como prótons e nêutrons

60 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQU ISA FAPESP 177

OS PROJETOS

1. Da origem dos elementos às aplicações tecnológicas: explorando a natureza dos átomos acelerados - n° 2005/04719-3 2. Estudo de núcleos exóticos com feixes radioativos produzidos no Pelletron-Linac - n° 2003/70099-2 3. Estudo de propriedades nucleares com feixes de núcleos exóticos - n° 2007/06676-9 4. Estudo de fenômenos nucleares envolvendo núcleos estáveis e exóticos - n° 1998/14946-1

MODALIDADE

1. e 3. Projeto Temático 2. Projeto Temático - Programa Núcleos de Excelência (Pronex) 4 . Programa Equipamentos Multiusuários

COORDENADORES

1. Roberto Ribas- IF/USP 2. Alinka Lépine-Szily - IF/USP 3. Rubens Lichtenthaler Filho- IF/USP 4. Dirceu Pereira - IF/USP

INVESTIMENTO

1. R$ 543.834,76 + US$ 313.349,54 (FAPESP) 2. R$ 418.392,64 (FAPESP/CNPq) 3. R$ 474.927,53 (FAPESP) 4. R$ 2.490.621,88 (FAPESP)

têm mais ou menos a mesma massa, imaginava-se que o lítio-6, que é estável e tem três prótons e três nêutrons, e o hélio-6, com dois prótons e quatro nêutrons, mas instável, tivessem qua­se o mesmo volume. Mas não é o que acontece': explica Lichtenthaler Filho. "O hélio-6 apresenta um halo, como se houvesse uma nuvem de nêutrons ao redor do núcleo, tornando seu vo­lume bem maior", completa. Isso muda a forma como se dão as interações nu­cleares, tornando-as mais frequentes e poderosas. Grosso modo, quanto maior o volume, maior a chance de colisão.

De que maneira essas interações são alteradas é algo que, até o momento, a teoria não prevê completamente. Por isso, os experimentos são fundamentais para compreender o que se passa com esses núcleos atômicos estufados.

O Ri bras foi instalado em 2004, mas a alegria dos físicos durou pouco. No ano seguinte um acidente afetou seve­ramente o Pelletron, quase eliminando sua capacidade produtiva. "Num expe­rimento em abril de 2005, usou-se, por acidente, o metal índio para colar duas peças no sistema de vácuo vizinho ao tubo acelerador", conta Alinka Lépine­Szily, diretora do Pelletron desde 2007. "Além de bom condutor, o índio é um metal com temperatura de evaporação muito baixa."

O acelerador ficou ligado a noite toda após aquela operação sem que a válvula que isola o tubo acelerador tivesse sido fechada. Resultado: o índio evaporou, entrou no sistema e condensou-se nas paredes de cerâmica do interior do tu­bo. Ao religar o dispositivo, havia faíscas por todo lado. Para piorar, a eletricidade descontrolada converteu o gás do tanque do acelerador em ácidos corrosivos, que danificaram outro elemento crítico do sistema, as correntes de carga.

O acelerador passou os dois anos seguintes mais tempo desligado que ligado, e quando estava em operação trabalhava com nível de energia bem inferior ao normal. Idealmente, o Pelle­tron opera com 8 milhões de volts e essa potência não foi totalmente recuperada. Trazer o Pelletron de volta à fronteira da ciência não foi a mais simples das tarefas. Importado dos Estados Unidos, o acelerador da USP é o mais antigo de sua categoria. Ele fica numa torre de oito andares no Instituto de Física

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Page 61: A energia dos ventos

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e tem a disposição vertical. Os átomos que produzem os feixes usados pelos físicos partem do topo, onde ganham elétrons e passam a ter carga negativa. Então são atraídos pelo terminal do acelerador, localizado no meio do ca­minho entre o oitavo andar e o chão, com energia de até 8 milhões de volts. Ao passar pelo terminal, os núcleos per­dem seus elétrons ao atravessar uma fina folha de carbono. Ficam, portanto, com carga positiva e ganham impulso adicional. Ao chegarem ao térreo, são manipulados por meio de um campo magnético para fazer uma curva de 90 graus e então são desviados para uma das sete linhas disponíveis - cada qual plugada a um instrumento diferente.

A idade avançada, por si só, não seria um problema para o acelerador, segundo Alinka. "Na Austrália, eles têm o segundo mais velho, que é só dois anos mais novo que o nosso, e está em maravilhosas condições." Para ela, o problema aqui é a falta de recursos constantes e suficientes para a manu­tenção da máquina. Mas, após o aciden­te de 2005, surgiu a oportunidade para recuperar o tempo perdido.

Faíscas - Melhorias e reformas pro­movidas no acelerador após 2007, com financiamento da FAPESP, como o do projeto de Roberto Ribas, recuperaram gradualmente seu desempenho. Fo­ram feitas da instalação de um simples medidor de fluxo no compressor que faz a troca do gás até mudanças mais radicais, como o uso de resistores para reduzir as faíscas no interior do apa­relho. "Existia uma lenda de que ele era muito eficiente e de que o gás era totalmente trocado após 40 minutos", conta Alinka. "Instalamos o medidor e descobrimos que era preciso de sete a oito horas para a troca completa."

No sistema original, pequenas pla­cas de metal com agulhas muito pró­ximas delas, separadas por milímetros, transmitiam a corrente elétrica entre as extremidades e o terminal. Mas a cor­rente elétrica convertia o gás usado no acelerador em ácidos corrosivos, que atacavam a corrente de carga e atrapa­lhavam o funcionamento da máquina. "Conseguimos US$ 146 mil para com­prar os resistores e os estamos insta­lando", diz Alinka. "Em cerca de dois meses, devemos finalizar a reforma."

Pelletron

poderá ser

usado na

certificação de

qualidade de

componentes

de satélites

Com o novo sistema, o acelerador deve voltar a alcançar os 8 milhões de volts de energia. E existe a perspectiva de usá-lo para certificar a qualidade de circuitos eletrônicos de satélite. "A ideia é disparar contra os circuitos um feixe que simule as circunstâncias que en­frentarão no espaço", afirma Alinka.

Mesmo nos piores dias o Pelle­tron não parou de gerar dados. Com a retomada das atividades normais, a tendência é que se destaque no cam­po dos núcleos exóticos, em que é um dos pioneiros, e na análise de colisões de núcleos estáveis mais leves, como o lítio, com três prótons.

Entre os trabalhos recentes, Der­berson de Sousa, aluno de mestrado de Dirceu Pereira, ajudou a determinar a densidade dos isótopos lítio-6 e lítio-7,

estáveis, colidindo-os contra alvos de estanho. O dado do trabalho, um dos mais importantes publicados em 2010 na Nuclear Physics A, é fundamental para prever como o núcleo reage na colisão com outros átomos.

Pereira trabalha com o Pelletron desde sua instalação, nos anos 1970. Treze anos atrás, ele colaborou com Luiz Chamon, Mahir Hussein, Dióge­nes Galetti e Marco Antonio Ribeiro no desenvolvimento de um modelo teó­rico chamado Potencial de São Paulo, que ajuda a explicar como interagem os núcleos atômicos quando estão pró­ximos de colidir. "Estamos falando de uma distância da ordem de lQ-13 centí­metros [um décimo de um trilionésimo de um centímetro)", explica.

Nessa escala a força nuclear forte, que mantém prótons e nêutrons unidos no núcleo, começa a operar. Descrever como fenômenos quânticos ligados a ela se desenrolam nessas colisões entre átomos é complexo. Em experimentos, os físicos obtêm mais dados para pôr seus modelos em sintonia, de forma que sejam mais fiéis à realidade.

O estudo de densidade do lítio removeu barreiras que impediam de obter essas medidas sem ambiguida­des. Permitiu, por exemplo, conciliar os resultados experimentais com os ob­tidos em certos modelos teóricos. Esse foi mais um teste do Potencial de São Paulo. Até agora o modelo sobreviveu. Mas sabe-se lá o que acontecerá no pró­ximo experimento do Pelletron. •

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 61

Page 62: A energia dos ventos

I

[ BOTÂNICA ]

Estufa natural Alterações do clima devem afetar a composição das florestas tropicais

FRANCISCO BICUDO

e a concentração de dióxido de carbono (C02),

principal gás do efeito estufa, continuar subindo, o perfil das árvores que compõem as florestas tropicais poderá se alterar significativamente nas próximas décadas. Estudos coordenados por Carlos Alberto Martinez, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, sugerem que as espécies arbóreas

classificadas como pioneiras - as primeiras a ocupar uma área aberta, pois nascem e crescem rápido- poderão ser as dominantes nas matas se os níveis do gás dobrarem ou mes­mo se elevarem em 50%. A vantagem competitiva tem uma explicação: mesmo com taxas altas de dióxido de carbono, esse tipo de árvore faz fotossíntese em níveis adequados. Já as árvores de crescimento mais lento se desenvolvem menos em ambientes com C02 acima de determinado nível.

Martinez comparou a resposta de quatro espécies de árvores- duas pioneiras, a embaúva ( Cecropia pachystachya) e a urucurana ( Croton urucurana), e duas não pioneiras, o jequitibá-rosa ( Cariniana legalis) e o guarantã (Essenbeckia leiocarpa) - em cenários com três concentrações de C02:

360 partes por milhão (ppm), nível pouco abaixo do atual; 540 ppm, 50% maior; e 720 ppm (taxa prevista para 2070 se as emissões não recuarem). As amostras das espécies foram postas em câmaras em que o C02 é injetado e o nível do gás é monitorado para evitar oscilações indesejadas.

Publicado em 2008 no livro Photosynthesis: energy from the Sun, o resultado do experimento mostrou que as pionei-

Page 63: A energia dos ventos

O PRO~ETO

Impacto de elevadas concentrações de C02 sobre a fisiologia e o crescimento inicial de quatro espécies florestais brasileiras, numa simulação climática futura -n° 2005/54804-7

MODALI DADE

Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa

COORDENADOR

Carlos Alberto Martinez y Huaman - FFCLRP/USP

INVESTIMENTO

R$ 131.010,59 (FAPESP)

ras, em qualquer cenário, conseguiram aumentar a fotossíntese. "São plantas que levam de 10 a 15 anos para chegar à fase adulta e possuem o que chamamos de dreno forte, o caule, elemento capaz de absorver e acumular taxas extras de COz", explica Martinez. "Isso garante seu desenvolvimento acelerado."

Nas não pioneiras a resposta foi bem distinta. As plantas desse grupo só aproveitavam bem o co2 na fotos­síntese até a concentração de 540 ppm. Acima desse índice, e até atingir as 720 ppm, foi registrada queda de até 50% na capacidade de aproveitar o gás extra, quando comparado com o cenário de controle (360 ppm). "As não pioneiras precisam de entre 50 e 100 ano"s para atingir a maturidade e sua longevidade fica entre 100 e mil anos. No início do crescimento o caule das não pioneiras é pouco preparado para acumular es­se co2 a mais", afirma o pesquisador. "Parece existir um limite de saturação, acima do qual a espécie não consegue mais responder positivamente e a ca­pacidade de fotossíntese começa a cair." Martinez ensaia uma explicação para o pior desempenho do jequitibá-rosa e do guarantã num ambiente rico em gás carbônico: a possível acumulação de carboidratos nos cloroplastos, a usi­na de energia das células vegetais, nas espécies não pioneiras poderia ser res­ponsável por um decréscimo nas taxas da enzima rubisco, fundamental para a fixação e a assimilação do carbono.

Mas a presença exagerada de dióxi­do de carbono não é a única variável a

ser considerada quando se analisam os possíveis impactos das mudanças cli­máticas sobre as plantas. É preciso tam­bém avaliar outros fatores de estresse, como luminosidade, variação de tem­peratura e nutrientes do solo. Martinez então sofisticou um pouco mais suas análises. Cruzou variáveis e mostrou que, quando cultivadas em solo pobre em nutrientes a uma concentração de até 720 ppm de co2, as pioneiras perdem cerca de 40% da capacidade de absorver o gás disponível para fo­tossíntese. Nessas mesmas condições o decréscimo nas não pioneiras é de 60%. Ou seja, ainda assim o primeiro grupo de árvores leva vantagem em relação ao segundo. Num artigo científico a ser publicado em janeiro de 2011 na En­vironmental and Experimental Botany, o pesquisador da USP mostrou que as pioneiras também toleram melhor situações de alta luminosidade, outro fator de estresse que pode ser exacerba­do pelas mudanças climáticas.

Teste realista - Para Martinez, as di­ferentes variáveis envolvidas no fenô­meno do aquecimento global devem ser avaliadas em conjunto, e não isola­damente, para que as condições reais das florestas possam ser replicadas com o máximo rigor possível. "Caso esses resultados se mantenham em ambiente natural, as plantas pioneiras seriam mais competitivas num possível cenário futuro de aquecimento global e de concentração de co2 acima de 540 ppm", analisa o pesquisador. "Essa pa­rece ser uma tendência, que precisa ser confirmada por estudos mais amplos, envolvendo outras espécies e famílias de vegetais." Em breve, o pesquisador da USP deverá estudar o que ocorre com as plantas quando, além de entra­rem em contato com o co2 extra, são expostas também ao aumento de tem­peratura. Martinez é incisivo: é preciso conhecer as vantagens comparativas das plantas para enfrentar um cenário que será certamente adverso. •

Artigo científi co

MARTINEZ, C. A. et ai. The effects of eleva­teci C02 on tropical trees are related to suc­cessional status and soil nutritional condi­tions. ln ALLEN, J. F. et ai. (org.), Photosynthesis. p. 1.379-82. 2008.

PESQUISA F'APESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 63

Page 64: A energia dos ventos

GEOLOG A

Berçário de montanhas

ma gigantesca calha corre paralela à costa brasi­leira ao longo de 1.000 quilômetros entre Curi­tiba, no Paraná, e Barra de São João, no Rio de Janeiro. É o Rift Continental do Sudeste do Brasil, uma formação geológica parecida com um vale com mais ou menos 100 quilômetros de largura por onde corre o rio Paraíba do Sul.

Ele é ladeado por duas cadeias escarpadas, a serra do Mar e a da Mantiqueira, e abriga cidades importantes como Curitiba, São Paulo, Taubaté, Resende e Volta Redonda. Silvio Hiruma, do Instituto Geológico de São Paulo, vem investigando a geologia de um trecho dessa formação -o planalto da Bocaina- e concluiu que essas serras se formaram em momentos bem distintos.

