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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL MAIARA CALGARO A ESCALADA DE AIRTON ORTIZ: A PROXIMIDADE DO JORNALISMO E DA LITERATURA EM LIVROS DE AVENTURA CAXIAS DO SUL 2015

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

MAIARA CALGARO

A ESCALADA DE AIRTON ORTIZ: A PROXIMIDADE DO JORNALISMO E DA

LITERATURA EM LIVROS DE AVENTURA

CAXIAS DO SUL

2015

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MAIARA CALGARO

A ESCALADA DE AIRTON ORTIZ: A PROXIMIDADE DO JORNALISMO E DA

LITERATURA EM LIVROS DE AVENTURA

Trabalho de conclusão de curso para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo, da Universidade de Caxias do Sul. Orientador Prof. Dr. Paulo Ricardo Ribeiro.

CAXIAS DO SUL

2015

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MAIARA CALGARO

A ESCALADA DE AIRTON ORTIZ: A PROXIMIDADE DO JORNALISMO E DA

LITERATURA EM LIVROS DE AVENTURA

Trabalho de conclusão de curso para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da Universidade de Caxias do Sul.

Aprovado em ___/07/2015

Banca Examinadora

_______________________________

Prof. Dr. Paulo Ricardo Ribeiro

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_______________________________

Profª. Dra. Alessandra Paula Rech

Universidade de Caxias do Sul – UCS

_______________________________

Profª. Ma. Marliva Vanti Gonçalves

Universidade de Caxias do Sul – UCS

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Para Godi e Maria Antônia, por me possibilitarem a maior aventura de todas:

viver!

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço aos meus pais, Godi Calgaro e Maria Antônia

Casagrande Calgaro, que sempre apoiaram as minhas aventuras. Além disso, o amor

familiar é fundamental para que eu possa superar todos os obstáculos que

aparecerem pelo caminho. Também agradeço a eles por abrirem mão de seus sonhos

para que eu pudesse realizar os meus, de estudar e concluir essa etapa.

Agradeço a compreensão do meu irmão, Cássio Calgaro, por entender o

quanto a educação é importante para mim e, por isso, cuidar duplamente de meus

pais quando eu estava ausente. Por ele também deixar seus desejos financeiros de

lado para me ajudar a chegar nesta parte do caminho.

Agradeço imensamente ao meu namorado, Thiago Marques Dias, pois seu

apoio, atenção, compreensão e paciência foram fundamentais para a realização deste

trabalho. Agradeço todo o conhecimento e experiência por ele compartilhados, pois

muito contribuíram para a minha formação.

Ao Erich Casagrande por anos atrás me emprestar o livro "Meu Everest”, de

Luciano Pires, que despertou o meu interesse pelo monte Everest e me fez acreditar

que é possível chegar lá. Além disso, sempre dividiu comigo suas vivências no

jornalismo me motivando para o estudo sobre o Jornalismo de Aventura.

Agradeço a Baden Powell por fundar o escotismo, movimento que possibilitou

as minhas primeiras aventuras ainda quando criança. Por criar o estilo de vida que

sigo e que me fez entender o significado da fraternidade mundial.

Agradeço ao meu orientador e professor Paulo Ribeiro por embarcar comigo

nesta viagem, por apoiar minhas decisões e compartilhar seu conhecimento, além da

atenção e do auxílio fundamentais na realização desde trabalho.

Por fim, agradeço ao Airton Ortiz por me fazer viajar para lugares incríveis do

planeta por meio de suas histórias. Por sempre estar disposto a me ouvir e contribuir

com este estudo. Por unir duas de minhas paixões, o jornalismo e a aventura.

Muito obrigada.

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A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A

alegria da vida vem de nossos encontros com novas

experiências e, portanto, não há alegria maior que ter um

horizonte sempre cambiante, cada dia com um novo e

diferente Sol.

Alex McCandless

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RESUMO O presente trabalho tem como objetivo estudar de que forma o Jornalismo Literário contribuiu para o Jornalismo de Aventura. Para isso, será realizada uma viagem pela história do jornalismo e da literatura até chegarmos à construção deste gênero. No caminho, levantaremos os pontos concomitantes e distintos entre os dois assuntos. Este estudo também levantará características do Jornalismo de Aventura para poder identificá-las no objeto de estudo da pesquisa. O elemento base para este estudo é a obra Na Estrada do Everest: Um trekking pelo Himalaia, de Airton Ortiz. O escritor é considerado um dos pioneiros da prática do gênero do Jornalismo de Aventura. Deste gênero. A relação entre os capítulos será apresentada por meio da metodologia de Análise de Conteúdo, que ao final será possível responder as hipóteses elencadas para este estudo acadêmico, com o levantamento de inferências.

Palavras-chave: Jornalismo Literário; Jornalismo de Aventura; Livro-Reportagem; Airton Ortiz; Everest.

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ABSTRACT

The fallowing monograph studies how Literary Journalism contributed to the Adventure Journalism. For this, we will be take a trip through the history of Journalism and Literature will be held until we get in the building of this genre. On the way, we will rise concomitant points and distinct between the two subjects. This study also raise Adventure Journalism characteristics to be able to identify them in the research object of study. The element base for this study is the book Na Estrada do Everest: Um Trekking pelo Himalaia, by Airton Ortiz. The writer is considered one of the pioneers of the practice of Adventure Journalism genre. The relationship between chapters will be presented through content analysis methodology, which at the end will be possible to answer the assumptions listed for this academic study, with the lifting inferences.

Key words: Literary Journalism; Adventure Journalism; Book-reporting; Airton Ortiz; Everest.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 11

2 A VIAGEM DO JORNALISMO E DA LITERATURA .............................. 15

2.1 UM ANTIGO PASSAGEIRO: O GÊNERO .............................................. 17

2.2 VIAGEM NO TEMPO... .............. ............................................................. 19

2.2.1 Folhetim ................................................................................................. 21

2.2.2 Crônica ................................................................................................... 22

2.3 NEW JOURNALISM ................................................................................ 27

2.3.1 Revista Realidade .................................................................................. 32

2.4 LIVRO-REPORTAGEM ........................................................................... 34

3 JORNALISMO DE AVENTURA .............................................................. 38

3.1 PREPARATIVOS DA AVENTURA: HISTÓRIAS DE INSPIRAÇÃO ........ 38

3.2 A NARRATIVA DA AVENTURA .............................................................. 41

3.3 MÃO NA ROCHA: CONCEITO................................................................ 46

3.3.1 Turismo .................................................................................................. 46

3.3.2 Viagem .................................................................................................... 47

3.3.3 Aventura ................................................................................................. 50

3.3.4 Turismo de aventura ............................................................................. 51

3.4 EM BUSCA DO CUME: JORNALISMO DE AVENTURA ........................ 53

4 O GRANDE AVENTUREIRO .................................................................. 57

4.1 AVENTURAS........................................................................................... 61

4.2 O MAPA .................................................................................................. 72

5 PERCEPÇÕES NA VOLTA DA JORNADA ........................................... 76

5.1 METODOLOGIA: TÉCNICAS DA AVENTURA ....................................... 76

5.2 PRÉ-ANÁLISE: A PREPARAÇÃO ........................................................... 81

5.3 ANÁLISE: O RAPEL ................................................................................ 83

5.3.1 O Everest ................................................................................................ 82

5.3.2 A constituição do corpus ..................................................................... 83

5.3.3 Análise de conteúdo ............................................................................. 85

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5.3.3.1 Nepal ....................................................................................................... 86

5.3.3.1.1 Katmandu ............................................................................................... 86

5.3.3.1.2 Safári ....................................................................................................... 92

5.3.3.1.3 Pashupatinath.......................................................................................... 97

5.3.3.2 Himalaia ................................................................................................ 100

5.3.3.2.1 A Estrada do Everest ............................................................................. 101

5.3.3.2.2 Diário de Ortiz........................................................................................ 102

5.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS: INFERÊNCIAS ................................... 118

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 121

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 126

ANEXO A – PROJETO MONOGRÁFICO EM CD ................................................. 132

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1 INTRODUÇÃO

Somos constantemente desafiados a superar nossas metas e objetivos para

cumprir tarefas diárias, pessoais ou profissionais. Alguns vão além, preferem testar

seus limites por meio de aventuras em plena natureza. Há os ousados, que buscam

lugares remotos para se desafiar e paralelamente se integram ao meio, adquirindo

conhecimento sobre a cultura, tradição e história do local. Muitos, depois de

experimentar a aventura e ter alcançado a plenitude, não querem mais parar. Há,

ainda, aqueles que gostam de compartilhar a experiência por meio da escrita de livros.

Assim, surgem os repórteres de aventura, para a alegria daqueles que, embora

motivados pela busca da aventura, preferem se arriscar por meio dos livros, viajar com

o escritor página por página.

Na busca por enaltecer e esclarecer a relação do Jornalismo de Aventura com

a literatura e o jornalismo, esta monografia tem como objeto de estudo a obra Na

Estrada do Everest: Trekking no Himalaia, de Airton Ortiz, com a primeira versão

publicada em 2000, e a segunda, que será utilizada neste trabalho, em 2007, ambas

pela editora Record. Desta forma, o tema do presente estudo acadêmico é: “Airton

Ortiz e o Jornalismo de Aventura”. Dentro deste tema, delimitou-se: “Jornalismo de

Aventura numa escalada do Everest”. A partir disto, constitui-se o trabalho

monográfico intitulado A Escalada de Airton Ortiz: A proximidade do Jornalismo e da

Literatura e Livros de Aventura.

Essa pesquisa pretende unir um tema, já conhecido e estudado, como o

Jornalismo Literário com um gênero pouco abordado no meio, o Jornalismo de

Aventura. O texto tem uma forma leve, escrito mais solto e estilo de crônica. Porém,

se restringe em apresentar apenas a realidade.

Desde muito cedo, escritores trabalhavam em jornais e revistas, inicialmente

só para escrever crônicas, mas a influência deles foi além do papel. O Jornalismo

Literário está presente em jornais e principalmente em revistas, onde jornalistas

mostram suas particularidades na forma de escrever. Os caminhos entre a literatura

e o jornalismo se cruzam no decorrer da história, entrelaçados por semelhanças e

diferenças entre suas características e funções.

A linguagem é próxima da encontrada em livros, rica em detalhes, que fazem

com que o leitor viaje até o local do acontecimento. Os textos maiores e mais

elaborados não caberiam em pequenas matérias de jornais.

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Airton Ortiz usou destes detalhes para narrar suas aventuras. O seu método

de viagem, que prioriza conhecer a cultura, identidade e região, ao invés de pontos

turísticos, tornando assim a leitura mais rica, com apuração típica de um bom repórter.

O fato de existir poucos estudos sobre o Jornalismo de Aventura aumentou o

interesse pelo assunto nesta obra, uma vez que cresce o número de jornalistas que

buscam aventurar-se por lugares remotos, para, posteriormente, relatar suas

experiências em livros.

Os amantes de esportes radicais, principalmente os escaladores, sonham

com o topo do mundo, o Everest. Alguns se arriscam apenas até o campo base, ponto

de partida da escalada, outros almejam o cume. Assim como nos esportes radicais, o

jornalismo não deixa de ser uma aventura. A busca diária pela notícia, a apuração da

pauta e a entrevista com a fonte é o caminho que deve ser percorrido até o cume, ou

melhor, até ver a matéria publicada.

Em ambos os casos existem desafios a serem enfrentados. Foram essas

provocações que motivaram a escolha deste tema, afinal há pouca pesquisa na área

do Jornalismo de Aventura, sendo este trabalho um verdadeiro desafio para a autora.

Além disso, o amor desde cedo por esportes radicais e aventuras em meio à natureza,

mostram a ligação pessoal da pesquisadora com o trabalho. Por fim, a autora também

se torna um exemplo da força que os livros de viagens têm sobre o leitor, pois muitas

vezes, ela mesma foi motivada a vivenciar a real história relatada em narrativas de

viagens.

Além de explicações sobre o Jornalismo de Aventura, o estudo também

procura características de Jornalismo Literário na obra. Sendo assim, a questão

norteadora pergunta: “qual a relação do jornalismo e da literatura apresentada no

Jornalismo de Aventura na obra Na Estrada do Everest?”.

Para responder à questão deste estudo acadêmico se levantará as seguintes

hipóteses: o autor explora o relato em forma de diário, em primeira pessoa se

aproximando da literatura; o autor apresenta características do New Journalism e

Jornalismo Gonzo; a obra se encaixa como Jornalismo de Aventura, em que a figura

do repórter é também fonte; há a pesquisa documental que dá o suporte ao texto

literário-jornalístico.

Como apoio para esta pesquisa, se utilizará o referencial teórico dos seguintes

autores: Edvaldo Pereira Lima (2004; 2009; 2013; 2014), que tratará das

características do livro-reportagem e do Jornalismo Avançado do Século XXI; Tom

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Wolfe (2005), defendendo sua tese do New Journalism; Felipe Pena (2006), falando

sobre o Jornalismo Literário; Marcelo Magalhães Bulhões (2007), também embasando

o trabalho de forma literária; Renato Mordenell (2009), apresentando dados sobre

narrativas de viagem, e consequentemente, do Jornalismo de Aventura; Michel Onfray

(2009) abordando as teorias de viagens e a influência delas em nossas vidas; John

Swarbrooke et al.(2003), conceituando viagem, turismo e aventura; entre tantos outros

que terão contribuições fundamentais para a construção deste trabalho. A internet

também adquirirá importância no referencial teórico deste estudo, servindo de apoio

em diversos pontos.

Por sua vez, o objetivo geral desta monografia configura-se da seguinte

maneira: encontrar de que forma ocorre a aproximação do jornalismo e da literatura

em relatos de aventura. Já os objetivos específicos são: verificar onde o jornalismo e

a literatura se encontram; identificar a relação com o New Journalism e Gonzo;

observar a imersão no real; identificar traços do Jornalismo de Aventura.

Quanto à metodologia, esta monografia irá realizar um estudo de caso

hipotético-dedutivo de forma qualitativa. O método será a Análise de Conteúdo, que

para Laurece Bardin (2004) refere-se a um dos métodos destinado à investigação de

fenômenos simbólicos por meio de várias técnicas de pesquisa. Para Krippendorff1,

este método é uma técnica de investigação que se destina a formular a partir de certos

dados, inferências que podem se aplicar ao contexto. Este método tem como objetivo

o levantamento de inferências, que Bardin (2004) defende ser a operação lógica

destinada a extrair conhecimentos sobre os aspectos latentes da mensagem

analisada.

Também vale destacar que o formato deste trabalho terá breves traços

literários, apresentando uma história que levará o leitor a uma viagem paralela aos

caminhos da pesquisa. Esta técnica será inspirada na tese de doutorado de Renato

Mordenell, defendida em 2009.

Para se alcançar uma pesquisa satisfatória, se percorrerá um caminho em

capítulos.

O capítulo 2 abordará os encontros e desencontros do jornalismo e da

literatura na formação do Jornalismo Literário. Para isso, iremos viajar na história do

gênero e nas características da literatura e do jornalismo. Também se contemplará as

1 1990 apud FONSECA JÚNIOR, 2005, p. 280.

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especificidades do New Journalism e do Gonzo. Por fim, o capítulo discorrerá sobre o

livro-reportagem.

Já o capítulo 3 tratará sobre o Jornalismo de Aventura. Embora pouco

estudado, contaremos a história das narrativas de viagens que nos cercam desde a

antiguidade. Após, apresentaremos os conceitos de turismo, viagem e aventura,

fundamentais para entender o contexto do estudo. Por fim, elencaremos o conceito

do Jornalismo de Aventura que servirá de base para a análise deste trabalho.

O capítulo 4 apresentará a biografia de Airton Ortiz, um dos pioneiros do

Jornalismo de Aventura no Brasil. Além da história do autor, também falaremos de

forma breve sobre os 19 livros do escritor. No último subcapítulo, resumiremos a obra

que será estudada nesta pesquisa.

O capítulo 5 será dedicado para a análise. Depois de descrita a metodologia

que utilizaremos, entraremos no subcapítulo da pré-análise, que apresentará os

elementos que compõem o livro e também se explicará o local onde o enredo se

desenvolve. Após, chegaremos na análise, em que serão mostradas partes da obra

mescladas com teorias deixando claro o que cada ponto representa. Por fim, após a

análise serão levantas inferências concomitantemente. Além de validar as hipóteses

e cumprir os objetivos, poderá se levantar uma lista de características do Jornalismo

de Aventura. Desta forma, será possível responder satisfatoriamente à questão

norteadora desta pesquisa.

Assim, este estudo acadêmico pretenderá disseminar o Jornalismo Aventura

e a sua importância no incentivo da leitura. Buscará mostrar a relevância desta

pesquisa na ampliação do conhecimento desta área do jornalismo. Além disso,

exaltará a importância do Jornalismo Literário para o livro-reportagem cativar o leitor.

Também valorizará um dos pioneiros na prática do Jornalismo de Aventura, Airton

Ortiz, que está na ativa à procura de novas histórias em lugares remotos para

compartilhar com o público por meio de seus livros.

Sendo assim, logo iniciaremos a nossa aventura e buscaremos tornar essa

viagem a mais prazerosa possível. A passagem de trem já está comprada e chegou a

hora de partir. Aos que aqui embarcam, boa viagem.

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2 A VIAGEM DO JORNALISMO E DA LITERATURA

O trem já está partindo. É melhor escolher uma poltrona confortável, pois a

viagem vai começar. Na verdade, pode-se dizer que ela já começou, quando a

literatura e o jornalismo se encontraram.

A apresentação da obra Literatura e Jornalismo, de José Domingos de Brito

(2007), é de Carlos Heitor Cony. Ele é quem defende que o jornalismo e a literatura

se distinguem por uma expressão datada. Para Cony, o gênero próximo que unia os

dois eram as palavras que despertavam emoções e apelos à razão, porém a diferença

é o tempo – um escreveu para o dia e o outro para sempre.

Para Carlos Ribeiro, na obra organizada por Brito (2007), os princípios básicos

do jornalismo, como a objetividade, a clareza e a concisão, são referências

importantes também no texto literário.

O escritor Moacyr Scliar, no ensaio Jornalismo e Literatura: a fértil

convivência, presente na obra de Castro e Galeano, faz uma reflexão sobre o tema

desde que começou a escrever crônicas em jornal. Scliar lembra que, no passado, os

autores escreviam sem objetividade e que o jornalismo ensinou isso aos escritores.

Assim, a literatura pode mostrar algo ao jornalismo e vice-versa. A literatura ensina a

privilegiar a imaginação – mas não demais: “realidade é realidade, ficção é ficção”.

(CASTRO; GALEANO, 2005, p. 14).

Mas nem todos pensam que um complementa o outro. Gabriel García

Márquez na coletânea de Brito (2007) defende que o escritor, na criação literária,

concede-se uma liberdade desconhecida no jornalismo. Mesmo pensamento de

Gisela Campos, presente na obra referida, quando afirma que a vocação do jornalista

é mostrar a verdade, já a do escritor é construir um universo próprio.

Juremir Machado da Silva, em O que escrever quer calar? Literatura e

Jornalismo mostra que o jornalismo tem pouca ligação com a literatura. “A literatura é

uma forma de dizer o mesmo com outras palavras. O jornalismo é um conteúdo dito

de forma que se perca o mínimo”. (CASTRO; GALEANO, 2005, p. 50).

Manuel Ángel Várquez Medel, no ensaio Discurso literário e discurso

jornalístico: convergências e divergências, inicialmente segue a mesma linha de

pensamento, quando apresenta um resgate histórico e diz que jornalismo e a literatura

não têm ligação. “Jornalismo e literatura são práticas discursivas verbais que mantêm

um falso contencioso baseado no prestígio de uma ou outra atividade que, apesar dos

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elementos comuns, mantêm técnicas diferenciadas.” (CASTRO; GALEANO, 2005, p.

16). Porém, logo depois, Medel (2005) mostra que com o tempo e, principalmente,

com o surgimento do New Journalism, a literatura e o jornalismo romperam fronteiras

de modo que permitiu um importante impulso às formas de escrita literária que adotam

a retórica do jornalismo. Mas isso já é outra viagem que será contada mais para frente.

O jornalista Bernardo Ajzenberg segue a linha de pensamento de que o

jornalismo e a literatura não andam juntos, para ele cada um segue uma viagem

diferente. Um tem os pés no chão e o outro voa como os pássaros ou corre junto ao

rio. “O jornalista fere no peito o escritor. O escritor repele o jornalista, por esmagá-lo,

por obrigá-lo a renascer quase sempre de um mesmo patamar.” (CASTRO;

GALEANO, 2005, p. 55). Ajzenberg reforça o mesmo pensamento na obra de José

Domingos de Brito (2007), quando afirma que os escritos podem ser esmagados pelo

jornalista, pois o jornalismo é uma profissão que requer técnicas e talento e a literatura

é arte, e não tem natureza de ofício. Luiz Ruffato em seu depoimento presente na obra

de Brito (2007) está de acordo com Ajzenberg, também defendendo que o jornalismo

é uma profissão e a literatura uma necessidade de expressar uma visão de mundo.

Florence Dravet, em Palavras inconsideradas na lagoa do conhecimento,

reafirma a ideia de Ajzenberg, porém faz uma crítica ao jornalismo e vê a literatura

como a salvação da escrita. “O certo é que a literatura é a esperança da comunicação,

para a qual é necessário que se eduquem não só os futuros jornalistas, mas os

leitores”. (CASTRO; GALEANO, 2005, p. 89).

No artigo Jornalismo: namoros com a literatura, de Nanami Sato, a

pesquisadora também faz comparações entre os dois e afirma que, se a obra literária

organiza as experiências e se é ampliada e enriquecida pela imaginação, “o texto

jornalístico é, em geral, empobrecedor perante o real imediato, pois deixa poucas

zonas indeterminadas para o leitor preencher”. (SATO, 2001, p. 79).

Embora muitas vezes os caminhos do jornalismo e da literatura sejam

diferentes, em algumas partes do percurso eles podem andar juntos. Segundo

Bernardo Carvalho, na obra de Brito (2007), a experiência do jornalismo o ajudou na

literatura. No mesmo livro, Carlos Herculano Lopes diz que não dá para confundir os

dois, embora eles possam andar e se ajudar ao mesmo tempo, como companheiros

de viagem.

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Iguais ou não, a questão é que um precisa do outro, para surgir assim, o

Jornalismo Literário. Felipe Pena (2006), em Jornalismo Literário, denomina o assunto

como “Literatura de Realidade” e “Literatura de Não-ficção”, e afirma que, além de

jornalistas e escritores, historiadores e cientistas sociais podem praticar.

O próprio conceito de Jornalismo Literário, que é caracterizado como uma modalidade de prática da reportagem de profundidade e do ensaio jornalístico utilizando recursos de observação e redação originários da (ou inspirados pela) Literatura. Traços básicos: imersão do repórter na realidade, voz autoral, estilo, precisão de dados e informações, uso de símbolos (inclusive metáforas), digressão e humanização. (PENA, 2006, p. 105).

Na mesma obra, Pena (2006) menciona as características do texto de

Jornalismo Literário, como o apuro na linguagem e na estética, privilegiando a

observação sensível dos fatos. “O texto literário pressupõe um compromisso com a

qualidade, já que permite a incorporação de elementos subjetivos e figuras simbólicas,

deslocando a linguagem do viés de mero instrumento para o centro das

preocupações”. (PENA 2006, p. 176).

Ainda bem que essa viagem será longa, pois esse assunto vai longe. Sorte

daqueles escritores ou jornalistas que conseguem unir esses dois viajantes. Piui! O

trem está apitando e a próxima estação está se aproximando.

2.1 UM ANTIGO PASSAGEIRO: O GÊNERO

De tanto falar em jornalismo e literatura, o gênero também resolveu embarcar

nesta viagem. O professor Felipe Pena aproveita para apresentar esse viajante nato,

que faz parte da história e da vida dos pesquisadores. Segundo Pena (2005), a

definição de gêneros vem desde a Grécia Antiga, há quase três milhões de anos, com

a classificação proposta por Platão, baseada nas relações entre literatura e realidade,

dividindo o discurso em mimético, expositivo ou misto. “Seu objetivo é fornecer um

mapa para análise de estratégias do discurso, tipologias, funções, utilidades e outras

categorias”. (PENA, 2005, p. 27).

Porém, no jornalismo, o responsável por essa classificação foi Samuel

Buckeley, no começo do século XVIII, com a separação do conteúdo do jornal Daily

Courant em notícias e comentários. Mas ainda há dúvidas sobre esse viajante, essa

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divisão levou quase 200 anos para ser efetivamente aplicada pelos jornalistas e, até

hoje, causa divergências.

No Brasil, os pioneiros do estudo foram Luiz Beltrão e José Marques de Melo.

Segundo Pena (2005), Melo baseou-se nos critérios da finalidade do texto, estilo,

modos de escrita, articulações interculturais, natureza do tema e da tropicalidade.

Ao longo da história, muitos estudiosos buscaram definir o Jornalismo Literário

como um gênero específico. Porém, para Felipe Pena, no artigo O Jornalismo Literário

como gênero e conceito, se o princípio básico é o da transformação e da

transitoriedade, a missão torna-se impossível. Sendo a única solução, a proposta de

uma aproximação conceitual, identificando subdivisões possíveis de acordo com o

momento histórico.

Ainda conforme Pena, no Brasil, o Jornalismo Literário é classificado de

diferentes formas. Alguns autores dizem que se trata do período da história do

jornalismo, parte do século XIX, quando escritores assumiram as funções de editores,

cronistas ou autores de folhetins. Outros identificam o conceito com o New Journalism,

iniciado nas redações americanas na década de 1960. E outros incluem as biografias,

romances-reportagens e até a ficção-jornalística.

Assim, defino Jornalismo Literário como linguagem musical de transformação expressiva e informacional. Ao juntar os elementos presentes em dois gêneros diferentes, transforma-os permanentemente em seus domínios específicos, além de formar um terceiro gênero, que também segue pelo inevitável caminho da infinita metamorfose. Não se trata da dicotomia ficção ou verdade, mas sim de uma verossimilhança possível. Não se trata da oposição entre informar ou entreter, mas sim de uma atitude narrativa em que ambos estão misturados. Não se trata nem de jornalismo, nem de literatura, mas sim de melodia. (PENA, 2006, p. 21).

Não podemos esquecer que o escritor Alceu Amoroso Lima apresentou uma

proposta para classificar o jornalismo como gênero literário. No livro O Jornalismo

como Gênero Literário, ele exemplifica que os textos de jornalismo e de literatura

possuem mais semelhanças que diferenças e não se apegam somente ao gênero, por

si só. “Os jornais se aproximam hoje das revistas, e as revistas dos livros. E com isso

se transformam, cada vez mais, em instrumentos de um autêntico gênero literário”.

(1990, p. 23).

Segundo Alceu Amoroso Lima (1990), o gênero literário é um tipo de

construção estética determinada por um conjunto de disposições de normas objetivas

a que toda composição deve obedecer, em que se distribuem obras segundo as suas

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afinidades intrínsecas e extrínsecas. O autor esclarece que quando o jornalismo

utiliza a palavra como simples utilidade, não é literatura.

Ainda sobre a teoria de Alceu Amoroso Lima (1990), o jornalismo, como

gênero literário, deve ser uma arte, uma atividade livre do nosso espírito no sentido

de fazer bem alguma obra. Ou seja, essa obra para ser arte estética, não apenas arte

mecânica, deve fazer do seu modo de expressão. "O que faz o gênero jornalismo não

é o meio da expressão, é o modo da expressão, é a natureza da expressão”.

(AMOROSO LIMA, 1990, p. 56).

Em meio a essa aventura do jornalismo e da literatura, pode-se chamar os

dois como gêneros complementares. Embora Alceu Amoroso Lima distinga o

jornalismo como gênero literário e Felipe Pena defenda a união de ambos, a

quantidade de influências que os dois estilos se submeteram nessas décadas dificulta

a reconstrução da trajetória de ambos.

2.2 VIAGEM NO TEMPO

Já que começamos a falar em história, vamos relembrar o começo dessa

aventura. A viagem do Jornalismo Literário começou há muito tempo. Há quem diga

que começou como gênero literário, ou melhor, dentro dos jornais, quando eram

folhetins contidos nos jornais, publicando os romances em capítulos. Mas antes de

entender como os dois se encontraram, vamos conhecer como nasceu cada um.

Segundo Felipe Pena, (2006), não há consenso sobre a origem do jornalismo,

para alguns ele começou na Pré-história, junto com primeira comunicação humana.

Outros afirmam que o jornalismo nasceu entre os séculos XVIII e XIX, quando suas

características foram identificadas, tais como periodicidade, publicidade,

universalidade.

Fagundes Menezes fala sobre o assunto no primeiro capítulo do livro,

Jornalismo e Literatura: Fronteiras. O autor faz um resgate histórico do jornalismo e,

também, afirma que começou quando o homem aprendeu a escrever. Menezes (1997)

lembra que as atas diárias dos acontecimentos dos romanos, por volta de 50 a.C. é

uma das publicações mais antigas. Era época de Júlio César, e as atas são

consideradas o primeiro jornal de que se têm notícias.

Ao falarmos da história do jornalismo, não podemos deixar de mencionar que,

em 1436, Gutemberg inventou a imprensa e, nos séculos XVI e XVII, o jornal epistolar

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foi uma espécie de precursor das futuras empresas jornalísticas. Conforme a pesquisa

de Menezes, o primeiro jornal impresso apareceu em 1605, em Antuérpia, o Nieuwe

Tjdinghen.

