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A enfermeira como categoria ocupacional num moderno hospital-escola brasileiro' DRA. C. A. FERREIRA-SANTOS 2 INTRODUCAO A delimitagao de funo6es das enfermeiras é um problema importante para a enfermagem, quer no Brasil quer em outros paises, como se pode perceber na literatura profissional. A resposta á pergunta: "quem deve fazer o qué"? poderá trazer conhe- cimentos que vao facilitar a soluçao de trés problemas enfrentados pela profissao: 1) expansao numérica das enfermeiras; 2) racionalizaçao hospitalar, e 3) integragao escola-situaçao de trabalho. O tema nos atraiu pelas necessidades objetivas do meio, pessoalmente sentidas através de nossa atividade como professora de sociologia de uma escola de enfermagem. Essa posiçao fez-nos viver e sentir os pro- blemas oriundos da indefiniçao de papéis, que se manifestam nas rela- ç6es escola-hospital; dentro da escola, nas rela56es professor-aluno; e, no hospital, entre todos os seus membros. OBJETIVOS A delimitaaáo de funo6es, ponto de partida do presente trabalho, foi ampliada, numa tentativa de entender a situaçao concreta existente para a enfermeira, e de dar respostas as seguintes indagaçoes: 1 Resumo da tese apresentada para conquista do grau de doutor junto a Escola de Enfermagem de Ribeirao Préto, Universidade de Sáo Paulo. 2 Profesora Assistente do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciéncias Hu- manas da Escola de Enfermagem de Ribeiráo Préto, Universidade de Sao Paulo. 16

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A enfermeira como categoriaocupacional num modernohospital-escola brasileiro'

DRA. C. A. FERREIRA-SANTOS 2

INTRODUCAO

A delimitagao de funo6es das enfermeiras é um problema importantepara a enfermagem, quer no Brasil quer em outros paises, como sepode perceber na literatura profissional.

A resposta á pergunta: "quem deve fazer o qué"? poderá trazer conhe-cimentos que vao facilitar a soluçao de trés problemas enfrentados pelaprofissao: 1) expansao numérica das enfermeiras; 2) racionalizaçaohospitalar, e 3) integragao escola-situaçao de trabalho.

O tema nos atraiu pelas necessidades objetivas do meio, pessoalmentesentidas através de nossa atividade como professora de sociologia deuma escola de enfermagem. Essa posiçao fez-nos viver e sentir os pro-blemas oriundos da indefiniçao de papéis, que se manifestam nas rela-ç6es escola-hospital; dentro da escola, nas rela56es professor-aluno; e,no hospital, entre todos os seus membros.

OBJETIVOS

A delimitaaáo de funo6es, ponto de partida do presente trabalho, foiampliada, numa tentativa de entender a situaçao concreta existentepara a enfermeira, e de dar respostas as seguintes indagaçoes:

1 Resumo da tese apresentada para conquista do grau de doutor junto a Escola deEnfermagem de Ribeirao Préto, Universidade de Sáo Paulo.

2 Profesora Assistente do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciéncias Hu-manas da Escola de Enfermagem de Ribeiráo Préto, Universidade de Sao Paulo.

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1. Na situaaáo concreta examinada (um hospital-escola):a) que faz cada uma das categorias ocupacionais da enfermagem?b) que gosta de fazer cada uma das categorias ocupacionais da

enfermagem?c) como cada uma dessas categorias acha que deveriam ser dis-

tribuidas as tarefas de enfermagem pelo pessoal das diferentescategorias?

2. Como se definem os papéis das enfermeiras, de acordo com aorganizagao da instituiaáo hospitalar?

3. De que camadas da sociedade saem as pessoas que trabalham emenfermagem nos hospitais e que valores a sociedade atribui a essetrabalho?