O mais antigo deles aconteceu há cerca de 120 mi­lhões de anos: foi a separação entre a África e a América, que gerou na costa brasileira tensões suficientes para fazer crescer ainda mais a serra do Mar, hoje a leste do rio Paraíba do Sul. Os picos mais elevados dessa serra, com mais de 2.000 metros de altitude, compõem os 1.800 qui­lômetros quadrados do planalto da Bocaina, que ainda guarda partes preservadas provavelmente desde antes da separação dos continentes. "É uma região que não sofreu uma erosão forte, por isso é importante para investigar a história geológica dessa serra", diz Hiruma.

A cadeia mais no interior, a serra da Mantiqueira­onde está Campos do Jordão, destino favorito de paulis­tas durante o inverno para aproveitar lareiras, cobertores, fondues e chocolates quentes, além de tirar os casacos do armário -, se formou por volta de 60 milhões de anos mais tarde, quando movimentações geológicas resulta­ram na abertura do rift continental.

64 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

Fissuras microscópicas em cristais ajudam a resgatar a história do planalto da Bocaina

MARIA GuiMARÃES

O que permite a datação de eventos de exposição e erosão nas rochas cristalinas muito antigas que formam a região, em que marcadores cronológicos são raros, é observar os traços de fissão em grãos de apatita. São defeitos na estrutura cristalina do mineral visíveis ape­nas ao microscópio depois de um tratamento químico. Esses traços são preservados quando a rocha que estava aquecida em camadas profundas abaixo da superfície terrestre se resfria. "A densidade desses traços permite estimar há quanto tempo aquela apatita passou pelas porções mais superficiais da crosta", explica o geólogo. O trabalho fez parte do projeto coordenado por Clau­dio Riccomini, da Universidade de São Paulo, um dos pioneiros no estudo da região e orientador de Hiruma durante o doutorado. Parte das análises foi feita na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, em colaboração com o grupo de Peter Hackspacher.

As datações indicaram que o planalto da Bocaina preserva testemunhos de épocas muito diversas. "Foi uma somatória de soerguimentos seguidos por erosão", explica Hiruma. As idades apontadas pelos grãos de apa-

titade amo altitudes d cerca de 46 de 303 mil artigo publ Research. I mais antig tros de altil rio Paraiti1 as com mt estão abaiJ do Funil e

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Page 65: A energia dos ventos

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ti ta de amostras coletadas em diferentes altitudes desse planalto variam desde cerca de 46 milhões de anos até por volta de 303 milhões de anos atrás, segundo artigo publicado este mês na Gondwana Research. De maneira geral, as amostras mais antigas estão acima de 1.400 me­tros de altitude, região das cabeceiras do rio Parai tinga e do ribeirão Capetinga, e as com menos de 130 milhões de anos estão abaixo, a exemplo da região do rio do Funil e da serra da Carioca.

Se a tendência fosse constante, con­taria uma história bastante simples, de montanhas se elevando e sendo erodi-

O PRO~ETO

Morfotectônica e evolução cenozoica do planalto de Bocaina - n° 2003/08037-0

MODALIDADE

Au xílio Regular a Projeto de Pesquisa

COORDENADOR

Claudio Riccomini - IG/USP

INVESTIMENTO

R$ 72.035,69

das. Mas não é o caso: amostras dife­rentes coletadas na mesma altitude re­velaram idades de traços de fissão bem diferentes, de 60 milhões e 137 milhões de anos. Além disso, uma amostra com 303 milhões de anos foi encontrada no meio da escarpa que delimita o norte do planalto da Bocaina, numa altitude de 1.058 metros.

Traços do passado - Essa distribuição de idades revela uma história complexa de processos geológicos diversos. Depois da separação dos continentes, eventos magmáticos em dois pulsos principais, por volta de 80 milhões e 65 milhões de anos atrás - época da formação do Rift Continental do Sudeste do Brasil -,também causaram soerguimento das montanhas. Nos últimos milhões de anos, movimentos da crosta continua­ram a alterar a organização geológica por ali. O resultado de toda essa ativida­de são alterações dramáticas no relevo, em que redes de drenagem dos rios são invertidas, montanhas se elevam e fa­lhas se abrem como rasgos.

A comparação com Campos do Jordão, na Mantiqueira, está no início: só duas amostras, ante 27 de Bocaina. Por enquanto, parece que a região de Campos do Jordão tem rochas que fo-

ram expostas bem mais tarde do que as da Bocaina, trabalho que Hiruma e colaboradores pretendem continuar nos próximos anos.

Para complicar a viagem no tem­po empreendida pelos pesquisadores, as rochas formadas e revolvidas por processos diversos não ficam neces­sariamente à espera de geólogos que contem sua história. Processos erosi­vos que acontecem até hoje já existiam centenas de milhões de anos atrás, de maneira que testemunhos mais super­ficiais muitas vezes deixam de existir. Isso torna o trabalho mais árduo e o mosaico mais desafiante, mas nada que cause desânimo. A técnica de traço de fissão começou a ser mais usada em es­tudos geológicos nos últimos 30 anos, bem recente para esse tipo de pesquisa. Abriu portas que, Hiruma espera, serão cada vez mais exploradas nas próximas décadas e acabarão por revelar muito da história deste continente. •

Art igo cient íf ico

HIRUMA, S. T. et ai. Denudation history of the Bocaina Plateau, serra do Mar, southeastern Brazil: Relationships to Gondwana breakup and passive margin development. Gondwana Research. ~ 18,n.4, p. 674-87.nov. 2010.

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 65

Page 66: A energia dos ventos

Biblioteca de Revistas Cient íficas disponível na internet I www.scielo.org o \\HISTÓRIA DA CIÊNCIA

A produção de três ilustrados

O artigo "Viagens, tremores e con­chas: aspectos da natureza da Amé­rica em escritos de José Bonifácio de Andrada e Silva, José Hipólito Una­núe e Dámaso Antonio Larrafiaga" apresenta pontos da produção cien­tífica dos três ilustrados- Bonifácio (desenho), Hipólito e Larrafiaga- que a tu aram na América do Sul. Os três naturalistas de trajetórias, territórios

e crenças diferentes erigiram versões próprias sobre aspectos da natureza da América. Em comum, contribuíram com seus tra­balhos científicos para a construção da geo-história americana. Foram escolhidos para análise por critérios de dispersão territo­rial e por suas diferentes abordagens sobre aspectos específicos das ciências da terra. Os autores do estudo, Maria Margaret Lopes, da Universidade de Évora, e Alex Gonçalves Varela, do Museu de Astronomia e Ciências Afins, argumentam que esses personagens não só construíram seus próprios conhecimentos sobre temperamentos (climas) e territórios, como também uti­lizaram seu saber científico no implemento de ações políticas para os seus respectivos países em conformação.

BoLETIM vo MusEu PARAENSE EMfLio GoELDI. CIP.NCIAS

HUMANAS- VOL. 5- N° 2- BELÉM- MA!./ AGO. 2010

\\ EMPREENDEDORISMO

As redes sociais e as empresas

O artigo "Redes sociais na criação e mortalidade de empresas", fruto de reflexão teórica e investigação empírica, analisa o fenô­meno de imersão (embeddedness) do empreendedor e o impacto das redes sociais nos negócios. Segundo as autoras, Gláucia Maria Vasconcellos Vale e Liliane de Oliveira Guimarães, da Universidade Católica de Minas Gerais, sua base empírica deriva de pesquisa de natureza quantitativa e comparativa, realizada no período 2008-2009. Para tratar os dados, foi desenvolvida uma proposta metodológica diferenciada, com indicadores capazes de aferir e mensurar alguns componentes de imersão e seu impacto no mundo dos negócios. Os resultados sugerem que existem diferenciações entre os dois conjuntos pesquisados e que as redes sociais podem influenciar positivamente nas

possibilidades de sobrevivência das empresas no mercado. O artigo contribui, de acordo com as pesquisadoras, com inovações no campo metodológico, além de oferecer contribuições no plano teórico, ajudando a desvendar algumas das dimensões do processo de criação e mortalidade de empresas.

REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS- VOL. 50- N° 3-SÃo PAuLo- JUL./SET. 2010

\\ TELEMEDICINA

Dermatologia por vídeo

O artigo "Concordância entre diagnósticos dermatológicos obtidos por consulta presencial e por análise de imagens digi­tais" resultou de pesquisa que avaliou a eficácia de um método não sincrónico de teledermatologia, utilizando recursos tec­nológicos simples e de baixo custo. Cento e setenta e quatro pacientes foram examinados por quatro dermatologistas- dois efetuaram diagnóstico presencial (A1 e A2) e dois por meio de imagens das lesões e história clínica (B 1 e B2). A concordância do diagnóstico principal entre A1 e A2 foi de 83,3% e entre B1 e B2, de 81 o/o. A concordância entre o diagnóstico principal estabelecido pelo método presencial e o obtido por meio de imager{s variou de 78,2% a 83,9%. O diagnóstico de doenças dermatológicas realizado por imagens digitais demonstrou concordância ótima quando comparado àquele realizado com a presença física do paciente, segundo os autores do estudo Jonas Ribas, da Universidade Federal do Amazonas, e Maria da Graça Souza Cunha, Antônio Pedro Mendes Schettini e Carla Barros da Rocha Ribas, da Fundação Alfredo da Matta.

A NAIS BRASILEIROS DE DERMATOLOGIA - VOL. 85 - N° 4 - RIO DE JANEIRO - )UL./ AGO. 2010

\\ FIS IOTERAPIA

Incapacidades do idoso

A faixa etária que mais cresce no Brasil e no mundo é a de idosos com 80 anos ou mais. Entre esses indivíduos, a preva­lência de incapacidades e morbidades é maior que em outros grupos. O objetivo do trabalho "Fatores determinantes da ca­pacidade funcional em idosos longevos" foi investigar a influên­cia de fatores socioeconômicos, demográficos, biológicos e de

saúde, nutr' da saúdes Os fatores · cional foral

a uma co important fatores qu melhores a do estudo F. P. L. Ros e Eveline 1

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\\ FÍSIC

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Page 67: A energia dos ventos

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saúde, nutricionais, de relações sociais, além da autoavaliação da saúde sobre a capacidade funcional de idosos longevos. Os fatores independentes associados à pior capacidade fun­cional foram: ter 85 anos ou mais, ser do gênero feminino, fazer uso contínuo de cinco ou mais medicamentos, não vi­sitar parentes e/ou amigos pelo menos uma vez por semana e considerar a própria saúde pior que a de seus pares. Os resultados sugerem que a capacidade funcional está associada a uma complexa rede de fatores multidimensionais, sendo importante o desenvolvimento de ações relacionadas àqueles fatores que são passíveis de intervenção, visando propiciar melhores condições de saúde e qualidade de vida. Os autores do estudo são Silva na L. Nogueira, Rita C. L. Ribeiro, Lina E. F. P. L. Rosado, Sylvia C. C. Franceschini, Andréia Q. Ribeiro e Eveline T. Pereira, da Universidade Federal de Viçosa.

REVISTA BRASILEIRA DE FISIOTERAPIA - VOL. 14 - N° 4 -

SÃO CARLOS- JUL./AGO. 2010- EPUB 3- SET. 2010

\\FÍSICA TEÓRICA

Criação científica em Poincaré

No artigo "Pensamento racional e criação científica em Poincaré", de Michel Paty, diretor de pesquisa emérito do Centre National de la Re­cherche Scientifique, Paris (França), o autor esclarece o "estilo" de Henry Poincaré (foto) na física teórica e na matemática, considerando o caso de sua formulação teórica da eletrodi­nâmica relativista e do lugar que nela tem o princípio de relati-vidade. A comparação desse trabalho criador com aque­le paralelo e contemporâneo de Einstein (da relatividade especial) permite pôr em evidência os contrastes entre as duas abordagens, de acordo com Paty. Ele trata, em segui­da, da obra e do pensamento de Poincaré no campo da fi­losofia a respeito do problema da criação científica e de sua relação com a racionalidade.

5CIENTIAE STUDIA- VOL. 8- N° 2- SÃO PAULO- ABR./)UN. 2010

\\REFLORESTAMENTO

Indicadores ambientais

A baixa tecnologia empregada no manejo do solo e na utili­zação do fogo para o plantio de espécies ou cultivares florestais na Amazônia tem sido apontada como a causa principal das áreas alteradas em sistemas florestais, resultando em erosão, poluição hídrica, perda de nutrientes e da biodiversidade. As-

sim, há a hipótese de que uma área alterada, seja no ambiente ou tipo de exploração a que esteja submetida, estaria em fase de recuperação quando o teor de matéria orgânica no solo estiver aumentando, de acordo com o estudo "Uso de resí­duos de madeira como alternativa de melhorar as condições ambientais em sistema de reflorestamento", de Kátia Fernanda Garcez Monteiro, da Universidade Federal Rural da Amazô­nia, Dirse Clara Kern e Maria de Lourdes Pinheiro Ruivo, do Museu Paraense Emílio Goeldi, Tarcísio Ewerton Rodrigues, da Embrapa Amazônia Oriental, e José Luis Said Cometti, da Secretaria de Meio Ambiente de Pernambuco. Tal condição pode ser medida por meio de indicadores biológicos do solo. As áreas atualmente em recuperação ou recuperadas em suas propriedades edafológicas (trata da influência dos solos em seres vivos) podem ser comparadas, em termos de bioindicado­res, a solos enriquecidos com material orgânico proveniente de manejo pretérito, como em áreas de reflorestamento instaladas em locais de terra preta. Essa comparação, segundo os autores do trabalho, além de validar os indicadores de qualidade do solo, auxiliará estudos que contemplem a utilização racional, seja de florestas naturais ou florestas plantadas.