Héris Arnt (2001) lembra que os primeiros impressos que foram aceitos

verdadeiramente como jornais surgiram apenas no século XVII. As primeiras notícias

manuscritas e, posteriormente, impressas devem ser vistas como os antecessores

dos jornais, por serem meios de informações, opinativos e interpretativos. Esse longo

período, entre o surgimento da tipografia e da imprensa, deu-se porque nenhum jornal

podia ser publicado sem licença das autoridades.

No Brasil não foi diferente, no período colonial, nem livros procedentes da

Europa podiam entrar no país. Somente no final do século XVIII começaram as

importações de livros. Gráficas continuaram sendo proibidas no Brasil. Até início do

século XIX, nem pequenas tipografias para a impressão de letras de câmbio ou

orações eram permitidas.

Em 1808, por iniciativa do governo português, apareceu imprensa no Brasil.

Dia 10 de setembro daquele ano foi impresso o primeiro número da Gazeta do Rio de

Janeiro, em uma gráfica que, até então, era exclusiva do Real Serviço. Porém, antes

da Gazeta, havia surgido em Londres, dia 1º de junho de 1808, o Correio Brasiliense,

fundado por Hipólito José da Costa. Alguns afirmam que esse foi o real marco inicial

do jornalismo.

Segundo Menezes (1997), mesmo com o passar dos anos, a notícia sempre

continuou sendo a principal razão da existência dos jornais, mas eles se veem na

obrigação de constantes modificações. Menezes completa o pensamento afirmando

que “o público procura o jornal no que diz respeito, quando nada, aos grandes

acontecimentos, para complementar aquilo que já lhe foi, de maneira rápida e sumária,

fornecido pelo rádio e pela televisão”. (MENEZES, 1997, p. 17).

E foi no meio dessa história que o jornalismo e a literatura resolveram se

encontrar. No livro Jornalismo Literário, Felipe Pena mostra a classificação de

Marcondes Filho sobre o tema e afirma que a influência da literatura na imprensa

estava presente nos séculos XVIII e XIX, quando escritores de prestígio tomaram

conta dos jornais e descobriram a força do novo espaço público. “Não apenas no

comando as redações, mas, principalmente, determinando a linguagem e o conteúdo

dos jornais”. (PENA, 2006, p. 28).

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Quando Menezes fala sobre literatura ele cita Alceu Amoroso Lima, que

considera o jornalismo como um gênero literário. Menezes lembra que “o jornalismo é

transmissão de informação com exatidão, penetração e rapidez, numa forma que sirva

à verdade, e leve ao conhecimento de muitos, aquilo que é certo e evidente a poucos.”

(1997, p. 18). O autor, também, cita Antônio Olinto, afirmando que o jornalismo já foi

chamado de literatura sob pressão.

Segundo Menezes, para o público se sensibilizar ante a notícia, é preciso que

o estilo jornalístico seja, tanto quanto possível, agradável e atraente. Ou seja, para

tornar o texto mais “leve” deve haver inspiração na literatura.

Antes de finalizar, o autor lembra algumas diferenças entre os dois, como a

literatura sendo a transposição do real, já o jornalismo é a realidade em si mesma.

Enquanto o escritor cria e expressa seus próprios sentimentos, o jornalista comunica

os sentimentos e reivindicações da comunidade.

Mesmo assim, o autor conclui que não há uma fronteira entre o jornalismo e

a literatura, mas que “o jornalismo tem contribuído para que muitos escritores

aprimorem seu estilo, adquirindo um aperfeiçoamento artesanal traduzindo na

contenção, na sobriedade, no equilíbrio”. (MENEZES, 1997, p. 22).

2.2.1 Folhetim

O termo francês feuilleton apareceu pela primeira vez no Journal des Débats,

sendo um suplemento dedicado à crítica literária. Mas, a partir das décadas de 1830

e 1840, mudou o conceito e passou a ser incorporado à nova lógica capitalista. Nesta

época, notou-se que as publicações de narrativas literárias em jornais proporcionavam

um significativo aumento nas vendas.

Assim, o folhetim passou a ser escrito para um público de todas as classes,

com uma linguagem mais simples e acessível. As histórias eram de adultérios, amores

impossíveis e aventuras, com o objetivo da lágrima melodramática e o riso. Conforme

Marcelo Bulhões, em Jornalismo e Literatura em Convergência, o folhetim será a

matriz primordial das narrativas seriadas de consumo em massa, o que compreenderá

no século XX a fotonovela, o cinema narrativo e a teledramaturgia. (2007, p. 32).

Segundo Pena (2006), no Brasil, o folhetim não era diferente, embora o tema

fosse confundido com crônica em algumas ocasiões. Um dos primeiros a se aventurar

no estilo de folhetim foi Manuel Antônio de Almeida, em 1852, com Memórias de um

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sargento de milícias, publicado no Correio Mercantil. Mas, não podemos deixar de

citar outros aventureiros deste ramo, como Joaquim Manoel de Macedo, Machado de

Assis, Raul Pompéia, Aloísio de Azevedo, Euclides da Cunha, José de Alencar e

Visconde de Taunay. “Apesar das críticas à sua estrutura popularesca, o folhetim

democratizou a cultura, possibilitando o acesso do grande público à literatura e

multiplicando o número de obras publicadas”. (PENA, 2006, p. 31).

Nelson Werneck Sodré, na obra História da imprensa no Brasil, conta que o

sucesso do folhetim ocorreu em 1857, com a publicação de O Guarani, despertando

enorme interesse para a época e, em 1860, com o lançamento de A Viuvinha.

Foi assim, no século XIX, que a influência da literatura no jornalismo tornou-

se mais visível. Com o alto preço dos livros, os leitores podiam ler romances em

capítulos na imprensa diária, fazendo com que os jornais também faturassem. “Era

preciso cativar o leitor e fazê-lo comprar o jornal no dia seguinte. E, para isso, seria

necessário inventar um novo gênero literário: o folhetim”. (PENA, 2006, p 32).

Mas, com a virada do século, a presença da literatura nos jornais começou a

diminuir. Na década de 1950, com as transformações estilísticas e gráficas dos jornais,

a objetividade e a concisão substituíram as belas narrativas. Assim, a literatura passa

a ser apenas um suplemento. Por fim, surgem os cadernos literários na imprensa.

2.2.2 Crônica

Como mencionado, o folhetim muitas vezes era confundido com a crônica.

Então, já que resolvemos voltar no tempo, vamos voltar mais um pouco para falarmos

sobre a crônica. Voltaremos para a época em que o Brasil foi descoberto, em 1500.

Jorge de Sá (1997) começa o livro A Crônica, afirmando que a carta de Pero Vaz de

Caminha a El rei D. Manuel é uma crônica, embora ainda debata-se o fato da carta

inaugurar o nosso processo literário, não há dúvidas que ela tenha um formato de

crônica.

No texto de Caminha, ele recria e registra todo o contato direto com os índios

e seus costumes, naquele instante de confronto entre a cultura europeia e a cultura

primitiva. O relato é fiel às circunstâncias, assim o leitor pode viajar no tempo e

entender o cotidiano e os costumes. “A observação direta é o ponto de partida para

que o narrador possa registrar os fatos de tal maneira que mesmo os mais efêmeros

ganhem uma certa concretude”. (SÁ, 1997, p. 6).

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Sendo assim, Caminha estabeleceu o registro circunstancial como o princípio

básico da crônica. O registro é feito por um narrador-repórter, que relata um fato não

mais a um só receptor, porém para muitos leitores.

Antes de continuarmos, cabe uma explicação sobre os termos “folhetim” e

“crônica”. No século XIX, esses dois termos são usados indistintamente para designar

o que hoje classificamos como crônica. Na época, José de Alencar referia-se às

crônicas no Correio Mercantil, chamando de “folhetim da semana”, e abordava a vida

política e cultural na Corte.

O termo folhetim designa, também, a seção do jornal que vem ao pé da página, separando do corpo das matérias, contendo assuntos diversos, crônicas e folhetins, propriamente ditos – isto é, os romances feitos especificamente para serem publicados em capítulos. (ARNT, 2001, p. 16-17).

Sá faz um resgate da história da crônica. Ele lembra que, no tempo de Paulo

Barreto (1881 – 1921), a crônica era apenas uma seção informativa, um rodapé onde

eram publicados pequenos contos, artigos, ensaios, poemas que pudessem informar

o leitor. Na mesma época, João do Rio mudou a linguagem e a estrutura do folhetim,

colocando mais sentimento e uma roupagem “literária” ao texto, que, tempos depois,

deixou de ser um registro formal e tornou-se um comentário do acontecimento que

poderia ser considerado apenas o imaginário do cronista. “Quem narra uma crônica é

o seu autor mesmo, e tudo o que ele diz parece ter acontecido de fato, como se nós,

leitores, estivéssemos diante de uma reportagem”. (SÁ, 1997, p.9).

Sá (1997) encerra a obra fazendo uma reflexão da vida útil da crônica, tanto

quando publicada em jornal como em livro. “No momento em que a crônica passa do

jornal para o livro, temos a sensação de que ela superou a transitoriedade e se tornou

eterna”. (SÁ, 1997, p.85).

O escritor José Marques de Melo, no ensaio A Crônica, presente na obra

Jornalismo e Literatura: A sedução da Palavra, segue o mesmo pensamento sobre a

carta de Caminha. Para Melo, os primeiros textos históricos são narrações de

acontecimentos, feitas por ordem cronológica desde Heródoto e César à Zurara e

Caminha. “A atividade dos ‘cronistas’ vai estabelecer a fronteira entre a Logografia –

registro de fatos, mesclados com lendas e mitos – e a história narrativa”. (CASTRO;

GALEANO, 2002, p; 139).

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Para Melo, a crônica é um texto primário, produzido por espectadores

privilegiados – os viajantes ou epistológrafos – que traduzem para leitores distantes

suas impressões de paisagens e de pessoas que conheceram. Assim, o cronista, ao

relatar algo, nos dá sua versão do acontecimento e sua visão a partir de sua bagagem

pessoal.

Na introdução da obra Antologia de crônicas: crônica brasileira

contemporânea, o organizador Manuel da Costa Pinto lembra que o gênero não foi

inventado no Brasil, mas conquistou público e tornou-se a principal porta de entrada

para literatura.

A crônica é praticada na imprensa americana e europeia desde o século

passado, sendo caracterizado como um gênero jornalístico. Porém, José Marques de

Melo traz uma pesquisa para afirmar que a crônica, no jornalismo hispano-americano,

configura-se como um gênero informativo, enquanto no luso-brasileiro tem uma

fisionomia de gênero opinativo. “Se a reportagem reproduz a vivência pessoal do

jornalista, a crônica transmite a reação pessoal”. (CASTRO; GALEANO, 2002, p. 151).

Melo afirma, ainda, que, embora haja uma proximidade da crônica em relação

à literatura, nem sempre lhe confere o mesmo status dos gêneros literários como o

romance, o conto ou o poema, seria como “um gênero literário menor”. Ou melhor,

Melo define a crônica com um gênero do jornalismo contemporâneo, cujas raízes

localizam-se na história e na literatura, constituindo suas primeiras expressões

escritas.

Pinto também defende que a crônica não se enquadra na divisão clássica dos

gêneros, mas sim, corresponde a um gênero que dá cor e forma às miudezas da vida

cotidiana. “Sua matéria-prima são os fatos do dia a dia, as notícias curiosas, acasos

e encontros muitas vezes surpreendentes, mas que podem ocorrer com qualquer um,

acontecimentos que propiciam momentos de nostalgia, enternecimento ou

indignação”. (PINTO, 2005, p. 8).

O autor também conta que embora a crônica não seja derivada dos antigos

gêneros, ela tem dois antecedentes históricos: o ensaio e o familiar essay, gênero de

comentário e devaneio pessoal.

Pinto lembra que o apogeu do gênero ocorreu a partir dos anos 1950 e 1960,

com cronistas como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende,

Nelson Rodrigues e Fernando Sabino. “Quase todos eram simultaneamente cronistas

que escreviam regularmente em jornais ou revistas e escritores que praticam outros

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gêneros literários.” (PINTO, 2005, p. 11). Ou seja, na conclusão do autor, é um campo

textual próprio, que oferece possibilidades expressivas que nenhum outro gênero

proporciona.

Segundo Antônio Candido (1992), na obra A Crônica: O Gênero, sua fixação

e suas transformações no Brasil, a crônica, ao longo do tempo, foi deixando de ser

um texto com a intenção de informar e comentar para se tornar um meio de divertir,

com uma linguagem mais leve e descompromissada.

Bulhões (2007) segue o mesmo pensamento lembrando que, desde a década

de 1930, quando a crônica se consagrou nas páginas dos jornais, ela funcionava como

um recanto destinado a arejar o peso da folha diária. “O tom da crônica seria, pois, o

da descontração, da leveza e do descompromisso, mesmo quando lança um olhar

para o mais terrível e urgente dos acontecimentos da atualidade”. (BULHÕES, 2007,

p. 48).

Antônio Olinto (2008) afirma que embora as crônicas, artigos, editoriais façam

parte de um jornal, não é essencialmente jornalismo. Mas, lembra que “no tempo em

que não havia jornal, os cronistas de uma determinada época, de um fato, faziam

jornalismo, isso é, registravam o que, num determinado tempo e lugar, agitaram o

espírito de uma comunidade”. (OLINTO, 2008, p. 31).

Na introdução de Sergio Vilas Boas (2007), na obra Literatura e Jornalismo,

organizada por José Domingo de Brito, ele aponta que o Jornalismo Literário é o

casamento dos métodos de reportar (jornalísticos) com as técnicas de expressão

(literária), assim formam um par prolífico. Para ele, o Jornalismo Literário nem sempre

se apresenta em forma de crônica, por isso permite liberdades ficcionais. Porém, o

Jornalismo Literário é o casamento entre o “jornalismo narrativo”, “literatura realidade”,

“reportagem autoral”, “creative nonficiton”. Assim, podemos dizer “que a genuína

índole do Jornalismo Literário seria fazer com que conteúdo e forma sejam parceiros

da mesma aventura, como são na boa literatura de ficção”. (BOAS, 2007, p. 24).

Durante esse resgate histórico, podemos notar alguns aspectos em que a

literatura influenciou o jornalismo, como a crônica, que ficou de herança, conforme

defende Héris Arnt. (2001, p.14). Além disso, a presença de “escritores no jornalismo

propiciou a gestação de um tipo de jornal mais variado e um olhar mais sutil sobre a

sociedade, lançando as bases do jornalismo que se tornaria dominante no século XX

– informativo e atraente”. (ARNT, 2001, p.13).

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Dentre tantos, não podemos deixar de citar José de Alencar, que deixou sua

marca no gênero. João Roberto Faria (1992) lembra que o escritor iniciou a carreira

literária como folhetinista, no Correio Mercantil. Entre setembro de 1854 e julho de

1855, ele escreveu a primeira série dos folhetins semanais intitulados Ao correr da

pena. O prestígio conquistado rendeu trabalhos e cargos em outros jornais, como o

Diário do Rio de Janeiro.

Machado de Assis também é considerado um dos grandes nomes na área.

Sonia Brayner (1992) conta que em 1859, aos 20 anos, o autor iniciava a longa

trajetória de folhetinista, na revista O espelho.

Pode-se dizer que, José de Alencar e Machado de Assis são considerados os

verdadeiros introdutores da crônica nos jornais do Brasil.

A diferença entre José de Alencar e Machado de Assis é que o primeiro se envolve no brilho das aparências da sociedade da época; o segundo, por sua vez, retrata os mesmos ambientes e tipos, contudo levanta o tênue verniz que encobre a essência deles, e analisa a sociedade atentamente, jogando sobre ela um olhar irônico e crítico. (ARNT, 2001, p. 49).

Arnt (2001) afirma ainda que a primeira fase do Jornalismo Literário foi

marcada pela presença de José de Alencar e a última, dominada pela figura inconteste

de Machado de Assis. A influência dos escritores foi significativa até o início do século

XX, quando começou a diminuir, deixando a crônica de herança desta época. “A morte

de Carlos Drummond de Andrade marca o fim de uma época, a das crônicas de

grandes escritores e poetas: a crônica contemporânea é mais produto de jornalistas-

escritores do que de escritores-cronistas”. (ARNT, 2001, p. 43).

Boas (2007) segue esse mesmo pensamento afirmando que devido à

característica e à história, o Jornalismo Literário voltou a ser, no Brasil, uma alternativa

para a busca por compreensão social. Assim como a literatura realista havia sido no

século XIX, e que foi ela quem soprou vida ao próprio Jornalismo Literário que se

iniciava.

As diversas mudanças ocorridas no jornalismo, desde o seu surgimento,

foram de suma importância para moldar a escrita de hoje, assim como a literatura, que

passou a ter um modelo narrativo próprio, devido ao fato dos escritores terem passado

pela imprensa sem deixar de observar a vida. Arnt chama de literatura realista, do

século XIX, o que hoje conhecemos como Novo Jornalismo.

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2.3 NEW JOURNALISM

Mais uma estação está se aproximando e o trem está parando, mas a história

não. O jornalismo e a literatura voltam a conversar e lembram uma outra viagem, mais

precisamente para os Estados Unidos. Essa aventura ocorreu entre os anos 1960 e

1970, com o surgimento do Novo Jornalismo, ou melhor, New Journalism, como dizem

os norte-americanos.

Nesse trecho da viagem, nosso condutor é o Tom Wolfe, considerado o pai

do New Journalism. Ele detalhou a história na obra Radical Chique, em que conta as

aventuras e as críticas de produzir um estilo de reportagem especial diferente.

Wolfe é um aventureiro considerado radical, que resolveu arriscar-se em uma

nova forma de escrita. Porém, nem ele sabe quem cunhou a expressão “New

Journalism”, nem quando isso exatamente ocorreu. Seymour Krim contou a ele que

ouviu essa expressão sendo usada em 1965, por Pete Hamill, editor do

Nugget,(quando) o chamou e solicitou um artigo com esse nome. O fato pode ser

recente, mas a história é longa.

O autor começa o livro lembrando que, naquela época, qualquer pessoa podia

se tornar um romancista, porém não havia futuro na área para os jornalistas. Ele

acredita que esse foi um dos motivos pelo qual começaram a surgir às reportagens

especiais, ou seja, fazer jornalismo para que pudesse ser lido como um romance. “A

reportagem realmente estilosa era algo com que ninguém sabia lidar, uma vez que

ninguém costumava pensar que a reportagem tinha uma dimensão estética”.

(WOLFE, 2005, p. 22).

Ele contrariou as tradições e técnicas literárias em suas reportagens, usando

uma abordagem mais humanista e detalhista. Assim, o Novo Jornalismo começou a

ganhar força. Além de Wolfe, nomes como Gay Talese e Norman Mailer começavam

a se destacar nesta época.

Wolfe (2005) lembra que, em 1963, ele “entrou” no Novo Jornalismo, mesmo

sem intenção. O que mais deixava o escritor feliz era a possibilidade de escrever

jornalismo ou não-ficção, com técnicas geralmente associadas ao romance, ao conto

ou ao ensaio. Ele poderia usar qualquer recurso literário para excitar tanto o intelectual

como emocional do leitor. “Gostava da ideia de começar uma história deixando o leitor,

via narrador, falar com os personagens, intimidá-los com ironia ou condescendência”.

(WOLFE, 2005, p. 31).

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No capítulo Como um romance o autor conta como o novo jeito de fazer

jornalismo se consolidou, embora não houvesse nenhum movimento sólido ou

manifestações. Exemplos de textos são usados para explicar, comparar e entender

os conceitos do novo estilo, que não surgiu pela via do romance, nem do conto, nem

da poesia, mas pela via do jornalismo.

Segundo o autor, o Novo Jornalismo aprendeu técnicas do realismo como o

imediatismo, realidade concreta, envolvimento emocional e qualidade absorvente ou

fascinante.

Tinham que reunir todo o material que o jornalista convencional procurava – e ir além. Parecia absolutamente importante estar ali quando ocorressem cenas dramáticas, para captar o diálogo, os gestos, as expressões faciais, os detalhes do ambiente. (WOLFE, 2005, p. 37, grifo do autor).

Além disso, Wolfe (2005) apresenta esse poder extraordinário como origem

de quatro recursos: a construção cena a cena, contar a história passando de cena

para cena e recorrendo à narrativa histórica; registrar o diálogo completo; o ponto de

vista da terceira pessoa, ou seja, a técnica de apresentar cada cena ao leitor por

intermédio dos olhos de um personagem dando a sensação de estar na cena, ou “eu

estava lá”; e registro de gestos, hábitos, costumes, entre outros detalhes dos símbolos

do dia a dia, que possam existir dentro de uma cena. “Descobri que coisas como

pontos de exclamação, itálicos, mudanças abruptas (travessões) e síncopes (pontos)

ajudavam a dar a ilusão não só de uma pessoa falando, mas de uma pessoa

pensando”. (WOLFE, 2005, p.39).

Segundo Wolfe (2005), no Novo Jornalismo não há regras em nenhum caso.

Ele exemplifica dizendo que, se o jornalista quer mudar o ponto de vista na mesma

cena, ele simplesmente faz isso.

O autor também compara o início do Novo Jornalismo com o romance.

Comenta as dificuldades e críticas que enfrentou. Para ele, muitos repórteres que

tentam escrever Novo Jornalismo usam o formato autobiográfico – “Eu estava

presente, e foi assim que senti” - precisamente porque isso parece resolver os

problemas técnicos. “O Novo Jornalismo foi muitas vezes qualificado de jornalismo

‘subjetivo’.” (WOLFE, 2005, p.70).

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Ao detalhar a reportagem no Novo Jornalismo, Wolfe supõe que teve início

com a literatura de viagem do final do século XVIII e no começo do XIX, quando muitos

autores pareciam inspirados no sucesso das autobiografias.

Ele finaliza a análise afirmando que, se um repórter fica com uma pessoa ou

um grupo durante bastante tempo, eles – repórter e personagem - desenvolvem um

relacionamento pessoal de algum tipo, mesmo que seja de hostilidade.

Marcelo Bulhões dedica um capítulo do livro Jornalismo e Literatura em

Convergência para falar sobre o assunto. No capítulo A hora e a vez do New

Journalism, Bulhões também defende que o New Journalism não foi um movimento.

Mas, sim,

[...] uma atitude que se processou na fluência de uma prática textual desenvolvida em alguns jornais e revistas americanas, inicialmente com textos das chamadas reportagens especiais publicadas no Esquire e no Herald Tribune, por gente como Jimmy Breslin, Tom Wolfe e Gay Talese, até atingir a configuração de grandes narrativas com feição de romance, nas obras de Truman Capote e Norman Mailer. (BULHÕES, 2007, p. 145).

No mesmo capítulo, Bulhões destaca alguns pontos da história do New

Journalism. Diferente da história contada por Wolfe, Bulhões afirma que, em 1962,

Gay Talese publicou, na revista Esquire, uma reportagem-perfil do ex-boxeador Joe

Louise sendo este texto um dos marcos da nova tendência. “Na reportagem de Talese

já estão desbravados sinais claros da mutação a ser prosseguida, pois a ela

comparecem atributos peculiares aos ficcionistas literários mais envolventes e

agradáveis”. (BULHÕES, 2007, p. 147).

Ainda conforme Bulhões, em 1963, Jimmy Breslin se desafiou com a nova

linguagem. E só depois, Tom Wolfe entraria na história. Mas, de acordo com Bulhões,

Wolfe se atreveu e ousou mais ainda na linguagem, tanto nas técnicas de captação

jornalística quanto no plano da expressão verbal, utilizando travessões, pontos de

exclamações, reticências e mudanças constantes de foco narrativo, em que o narrador

“entra na cabeça” de seus personagens, assumindo sua perspectiva e as marcas da

sua linguagem.

Bulhões (2007) dedica grande parte do capítulo para a obra e a história de

Truman Capote, que, em 1965, lançou A sangre frio. Capote defendia que o seu livro

não pertencia ao jornalismo, mas a um novo gênero desbravado exatamente por ele:

o romance de não-ficção. “Capote queria, pois, escrever uma longa narrativa apoiada

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na prática jornalística, uma narrativa sem fabulações, sem formulações imaginativas,

um “romance jornalístico”. (BULHÕES, 2007, p. 149).

A obra A sangue frio tem detalhes minuciosos, cheios de descrição dos

gestos, ambientes e acontecimentos. Assim, parece que o leitor acompanha de perto

os fatos, como se estivesse dentro da cena. Wolfe apresenta justamente estas

características como sendo do New Journalism, a construção da cena a cena, a

caracterização de um evento narrativo e a presença de diálogos como recursos de

caracterização de personagens.

Bulhões (2007) também destaca que Capote seria o escritor que buscou na

prática jornalística uma nova experiência de realização literária, diferente de Talese,

Breslin e Wolfe, que partiram do jornalismo para chegarem a uma aproximação com

a literatura.

Na obra Páginas Ampliadas, Edvaldo Pereira Lima dedica-se ao New

Journalism, ele defende que o livro-reportagem abrigou, com mais intensidade, o novo

jeito de fazer jornalismo. Ele lembra que Wolfe descobriu

[...] que não há como relatar realidade senão com cor, vivacidade, presença. Isso é, com um mergulho e envolvimento total nos próprios acontecimentos e situações, os jornalistas tentando viver, na pele, as circunstâncias e o clima inerente ao ambiente de seus personagens. Nasce a versão jornalística da observação participante moderna. (LIMA, 2004, p. 122).

Edvaldo Pereira Lima também se dedicou ao assunto no artigo Jornalismo e

Literatura: aproximações, recuos e fusões. O autor usa a fase final da contracultura

dos Estados Unidos, ocorrida entre 1960 e 1970, como pano de fundo para

contextualizar o fato da narrativa no Jornalismo Literário ter alcançado status de um

novo gênero de qualidade, o New Journalism. Lima (2009) mostra que os Estados

Unidos vivia uma revolução social, ao mesmo tempo em que se perdia a inocência e

mostrava os acontecimentos existentes por trás do show business, como histórias

fantásticas, até então anônimas.

Os históricos de quatro autores ganham relevância no artigo: Truman Capote,

escritor de ficção; Norman Mailer, também escritor de ficção que embarcou em não-

ficção; Tom Wolfe, defensor do realismo social; e Gay Talese, repórter que apostava

em textos repletos de detalhes. “Tanto Capote quanto Mailer levam para a prática do

jornalismo o expertise que tinham acumulado como autores de ficção.” (LIMA, 2009,

grifo do autor). Os autores não são os únicos, da época, com destaque no ramo da

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literatura, profissionais, como Joan Didion e Gabriel García Márquez, também são

mencionados.

Paralelamente aos acontecimentos nos Estados Unidos, surge no Brasil à

revista Realidade, em 1966, que apresentava os traços do New Journalism, como

veremos em seguida, em um subcapítulo específico sobre o assunto.

Mas, antes disso, os textos e o livro Os Sertões, escrito em 1902, que relata

a experiência de Euclides da Cunha, a partir da Guerra de Canudos, voltam a ser

destaque na época. Euclides da Cunha foi enviado como correspondente do Jornal

Estado de São Paulo para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia. Ele repassaria

ao jornal telegramas e relatórios, que constituíram, posteriormente, a obra de Os

Sertões. Euclides permaneceu na região de agosto a outubro de 1897,

acompanhando as ações do Exército. Na volta, relatou a sua experiência nas páginas

de Os Sertões.

Lima (2004) avalia Euclides da Cunha com a extrema capacidade de coleta

de campo, além da habilidade para situar um evento no contexto. Segundo Lima,

Euclides da Cunha simbolizou o profissional que fica no meio-termo, entre a ficção e

a realidade, para construir um relato de profundidade.

O gênero literário deixou rastros espalhados pelo caminho dos jornalistas

americanos dos anos 60, por isso é necessário citar também a presença de um estilo

novo e que teve inspiração no New Journalism. Estes rastros provaram que havia

espaço para o Jornalismo Literário com humor, o Jornalismo Gonzo. Considerado uma

variação do New Journalism, não tinha compromisso com a verdade, e também,

abusava do humor e termos provocantes.

O jornalista Hunter Stockton Thompson é considerado o idealizador e principal

representante da modalidade de Jornalismo Literário denominada de Gonzo

Journalism.

Thompson propôs a transposição da barreira essencial que separa o jornalismo da ficção: o compromisso com a verdade. Também conhecido como jornalismo fora-da-lei, jornalismo alternativo e cubismo literário, o gênero inventado por Thompson tem sua força baseada na desobediência de padrões e no desrespeito de normas estabelecidas, além da insistência em quatro grandes temas: sexo, drogas, esporte e política. (CZNARBAI, 2003, p.26).

Algumas características mais evidentes podem causar estranheza, como o

uso da primeira pessoa do repórter, o humor sobre o aspecto de ironia e sarcasmo e

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texto opinativo, mostrando a vivência do repórter-narrador focando na experiência e

tentativa de fazer com que o leitor possa estar junto ao acontecimento. “A diferença

entre o New Journalism e o Jornalismo Gonzo é que o primeiro buscava os detalhes

e o segundo, os detalhes escrachados”. (ROSSO, 2003, p.53).

Viajantes voltam a olhar a paisagem e observar o local. Em um vagão mais a

frente, outra conversa, entre historiadores e pesquisadores, começa a ser contata.

Desta vez, é brasileira.

2.3.1 Revista Realidade

Em partes, essa viagem no Brasil não foi muito diferente da viagem norte-

americana, ou melhor, uma influenciou a outra. O estilo americano também teve

grande importância e influência na literatura e no jornalismo brasileiro. Na década de

50, o jornalismo brasileiro começou a utilizar o lead americano, forma condensada de

contar nos primeiros parágrafos de uma notícia os dados mais importantes. O fato do

jornal tornar-se uma empresa independente também teve influência dos americanos,

que utilizavam um estilo com gêneros separados.