4. Dentro do hospital, como se definem as expectativas dos outrosfuncionários em relaaáo ás enfermeiras?

COLETA DE DADOS: TECNICAS E PROCEDIMENTOS

Para o presente trabalho, utilizou-se um questionário que abrangiauma parte de identificaaáo e informaaáo sobre escolaridade, vida pro-fissional e níveis de aspiracao do entrevistado; outra parte versavasobre os familiares do entrevistado; uma terceira consistia num inven-tário de 90 tarefas, sobre as quais o entrevistado deveria responder, emtrés etapas sucessivas: a) se gostava de executar cada tarefa; b) com quefrequencia costumava executá-las; c) quem deveria executar as dife-rentes tarefas em um hospital com serviço de enfermagem "idealmente"organizado.

Além do questionário, foram utilizadas as técnicas de observaçaodireta, durante trés meses, numa enfermaria do hospital, e de observa-çao participante, nas reuni5es de corpo docente da escola de enferma-gem e através de um curso de relaqoes humanas ministrado ás enfer-meiras do hospital.

A fim de situar o hospital focalizado no presente estudo dentro daevoluçao geral da rede de assistencia hospitalar do Estado de Sao Paulo(e brasileira) foi visitado um hospital do interior do Estado, ondeforam entrevistadas enfermeiras e o diretor clinico.

As categorias ocupacionais estudadas no hospital examinado foram:

Categoria A-Professores e instrutores da escola de enfermagem, emnúmero de 12.

Categoria B-Enfermeiras diplomadas, em número de 25.

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Categoria C-Auxiliares de enfermagem, em número de 30.Categoria D-Atendentes, em número de 45.Categoria E-Estudantes do curso de auxiliar de enfermagem que sao

ao mesmo tempo atendentes do hospital, em número de 16.

No decorrer do trabalho, as diferentes categorias seráo designadaspelas letras utilizadas na enumeraçao acima.

RESULTADOS

1. Características sócio-económicas do pessoal de enfermagem

A análise dos dados revelou que trabalham no hospital, em enferma-

gem, pessoas com características biológicas (sexo e cor) e sociais dis-tintas, nas diferentes categorias estudadas.

Nas categorias A e B predominam pessoas de cor branca, do sexofeminino e, na grande maioria solteiras. Suas origens socio-económicasestao nas camadas médias náo assalariadas e a escolha da profissaomostrou a percepaáo do valor instrumental da educaaáo que existe nasclasses médias. Tais pessoas mostram identificaçao com a profissaoquando manifestam desejos de aprimoramento profissional e de naoabandoná-la. Ao ingressar na profissáo, tiveram que vencer barreirasexplicitadas através da oposiaáo dos pais ao ingresso na escola de en-fermagem, atuando a família como porta-voz dos valores correntes nasociedade global em relaçao á enfermagem.

Como mulheres desempenhando papéis femininos, as enfermeirasentram na situacao de trabalho já com posiçao definida de "submissáo",em relaaáo aos grupos masculinos com os quais interagem. A escolari-dade inferior á dos médicos (em número de anos) reafirma essa sub-missao, a que acresce o confronto enfermagem versus medicina, conce-bida a primeira como profissáo paramédica e auxiliar da segunda. Asociedade global reforça essa hierarquia, quando desencoraja jovens aestudar enfermagem e coloca a medicina como a profissao liberal demaior prestigio (1,2). Portanto, pelas famílias de origem, as enfer-meiras situam-se na classe média e o status conquistado pela profissaomantém essa posiaáo, deixando-as porém, quanto i classificaaáo dasprofissoes, em posiaáo inferior a dos médicos. A profissionalizaáaoatravés da enfermagem traduz uma luta pela conservaaáo de status oupela ascensao social.

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O exame dos dados indica que a posiaáo social da enfermeira, aoentrar no mercado de trabalho, já está predeterminada e definida pelostatus da profissao na sociedade global. Reciprocamente, é num setorbem delimitado da sociedade global que as futuras enfermeiras saoarregimentadas.

As outras categorias, C, D e E, tem características diferentes, com oaparecimento do o sexo masculino e da cor preta. Os anos de escolari-dade anterior ao ingresso na enfermagem diminuem. As famílias deorigem, em maior percentagem, de camadas sociais inferiores, sao prole-tárias (dedicando-se mais a atividades assalariadas manuais) e tambémapresentam menor escolaridade. Os que compoem essas categorias saoproletários em busca de trabalho, e sua situaaáo social se define emtermos de submissao, baixos níveis de aspiraaáo e escassas possibilidadesde ascensao social.