ACTA AMAZONICA - VOL. 40- N° 3- MANAUS- SET. 2010

\\ CARDIOLOGIA

Resistência à aspirina

Uma metanálise de estudos clínicos de pacientes com doen­ça cardiovascular demonstrou que o uso de aspirina estava associado à redução de 22% de mortes e a eventos vasculares isquêmicos relevantes. Entretanto, estudos clínicos revelaram que pacient.es tomando regularmente aspirina apresentavam recorrência de eventos cardiovasculares. Tal constatação levou a um questionamento: se, em alguns pacientes, a aspirina não era eficaz em bloquear a agregação plaquetária, sendo estes pacientes chamados de não responsivos ou resistentes à aspirina. Conceitua-se resistência clínica à aspirina pela ocor­rência de eventos cardiovasculares em pacientes na vigência de tratamento com aspirina, enquanto a resistência laborato­rial é definida como a persistência da agregação plaquetária, documentada por teste laboratorial, em pacientes tomando regularmente aspirina. Pacientes resistentes à aspirina tive­ram, de acordo com testes laboratoriais, em média, 3,8 vezes mais eventos cardiovasculares quando comparados aos não resistentes. A pesquisa está relatada no artigo "Resistência à aspirina: realidade ou ficção?", de Dinaldo Cavalcanti de Oli­veira, Rogerio Ferreira Silva, Diego Jantsk Silva, do Hospital do Coração, e Valter Correia de Lima, do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo.

ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA - VOL. 95- N° 3-SÃo PAuLo- SET. 2010

\\ O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo­níveis no site de Pesquisa FAPE:SP, www.revistapesquisa.fapesp.br

Page 68: A energia dos ventos

LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

TELAS DE LCD MAIS EFICIENTES

Uma nova classe de cristais líquidos com proprie­

dades elétricas únicas, capazes de melhorar o de­

sempenho dos mais diversos displays digitais, de

televisões de tela plana a relógios digitais, acaba de

ser anunciada por pesquisadores da Universidade

Vanderbilt , nos Estados Unidos, em artigo na edi­

ção on-line, em 28 de setembro, da revista Journal

of Materiais Chemistry. A descoberta, resultado de

cinco anos de pesquisas, deverá reduzir o consumo

de energia dos aparelhos. De acordo com o professor de quí­

mica Piotr Kaszynski, um dos autores do estudo, o novo cristal

líquido é dotado de dipolo elétrico duas vezes maior do que

o encontrado em disp/ays convencionais. A vantagem dessa

característica é que os displays utilizam voltagens menores e

consomem menos energia. Ao mesmo tempo, eles seriam ca­

pazes de alternar mais rapidamente entre estados mais claros

e mais escuros ou de ligar e desligar com mais facil idade. As

telas feitas com o novo cristal líquido contêm um composto

químico chamado de zwitterion que possui grupos de cargas

elétricas negativas, positivas e neutras. Por isso, a nova tela

está sendo chamada de cristal líquido zwitteriônico.

I ENERGIA DAS COMUNICAÇÕES

O Bell Labs, braço de pesquisa da empresa anglo-francesa Alcatel-Lucent, alertou recentemente que

a energia se tornará um problema de dimensões cada vez maiores quando o assunto se referir a redes de comunicações. Ao analisar as tendências de consumo dos equipamentos

68 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

atuais, os pesquisadores do Bell Labs concluíram que os ganhos de eficiência energética não acompanham o crescimento do tráfego das telecomunicações, incluindo a internet. A previsão indica que a energia consumida por usuário deverá aumentar em sete vezes ao longo dos próximos dez anos. O aumento de tráfego, hoje entre 40% e 60%, deverá cair de 25% a 50% em 2020. Os níveis de eficiência dos equipamentos que haviam melhorado 20% ao ano agora estão caindo para cerca de 10%. Esses dados foram apresentados num comunicado da Optical Society (OSA) durante o evento Frontiers in Optics 2010, realizado pela entidade no final de outubro. Esses dados, em conjunto com outras pesquisas, impulsionaram a criação do Consórcio GreenTouch, composto por especialistas da indústria, da academia e de organizações não governamentais, que se dedicará a aperfeiçoar o gasto energético das redes de comunicações.

INOVAÇÃO EM ALTA

Mais de um quinto das empresas norte-americanas da indústria de manufatura -precisamente 22% ­introduziu produtos ou processos inovadores no mercado entre 2006 e 2008. Esse é um dos principais dados de uma pesquisa realizada pela Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês) dos Estados Unidos sobre inovação, pesquisa e desenvolvimento em negócios, relativa a 2008. Em comparação, apenas 8% das companhias pertencentes a outros setores, que não o de manufatura, inovaram em produtos e em processos no mesmo período. O estudo também revelou que a maior parte das inovações aconteceu em setores dominados pelas indústrias química, eletrônica, de informática e de equipamentos e componentes elétricos. No geral, o índice de inovação nos Estados Unidos atingiu 9% do estimado 1,5 milhão de empresas (NSF).

DIMENSfl NANOMÉ

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Page 69: A energia dos ventos

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DIMENSÃO NANOMÉTRICA

Novos diodos emissores de luz, ou simplesmente LEDs, de proporções nanométricas foram criados por acaso por químicos do Instituto Nacional de Padronização e Tecnologia (Nist, na sigla em inglês), dos Estados Unidos. A descoberta, segundo comunicado do instituto, ocorreu quando os pesquisadores estudavam o aprimoramento do processo de produção de nanofios e, sem querer, perceberam que o método empregado produzia luz similar àquela emitida pelos LEDs. Esses nano-LEDs, acreditam os pesquisadores do Nist,

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poderão um dia ser usados na fabricação de aparelhos miniaturizados, como biochips, geradores e roupas que produzem energia. Os nanofios criados pelos pesquisadores geraram

INTEGRAÇÃO PÚBLICA

A ilustração ao lado corresponde ao projeto da futura Central

de Trânsito Transbay, a nova estação de transporte multimodal

projetada para conectar a cidade de San Francisco, nos Estados

Unidos, e a área da baía por meio de 11 sistemas de transporte

público, entre eles um trem de alta velocidade, além de ônibus,

metrô e trens convencionais. O projeto da

Clarke Pelli Architects foi selecionado em

um concurso internacional e a previsão é de que a estação fique pronta em 2017. A

enorme estrutura de aço e vidro, batizada

de Grande Central do Oeste, terá um parque

panorâmico e será uma das construções

mais ambientalmente corretas do país. O

parque, por exemplo, absorverá e filtra­

rá poluentes por meio de suas árvores e

pelo sistema de gerenciamento de águas.

Abaixo da estação está previsto um sistema

de troca de calor geotérmico para aque­

cimento do ambiente no inverno. A cons­

trução será naturalmente ventilada e terá

iluminação natural. O grande hal/ contará

com uma coluna de luz de 36 metros de

altura. A estação também terá um sistema

de conservação e reutilização de água que

proporcionará a economia de 34 milhões

de litros por ano (PRNewswire).

estruturas secundárias, semelhantes a uma espinha de peixe, na qual a porção de óxido de zinco é rica em elétrons ao passo que a porção de nitreto de gálio tem falta de elétrons- óxido de zinco e nitreto de gálio são duas das principais substâncias envolvidas na produção dos nanofios. Esse diferencial de elétrons gera um movimento de carga que, por sua vez, produz luz. O próximo desafio dos pesquisadores é melhorar a eficiência dos nano-LEDs, criando geometrias e materiais mais eficientes.

I BATERIAS DE NANOTUBOS

A empresa Contour Energy Systems, dos Estados Unidos, licenciou uma patente de uso de nanotubos de carbono do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que promete oferecer 10 vezes mais energia do que as baterias convencionais de íon de lítio, as mais

utilizadas em equipamentos portáteis como telefones celulares e tocadores de MP3. Esse material também é o principal componente das baterias para os mais recentes carros elétricos. A tecnologia, que tem como base um conjunto de nanotubos em uma estrutura porosa, poderá melhorar o desempenho de vários aparelhos, incluindo dispositivos médicos portáteis, segundo comunicado da empresa. A produção de energia em relação ao peso desse novo eletrodo é cinco vezes maior do que a gerada por capacitares eletroquímicos convencionais, enquanto a capacidade de fornecimento total de energia é quase 10 vezes maior do que as baterias de íon de lítio. Além da alta potência, os eletrodos de nanotubos demonstram excelente estabilidade ao longo do tempo. Depois de mil horas de testes em ciclos de carga e descarga não houve alteração detectável no desempenho do material.

Estação para transporte multi modal urbano

Page 70: A energia dos ventos

LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

ROBÔS EM PROFUSÃO

Habil idades de 500 seres

Uma verdadeira festa robótica acon­

teceu na última semana de outubro

no Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEl) em São

Bernardo do Campo, na Região Me­tropolitana de São Paulo. Segundo

levantamento divulgado pela asses­

soria de imprensa do evento, foram

cerca de SOO robôs - que jogam

futebol, que dançam, servem para

resgatar vítimas de desastres na­

turais e até consertam vazamentos em tubulações de petróleo - que

participaram de exposições e com­

petições. Atrás dos robôs estavam

700 estudantes e professores de

quase todos os estados brasileiros

e de vários países latino-america­

nos. A motivação desses grupos é a pesquisa científica e a formação

de profissionais para as próximas

.._ __________ __. robót icos

gerações. Na mesma semana aconteceu a Joint Conferente,

que reuniu o 20° Encontro Nacional de Robótica Inteligente e

o 11° Simpósio Brasileiro de Redes Neurais, todos com apoio

da Sociedade Brasileira de Computação e do Conselho Latino­

-americano de Robótica do IEEE, o lnstitute of Electrical and

Electronics Engineer, com sede nos Estados Unidos.

I UNIDADES QE OBSERVAÇAO

O pinhão-manso é um arbusto que possui sementes com alto aproveitamento na produção de biodiesel. Mas o conhecimento sobre a cultura e a adaptação climática ainda é incerto. Definições mais efetivas serão obtidas quando entidades ligadas à pesquisa finalizarem estudos sobre o cultivo dessa planta.

70 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 177

A Embrapa, com sua unidade Agroenergia, de Brasília, começa a coletar dados dos resultados do programa Unidades de Observação (UOs) de pinhão-manso feito em parceria com a Associação Brasileira de Produtores de Pinhão-manso, em que serão analisados o cultivo e o material genético de plantas em várias regiões do país. Segundo a Embrapa, foram implantados cinco UOs nas cidades de Santa Teresa (ES), Piracuruca (PI), Wanderlândia (TO), Ribas do Rio Pardo (MS) e Jales (SP). Ainda falta a cidade de Patos (PB). Essas unidades deverão se tornar centros de referência e treinamento para o cultivo.

I ESCOLHAS MINEIRAS

Nanotecnologia magnética aplicada à indústria de combustíveis, projeto da equipe Nanotug da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi o plano de inovação vencedo1 escolhido pelo júri técnico do Programa Mineiro de Empreendedorismo na Pós-graduação. A proposta é de desenvolvimento de nanopartículas indicadas para separar a água do óleo com maior rapidez durante o processo de produção de petróleo (ver Pesquisa FAPESP no 176). Um grupo de alunos da Universidade Federal de Lavras (UFL), com o plano de criação de uma tecnologia capaz de produzir ácido acrílico a partir da glicerina residual do biodiesel, ficou com a segunda colocação. No total foram inscritos 54 projetos de alunos de mestrado e doutorado de 13 universidades públicas de Minas Gerais. Um júri crítico escolheu o melhor plano de inovação por universidade das áreas tecnológica, gerencial e biológica. E coube a um júri popular eleger dois projetos. A proposta vencedora foi a utilização de um biorreator de microalgas

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na fixação de dióxido de carbono com aproveitamento de biomassa, da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

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O grupo de Lavras venceu mais uma vez e ficou com o segundo lugar também no júri popular.

Page 71: A energia dos ventos

júri

MOBILIZAÇÃO EMPRESARIAL

Estimular a inovação em empresas paulistas.

Esse é o objetivo de um comitê empresarial

criado no final do mês de outubro em São

Paulo para compor e levar adiante as ativi­

dades da Meta da Mobilização Empresarial

pela Inovação (MEl) criada pela Confederação

Nacional da Indústria (CNI). A ideia do comitê,

além de estimular a pesquisa inovativa nas

empresas, é capacitar e colaborar na gestão

da inovação. Segundo comunicado da CNI, o

Brasil possui 30 mil empresas que exercem de

alguma maneira o desenvolvimento tecnoló-

gico e a MEl pretende dobrar esse número até

2013. O Núcleo de Inovação Paulista, que é o nome do comitê de São Paulo, vai contar com a colaboração do Departamento

de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias

do Estado de São Paulo (Fiesp), do Serviço Social da Indústria

(Sesi), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Sena i),

do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e do Serviço Brasileiro de Apoio

às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O núcleo terá um co­

mitê de líderes empresariais formado por representantes das

empresas Siemens, Grupo Ultra, Embraer, Brasilata, Vitopel,

Recepta Biopharma, Metalúrgica Fundex, Usina São Martinho,

entre outras. Também possuem comitês empresariais da MEl

os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas

Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal.

/CONVERSOR DA CORRENTE

Um equipamento essencial para sistemas fotovoltaicos de energia solar foi construído na forma de protótipo pelo aluno de doutorado Marcelo Villalva, orientado pelo professor Ernesto Ruppert Filho, da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Trata-se de um conversor eletrônico que transforma a corrente elétrica contínua gerada pelos painéis solares em corrente alternada, permitindo a conexão com <IIII

a rede elétrica. "No Brasil não se fabrica esse tipo de equipamento", diz o professor Ruppert. O protótipo foi testado em um conjunto de painéis fotovoltaicos com potência de 7,5 quilowatts (kW)

no Laboratório de Hidrogênio do Instituto de Física da Unicamp. O equipamento, se fabricado em série, poderá baixar o custo da energia solar no país porque os conversores usados atualmente são importados. O trabalho recebeu financiamento da FAPESP, no valor de R$ 77,6 mil, por meio de um projeto de auxílio regular a projeto de pesquisa finalizado em setembro (06/61653-8) . Villalva criou' uma empresa, a Fusion, para desenvolver o conversor. Ainda são necessárias pesquisas para aprimorar o equipamento e acertar outros detalhes técnicos para o conversor adentrar o mercado.

I ORIGEM DO VAZAMENTO

A gestação da empresa OilFinder aconteceu no Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia (Lamce) do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Agora, segundo comunicado da Coppe, ela é residente na Incubadora de Empresas da própria instituição e trata do desenvolvimento de sistemas de modelagem computacional para localizar a origem de vazamentos naturais de petróleo no fundo do mar por meio da integração de dados de satélites e de modelos computacionais que simulam a movimentação das correntes marítimas. Essa mesma tecnologia pode ser usada para identificar o local de vazamento de óleo em plataformas ou oleodutos no mar. A spin-off do Lamce tem como sócios o oceanógrafo Manlio Mano e o geólogo Carlos Beisl, ambos doutores pela Coppe-UFRJ.