Conforme Bulhões (2007), a tendência do jornal diário era resistir ao máximo

à sedução literária, mas outro espaço poderia permiti-la. Assim, surgiu a revista

Realidade. Criada em 1966, sob o olhar do regime militar, a revista da editora Abril

documentou um tempo de grandes transformações. Ela sobreviveu dez anos, até

1976, mas “em sua fase mais gloriosa, de 1966 a 1968, Realidade legou uma maciça

produção textual desviante do caminho da padronização”. (BULHÕES, 2007, p. 143).

A pesquisadora Nanami Sato (2001), também considera a Revista Realidade

um divisor de águas do jornalismo brasileiro. Tendo o mesmo pensamento que a

historiadora, Letícia Nunes de Moraes, autora de Leituras da revista Realidade,

dedicado ao periódico.

O projeto da nova revista foi proposto pelo jornalista Paulo Patarra, que viria

a ser o redator-chefe do impresso. Com publicação mensal traria 12 matérias de

diferentes assuntos. Embora a época fosse marcada pela repressão da ditadura,

algumas reportagens apresentavam os problemas brasileiros como fome no Nordeste

e controle de natalidade. Outras matérias abordavam assuntos provocantes para a

época, como juventude e sexo, educação sexual da criança, divórcio.

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A Realidade foi inovadora não só pela escolha dos temas, mas também pela

forma como estes eram apresentados.

Suas características principais são, além do estilo literário na narração dos fatos, a presença do repórter na matéria, podendo até mesmo ser um personagem de sua narrativa e anulando, assim, a suposta “objetividade” jornalística característica do tipo convencional de reportagem. (MORAES, 2007, p. 55).

Os traços do New Journalism, já mencionados neste capítulo, são fortes e

marcantes nas reportagens de Realidade. Entre eles, a presença do repórter na

matéria transmitindo suas impressões a respeito do assunto tratado, o texto que faz a

reportagem parecer uma crônica ou romance e a não preocupação com o “furo”

jornalístico. “De fato, Realidade parece ter sido influenciada pelo estilo de texto do

New Journalism, porém o uso que fez desses recursos foi muito próprio. Englobou-se

aos seus propósitos”. (MORAES, 2007, p.58).

Como muitos veículos, a Realidade também teve seus altos e baixos. Nas

primeiras edições a tiragem foi de 231.250 exemplares. Logo depois, na sétima e

oitava edição, a tiragem chegaria a 486 mil, alcançando o pico de 505 mil na edição

de número 11. Neste momento, ou seja, nos primeiros anos do periódico, a equipe do

original era composta por Paulo Patarra, José Hamilton Ribeiro, Sérgio de Souza,

Fernando Marcadante, Narciso Kalili, Mylton Severino da Silva, entre outros.

Dentre dezenas de reportagens publicadas na revista e lembradas até hoje, o

relato de José Hamilton Ribeiro em O Gosta da Guerra está dentre os que tiveram

mais repercussão no país. Em seu texto, Ribeiro relata sua passagem pela Guerra do

Vietnã, onde foi como correspondente, e conta a experiência ao perder a perna

quando pisou em uma mina terrestre.

Após a instauração do AI-5, época ditatorial, que mudou a história do

jornalismo brasileiro, a trajetória da revista pode ser repartida em duas fases. Até

1969, era uma etapa, a de expor assuntos polêmicos e instigar a sociedade a duvidar

do que poderia ser considerado correto.

Como as reportagens e os assuntos passaram a incomodar a censura, aos

poucos a revista foi deixando de ser um produto valorizado empresarialmente. A partir

de 1969, pode-se notar a queda brusca na tiragem da revista, chegando a menos de

200 mil exemplares, em 1971. Em 1973, a revista passou por uma transformação

radical, diminuiu o tamanho, apresentava 24 reportagens com abordagens mais

superficiais, menos contundentes e não gerava mais discussões. Após isso, o texto

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perderia o tom de denúncia e assumiria o modelo Newsmagazine, passando a ser

uma revista de informação. “Apesar do nome, já não era a mesma revista”. (MORAES,

2007, p. 64).

Essa parte da viagem chegaria ao fim, mas as lembranças são de suma

importância para a história do Brasil. “Baixada a poeira do tempo, transformou-se em

parada bibliográfica obrigatória a quem deseja seguir o caminho que desemboca no

que se passou a conhecer com o nome de livro-reportagem”. (BULHÔES, 2007, p.

146).

2.4 LIVRO-REPORTAGEM

Antes que essa parte da viagem termine e a aventura realmente comece,

vamos falar de outro fato, anterior à Revista Realidade. A nossa viagem irá parar na

estação do final dos anos de 1940, quando o livro-reportagem já existia nos Estados

Unidos e na Europa. Um dos especialistas deste assunto é Edvaldo Pereira Lima,

autor da obra Páginas Ampliadas, na qual busca criar instrumentos que permitam

delinear de forma mais completa o campo do livro-reportagem. O autor aborda, em

caráter específico, algumas de suas particularidades que merecem um tratamento

detalhado. Segundo Lima (2004), o livro-reportagem cumpre um relevante papel,

preenchendo vazios deixados pelos outros meios de comunicação.

Inicialmente, Lima (2004) lembra que a reportagem começou a ser esboçada

no jornalismo em 1920, sendo uma ampliação do relato simples. Com o tempo,

consolida-se a prática da grande-reportagem, e se fortalece o jornalismo

interpretativo. Também lembra a diferença entre o jornalismo informativo (informa e

orienta) do interpretativo (preenche os vazios, dando as informações amplas).

Não demorou muito para surgir o livro-reportagem que, para Lima (2004), é o

veículo de comunicação impressa não-periódico que apresenta reportagens mais

amplas que o costume. O livro-reportagem “é muitas vezes fruto da inquietude do

jornalista que tem algo a dizer, com profundidade, e não encontra espaço para fazê-

lo no seu âmbito regular de trabalho, na imprensa cotidiana”. (LIMA, 2004, p. 33).

Ao detalhar os conceitos de livro-reportagem, notamos que o autor o distingue

das demais publicações classificadas como livro por três condições: conteúdo, o

objeto de abordagem corresponde ao real, ao factual, sendo fundamentais a

veracidade e a verossimilhança; o tratamento, que compreende a linguagem, a

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montagem e a edição do texto apresentando-se eminentemente jornalístico; e por fim,

a função, objetivo de informar, orientar e explicar.

O autor também apresenta dois grupos particulares do livro-reportagem,

sendo o primeiro originado de uma grande reportagem ou de uma série de

reportagens; e o segundo, é originalidade desde o começo, quando é elaborado para

ser livro.

Se o compromisso do jornalismo é informar e orientar, o livro-reportagem

informa e orienta com profundidade, aumentando o número de dados e informações

para possibilitar o aumento do conhecimento do leitor. Outra marca do gênero é que

ele prolonga o ciclo de existência dos acontecimentos. “O vazio de tempo, entre o

presente e o passado histórico é coberto pelo livro-reportagem”. (LIMA, 2004, p. 46).

O livro também traz uma proposta da seguinte classificação: perfil, obra que

procura evidenciar o lado humano de uma personalidade; ensaio, onde fica evidente

a presença do autor e suas opiniões sobre o tema; e viagem, onde o fio condutor é

uma viagem a uma região geográfica específica.

Difere do relato meramente turístico, ou daquele dotado de romantismo e exotismo típicos aos viajantes não treinados profissionalmente no escrever, por ter nítida preocupação com a pesquisa com a coleta de dados, com o exame de conflitos. (LIMA, 2004, p. 58-59).

Em seu site, Edvaldo Pereira Lima define livro-reportagem simplesmente

como,

veículo jornalístico impresso não-periódico contendo matéria produzida em formato de reportagem, grande-reportagem ou ensaio. Caracteriza-se pela autoria e pela liberdade de pauta, captação, texto e edição com que os autores podem trabalhar. Entre os tipos de livros-reportagem mais comuns estão a reportagem biográfica, o livro-reportagem-denúncia e o livro-reportagem-história. É um veículo talhado por excelência para a prática do Jornalismo Literário. (LIMA).2

O jornalista Vitor Necchi afirma no artigo A (im)pertinência da denominação

“jornalismo literário”, que o livro-reportagem é o jornalismo da permanência e da

profundidade, sem a pressa das edições diárias e com mais prazo de elaboração do

que as revistas. O caminho natural para o registro de reportagens extensas e

2 LIMA, Edvaldo Pereira. Verbetes elaborados por Edvaldo Pereira Lima. Disponível em: <http://www.edvaldopereiralima.com.br/index.php/jornalismo-literario/conceitos>. Acesso em: 21.fev.2015.

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construídas num estilo que se distancia do texto asséptico que serve como padrão da

grande imprensa foi o livro-reportagem. (NECCHI, 2007).

Para Eduardo Belo, na obra Livro-reportagem, o livro-reportagem guarda uma

ligação estreita com a concepção de jornalismo, principalmente com o jornalismo “de

profundidade”. Além disso, ele também defende que a forma, o conteúdo e a dimensão

consistem no conjunto de características que diferenciam o jornalismo em livro do

praticado em outros meios.

Em uma definição quase acadêmica, é possível dizer que livro-reportagem é um instrumento aperiódico de difusão de informações de caráter jornalístico. Por suas características, não substitui nenhum meio de comunicação, mas serve como complemento a todos. É o veículo no qual se pode reunir a maior massa de informação organizada e contextualizada sobre um assunto e representa, também, a mídia mais rica – com a exceção possível do documentário audiovisual – em possibilidades para a experimentação, o uso da técnica jornalística, aprofundamento da abordagem e construção da narrativa. (BELO, 2006, p .41).

Aos falarmos de livro-reportagem, não podemos deixar de citar os nomes de

Zuenir Ventura, Fernando Morais, Caco Barcellos, Domingos Meireles e Ruy Castro,

exemplos do gênero no Brasil.

Essa parte da viagem está chegando ao fim, mas antes, Lima nos lembra que

o principal legado do New-Journalism, o de melhor reportagem, no sentido de

captação de campo e fidelidade com o real, pode combinar-se muito bem com a

melhor técnica literária – encontrou sua mais refinada expressão no livro-reportagem.

(2004, p. 211).

Também devemos lembrar que para o professor Edvaldo Pereira Lima o

Jornalismo Literário exige uma espécie de mergulho do repórter naquilo que se deseja

retratar, privilegiando a observação minuciosa. Essa é uma das preocupações da

maioria dos jornais norte-americanos, a “reportagem de imersão”, como é chamada a

matéria que exige profunda apuração e trato diferenciado no texto. Mas isso a gente

fala no decorrer da nossa viagem, que agora ficará mais emocionante, como uma

verdadeira aventura.

Por isso, a literatura e o jornalismo, que durante a viagem até sentaram

separados em alguns momentos, percorreram trilhas diferentes, mas ao chegarem

próximo a este ponto foram se aproximando e unindo-se. Como numa aventura, um

precisa da ajuda do outro, as características de um, às vezes, falta no outro, assim,

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precisam se unir, para completar o percurso, ou simplesmente, para iluminar a mente

de escritores e jornalistas.

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3 JORNALISMO DE AVENTURA

Chegou a hora de descer do trem, colocar a mochila nas costas e o pé na

estrada. É agora que a verdadeira aventura começa, preparados? Ainda não? Então

vamos relembrar um pouco das histórias dos viajantes aventureiros mais famosos,

assim, podemos nos inspirar e criar coragem.

Na verdade não existe uma história científica sobre o surgimento, conceitos e

marcos de aventureiros pelo mundo. Mas, antes mesmo de Cristo, já se notava que

viagens ao desconhecido eram realizadas. Relatos de grandes expedições ou

jornadas menores se encontram em livros de histórias ou até mesmo na Bíblia.

3.1 PREPARATIVOS DA AVENTURA: HISTÓRIAS DE INSPIRAÇÕES

Antes de começar a andar “mato adentro”, é aconselhável analisar o local,

conhecer as redondezas e, principalmente, buscar ouvir histórias de quem já passou

pelo caminho, assim, o risco da aventura terminar em tragédia diminui. O mesmo

acontece nesta nossa jornada.

Há séculos o sentimento de descobrir novos lugares motiva grandes

aventuras e expedições. Em busca de novos territórios, com a curiosidade em saber

o que tem logo ali, atrás do morro ou no final da estrada, é o que desperta o interesse

e a coragem de muitos aventureiros.

Depois da evolução da espécie e o surgimento do homem na África, a saída

do continente e o começo do povoamento do mundo talvez tenha sido a grande

aventura e desafio da humanidade. Para os cristãos, o Antigo Testamento também

mostra diversas histórias que podem ser consideradas aventuras. No livro Êxodo, por

exemplo, conta-se a viagem de 40 anos feita por Moisés e seu povo em busca da terra

prometida dos judeus. Atravessaram desertos e mares. “Tomaram a direção do

deserto de Sur. Caminharam três dias pelo deserto sem achar água”. (BÍBLIA, Livro

Êxodo, 15:12).

Acredita-se ou não, a verdade é que sempre serão histórias inspiradoras.

Como as andanças de Homero (VIII a.C.) descritas no artigo Narrativas de viagem:

escritos autorais que transcendem o tempo, da pesquisadora Monica Martinez.

Segundo Martinez (2012), devemos a Homero a primeira narrativa de viagem, em

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Iliada em que Homero relata a Guerra de Tróia. O poeta grego teria vivido em VIII a.C.,

justamente no momento em que a escrita nasce na Grécia antiga.

Após três séculos do relato de Homero, outro grego, Heródoto, registrou os

primeiros relatos baseados em viagens pessoais. “Em V a.C., ele escreve Historia,

narrativa contínua distribuída em nove livros que conta o crescimento e o ocaso do

império persa e as jornadas de Heródoto pelo Egito, Babilônia, Ucrânia, Itália e Sicília”.

(HERÓDOTO apud MARTINEZ, 2012, p. 37). O pesquisador Renato Mordenell, atribui

ao historiador grego Heródoto a posição de decano entre os autores de narrativas de

viagens, na sua tese de doutorado Em Trânsito, Um estudo sobre narrativas de

viagem, defendida em 2009.

Outra viagem que marcou a história é relatada no Livro das Maravilhas: A

Descrição do Mundo, de Marco Polo, escrito em 1298, no qual o navegador conta a

história da viagem que fez com seu pai, em 1271, saindo de Veneza para atravessar

a Ásia durante 24 anos.

O especialista em Turismo, John Swarbrooke, apresenta no livro Turismo de

Aventura a história dos principais viajantes da história mundial. No capítulo Temas

históricos no Turismo de aventura estimasse-se que as peregrinações a locais

sagrados possam ser consideradas a forma mais antiga de turismo de aventura. A

ação também envolve dois tipos de aventura, a emocional e a aventura de ir por um

local onde se corre o risco de assaltos, como acontecia com frequência no período

medieval pelo Caminho de Santiago de Compostela, uma das peregrinações mais

famosas e antigas realizada por milhares de pessoas, todos os anos, no norte da

Europa, entre a França e a Espanha.

Além dos peregrinos, ao longo dos séculos, muitas religiões tiveram seus

missionários, pessoas com zelo religioso, que viajavam para tentar converter outras

pessoas à sua fé. No passado, essas viagens eram consideradas aventuras, pois

enfrentavam a ameaça de roubo, doenças e violência. Afinal, nem sempre se conhecia

o caminho. Além disso, com frequência decidiam viver junto às pessoas mais pobres,

que eram encontradas em seu destino escolhido, sem saber o que poderia lhes

acontecer. As viagens missionárias ainda são consideradas aventuras, uma vez que

os viajantes podem, eventualmente, ser escolhidos como alvo de terroristas e

governos repressivos.

Há, ainda, os historiadores naturais, que por muitos anos se regalaram com

sua própria forma de turismo, viajando em busca de novas espécies de flora e fauna.

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Charles Darwin é um grande exemplo desse perfil de aventureiro, pois enfrentava

viagens perigosas a lugares pouco conhecidos para alargar as fronteiras do

conhecimento científico.

As Grandes Navegações dos séculos XV e XVI são outros exemplos de

aventuras que desafiaram os homens. Descobrir um novo caminho às Índias,

navegando sempre para Oeste, era o objetivo de Cristóvão Colombo, que acabou

encontrando o continente americano em 1492. Seis anos mais tarde, Vasco da Gama

realizou uma viagem de contorno no continente africano para chegar até a Índia. Com

o mesmo objetivo, Pedro Alvarez Cabral desviou-se da rota e atracou no litoral sul

americano, em 1500. No local onde se tornaria o Brasil, Cabral e seus homens

passaram cerca de 10 dias, e Pero Vaz de Caminha relatou a aventura em sua carta

ao Rei de Portugal.

Muitos exploradores como Colombo, Thomas Cook, Vasco da Gama e Fernão

de Magalhães enfrentavam privações, e até mesmo a morte, em busca de novos

territórios. Por outro lado, muitos deles enriqueceram graças às suas descobertas.

A mestra em Turismo Tissiane Schimidt Dolci, em sua tese Turismo de

Aventura: motivações e significados, defende que a palavra aventura significa

empreendimento ou experiência arriscada e perigosa. E, para a turismóloga, a

aventura está associada à viagem há bastante tempo. “Na antiguidade, os viajantes,

tendo informações escassas sobre os locais de destino, partiam rumo ao

desconhecido arriscando-se em aventuras desvendando mistérios com os quais se

deparavam”. (DOLCI, 2004, p. 18).

Segundo Swarbrooke et al. (2003), no início do século XX, a maioria das terras

e mares já havia sido descoberta pelos exploradores. Assim, novos desafios tiveram

que ser estabelecidos por pessoas que estivessem em busca da tal aventura.

Depois de conquistados os polos norte e sul, o espírito de exploração voltou-

se para os céus, com aventureiros tentando conquistar o ar e o espaço. Pioneiros

como Blperiot, Lindbergh, Alcock e Brown aumentaram as fronteiras do céu. A corrida

espacial durante a Guerra Fria iniciou com o lançamento do satélite Sputnik I, em

1957, e motivou uma série de aventuras como a de Yuri Gagarin, o primeiro homem

a viajar fora da órbita da Terra. “A Terra é azul”, disse Gagarin. Em 1969, a nave

espacial Apollo 11 pousou na Lua e os primeiro passos da humanidade foram dados

na superfície lunar.

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Há também aventureiros como Cousteau, que procurou explorar o mundo

embaixo d’agua com a ajuda de submarinos e mergulhos em grandes profundidades.

Mas, vamos nos focar no nosso elemento terra, onde já se há um imenso campo para

estudar e explorar.

Martinez (2012), em seu artigo, recorda que embora os relatos de aventuras

em terras distantes sejam os mais conhecidos, devemos lembrar que o mergulho em

comunidades próximas, feito por enólogos, antropólogos e jornalistas, também pode,

de certa forma, ser compreendido como parte de uma aventura.

Swarbrooke et al. (2003) cita ainda como viajantes aventureiros os

colonizadores e povoadores, os mercenários, mercadores, migrantes sazonais

caçadores, entre outros.

O especialista ainda destaca outro tipo de aventureiro, os escritores viajantes.

Para Swarbrooke et al. (2003) à medida que a mídia sobre viagens cresce,

presenciamos o desenvolvimento do turismo de uma classe de escritores viajantes.

Eles viajam para lugares exóticos e compartilham suas experiências com os leitores

menos aventureiros por meio de seus escritos.

Muitos desses escritores passaram a olhar o mundo através de um novo ângulo ou enfoque original. Entre as atividades escolhidas, citamos a viagem de volta ao mundo em uma bicicleta ou a obediência a um tema específico, tal como refazer os passos de gerações anteriores de aventureiros. [...] Eles estão se tornando notadamente menos sérios e eminentes no tom, e mais bem-humorados e brincalhões na atitude. [...] A aventura nos relatos de viagem nem sempre provém mais dos ambientes físico - os seres humanos também passaram a ser a inspiração. (Swarbrooke et al., 2003, p. 45).

São esses relatos de viagem que nos inspiram e despertam a vontade de

querer estar lá, presenciar e viver o fato. Diversas histórias de aventureiros foram

presenciadas pelo mundo e agora está chegando a hora de colocarmos o pé na

estrada e tomar o último gole antes de partir para a floresta.

3.2 A NARRATIVA DA AVENTURA

Um passo, depois o outro, sem pressa, temos tempo. Vamos desfrutar, afinal,

para alguns essa é apenas a primeira aventura. É bom ir devagar até a mochila se

acomodar bem nas nossas costas e a bota ganhar a forma de nossos pés para não

incomodar. Vamos aproveitar para ouvir o som da cachoeira, lá no fundo e esquecer

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que o tempo na cidade anda depressa, corre, voa, e muitas vezes, nem vemos passar.

Vamos aproveitar esse tempo, que muitas vezes, são narrados nas páginas de livros.

Viram histórias e relatos que ficarão eternizados no papel.

A narrativa é a forma escolhida, na maioria dos casos, para contar essas

histórias. Segundo Olinto (2008), o jornalista usa a narrativa para situar os

acontecimentos, objetos e pessoas num lugar, tudo isso dentro de um tempo. Tanto o

jornalismo como a literatura se sujeitam às leis de descrição e narrativa, a que não

pode fugir a reportagem (real) nem a ficção (possível).

Florence Draver faz uma reflexão sobre a viagem da literatura e do jornalismo

quando fala que, a primeira é um dos bastões mais poderosos da comunicação de

massa e o jornalista não pode suplantar a informação contida nas narrativas literárias

para se tornar a única fonte de cultura de uma massa considerada inculta. Mas, sim,

elas precisam se unir, pois as palavras servem para conceber, comunicar ideias, mas

também impressões; para provocar sentimentos e despertar interesses. “Os

jornalistas, como os escritores, precisam ouvir, ler e escrever, compreender e

interpretar, exercer sua sensibilidade, saber e conhecer através dos escritos e ditos

dos outros”. (CASTRO; GALEANO, 2005, p. 90).

Como o escritor geralmente tem a necessidade de contar o que vê, ele

prefere, muitas vezes, a narrativa direta, o que o aproxima com a realidade, hoje

chamado de reportagem. Olinto (2008) lembra que, há séculos, o livro de viagens é

considerado uma obrigação do romancista, poeta ou ensaísta que percorreu lugares

estranhos. Era esse livro de viagens que substituía a reportagem. Para o autor, esses

livros, como os de memórias ou as narrativas, podem estar enquadrados na classe do

jornalismo em forma literária.

O autor Marcelo Bulhões, em Jornalismo e Literatura em Convergências,

acredita que a narratividade é o ponto de confluência de gêneros do jornalismo e da

literatura. “Produzir textos narrativos, ou seja, que contam uma sequência de eventos

que se sucedem no tempo, é algo que inclui tanto a vivência literária quanto a

jornalística”. (BULHÕES, 2007, p. 40).

Bulhões (2007) completa o pensamento explicando que a narratividade possui

conexão com a temporalidade e está vinculada à necessidade humana de

conhecimento e revelação do mundo ou da realidade. O autor lembra que os termos

narrar, narrador, narrativa derivam de narro, que significa “dar a conhecer”.

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Para Renato Mordenell, no artigo Narrativas de viagem e jornalismo literário,

as narrativas de viagem ocupam um lugar especial dentro de um vasto campo do

Jornalismo Literário. “Uma pessoa que se move em ambientes exóticos tem grande

chance de cativar aqueles que prefeririam estar lá, em aventuras mais gratificantes,

do que trancadas nos elevadores e nos congestionamentos das cidades”.

(MODERNELL, 2007, p. 106).

O pesquisador também lembra que, ao narrar uma história de viagem em

primeira pessoa, não basta para situá-la no âmbito do Jornalismo Literário. No caso,

o que se deve examinar são os relatos pessoais que constituíram uma experiência

existencial intensa, transformadora e de alto valor simbólico para o narrador.

Para Mordernell (2007) é preciso flexibilizar a fronteira entre realidade e

imaginação, já que em narrativas de viagem ela é mais imprecisa do que em outros

gêneros. Na maioria desses relatos não é possível verificar a veracidade, já que o

leitor está longe do cenário em que a ação se desenrola.

Essas são algumas das questões que leva o autor identificar na literatura de

viagem inúmeros fatores de fabulação,

como o alto grau de envolvimento existencial do narrador; os condicionamentos psicológicos, logísticos e ambientais de sua jornada; a multiplicidade dos temas abordados; e também a indulgente expectativa do leitor em relação a eventos ocorridos em terras distantes. (MORDENELL, 2007, p. 110).

Se observarmos o capítulo O Transtorno da Viagem, escrito por Luiz Costa

Lima e presente na obra A Crônica, de Antônio Candido, há o depoimento do médico

do século XVI, Johann Eichmann, que desde aquela época argumentava dizendo que:

[...] os aventureiros com suas mentiras disparatadas, suas falsidades e narrações fantasiosas contribuíram para que se dê pouca consideração às pessoas honestas e amantes da verdade, que vêm de terras estranhas, e também vulgarmente se diga: Quem quiser mentir, discurse sobre coisas distantes, pois ninguém lá vai verificá-las. (EICHMANN apud COSTA LIMA, 1992, p. 31).

Em partes, a pesquisadora Monica Martinez, no artigo Narrativas de viagem:

escritos autorais que transcendem o tempo e o espaço, segue o mesmo pensamento.

Ela classifica as narrativas de viagem em três tipos principais: relatos ficcionais, não-

ficcionais e misto, produtos de ficção inspirados em fatos reais. Martinez (2012)

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também aponta que a percepção do narrador, é de um observador atento e, muitas

vezes, dotado de habilidade narrativa, é ponto fundamental dos relatos do viagem.

Como exemplos de narrativas de viagens, Monica (2012) lembra as aventuras

como a do jornalista Henry Stanly quando foi à África, em 1871, encontrar um

missionário perdido e depois registrou o feito no livro How I found Livingstone in

Central África. Também pensa-se a história de Edmund Hillary que narrou na obra

View from the Summit, a primeira escalada do Everest, com o sherpa Tenzing Norgay,

em 1953, história também relatada na obra de Airton Ortiz, a qual abordaremos no

decorrer deste trabalho.

No Brasil, temos os exemplos dos livros do navegador Amyr Klink e da família

Schurmann. Esses são apenas alguns nomes de escritores e jornalistas da

antiguidade até os dias atuais, que fazem relatos de viagens, sejam em formato de

livro, revista, reportagem ou livro-reportagem. “Com a consolidação do jornalismo no

século XIX, muitos jornalistas-escritores publicam em livro-reportagem o excedente

de seu material de reportagem ou reflexões sobre suas próprias viagens”.

(MARTINEZ, 2012, p. 44).

A autora também defende que as narrativas, como as de viagem, simbolizam

a aventura da autodescoberta humana.

A importância da ação dos jornalistas-escritores que escrevem narrativas de viagem talvez transcenda a responsabilidade social. Afinal, a vivência e o relato de realidades e visões de mundo diferentes talvez atraia atenção pelo seu potencial de tocar “cordas” profundas nos autores e leitores. (MARTINEZ, 2012, p. 48-49).

O pesquisador Renato Modernell volta a falar sobre narrativas de viagem na

sua tese. O estudioso traz parte de um artigo de Umberto Eco, escrito no início do

século XXI, sobre o ato de viajar atualmente. No artigo, ele argumenta que já não

viajamos para o desconhecido, como faziam nossos ancestrais, mas sim para

confirmar o que já vimos na tela da televisão.

Mesmo assim, os relatos de viagem que fogem do padrão continuam a nos encantar. Os homens que contam histórias ocorridas em lugares distantes parecem sempre ter provocado no público, ao longo do tempo, um misto de fascínio e desconfiança. A dúvida por que não sabemos até onde vai a imaginação do autor em relação aos elementos comprováveis constitui, sem dúvida um atrativo a mais. Eles talvez nos ajudem a entender por que,

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enquanto tantas outras modalidades de escrita sucumbem ao tempo, a Narrativa de Viagem se mantém viva e saudável há 25 séculos. (MODERNELL, 2009, p. 20).

No mesmo ano, Edvaldo Pereira Lima aborda o assunto no artigo Jornalismo

e literatura: aproximações, recuos e fusões. Para ele, a arte de se contar histórias com

primor literário, procurando-se retratar paisagens humanas e sociais com vigor,

continua presente em ilhas de excelência narrativa fiéis ao compromisso com a

realidade. Ainda conforme Lima (2009), a vida narrativa continuará e encontrará

outros parceiros, se necessário, na contínua missão de contar histórias que estejam

sintonizadas, se possível, com a edificação de novos valores de compreensão e ação

no mundo.

No artigo Do testemunho à leitura: aspectos da evolução do narrador

jornalístico, hoje, Bruno Souza Leal, olha o fato por outro lado. Ao falar sobre

autenticidade e qualidade informativa, ele defende que o jornalismo se baseia num

pacto de credibilidade com o seu leitor, a ser posto em xeque e se reafirmando na

elaboração e na recepção de cada história. “Muita dessa credibilidade vem

exatamente da apresentação do repórter como testemunha dos fatos. Sua presença

no local dos acontecimentos é um dos elementos-chave para a autenticidade e,

consequentemente, credibilidade”. (LEAL, 2002).

Em sua obra, Modernall (2009) alerta para outro detalhe. Ele lembra que, em

geral, um texto de viagem é produzido a posteriori. Isso significa que o narrador, ao

escrever, está num estado psicológico diferente do que estava no momento em que

viveu a experiência.