2. 0 hospital-ambiente de trabalho das enfermeiras

No exame do hospital estudado e dois outros do Estado de SaoPaulo, tentou-se apreender o grau de racionalizacao dessas instituiçoes.Pesquisaram-se tragos de organizaaáo tradicional e burocrática, numatentativa de descrever a situacao de trabalho das enfermeiras.

O hospital estudado apresentou uma estrutura social mais complexa,entrelaçada com outras instituicoes, bem como a presenca e coexis-tencia de maior número de categorias ocupacionais, quando comparadocom os outros dois e, paralelamente, uma estrutura mais burocráticaem relaçao a alguns setores (médico e administrativo, por exemplo),persistindo, porém, no setor de enfermagem, muitos elementos daestrutura tradicionalista.

3. A enfermeira no hospital como sistema social

O estudo da enfermeira no sistema social delimitado pelo hospitalpermitiu delinear uma situacao em que a enfermagem como carreira évista pelos segmentos da sociedade interessados nos problemas de saúdecomo uma ocupacao que requer treinamento especializado e prolongado.Seus profissionais, como os que passam por outras modalidades deformacao científica, devem ser racionalistas e universalistas, e possuircapacidade funcional específica, dando énfase ao desempenho. Quantoa maneira de encarar o objeto, a enfermagem deve ser universalista,

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atributiva, funcionalmente específica, afetivamente neutra e de orien-taçao coletiva.

No seu processo de socializaaáo profissional, as enfermeiras incorpo-ram os valores desse setor da sociedade, mas, ao mesmo tempo encon-tram valores que as afastam do papel por ele definido, dirigindo-aspara posiçoes de educadoras e administradoras (coordenadoras e super-visoras de serviço). Essas posiçoes dificultam a manutenaáo da éticaartesanal e a obtençao de satisfaaáo com o resultado de seu trabalho:recuperaaáo do paciente ou preservaçao da saúde.

Dentro do sistema social concreto de interaçao, encontram-se aquelesque mantém, em relaaáo as enfermeiras, expectativas ao mesmo tempotradicionalistas e burocráticas, além de outros que as consideram porta-doras daquilo que setores da sociedade definem como ideais de umaprofissao científica, cujo objetivo é controlar a saúde.

Tanto médicos quanto doentes sao porta-vozes de expectativas tradi-cionalistas, enquanto que a administraáao e a escola (através dos instru-tores), manifestam expectivas de comprometimento com a éticaburocrática, e as próprias enfermeiras, assim como a escola, a adminis-traaáo e os médicos, mantém expectativas que definem a enfermagemcomo profissao científica.

As ideologias incorporadas na socializaçao profissional da enfermeiraafastam-na da adesao aos papéis tradicionais, mas a situaçao real detrabalho dificulta o desempenho do papel como profissao cientifica-mente orientada. Se as criticas de que sao alvo sao válidas, a alternativarestante é o desempenho do papel orientado para outra das expecta-tivas existentes: o comprometimento com a ética burocrática.

4. As tarefas de enfermagem

A aplicacao do inventário de tarefas deu, como achados principais,os seguintes:

a) A maior parte dos cuidados básicos e técnicos nao é ministradapor enfermeiras.

b) As enfermeiras desempenham principalmente tarefas de organi-zaçao.

c) Declaram elas atribuir altos níveis de apreciaçao ás tarefas básicas,técnicas e de organizaçao.

d) Nao há consenso, dentro da equipe de enfermagem, quanto a que

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nível deveria ser atribuído ao desempenho de tarefas básicas etécnicas.

e) O consenso é maior quando sáo investigadas apenas as enfer-meiras (A e B) e auxiliares (C) mas, ainda assim, há muita discre-pancia nos resultados.