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 71

Page 72: A energia dos ventos

TECNOLOGIA

Page 73: A energia dos ventos

[ QUÍMICA ]

Detetive 8 molecular

os últimos seis meses, o perito crimi­nal Adriano Otavio Maldaner, chefe do laboratório de química forense da Polícia Federal em Brasília, se lem­bra de ter recorrido pelo menos uma dezena de vezes a uma sofisticada técnica de espectrometria de massas

criada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para tirar dúvidas cruciais sobre a autenticidade do conteúdo de manuscritos redigidos com tinta esferográfica que faziam parte de processos judiciais. Nesse tipo de si­tuação, os dizeres de uma carteira de trabalho ou de um testamento podem ser questionados se houver provas científicas de que a escrita sofreu alguma forma de adulteração. Anos depois de um documento original ter sido produzido, uma mão desonesta pode ter es­pichado um número três até que ganhasse os contornos de um oito ou acrescido algumas li­nhas que mudam o seu sentido. As falsificações grosseiras são fáceis de ser desmascaradas, mas as falcatruas de profissionais são um desafio até para os olhos mais treinados dos peritos. Nos casos mais complexos, Maldaner lançou mão então da Easi-MS (Easy Ambient Sonic­Spray Ionization Mass Spectrometry), técnica que, sem destruir a amostra em análise, pode,

Nova técnica brasileira identifica adulterações em documentos e dinheiro falso

MARCOS PrvETTA

por exemplo, revelar quase instantaneamente se mais de um tipo de caneta foi usado na re­dação de um documento e se todos os escritos datam da mesma época ou há partes adiciona­das posteriormente. "Já houve casos em que fiz um laudo, baseado em dados obtidos com o emprego da técnica, e o juiz me chamou para explicar como funcionava a espectrometria de massas", conta Maldaner.

Com a Easi, desenvolvida em 2006 pe­lo professor Marcos N. Eberlin, fundador e coordenador do Laboratório ThoMSon de Espectrometria de Massas do Instituto de Química da Unicamp, é possível enxergar um padrão de envelhecimento da assinatura quí­mica deixada pela tinta de uma caneta. Com o passar do tempo, os corantes empregados nas esferográficas comerciais vão perdendo seus grupos metila (CH

3) numa constância similar

à de um relógio químico e, assim, revelam a data aproximada em que as linhas de um documento foram tracejadas. "Não dá para precisar exatamente a idade do traço, mas podemos fazer distinções seguras entre tintas jovens e velhas", diz Eberlin, cujos trabalhos são financiados em grande parte por um pro­jeto temático da FAPESP. Pode parecer pouco, mas um laudo científico capaz de atestar que a

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escrita de um documento é, por exem­plo, da década de 1980, e não do ano 2000, torna-se uma peça determinante em disputas judiciais.

A Easi fornece ainda outro tipo de dado sobre tintas de canetas. Cada marca de caneta comercial produz uma assinatura química ligeiramente dife­rente. O método flagra essas diferenças. "Com a Easi, conseguimos examinar camadas sobrepostas de tinta sem da­nificar o papel e dizer se elas vieram de canetas distintas", afirma Priscilla Lalli, aluna de doutorado que participou do estudo. As análises com a técnica de espectrometria de massas foram feitas com documentos reais, de várias idades, fornecidos pela Polícia Federal, e tam-

O PROJETO

Desenvolvimento e estudo de materiais funcionais e estruturais dentro da perspectiva da complexidade - n° 2003/09931-5

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADOR

Marcos N. Eberlin - IQ-Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 450.974,73 e US$ 130.176,40 (FAPESP)

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Espectrômetro de massas analisa nota: simples e rápido

bém com papéis submetidos a proces­sos que simulam o envelhecimento.

Na essência, um espectrômetro de massas, cujos primórdios remontam a mais de século de pesquisas, pode ser comparado a uma balança capaz de pesar moléculas desde que elas estejam na forma de íons, de partículas carre­gadas eletricamente. Como os íons de duas moléculas de composições distintas nunca exibem o mesmo peso molecular, ou o mesmo perfil de isótopos, o méto­do serve para diferenciá-las. A Easi faz parte de uma nova geração de técnicas que ampliaram o já enorme campo de ação da espectrometria de massas, hoje capaz de identificar e quantificar com eficiência cada tipo de molécula presente em gases, líquidos e sólidos e discriminar quais átomos formam essas moléculas e como eles estão arranjados.

A singularidade da técnica de espec­trometria de massas reside na forma como as partículas eletricamente car­regadas são geradas a partir de molé­culas neutras. Essa etapa, denominada ionização, é crucial. Afinal, na imensa maioria dos casos as moléculas dos compostos estudados estão com suas cargas neutralizadas. Para obter íons, as técnicas mais tradicionais aplicam campos elétricos, elevam a temperatura ou fazem incidir radiações, como um laser, sobre o material em questão. As partículas eletricamente carregadas se desprendem da amostra e são então capturadas pelo espectrômetro. ''A Easi

é muito mais simples e suave do que as técnicas convencionais e só usa ar sob alta pressão para obter íons", compa­ra Eberlin, que desde o ano passado é presidente da Sociedade Internacional de Espectrometria de Massas (IMSS, na sigla em inglês). "Tudo de que pre­cisamos para gerá-los é apenas um mi­nicompressor."

Amostra do mundo real - Os pesquisa­dores da Unicamp garantem que a técnica brasileira apresenta ainda duas grandes vantagens: pode ser usada à pressão atmosférica (não necessita de vácuo) e em diferentes condições ambientais (dentro do laboratório ou in loco) e as amostras analisadas não precisam passar por nenhum tipo de tratamento ou preparação prévia. Basta pegar o material a ser examinado tal qual está no mundo real e colocá-lo ao alcance do aerossol ionizante do espectrômetro. "O melhor tratamento da amostra é não fazer nenhum tratamento", diz Eberlin. Como se vê, o acrônimo Easi foi inten­cionalmente escolhido para denominar o método por soar como a palavra inglesa easy, "fácil': dando assim a entender que o uso da técnica brasileira realmente oferece poucas dificuldades.

Os estudos científicos feitos com a Easi têm obtido grande reconhecimento no meio científico. Apenas neste ano a

Duas revistas que deram destaque de capa para estudos com a técnica

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equipe de Eberlin escreveu 11 artigos sobre diferentes aplicações da técnica. Quatro desses trabalhos foram parar na capa de revistas científicas internacio­nais: dois na Analyst, da inglesa Royal Society of Chemistry; um na Analyti­cal Chemistry, da American Chemical Society; e outro no Analytical and Bio­analytical Chemistry (um artigo de revi­são na edição de setembro). A primeira capa na Analyst, de abril, foi justamente sobre o estudo com tintas e adulterações em documentos. A segunda, em outu­bro, também tratou de fraudes, mais uma vez em parceria com o pessoal da Polícia Federal: a Easi foi eficaz em di­ferenciar notas falsas e verdadeiras de real, euro e dólar. No caso das cédulas forjadas, era possível até mesmo saber em que tipo de impressora, se a jato de tinta ou a laser, a fraude foi cometida. Para dificultar a ação dos criminosos, os cientistas sugerem colocar marcações, feitas com tinta invisível, perceptível apenas por espectrômetros de massas, nas notas originais.

Embora os trabalhos na detecção de fraudes e ilegalidades despertem mui­to interesse (há ainda estudos sobre adulterações de remédios, alimentos e drogas ilícitas, como cocaína e ecs­tasy), os pesquisadores da Unicamp também têm mostrado que a técnica é igualmente útil para uma segunda finalidade: controlar a qualidade de produtos químicos. O uso do método para, por exemplo, analisar os consti­tuintes de diferentes tipos de petróleo -assunto que, aliás, foi o tema da capa da Analytical Chemistry de 15 de maio -é um deles. "Podemos ainda monito-

criador da Easi-MS

Marca criada com tinta invisível e

detalhe de cédula falsa

de real

rar a degradação dos óleos minerais e vegetais com a Easi", afirma a química Rosana Alberici, pesquisadora do labo­ratório ThoMSon. Os cientistas acre­ditam que o emprego da Easi pode ser uma forma rápida e barata de estudar a composição de biodiesel obtido de dife­rentes fontes e também do etanol. Com esse intuito, parcerias com a Petrobras e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) foram estabelecidas.

A técnica foi também testada para caracterizar quimicamente produtos da Amazônia. O estudo, ainda em fase inicial, agora está voltado para a carac­terização do óleo obtido da castanha. "A ideia é ver como varia a composição do óleo feito com castanha oriunda de diferentes localidades da Amazônia Le­gal", afirma a engenheira bioquímica Mariko Funasaki, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), 'que iniciou neste ano um trabalho de coo­peração com os colegas da Unicamp. Evitar fraudes na comercialização do óleo- sempre há quem misture com­ponentes menos nobres ao produto- é outro objetivo da parceria.

O scotch que não é uísque - Além de fornecer dados para estudos e parcerias científicas, os espectrômetros de massas do laboratório ThoMSon prestam ser­viços a órgãos de controle e fiscalização. Algumas histórias são interessantes, às vezes até engraçadas. Em 2007, um colaborador do Inmetro no Rio de Ja­neiro estranhou as características de um suposto uísque escocês servido durante uma festa dada por ocasião dos Jogos Pan-Americanos e não teve dúvidas: arrumou uma garrafa do pretenso scotch e a mandou para Campinas. Era falso.

"Muito uísque não passa de cachaça com caramelo", diz Eberlin. Hoje, de tão desbotada, a própria cor do uísque de araque, guardado como um troféu numa estante do laboratório, denuncia a trambicagem. Mas há três anos era necessária uma análise mais complexa e demorada, com o espectrômetro de massas, para assegurar a fraude.

Outro caso pitoresco fez os pesqui­sadores darem de novo uma de detetives moleculares seis meses atrás. A polícia civil de Americana, município paulista distante cerca de 40 quilômetros de Campinas, apareceu na Unicamp com amostras de perfumes de uma grande e conhecida empresa nacional. Ades­confiança era de que se tratava de carga roubada. Um caminhão cheio com a mercadoria suspeita fora apreendido. Só que tudo parecia autêntico: a embalagem, o frasco e até o aroma do perfume. Com a Easi, os pesquisadores do laboratório confrontaram as assinaturas químicas do perfume confiscado com os consti­tuintes da fragrância original. Veredicto: realmente tudo era autêntico - menos o essencial, o perfume em si.

Quando os espectrômetros de mas­sas se tornarem portáteis e custarem uns poucos milhares de reais, essa ferramenta analítica se tornará mais acessível. "Isso está prestes a ocorrer", afirma Eberlin. "Quando esse dia che­gar, técnicas simples e baratas como a Easi fornecerão resultados em tempo real de qualquer lugar e serão verda­deiras caça-fraudes." •

Artigos científicos

l. EBERLIN, L. S. et ai. lnstantaneous che­mical pro files of banknotes by ambient mass spectrometry. Analyst. v. 135 ( 10), p. 2.533-39. out. 2010. 2. LALLI, P.M. et ai. Fingerprinting and aging of ink by easy ambient sonic-spray ionization mass spectrometry. Analyst. v. 135 (4), p. 745-50. abr. 2010.

PESQUISA FAPESP 177 • NOVEMBRO DE 2010 • 75

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[ NANOTECNOLOGIA ]

Transporte de medicamentos FABIO REYNOL, AGÊNCIA FAPESP

ma nova geração de sistemas nanométricos capazes de levar medicamentos até o local do organismo no qual devem agir foi desenvolvi­da em um trabalho conjunto feito entre pes­quisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) e do Instituto de

Pesquisas Tecnológicas (IPT). O trabalho gerou um depósito de patente e foi apresentado na 2nd Conference Innovation in Drug Delivery, que tratou de inovação em meios de veiculação de fármacos, em Aix -en-Provence, na França, no mês de outubro. "Trata-se de um nano­carreador capaz de levar drogas hidrofílicas [solúveis em água], o que é inédito", disse o professor Antonio Cláudio Tedesco, do Departamento de Química da FFCLRP-USP, à Agência FAPESP.

"O Brasil está muito bem nessa área, trabalhamos com os sistemas mais modernos, que sustentam melhor a liberação do princípio ativo e aumentam sua eficácia", analisou Tedesco depois da conferência. Ele conta que os nanocarreadores já desenvolvidos só obtiveram sucesso ao transportar substâncias hidrofóbicas, as quais não se dissolvem na água, o que limitava o campo de aplicação. Tedesco estuda o desenvolvimento de nanocarreadores de fármacos aplicados à saúde, como câncer, doenças degenerativas do sistema nervoso central, entre outras. O sistema de veiculação de medicamentos feito em parceria com o IPT surgiu do projeto de doutorado que está em desenvolvimento da bioquímica-farmacêutica Natália Neto Pereira Cerize, orientanda de Tedesco. Natália tinha bolsa de doutorado direto da FAPESP até o início de 2010, quando passou em um concurso para pesquisadora do Laboratório de Processos Químicos e Tecnologia de Partículas (LPP) do IPT. A pesquisa desenvolvida desde 2008 na USP, em parceria com o instituto, contou com a coorientação da pesquisadora Maria Inês Ré e a colabo­ração do pesquisador Adriano Marim, ambos do LPP.