Já vimos que um homem em trânsito, que se move pelo mundo, observa as coisas por um prisma especial que lhe é dado por sua própria condição de observador itinerante ou até errante, em alguns casos. Isso nada tem a ver com a situação do redator que escreve sobre aquilo que, para ele, está situado no “mundo comum”, no cotidiano. E isso vale não tanto para o conteúdo quanto para a forma de captá-lo. No limite, quase podemos pensar que se trata de duas pessoas diferentes. A quem lembra a viagem já não é mais aquela que viajou e a registra em palavras. (MODERNELL, 2009, p.35).

Também vale lembrar que, conforme a pesquisa do turismólogo e mestre em

comunicação, Marcelo Carmo Rodrigues (2007), no artigo Para onde foi o “jornalismo

turístico?, os “livros de viagem” são os primeiros guias turísticos produzidos no Brasil.

Eles mostram um relato das viagens e pesquisas de inúmeros escritores, pintores,

intelectuais, botânicos, militares, excêntricos, educadores, padres e estudiosos das

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mais diversas áreas. Porém, eles apresentam o Brasil visto sob o olhar do estrangeiro

e conforme suas experiências.

A parte da trilha na floresta está chegando ao fim, logo nos aventuraremos em

outro esporte, a escalada. É a hora de respirar fundo, descansar o corpo e a mente,

pois é agora que a real aventura começa.

3.3 MÃO NA ROCHA: CONCEITOS

Não precisa ser muito aventureiro para imaginar que em uma escalada,

colocar a mão na rocha e subir é a parte mais técnica de uma aventura, que envolve

esse tipo de esporte. No caso de raffing podemos considerar a remada o grande

desafio, ou num salto de paraquedas a hora de abrir o paraquedas e coordenar as

cordas conforme o vento.

É chegada a hora, depois da viagem de trem, de colocarmos o pé na estrada

e caminharmos por dentro da floresta, a trilha chega ao fim. Agora precisamos

começar a escalada até o cume. Vamos colocar o equipamento de segurança, checar

as cordas, tomar mais um gole de água e lá vamos nós.

Durante nosso “passeio”, já falamos nas palavras viagem, turismo e, claro,

aventura. Mas, também precisamos deixar claro que, embora fossem empregadas

algumas vezes como sinônimos, nem sempre elas têm o mesmo significado.

3.3.1 Turismo

O jornalismo já havia se consolidado quando a palavra “turismo” começou a

ser utilizada. Foi no século XX, que o turismo ganhou expansão, entrando na fase

chamada de “turismo de massa” ou “turismo capitalista”.

Conforme a pesquisa de Rodrigues (2007), a partir do momento em que o

turismo entrou na sua fase capitalista, ou seja, passou a ser um importante

componente do PIB de diversos países, começa a ser desenvolvido um jornalismo –

que talvez possa ser chamado de “jornalismo turístico” – especializado na construção

de textos que revelam destinos turísticos ao redor do mundo.

Ainda conforme pesquisa de Rodrigues (2007), a segunda metade do século

XX foi marcada pelo desenvolvimento do “turismo de massas”. O mundo assistiu ao

desenvolvimento da atividade: o lançamento do avião a jato; a expansão da indústria

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automobilística; construção, modernização e diversificação dos estabelecimentos de

hospedagem; o desenvolvimento da infraestrutura utilizada para o turismo, como:

portos, marinas, vias expressas, aeroportos, instalações de energia elétrica, água

potável e centros respectivos. Houve também a efetivação de numerosas disposições

em leis, que passam a regulamentar as atividades turísticas trabalhistas e

profissionalização das atividades turísticas, em face da criação de inúmeros órgãos

de turismo – oficiais e privados, além, claro, da motivação do público em conhecer

outros lugares.

Na obra de Swarbrooke et al. (2003), o autor afirma que há muitas definições

de turismo que se situam em um contexto de lazer, recreação, como a conceituação

de Pearce (1987). “Turismo pode ser pensando como sendo as inter-relações e

fenômenos resultantes de viagens e estadias temporárias de pessoas com o objetivo

primordial de lazer ou recreação.” (PEARCE apud SWARBROOKE et al., 2003, p. 5).

Ou simplesmente, a definição de Leiper (1995), presente na mesma obra, “o turismo

pode ser definido como as teorias e práticas de viajar e visitar lugares para propósitos

relacionados ao lazer”. (LEIPER apud SWARBROOKE et al., 2003, p. 5).

3.2.2 Viagem

A palavra viagem também gera muita confusão entre os estudiosos. O

pesquisador Modernell (2009) transcreve a frase do filósofo francês René Descartes

para tentar explicar um dos seus significados: “viajar é como conversar com homens

de outros séculos”, e comenta que a frase pode ser expandida para além da dimensão

temporal. Para Modernell, o repórter tem de estar atento para encontrar, em cada

lugar que visita, os porta-vozes de diferentes dimensões de tempo. “Durante a viagem,

ao passar pelas sucessivas filtragens que compõem ‘mundo especial’, por vezes

temos a chance de conhecer pessoas (até de nossa terra) que pertencem a outra

esfera social.” (2009, p.27). Ou seja, em uma viagem podemos encontrar pessoas

para compartilhar conhecimento e nos ensinar as curiosidades e diferenças de seu

povo e de seu estilo de vida.

Na mesma obra, Modernell simplesmente define que “a viagem é uma

desconexão entre o nosso íntimo e a nossa agenda” (2009, p. 37). Mas, também traz

os pensamentos de outros estudiosos, como o escritor escocês Robert Louis

Stevenson (1850-1894), que afirmou “não viajo para ir a algum lugar, mas para ir”. E,

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no século XX, o russo Alexander Soljenítsin (1918-2008) recomendava: “Deixe sua

memória ser sua mala de viagem”.

A pesquisadora Alcyane Marinho, no livro Viagens, lazer e esporte, também

traz o pensamento de outros teóricos, como Mike Featherstone3 que define que a

viagem pode ser compreendida como um paradigma de experiência. Também

devemos mencionar que a raiz da palavra experiência significa tentar, testar e arriscar.

Ou seja, a viagem aponta para o “novo” no meio da vida, abrindo a vida para a

contingência, criando o exotismo.

Diferente de muitos livros de viagem ou sobre viagem, o filosofo francês,

Michel Onfray dedicou o livro Teoria da viagem: poética da geografia, para apresentar

outro lado de uma viagem. Ele não faz relatos de aventuras, mas sim diversos

questionamentos que levam o leitor a refletir sobre o desejo da viagem, o sentimento

de nômades e sedentários, os motivos de uma viagem, entre outros assuntos. No

decorrer do livro, ele deixa claro que, para ele, viajar é um deslocamento, um

afastamento da zona de conforto, mas também uma reaproximação de nossa própria

subjetividade.

O filósofo francês faz um elogio à arte de viajar resgatando os significados de

sair em busca do desconhecido. Remontando à história de Caim (agricultor,

sedentário) e Abel (pastor, nômade), ele analisa os extremos entre nomadismo e

sedentarismo, e amor ao movimento e paixão pelo imobilismo.

Onfray defende que o viajante concentra tropismos milenares como o gosto

pelo movimento, a paixão pela mudança, o desejo ardoroso de mobilidade, a vontade

de independência, o culto da liberdade, a paixão pela improvisação, entre outras.

Viajar supõe, portanto, recusar o emprego do tempo laborioso da civilização em proveito do lazer inventivo e alegre. A arte da viagem induz uma ética lúdica, uma declaração de guerra ao espaço quadriculado a cronometragem da existência. A cidade obriga ao sedentarismo através de um abscissa espacial e de uma ordenada temporal: estar sempre num determinado local, num momento preciso. Assim o indivíduo é controlado e facilmente identificado por uma autoridade. Já o nômade recusa essa lógica que permite transformar o tempo em dinheiro, e a energia singular, único bem de que dispõe, em moeda sonante e legal. (ONFRAY, 2009, p. 14).

Uma viagem começa muito antes de subirmos no trem ou colocarmos o pé na

estrada. Começa quando imaginamos os locais que já ouvimos o nome, vimos uma

3 FEATHERSTONE apud MARINHO; BRUHNS, 2006, p. 13.

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fotografia, lemos um livro. Onfray (2009) defende que qualquer linha de um autor

aumenta mais o desejo de conhecer o lugar descrito do que fotografias, muito menos

filmes, vídeos ou reportagens. Para ele, entre o mundo e nós, intercalaremos

prioritariamente as palavras.

A viagem começa numa biblioteca. Ou numa livraria. Misteriosamente, ela tem lugar ali, na claridade de razões antes escondidas no corpo. No começo do nomadismo, encontramos assim o sedentarismo das prateleiras e das salas de leitura, ou mesmo do domicílio onde se acumulam os livros, os atlas, os romances, os poemas, todas aquelas obras que, de perto ou de longe, contribuem para a formulação, a realização, a concretização de uma escolha de destino. (ONFRAY, 2009, p. 25).

Assim, nasce o desejo de vermos um animal raro, uma planta exótica, a

vontade de andar sob um céu como o fez um poeta, tudo leva ao ponto do globo que

rodamos e colocamos o dedo para ver qual local iria parar.

Ofray (2009) também distingue o turista que compara, com o viajante que

separa. O primeiro permanece à porta de uma civilização, toca de leve uma cultura e

se contenta em aprender seus epifenômenos de longe, como espectador. Já o

viajante, procura entrar num mundo desconhecido, sem intenções prévias, como

espectador desejado, buscando nem rir nem chorar, nem julgar, nem condenar, mas

pegar pelo interior, que é compreender segundo a etimologia.

O livro traz reflexões andarilhas, com os elementos como memória, amizade,

subjetividade, perder-se, a escolha de um destino. “Em realidade só pegamos a

estrada movidos pelo desejo de partir em nossa própria busca com o propósito, muito

hipotético, de nos reencontramos ou, quem sabe, de nos encontrarmos.” (ONFRAY,

2009, p. 75). Essa também pode ser considerada uma diferença entre o turista e o

viajante. Um não cansa de buscar e, às vezes, encontra, o outro, nada busca, e,

portanto, não obtém, sendo este o turista.

A pesquisadora Alcyane Marinho (2006) faz uma distinção entre os tipos de

viagens, ou melhor, difere as contemporâneas viagens de aventura das demais,

conforme alguns componentes, tais como: o número de turistas, objetivos da viagem,

característica da experiência, infraestrutura que proporciona o alcance da experiência,

padrões de acomodação para o turista e nível de envolvimento com o ambiente

natural, dentre outros.

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3.2.3 Aventura

Uma aventura pode ocorrer a qualquer hora. Na essência, a aventura é aquilo

que proporciona uma emoção nova, um algo a mais que o padrão ou a rotina do dia a

dia. Pode ser ao experimentarmos uma comida nova, até então desconhecida. Ou

andar por uma estrada até então não percorrida. Ou ler algo novo que não sabemos

o quanto vai nos influenciar nas novas decisões. Claro, aventura também é subir uma

montanha no Himalaia. Quem sabe, aventura também seja viver um novo amor. A

aventura é algo que faz surgir um sentimento diferente, que altera o ritmo da vida e

nos faz sentir mais vivo.

A paixão pela aventura é tão velha quanto a própria espécie humana: quebrar a rotina, as regras, os hábitos, o estabelecimento é um desejo inconfessado do homem que busca algo de extraordinário em sua vida para poder narrá-lo depois aos outros. (BETRÀN, 2003, p. 194).

Há aqueles que preferem os conceitos mais claros, como a definição do

Ministério do Turismo, presente na obra Perfil do turista de aventura e do ecoturista

no Brasil, do Ministério do Turismo, no qual se afirma que as práticas de aventura de

caráter recreativo e não competitivo pressupõem determinado esforço e riscos

controláveis, e que podem variar de intensidade conforme a exigência de cada

atividade e a capacidade física e psicológica do turista.

No prefácio do livro Turismo de aventura: conceitos e estudos dos casos, John

Swarbrooke et al. (2003) se difere um pouco e aprofunda o assunto adiantando que:

[...] a aventura não é um conceito absoluto com o mesmo significado para todos. Trata-se de um conceito altamente pessoal, assumem diferentes significados para diferentes pessoas. Uma atividade tida como corriqueira ou normal para uma pessoa pode representar uma aventura incomum para outra dependendo de sua experiência ou personalidade. (Swarbrooke et. al, 2003).

Logo no primeiro capítulo, Definição do contexto, John Swarbrooke et al.

(2003), explica que o termo “aventura” é evocativo para muitas pessoas, uma vez que

imagens e associações inundam a mente com simples menção da palavra. Antes

mesmo de sabermos a definição do dicionário, muitos de nós já adquirimos uma noção

do seu significado. Histórias de aventuras, nos livros ou nos filmes, geralmente

contribuíram para essa “formação do conceito”. Palavras como emoção, adrenalina,

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medo, passeio, desafio, expedição, risco, conquista, vêm na nossa mente junto com

a palavra aventura.

A aventura é uma experiência emocional. [...] A incerteza e os riscos, bem como a evidente dificuldade de algumas partes da experiência, resultam no fato de que a maioria das pessoas passa por ondas de emoções contrastantes – por exemplo, terror e elevação, contentamento e desespero, ansiedade e prazer. A aventura pode ter algo de montanha-russa, e isso faz parte da expectativa. (Swarbrooke, et al., 2003, p. 14).

Após essa análise, Swarbrooke et al. (2003) conclui que a aventura ocorre

quando os participantes, voluntariamente, se colocam em posição em que acreditam

estar dando um passo ao desconhecido, onde enfrentarão desafios e poderão

descobrir ou adquirir algo valioso com base na experiência. “A aventura é subjetiva e

singular”, afirma o autor.

Sendo assim, a aventura é um conceito pessoal, onde cada participante define

se a ação será ou não uma aventura, com base em suas experiências e limites. “Fica

evidente que a aventura não é determinada por atividades especificas, mas sim pelo

estado mental e pelo ponto de vista dos participantes”. (Swarbrooke, et al., 2003, p.

14).

Porém, o autor lembra que a aventura não é uma experiência passiva e que

precisa de engajamento. Esse engajamento pode ser de ordem física, intelectual,

emocional ou espiritual.

O jornalista Erich Casagrande (2012) segue o mesmo pensamento em seu

trabalho de conclusão de curso Reportagens de Aventura em SC, quando afirma que,

ao mesmo tempo em que alguns consideram algo como aventura, não é,

necessariamente, para outros, há aspectos e sentimentos comuns em diferentes

situações que identificam o termo aventura. Ele também afirma que, embora a

aventura possa parecer assustadora, ela é convidativa, é como um ponto de

interrogação que precisa ser explorado para ser respondido.

3.3.4 Turismo de aventura

Como já falamos de turismo e de aventura separadamente, vamos dar uma

desviada da nossa rota para unir rapidamente esses dois termos. O Ministério do

Turismo defende que Turismo de Aventura compreende os movimentos turísticos

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decorrentes da prática de atividades de aventura de caráter recreativo e não-

competitivo.

O Ministério do Turismo também traz, na obra Perfil do turista de aventura e

do ecoturista no Brasil, a definição da Associação Brasileira de Normas Técnicas

(ABNT), que engajada no processo de normalização do Turismo de Aventura no

Brasil, elaborou um conceito de atividades de Turismo de Aventura, em 2006:

“atividades oferecidas comercialmente, usualmente adaptadas das atividades de

Turismo de Aventura, que tenham ao mesmo tempo o caráter recreativo e envolvam

riscos avaliados, controlados e assumidos.” (2010, p.13). Ou seja, para o Ministério

do Turismo, fica evidenciado que o turista de aventura deve ser um comprador de

atividades comerciais.

O pesquisador John Swarbrooke et al. (2003) fala sobre o tema ao

compartilhar a definição de viagem de aventura de Addison (1999), que defende que

a viagem de turismo, de certa forma, é mais ampla que o turismo ou lazer. Para ele, a

viagem de aventura é

[...] qualquer viagem de atividade ligada à natureza que é realizada por alguém que parte de ambientes familiares para se deparar com locais e pessoas desconhecidas, com o propósito de pesquisa, estudo, negócios, comunicação, recreação, esporte ou visita aos locais de interesse e turismo. (ADDISON, apud SWARBROOKE et al., 2003, p. 6).

No mesmo capítulo, Swarbrooke et al. traz outro pensamento de Addison4,

afirmando que uma viagem de aventura implica em lançar-se ao desconhecido com o

risco da viagem se transformar em um pesadelo.

Por fim, gostaríamos de compartilhar a definição do ecoturismo para deixar

claro que o termo não cabe no nosso objeto de estudo. O ecoturismo trata de

atividades como a observação de fauna, de flora e de formações geológicas; a

contemplação realizada durante caminhadas, mergulhos, safáris fotográficos e trilhas

interpretativas. O Ministério do Turismo (2008) definiu como o segmento da atividade

turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentivando

sua conservação e buscando a formação de uma consciência ambientalista por meio

da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações.

4 ADDISON, apud SWARBROOKE et al., 2003, p. 8

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3.4 EM BUSCA DO CUME: JORNALISMO DE AVENTURA

Ao olharmos para cima, notamos que estamos a poucos metros do cume,

mais algumas agarras e alcançaremos o topo desta viagem. Qual será a vista lá de

cima? Poucos a conhecem, apenas os mais aventureiros se arriscaram. Assim, como

nessa “montanha”, a definição do termo “Jornalismo de Aventura” poucos se

aventuraram a pesquisar. Devido à escassez de estudo na área, vamos nos limitar a

ver o horizonte encoberto pelas nuvens, não claramente definido, afinal, é uma

atividade que vem crescendo rapidamente na prática e a passos lentos na teoria.

O guia dessa aventura, o jornalista e aventureiro Airton Ortiz, o qual

apresentaremos no próximo capítulo, considera-se o pai do Jornalismo de Aventura.

Em uma matéria de Priscila Pasko, veiculada no Jornal do Comércio, em setembro de

2014, ela apresentou Ortiz como “um dos pioneiros do gênero Jornalismo de Aventura,

onde o repórter assume, ao mesmo tempo, o papel de repórter e protagonista da

reportagem.” (PASKO, 2014). Esta é a principal característica defendida por Airton

Ortiz sobre o Jornalismo de Aventura.

Entretanto, nos livros de Airton Ortiz, da Coleção Viagens Radicais, lançados

pela editora Record, notamos uma série de traços que podem ser consideradas como

Jornalismo de Aventura.

O professor Edvaldo Pereira Lima expõem algumas dessas particularidades

como parte do Jornalismo Literário Avançado. Citamos algumas, retiradas do artigo

Memória do Futuro: Jornalismo Literário Avançado no século XXI, como o conjunto de

princípios operativos e técnicas que diferenciam sua natureza, em comparação ao

modelo convencional de jornalismo. Exemplos são os modos de captação da

realidade, a observação participante. Também há imersão mais ampla possível do

repórter/autor no universo temático definido por sua pauta; os recursos narrativos, tais

como a construção cena à cena, o ponto de vista autobiográfico em terceira pessoa;

e os modos de edição de matérias.

A outra marca apresentada por Lima (2013) centra-se no caráter autoral do

Jornalismo Literário. A partir do rico conjunto de ferramentas disponíveis, o Jornalista

Literário produz sua matéria com estilo próprio e voz autoral diferenciada. Ou seja, a

totalidade da sua maneira de reportar o real, incluindo seu modo de interação com os

personagens efetivos da narrativa.

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Na segunda parte deste artigo, escrito no ano seguinte, Edvaldo Pereira Lima,

cita que o autor do Jornalismo Literário Avançado faz uma leitura investigativa,

mergulhando visceralmente no real.

Vai a campo, observa, interage, capta o significado da rede de fatores e forças que configuram um momento e uma situação de realidade. Interpreta. E apresenta sua reprodução desse real de um modo narrativo peculiar. Tem a habilidade literária do bom escritor de ficção, mas adaptada à narrativa de não ficção ou ao ensaio de não ficção. À sua disposição, um arsenal de formas narrativas – o perfil, a reportagem temática, o texto de viagem ou de memórias, até mesmo a biografia – e o recurso muito peculiar do ensaio pessoal. (LIMA, 2014).

A característica da “imersão no real” é a principal marca dos livros de Airton

Ortiz. Lima (2014), que também defende que o repórter do Jornalismo Literário

Avançado é aquele que interage com o meio e sua comunidade.

Na medida em que essa imersão no real tem como fio condutor o ser humano – é através de personagens reais, suas ações e seu mundo, que o autor conduz seu texto -, fica evidente que conhecê-lo bem é fundamental para o jornalista literário. Como, ao mesmo tempo, precisa investigar o real de frente e com intensidade, necessita depurar seus instrumentos de apreensão da realidade. (LIMA, 2014, grifo nosso).

Renato Mordenell, em sua tese, também fala sobre a imersão no ambiente

relatado. Para ele, a experiência imersiva do protagonista associa uma viagem

existencial ao trajeto geográfico, à qualidade não apenas informativa do texto, mas

também estética. “É isso, aliás, o que o verdadeiro viajante busca ao longo do

caminho. Só assim a viagem poderá perdurar na forma de palavra impressa”. (2009,

p. 124).

Mordenell (2009) também cita algumas características da narrativa de viagem

que são encontradas na obra que Ortiz considera como exemplo de Jornalismo de

Aventura. Por exemplo, a obra inclui conteúdos autobiográficos; retrata uma

experiência vivida em profundidade (imersão); o texto tem elementos de romance de

aventura; o viajante se diferencia do turista por sustentar um olhar inquisitivo sobre o

que o cerca; convive de forma criativa com a insegurança e a surpresa; deixa-se levar

pelo fluxo dos acontecimentos; e delicia-se com os pequenos flagrantes da vida; o

autor reflete sobre a natureza e a velocidade do deslocamento; o autor tem acesso a

esferas sociais com as quais não está habituado a conviver no “mundo comum”; e,

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por fim, o autor parece se mover “nas entrelinhas” dos guias turísticos, sem dar

relevância a elementos conhecidos por todos, os chamados “cartões postais”.

Durante a escalada, voltamos a cruzar com o Edvaldo Pereira Lima, pois em

seu site, o escritor apresenta o conceito de Jornalismo Literário de Viagem. Para ele,

a definição não se distingue muito do que já expomos, porém, Lima se autodenomina

como o responsável pelo termo.

Termo cunhado por Edvaldo Pereira Lima para designar narrativas de não-ficção sobre viagens produzidas em estilo de Jornalismo Literário. Formato bastante popular nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente em livros, desdobra-se em tipos distintos, conforme a proposta editorial da obra, como deslocamento, natureza e jornada interior. No Brasil, é ainda pouco aproveitado por escritores nacionais, mas há traduções de autores clássicos desse gênero, como Ryszard Kapuscinski e Terziano Terzani. Mais do que em outras formas narrativas do JL, exige presença marcante do autor também como personagem, muitas vezes como protagonista. Tem caráter biográfico e está associado simbolicamente à ideia de aventura. Promete implicitamente ao leitor, mais do que uma leitura, uma viagem sensorial pelas experiências vividas pelo autor. Por isso, é natural, no gênero, a produção de textos esteticamente bem desenvolvidos, com a utilização de inúmeros recursos do arsenal narrativo disponível ao JL. Sua origem remota está ligada a narrativas mitológicas e a origem mais moderna, do século XIX para cá, é considerada uma das raízes históricas do próprio JL contemporâneo. (LIMA).5

John Swarbrooke et al. (2003) analisa os livros de viagem de outra forma, não

somente pela narrativa. Em sua pesquisa, o autor afirma que os livros sobre viagem

vêm tendo um crescimento espantoso nos anos recentes e ocupam um grande espaço

nas livrarias. “Tradicionalmente, esses livros tratavam de expedições a lugares

remotos e perigosos. Hoje em dia, no entanto, os livros sobre turismo de aventura

abrangem uma variedade mais ampla de experiências de turismo”. (SWARBROOKE

et al., 2003, p. 146).

Na parte destinada ao estudo de caso, Swarbrooke et al. (2003), analisa que

a literatura de viagem pode ser vista, na verdade, como literatura de viagem de

aventura, pois a viagem representa uma aventura para o autor. Além disso, as viagens

comuns tendem a produzir uma literatura muito maçante. Ele ainda elenca uma série

de tipologias da literatura de viagem para provar essa diversidade, como por exemplo:

livros sobre jornadas a destinos remotos e/ou exóticos, ou ainda a lugares perigosos

devido ao clima, terreno, doenças ou guerra.

5 LIMA, Edvaldo Pereira. Verbetes elaborados por Edvaldo Pereira Lima. Disponível em: <http://www.edvaldopereiralima.com.br/index.php/jornalismo-literario/conceitos>. Acesso em: 21.fev.2015.

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Na lista de Swarbrooke et al. também entram livros que os autores repetem

os passos de viajantes famosos do passado, e expedições e aventuras épicas.

Ao falar sobre o assunto, Onfray (2009) prefere exemplificar a força da escrita.

Para o filósofo a aquarela, o desenho, a foto, como outros suportes são relativamente

pobres perto das palavras e somente a experiência escrita permite dar conta da

totalidade dos sentidos da experiência vivida. “Em realidade, a experiência procede

do velho sonho mallarmeano6: fazer o real culminar no texto, transfigurar a vida em

experiências capazes de resultar num livro”. (ONFRAY, 2009, p. 99).

Embora o tempo esteja “fechado”, conseguimos visualizar a essência do

Jornalismo de Aventura nesta última parte da subida. As características elencadas

aqui servirão de base para a pesquisa e análise que seguirá.

Também baseado no que vimos, para alguns, essas descobertas ou

“escalada” foram uma verdadeira aventura, já para outros nem tanto. Independente

da bagagem individual, a caminhada e o esforço na subida para chegarmos até esse

ponto, foram de extrema importância. As pessoas que encontramos no meio da trilha

ou que nos estenderam o braço para ajudar a pular uma pedra, ou até mesmo aqueles

que seguram a nossa corda quando pensávamos que iriamos cair, todos eles foram

fundamentais. Cada um com uma visão diferente, com uma bagagem maior ou menor,

não importa. O que realmente fica é o prazer de desfrutar de tanta beleza e

conhecimento ao lado de estudiosos e pesquisadores, aqui, no topo da montanha.

Vamos ficar alguns minutos aqui, olhando a paisagem, embora esteja

encoberta pelas nuvens, que predominam neste momento, é bom para descansarmos

e recuperar o fôlego. Enquanto tiramos a mochila e fizemos um lanche, vamos

aproveitar para conhecer mais sobre o guia dessa aventura e suas andanças pelo

mundo. Como ele estava lá na frente da fila, abrindo a trilha, não conseguimos o ouvi-

lo muito bem, mas agora, chegou a sua vez. Lá vem Airton Ortiz para sentar na pedra

ao lado da nossa e contar suas façanhas.

6 Relativo a Stéphane Mallarmé (1842 - 1898), poeta parnasiano francês, ou próprio de sua obra.

Quem ou o que é entusiasta ou estudioso da obra desse poeta.

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4 O GRANDE AVENTUREIRO

Aqui no cume, olhando o horizonte, começamos a imaginar o quão pequenos

somos diante desse universo, toda essa vista, as pessoas que cruzaram nosso

caminho, seja no trem, na trilha ou na escalada final. Essa é apenas a primeira de

muitas aventuras que ainda poderemos viver. Como por exemplo, o que nos é

apresentado por meio de nosso objeto de estudo: o livro Na Estrada do Everest:

trekking pelo Himalaia, e seu criador e guia desta viagem: Airton Ortiz.

Ortiz é jornalista e aventureiro, ou melhor, é um jornalista aventureiro. Ortiz é,

digamos que, uma pessoa “experiente”, com estatura média, cabelo grisalho, barba

branca e seus tênis, embora já trocados muitas vezes, sempre apresentam alguma

marca da última aventura, assim como a sua mochila que coleciona histórias. O seu

passaporte não tem mais espaço para carimbos, já são mais de 80 países visitados

durante seus 60 anos.

Ortiz nasceu em 27 de novembro de 1954, sob o signo de sagitário, o qual

acredita ser um dos motivos que o leva a gostar tanto de viagens. Para quem nunca

leu seus livros ou ouviu seu nome pela primeira vez, imagina ser um escritor de longe,

São Paulo ou Rio de Janeiro, quem sabe. Mas, é só trocar duas palavras com ele e já

descobrimos um forte sotaque gaúcho. Embora tenha nascido em uma vila ferroviária

de Bexiga, no interior do município de Rio Pardo, o sotaque porto-alegrense é uma de

suas marcas que nunca foram perdidas durante as inúmeras viagens.

O gaúcho, filho de Almerindo Ortiz e Eloah Machado Ortiz, morou na vila até

os três anos de idade, quando seus pais se mudaram para a localidade de Capão do

Valo, no interior do município de Candelária, na divisa com os municípios de

Cachoeira do sul e Rio Pardo. O garoto foi alfabetizado na zona rural de Cachoeira do

Sul.

Mesmo tendo dois irmãos mais novos: Vera Janete Ortiz Ribeiro e Nilo Clóvis

Machado Ortiz, em 1966 mudou-se sozinho para Cachoeira do Sul, para estudar.

Morou na casa da sua madrinha Edith Machado e pôde completar os estudos. Em

1968, quando estava cursando a 1ª série ginasial, ganhou seu primeiro concurso

literário para uma redação sobre a amizade entre Brasil e Portugal.

Enquanto estudava em Cachoeira do Sul, foi atleta profissional da Sociedade

Rio Branco, vencendo diversas competições locais e estaduais de atletismo, esporte

que mais tarde o ajudaria na realização das aventuras. Na mesma época, trabalhou

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na Rádio Cachoeira, na equipe de esportes liderada pelo jornalista Saul Torres e

comandada pelo radialista José Schneider Silva. Colaborou também com a editoria

de esportes do Jornal do Povo onde, como repórter, acompanhava as excursões do

Cachoeira Futebol Clube, suas primeiras viagens a serviço do jornalismo.