Comparando-se os resultados referentes a execucáo e apreciacao ob-tidos pelas averiguacoes feitas entre as enfermeiras, com os referentesao aspecto normativo-ideal, nota-se, de um lado, que o comportamentoexecutivo náo se sobrepoe ao apreciativo, nem corresponde ao com-portamento ideal, e de outro, que o comportamento ideal nao estáperfeitamente claro.

O estudo das áreas mais importantes de definicao da profissaorevelou que (na situacao de fato) as enfermeiras relegam ao nível dosatendentes os cuidados da área básica: higiene, conforto, alimentaáaodo paciente; e que muitas das tarefas da área técnica estáo sendo execu-tadas por atendentes e auxiliares.

A indeterminacao dos níveis ideais sugere a hipótese de que a situaçáoreal está influindo na transformacao dos padroes normativos da pro-fissao. As enfermeiras, pressionadas por elementos adversos (escassezde pessoal e de equipamento, objetos sociais frustradores), refugiaram-seem atividades predominantemente administrativas e abriram mao dasque envolviam redefinicao dos procedimentos tradicionais simples.

Existe na situacao uma categoria, a de auxiliar, pronta a recebertodas as tarefas da enfermeira e náo realizadas por ela, porque a execu-aáo dessas tarefas significa promocao de status.

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO NAO CONFORMISTADA ENFERMEIRA

O exame do material coligido mostrou inconsistencia na definiáaodo papel da enfermeira, em seus aspectos psicológico, cultural e social,o que acarreta frustrao6es nas que o desempenham.

O foco primário da precária integracao dos papéis das enfermeirasestá na dificuldade de redefinicao dos padr6es tradicionais, em termosde atuaaáo segundo padroes racionais. Tal dificuldade seria traduzidapor um abandono da ética artesanal e pelo engajamento na ética buro-crática.

As enfermeiras, na situacao mal integrada em que se acham, estaosofrendo um processo de transformacao no significado e na ética do

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trabalho, sem saber (ou poder) manter a ética artesanal nas novascondiçoes de trabalho burocrático. Para conservá-la seria precisopreservar os padroes atributivo e de orientacao coletiva da profissao,tornando-se necessário o tratamento direto do paciente, mediante téc-nicas científicas, com o adequado manejo do relacionamento humano.Isso significaria que, ao invés de abandonar as tarefas simples, quepodem trazer elementos de agressáo dos outros participantes do sistema(exemplo: para que estudar bioquímica, se váo arrumar camas dedoentes?), as enfermeiras deveriam ser capazes de continuar o desem-penho dessas tarefas de maneira nova. E arrumando camas, dando banhos,que a enfermeira pode manter-se mais facilmente em contato com opaciente. Se souber usar também os conhecimentos adquiridos deciencias biológicas e sociais, poderá fazer verdadeiros diagnósticos deenfermagem, que determinarao os procedimientos adequados, que con-duzirao a melhor recuperaaáo do paciente. Esses conhecimentos saoadquiridos através da educacao formal em escolas de enfermagem enao podem ser improvisados segundo o critério de auxiliares e aten-dentes. A análise do papel psicológico da enfermeira mostrou que aredefiniaáo desse papel tem sido dificultada pela escassez numérica deprofissionais, uma das causas da distancia entre enfermeira e paciente.Por outro lado, o papel cultural tradicionalmente definido parece serresponsável pela segregaaáo das tarefas, com exclusáo das que envolvem,potencialmente, agressoes á enfermeira. Sobrepondo-se a isto, os outroselementos presentes facilitaram, com suas críticas, um afastamentomaior da tentativa de preenchimento desses papéis. Sáo objetos sociaissignificativos para as enfermeiras e porta-vozes de toda a inconsistenciada situaaáo por elas vivida.

A escassez numérica foi, pois, um canal de racionalizaçao para suafuga a situacoes desagradáveis de frustracao. A carencia inicial funcio-nou como elemento impulsionador para a mudança de padroes e aracionalizaaáo da fuga.