"Tivemos a preocupação de utilizar substâncias bio­compatíveis, de modo que não apresentem problemas

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Partículas levam drogas solúveis em água até um local doente do corpo

O PROJETO

Estudo de sistemas nanocarreadores para o ácido 5-aminolevu/ínico e seus derivados com aplicação na terapia fotodinâmica -n° 2007/07941-4

MODALIDADE

Bolsa de Doutorado Direto

ORIENTADOR

Antonio Cláudio Tedesco- USP

BOLSISTA

Natália Neto Pereira Cerize- IPT

INVESTIMENTO

R$ 28.098,56 (FAPESP)

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em uma futura aplicação em humanos", afirmou Natália. Ela também salientou a versatilidade do produto, que pode­rá ser empregado na encapsulação de diferentes princípios ativos. "Por esse motivo patenteamos o processo de fa­bricação do nanocarreador, e não de um medicamento ou de uma aplicação específica", explicou. Diferentemente dos medicamentos convencionais, ad­ministrados em doses maiores a fim de que uma parte deles chegue ao local desejado, os nanocarreadores podem levar quantidades bem menores do princípio ativo. Além de gerar econo­mia de fármacos, essa característica re­duz os efeitos colaterais causados pelas drogas. Isso ocorre porque as nanopar­tículas são projetadas para apresentar seletividade para um determinado al­vo biológico. Outra vantagem é que as partículas nano métricas executam uma liberação controlada do medicamento. Essa ação evita os picos de dosagem que ocorrem com os fármacos convencio­nais. Ao serem liberados continuamen­te, os princípios ativos mantêm níveis constantes no organismo.

Escala industrial- O novo nanocarrea­dor será aplicado em testes laborato­riais no tratamento de câncer de pele na chamada terapia fotodinâmica. Nesse procedimento, uma solução tópica com um fármaco fotossensível aplicada so­bre a pele atinge as células tumorais e o estímulo para a ação do medicamento é dado pela exposição a uma fonte de luz que pode ser de um laser ou LED. Ao

serem expostas por um determinado tempo, de acordo com o caso, à luz, as substâncias utilizadas no medicamento dão início a um processo complexo que resulta na liberação de radicais livres, moléculas que funcionariam como dis­paradores da apoptose (morte celular programada) das células doentes.

"A célula neoplásica [cancerosa] não dispara a apoptose. É como se ela se esquecesse de morrer e assim se re­produz indefinidamente. Ao receber um choque de radicais livres induzidos pela ação do feixe de luz sobre o fármaco fotossensível, a célula reativa o sistema de apoptose", explicou Tedesco. Natália ressalta que outra preocupação da equi­pe foi produzir um nanocarreador para ser fabricado em larga escala e com os equipamentos já existentes na indús­tria farmacêutica. "Há muita pesquisa que gera produtos eficazes, mas que são comercialmente inviáveis, pois apresen­tam incompatibilidade com a tecnolo­gia farmacêutica atual", pontuou.

Apesar de apresentar grande poten­cial, a tecnologia patenteada ainda terá de percorrer um longo caminho antes de ser disponibilizada nas farmácias, informam os pesquisadores. O grupo acaba de iniciar a etapa laboratorial dos testes e ainda virão as fases in vitro, in vivo em animais e, finalmente, testes clínicos, com muitos ativos de interesse. "Trata-se de um produto inovador e promissor, com perspectivas de aplica­ção, mas que ainda precisa de muitos estudos para que seja disponibilizado no mercado", disse Natália. •

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O P NTOR UN V~RSAL DA ALMA BRASIL~IRA

[ ART

Volt obré que ame

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[ ARTE ]

Voltam ao Brasil obras de Portinari que revelam seu amor pela paz

CARLOS HAAG

luta pela paz é uma decisiva e urgente tarefa, unidos os povos do mundo inteiro, não so­mente com palavras, mas com ações, levarem até a vitória final a grande causa da Paz, da Cultura, do Progresso e da Fraternidade dos Povos", escreveu Cândido Portinari (1903-1962) em 1949. Convidado a participar, em

Nova York, da Conferência Cultural e Científica para a Paz Mundial, o pintor teve seu visto de entrada negado pela Embaixada Americana e enviou o texto como men­sagem a ser lida na sua ausência. Dois anos mais tarde, ao ser abordado pelo Itamaraty com a encomenda de uma obra para ser doada ao novo edifício-sede das Nações Unidas, Portinari, entre os três temas oferecidos pelo Ministério das Relações Exteriores, não pensou duas vezes e escolheu a guerra e a paz (os outros eram o Brasil e as Américas e a contribuição do Brasil à paz universal) .

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O resultado foi o díptico Guerra e Paz, que retornará ao país neste mês para ser restaurado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e exposto ao público. Em 2011 ocorrerá o encontro entre o painel e o chamado "quarto Retirante" (hoje no Fonds National d'Art Contemporain, em Paris), Criança morta, obra que compõe o ciclo Retirantes, de 1944 (as três outras telas estão no Museu de Arte de São Paulo), e que permanece inédi­ta no Brasil por ter sido comprada em 1946 pelo governo francês após a mos­tra do pintor na Galeria Charpentier, na França. Guerra e Paz e Retirantes reve­lam a grande influência de Guernica, de Picasso, tanto no aspecto formal quanto na temática, sobre a obra de Portinari, que viu o quadro em 1942 nos EUA.

"Foi sob o impacto de Guernica que Portinari desarticula, escava suas figuras

O "quarto Retirante", tela hoje em Paris

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APENAS DOR, QUE

ELE RETRATOU NO

MAIOR SOFRIMENTO

HUMANO,

DIZ JOÃO CÂNDIDO

até reduzi-las à essencialidade expressi­va. Os retirantes que provocam medo no menino de Brodósqui com seus en­terros em redes ou lençóis viram para o adulto símbolo de uma sociedade injus­ta e de uma humanidade dilacerada pela guerra", explica a historiadora Annate­resa Fabris, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Portinari, pintor social (Perspectiva). "No painel Guerra não há armas, tanques ou sol­dados- há apenas dor, que ele retratou no maior sofrimento conhecido pelo ser humano: a imagem da mãe que perdeu o filho. O painel tem seis a oito dessas figuras, que são autênticas pietàs. Na série Retirantes, da década de 1940, en­contramos também a mãe com o filho morto. Sem dúvida, trata-se também de uma pietà, mas inserida em um drama brasileiro. No painel Guerra vemos o drama universal", analisou João Cân­dido Portinari na palestra que abriu a exposição na FAPESP, em cartaz até o final do mês, dedicada ao pintor e que traz as 25 obras do artista que ilustram o Relatório de atividades FAPESP 2009.

"Portinari, que tinha a força estética para o monumental, e por isso foi o maior muralista latino-americano, na representação da guerra fixou o sofri­mento das populações civis. São figuras maternas com o filho morto e os quase 70 deslocados no mundo que têm as fa­ces dos retirantes nordestinos", analisa Celso Lafer, presidente da FAPESP. A analogia entre o díptico e o "quarto Re­tirante" parece evidente. "Em Criança morta o quadro deixa de ser um mero drama do Brasil para se transformar num grito de dor mais universal: o grito da humanidade dilacerada pela guerra'; avalia Annateresa. "Em Guerra e Paz, para escapar de uma interpretação temporalmente localizada, Portinari ' intemporiza' a sua representação, se concentrando não na guerra e na paz, mas nas consequências para a huma­nidade de uma ou outra." Nas palavras do pintor: "Não são as armas que pro­vocam o horror, e sim os efeitos das guerras: as mães desesperadas, os ór­fãos, as colheitas destruídas, as crianças aleijadas e tudo o mais".

As duas obras foram produzidas, sintomaticamente, durante diferentes períodos políticos com Getúlio Vargas no poder e revelam aspectos polêmicos

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da personalidade do pintor, visto por muitos críticos como "pintor oficial do Estado" em razão do sucesso experi­mentado nos dois governos varguistas. Em especial, pesava sobre a produção de Portinari, anterior ao Retirantes, a pecha de ser demasiadamente "otimis­ta" na sua representação da temática do trabalho, como que se conformando à ideologia populista do Estado Novo. "Esse 'otimismo' pelo trabalho desa­parece quando ele pinta Retirantes, cuja segunda série, de 1944, denuncia frontalmente o pacto populista. Para revelar a miséria do homem do cam­po, esquecido pelas reformas getulistas, ele retrata a realidade do retirante, o gradual morrer pelo caminho, a hos­tilidade do meio", observa a pesquisa­dora. "Esquecido pelas leis sociais, o retirante é repelido pela natureza e de onde deveria brotar vida brota mor­te. O retirante aparece como a outra face do trabalhador, é a outra face do progresso social, é a verdadeira face da fachada populista."

S egundo ela, se concebermos a série como um "crescendo" (Criança morta, Menino morto,

Família de retirantes, Enterro na rede) perceberemos mesmo uma abertura na resignação: o punho cerrado, as mãos espalmadas da última obra parecem remeter a uma dimensão em que a morte não é mais aceita passivamente. No chamado "quarto Retirante", aliás, a tragédia, continua Annateresa, está presente não só nos rostos dos reti­rantes, mas é acentuada pelo próprio tratamento formal da tela, em que uma pincelada densa, vigorosa, aproxima a textura pictórica da escultura. "A tela, mais que pintada, dá a impressão de ter sido cavada na madeira. A figura central, que segura a criança, tem algo de religioso: o desespero do homem mais do que um drama humano parece evocar a dor de Maria diante do corpo inerte de Cristo."

"A série é a representação mais sig­nificativa da tendência expressionista adotada por Portinari, desenvolvida por ele na época da Segunda Guerra. O pintor, sem testemunhar direta­mente o conflito, mas conhecendo a miséria e a crueza que experimentou na infância, procurou manifestações paralelas", avalia a historiadora Elza

Portinari trabalhando no painel Guerra

Ajzenberg, coordenadora do Centro Mário Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes da ECA-USP e autora de Portinari: três tempos, a ser lançado no ano que vem pela Edusp. "A atenção de Portinari está voltada para o homem, não entidade abstrata, m"as o homem brasileiro com seus problemas, sonhos e descobertas. Daí sua atenção ao carente, ao miserável. A situação de 'despejado' do retirante surge na sua tela com um grito bem alto de protesto, contra uma situação histórico-social e por uma condição humana mais digna." Na raiz desse movimento está a influência de Guernica, que, como nota Mário de Andrade, forneceu ao pintor uma "solução plástica, sem que isso signifique a incorporação cega de uma influência declarada". "Ele estava penetrado pelo drama da guerra, em crise diante da sua imagem de 'artista oficial' e tentou solucionar, pela apro­ximação com Picasso, a inquietude que tinha tomado conta de sua vida", obser­va Annateresa. "Picasso fulmina-me", afirmou Portinari. Isso tanto poderia

ter produzido a perda de rumo quanto um salto qualitativo. "Portinari acredi­tava ter dado esse salto com a série dos Retirantes", nota a pesquisadora. Assim, em outubro de 1946, quando foi aberta em Paris uma mostra de seus trabalhos mais recentes, o artista foi saudado co­mo um "continuador da tradição de Michelangelo com meios atuais, algo que Picasso tentou em vão", palavras do historiador da arte francês Michel Florisoone na época. Criança morta foi adquirido pelo Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris.

"Ele era um pintor inquieto, capaz de mudar frequentemente o aspecto exterior de sua obra, preocupado em assumir o estilo da sua época, mas mantendo sempre a marca de uma personalidade inconfundível, definida pela permanência do popular", nota Elza. Assim, três anos após o "salto" dos Retirantes, o pintor voltou-se para uma nova tendência: a arte mural, que ele considerava o melhor instrumen­to de arte social, uma vez que "o muro pertence, via de regra, à comunidade e conta uma história, interessando grande número de pessoas': "O artista deveria ser o intérprete do povo, mensageiro de seus sentimentos, desejar a paz, a

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justiça, a liberdade, a participação de todos nos prazeres do mundo", afirma Annateresa. "O que estava em jogo eram discussões sobre a monumentalidade da obra de arte, o sentido da arte em espaços públicos e a conscientização po­lítica das massas. Segundo ele, a função da pintura mural é a dessacralização da obra de arte, colocá-la fora do circuito (museus, bienais, galerias de arte), ou seja, em ambientes frequentados pelas elites, o que permitiria a fruição da obra de arte sem os rituais exigidos pelo cir­cuito", analisa a historiadora Maria de Fátima Piazza, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), autora do artigo "Arte e política: Portinari e a esté­tica realista': Assim, em 1952, atendendo a um convite do Itamaraty, no governo "democrático" de Vargas, Portinari ini­ciou a realização das maquetes de dois imensos painéis ( 140 metros quadrados

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Mulher com filho morto, um dos estudos para o díptico

cada: no total, o espaço é maior que o do Juízo final, de Michelangelo, na Capela Sistina), Guerra e Paz, para a decoração do edifício-sede da ONU, projetado por Le Corbusier, e em cuja elaboração tra­balhara Oscar Niemeyer.

O local original, por ironia da história, quase foi ocupado por uma tapeçaria de Picasso

a partir de Guernica. Durante quatro anos, Portinari executou 180 estudos, esboços e maquetes para os murais, en­tre esses 18 quadros de grande formato, representando detalhes dos murais em tamanho natural. Cada mão, pé, cada rosto era objeto de um estudo detalha-

do, a ponto de o material merecer uma sala especial na III Bienal de Arte de São Paulo. "Dentro do único armário da sala havia uma pilha de desenhos em diferentes formatos, estudos para cada figura do painel em curso. Lembravam­-me de conversas que tive com Porti­nari, em que ele havia me explicado como construir arapucas para pegar passarinhos e como acertar as propor­ções de um potrinho ('É só encurtar um cavalo', dizia). Nesses estudos, ele também determinava que gestos, posi­ção do corpo e alteração das feições ex­pressavam uma determinada emoção", conta Maria Luiza Leão, assistente de Portinari na execução do díptico.

"Esses painéis, que sintetizam avo­cação brasileira para a paz, carregavam uma mensagem: a imagem da guerra que a ONU tem de vencer e da paz que deve promover", observa Lafer. "Na guerra, inspirou-se na simbologia dos quatro cavaleiros do Apocalipse. Ele não se ocupou de armas e protagonistas dos conflitos. O clima da guerra emana de um azul-escuro e no canto do painel se encontram três grandes felinos, de beleza repugnante, a nos advertir sobre os perigos do vitalismo da estetização da violência." A matéria que inspirou a paz foi a memória da inocência da infância. "São os meninos de Brodós­qui nas gangorras, um coral de crianças de todas as raças, moças que bailam e que cantam. No centro do painel, duas cabras dançam, porque 'a paz é um es­tado natural de dança na face da Terra', como escreveu Carlos Drummond de Andrade", analisa Lafer. A reforma da ONU é que possibilitará a vinda do díp­tico para o Brasil, onde circulará por várias capitais e será restaurado, diante do público, no Palácio Capanema, por especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade Federal de Minas Gerais e peritos do Centro de Metodologias Científicas Aplicadas à Arte e Arqueologia, da Universidade de Peruggia, na Itália.