Em 1975, mudou-se para Porto Alegre, para cursar a faculdade de Jornalismo.

Formou-se pela PUC. Fez pós-graduação em Administração de empresas na UFRGS

e se tornou fluente em diversas línguas. Nessa época, trabalhou na rádio Farroupilha

com Flávio Alcaraz Gomes. Entre 1976 e 1982, trabalhou no Banco do Brasil, de onde

saiu para criar o Jornal Tchê!.

Fundou e editou o Jornal Tchê! especializado em cultura gaúcha, que circulou

no Rio Grande do Sul na primeira metade dos anos 1980, funcionando como um elo

entre o movimento nativista, que então surgia, e a juventude urbana do estado. Com

uma abordagem crítica e sem preconceitos, além da linguagem inovadora, o jornal

ajudou a criar um novo padrão editorial na mídia gaúcha.

Também fundou e dirigiu a Editora Tchê!, especializada na publicação de

autores gaúchos, entre as obras estavam livros de Apparicio Silva Rillo, Jayme

Caetano Braun e Barbosa Lessa. Durante os seus 15 anos de atividade, a editora

publicou cerca de 1.000 títulos e comercializou cinco milhões de exemplares em todo

o Brasil. Lançou o primeiro livro brasileiro em plataforma digital, Um Guri Daltônico,

de Carlos Urbim.

Em 1997, Ortiz fechou a editora para se dedicar com exclusividade ao

jornalismo, escrevendo livros e reportagens sobre suas viagens radicais. Esse gosto

pela literatura de viagem o levou a conhecer o mundo, sempre caçando aventuras,

em especial as que pudesse transformar em boas histórias para relatar aos seus

leitores.

Ao ser praticante do Jornalismo de Aventura, Airton vem consolidando o

gênero no Brasil nas últimas décadas. O inverso também ocorreu, ao focar mais na

emoção do que na informação, o gênero o ajudou a ser um dos autores de livros-

reportagem mais vendidos no Brasil. Segundo o crítico Affonso Romano de Santana,

Airton Ortiz recriou a literatura de viagem no Brasil7. Devido à forma literária dada em

seus relatos, seus livros também são utilizados como leitura complementar em

diversos cursos de pós-graduação em Jornalismo Literário.

7 Informação de Airton Ortiz, concedida pelo mesmo em entrevista realizada por e-mail em 06 de abril de 2015.

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Em outubro de 2004, foi patronável da Feira do Livro de Porto Alegre, honraria

repetida em outros dez anos, sendo que no último, em 2014, foi eleito patrono da 60ª

Feira do Livro de Porto Alegre, um dos mais importantes eventos culturais do país.

Antes disso, Ortiz viveu a experiência como patrono em 20 feiras do livro de

escolas e cidades como: Picada Café e Butiá, em 2006; Bento Gonçalves, Lajeado e

Pantano Grande, em 2008; São Sepé e Santa Clara do Sul, em 2009; Feira do Livro

da Zona Sul de Porto Alegre, em 2013; em Gramado, em 2015. Além disso, inúmeras

salas de leituras e bibliotecas de escolas levam o nome do autor.

O explorador, aventureiro e fotógrafo Airton Ortiz é escritor profissional e

possui 19 livros publicados, sendo dois escritos em parceria com mais cinco autores;

é jornalista free-lancer, especializado em reportagens internacionais sobre a natureza

selvagem. Membro da Federação Internacional de Jornalistas, com sede em Bruxelas,

tem suas matérias publicadas na maioria dos grandes jornais e revistas brasileiros,

como Zero Hora, Jornal do Povo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, Revista Terra,

Horizonte Geográfico, Giro & Aventura, entre outros.

Airton é comentarista do programa Galpão do Nativismo, da Rádio Gaúcha,

de Porto Alegre. Ainda no rádio, é colunista do programa Mapa Mundi, sobre turismo,

apresentado pela rádio Bandeirantes, de Porto Alegre, e comentarista de literatura, da

rádio Bandnews FM.

Ao lermos os livros de Ortiz, nos sentimos como seu amigo de infância. Entre

uma página e outra conseguimos identificar suas principais caracteristicas, como um

gaúcho que gosta de futebol, e é gremista, inclusive escalou o Kilimanjaro vestindo a

camisa do Grêmio. É fã de um “uisquezinho” no final do dia, adora um churrasco,

aprecia uma boa música, é fã de samba. Falando em samba, Airton Ortiz foi

homenageado pela Escola de Samba Aldeanos, de Cachoeira do Sul, em 2015, com

o tema-enrendo "Viajando com Airton Ortiz", que deu o título de campeã (do carnaval

local) à escola de samba.

O editor chefe da Kalapalo Editora, Guilherme Cavallari, analisa que em todo

o mundo existem escritores que “introduzem a aventura” aos seus leitores, o que

muitas vezes, incentiva a prática de determinadas atividades, instigando a curiosidade

e promovendo a ação ao invés da inatividade.

Ortiz tenta cumprir esse papel no Brasil. Seus livros não são grandes obras de arte, não apresentam um estilo estético muito definido, não têm a

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originalidade que caracteriza os grandes escritores, mas, mesmo assim,

despertam o interesse do leitor. (CAVALLARI)8.

Ortiz afirma que sempre viaja como jornalista, pois se viajasse a turismo iria

ser muito egoísta guardar suas histórias apenas para si. Como jornalista, tem a

possibilidade de dividí-las. Além disso, escrever um livro após a viagem é uma forma

de prolongar a aventura.

Minha viagem se divide em três partes: a) preparação; b) viagem propriamente dita e c) escrever um livro. Quando estou escrevendo um livro, após a viagem, (pesquisando no meu diário) descubro as pequenas coisas que me passaram despercebidas enquanto estive na estrada. Escrever um livro sobre uma viagem é, na verdade, prolongá-la por mais alguns meses. E dividir minhas pequenas descobertas com meus leitores é maravilhoso. (ORTIZ)9.

Como as suas viagens tem por objetivo a escrita de um livro, ele nunca está

a passeio, pois há uma série de perguntas que precisam ser respondidas para que o

leitor conheça com mais profundidade a realidade do país visitado. A passagem da

viagem para o texto significa que, além das informações e dos aprendizados, também

todas as emoções, as alegrias, os medos, as angústias e os prazeres precisam ser

percebidos, mentalizados, elaborados e transformados em linguagem escrita.

A obra começa a ganhar forma quando chego ao país de destino, pois nesse momento se abrem inúmeras possibilidades e alternativas que vão moldando o caráter da aventura que será vivida e, por consequência, da história que será contada. (ORTIZ)10.

Conforme Ortiz, em entrevista para a Editora Record, a maioria de seus

leitores são jovens, o que anima ainda mais o autor, pois, segundo o autor, os jovens

acreditam que a vida pode ser vivida com muita intensidade, por isso, utiliza seus

livros como uma injeção de ânimo e estímulo para os leitores. “A coisa mais

maravilhosa do mundo é descobrirmos que somos capazes de resolver todos os

8 CAVALLARI, Guilherme. Aventura No Topo Da África / Airton Ortiz. Disponível em: <http://www.kalapalo.com.br/index.php/bibliot/aventuranotopodaafrica/>. Acesso em: 01 abr. 2015. 9 RECORD, Grupo Editorial. Entrevista: Expresso para a Índia. Disponível em: <http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=2514&id_entrevista=48>. Acesso em: 23 mar. 2015. 10 RECORD, Grupo Editorial. Entrevista: Egito dos faraós. Disponível em: <http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=2514&id_entrevista=46>. Acesso em: 23 mar. 2015

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problemas que surgem na nossa vida, que somos donos do nosso próprio destino e o

colocamos no lugar que desejamos”. (ORTIZ) 11.

Ortiz buscou inicialmente visitar e relatar locais que não são óbvios para o

turista comum, ele afirma que essa é uma escolha pessoal, pois sente uma grande

atração pelos lugares onde pode entrar em contato com uma natureza humana mais

autêntica e com uma geografia mais selvagem. “Sou um gaúcho do interior e o interior

me atrai mais do que a cidade grande”. (ORTIZ)12.

Em uma matéria, escrita para o Jornal Zero Hora13, Ortiz (2014) afirma que,

nas suas andanças pelo planeta, sempre se surpeende com a diversidade humana.

Segundo o autor, é possível viajar por semanas a fio pela África ou pela Ásia – ou

mesmo pelo interior da América Latina – sem encontrar o menor vestígio de marcas

comerciais que erroneamente chamamos de mundiais. Nem as maneiras como alguns

desses povos se vestem têm algo a ver com as roupas que usamos. O mesmo

acontece com suas crenças religiosas, filosóficas e políticas. Ou com a comida que

consomem. Isso é o que mais o fascina e sempre busca relatar em seus livros. Livros

esses, que são muitos, e o autor nos detalha um a um, como se tivesse contando a

última viagem realizada, cheia de emoções e peripécias.

4.1 AVENTURAS

Não se precisa de uma longa conversa para notarmos que a experiência de

nosso guia é enorme. Os gestos, a forma humilde de falar e a riqueza em detalhes

mostram que ele realmente tem diversas aventuras no currículo. Por meio de suas

obras podemos viajar pelo mundo, seus relatos nos transporta para o local do

acontecimento. Vamos fechar os olhos e conhecer as principais obras do autor, assim,

enquanto sentimos o vento tocar o rosto, vamos dar uma volta no mundo e no tempo.

A nossa primeira parada será em 1999, quando Ortiz lançou o primeiro livro

da série Viagens Radicais, chamado Aventura no topo da África. Nesta obra ele narra

sua expedição ao cume do Monte Kilimanjaro, quando, aos 42 anos, tornou-se o

11 RECORD, Grupo Editorial. Entrevista: Egito dos faraós. Disponível em: <http://www.record.com.br/ autor_entrevista.asp?id_autor=2514&id_entrevista=46>. Acesso em: 23 mar. 2015 12 RECORD, Grupo Editorial. Entrevista: Egito dos faraós. Disponível em: <http://www.record.com.br/ autor_entrevista.asp?id_autor=2514&id_entrevista=46>. Acesso em: 23 mar. 2015 13 ORTIZ, Airton. Airton Ortiz, patrono da Feira do Livro, faz lista de lugares inesquecíveis. 2014. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/viagem/noticia/2014/10/airton-ortiz-patrono-da-feira-do-livro-faz-lista-de-lugares-inesqueciveis-4609316.html>. Acesso em: 24 nov. 2014.

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primeiro gaúcho a escalar a mais alta montanha do continente africano, o Kilimanjaro,

entre a Tanzânia e o Quênia. Mas, antes de chegar ao topo do monte, o autor nos

leva por um passeio desde a chegada, em Joanesburgo, até a pisada firme na boca

da cratera no cume do Kilimanjaro, numa mistura de acontecimentos, aprendizagens

e aventuras de uma viagem que traz informações históricas e anedotas.

Uma sequência de infortúnios e o enorme choque cultural transformaram a

viagem numa pequena aventura. O relato desta viagem e da escalada do Kilimanjaro

é bem diferente dos livros padrão de narrativas de grandes montanhas. Primeiro,

porque o Kilimanjaro, com seus 5.895 m, é mais baixo que muita montanha da

Cordilheira dos Andes e praticamente sem gelo ou neve. Na verdade, escalar o

Kilimanjaro é uma caminhada árdua, nada mais que isso. E segundo, porque Ortiz

não é esportista ou montanhista profissional, o que torna a narrativa mais interessante.

Dentre as peripécias desta viagem, está o fato de Ortiz ser assaltado na África

do Sul, o safári pela savana na Tanzânia, ficando às vezes cara a cara com leões e,

principalmente, ter chegado ao pé do lendário monte Kilimanjaro, onde encontrou o

alemão Horst Schejok que buscava a mesma realização. Parceiros reunidos pelo

acaso, logo se identificaram no grande sonho de pisar nas neves da montanha.

Alugaram equipamentos, contrataram um guia, um cozinheiro, um carregador, e

estava montada a pequena expedição.

Eu e Horst nos abraçamos, choramos. Eram 5h15min da madrugada do dia 1 de setembro de 1997. Fazia 12 graus negativos, mas a sensação térmica era bem mais baixa. Não sei se era apenas uma combinação de emoções com exaustão, mas a visão, banhada por grossas lágrimas, parecia linda demais. A lua cheia, que acompanhara nosso sofrimento durante toda a subida, agora nos recompensava, iluminando o gigantesco glaciar de Oguro que se forma no topo do monte Kilimanjaro, o ponto mais alto da África. Estávamos nos equilibrando na borda da cratera do vulcão Kibo, com seus 4.000 metros de diâmetro e mais de 1.000 metros de profundidade. [...] Eu estava ali. Bem ali! Disso eu tinha certeza. (ORTIZ, 1999, p. 199-200).

A obra seguinte não demorou muito para ser lançada, em 2000, A Estrada do

Everest já estava nas prateleiras das livrarias. Este foi o primeiro livro do autor finalista

do prêmio Açorianos de Literatura, um dos mais importantes do Rio Grande do Sul. O

livro que narra a aventura pela cordilheira do Himalaia, no Nepal, foi escolhido como

objeto de estudo deste trabalho. Por isso, vamos deixar essa história para depois.

A próxima parada não foi muito longe do Nepal. Em 2001, Ortiz lançou Pelos

Caminhos do Tibete, que conta a viagem na qual ele percorreu, de jipe, todo o platô

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tibetano, viajando de Lhasa a Katmandu através do Himalaia. Também foi finalista do

prêmio Açorianos de Literatura.

Em meio aos relatos dessa viagem e às descrições minuciosas dos costumes

de um povo ainda misterioso, o livro revela uma surpresa: a derrota imposta ao

exército chinês desde a fuga do Dalai Lama, em 1959, tem o dedo do autor. Em troca

de um visto falso para poder entrar no Tibete e escrever seu livro, Ortiz ajudou a

resistência tibetana a retirar do país o Karmapa Lama Urgyen Trinley Thaye, terceira

pessoa na hierarquia budista e sucessora do próprio Dalai Lama. Urgyem estava

detido num mosteiro, nos arredores de Lhasa e, para ajudar na sua libertação, cabia

ao brasileiro entregar uma carta e trazer de volta a resposta. Bancar o mensageiro

não era tão simples como parecia ser. Se fosse descoberto carregando a mensagem

e portando falsos documentos, Ortiz poderia acabar com suas aventuras numa prisão

chinesa.

Podemos dizer que, esse é mais um exemplo que aventura não significa

apenas esportes radicais. Ortiz, em entrevista para o Grupo da Editorial Record,

confessou que ficou com medo.

[...] eu não tinha outra alternativa. Era encarar o desafio ou voltar para o Brasil. Resolvi seguir em frente. Como me conheço muito bem, eu sabia que, independentemente do que viesse a acontecer, muito pior seria eu ter que conviver com o fato de ter desistido de um desafio antes mesmo de tê-lo enfrentado. (ORTIZ).14

Em 2002, foi a vez de autografar a obra Cruzando a Última Fronteira, que

narra a travessia do Alasca, do sul até o oceano Ártico. Na história, Ortiz sobe a Costa

do Alasca de barco, com a barraca armada no convés de um navio e percorrendo 2

mil quilômetros pelo Pacífico Norte. Ele visitou diversas ilhas, até desembarcar em

Skagway, no continente. Entrou no Canadá pelo território do Yukon e subiu até

Dawson City, onde teve a oportunidade de garimpar ouro, no lendário rio Klondique.

Voltou novamente para o Alasca e conseguiu permissão para acampar dentro do

Parque Nacional Denali, uma área completamente selvagem, destinada apenas aos

aventureiros profissionais, onde, para sobreviver, ele necessitou realizar um curso

14 RECORD, Grupo Editorial. Entrevista: Pelos caminhos do Tibete. Disponível em:

<http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=2514&id_entrevista=49>. Acesso em: 23 mar. 2015.

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com os guardas florestais. E, por fim, chegou ao Extremo Norte, na aldeia esquimó de

Barrow, seu grande objetivo ao planejar a aventura.

Por meio desse combinado de aventuras, com observações e pesquisa sobre

a história e os costumes da região, Ortiz divide com os leitores uma nova e

inesquecível viagem, em busca de um contato com a natureza, as pessoas e as

paisagens de uma das regiões mais selvagens da Terra.

Com um enredo um pouco diferente, em 2003, Ortiz lançou Expresso para a

Índia, que mostra uma profunda experiência na terra dos deuses hindus. A obra

ganhou o prêmio Euclides da Cunha, da União Brasileira de Escritores, como o melhor

livro de ensaio lançado no Brasil naquele ano, além de ter sido o 2º livro mais vendido

na 49ª Feira do Livro de Porto Alegre.

Em busca de novas aventuras e experiências, o jornalista resolveu viajar para

um lugar onde pudesse encontrar uma cultura nativa, uma comida exótica e um

tempero diferente. A ideia inicial era dar continuidade a viagem de Vasco da Gama,

realizada cinco séculos antes. O grande navegador português chegou a Calicute e

Ortiz iniciou a viagem em Calicute. Ele se limitou a ficar no litoral, enquanto o jornalista

partiu do litoral em direção ao interior do país. Assim, Ortiz viajou mais de sete mil

quilômetros de trem — o transporte mais popular da Índia — nas classes inferiores e

teve a oportunidade de conhecer os verdadeiros indianos, que representam mais de

95% da população.

No ano seguinte, em 2004, Ortiz resolveu contar um pouco da história

brasileira. Na obra Travessia da Amazônia ele nos narra uma viagem do Pacífico ao

Atlântico pelos rios amazônicos. Essa obra ganhou o prêmio Livro do Ano da

Associação Gaúcha de Escritores, como melhor livro de não-ficção escrito por um

autor gaúcho naquele ano, além de ter sido o 5º livro mais vendido na 50ª Feira do

Livro de Porto Alegre.

Essa é a primeira aventura da coleção Viagens Radicais em território

brasileiro, nesta obra a aventura vai de costa a costa da América do Sul. O autor saiu

de Lima, no litoral ocidental do continente, e chegou a Belém, no litoral oriental. Foram

cerca de cinco mil quilômetros de aventuras cruzando a Amazônia peruana, a

colombiana e toda a floresta brasileira também. Ele optou por não usar avião e andar

por terra o mínimo possível, traçando uma rota onde pudesse navegar pelos rios

amazônicos a maior parte do tempo. Viajando sempre em embarcações locais, o

explorador gaúcho passou três meses visitando aldeias indígenas e povoadas

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ribeirinhos ao longo dos rios, além de fazer profundas incursões pelo interior da

floresta, entrando em contato direto com a flora e os animais da maior selva tropical

do mundo.

Aventurar-se pelo deserto do Saara foi a escolha de 2005, quando lançou a

obra Egito dos Faraós, nesta obra ele narra uma jornada através do deserto do Saara,

em lombo de camelo, e a descida do rio Nilo, numa jangada. O livro foi finalista do

prêmio Livro do Ano da Associação Gaúcha de Escritores, além de ter sido o 3º livro

mais vendido na Feira do Livro de Porto Alegre.

Durante a história, Ortiz nos conta desde os espertalhões que fazem de tudo

por uma gorjeta até os policiais superprotetores, passando pelas figuras das

dançarinas, dromedários, faraós, múmias expostas em museus e múmias

encontradas no meio do deserto — estes são alguns dos personagens que passeiam

por Egito dos Faraós. Outra novidade do livro, é que pela primeira vez, o autor viajou

acompanhado do início ao fim da viagem, neste caso o escolhido foi o fotógrafo Beto

Scliar.

Da capital Cairo ao Vale dos Reis, a dupla passou pela costa do Mediterrâneo,

atravessou o Saara e desceu o Rio Nilo, enfrentando inúmeros desafios à medida que

avançavam. As palavras de Ortiz descrevem não apenas detalhes da história e da

geografia do local, mas também colocam o leitor no papel de companheiro de viagem,

ao relatar os sentimentos e pensamentos diante das experiências pelas quais passou.

O livro, acima de tudo, expõe vias alternativas para o conhecimento da cultura egípcia

e de seu povo, tão diverso quanto às cores no céu do Saara.

Em 2006, foi a vez de refazer o caminho percorrido pelos humanos pré-

históricos que povoaram o Brasil. O livro Na trilha da Humanidade parte da África,

cruzando a Ásia, entrando nas Américas pelo Alasca e descendo até Minas Gerais,

uma volta ao mundo completa, 45 mil quilômetros, 12 países. Sucesso de crítica e de

público, também integrou a lista dos livros mais vendidos na 52ª Feira do Livro de

Porto Alegre.

Esse livro se originou de uma série com 12 reportagens, 24 páginas, publicada

no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 2005. A matéria foi finalista do Prêmio Esso

de Jornalismo, a mais importante e tradicional condecoração da mídia brasileira.

No livro, Ortiz estava decidido a mostrar como passamos de símios a seres

humanos, por isso, ele percorreu, durante três meses, 45 mil quilômetros, grande parte

deles na África selvagem. No caminho, topou com animais, tribos hostis e até

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guerrilheiros. No decorrer da obra, ele nos prova que o viajante e aventureiro por

natureza, o Homo sapiens, foi se espalhando pelo planeta e tomando conta do mundo.

Primeiro dentro da África, marchando para o sul, depois para terras mais distantes.

Há cerca de 120 mil anos, seguiu para o norte em busca de novos territórios. Subiu

pelo vale do Nilo até o Mediterrâneo, dobrou a direita, atravessou a península do Sinai

e chegou ao Oriente Médio. Um desses grupos cruzou a Ásia, seguindo as grandes

manadas de mamutes e ingressou nas Américas pelo Alasca, descendo até o Brasil.

Ortiz seguiu as pegadas desse povo, o caminho percorrido por nossos

ancestrais, a partir dos seus vestígios arqueológicos e das informações genéticas das

populações atuais. Como eles, Airton Ortiz saiu da África, passou pelo Oriente Médio,

cruzou a Ásia e entrou nas Américas pelo Alasca, descendo até Minas Gerais, onde

viveu o primeiro ancestral brasileiro, de quem se tem notícia. Além dessa grande

viagem física, Ortiz também conduz o leitor a uma viagem de 7 milhões de anos.

Este livro narra a mais longa e a mais perigosa de todas as viagens que já fiz, adrenalina pura durante os quase três meses em que estive na estrada. Espero ter passado isso para o texto. Foi também minha aventura mais empolgante. E, de longe, minha expedição mais importante. E acho que escrevi meu melhor livro entre os oito da Coleção Viagens Radicais. (ORTIZ).15

O autor reconstituiu, detalhadamente, a história da evolução humana. Usou

como fonte informações arqueológica e genética, tanto bibliográfica como as

resultantes das próprias observações, além das entrevistas realizadas com os

maiores cientistas ao redor do mundo. Mais do que reunir num único volume todo esse

conhecimento, até então só encontrado fragmentado nas teses acadêmicas, montou

uma história com começo, meio e fim, cada ato no seu devido lugar. Como acréscimo

em relação ao trabalho dos historiadores, paleontólogos e geneticistas, feito em

laboratório, visitou os sítios arqueológicos e refez pessoalmente a trilha dessa grande

migração humana. Por isso, além de contar a história antiga, descreveu como são

esses lugares na atualidade e como vivem seus moradores. Tudo costurado com a

aventura da viagem propriamente dita.

15 RECORD, Grupo Editorial. Entrevista: Na trilha da humanidade. Disponível em: <http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=2514&id_entrevista=51>. Acesso em: 23 mar. 2015.

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Empolgado em contar a história da humanidade, em 2007, realizou uma

expedição para a América Central e relatou essa história na obra Em Busca do Mundo

Maia. O livro se originou de uma série de seis reportagens publicadas no Jornal do

Povo, de Cachoeira do Sul. A matéria, que aborda a extinção da cultura dos maias,

ganhou o Prêmio ARI de Jornalismo, o mais tradicional e importante da mídia gaúcha,

onde obteve o primeiro lugar na categoria reportagem cultural.

Airton Ortiz, bem ao seu estilo, percorreu as selvas onde viveu o povo Maia,

cujos traços culturais ainda são visíveis em pequenas aldeias de alguns países da

América Central. O autor mostra que essa nação sofreu um colapso, mas não

desapareceu. Uma das civilizações mais avançadas do mundo acabou reduzida a

vilarejos miseráves habitados por aldeões.

Ele desembarcou em Manágua e seguiu por terra até o estado mexicano de

Chiapas, em um roteiro que atravessou cinco países: Nicarágua, Honduras,

Guatemala, Belize e sul do México; uma jornada de quase 5 mil quilômetros por

montanhas, vulcões em atividade, vales, planíceis, praias, rios, selvas infestadas por

doenças e animais, traficantes e guerrilheiros. Foram três meses viajando pelas

pequenas comunidades do interior, tendo um contato direto com os hábitos e

costumes desses povos.

No mercado público, outro lugar onde costumo encontrar a alma da cidade, descobrindo um pouco mais das tradições de seu povo, em especial seus cheiros, sabores, costumava comer ótimos tacos, uma tortilha de milho enrolada e recheada com feijão, queijo e carne, tudo bem temperado, como manda a tradicional cozinha mexicana. (ORTIZ, 2007, p. 177).

Além de narrar suas aventuras, o autor faz uma analogia com a realidade atual,

mostrando como o mundo moderno marcha pelo mesmo caminho que levou à

decadência de uma das mais extraordinárias civilizações da antiguidade.

Em 2008, Ortiz se aventurou em livros de ficção, assim nasceu Cartas do

Everest, um romance de aventura narrando uma trágica expedição ao cume do Monte

Everest.

Trata-se da história de três alpinistas escalando a mais alta montanha do

mundo. A expedição, formada por um americano, um alemão e um brasileiro, passa

por momentos terríveis e, cada um dos amigos reage de forma diferente diante das

tragédias, pois é na natureza selvagem que os humanos expõem o seu verdadeiro

caráter.

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Cansado de ser derrotado pela vida, Cláudio Adônis Montenegro está

decidido a vencer a qualquer preço. Acompanhado por dois grandes amigos, astros

do alpinismo internacional, o montanhista amador parte para o Everest, em sua

terceira tentativa.

A pequena expedição, planejada para ser um rápido e seguro passeio

montanha acima, é surpreendida por uma tragédia descomunal. Mesmo diante de

uma realidade tão brutal, capaz de abater a mais sólida das mentes, Cláudio não

sucumbe. Pelo contrário: desafiada, sua alma supera todos os limites, alcançando

uma grandeza que não imaginava possuir.

No ano seguinte, em 2009, Ortiz voltou para o seu chão, os livros de não-

ficção com relatos de suas aventuras. Dessa vez, o autor desembarcou no Sudeste

Asiático e recontou a história da Guerra do Vietnã sob o ponto de vista do povo

vietnamita. Na obra, Vietnã Pós-Guerra, seu décimo livro pela Coleção Viagens

Radicais, ele relata a visita à Tailândia, Laos e Camboja, mas centra sua aventura no

Vietnã. O autor percorreu todo o território vietnamita, viajando de Hanói, no Norte, a

Saigon, no Sul, passando pela baía Ha Long e pela Zona Desmilitarizada, antiga

fronteira entre o Vietnã do Norte e Vietnã do Sul.

Acompanhado pelo repórter fotográfico Luiz Antônio Ferreira, Ortiz visitou os

locais onde se deram as maiores batalhas durante a Guerra do Vietnã. Seu objetivo,

nessa viagem, foi recontar a história da guerra a partir do ponto de vista dos

vietnamitas.

Na chegada a Hanói, o repórter descobriu que até o nome da guerra é

diferente dependendo de quem a conta. Para os Estados Unidos, e para o resto do

mundo, tratou-se da Guerra do Vietnã. Mas para os vietnamitas ela é conhecida como

Guerra Americana. Outro fato que surpreendeu o jornalista: enquanto a imprensa

ocidental informava que o motivo da guerra era impedir o avanço do comunismo no

mundo, isso em plena Guerra Fria, para o povo do Vietnã a luta era para defender o

país da invasão de uma potência estrangeira.

Os repórteres percorreram também o delta do rio Mekong, uma região

selvagem onde para sobreviver foi preciso comer carne de cobra, único alimento

disponível.

No mesmo ano, Ortiz também lançou Retratos da Terra, seu único livro de

fotografias. Uma edição de arte, com 170 imagens de 30 países mostrando a

diversidade cultural e humana que existe no mundo.

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Depois de aventurar-se pela ficção, por livros de fotografia, em 2010, Ortiz

escreveu um livro coletivo e também se arriscou em um livro de crônicas. A obra Aqui

dentro há um longe imenso é o primeiro livro do grupo Osseis de Porto Alegre, uma

obra coletiva escrita em parceria com Carlos Urbim, Christina Dias, Sérgio Napp, Luiz

Paulo Faccioli e Maria de Nazareth Agra Hassen. Eles realizaram reuniões para expor

suas ideias e colocá-las no papel, até que o livro fosse terminado.

O livro debate sobre a preservação das baleias e dos rios, de usos e costumes e

sobre as indagações que existem dentro de cada ser à procura de si mesmo. O

personagem principal, Fabiano, começa a ver o mundo de uma forma diferente depois

que sua amiga Marcela veio com ideias sobre ecologia, vegetarianismo, proteção dos

animais e defesa do meio ambiente.

Em outubro de 2010, também lançou Havana, o primeiro livro de crônicas do

autor e que abre a Coleção Expedições Urbanas. Nessa coleção, ele vai atrás do

bicho-homem, suas alegrias, esperanças e frustrações. E, como bom aventureiro,

acaba sempre se colocando nas histórias que descreve.

Em Havana, ele muda seu registro da reportagem para a crônica. Por meio de

textos bem humorados, que resgatam parte das histórias da cidade e mostram como

os havaneses vivem, amam, choram e festejam.