Esta análise pretendeu determinar os canais prováveis de manifesta-cao do comportamento náo conformista, de acordo com outras carac-terísticas da profissáo, compreendidas estas através dos valores exis-tentes no sistema social global para a ocupaaáo: profissáo feminina (oque dirige sua orientaaáo náo conformista para atitudes passivas) eocupaçáo concentrada antes em normas que em objetos. Disso resulta-ram, como comportamentos ambivalentes mais prováveis, o desempenhoperfeccionista e a evasáo, ambos encontrados no hospital em foco,ainda que se tenha verificado a predomináncia do último tipo.

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A situaaáo examinada parece importante, porque permitiu mostrarcomo a escassez de enfermeiras foi utilizada como veículo de racionali-zaçao da fuga as frustraçoes e facilitou a formaçao de padroes novos,que posteriormente vieram a ser adotados e seguidos, independente-mente da escassez numérica, produzindo-se, por conseguinte, uma

mudança de valor.Foram examinadas as alternativas possíveis para que as enfermeiras

escapem as frustraçoes e continuem a obter satisfaSoes. Em vista dascaracterísticas inerentes á profissao e á situaaáo de trabalho, a alterna-tiva mais favorável no caso parecia ser a redefiniaáo dos padroes evalores existentes para a profissáo. Elementos da situaaáo e ideologiasvigentes favoreciam essa alternativa, a qual estava, além disso, pre-determinada por outras características da ocupaaáo: 1) profissáo femi-nina, que indica uma opaáo pela passividade; 2) profissáo universalista,que está mais ligada a normas que a objetos.

Por essas características, a mudança dos padroes de comportamentoe dos valores deve seguir as diretrizes de orientaaáo passiva e dirigidaa normas. Dentro do esquema de Parsons (3), os comportamentos pro-váveis seriam "observancia perfeccionista" ou "evasáo". A "ob-serváncia perfeccionista" foi representada por uma minoria no hospitalanalisado, enquanto que a "evasáo" foi o comportamento de quase todaa categoria.

Exemplos de outras sociedades, onde foram identificados problemassemelhantes, sugerem que os problemas aqui examinados ocorreramtambém em outros sistemas sociais semelhantes e mostram a necessi-dade de um controle, senáo por parte da sociedade global, ao menospelos setores preocupados com assuntos de saúde. Para que haja essecontrole será preciso proporcionar ás enfermeiras uma situaaáo estru-turada, de modo a nao colocá-las frente a padr5es incongruentes e ex-pectativas contraditórias ou mal definidas, e permitir-lhes usufruir ummínimo de satisfaaáo, que as motive a desempenhar adequadamenteseu papel.

SUMARIO E CONCLUSOES

Adotou-se, no presente trabalho, o esquema de Parsons para análisede um sistema social, procurando-se entender o comportamento dasenfermeiras dentro de sistema social interativo. Cada enfermeira estásujeita, em seu relacionamento, a uma série de expectativas, que de-

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lineiam seus padr6es de comportamento, e a sançoes positivas ou nega-tivas correlatas. As sançoes formam, ao mesmo tempo, um sistema deexpectativas da enfermeira em relacao aos comportamentos dos outroselementos do sistema.

Através da análise do sistema, procurou-se saber como se delineouo papel da enfermeira, explorando-se, para isso, todos os objetos dasua situaaáo: objetos físicos (hospital e seu equipamento); objetosculturais (conjunto de símbolos e valores atribuidos á profissao nomeio social interno do hospital e no ambiente externo); e objetossociais com os quais ela interage. Alémldisso, cada enfermeira tem tam-bém, na sociedade global onde vive, umna posiaáo social definida, queinflui na posiaáo social da profissáo, da mesma forma que o status pro-fissional influi na maior ou menor possibilidade de arregimentaaáo desua clientela. Esses dados eram, por isso, importantes e foram pesqui-sados.

Através desta análise, foram encontradas muitas inconsisténcias mos-trando estar o papel da enfermeira mal integrado no hospital comosistema social e na sociedade global. As inconsisténcias revelaram quea definiaáo de papéis pertinentes á ocupacao está em processo de transi-aáo perdurando ainda muitas características da organizacao tradiciona-lista vigentes na sociedade, com reflexos inclusive no sistema parcial dohospital.