Faz-se necessário um parêntese so­bre a tecnologia a serviço da arte de Por­tinari, um entusiasta da modernidade tecnológica. "Ele adorava o progresso científico e as descobertas mais recentes na ciência. Falava com entusiasmo sobre o progresso de seu filho nos estudos da matemática e afirmava que a ciência iria suplantar a arte, já que a maior parte

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Page 83: A energia dos ventos

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das pessoas mais brilhantes estava sen­do absorvida pela pesquisa científica. Com desânimo acreditava que a pintu­ra, onde tudo já havia sido feito, estava chegando a um fim sem um futuro", es­creveu o crítico de arte italiano Eugenio Luraghi em suas memórias do pintor. Isso se comprova no método científico que permeia o Projeto Portinari (www. portinari.org.br), da PU C-Rio, coorde­nado por João Cândido Portinari, cujas técnicas de conservação de imagens e sua divulgação na internet são consi­deradas pela IBM em pé de igualdade com as do Vaticano quando o assunto é referência cruzada de imagens, texto e conteúdo multimídia.

ntre as grandes conquistas do gru­po está o Projeto Pincelada, uma tecnologia desenvolvida para a

atribuição de autoria de pinturas sob um enfoque totalmente novo desen­volvido pelo físico George Svetlichny da PUC-Rio. "Ele concebeu submeter amostras de pinceladas a algoritmos de classificação automática, através de técnicas de inteligência artificial, em particular métodos bayesianos, usan­do o programa Autoclass utilizado pela Nasa. O programa identifica padrões que os olhos humanos não conseguem", conta João Cândido. Até então, as técni­cas para autenticidade de obras de arte se baseavam na expertise de peritos ou em técnicas científicas que eram essen­cialmente exames físico-químicos do meio e do suporte físico de quadros, na esperança de revelar contradições que pudessem invalidar a pretensão da atribuição (presença de materiais não condizentes com a época, grau de en­velhecimento de pigmentos etc.). "Há casos famosos, como os Vermeer falsifi­cados por Van Meegeren, que mostram os limites dessas técnicas."

A partir disso, os pesquisadores bra­sileiros resolveram tomar como ponto de partida uma amostra de "pinceladas" de um pintor para determinar a auten­ticidade de uma obra. "São realizadas macrofotografias de pinceladas em obras reconhecidas como de Portinari. Em seguida foi utilizado um programa de processamento de imagens, obtendo assim o perfil da pincelada. Esses perfis contêm uma 'característica de autoria' que, analisada no Autoclass, revela se uma pintura é ou não de Portinari."

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PORTINARI UM

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DIZ ANNATERESA

Toda essa tecnologia possibilita que se conserve para a posteridade a visão épi­ca de Portinari sobre o homem do povo. "Não uma visão perdida na teatralidade oca dos grandes gestos, mas uma visão épica conseguida por meio do enalteci­mento do trabalhador': observa Annate-

Mulher chorando,

outro estudo para o painel

resa. Segundo a pesquisadora, à exceção da explosão emotiva e "pessimista" dos anos 1940 dos Retirantes, pode-se ver na arte de Portinari um "projeto utópico" que aposta num trabalhador livre, dono do seu destino, e na morte não mais co­mo fatalidade, mas como cumprimento final da trajetória humana. "Sua obra não é a exaltação do modelo getulista, mas desmascarou mitos do poder, inte­grando os marginalizados, que, vemos em seus quadros, com a força do seu braço são a fonte do desenvolvimento." Se não pintou apenas figuras feias, nu­ma atmosfera sombria de miséria ( exce­ção dos Retirantes), é porque, continua Annateresa, acreditava na vitalidade do povo, na sua capacidade de gerar um futuro melhor. Daí a irmandade entre as pinturas sociais e o díptico: "Na re­flexão madura, vida e morte voltam a se confrontar com ternura e drama, mas é a vida que prevalece com sua lumi­nosidade." Portinari dizia sobre Guerra e Paz: "Essa é a grande obra de minha vida". Será um belo encontro. •

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[ HISTÓRIA ]

Por quem a cobra fumou?

Estudos mostram importância da participação de tropas brasileiras na Segunda Guerra

ma piada corrente no país, pouco antes de o Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial, era que Hitler teria dito ser mais fácil ver uma co­bra fumando do que os brasileiros conseguirem enviar tropas para a batalha. Quando, por não ter sido possível encontrar o número ideal de soldados necessários para compor um corpo

expedicionário, o governo rebatizou o grupo para Força Expedicionária Brasileira (FEB) dizia-se que o Brasil não iria mais para a guerra porque havia "tirado o corpo fora': Segundo novas pesquisas, indesejada pelas forças aliadas e pelos militares brasileiros, produto de uma negociação pragmática do Estado Novo, em busca de maior projeção global, a FEB foi à guerra e, ao retornar, ainda amargou o desprezo nacional e a censura militar sobre sua história. "Carecemos de conhecimento sobre o papel dos expedi­cionários na guerra, o que resulta nas ideias simplórias e absolutas sobre o seu desempenho: heróis ou trapalhões. Para as novas gerações, a participação brasileira na guerra parece tão distante quanto a Independência", afirma o historiador Cesar Campiani Maximiano, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, autor de Barbudos, sujos e fatigados (Grua Livros, 448 páginas, R$ 59). O estudo revela como os pracinhas incomodaram os militares do chamado "Exército de Caxias", a ponto de terem suas memórias reprimidas, e forneceram munição para os movimentos dos direitos civis dos negros americanos, por ser a única tropa de combate que não promoveu a segregação racial em suas fileiras.

A FEB foi composta por 25 mil jovens brasileiros, transformados em soldados-cidadãos para combater as forças do Eixo na campanha da Itália, entre 1944 e 1945, a única força combatente da América Latina na Europa.

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"Com a convocação para a FEB, mais de 20 mil famílias foram diretamente afetadas pela guerra", diz o pesquisador. A proposta de sua criação surgiu em meados de 1943 como um grandioso projeto governamental, que pretendia colher resultados estratégicos, moder­nizar o Exército brasileiro e adquirir experiência necessária para lutar contra inimigos internos e externos, imaginá­rios ou não, segundo os militares.

''A FEB foi o núcleo de um projeto político que deveria fortalecer as Forças Armadas e dar ao Brasil uma posição de importância global como aliado dos Estados Unidos. O problema foi fazer os americanos pensarem o mesmo", explica Letícia Pinheiro, professora do Instituto de Relações Internacionais

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da PUC-Rio. "No auge de seu esfor­ço de guerra, os Aliados não queriam um parceiro que precisava ser vestido, alimentado, treinado e municiado, co­mo o Brasil, e tentou-se desestimular as pretensões brasileiras. Mas o gover­no de Vargas insistiu no envio de uma força expedicionária para melhorar sua posição internacional na mesa de negociações do pós-guerra", afirma o historiador Francisco César Ferraz, professor da Universidade Estadual de Londrina. As Forças Armadas, porém, não estavam preparadas para organizar uma expedição e os poucos oficiais com experiência de combate tinham lutado pela última vez em 1932. "A instrução do Exército era baseada na doutrina militar francesa de l914,já ultrapassa-

da, uma abordagem científica da guer­ra que, na Itália, se chocaria com uma realidade de incertezas, de necessidade de improvisação e de rápida tomada de decisões pelos oficiais", diz Campiani.

"Tinha-se a percepção de que a fan­farronice encenada em campanhas nas coxilhas ou nos tiroteios contra estudan­tes paulistas destreinados seria suficiente para enfrentar o Exército alemão." No ataque a Monte Castelo, por exemplo, o comandante brasileiro, general Zenóbio da Costa, dispensou o ataque prévio da artilharia sobre posições alemães di­zendo: "Não precisa! Os meus meninos tomam aquela m. no grito!': "Quando os jovens foram convocados para a guer­ra, inaugurou-se uma nova organização para o Exército: a de cidadãos que eram

Desfile do Primeiro Batalhão

convertidos em soldados para lutar pela pátria", observa Ferraz. Mas não foi fácil. Os convocados depararam com a tra­dição francesa dos militares brasileiros. "Os oficiais eram muito ríspidos com seus subordinados e os praças recebiam prisões disciplinares pelos motivos mais insignificantes. A alimentação era de péssima qualidade e os uniformes vis­tosos dos oficiais contrastavam com o fardamento dos soldados, feitos de te­cido barato que se rasgava com facili­dade", afirma Ferraz. Além disso, legiões de conscritos das classes mais altas logo trataram de arrumar "pistolões" que lhes garantissem a exclusão da FEB. O mes­mo valeu para uma quantidade consi­derável de oficiais do Exército regular, que arrumaram meios escusas de fugir

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da obrigação. Para piorar, o exame de saúde seletivo era precário e, em mui­tos casos, deixou no Brasil convocados em condições de saúde satisfatórias para levar outros com problemas graves, que precisaram ser revolvidos da Itália em meio ao combate. Há mesmo o caso de um tenente que foi à guerra com olho de vidro. O principal motivo de exclusão, no entanto, era "dentadura insuficiente':

Subnutrido - Mas não se sustenta o mito do "pracinha subnutrido". "A FEB tinha mais a feição das colônias de imigrantes do Sul, dos bairros cariocas e paulistas e das cidades mineiras do que as alegorias cantadas pelos corres­pondentes que criaram a ideia de que 'caboclinhos franzinos e cheios de ginga' seriam, por natureza, superiores aos ob­tusos Übermenschen tedescos", observa Ferraz. "Poucos soldados, porém, faziam

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Soldados e amigos: pausa para foto, em Bolonha

ideia dos motivos que os haviam levado a combater alemães, o que preocupava os comandos pela ausência de motiva­ção adequada de luta", diz o pesquisa­dor. A favor dos pracinhas foi a exigên­cia americana de se adotar a doutrina de combate do Exército americano pela FEB, apesar de os manuais de instrução terem chegado em inglês. Os resultados futuros, no entanto, seriam positivos. "Para os soldados incorporados às for­ças aliadas, na Itália, a interação com combatentes americanos trouxe uma mudança drástica de atitude. Pela pri­meira vez soldados brasileiros estavam recebendo o mesmo tratamento de seus superiores, ao contrário da rígida dis­ciplina das casernas nacionais. Não há veterano da FEB que não tenha ficado impressionado com a atenção que os americanos dispensavam aos convoca­dos", afirma Ferraz. Na guerra, a enorme

variedade de equipamento disponível para a FEB incomodou muitos oficiais brasileiros que não podiam conceber a distribuição de artigos de qualidade superior para praças. Isso explicaria a demora, muitas vezes fatal, na distri­buição para os pracinhas dos uniformes de inverno, que ficaram guardados nos armazéns militares quando eram funda­mentais para suportar as temperaturas de 25 graus negativos. Depois a história oficial decidiu propagar a versão do "jo­go de cintura" brasileiro: ao contrário dos americanos, os expedicionários não seriam soldados dependentes de bugigangas tecnológicas para derrotar o inverno, bastando-lhes a "criatividade intrínseca aos brasileiros".

Autocrático - "O contato com os cidadãos-soldados de outros países e as necessidades da guerra mostraram aos expedicionários um novo modelo de exército, menos autocrático, uma cultura militar diferente da vivenciada no 'Exército de Caxias', no qual a supe­rioridade hierárquica e suas emanações resultavam da tiranização dos praças às vontades e ordens nem sempre con­fiáveis dos oficiais", nota Ferraz. Sur­gia o "Exército da FEB". Uma de suas marcas era não segregar racialmente seus soldados, o que não significava a ausência de racismo individual. ''A ir­restrita camaradagem entre brasileiros de diversas etnias chamou a atenção de correspondentes dos jornais americanos que eram ligados aos movimentos dos direitos civis. Havia nos EUA a chama­da campanha do double V, a vitória no front da guerra e no dos direitos civis em casa. Já que soldados negros estavam arriscando suas vidas em combates, a campanha pregava ser inadmissível que eles não desfrutassem de direitos de cidadania em seu país." Um jornalista americano, fascinado ao avistar brasi­leiros, brancos e negros, juntos num café, pediu a um grupo de pracinhas que definisse o seu Exército. "Só existe um Exército brasileiro e ele é compos­to de brasileiros", foi a resposta. Num encontro entre soldados brasileiros e americanos, os últimos perguntaram aos febianos se os "negri brasiliani so­no buoni". O brasileiro respondeu que eram todos excelentes companheiros, ao que os americanos retrucaram: " Ne­gri americani non buoni". "Nada cho-

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cou mais os soldados brasileiros do que essas mostras de racismo. É certo que as notícias sobre a FEB revigoraram o questionamento do sistema de segre­gação da sociedade americana e deram um impulso adicional ao movimento negro dos EUA'', diz Ferraz. Antes de um desfile de tropas, Zenóbio da Costa teria emitido uma determinação de isolar ou retirar os expedicionários negros das colunas, ordem que foi amplamente ignorada pelos oficiais da FEB.

O "Exército da FEB", por todas es­sas razões, não agradava aos líderes do "Exército de Caxias", que fizeram proce­dimentos de desmobilização apressados no retorno ao Brasil com o término da guerra. A imprensa propagava a FEB co­mo símbolo das "tropas de democracia", criando assim grande expectativa para o retorno dos expedicionários. "Durante muito tempo acreditou-se que Vargas temia a volta dos soldados, que pode­riam apressar o fim do seu regime. Mas as maiores desconfianças partiram das principais autoridades militares brasilei­ras, os generais Dutra e Goes Monteiro, e de setores políticos que teriam a per­der com a livre expressão política dos febianos", fala Ferraz. Foi estabelecido um prazo limite de oito dias para o uso de uniformes da FEB e os pracinhas fo­ram proibidos, ainda na Itália, de emitir comentários sobre a guerra sem autori­zação do Ministério da Guerra.