Ortiz começa sua aventura ouvindo jazz no Malecón, em meio às belas filhas

de Oxum, e termina no Tropicana Nightclub, um dos mais famosos cabarés do mundo,

desde a época em que servia de palco para Benny Moré e Maurice Chevalier. São 55

crônicas que mostram a luta dos havaneses contra as dificuldades econômicas e o

orgulho de sua capital.

Essa obra ganhou o prêmio Livro do Ano da Associação Gaúcha de Escritores

e foi finalista do Prêmio Açoriano de Literatura, da prefeitura de Porto Alegre.

Em 2011, Jerusalém dá continuidade aos livros de crônicas, versando sobre

a importante cidade do Oriente Médio. Esta obra lhe rendeu o Prêmio Livro do Ano,

da Associação Gaúcha de Escritores, e também foi finalista do Prêmio Açorianos de

Literatura.

Ortiz resolveu explorar a mística Jerusalém, uma metrópole emblemática,

centro religioso das três principais religiões monoteístas do planeta: islamismo,

judaísmo e cristianismo. Do dourado de seus domos ao ocre das pedras, das

mesquitas ao Santo Sepulcro, passando pelo Muro das Lamentações, Ortiz descortina

um lugar mágico, endeusado. Mas adverte: na Terra Santa também há tentações.

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Nestas crônicas, Moisés, Maomé e Jesus se encontram sem preconceitos, na

complexa miríade dos mercados e ruelas locais. Ortiz reúne momentos interessantes

vivenciados por ele nas cinco vezes em que esteve na cidade. A última fugindo dos

conflitos de rua no Cairo, quando o presidente do Egito foi forçado a renunciar.

Em 2012, Ortiz voltou a escrever ficção e lançou Gringo, um romance que

mescla os gêneros literatura de formação com literatura de viagem. A obra mostra as

peripécias de um brasileiro comum, Victor, mas que, por uma série de circunstâncias,

acaba fazendo uma longa viagem pela América do Sul. À medida que vai percorrendo

o continente a relação com outros mochileiros e o contato com paisagens e culturas

diferentes o fará descobrir um mundo extraordinário, que ele nem imaginava existir.

Um mundo que o amedronta, mas também o desafia.

Escalando montanhas congeladas, navegando por lagos em altitudes

extremas, percorrendo planaltos salgados e atravessando cordilheiras por estradas

sempre à beira de penhascos, Victor conduz o leitor por caminhos improvisados,

lugares mágicos, animais selvagens e humanos traiçoeiros. Muitas vezes, tudo isso

num mesmo dia.

Passei o dia caminhando montanha acima, algo que nunca imaginei que pudesse fazer. Pelo menos não com tamanha intensidade. E, ainda por cima, carregando dois bastões que só agora aprendi a usar. Foi bem mais difícil que o Chacaltaya; lá eram poucas horas e já se descia. Aqui não. Quanto mais subimos, mais há para subir. Caminhar à beira destes precipícios é excitante, mas dá medo. (ORTIZ, 2012, p. 306).

As longas viagens de ônibus e o desconforto dos trens, a vida nos hosteles

com seus encontros e desencontros, as pessoas confiáveis e as decepções; enfim, a

situação ideal para cada um se colocar à prova e se descobrir que tipo de pessoa é,

tanto física, emocional, psicológica como espiritual. E sucumbir. Ou se adaptar ao

mundo real e se tornar um sobrevivente.

Após 14 anos publicando pela Editora Record, do Rio de Janeiro, em 2013

Ortiz lança Atenas seu primeiro livro publicado pela Editora Benvirá, de São Paulo,

um selo do Grupo Saraiva. Com esse livro de crônicas é iniciada a Coleção Aventura

pelo Mundo. Outro diferencial desta obra em relação às anteriores do autor, é que ele

concluiu seu texto ainda em Atenas, na atmosfera do local.

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Em Atenas, o escritor selecionou 43 crônicas reunindo os momentos mais

interessantes vividos por ele, nas seis vezes em que visitou a Grécia, a última delas

especificamente para concluir o livro, quando morou lá por alguns meses.

Airton Ortiz retrata a Grécia segundo as impressões de um cidadão comum,

mostrando as origens, a rotina e as dificuldades enfrentadas diante do país em crise.

Ele descreve ainda pequenos recantos, que revelam a alma de Atenas e de seus

moradores, as pequenas tavernas onde os atenienses comem, bebem, cantam e

dançam.

Também em 2013, Ortiz lança o segundo livro do Grupo Osseis de Porto

Alegre, Foi o que coube na mochila foi escrito em parceria com os autores Carlos

Urbim, Christina Dias, Luiz Paulo Faccioli, Lu Tomé e Sérgio Napp; e publicado pela

Editora Artes & Ofícios.

No enredo, a história de seis jovens, de diferentes partes do Brasil, que são

convocados para uma viagem misteriosa. Todos embarcam na aventura, em plena

selva amazônica, um mistério que mistura passado, presente e futuro, sem saber por

quê.

A história segue na Amazônia até uma reviravolta reportar o leitor à Paris de

1889, ano da inauguração da Torre Eiffel. Essa mudança no script, que não estava no

roteiro inicial, foi resultado do processo de escrita coletiva.

Falando em Paris, esse foi o tema do livro de Ortiz lançado em 2014, que dá

continuidade à coleção Aventuras pelo Mundo, da Editora Benvirá. São 45 crônicas

sobre a capital da França, narrando a interatividade do autor com a cidade onde morou

durante uma temporada. Na aba do livro Paris, Ortiz explica a sua motivação. “Fui a

Paris em busca de uma velha metáfora e encontrei uma cidade real, moderna,

vibrante; iluminada pela cultura dos seus moradores. Um exemplo para este mundo

tão conturbado”. (ORTIZ, 2014).

Além de livros, Airton Ortiz já gravou documentários especiais para a

televisão, todos sobre aventuras. Entre esses documentáros, há um sobre a sua vida,

lançado em 2014. Em Nômade – Vida e Obra de Airton Ortiz, de Luzimar Stricher, a

diretora e sua equipe acompanharam o autor por lugares exóticos como Egito,

Turquia, Jerusalém, Jordânia, Palestina, Grécia e Ilhas Gregas para entender o

projeto de vida de Airton Ortiz. Em Atenas a equipe registrou todo o processo de

criação de um de seus livros.

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4.2 O MAPA

Airton Ortiz ainda tem mais uma história para contar. É neste momento que

ele abre o mapa dessa aventura e mostra como “tornou-se” guia. Ele percorreu em

1998 a estrada que levou a primeira expedição até o Everest, chefiada por Edmund

Hillary e Tenzing Norgay, em 1953, e relatou seu dia a dia em um livro que faz o leitor

viajar até o Himalaia, junto nesta aventura. Além disso, o autor faz um resgate histórico

que transporta todos para um período ainda mais remoto.

Em um livro recheado de informações históricas, geográficas e culturais, o

autor detalha cada lugar que passou, para que o leitor sinta-se no ambiente da viagem

e compreenda a história como um todo. “As ruas eram estreitas, escuras, sem

calçadas e com muito lixo jogado no chão. A cada esquina um pequeno templo,

abrigando uma divindade, e muitas oferendas ao redor”. (ORTIZ, 2007, p.31).

Na primeira parte, Ortiz dedicou algumas semanas para conhecer a capital do

Nepal, Katmandu, e aproveitou o fato de estar sozinho para aumentar o contato com

as pessoas e conhecer mais a cultura, tradição, história, religião e curiosidades do

povo do Oriente e, assim, diminuir o choque cultural.

Nas semanas em Katmandu esta foi a minha “atividade” preferida. Sentar nas escadarias dos templos hindus, na Praça Durbar, observar os turistas e conversar com os guias de rua. Embora insistissem em me explicar o significado deste ou daquele monumento, eu queria mesmo saber era a forma como viviam, o que só se conseguia depois de conquistar a confiança deles. (ORTIZ, 2007, p. 42).

Além de seus relatos e do regaste histórico, Ortiz mesclava suas peripécias

com curiosidades do local visitado. Sobre Katmandu, “os homens mais velhos usavam

a daura suruval, uma calça fofa por baixo de uma longa túnica branca, ambos sob um

colete preto, aberto na frente. E na cabeça o topi, um quepe sem abas”. (ORTIZ, 2007,

p.42).

Ortiz também aproveitou para fazer um safári na fronteira do Nepal com a

Índia, nas florestas que margeiam o rio Ganges. No lombo de um elefante, ele foi à

busca do rinoceronte indiano e do tigre de Bengala. O aventureiro sabia que grandes

grupos afastam os animais e isso tornaria mais difícil o encontro com essas espécies

raras. Por isso, não saiu do local até cumprir pelo menos um de seus objetivos.

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Durante os dias que passou na floresta fazendo o safári, Ortiz fala sobre Julie,

uma australiana que cruzou o seu caminho e, inicialmente, não gostou muito da

companhia, mas foi de suma importância para cumprir seus objetivos no safári. As

histórias engraçadas ao lado da moça, que era o seu oposto, despertam o riso e fazem

refletir sobre as pessoas que, embora passem poucos dias juntos, acabam deixando

marcas.

Na segunda parte do livro, Ortiz percorre os 150 quilômetros que liga a cidade

de Jiri, ao campo base do Everest. Durante 17 dias ele refaz as trilhas da primeira

expedição ao topo do terceiro polo. No caminho, frio, cansaço e perigo não faltaram.

Mas o esforço era recompensado pelas belas paisagens, que fazem parte do caminho,

o contato com a cultura e a religiosidade dos povos da cordilheira do Himalaia, assim

com as amizades que iriam aumentando a cada parada para o pernoite.

Este aprendizado sobre a etiqueta nepalesa, feito nos dias em que estive em Katmandu, fora-me de grande importância no interior do país. O conhecimento e o respeito pelos costumes locais, bem mais conservadores nas zonas rurais, aproximaram-me muito dos nativos, ganhando-lhes confiança e simpatia, podendo assim aprender mais sobre sua cultura. (ORTIZ, 2007, p. 45).

Além de descrever as impressões de cada lugar que o autor passava, ele

também resgatava a história da conquista e tentativas frustradas de escalar a

montanha mais alta do planeta.

As pedras que correm nos rios do Nepal rolaram das montanhas do Himalaia.

Julie, a amiga que Ortiz fez durante um safári, pediu para levar uma pedrinha de volta

para o monte Everest, uma forma de motivar mais a missão de Airton. Embora seu

companheiro de viagem, o alemão Horst, afirme que na verdade, o que Ortiz

procurava era o Yeti, um ser lendário das montanhas, o qual alguns dizem ser um

grande animal de pele vermelha e outros o chamam de “o abominável homem da

neve”. Horst era o amigo que Airton conheceu ainda no pé do Kilimanjaro e como a

parceria havia dado certo, eles voltaram a se encontrar para esta aventura.

Ortiz havia chegado antes no Nepal, assim teve tempo para conhecer

Katmandu e fazer safári, além de organizar a subida do Kala Patar, pois ele não tinha

decidido nada antes. Depois de tudo acertado, Horst chegou ao Nepal e os dois

partiram. “Levantei com uma nítida sensação de estar iniciando uma nova etapa em

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minha vida. Não voltaria o mesmo do Himalaia. Se é que voltaria”. (ORTIZ, 2007, p.

95).

O autor narra toda a viagem, que além de Horst também teve a presença do

guia, chamado Devendra Thapa, e o carregador, com o nome de Barrado, o qual,

conforme a descrição de Ortiz, era muito magro, mas aguentou carregar todo o

equipamento dele e de Horst durante a viagem.

Eles acordavam cedo e caminhavam todo o dia, até uma aldeia próxima, na

qual paravam para descansar no final do dia e, em algumas vezes, optavam por

passar mais de uma noite. Assim, teriam tempo de conhecer a comunidade e se

adaptar com a altitude, um dos principais problemas da viagem, pois tanto Ortiz

quando Horst sentiram os sintomas do mal da montanha.

Era a primeira noite que dormiríamos em uma altitude superior a 3.000 metros. [...] A partir dos 3.000 metros a quantidade de oxigênio existente no ar começa a diminuir com mais intensidade, obrigando o organismo a adaptar-se a esta nova realidade. No momento tínhamos 64% do oxigênio, quantia a partir da qual já poderíamos começar a ter problemas. Após esta altitude, o recomendável é subir uma média de 300 metros por dia, com um dia de descanso a cada dois percorridos. (ORTIZ, 2007, p. 192).

Mas, também houve grandes momentos de alegria compartilhados com os

outros aventureiros, durante as noites nos hostels. Embora Ortiz tenha optado pelo

caminho menos conhecido e mais longo até o campo base do Everest, o percurso é

bem movimentado. O escritor relatou que encontrou pelo caminho pessoas de todas

as nacionalidades, idades, gênero e objetivos. Entre eles, uma japonesa lhe chamou

a atenção, pelo fato de viajar sozinha e sem carregador, ou seja, ela mesma carregava

a sua mochila, diferente de Ortiz e Horst.

As incertezas sobre o clima que, ás vezes amanhecia chovendo, nevando ou

encoberto pelas nuvens o preocupava. Assim como a sua saúde, afinal, não poderia

ficar muito tempo no alto da montanha, pois seu organismo não aguentaria. Tudo tinha

que ocorrer bem, para que suas metas fossem alcançadas.

Dentre diversos objetivos, o final da linha para o autor seria subir até o pico

do Kala Patar, lugar onde dizem ter a melhor vista do pico do Everest. Para Ortiz

(2007) certos limites não foram feitos para serem superados, senão a vida não teria

graça. “Para mim, a Estrada do Everest acaba aqui. Chegou a hora de voltar e

continuar a maior de todas as aventuras: viver”. (ORTIZ, 2007, p. 270).

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Em uma entrevista para a editora Record, Ortiz resume a obra dizendo que o

livro conta a história de três estradas: a estrada física, percorrida em direção ao

Everest; a estrada espiritual, jornada em direção ao autoconhecimento, e a própria

história do Everest, a estrada em direção à sua conquista, a terceira estrada”.

(ORTIZ)16.

Ortiz olha no relógio, olha para o céu e lembra que é hora de partir. Embora

não estejamos no Himalaia e nesta viagem a altitude não é o problema, já passou da

hora de voltar, afinal há uma forte descida pela frente, a trilha, e ainda a viagem de

trem até a cidade.

Enquanto colocamos a mochila de volta nas costas, Ortiz aconselha a buscar

um olhar diferente do caminho. Na subida, a primeira passada pelo caminho, tudo era

novo, surpreendente. Na volta, podemos observar o caminho mais detalhadamente,

analisar as pessoas que encontramos ou encontraremos novamente e refletir sobre

tudo o que já vimos e ouvimos durante essa aventura.

16 RECORD, Grupo Editorial. Entrevista: Na estrada do Everest. Disponível em:

<http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=2514&id_entrevista=45>. Acesso em: 21 fev. 2015.

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5 PERCEPÇÕES NA VOLTA DA JORNADA

Em uma aventura, a volta sempre é considerada a parte mais perigosa, pois

além de estarmos mais cansados também estamos mais confiantes, logo pensamos

que tudo será moleza. Grande engano! É na volta que o cuidado e a atenção devem

ser redobrados. Além da autoconfiança, o peso da mochila “morro abaixo” impacta

com mais força sobre os joelhos. Antes de cada passo, devemos ter cuidado onde

vamos colocar o pé, para não tropeçar ou torcer o tornozelo.

O mesmo ocorre ao analisarmos esta viagem. Repassando pelo caminho já

percorrido, reencontrando alguns “viajantes” dos capítulos anteriores para, então,

apresentar as afirmações que veremos em seguida, as quais foram extremamente

pensadas e estudadas.

Primeiramente, será realizado o rapel, um esporte radical que consiste na

descida de um paredão vertical com o uso de cordas. Esse rapel ocorrerá na mesma

parte onde escalamos a rocha anteriormente. Assim como na escalada, o rapel exige

técnica e paciência, pois o lugar é de difícil acesso. Com base nisso, vamos deixar

quatro novos viajantes desta aventura, mas já experientes nesta técnica, descerem

antes, alertando sobre os possíveis perigos e passando o seu conhecimento para que

a nossa descida ocorra de forma segura.

5.1 METODOLOGIA: TÉCNICAS DA AVENTURA

Para que não ocorram riscos na descida e no caminho de volta, estipularemos

uma metodologia. Sendo assim, a análise em questão corresponderá a um estudo de

caso hipotético-dedutivo. Para alcançar os objetivos propostos para esse trabalho

será utilizada a metodologia de Análise de Conteúdo.

O desenvolvimento do método de Análise de Conteúdo é resultado da

contribuição de diversos viajantes, entre eles, as propostas da pesquisadora francesa

Laurence Bardin (2004), de Wilson Corrêa da Fonseca Jr. (2005), Martin Bauer (2011)

e Antônio Carlos Gil (1994) se destacam e são utilizadas neste estudo de conteúdo.

O desenvolvimento histórico da Análise de Conteúdo se reflete, nos últimos

anos, em vários enfoques de pesquisa de diversos campos de conhecimento, como

psicologia, história e comunicação. Para Wilson Corrêa da Fonseca Júnior (2005), a

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Análise de Conteúdo (AC) se refere a um método das ciências humanas e sociais

destinado à investigação de fenômenos simbólicos por meio de várias técnicas de

pesquisa.

A Análise de Conteúdo foi desenvolvida na pesquisa social, para analisar

materiais textuais, especificamente material impresso. A importância principal da AC

provavelmente seja seguir desafiando a curiosa primazia dos dados de uma entrevista

na pesquisa social. “A Análise de Conteúdo é uma técnica de investigação destinada

a formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se

aplicar a seu contexto”. (KRIPPENDORFF apud FONSECA JÚNIOR, 2005, p. 284).

A análise é sistemática, pública e faz uso, principalmente, de dados brutos

que ocorrem naturalmente. Bardin (2004) também explica que Análise de Conteúdo

são técnicas de análise das comunicações, as quais utilizam procedimentos

sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens.

No livro Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem, Som, Martin M. Bauer

defende que “a análise de conteúdo é apenas um método de análise de texto

desenvolvido dentro das ciências sócias empíricas.” (BAUER, 2011, p. 190). Assim, a

análise de conteúdo é uma construção social e, como qualquer construção viável, ela

leva em consideração a realidade, neste caso o corpus do texto. O resultado, contudo,

não é o único fundamento para a realização de uma avaliação. Pois o corpus do texto

oferece diferentes leituras, dependendo dos vieses que o pesquisador adota.

Segundo Bauer, na melhor das hipóteses, a análise de conteúdo mapeia o

espaço das leituras e das intenções, através da tendência, mas nunca a situação real.

As vantagens da AC são que ela é sistemática e pública; ela faz uso principalmente de dados brutos que ocorrem naturalmente; pode lidar com grandes quantidades de dados; presta-se para dados históricos; e ela oferece um conjunto de procedimentos maduros e bem documentados. (BAUER, 2011, p. 212).

Uma Análise de Conteúdo pode ser qualitativa ou quantitativa. Nos anos 50,

houve um grande debate sobre ambos os procedimentos. Para Bardin (2004), a

análise qualitativa apresenta algumas características particulares. Principalmente, na

elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de

inferência precisa, e não em inferências gerais. Na análise qualitativa “as hipóteses

inicialmente formuladas podem ser influenciadas no decorrer do procedimento por

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78

aquilo que o analista compreende da significação da mensagem”. (BARDIN, 2004, p.

108).

Segundo Bardin (2004) as fases da Análise de Conteúdo se organizam em

torno de três polos cronológicos: pré-análise; a exploração do material; e o tratamento

dos resultados, a inferência e a interpretação.

A pré-análise é a fase da organização, que busca tornar operacionais e

sistematizar as ideias iniciais para conduzir a um esquema de desenvolvimento do

estudo. Normalmente, esse passo possui três objetivos: escolher os documentos que

serão analisados, formular as hipóteses e objetivos e elaborar os indicadores que

fundamentem a interpretação final, ou seja, as dimensões e direções da análise.

Análise é quando ocorre a constituição do corpus e a exploração do material.

Para Bardin, “corpus é o conjunto dos documentos tido em conta para serem

submetidos aos procedimentos analíticos”. (BARDIN, 2004, p. 90).

E por fim, na pós-análise, serão levantadas as inferências, que são deduções

e evidências, e realizadas breves interpretações sobre o tema. Bardin ainda expõe

que “se a descrição é a primeira etapa necessária e se a interpretação é a última fase,

a inferência é o procedimento intermediário, que vem permitir a passagem, explícita e

controlada, de uma à outra”. (BARDIN, 2004, p. 34.).

Além disso, é importante destacar o estudo de Karl Popper. Popper publicou

na obra A lógica da investigação cientifica, em 1935, a definição do método hipotético-

dedutivo. Conforme análise de Gil (1994) sobre a obra de Popper, a indução parte de

uma coerência metodológica, ou seja, apoia-se numa demonstração sobre a tese que

se pretende demonstrar.

Ainda sobre a análise de Gil, se o conhecimento é insuficiente para explicar

um fenômeno, surge o problema. Para explicar as dificuldades no problema são

formuladas hipóteses, as quais deduzem‐se consequências.

Com base nisso, a presente pesquisa será hipotético-dedutiva de forma

qualitativa em estudo de conteúdo. A pré-análise será constituída pela escolha do

documento estudado, o livro Na Estrada do Everest: Trekking pelo Himalaia, de Airton

Ortiz, e a formulação das hipóteses.

Durante a análise, será realizada a constituição do corpus, onde os objetivos

vão ficar claros. Além disso, sucederá a exploração do material, detalhando as

peculiaridades da obra base durante a pesquisa.

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Por fim, na pós-análise, serão levantadas inferências, deduções e evidências,

e breves interpretações sobre o estudo. “Na Análise de Conteúdo, a inferência é

considerada uma operação lógica destinada a extrair conhecimentos sobre os

aspectos latentes da mensagem analisada”. (BARDIN, 2004, p. 39-40).

Para constatar essas inferências, tirar deduções e unificar evidências será

trabalhado com quatro hipóteses acerca do tema principal, que colocarão em tese os

argumentos escritos no trabalho.

Wilson Corrêa da Fonseca Júnior resume a análise afirmando que “a leitura

efetuada pelo analista de conteúdo procura evidenciar o sentido que se encontra em

um segundo plano.” (FONSECA JÚNIOR, 2005, p. 299). Assim, com base da

aplicação do método e técnicas, pretende-se testar as hipóteses, responder o

problema e atingir os objetivos propostos na pesquisa.

Partes dos alertas já foram repassados e os novos viajantes, que possuem

essa técnica de descida, foram na frente sinalizando as melhores opções. Está quase

na hora de realizarmos a descida mais perigosa, a qual necessita muita atenção, pois

algumas pedras soltas também podem ser um perigo para aqueles que aguardam lá

embaixo.

5.2 PRÉ-ANÁLISE: A PREPARAÇÃO

Antes da partida, outros recados são importantes, por isso vamos discorrer

rapidamente sobre o que encontraremos mais à frente. O estudo crítico que se segue

terá como objetivo encontrar de que forma ocorre a aproximação do jornalismo e da

literatura na obra Na Estrada do Everest: Trekking pelo Himalaia, de Airton Ortiz.

Entre os objetivos específicos previamente determinados para o estudo está

a verificação de onde o jornalismo e a literatura se encontram, etapa que já foi

cumprida no capítulo dois deste trabalho, e de fundamental importância para o

trabalho que se segue. Além deste objetivo, considerado como embasamento teórico

de partida para a análise crítica também há os objetivos de: identificar a relação do

livro na Estrada do Everest com o New Journalism e o Gonzo; observar a imersão no

real do autor, Airton Ortiz; e identificar os traços do Jornalismo de Aventura. Este

último objetivo foi embasado previamente no capítulo três deste estudo e será

estritamente necessário para a nossa análise.

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Para realizar a pesquisa, que permitirá atingir os objetivos inicialmente

propostos para este trabalho, foi escolhida como corpus de pesquisa a obra Na

Estrada do Everest: Trekking pelo Himalaia, escrita por Airton Ortiz, sobre sua viagem

realizada em 1998. A primeira versão do livro foi publicado em 2000 e a segunda, em

2007, como integrante da coleção Viagens Radicais da Editora Record.

Na obra estudada, o jornalista Airton Ortiz narra sua viagem e escalada do

Kalar Patar, no Himalaia. O autor relata o choque cultural entre o Ocidente e o Oriente,

ao desembarcar no Nepal. Também conta as suas peripécias ao realizar um safári,

nas florestas que margeiam o rio Ganges.

Na segunda parte do livro, Ortiz percorre o clássico caminho da primeira

expedição a vencer o Everest, liderada por Edmund Hillary e Tenzing Norgay. Passo

a passo, durante 17 dias, o autor refaz os 150 quilômetros de trilhas, que levam até o

atual acampamento-base do topo do mundo. Paralelamente a essa jornada, o escritor

apresenta o trabalho jornalístico, quando o repórter resgata a história da conquista da

montanha.

Este estudo será válido aos pesquisadores da comunicação, do jornalismo,

do turismo, da literatura, de gêneros discursivos, e aos profissionais da área, ao expor

as características e possibilidades das quais é dotado o Jornalismo de Aventura. A

pesquisa busca aprofundar o conhecimento em torno do Jornalismo de Aventura, que

entrelaça o jornalismo e a literatura para a construção de uma narrativa. Sendo assim,

buscaremos identificar o gênero adotado pelo autor por meio da análise. Assim,

definiremos o que há de New Journalism e Gonzo, de literatura e de jornalismo na

obra. Ou seja, será realizada uma análise hipotético-dedutiva apresentando trechos

relacionados às caraterísticas do Jornalismo de Aventura de acordo com essa

pesquisa.

Para realizar a análise em questão, levantamos quatro hipóteses, as quais

vão nortear a nossa pesquisa. Durante o restante da viagem, buscaremos as

respostas pressupondo que: o autor explora o relato em forma de diário, em primeira

pessoa, aproximando da literatura; o autor apresenta características do New

Journalism e Jornalismo Gonzo; a obra se encaixa como Jornalismo de Aventura, em

que a figura do repórter também é fonte; e por fim, há pesquisa documental, que dá o

suporte ao texto literário-jornalístico.

Nosso último alerta é que, embora alguns autores afirmem que nem todas as

histórias de viagem tratam da realidade, como apresentamos no capítulo três deste

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trabalho, nesta pesquisa partiremos do pressuposto que a história de Airton Ortiz é

inteiramente real, ou seja, não-ficção. Embora não caiba a este trabalho o julgamento

desse fato, definimos isso, com base na ética profissional do autor.

5.3 ANÁLISE – O RAPEL

Chegou a nossa vez. Já equipados com cadeirinha de segurança, freio,

mosquetão e luva, instrumentos necessários para a prática do esporte, iniciaremos o

nosso retorno de volta à cidade.

Neste trabalho, usaremos como base a segunda versão do livro, lançado em

2007, pela editora Record, contendo 287 páginas. A obra é dividida em capítulos, os

quais são intercalados por relatos dos acontecimentos históricos, com o dia a dia do

autor, que embora tendo viajado em 1998, ele utiliza a data de 2055, conforme o

calendário Bikram Samvat, oficial do Nepal. E, referente ao ano de 1998, no calendário

ocidental.

5.3.1 O Everest

O Everest é a montanha mais alta do mundo, com 8.850 metros. Ela fica

localizada na cordilheira do Himalaia, na fronteira entre a região do Tibete, na China,

e o Nepal. Em 1808, o Instituto Topográfico da Índia iniciou um projeto de mapear todo

o subcontinente indiano. Um dos objetivos era descobrir se o Himalaia abrigava a

maior montanha do mundo, como os britânicos já desconfiavam. O desafio ficou ainda

maior, pois o Nepal, Tibete, China, Butão e Sikkim estavam fechados à presença

estrangeira, com medo de uma intervenção de outros países em seus territórios.

O Tibete, 142 anos depois, acabou sendo invadido pelos soldados chineses.

E o Nepal, pelos turistas ocidentais que hoje são responsáveis por 30% das receitas

do país.

Voltando ao assunto, o coronel George Everest foi nomeado para chefiar o

Instituto Topográfico da Índia, ele estava encarregado de mapear os interesses

ingleses na Ásia. Ele chegou ao país em 1823 e comandou o instituto até 1843. Em

1830, o trabalho de mapeamento finalmente chegou à fronteira da Índia com o reino

proibido do Nepal. Além de não poder cruzar as fronteiras, as condições climáticas

eram terríveis e as regiões estavam infestadas pela malária.

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82

Em 1847, o coronel Andrew Waugh foi nomeado superintendente-geral do

Instituto, dando novo impulso ao trabalho iniciado por George Everest. Até a metade

do século XIX acreditava-se que o Monte Kanchenjunga, no Sikkim, com cerca de

8.534 metros, fosse o pico mais alto do Himalaia. Mas, a curiosidade de Andrew

Waugh foi despertada por outra montanha conhecida como pico B, pois ela parecia

mais alta. Waugh convenceu seus oficiais a mudarem o local de observação e se

dedicarem com mais atenção ao pico B, agora renomeado pico XV pelo topógrafo

Michael Hennessy.

Em 1852, o instituto confirmou as suspeitas de Waugh, pois existia uma

montanha mais alta, de todas já conhecidas na fronteira do Nepal com o Tibete. Eles

chegaram à conclusão que a montanha media 8.839,80 metros, acima do nível do

mar. Tinha 257 metros a mais que o Kanchenjunga.