No decorrer do trabalho, através do exame das conotaçoes existentessobre a ocupaaáo, da sua posiaáo no mercado de trabalho e na sociedadeglobal e das expectativas de papel vigentes, foi possível traçar um perfilpsicológico, social e cultural das enfermeiras. As características psico-lógicas, aS ideologias dominantes e sua posiaáo social estao ligadas acontextos sociais mais tradicionalistas ou mais burocráticos.

Na realidade, os padroes tradicionalistas e burocráticos coexistem,variando de intensidade em diferentes momentos e locais. Por isso,ainda que sejam reconhecidos como tendnricias conservadoras de umasituaaáo pretérita, os padroes tradicionalistas exercem pressoes atuaissobre as enfermeiras, da mesma forma que o fazem as exigencias inova-doras da orientaaáo burocrática. Todos esses padroes e expectativasse incorporam na enfermeira, quer através dos objetos sociais da situa-cao, quer por absoraáo durante o processo de socializacao.

Para que fosse aceita a definiaáo burocráítica do papel, seria neces-sário um ambiente de trabalho também mais burocrático, cientifica-mente orientado, implicando, no caso, riqueza técnica em recursos

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instrumentais para o tratamento da saúde e material de consumo sufi-ciente. Além disso também os recursos humanos disponíveis deveriamatingir um mínimo necessário, sem comprometer principios buro-cráticos tais como, entre outros, a divisáo de atribuiçoes e o exercíciode autoridade. A inexistencia dessas condiçoes náo facilitou o desen-volvimento de padróes racionais-burocráticos de comportamento entreas enfermeiras. Tais dificuldades, que eram mais frequentes no hospitalde organizaçao mais tradicionalista, perduram em grande escala nohospital estudado. Ali, deficiéñcias materiais impedem muitas vezesum desempenho eficiente, e é necessário utilizar contactos pessoais paraobtençao dos recursos desejados.

Estáo presentes no sistema outros elementos com possibilidade deapropriaçao de tarefas que deveriam estar afetas apenas ás enfermeiras.A dificuldade de distribuiaáo dessas tarefas segundo o preparo, dentroda equipe de enfermagem, facilita a sua segTegaçao, ficando ás cate-gorias inferiores as tarefas consideradas "impuras" (manuais) da ocu-paaáo. Ideologias vigentes no processo de socializaaáo colaboram paraessa atitude, ao acentuar a necessidade de formar enfermeiras adminis-tradoras, dada a escassez de enfermeiras no cenário nacional.

Reforçando a motivaaáo segregativa, existem, no hospital, por partedos elementos masculinos do sistema (médicos), ideologias conserva-doras discriminatórias quanto á profissionalizaaáo da mulher. Tendemeles a conservar em relaçao ás enfermeiras atitudes de domínio e exi-géncias de submissáo, requerendo delas, por outro lado, eficiencia einiciativa. Essa ambivaléncia coloca também as enfermeiras em posi-aáo ambígua frente aos médicos, objetos catéticos dos quais náo conse-guem libertar-se, porque suas atividades sáo coordenadas em relaáaoás deles: dependem dos médicos para conseguir a apropriaaáo do"produto" de seu trabalho, isto é, a recuperaçao do paciente.

Outro fator a reforçar a segregaaáo de tarefas manuais seria o desejode apreciaçao do status, pessoal e profissional. Verificou-se que a en-fermagem, como carreira ocupacional, funcionou como elemento demaior vinculaaáo ás classes médias assalariadas, e representou umaascensao em relaçao ao nível educacional dos pais das enfermeiras. Oreconhecimento dessa ascensáo pessoal, ao lado da afirmaçao do statusda ocupaaáo, como "profissáo" cientificamente orientada, faz com queas enfermeiras estejam sempre esperando que outros profissionais déemtambém demonstraçoes desse reconhecimento. As atitudes discrimina-tórias em relaçao á ocupaçao, por parte dos médicos, provocam frustra-çao e reaçoes hostis.