Liberal - "Havia temores políticos: a ameaça que representava para o 'Exér­cito de Caxias' esse novo tipo de força militar, mais profissional, liberal e de­mocrático; o medo de que os oficiais febianos pudessem se tornar o fiel da balança político-eleitoral e fossem co­optados pelos comunistas; acima de tudo, temia-se que os expedicionários, entre os quais Vargas tinha grande po­pularidade, pudessem apoiá-lo e em­polgar a população para soluções dife­rentes daquelas do pacto conservador das elites políticas para a sucessão de Vargas", explica Ferraz. Um exemplo desse medo foi o veto à distribuição de medalhas para todos os soldados pelos americanos. Afinal, poderia ser "fonte de vexação" para os militares de carreira que haviam ficado no Brasil e teriam que medir forças políticas e profissionais com militares moldados em combate. "Havia uma flagrante má

' Havia uma

flagrante má

vontade para

com a FEB por

muitos militares

no retorno ao

Brasil, diz Ferraz

vontade para com a FEB por autoridade do governo e muitos militares temiam ser preteridos nas futuras promoções da carreira pelos oficiais e praças expedi­cionários que podiam exibir experiência de guerra", diz Ferraz.

Muitos febianos viram, com amar­gura, que essa experiência, única na América do Sul, não iria ser aproveitada para moldar um novo Exército, sendo, em vez disso, destacados para guarni­ções distantes. O grosso do contingente ainda deparou com o desemprego, pois muitos patrões, obrigados a readmitir seus empregados mobilizados, logo os demitiam alegando desajuste, neuroses ou incompetência profissional. ''As difi-

de casa no ....._--=-"--- front italiano

culdades de conseguir um emprego fo­ram potencializadas pelo fato de a maior parte dos expedicionários ter sido recru­tada na idade de aprendizagem de uma profissão", lembra Ferraz. Os veteranos não conseguiam tampouco entender por que eram proibidos de falar sobre suas experiências de combate para civis e para a imprensa. "Era preciso passar a impressão de que fora a sua formação, não o duro aprendizado dos combates, que possibilitou aos brasileiros vencer um inimigo forte, uma questão de pres­tígio numa sociedade em que o Exército era o principal ato r político. Os militares não podiam admitir limitações e falhas", observa Ferraz. Sem poder de barganha com autoridades do governo, muitas das quais eram oficiais graduados durante a ditadura militar e haviam fugido à con­vocação à guerra, os veteranos se calaram para poder sobreviver. Por uma confusão ideológica, ironia do destino, a imagem dos ex-combatentes foi associada aos militares golpistas, o que questionou ainda mais a memória da FEB. ''Apenas em 1988, com a nova Constituição, os veteranos conquistaram o direito de uma pensão especial. Mas, dos 25 mil, pouco menos de 10 mil estavam vivos quan­do o reconhecimento foi aprovado", diz Ferraz. A pergunta "você sabe de onde eu venho?", da Canção do expedicionário, teima em ficar sem resposta. •

CARLOS HAAG

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[ HISTÓRIA DA CIÊNCIA ]

O ouro da sabedoria A celebrada instituição britânica Royal Society completa 350 anos

JosELIA AGUIAR

ILUSTRAÇÃO PAULA GABBAI

ntre os séculos XVI e XVII, o que se conhe­ce hoje como ciência moderna começava a nascer e o conhecimento parecia poder vir de qualquer lugar: dos sérios experimentos realizados em laboratórios de virtuoses às tentativas tresloucadas de curiosos, alqui­mistas e até charlatães. Como distinguir o

que tinna fundamento do que não tinha? Na épo­ca, fórmulas para a cura de uma doença grave ou para algo mais prosaico, como fazer o vinho durar mais e tornar a terra mais fértil, eram quase sempre segredos de ofício. Pagava-se por elas. Às vezes se matava e morria. Quando copiadas em papel, não era incomum que fossem escritas em código ou al­teradas propositadamente.

Era preciso discutir o que então se chamava de nova ciência, cada vez mais distante da ciência an­tiga. É assim que surge, há 350 anos, na Inglaterra, a Royal Society, uma das primeiras e até hoje mais importantes sociedades científicas do mundo. Na época, o território inglês vivia turbulências. No final da década de 1640 iniciava-se a Revolução Inglesa, guerra civil entre os partidários do rei Carlos I, abso­lutista, e o Parlamento, liderado por Oliver Cromwell, o que levou ao fim da monarquia por breve período. Quando por fim se restabelece, em 1660, a monarquia se torna parlamentarista.

O clube nasceu exclusivíssimo e nunca deixou de ser. Até hoje houve apenas 8 mil membros, ou fellows, segundo o site oficial. Isaac Newton, Char­les Darwin, Albert Einstein foram alguns dos mais

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ilustres. Quem apresenta antes do nome a abreviatura FRS- Fellow of The Royal Society- ou é um Prêmio Nobel ou pode a qualquer dia receber a distinção. São ho­je cerca de 1.450 fellows- como Stephen Hawking ou Richard Dawkins -,entre os quais mais de 75laureados com o Nobel. Os fellows representam todas as áreas da ciência, medicina e engenharia. Se é fe­chada para eleger seus membros, a Royal Society é, ao mesmo tempo, uma acade­mia de ciências naturais e aplicadas que se abre para a população, principalmente os jovens: edita publicações, dá prêmios e medalhas, promove aulas, conferências e debates, concede bolsas de pesquisa e exibe seu acervo com frequência em ex­posições interativas.

Não é, como se pode imaginar, um acer­vo modesto. Para os pesquisadores há uma infinidade de fontes, tão antigas quanto a Royal Society, que ajudam a reconstituir a história da ciência. Uma história que te­ve lances cômicos, trágicos e, sobretudo, luminosos. Como têm comprovado Ana Maria Alfonso-Goldfarb e Márcia Ferraz, do Programa de Estudos Pós-graduados em História da Ciência da Pontifícia Uni­versidade Católica de São Paulo, que atua junto ao Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência, este criado há 15

anos e mantido com apoio da FAPESP. Com visitas regulares à Royal Society, elas já descobriram material nunca antes estudado, o que as tem ajudado a realizar reconstituições inéditas.

No meio do gigantesco arquivo, Ana Maria e Márcia descobriram, por exemplo, documentos que mostram o diálogo de seus primeiros membros sobre um solven­te universal, o alkahest- atribui-se a cria­ção da palavra a Paracelso, conhecido mé­dico, filósofo e alquimistá suíço do século XVI (leia mais em "A agenda secreta da química" na edição 154 da revista Pesquisa FAPESP). É um assunto que hoje, como explicam as pesquisadoras, é de grande interesse para quem estuda os primórdios da ciência moderna, mas no passado des­pertava pouca atenção dos historiadores dedicados a um estudo mais sério, até pelo teor fantasioso da fórmula.

Os papéis que fazem referência ao alkahest foram encontrados no acervo pessoal de um dos fundadores, o médico Jonathan Goddard (1617-1675), e cruza­dos com outros documentos da época. Com a colaboração de Piyo M. Rattansi, da University College de Londres, as brasi­leiras publicaram artigo a esse respeito na edição de setembro do Notes & Records, um dos journals da Royal Society- pioneira,

Pesquisadoras

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vale registrar, nesse tipo de publicação científica, Por que um solvente universal merecia tanta atenção? "Um dos motivos é que, com as autópsias realizadas na época, suspeitava-se que havia mortes causadas por 'pedras' no organismo das pessoas", explica Márcia Ferraz.

Muitos arquivos, como o de Goddard, ainda estão à espera de mais investigação. É material à beça: mesmo quando mora­vam na mesma cidade, os membros da Royal Society gostavam de trocar ideias por escrito, São páginas e páginas de car­tas escritas à mão em diversos idiomas, muitas em latim. "Fazer ciência naquele tempo me faz lembrar como ainda é para nós, no Brasil: um ato de coragem e de imenso esforço", diz Ana Maria. Com tanto documento para ser lido, não deixa de ser curioso que o lema da Royal Society seja Nullius in verba, expressão em latim que pode ser traduzida, de modo livre, como "não acredite na palavra de ninguém". Com ela, reafirmava-se a determinação dos fundadores em manter o ceticismo e verificar o que era dito com o máximo de rigor, por meio de experimentos.

Os sábios ingleses evitavam discutir teologia e assuntos de Estado, que podiam criar desentendimentos. Concentravam-se no conhecimento sobre a natureza e as técnicas, principalmente aquilo que se denominava a nova filosofia mecânica ou filosofia experimental, relacionada com assuntos como medicina, astronomia, quí­mica, geometria, navegação e mecânica. Nem por isso as reuniões eram menos agi­tadas: muitas vezes, saíam de lá para fazer experiências nos laboratórios.

Equipe -A Royal Society não foi a única sociedade científica em seu tempo. Entre as pioneiras há, por exemplo, a Accade­mia del Cimento, em Florença, de 1657, e a Académie Royal e des Sciences, de Paris, de 1666. A italiana teve, entre seus funda­dores, Galileu Galilei. No século seguinte eram fundadas sociedades semelhantes na Escócia, na Irlanda e na Suécia- esta últi­ma responsável, desde o começo do século XX, pelos prêmios Nobel. "Na história das descobertas científicas, deve-se ressaltar a importância do trabalho em equipe. Cada um pode contribuir com seu talento ou conhecimento específico. É o que vemos na própria história da Royal Society", acres­centa Ana Maria.

Só entre os séculos XVIII e XIX a defi­nição do que é ciência, suas regras e limi­tes se tornam oficiais. É quando a palavra "cientista" passa a designar o que é hoje.

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"É o especialista que não pode ser confun­dido com o filósofo ou técnico que antes circulavam pelas áreas mais amplas e inde­finidas da filosofia natural ou da filosofia experimental", frisa Ana Maria. No século XX, quando tudo parecia assentado, o edi­fício científico é abalado, para usar uma metáfora da pesquisadora. Como lembra, já nas primeiras décadas surgem a teoria da relatividade e a quântica, mais tarde as teorias da genética e da robótica. É também quando a história da ciência, tal como é conhecida hoje, começa a se configurar.

Para quem tem curiosidade ou é um pesquisador em busca de fontes, o site da Royal Society (http:/ /royalsociety.org) ofe­rece vários catálogos on-line. Há livros e journals a partir de 1660, manuscritos e documentos da própria instituição, ima­gens sob várias formas, informações sobre os fellows e suas obras. Na biblioteca há mais de 70 mil títulos, publicados a partir do século XV. No acervo de imagens, mais

de 6 mil fotografias, gravações, gravuras e pinturas. Entre os periódicos, circula desde 1665 o Philosophical Transactions. Outros sete surgiram depois. Entre eles há o tradi­cional Proceedings, com edições específicas para as ciências exatas e as ciências da vida, o Interface, com artigos relacionados às facetas interdisciplinares das ciências, e o Notes & Records, com textos no campo da história da ciência. Como parte das come­morações pelos 350 anos- calendário que incluiu um número grande de eventos e até programas na BBC britânica-, o arquivo de periódicos pode ser a cessado livremente até o próximo dia 30 de novembro.

A Royal Society realiza uma série de en­contros em diversos países para discutir, sob perspectiva multidisciplinar, os novos desafios do conhecimento. Este ano, em agosto, o Fronteiras da Ciência ocorreu pela primeira vez no Brasil. Ao lado da Royal Society, participaram da organização a FAPESP, em parceria com British Council, Academia Brasileira de Ciências, Academia Chilena de Ciências e Cooperação Reino Unido-Brasil em Ciência e Inovação. A opção pelo Brasil - na passagem dos 350 anos da instituição britânica - foi vista como uma demonstração da importância conquistada pelo país no contexto interna­cional da ciência, como lembrou, na oca­sião, um dos coordenadores do encontro, Marcelo Knobel, pró-reitor de Graduação e professor do Instituto de Física Gleb Wata­ghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). O evento reuniu pa­lestrantes brasileiros do Instituto Ludwig, da Unicamp, da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Do lado britâni­co, a programação incluiu palestrantes das universidades de Bath, de Oxford, de Ply­mouth, de Warwick, de Bristol, de Exeter e do Imperial College de Londres. •

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Page 92: A energia dos ventos

RESENHA

Ficção e razão: uma retomada das formas simples

Suzi Frankl Sperber

Hucitec, 2009

622 páginas R$ 78,00

Por que os homens inventam histórias? Estudo investiga razões da necessidade humana de criar ficção

ANITA MARTINS R. DE MORAES

F icção e razão: uma retomada das for­mas simples, de Suzi Frankl Sperber, apresenta uma teoria original acerca

da necessidade humana de criar ficções . Ao mesmo tempo que expõe sua teoria, Suzi conduz o leitor pelo percurso refle­xivo que a fundamenta, convidando-o a acompanhar seus questionamentos, a deles participar. O livro lida com ques­tões filosóficas fundamentais, pergun­tando, por exemplo, se haveria aspectos humanos universais, comuns a pessoas de todas as épocas, culturas e grupos sociais, implicados numa atividade que hoje (muitos de nós) chamamos de "literatura". Se a resposta é positiva, como considera a autora (amparada na possibilidade da comunicação huma­na, mediante tradução e disposição dos interlocutores), quais aspectos seriam esses? Ou ainda: de que maneira a defi­nição de diferença e igualdade entre os seres humanos tem se dado no âmbito dos estudos literários, destacando-se a distinção entre literatura escrita e oral, e com quais consequências ético-políticas e pedagógicas? Vale notar que o percur­so investigativo de Suzi, que transita com acuidade por domínios como a antropologia, a psicanálise, a linguística, a psicologia analítica e a hermenêutica, imbrica pensamento reflexivo e ética, sendo o horizonte de sua contribuição teórica a possibilidade de se estabelece­rem relações humanas mais justas, em âmbito individual e coletivo.

Composto por três volumes, Ficção e razão parte de uma discussão emi­nentemente teórica, desenvolvida no capítulo "Jogos de armar", que abre o volume inicial, para então perseguir alguns de seus desdobramentos ana­líticos. Suzi configura um produtivo jogo entre reflexão teórica e leitura de obras literárias, não se tratando, assim, de apresentar uma teoria e testá-la

depois, mas de elaborar problemas e caminhos reflexivos que serão enriquecidos pela investigação das possibilida­des hermenêuticas que abrem. Em "Jogos de armar" Suzi formula o conceito-chave de sua teoria, o de "pulsão de ficção", associando-o às pulsões de vida e morte (propostas por Freud) e relacionando-as respectivamente às formas narrativas "conto de fadas" e "mito", que entende, retomando André Jolles, como sendo formas simples e inatas. Desen­volve, então, já no segundo capítulo do primeiro volume, "Presença dos contos de fadas", e no segundo volume, "Pre­sença do mito", o estudo dessas formas a partir da abordagem de textos selecionados. O terceiro volume, "Casos, causos e outras coisas", dedica-se ao estudo de outras formas sim­ples propostas por Jolles, a adivinha, a fábula, a legenda e a saga. À medida que a autora trata de textos específicos (da tradição oral ou escrita, da literatura erudita ou popular, incluindo desenhos animados, quadrinhos, reportagens e mesmo textos infantis), retoma, desdobra e aprofunda sua teoria, já formulada na parte inicial do livro.