Cerca de 100 anos depois, em 1950, medições feitas no Nepal, utilizando

laser e transmissões via satélite com tecnologia de ponta e efeito Dopper,

determinaram uma nova altitude para o Everest: 8.848. Nem 9 metros mais alto que a

medição feita um século antes. Mas, em 5 de maio de 1999, um equipe de alpinistas,

liderada pelo americano Pete Athams, chegou ao cume do Everest para mais uma

medição. Ele acionou dois receptores do sistema GPS e os especialistas

determinaram uma nova exata altitude do Everest: 8.850 metros.

O pico XV, embora ostentasse o título de mais alta montanha do mundo, ficou

sem nome ocidental até 1865. Mas, o topógrafo-geral da Índia, Andrew Waugh

resolveu chamar o pico de monte Everest, em homenagem ao seu predecessor no

cargo, George Everest, responsável por grande parte do trabalho de medição do

Himalaia. A sugestão foi logo adotada no Ocidente, mesmo que os tibetanos e sherpas

continuassem chamando a grande montanha pelos nomes que usavam desde o

século XVIII.

Os tibetanos a chamavam de Chha-mo-lung-ma, como era conhecida pelos

chineses, mas traduzindo como Qomolangma. Sendo difícil fazer uma tradução

perfeita, passou-se a aceitar como significado “Deusa da Mãe do Universo”, por mais

que os sherpas, ás vezes, traduzissem como “Lar da Deusa do Vento” ou “Lar do Deus

que protege as mães”.

Já o nome nepalês, é “Sagarmatha”, com diversas traduções, como: “Parte

que toca o céu”, “Cabeça no céu”, “Cabeça acima de todas as outras” ou mesmo,

“Oceano de existência”.

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83

Esta história do Everest, reproduzida aqui, é apresentada por Ortiz no

decorrer do livro Na Estrada do Everest, que traz uma pesquisa minuciosa realizada

pelo jornalista.

5.3.2 A Constituição do corpus

O livro é todo em preto e branco, com exceção das 16 páginas centrais que

trazem 43 imagens de pessoas e de lugares que o autor passou. A orelha do livro

apresenta uma crítica e um breve resumo escrito pelo alpinista Cláudio Montenegro,

seu conteúdo é completado com uma foto de Airton Ortiz e um resumo da biografia

do autor.

Nas primeiras páginas do livro, Ortiz dedica a obra a George Leigh Mallory,

“Porque ele está lá, em algum lugar do Everest”. George foi um alpinista que em 8 de

junho de 1924, ao lado de Andrew Irvine, tentou atingir pela primeira vez o topo do

Everest pelo lado norte. O companheiro de expedição, Noel Odell, afirma tê-los visto

às 12h50 na ascensão de uma das rotas principais da crista norte, e "progredindo

fortemente para o topo", mas eles jamais retornaram ao acampamento, sendo

“engolidos” pela montanha. E desde então, nenhuma prova pôde comprovar que eles

atingiram o topo e foram os pioneiros neste feito. O corpo de Mallory foi encontrado

em 1999, após a viagem de Ortiz, por uma expedição norte-americana. Já Irvine nunca

mais foi visto. Houve expedições nos últimos 15 anos, sem sucesso, em busca da

câmera fotográfica dos dois, para que pudesse ser provado se foram, ou não, os

primeiros ao alcançar o topo do mundo.

Porém, mesmo que se prove que os dois foram os primeiros a alcançar o

cume, alguns alpinistas defendem que eles não podem levar o mérito da expedição,

uma vez que, não retornaram vivos. Sendo assim, muitos consideram que os primeiros

que alcançaram o teto do mundo, foram o neozelandês sir Edmund Hillary e o sherpa

(guia) nepalês Tensing Norkay, considerados até agora como os primeiros

conquistadores do Everest, em 1953.

Antes de iniciar a obra, o autor nos presenteia com a frase do escritor francês

do século XVII, Blaise Pascal, que diz: “Não viajamos só pelo prazer de ver, mas

também pelo prazer de contar”.

Na introdução, Ortiz lembra um pouco da história da estrada percorrida. O

autor conta que quando o Exército chinês invadiu o Tibete, no outono de 1950, fechou

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as fronteiras do país aos estrangeiros e bloqueou as expedições ao Everest. Quem

quisesse conquistar o terceiro polo do planeta deveria fazê-lo pelo lado sul, atingindo-

o através do reino proibido do Nepal, que recentemente havia aberto as fronteiras aos

ocidentais, porém, apenas para objetivos científicos.

O aventureiro inglês, Bill Tilman, não era cientista, mas conseguiu uma

permissão para caminhar pelo interior do reino, em direção ao Everest em 1950, desde

que se mantivesse nas trilhas utilizadas pelos nativos para se deslocar entre as

aldeias.

Aproveitando um descuido dos nepaleses, ele acabou escalando o Kala Patar

e chegando à Cascata de Gelo do Khumbu, onde as expedições atuais montam o

acampamento-base do Everest. Assim, estava aberta a Estrada do Everest, a qual foi

percorrida 48 anos depois, em 1998, por Airton Ortiz.

No ano seguinte, em 1951, foi permitida, pela primeira vez, a uma expedição

britânica escalar o Everest, pelo lado nepalês. Liderada por Eric Shipton, ela seguiu

as pegadas de Bill Timan, assim como todas as outras que vieram a posteriormente.

O Prólogo do livro Ortiz destina à história de Yeti. Essa lenda iniciou ainda no

século XV, quando um mercenário europeu que visitou a Mongólia contou que no

Himalaia habitava uma misteriosa criatura, um gigantesco homem-urso, um ser peludo

sem igual em todo o planeta. Mas, foram as primeiras expedições ao Everest que

trouxeram às páginas dos jornais do Ocidente as histórias do tal gigante. Em 1898, o

major C.A. Wedell descobriu uma sequência de pegadas enormes e inexplicáveis na

região do Himalaia. Em 1921, o chefe da primeira expedição ao Everest, C.K. Howard

Bury, observou uma estranha criatura movendo-se pelas encostas da montanha.

Mallory enquanto passeava pela região do Himalaia, também descobriu pegadas

gigantes na neve, que foram reconhecidas pelos sherpas como Metohkangmi, uma

palavra tibetana que significa “homem-urso dos campos nevados”. Ou Yeti, como ficou

conhecido no Ocidente.

Ao longo dos anos, diversas expedições científicas foram montadas em busca

do Yeti. Mas nada de concreto foi encontrado. Assim, a lenda do Yeti continua viva

entre o povo sherpa.

Mas não me custava nada tentar encontrá-lo. Certa vez, há muitos anos, meu avô contou-me que nem todas as coisas existentes no mundo estão disponíveis aos nossos olhos. E que, muitas vezes, as coisas importantes, as que interessam mesmo, só podem ser vistas pelo coração. Na época de

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criança ainda, não entendi muito bem. Não seria a oportunidade de compreender este mistério? (ORTIZ, 2007, p.15).

O livro é dividido em duas partes, Nepal e Everest. No início de cada parte

Ortiz colocou uma frase. Na primeira a escolhida foi de sua filha, Gabriela Xavier Ortiz,

na época com 6 anos, quando disse: “Cada lugar tem seu próprio tempo”. E a segunda

foi do filósofo Jean-Jacques Rousseau: “Todas as capitais se parecem: ali as pessoas

se parecem, os costumes se confundem. Não é lá que se descobrem os povos”.

5.3.3 Análise de conteúdo

Airton Ortiz, embora já tenha vivido outras atividades após sua viagem para o

Himalaia, considera o objeto de estudo deste trabalho, a obra Na Estrada do Everest,

o relato da melhor viagem que ele já fez. A afirmação foi feita em entrevista por e-

mail17, na qual o escritor conta que sua motivação foi justamente viver uma grande

aventura nas montanhas do Himalaia, onde há um grande desafio da natureza e

fascínio da conquista do Everest.

Para conhecer um pouco mais dessa viagem de Ortiz, vamos destacar

algumas partes do livro para a nossa análise. Grande parte da história é escrita em

primeira pessoa e o restante, em terceira pessoa. A parte em que o autor fica oculto

refere-se à pesquisa documental de Ortiz, em que ele narra as histórias e curiosidades

do local visitado, como já exemplificamos neste mesmo capítulo, ao transcrever a

história do Everest. Na primeira parte, referente ao Nepal, a parte histórica e

documental se mistura com seus relatos. Na segunda parte, sobre a Estrada do

Everest, os capítulos documentais são intercalados com as aventuras de Ortiz durante

a sua jornada. Cada capítulo traz o ano e a cidade. Assim, é possível nos localizarmos

a qual relato o autor se refere, se é o histórico ou de sua vivência.

5.3.3.1 Nepal

17 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por: <[email protected]>. em: 06 abr. 2015.

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O livro começa se reportando ao ano de 1119, em Pashupatinath. Na

descrição, a cena de um ritual de purificação de um homem falecido é narrada pelo

autor. Além de descrever o acontecimento, para que o leitor projete a imagem em sua

mente, Ortiz também apresenta algumas palavras da língua nativa do local.

O corpo foi colocado no sentido norte/sul, com os pés em direção ao reino de Yama, o Deus da morte. Uma por uma suas vestes foram tiradas e jogadas no rio, provando um pequeno alvoroço entre as crianças banhando-se no local. [...] O corpo, incluindo a sua face, foi enrolado com um pano branco e a seguir envolto em uma túnica de seda amarela. Os parentes o conduziram em direção à ghat – pequena plataforma de pedra – dando três voltas ao redor da pira antes de colocá-lo sobre as lenhas. Ao lado, outra pessoa acendia uma tocha de fogo, repassada ao parente mais próximo do morto. No caso, o filho mais velho. (ORTIZ, 2007, p.20, grifo do autor).

Esta descrição partiu de uma pesquisa documental realizada por Ortiz, não

sendo presenciada por ele. A passagem pode ser considerada como exemplo de dois

dos recursos do Novo Jornalismo, defendido por Wolfe e apresentados anteriormente

neste trabalho. Um deles é o fato de Ortiz ter construído a cena e contado a história

recorrendo à narrativa histórica. O outro recurso trata-se do ponto de vista da terceira

pessoa, da técnica de apresentar a cena ao leitor por intermédio dos olhos de um

personagem para dar a sensação de estava lá, mesmo que não estivesse nesta cena

específica.

5.3.3.1.1 Katmandu

Já o capítulo seguinte nos leva para Katmandu, no ano de 2055, que como

mencionamos, refere-se ao calendário Bikram Samvat, oficial do Nepal. Referente ao

ano de 1998 no calendário ocidental, quando Ortiz começa seu relato falando sua

impressão de Katmandu, onde ele pousou.

Quando o avião sobrevoou a cadeia de montanhas cercando o vale Katmandu, fiquei impressionado com a quantidade de casas empoleiradas nas partes mais altas da cordilheira, ligadas por minúsculas trilhas serpenteando pelas bordas dos desfiladeiros, como se fossem imensas teias de aranha. A sensação de que os nepaleses procuravam os lugares mais impróprios para construírem suas casas me acompanhou por um longo tempo enquanto estive no Nepal. Custei-me a dar-me conta de que sendo um país densamente povoado e montanhoso, ou as pessoas moravam nas montanhas, ou abandonavam sua terra natal. (ORTIZ, 2007, p. 21).

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Neste capítulo, fica evidente que o relato em primeira pessoa é utilizado, como

afirma a primeira hipótese, o autor explora o relato em forma de diário, em primeira

pessoa, aproximando da literatura.

A divulgação da informação, característica primordial do jornalista que busca

deixar tudo explicado ao seu leitor, também se nota em diversas partes do livro. No

mesmo capítulo, o autor conta uma curiosidade do local, pouco depois de chegar ao

aeroporto internacional de Katmandu.

Acertei o relógio, pois o Nepal estava cinco horas e 45 minutos à frente do GMT (Greenwich Mean Time), ou seja, aqui estávamos oito horas e 45 minutos mais tarde do que no Brasil. Essa fração de quinze minutos a menos era para diferenciá-lo da Índia, buscando quebrar um pouco a dependência do pequeno país em relação ao seu enorme vizinho do sul. (ORTIZ, 2007, p. 22, grifo do autor).

Essas curiosidades aparecem ao longo do livro. Na verdade, são informações

previamente pesquisadas pelo jornalista ou descobertas no local ao entrevistar as

pessoas. Uma das principais características da profissão do jornalista. Como já

citamos no capítulo três deste trabalho, outra característica apresentada por Mordenell

(2009), como sendo das Narrativas de Viagem, e que Ortiz considera como típicas do

Jornalismo de Aventura é o fato de o autor passar a impressão que se move “nas

entrelinhas” dos guias turísticos, sem dar relevância a elementos conhecidos por

todos, os chamados “cartões postais”. Essa escolha de local fica evidente na obra ao

lermos o relato da conversa entre Ortiz e o taxista que o levou do aeroporto para o

hotel, assim que chegou ao Nepal.

- Qual caminho que você quer percorrer? - A Estrada do Everest. - A Estrada do Everest? – perguntou-me, demonstrando surpresa. - Quero refazer a antiga trilha percorrida pelos pioneiros que tentaram escalar o Everest, na metade do século passado. No Ocidente, costumamos chamar este caminho de Estrada do Everest, porque nos leva à grande montanha. - Você pretende conhecer algum lugar em especial, nesta tal estrada? – perguntou, com um olhar zombeteiro, como querendo dizer “este gringo não sabe onde vai se meter”. (ORTIZ, 2007, p. 24).

Ao pesquisarmos qual o caminho mais percorrido por aventureiros até o

campo-base do Everest, encontramos como resposta a trilha mais curta e menos

desgastante. Ortiz por sua vez, escolheu a mais longa, a qual gerou surpresa até para

o taxista, que lhe perguntou se estaria fazendo este caminho para conhecer algum

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lugar específico, uma vez que, geralmente, não é esse o caminho escolhido por

turistas. Ao chegar ao Nepal, procurou um guia para este caminho, Ortiz também

relatou que encontrou dificuldade, pois são poucas agências que oferecem essa

opção.

Já no começo da obra, notamos a rica descrição do local com atenção para

os detalhes. Essa característica o autor seguiria no restante da história, sempre

demonstrando preocupação em localizar o leitor e passar-lhe o máximo de

informações possíveis.

O reino do Nepal estava situado na encosta da cordilheira do Himalaia, e seu pequeno território – exatamente a metade do Rio Grande do Sul – tinha enormes diferenças de altitude. A região sul, coberta por florestas, na fronteira com a Índia, ficava quase ao nível do mar, no vale do rio Ganges. A região norte, coberta por neves eternas, na fronteira com o Tibete, chegava a altitudes de 8.850 metros, no cume do monte Everest. E tudo isso em uma faixa de 193 km de largura. (ORTIZ, 2007, p. 26).

Inicialmente o autor apresenta as características geográficas do local. Após,

ele busca enriquecer a obra com informações detalhadas sob o seu ponto de vista,

trazendo detalhes minuciosos, como vemos no exemplo abaixo.

O centro comercial da cidade e os bairros vizinhos apresentavam o mesmo desenho: construções baixas com sacadas talhadas em madeira na parte de cima, moradia das famílias, e pequenas lojas escuras no térreo, onde se comercializavam todo o tipo de mercadorias imagináveis, desde verduras até tapetes tibetanos, passando por finas sedas e produtos religiosos. Na verdade não existia uma porta que não fosse um pequeno comércio. As ruas eram estreitas, escuras, sem calçadas e com muito lixo jogado no chão. A cada esquina um pequeno templo, abrigando uma divindade, e muitas oferendas ao redor: comidas, moedas, fitas, flores, óleos, incensos e grãos, atraindo muitos cachorros, tudo exalando um cheiro agridoce muito forte. (ORTIZ, 2007, p.31, grifo nosso).

A parte grifada é rica em detalhes. Ao descrever as ruas ele dá diversas

características, como “eram estreitas, escuras, sem calçada, com lixo no chão”.

Também descreve as esquinas e seus templos.

Vale destacar que, no início da obra de Ortiz, o pensamento de Mordenell,

com base no artigo de Umberto Eco, aparece o fato que não viajamos para o

desconhecido como faziam nossos ancestrais, mas sim para confirmar o que já vimos

ou lemos sobre. São os relatos de viagem que nos encantam e despertam a vontade

de ir lá, conferir a informação e se apresentar ao desconhecido. Com Ortiz não foi

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diferente. Em entrevista por e-mail18, ele confirmou que sempre pesquisa sobre o local

antes de viajar e também deixa isso evidente, no início do seu livro. “Antes de viajar

para o Nepal havia lido tantos livros de viajantes elogiando o Thamel que estava

ansioso por conhecê-lo”. (ORTIZ, 2007, p. 32).

Entre as motivações, que levaram o autor a explorar a área remota e pouco

procurada por viajantes, está a ampliação de conhecimento e a vivência com a cultura

diferente da ocidental. “Fora exatamente para levar este choque cultural que eu

atravessara dois oceanos. Costumava dizer que, quando uma cidade não me

espantava mais, havia chegado a hora de ir embora, conhecer outros lugares

surpreendentes”. (ORTIZ, 2007, p. 31).

Além de Mordenell, o professor Edvaldo Pereira Lima apresenta algumas

peculiaridades do Jornalismo Literário Avançado do Século XXI que, Ortiz (2015)19

afirma que podem ser consideradas do Jornalismo de Aventura. Como, o uso da

técnica da observação, nítida já na primeira parte do livro em que o autor relata sua

visita a Katmandu.

Na rua os donos de riquixás ofereciam transporte. Garotos perguntavam se você queria fazer um trekking. E era impossível dar um passo sem alguém te perguntar se você queria um cigarro. E se você queria, era porque fumava. E se você fumava, bem, então ele oferecia haxixe. Mas se você não queria comprar haxixe, eles tinham marfim, estatuetas de Buda feitas de jade, raridades arqueológicas, peças de ouro, prata, facas gurkhas surrupiadas do exército, pinturas e instrumentos musicais vindos dos mosteiros budistas do interior [...]. Era o caos mais maravilhoso e colorido que alguém poderia encontrar em uma das tantas encruzilhadas deste planeta. Este não era o lugar para ser visitado em uma tarde, mas em muitas tardes. Por isso, nas semanas seguintes não deixei de ir ao Thamel um único dia. (ORTIZ, 2007, p. 35, grifo nosso).

Ao descrever o que se passava pela rua, o que aconteceria a cada passo e

interpretar os fatos, como o que iria ocorrer se fosse fumante, ou não, e o que os

nativos te ofereceriam, podemos notar claramente que Ortiz lançou um olhar atento e

de observador sobre o local. Os detalhes reunidos, em um só lugar, também

despertavam opinião do autor presente na obra, o qual julgava o local como “um caos

mais maravilhoso e colorido que alguém poderia encontrar”.

18 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por:

<[email protected]>. em: 06 abr. 2015. 19 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por:

<[email protected]>. em: 06 abr. 2015.

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Além da avaliação e observação, na obra estudada também notamos que há

traços de engajamento com o local, ou melhor, a sua imersão, por meio da conversa

e da interação com os nativos. Como vemos ainda, no mesmo capítulo, quando o

autor relata outra cena nas ruas de Katmandu.

Os guias de rua eram persistentes - como deve ser todo vendedor! -, mas não eram mal-educados nem agressivos. Se você dizia com firmeza – sem precisar ser grosseiro – que não queria os seus serviços, imediatamente se despediam e partiam em busca de outro turista. Um dia, ao se afastar, um deles me disse: - Desculpe, senhor, mas conversar é de graça. Eu acabei fazendo amizade com eles e passávamos horas conversando, sentados, nas escadarias dos prédios na praça Durbar, observando os turistas, mais exóticos do que os templos seculares da cidade. (ORTIZ, 2007, p.41, grifo nosso).

Nesta passagem conseguimos notar a observação de Ortiz ao identificar as

características dos vendedores como persistentes. Também observamos o

engajamento do personagem com os moradores do local, quando ele cita que fez

amizade com os vendedores e passaram horas conversando e observando os turistas.

Essa característica de engajamento é defendida por Swarbrooke et al. (2003) como

essencial em uma aventura, pois não é uma experiência passiva e precisa de

engajamento.

E por fim, além de definir os turistas como “exóticos”, Ortiz ainda os compara

com os templos da cidade. Essas técnicas de observação, avaliação e engajamento

só são possíveis de ocorrer, pois há imersão no real do autor. A característica é

defendida, por Mordenell (2009), como sendo típicas de narrativas de viagem, Lima

(2013) defende como sendo do Jornalismo Literário Avançado do século XXI e Ortiz

(2015) defende como sinais do Jornalismo de Aventura, como já falamos

anteriormente neste trabalho. Essas são algumas evidências da pesquisa, que tem

como objetivo identificar os traços do Jornalismo de Aventura e que ajudam a

comprovar a hipótese três, em que se afirma que a obra se encaixa como Jornalismo

de Aventura.

Ao avaliarmos essa hipótese, a qual afirma que “a obra se encaixa como

Jornalismo de Aventura, em que a figura do repórter é também fonte”, devemos ter

em mente que este gênero, embora venha despertando a curiosidade de grandes

pesquisadores, não há um perfil bem claro, ainda. Por isso, levaremos em

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consideração as características do Jornalismo de Aventura apresentadas no capítulo

três deste trabalho.

Por outro lado, também citaremos que, conforme as características do

professor Edvaldo Pereira Lima e do pesquisador Felipe Pena, apresentadas no

capítulo dois deste trabalho, a obra de Ortiz também pode ser considerada como

Jornalismo Literário. Pois, segundo Lima, o Jornalismo Literário exige uma espécie de

mergulho do repórter naquilo que se deseja retratar, privilegiando a observação

minuciosa, ou seja, “reportagem de imersão”, como é chamada a matéria que exige

profunda apuração e trato diferenciado no texto. Pena diz que o Jornalismo Literário

é caracterizado como uma modalidade de prática da reportagem de profundidade e

do ensaio jornalístico, utilizando recursos de observação e redação originários da (ou

inspirados pela) literatura. Além disso, têm traços básicos de imersão do repórter na

realidade, voz autoral, estilo, precisão de dados e informações.

O livro A Estrada do Everest apresenta essas características no decorrer da

história, pois, primeiro Ortiz precisou ir até o Nepal para contar a história e comprovar

a sua pesquisa. Além disso, ele teve contato direto com o povo local e relatou detalhes

no decorrer do livro, como vimos em alguns exemplos anteriores.

Ainda em Katmandu, Ortiz narra novamente de forma minuciosa a sua

observação ao ver crianças jogando bolinhas de gude, assim como exige o Jornalismo

Literário, segundo Lima, ao falar da imersão do repórter. Ele ainda descreve o tempo

e local onde ocorria a cena, e como funcionava o jogo.

Na praça de Burbar, em frente ao templo de Shiva, alguns rapazes passavam as tardes jogando bolinhas de gude. Havia um boco e uma raia. Eles arremessavam a bolita em direção à raia. Quem ficasse mais perto, era o primeiro a jogá-lo no boco. Depois, cada vez que um nicava na bolita do outro, ganhava 5 rupias, pouco menos de 10 centavos de dólar. Mas o curioso era a forma como jogavam a bolita: prendiam-na entre as pontas internas do polegar e o indicador – como quem está catando uma pedrinha no chão -, apertavam os dedos e ela saltava, certeira, em direção à outra. (ORTIZ, 2007, p. 47, grifo nosso).

Além de narrar uma cena corriqueira da cidade, fazendo com que o leitor

relembre das brincadeiras da infância, mostrando que ato de viajar na imaginação é

comum quando falamos de literatura, Ortiz traz a informação de que 5 rupias era

“pouco menos de 10 centavos de dólar”. No mesmo trecho, o autor também apresenta

sua análise da forma como eles jogavam a bolita e compara com a ação de “catar

pedrinha no chão”.

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Nas páginas seguintes, ele descreve os costumes, roupas, crenças,

curiosidades e histórias do povo de Katmandu, intercalando com a narração das suas

atividades.

Para chegarmos à stupa, no topo de uma pequena montanha, foi preciso subir uma escadaria com 365 degraus. Mas valeu a pena, pois além de conhecermos um dos templos mais fascinantes do país, tivemos uma vista completa de toda a cidade de Katmandu. A stupa era formada por uma grande abóbada branca côncava, sobre a qual construíram uma base quadrada, onde estavam pintados, em cada lado, os olhos de Buda, de forma que ele pudesse ver os quatros pontos cardeais. No meio dos olhos, como se fosse um nariz, estava escrito o número cardinal nepali ek (um), simbolizando a unidade. Acima desse bloco se erguiam treze anéis concêntricos em forma de espiral, representando os treze passos em direção ao nirvana. E, finalmente, acima de tudo, havia uma sombrinha, significando o próprio nirvana. Entre a base e a sombrinha estavam pendurados diversos fios contendo bandeirolas coloridas com mantras budistas escritos em tibetano. (ORTIZ, 2007, p. 53-54).

Esse estilo de relatar o dia, no caso, sua visita a stupa, detalhando quantos

degraus e a localização do ponto, seguida por informações do local e seu significado,

no caso a stupa, é seguido por Ortiz em todo o livro. As informações sobre a stupa

nos exemplificam, mais uma vez, que há pesquisa documental, a qual dá suporte ao

texto literário-jornalístico, como apontado na hipótese quatro.

5.3.3.1.2 Safári

No capítulo seguinte, Ortiz relata seu safári pelo Nepal. Novamente notamos

características do Jornalismo de Aventura, ou seja, quando o repórter assume, ao

mesmo tempo, o papel de repórter e protagonista da reportagem. Neste caso,

escreveu um relato em primeira pessoa, ou seja, ele é o protagonista da história. Em

grande parte do enredo, ele relata o que lhe aconteceu no decorrer da viagem, como

forma de diário, sendo ele o personagem principal. E, ao mesmo tempo, era repórter,

ao entrevistar, direta ou indiretamente, as pessoas que cruzaram o seu caminho, além

da pesquisa que realizou do local e arredores, como já mostramos anteriormente.

Entre os exemplos, citamos um de sua primeira noite em meio à floresta. Na

ocasião, Ortiz aproveitou para conhecer mais as pessoas com quem passaria alguns

dias e também colocar em prática seu dom jornalístico da entrevista, assim poderia

descobrir curiosidades e culturas:

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No jantar conheci um simpático casal finlandês, Acke Perander e Maj Baitt Perander, com quem fiquei conversando até a hora em que as luzes foram apagadas. - Minha cunhada, atualmente morando na Inglaterra, adotou um garoto brasileiro, creio que uns oito anos atrás – contou-me Acke. - E como foi o processo de adoção? – perguntei pois já ouvira contar muitas histórias intrigantes sobre crianças brasileiras adotadas por estrangeiros. - Minha cunhada foi para o Brasil [...]. Mais tarde aconteceram algumas dificuldades com os papéis e as autoridades. Então, ela teve que “desaparecer”, ficando escondida em um vila, nas montanhas, até que os problemas fossem resolvidos. - Demorou muito? - Demorou vários meses [...]. Mesmo assim, ela precisou escapar meio secretamente para evitar mais problemas. - E como está o rapaz? - O garoto está com oito anos agora. É um belo rapaz e muito amado. - Ele fala português? - Não. (ORTIZ, 2007, p. 58).

Embora esse relato não tenha muita ligação com a Estrada do Everest ou o

Nepal, propriamente ditos, podemos notar, claramente, a característica de um repórter

investigativo do jornalista Ortiz. Isso é um dos diferenciais de quando se viaja a turismo

ou a trabalho. Mesmo que pareça um passeio, Ortiz nos prova que suas viagens têm

como finalidade a escrita de um livro, na verdade, são viagens de trabalho, onde

perguntas precisam ser respondidas.

Essa história de adoção que Ortiz traz à tona é mais uma informação e

curiosidade de outras culturas que enriquecem nosso conhecimento. É mais um

exemplo de que estrangeiros buscam crianças brasileiras para adoção.

Para comprovar o objetivo específico, que visa identificar a relação da obra

com o New Journalism e o Gonzo, e confirmar a hipótese de que o autor apresenta

características do New Journalism e do Gonzo, lembramos que segundo Wolf (2005),

no New Journalism o autor podia utilizar qualquer recurso literário para excitar tanto o

intelectual como o emocional do leitor, pois ele gostava da ideia de começar uma

história deixando o leitor, via narrador, falar com os personagens.

No Nepal viviam cerca de oitocentas espécies de pássaros, mais do que as existentes no Canadá e Estados Unidos juntos. E quatrocentas delas estavam no parque, ao alcance dos nossos olhos. E bem, por que não admitir, ao alcance de uma boa funda! (ORTIZ, 2007, p.59, grifo nosso).

As características apontadas por Wolfe, mostramos no exemplo anterior, ao

descrever um pensamento de Ortiz, quando fazia o safári pelo Nepal. Ele excita o

intelectual ao trazer a informação de quantas espécies de pássaros há no Nepal.

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Excita também o emocional ao falar que elas estão ao alcance de uma funda, pois

nos remete à nossa infância e às brincadeiras de funda. Ao fazer o questionamento

grifado, “por que não admitir”, ele conversa com o leitor.

Outra característica do Jornalismo de Aventura é a descrição da cena. Como

exemplo, transcrevemos a preparação de Ortiz e seu grupo para o safári em meio à

floresta.

Colocamos um abrigo e tomamos um pouco de chá, pois a manhã estava bem fria, embora soubéssemos que faria muito calor tão logo saísse o sol. Nos estábulos, os tratadores terminavam de preparar os elefantes, colocando sobre suas costas uma proteção, uma espécie de pelego feito de saco de linhaça. Amarravam bem e, sobre ela, prendiam uma pequena caixa de madeira, parecida com um engradado. Subimos em uma plataforma, onde os elefantes foram encostados, e pulamos para dentro da caixa, quatro pessoas em cada animal, com as pernas para fora do engradado. (ORTIZ, 2007, p. 63).