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As enfermeiras estao, pois, numa fase de transiaáo que as sujeita auma série de press6es muitas vézes antagonicas e frustradoras. O com-portamento encontrado resulta dessa situaaáo, tendo-se estruturado deacordo com canais que também foram legitimados pelo contexto. É ocomportamento nao conformista, que se diferenciou em dois tipos: ocompulsivo-perfeccionista e o evasivo.

O comportamento compulsivo-perfeccionista, que adere á ética tra-dicionalista do ideal de serviho e da submnissao aos médicos, é carac-terístico de uma minoria, hostilizado pela maior parte das enfermeiras.O comportamento evasivo caracteriza a niaioria, que, desistindo deobter gratificaaáo no trato direto do paciente, busca refúgio em funcoesde supervisao e administraaáo, delegando a maioria das funcoes básicase técnicas para o pessoal das categorias inferiores da equipe de enfer-magem e dando legitimidade ao seu comportamento com base nasideologias das escolas de enfermagem do país e na situaaáo concretade carencia de pessoal qualificado no hospital em foco. Esse comporta-mento é ambivalente na motivaçáo, porquanto a maioria continua aafirmar que a principal tarefa da enfermeira é o cuidado integral edireto do paciente.

REFERENCIAS

* (1) Alcantara, G. de. A enfermagem moderna como categoria profissional: obstáculosá sua expansao na sociedade brasileira. Tese, Escola de Enfermagem de RibeiraoPréto, 1963. Sáo Paulo, 1966. R.U.S.P., Serviço de Documentaçao.

(2) Hutchinson, B. e C. Castaldi. "A Hierarquia do Prestigio das Ocupaçaós." Hutch-inson, B. dir: Mobilidade e Trabalho. Rio de Janeiro, 1960. M.E.C., I.N.E.P.;C.B.P.E., (Série 8, Pesquisas e monografias, 1).

(3) Parsons, T. The Social System. Glencoe, Ill., 1964. The Free Press.

LA ENFERMERA COMO CATEGORIA PROFESIONAL EN UNHOSPITAL DOCENTE BRASILEÑO (Resumen)

En este estudio se analiza el comportamiento de la enfermera dentro delsistema social hospitalario, habida cuenta de diferentes conceptos relativosa su función-los que tiene la propia enfermera, los de su escuela, la orga-nización hospitalaria y la sociedad en general-y los objetos físicos (hospitaly su equipo), culturales (símbolos y valores atribuidos a su profesión,

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tanto dentro como fuera del hospital) y sociales (otros elementos presentesen el sistema) con los cuales tiene una relación mutua.

La investigación, realizada en un hospital docente y controlada me-diante entrevistas efectuadas en otro, reveló cierta inconsecuencia en cuantoa la integración de la función de la enfermera en el sistema, el cual, poruna parte, atribuye categoría social a su ocupación por su carácter cientí-fico y, por otro, respalda actitudes discriminatorias sobre la profesionaliza-ción de la mujer, al esperar de ella una actitud de sumisión cuando seintegre al equipo de enfermería, demandando, al mismo tiempo, eficienciae iniciativa.

La actitud discriminatoria redunda en formas de comportamiento incon-formista de dos tipos: el comportamiento compulsivo-perfeccionista, carac-terístico de una minoría que se adhiere a la ética tradicionalista de la pro-fesión y se desentiende de las tareas técnicas y básicas propias de su fun-ción, y el comportamiento evasivo, que se manifiesta por la búsqueda derefugio de la enfermera en funciones de supervisión y administración, dele-gando aquellas tareas, o por lo menos las consideradas "impuras", en per-sonal de categoría inferior que proviene, a diferencia de las enfermerasdiplomadas con antecedentes sociales pertenecientes a la clase media, deestratos más bajos de la sociedad y de uno u otro sexo.