O conceito de "pulsão de ficção", cerne da teoria proposta, aponta ser necessidade vital, de todos os seres humanos, a elaboração da ~xperiência vivida por meio da efabulação. Suzi se volta ao caso fort-da (relatado por Freud em Além do princípio do prazer) e às análises freudiana e lacaniana do mesmo. Interessantemente, a estudiosa frisa que este evento é anterior à aquisição plena da linguagem, mobilizando outros dispositivos inatos: o imaginário e o simbólico (noções que ganham contornos próprios na teoria de Suzi, sendo que este "substrato comum", particularmente o simbólico, será associado ao conceito junguiano de inconsciente coletivo ). A autora aponta que, com este jogo, a criança elabora uma ficção que se situa entre o mundo interior e o exterior, instaurando a possibilidade mesma de conhecimento (esta dinâmica se repondo ao longo de toda a vida, não se restringindo a uma etapa inicial e ganhando contornos particulares, condiciona­dos pela cultura e história de cada um). Como considera An­tonio Candido, em nota de apresentação, este "livro pressupõe o trabalho de uma vida e ficará como marco importante na crítica universitária brasileira': Ficção e razão enriquece o de­bate acerca da natureza do fenômeno literário, contribuindo com inteligência fina para a sua compreensão.

ANITA MARTINS R. DE MORAES é pós-doutora em estudos COm­parados de literaturas de língua portuguesa na Universidade de São Paulo e autora de O inconsciente teórico (Annablume).

92 • NOVEMBRO DE 2010 • PESQU ISA FAPESP 177

Page 93: A energia dos ventos

Maçonaria, anti-racismo e cidadania - Uma história de lutas e debates transnacionais Celia Maria Marinho de Azevedo Annablume 288 páginas, R$ 42,00

O estudo reúne a história da maçonaria co­mo canal de mobilidade social e de forma­ção política, cultural e moral do cidadão e a história da presença de cidadãos negros nas altas esferas da sociedade brasileira na era da escravidão. Nesse movimento, conhece­mos os intelectuais negros que se destacaram entre as elites brancas do século XIX.

Annablume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

Intelectuais e imprensa - Aspectos de uma complexa relação Álvaro Santos Simões Jun ior Luiz Roberto Cairo e Cleide Antonia Rapucc i (orgs.) Nankin Ed itorial 224 pág inas, R$ 45,00

Resultado de um seminário na Unesp, o livro reúne artigos de vários pesquisadores sobre a imprensa no século XIX, estudando a con­tribuição da mídia escrita da época para a formação e consolidação da cultura letrada do país. Entre os artigos: "Os primeiro jor­nalistas brasileiros", de Isabel Lustosa; "Im­prensa, história e literatura", de Ana Luiza Martins; "As ilustrações luso-brasileiras", de Mauro Póvoas, entre outros.

Nankin Editorial (11) 3106-7567 www.nankin.com.br

O guardador de segredos Davi Arrigucc i Jr. Companhia das Letras 280 páginas, R$ 49,00

O livro reúne vários textos do intelectual bra­sileiro. Na primeira parte são analisados textos poéticos de Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, entre outros. A ficção de João Guimarães Ro­sa é revista na segunda parte em contraponto a outros escritores de sua época.

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Aforismos Hipócrates (Tradução de Joffre de Rezende) Editora Unifesp 144 páginas, R$ 18,00

Hipócrates é considerado por muitos o "pai da medicina': O grego era um "asclepíade'; mem­bro de uma família que durante várias gera­ções praticara os cuidados em saúde. Para ele, muitas epidemias relacionavam-se com fatores climáticos, raciais, dietéticas e do meio onde as pessoas viviam. Muitos de seus comentários nos Aforismos são ainda hoje válidos.

Editora Unifesp (11) 2368-4022 www.fapunifesp.edu.br/editora

Ciência, civilização e República nos trópicos Alda Heizer Antonio Augusto Passos Videira (orgs.) Mauad/Faperj 384 páginas, R$ 46,00

O livro é uma coletânea que reúne 21 textos relacionados às práticas das ciências no Brasil no período chamado de Primeira República ou República Velha. Entre esses: "Congressos e exposições científicas", de Marta de Almeida; "A divulgação científica no Rio de Janeiro na década de 1920", de lldeu de Castro Moreira; "A revolta era da vacina?", de Marco Pamplona; "O museu paraense entre o Império e a Repú­blica, de Nelson Sanjad; ''Antropologia, raça e questão nacional", de Nísia Trindade Lima.

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Nordeste semita- Ensaio sobre um certo Nordeste que em Gilberto Freyre também é semita Caesar Sobreira Global Ed itora 224 pág inas, R$ 32,00

Professor da Universidade Federal de Pernam­buco, Sobreira descreve os inúmeros vestígios de cultura judaica presentes no universo his­tórico e cultural do Nordeste. O seu guia nessa jornada é o antropólogo Gilberto Freyre, que, como diz o pesquisador defendeu a miscig­nação das culturas.

Global Editora (11) 3277-7999 www.globaleditora.com.br

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O legado

E stevão passava às vezes diante de casa e minha irmã já o vira no ônibus, o que garantira uma observação: ele punha tudo num olhar em que parecia haver certa curio­

sidade ardente tolhida pela inibição e, sem nunca mudar de roupa, dissolvia-se no nada minucioso da multidão, um livro sob o braço. Não nos preocuparíamos com ele se minha mãe não ficasse intrigada com aquele olhar. Em suas saídas pelas vizinhanças de manhã para ajudar doentes, descobrira que ele vinha do conjunto de casas malfeitas que uma imobiliá­ria alugava numa rua curta; eram quase miseráveis e, no entanto, tinham dependências e fundos sublocados e tudo levava a crer que Estevão morava numa delas. Nunca estava à vista, mas uma vez surpreendeu-o olhando para ela de uma dada passagem obstruída por material de construção. Depois, fez o gesto a um só tempo embaraçado e elegante de cumprimentá-la tirando e repondo um velho boné, como que se desculpando pelo fato de tê-la olhado primeiro. Ela comoveu-se. Era o tipo de escrúpulo que revelava uma boa educação inusitada naquele canto.

Ela incumbiu-me de saber mais. Fui ao bar sem nome de uma esquina meio em escombros - no fim do dia, le­vas aleatórias de homens eram fontes seguras, desde que o interesse não parecesse evidente demais. "Ah, é o Estevo dos livros ... ", ouvi de um deles. "Sempre diz que, se a gente quiser ler, pode pegar uns livros lá com ele. Conheço quem pega, não devolve e tenta vender, isto sim. Mas é uma fria, ninguém quer, ninguém compra:' Perguntei da casa, alguém me apontou uma vaga janela sombreada por um mamoeiro alto. Como entrar? "É só bater na porta da frente, que é do Nestor. O quartinho é lá no fundo .. . " Alguém gritou: "Não acende um fósforo perto do Nestor, viu? Pode pegar fogo no bafo ... "- e vários riram.

Não tive dificuldade de passar por um mulato gordo cuja fala era meio ininteligível- mais rindo do que falando, fez um sinal com o polegar para que eu avançasse. Bati. Estevão me fez entrar e sentar num banco de canto de seu cubículo quase nu, mas muito limpo. Ousei falar um pouco demais,

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CHICO LOPES

de Verne, de Stevenson, dos livros de aventura que andava lendo. Foi complacente com o que devia lhe parecer uma tentativa adolescente de afetar cultura, sorriu e conduziu-me a um quartinho. Os livros estavam enfileirados com cuidado, mas eu desconhecia a maior parte dos títulos. Falou-me da raridade de algumas edições, apontou desenhos em folhas de rosto, e, por fim, sentou-se e abriu uma garrafa de conhaque barato, vertendo-o numa caneca amassada, sem ousar me oferecer. Não usava camisa e, como olhei para algumas ci­catrizes entre seu tórax e o ombro esquerdo com indiscrição quase involuntária, ficou pensativo. Tomou a decisão de ir para o quarto, e, ao voltar dele, cobrira-as com uma blusa larga. Trazia-me um livro.

Era uma coletânea do que me pareceu prosa poética. "Um autor que conheci por aí, nas estradas ... ", murmurou. ''Acho que nunca ninguém o leu. Edição tão limitada!" Co­çou a barba: "Gosto de coisas assim, que foram se perdendo, que só vão ser lidas por acaso e compreendidas, nunca ... " Parou para olhar-me fixo- e foi tão cravado, vulnerável e cúmplice o olhar que, decididamente, baixei a cabeça, evitei pensar. Depois, pareceu ouvir algo que lhe agradou, esticou o indicador, pedindo silêncio. Não entendi. Levou-me até a janela. Alguns pingos de uma rala chuva de outubro que começava caíam com um baquezinho característico sobre as folhas do mamoeiro. "Não é maravilhoso ouvir essas coisas, o começo de uma chuva, essa conversinha miúda e essencial entre água e folhas?"

Minha mãe ficou sabendo pouco sobre ele, porque a lembrança das cicatrizes, da barba e dos olhos vulnerá­veis altamente interessados, dos pingos iniciais de chuva deixava-me confuso, querendo resumir coisas que decidi­damente me escapavam e, se reduzidas a uma explicação, seriam empobrecidas. Tranquei-me com o livro. Fragmen­tos assinalavam paradas em rodoviárias, pensões, trapiches, terrenos baldios, em Quito, em Lima, Montevidéu, Bogotá. Alguém que viajava, que não estava à vontade em lugar algum, mas que ouvia, registrava fantasmas, formatos de

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nuvens, diferentes sonoridades do vento, cantos de pássa­ros, pântanos, alturas.

Quem era ele? Eu o via como alguém que poderia me ensinar tudo, não houvesse entre mim e a possibilidade de aprendizado todos os muros, todas as restrições e interdições do mundo. Essa criatura dava-se por ímpar e era ímpar. Solitária, mas querendo romper a solidão fosse pelo avanço por estradas sul-americanas, fosse pela escrita. "Noite ne­gra, muito negra/ de uma única estrela/ e quem senão eu/ quem senão eu/ para vê-la?", dizia uma página; "Yo soy tu hijo/ mi madre estrafia/ yo soy tu nido, mi grande arafia': Paulo Amiel. Bati na testa, me repreendendo: claro, não havia Paulo Amiel, que estúpido, eu ... O olhar fixo do cubículo foi se arredondando diante de mim, trazendo de volta uma identidade precisa, inequívoca.

Em certos dias ele saía com uma carriola com livros para oferecer nas ruas; aceitava doações de gente cansada e distraída, que tinha volumes por enfeite em alguma estante da sala ou coleções incompletas compradas e esquecidas; as pequenas campanhas não tinham efeito sensacional algum, por vezes eram de uma desolação absoluta, obrigavam-no a parar e a ficar olhando, impotente, as antenas de televisão que aumentavam nos telhados. Decerto viajava, porque de repente não o viam mais e, quando retornava, a discrição do cômodo de fundos não deixava isso publicamente certo.

Mas eu o revi, depois de muitas semanas de releitura. Sentado numa mureta de uma escola primária onde nenhum dos professores que chegavam de carro teria uma ideia do seu papel, estava cansado. Olhou-me com certa ansiedade. "Gostou? Esse Amiel não é mau poeta"; "É um poeta e tanto. Com certeza, é um grande sujeito"; "Não, não, as obras são muito melhores que os autores. Autores são ruínas humanas, contradições ... "; "Em todo caso, é alguém que eu gostaria de conhecer", provoquei, mas ele não se denunciou: "Vaga por aí, eu mesmo só o vi uma vez". Olhou para o céu e pa­receu inquietar-se com o sinal de que o dia acabava. Deu um sorriso, despediu-se.

Minha irmã ainda o viu, no ônibus, semanas depois. Mas a ausência ficou longa demais. Fui procurá-lo, decidido a ser mais direto, atravessando o bom número de quarteirões que nos separavam do conjunto. No bar, o torpor do desinteresse entremeado por vários "não sei". Mas houve quem arris­casse falar: "Tocaram fogo, e não foi no bafo do Nestor ... "; "Santo não era, se tão procurado ... "; "É, mas não acharam o homem ... "; "Não vão achar mesmo; deve ser especialista em sumir." Corri para o cubículo. O incêndio escurecera paredes, muita coisa revirada, trens desaparecidos, e era possível imaginar pilhagens de vizinhos, entradas a qualquer hora, sob a vista inepta de Nestor. A prateleira se reduzira a algumas tábuas soltas. Recolhi folhas de um caderno espi­ral aos pedaços, um toco de lápis, um fragmento de mapa. Talvez dali, dos espaços amarelos cheios de ramificações de rodovias, estrádas, rios, brotasse uma pista.

Minha mãe calou-se quanto a fuxicos sobre os aconte­cimentos que deviam ter-lhe sido fornecidos em alguma de suas novas visitas ao conjunto. Ninguém ousava falar nada, nada restituiria Estevão, mas, numa noite, ouvindo esboço de chuva nas folhas de uma goiabeira, sonhei um sonho que não queria que acabasse. Despertei, dormi de novo, para tentar continuá-lo. E a continuação se deu: de lá dos fundos de algum remoto país vagamente azul ele voltava, acenando de um entroncamento rodoviário, com um livro sob o braço. Eu me atirava em sua direção, mas não conseguia me aproximar, pois estava sempre muitos passos adiante. De longe, sempre de longe, ergueu o livro, sacudiu-o, enfático- que eu nunca o esquecesse; depois, tirou o boné, fez uma reverência, apontando para uma estrada que serpenteava sem fim por entre serras. A seguir, repondo-o, desapareceu.

CHrco LoPES é jornalista, tradutor e escritor, autor dos livros de contos Nó de sombras (2000), Dobras da noite (2004) e Hóspedes do vento (2010).

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