Este comportamiento, debido en parte a la escasez de personal calificadoen el hospital en referencia, es ambivalente ya que, por un lado, se apartaa la enfermera de las funciones propias de su profesión, y por otro, se con-tinúa afirmando que su tarea principal es el cuidado integral y directo delpaciente.

THE NURSE AS A PROFESSIONAL IN A BRAZILIAN TEACHINGHOSPITAL (Summary)

This study analyzes the behavior of the nurse within the hospital's socialstructure, taking into account different attitudes regarding her role-thoseheld by the nurse herself, by her school, by the hospital organization, andby society as a whole-and all the elements with which she interacts: physi-cal (the hospital and its equipment), cultural (symbols and values at-tributed to the profession, both within and outside the hospital), and social(other elements present in the system).

The study, conducted in one teaching hospital and controlled by meansof interviews carried out in another, indicates certain inconsistencies inthe way the nurse's role fits into the system. On the one hand the systemgives considerable social status to her occupation because of its scientificnature, but on the other hand it sanctions discriminatory attitudes regarding

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women as professionals, expecting her to assume a submissive attitude onbecoming a member of the nursing team and at the same time requiringher to be efficient and show initiative.

These discriminatory attitudes result in two kinds of nonconformist be-havior: compulsive-perfectionist, characteristic of a small minority whofollow the traditionalistic ethics of the profession and make it a point toperform the basic and technical tasks that correspond to the role; and eva-sive, typical of those who seek refuge in supervisory and administrativeduties, and delegate these tasks-at least the ones regarded as "unclean"-to personnel of lesser categories who, unlike the middle-class registerednurses, come from the lower strata of society and represent both sexes.

This latter behavior, which stems in part from the lack of qualified per-sonnel in the hospital in question, is ambivalent in that, while removingthe nurse from the duties of her profession, it continues to assert that herprincipal task is the comprehensive and direct care of the patient.

L'INFIRMIÉRE, MEMBRE DU PERSONNEL PROFESSIONNEL DANSUN HOPITAL-ÉCOLE BRESILIEN (Résumé)

La présente étude analyse le comportement de l'infirmiére dans le systémesocial de l'hópital et, á cette fin, examine diverses conceptions relatives áson role-vis-a-vis d'elle-méme, de son école, de l'organisation hospitaliéreet de la société en général-ainsi que tous les objets physiques (I'hópitalet son équipement), culturels (symboles et valeurs attribués á la profession,tant á l'intérieur qu'á l'extérieur de l'hópital) et sociaux (autres élémentsprésents dans le systeme) avec lesquels elle esi: en contact.

Réalisée dans un hópital-école et contrólée par moyen d'entrevues effec-tuées dans un autre, I'enquéte a fait ressortir certaines contradictions quantá l'intégration du role de l'infirmiere dans le systéme, lequel d'une partvalorise le statut social de son emploi de par son caractére scientifique, etd'autre part sanctionne des idéologies discriminatoires envers la profes-sionnalisation de la femme, attendant d'elle qu'elle fasse montre de sou-mission lors de son intégration á l'équipe, et en méme temps qu'elle fassepreuve d'efficacité et d'initiative.

Les attitudes discriminatoires se traduisent par des formes de comporte-ment non-conformistes: le comportement compulsif-perfectionniste, carac-téristique d'une minorité qui respecte l'éthique professionnelle de la pro-fession et remplit les táches techniques et fondamentales liées a son role,et le comportement évasif qui voit l'infirmiére chercher a se réfugier dansun role de supervision et d'administration, laissant ses táches, ou du moins

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A enfermeira como categoria ocupacional num hospital-escola / 29

celles qu'elle considere comme "impures", au personnel des catégoriesinférieures qui, á l'inverse des infirmiéres diplomées issues pour la plupartde la classe moyenne, a pour origine les classes inférieures de la sociétéet est des deux sexes.

Ce comportement, provoqué en partie par le manque de personnelqualifié dans l'h6pital concerné, est ambivalent en ce sens qu'il enléve ál'infirmiére les fonctions mémes de sa profession tout en affirmant que satache principale est de soigner directement et completement le patient.