Ortiz descreve o clima, afirmando que a manhã estava fria e depois viria o

calor. Fala também das ações dos tratadores e do grupo, descrevendo a posição e

passos de cada um. Com a descrição da cena, podemos nos reportar ao local ao

imaginarmos o que estava ocorrendo.

É neste mesmo passeio pela floresta que podemos identificar umas das

características do termo “aventura”, apresentada anteriormente. Na aventura de Ortiz

nem tudo são flores. Pois conforme Swarbrooke et al. (2003), uma aventura é uma

experiência emocional e pode ter algo de montanha-russa, que faz parte da

expectativa. Como vemos nesta parte do livro:

Na metade do caminho o domador do nosso elefante parou, desceu e foi para trás de uma moita fazer xixi, nos deixando sozinhos em cima do bichão. Junto comigo estavam um rapaz inglês e um casal sueco, que se desesperaram, sentindo-se abandonados no meio da selva. Tentei acalmá-los, explicando ser o elefante um animal que vive em manadas, e o pior que podia acontecer seria ele deixar o indiano para trás e seguir em frente, atrás de seus colegas. Pouco adiantou eles estavam furiosos. Mas logo o domador voltou, subiu no elefante e continuamos o passeio. - Ortiz, você trouxe sua arma? Era a voz de Julie, querendo me intrigar com o pessoal. -Trouxe – respondi, para espanto de todos. – Está aqui, ó! – e mostrei a lente da minha objetiva. Todos riram e ela ficou sem graça. O gracejo de Julie aliviou um pouco da tensão, e todos começaram a falar. (ORTIZ, 2007, p.63-64).

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Como falamos, uma aventura para alguns não necessariamente é aventura

para outros. Enquanto Ortiz estava aparentemente calmo nesta cena, seus

companheiros de safári estavam apavorados com a saída do domador. Nesse curto

espaço de tempo, Ortiz nos relatou os sentimentos do grupo, que por alguns instantes

ficaram assustados e, logo depois, se acalmaram. Assim, com Swarbrooke et al.

descreveu a aventura, uma experiência emocional.

O professor Edvaldo Pereira Lima apresenta algumas peculiaridades do

Jornalismo Literário Avançado do Século XXI, que elencamos como Jornalismo de

Aventura, sendo a observação participante, a imersão mais ampla possível do

repórter/autor no universo temático, definido por sua pauta e os recursos narrativos,

como à construção cena a cena.

Meu propósito no Chitwan se resumia ao tigre de Bengala e ao rinoceronte asiático. Mas estava convencido de que saindo em grupo com as pessoas conversando em altos brados, não seria possível ver nem um nem outro. - Será que poderíamos fazer uma caminhada para mais longe do hotel, só eu e você? – perguntei ao guia que nos acompanhava quando voltávamos, depois de andarmos horas caminhando pela mata sem ver nada além de macacos, antílopes, crocodilos e aves. - As saídas do hotel só podem ser feitas em grupos –ele disse. – Por questão de segurança. [...] - Mas se fosse menos gente, com menos barulho, e mais longe, creio termos melhores chances de ver os animais – insisti. (ORTIZ, 2007, p.65-66).

Essa passagem nos mostra que Ortiz tem curiosidade de um jornalista e

coragem e persistência de um aventureiro. Foi assim que ele buscou uma imersão

mais ampla possível na floresta, seu universo temático do momento.

Outra característica do Jornalismo de Aventura, apresentado por Ortiz e

defendido por Edvaldo Pereira Lima como o Jornalismo Literário Avançado do Século

XXI, é a leitura investigativa, quando o autor mergulha visceralmente no real. É quando

o repórter vai a campo, observa, interage, capta o significado da rede de fatores e

forças que configuram um momento e uma situação de realidade. E foi isso que Ortiz

fez, afinal, ele não sairia da floresta sem antes cumprir pelo menos um de seus

objetivos.

Chanu [o guia] se atirou no chão, sendo seguido por todos os presentes. - Olha um rinoceronte! – ele sussurrou. - Onde? – perguntei. - Ali, no outro lado do pântano – disse, apontando o bastão em direção a um pequeno lago à nossa frente.

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Havia um macegal, uma área descoberta, com uma pequena lagoa no centro. E tomando água, no lado oposto de onde estávamos, uma mamãe rinoceronte com seu pequeno – pequeno? – filhote bebia água. Existiam no mundo apenas 1.800 rinocerontes unicórnios, quatrocentos deles no Chitwan. Para seu azar, paira sobre si uma aura de magia e poder. Segundo os nativos, um bracelete de pele de rinoceronte protege contra maus espíritos, seu esterco funciona como laxante, e sua urina cura úlceras e tuberculose. Na China seu chifre vale 17 mil dólares o quilo, utilizado no combate à febre e como afrodisíaco. Favorecidos pela direção do vento, eu e Chanu rastejamos em sua direção. Aproximei-me o suficiente para vê-lo, em toda sua magnitude beleza, calmamente pastando junto ao lago. (ORTIZ, 2007, p. 69-70).

Neste trecho, notamos primeiramente a clara característica defendida por

Mordenell, como sendo de narrativas de viagem, e que Ortiz defende também como

do Jornalismo de Aventura, a qual se refere ao autor deliciar-se com os pequenos

flagrantes da vida, como é o que acontece quando ele vê o rinoceronte. Além disso,

para nós, fica evidente, mais uma vez a imersão no real do repórter, outra

característica citada na obra de Mordenell (2009) e Lima (2014), como mencionamos

anteriormente, e sendo também, um dos objetivos deste trabalho. No trecho, há

observação do autor e a sua participação na cena. Após esse passo, o autor interpreta

a situação e apresenta sua reprodução desse real de um modo narrativo peculiar. A

característica da “imersão no real” é a principal marca dos livros de Airton Ortiz.

Nas páginas seguintes, encontramos mais uma característica do Novo

Jornalismo. Wolfe afirma que se um repórter fica com uma pessoa ou um grupo

durante tempo bastante, eles – repórter e personagem - desenvolvem um

relacionamento pessoal. E foi isso que ocorreu entre Ortiz e Julie, a Australiana com

quem fez amizade durante o safári.

Nos últimos dias do safári, Ortiz e Julie se deram conta que, embora

compartilhassem diversos momentos juntos, não haviam se apresentado

formalmente.

Julie era veterinária e trabalhava em um zoológico na Austrália. - Muito prazer. Sou jornalista no Brasil, especializado em... - ...correr riscos! – ela concluiu a frase por mim. - Correr riscos? – perguntei, espantado. - Sim. Conheço este tipo de gente- ela falou, dando meia-volta e iniciando a caminhada em direção ao hotel. - Que tipo de gente? – indaguei, apressando o passo para andar ao seu lado. - Profissionais viciados em perigo – ela respondeu – Como aquele seu xará e compatriota, corredor de Fórmula 1... - Airton Senna? - Este mesmo. Só espero que você não termine como ele. - Campeão do Mundo?

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- Não! - Então... - ... Morto! (ORTIZ, 2007, p. 71).

Julie permitiu-se julgar Ortiz como “especialista em correr riscos”, pois nos

poucos dias que passaram juntos na floresta ela notou uma de suas principais

características, a vontade de aventurar-se em lugares exóticos. No final do capítulo

sobre o safári, o autor disserta sobre esse engajamento pessoal com as pessoas que

passam pelo seu caminho.

Meus novos amigos, assim como surgiam, estavam indo embora, fazendo o caminho de volta. Eu gosto de viajar sozinho porque isto me obriga a fazer novas amizades pela estrada. E, para mim, fazer amigos é a parte mais interessante de qualquer viagem. Mas também a mais cruel. Porque as amizades chegam de mansinho, quase sem que as percebamos. Mas as despedidas são bruscas, nos chocam. Nos atingem em cheio. (ORTIZ, 2007, p. 73).

Embora Ortiz prefira viajar sozinho, ele também realizou viagens em dupla,

como já comentamos. Isso, também é uma forma de engajamento, como ocorre com

Horst, o seu companheiro de viagem alemão. Como transcrevemos.

Quando decidi percorrer o Himalaia, telefonei para Horst Schejok, na Alemanha, convidando-o para fazermos a viagem juntos, repetir a boa experiência tida na África, no ano anterior. Éramos duas pessoas completamente diferentes que adoravam viajar juntas, nos complementávamos. [...]. Ele era uma das poucas pessoas que eu conheço com quem marcharia, lado a lado, em um ambiente adverso, durante um mês, sem que um sentisse vontade de jogar o outro no próximo precipício. [...]. Quando Horst apareceu na porta, com um largo sorriso, demo-nos um forte abraço. Era bom reencontrar meu parceiro de aventura. (ORTIZ, 2007, p 79).

Neste trecho notamos o carinho e amizade que Ortiz sente por Horst, isso se

deve a um engajamento que ocorreu no ano anterior, ao se conhecerem na África,

quando subiram o Kilimanjaro. Embora os dois sejam de culturas diferentes, a estrada

os ensinou a andarem lado a lado.

5.3.3.1.3 Pashupatinath

Após o safári, Ortiz foi para Pashupatinath, onde encontraria o seu

companheiro de viagem, Horst, e de onde partiriam para o campo base do Everest.

Nesta cidade, Ortiz preparou-se para o trekking, indo em busca da documentação e

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do guia. Ao relatar sua negociação na agência de viagem, Ortiz nos prova, mais uma

vez, que a sua intenção era a imersão no real e a busca por acesso as esferas sociais,

com as quais não está habituado a conviver no “mundo comum”, no caso, as aldeias

que cercam o monte Everest.

- Preciso de um guia fluente em inglês, com boa cultura e que conheça bem a região. Mais importante que mostrar o caminho – as plantas cartográficas indicam isto – será servir-me como intérprete junto aos nativos, quando quiser informações extras sobre as aldeias por onde vamos passar. [...] Para mim, o contato com a população local é muito importante. (ORTIZ, 2007, p. 78).

Este também é um exemplo do interesse jornalístico do autor, pois busca uma

imersão mais ampla no universo anteriormente definido em pauta.

Dando seguimento ao livro, encontramos novamente traços do New

Journalism. Voltamos a falar dos quatro recursos apresentados por Wolfe (2005) já

detalhado neste trabalho, como a construção cena a cena; registro do diálogo

completo; o ponto de vista da terceira pessoa, ou seja, a técnica de apresentar cada

cena ao leitor por intermédio dos olhos de um personagem para dar a sensação de

estar na cena, ou “eu estava lá”; e registro de gestos, hábitos, costumes, entre outros

detalhes dos símbolos do dia a dia que possam existir dentro de uma cena, são

novamente nítidos na obra de Ortiz.

Para os hindus, o macaco era um animal sagrado. Uma vez o deus Krishna estava cortando seu próprio cabelo, quando começaram a cair alguns piolhos no chão. Então ele transformou os fios de cabelos em árvores, e os piolhos, em macacos. Em frente a um pequeno monumento, um homem, muito magro, levantava uma enorme pedra apenas com a força do seu pênis. Cruzamos o rio e nos dirigimos à outra margem, em frente às ghats, onde diversos corpos estavam sendo cremados, em um ritual que chegava a ser agressivo, tão normal era a sua execução. Os mortos iam chegando e sendo depositados na barranca do rio, com os pés dentro d’água. Depois eram retirados dali e tinham suas roupas substituídas por um manto amarelo de seda. Ficavam mais algum tempo no chão, sendo a seguir colocados sobre as piras de lenha, onde ardiam, sobre as chamas, durante seis horas. Em uma das piras, o cadáver se contraiu, devido ao calor, e uma das pernas do morto levantou-se, como se quisesse sair caminhando. Um dos familiares pegou um pedaço de lenha e empurrou a perna de volta para o centro do braseiro. - É uma cena macabra – comentou Horst, enquanto eu tirava algumas fotos. Ao redor, garota bonitas e falantes ofereciam artesanato para os turistas. Um rapaz oferece um baralho ao Horst, com imagens do Kama Sutra. - Good price, sir – ele disse. Horst fez menção de não entender inglês, então o rapaz falou em espanhol, italiano e francês. E, diante dos olhos perplexos do Horst, o caro falou também em alemão. [...]

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- Não sei o que é mais espantoso – falei ao Horst. – se a cremação em si ou esses caras vendendo figuras eróticas em um lugar sagrado como este. (ORTIZ, 2007, p. 82 -83, grifo nosso).

Essa cena “macabra”, como descreve Horst, exemplifica as características

defendidas por Wolfe como Novo Jornalismo. Pois Ortiz constrói toda a cena e a

descreve, inicialmente, sob o ponto de vista da terceira pessoa, sendo que ele estava

lá, como fica claro na fala ao final. Ele também registrou os gestos das pessoas,

hábitos e costumes do povo hindu e relatou o diálogo que ocorreu entre ele, Horst e

os vendedores ao redor da cena.

Como também mostramos nesse trabalho, o Novo Jornalismo aprendeu

técnicas como a do imediatismo, e segundo Wolfe (2005), neste gênero é

absolutamente importante estar ali quando ocorrem cenas dramáticas, para captar o

diálogo, os gestos, as expressões faciais e os detalhes do ambiente. Assim como Ortiz

fez neste caso, pois a cena relatada não deixa de ser uma cena dramática, além de

“macabra”.

A característica de precisão de dados e informações está presente em todos

os capítulos do livro, pois ao citar algum local, religião ou palavra nova, Ortiz procura

apresentar o significado. Assim, suas obras tornam-se verdadeiras fontes de

informação. Após descrever a cena de cremação hindu, o autor apresenta a história e

as curiosidades da religião.

Hinduísmo foi a denominação dada pelos europeus ao conjunto de princípios, doutrinas e práticas religiosas surgidas na Índia, a partir do ano 2000 a.C., fazendo dele uma das religiões mais antigas que conhecemos. Segundo ela, a existência estava composta por três mundos convivendo em uma genuína correspondência: o primeiro era o físico, o segundo, o espiritual e o terceiro, o universo dos deuses. O termo era ocidental e não encontra correspondente nos idiomas indianos. Era conhecido pelos seguidores como Sanatana Darma, do sânscrito, e significava “a ordem permanente”. Estava fundamentado nos quatro livros dos Vedas – conhecimento, em sânscrito –, um conjunto de textos sagrados compostos de hinos de louvores e ritos. (ORTIZ, 2007, p. 83).

Este é mais um exemplo que comprova a hipótese 4, que afirma que o livro

apresenta uma pesquisa documental. Também temos como exemplos a história do

monte Everest apresentada no início deste capítulo, fruto da pesquisa documental de

Ortiz.

No final do dia, após presenciar a cena da cremação em Pashupatinath, Ortiz

e Horst dialogaram e expuseram suas interpretações sobre o acontecido, fazendo

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observações pertinentes. Essas interpretações, como citado no capítulo três deste

trabalho, Lima (2014) considera características do Jornalismo Literário Avançado do

Século XXI e considerado neste trabalho como sendo também do Jornalismo de

Aventura.

- Creio ter presenciado hoje uma das cenas mais chocantes de todas as minhas viagens – falei para Horst, olhando para o fundo do pequeno copo de raquixi vazio na minha mão. - Eu também – ele respondeu, enquanto o garçom, com extrema habilidade, nos servia mais cachaça. - Fiquei tão impressionado com a forma banal como terminam os seres humanos, que preciso repensar algumas coisas da minha vida – falei. - O que vimos hoje foi uma espécie de extermínio em série do que sobrou do ser humano – disse Horst, enquanto o garçom se afastava para atender uma outra mesa. - É como se a vida, este grande mistério, perdesse sua magia diante dos nossos olhos, nos transformando em cinzas – completei. - Tu és pó e ao pós voltarás – disse Horst citando o livro sagrado dos cristãos. - Sim – respondi – Mas não precisava ser assim tão cruamente. - Mesmo assim acho que a maneira hindu de morrer melhor do que a cristã – ele disse, tomando mais um gole de raquixi – Nós, cristãos, escondemos a morte, em uma cerimônia que nos distancia dela, enquanto os hindus lidam com ela de frente. E estão preparados para ela. [...] - A verdade é que a morte é certa – disse Horst. – Só lamento que a vida aqui termine com os macacos do templo comendo o arroz da cerimônia. (ORTIZ, 2007, p. 86-87).

Nas duas últimas citações da obra estudada fica claro que Ortiz atuou como

Lima descreveu, o jornalista vai a campo, observa, interage, capta o significado da

rede de fatores e forças, que configuram um momento e uma situação de realidade e,

por fim, interpreta. Neste caso, também notamos mais um exemplo de diálogo

completo presente no livro, ou seja, um dos recursos apresentados por Wolfe (2005)

como sendo do Novo Jornalismo.

5.3.3.2 Himalaia

A segunda, e última, metade da obra é dedicada à Estrada do Everest. Nesta

parte, Ortiz utiliza o ano de 1998, ano de sua viagem, para referir-se ao seu dia a dia.

Ele intercala os capítulos para contar a história da Estrada do Everest e do monte em

si, como resumidamente já abordamos no início desde subcapítulo.

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5.3.3.2.1 A Estrada do Everest

Essa história, assim como a parte documental e as curiosidades de

Pashupatinath, Katmandu e do safári, são frutos de uma pesquisa do autor, realizada

previamente e durante a viagem, onde pôde conversar com os nativos entrevistando-

os. A parte documental da história inicia em Dehra Dun, norte da Índia, em 1808,

quando deu-se início ao o mapeamento do Himalaia, como já mencionado. Depois a

pesquisa seguiu para a fronteira da Índia com o Nepal, em 1830. Passando por

Calcutá, na Índia, em 1852; Nova Delhi, em 1865; Lhasa, em, 1904; e Everest, em

1921, quando Mallory, mais três sherpas e três alpinistas alcançaram os 6.700 metros

de altitude da montanha, mas devido as condições climáticas tiveram que desistir de

concluir a escalada.

No final, o que acabou mesmo sendo o ponto alto da expedição foi a detalhada exploração topográfica feita no lado tibetano do maciço do Everest, além de, pela primeira vez, um ocidental ter visto o vulto e as pegadas gigantescas do Yeti. Estava quebrado o tabu da montanha intocável. (ORTIZ, 2007, p. 159).

Depois desse acontecimento, Ortiz relata o ano seguinte, 1922, com o mesmo

nome, referindo-se a outra tentativa de Mallory de escalar o monte. Os capítulos

seguintes dessa história, também se intitulam Everest, alterando o ano e altura e

descrevendo as expedições que tentaram alcançar o cume do monte, misturando

partes das histórias do Nepal, China e Tibete. Como a ocorrida em 1951:

Com a invasão do Tibete pelos chineses a rota norte do Everest estava fechada. Uma nova expedição, liderada mais uma vez por Eric Shiton, foi despachada para estabelecer uma trilha alternativa, pelo sul, através do Nepal, seguindo os passos de Bill Tilman e estabelecendo uma “estrada” até o Everest, cujo “traçado” serviria para as próximas expedições, inclusive a nossa. (ORTIZ, 2007, p. 252).

Depois de “aberta” esta estrada e as fronteiras do Nepal para algumas

expedições, aumentaram as tentativas de alcançar o cume da montanha. No último

capítulo, destinado à apresentação da pesquisa documental de Ortiz, intitulado “Cume

do Everest”, 1953, o autor relata que eram 11h30min do dia 29 de maio de 1953, pelo

calendário gregoriano, quando Tenzing Norgay e Edmund Hillary conquistaram o

Terceiro Polo.

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Estavam no topo do mundo, no ponto mais elevado da Morada dos Deuses, na ponta do mais alto obelisco dos terráqueos. De um lado podiam ver a geleira Rongbuc. Muito longe, milhares de metros abaixo, as cores do alto planalto tibetano, como uma miragem naquele mundo branco coberto de gelo e neve. (ORTIZ, 2007, p. 275).

Essa pesquisa documental que Ortiz traz em sua obra de forma detalhada nos

confirma, mais uma vez, a hipótese de que há pesquisa documental que dá suporte

ao texto literário-jornalístico, está correta.

Junto com a informação do local e do ano que se passa a história pesquisada,

Ortiz também informa a altitude, que aconteceu o fato, no caso de Dehra Dun, estava

a 680 metros de altitude, e no último capítulo a 8.850 metros, ou seja, no cume do

Everest, como citamos.

5.3.3.2.2 Diário de Ortiz

Essa mesma linha, Ortiz segue a cada novo capítulo do seu relato,

acrescentando a hora do acontecimento. Por exemplo, no início do primeiro capítulo

havia “Dia 1, Katmandu, 1.300 metros, a Jiri, 1.860 metros. 12 horas”. Assim, o leitor

poderia se localizar ao entender, que no primeiro dia de viagem, ele iria sair de

Katmandu para Jiri, subindo 560 metros. Além disso, as ações relatadas naquele

capítulo correspondiam a 12 horas de aventura, do primeiro dia, no caso. O “dia 1”

fazia referência ao “calendário de Ortiz”, como ele mesmo denominava, pois, durante

uma viagem ele não se importa que dia da semana fosse ou do mês que estavam,

mas sim, quantos dias ele estava na estrada.

Neste capítulo, Ortiz conta como foi a espera pelo guia, que se atrasou e a

saga até pegar o ônibus, que os levariam para Jiri, de onde iniciaria o trekking pela

Estrada do Everest.

Quando chegamos na rodoviária, o ônibus já estava partindo. Devendra desceu do táxi, em meio à multidão, e saiu correndo – e gritando! e gesticulando! – atrás do ônibus. Alguns passageiros ouviram, bateram na lataria externa do carro, chamando a atenção do motorista – que dirigia com a porta aberta, para ouvir a “campainha” –, e logo o ônibus parou. [...]. Como o tráfego no Nepal era de mão inglesa, o motorista dirigia no lado direito do carro, em uma cabina com mais oito passageiros. O ônibus tinha duas portas no lado esquerdo – uma na frente e outra atrás – e três cobradores – um dos quais ia em cima do teto -, em uma frenética competição de quem batia mais forte na lataria e gritava mais alto: - Leeeva!

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Ao cruzarmos pela periferia da cidade, nos pontos onde pessoas se aglomeravam na calçada, o motorista diminuía a velocidade, e o cobrador, com mais da metade do corpo para fora da porta, batia na lataria do ônibus e gritava: - Jiri! Jiri! Quando alguém se manifestava o ônibus parava e o passageiro subia, com diversas sacolas, caixas, latas, enfiando-as onde houvesse lugar. (ORTIZ, 2007, p. 95 – 96, grifo nosso).

Novamente a obra de Ortiz apresenta alguns traços do Novo Jornalismo,

como os detalhes presente neste trecho. Conforme Bulhões, Wolfe se atreveu e ousou

na linguagem do plano da expressão verbal, utilizando travessões, pontos de

exclamações, reticências e mudanças de foco narrativo, em que o narrador “entra na

cabeça” de seus personagens, assumindo sua perspectiva e as marcas da sua

linguagem. Na passagem destacada, notamos a grande quantidade de travessões e

pontos de exclamação, como grifamos. Ao transcrever a fala de seus personagens,

no caso os cobradores, notamos que Ortiz não só emite a palavra “leva”, mas passa

a impressão como se fosse o personagem falando, estendendo a quantidades de “e”

na palavra.

Durante o relato da viagem de ônibus até Jiri, notamos outra característica

presente na obra Na Estrada do Everest, que Ortiz considera como Jornalismo de

Aventura, ou seja, é outra marca de seus livros. No caso, trata-se do autor refletir

sobre a natureza e a velocidade do deslocamento.

Às vezes, descíamos até à beira do rio e descobríamos não existir ponte para atravessá-lo. Era preciso costeá-lo até à nascente, contornar suas cabeceiras, passar para a outra encosta e reiniciarmos a subida. Pela janela, acompanhávamos uma das paisagens mais bonita que já vira: em um mesmo cenário, altas montanhas verdes furando as nuvens e tocando o céu; e profundos vales, por onde escorriam limpíssimos e espumantes filetes de água. (ORTIZ, 2007, p.98).

Ao narrar o trajeto do ônibus e seu deslocamento, Ortiz se detém em

descrever a natureza, refletindo sobre as paisagens que está vendo e comparando

com outras que já presenciou. Essa atenção e reflexão com a natureza se repete no

decorrer da obra, como veremos novamente.

Depois que desceu do ônibus, em Jiri, começou a verdadeira aventura de

Ortiz, seriam 150 km percorridos até o Acampamento-base do monte Everest a pé

durante 17 dias. Se a missão fosse cumprida a recompensa seria subir ao cume do

monte Kala Patar, no final da trilha. Do monte, afirma-se ter a melhor vista do Everest,

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ou como Ortiz denomina “[...] a vista mais bela deste planeta. Eu estava ansioso para

conferir a veracidade desta afirmação, mas sabia que não seria nada fácil. Estávamos

apenas no começo”. (ORTIZ, 2007, p. 100).

Ortiz (2015)20, diz que são essas curiosidades que o movem. Isto tem ligação

com outra característica apresentada por Mordenell, sobre as Narrativas de Viagem e

caracterizada como Jornalismo de Aventura, a qual se refere ao fato que o jornalista

deixa-se levar pelo fluxo dos acontecimentos. Isto fica evidente no trecho abaixo, no

qual Ortiz, ao iniciar a trilha, confessa não saber como será, quais dificuldades

enfrentará e contenta-se pelo fato de estar vivendo o desconhecido.

Não sei o que vou encontrar pela frente, quais as dificuldades físicas que precisarei enfrentar, como serão as pessoas em que vou ter de confiar. E, especialmente, como vou reagir, física e mentalmente. Preciso de algum tempo para me aclimatar. Como já me conheço, no início nunca me exijo muito, sou um pouco condescendente comigo mesmo. Displicente, até. Neste primeiro momento me contento em apenas ter quebrado a inércia, ter partido. Mas sei também que à medida que vou avançando minha mente vai ganhando confiança e exigindo cada vez mais do meu corpo. Por isso sabia que em breve estaria tentando romper meus próprios limites montanha acima. Se iria conseguir, era uma pergunta que só o tempo responderia. Encaro toda situação adversa como uma forma de aprender um pouco mais sobre minhas reações e, portanto, prever meu comportamento em situações semelhantes no futuro. Por isso, se esta jornada acabasse bem, sem acidentes graves pelo caminho, teria muito a descobrir sobre mim mesmo. E isto era bem estimulante. (ORTIZ, 2007, p. 104).

Antes de Ortiz começar a viagem, ele presenteou o guia sherpa com uma

camisa da seleção brasileira. O gesto demonstrou, além de agradecimento pelo

companheirismo durante a viagem, outro exemplo de engajamento com alguém que

ele acabara de conhecer.

Nosso guia, Devendra Thapa, acordou-nos às sete horas. Conversamos um pouco e perguntei-lhe se gostava de futebol. Disse gostar muito e que na Copa do Mundo apostara no Brasil, perdendo um bom dinheiro. Para amenizar seu prejuízo, dei-lhe de presente uma camiseta da seleção brasileira. - Espero que esta camiseta seja o símbolo de uma grande amizade entre nós – falei-lhe. Ele agradeceu, emocionado, e apresentou nosso carregador, um jovem magro e muito simpático, de nome Barrado, morador de Jiri. (ORTIZ, 2007, p. 102).

20 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por: <[email protected]>. em: 06 abr. 2015.

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No capítulo seguinte, vemos novamente outra característica defendida por

Mordenell, como já citamos no capítulo três deste trabalho. Refere-se ao autor deliciar-

se com os pequenos flagrantes da vida. “Ainda estava escuro quando o relógio de

cabeceira do Horst despertou, às seis em ponto. Acordei surpreso: ele trouxera um

relógio de cabeceira na bagagem!” (ORTIZ, 2007, p. 113). Neste trecho, notamos algo

incomum nas rotinas dos aventureiros, afinal, busca ao máximo diminuir o peso das

mochilas, levando somente o necessário. Mas, essa regra não é muito seguida por

esses aventureiros amadores, pois na mesma página, Ortiz confessa outro segredo

da expedição.

Eu não falava alemão, ele não falava português e não se sentia à vontade falando inglês. Mas falava um bom espanhol [...] Nós até tentamos. Desta vez ele chegou ao Nepal com um dicionário Alemão/Espanhol. E eu havia comprado no Brasil um dicionário Português/Alemão. Muitas vezes Horst parava no meio da frase, puxava o dicionário e procura o significado, em espanhol, do que queria dizer. Era uma confusão. Então eu pedia para ele falar em alemão mesmo. E procurava o significado no meu dicionário, tornando a confusão ainda maior. Desistimos. Adotamos o castelhano como língua oficial da Yeti Expedition. (ORTIZ, 2007, p. 113).

Embora um dicionário seja sempre bem-vindo, Horst e Ortiz já haviam viajado

juntos no ano anterior, eles já haviam pré-estabelecido uma língua oficial para suas

viagens, não haveria necessidade de carregarem dois dicionários, pois como Ortiz

mencionou, isso gerou mais confusão. Mas, não cabe a este trabalho analisar essa

questão. Destacamos este trecho para exemplificar outro momento de descontração

na viagem, ou seja, a confusão com a língua entre um alemão que não fala português

e nem inglês e um brasileiro que não fala alemão pelas trilhas do Himalaia.

No decorrer dos capítulos, Ortiz relata seu dia, assim como um diário. Ele

sempre informa sobre a localização e altitude, explana sobre o encontro com as

pessoas, detalhando algumas feições e gestos. Ele explica como são as refeições

típicas, falando o que comeu em cada dia, detalha a natureza que o cerca. Por meio

dessas características, é possível viajar junto na expedição, rumo ao campo-base do

Everest.

Passamos por diversas casas de agricultores e chegamos ao fundo do vale, seguindo pela margem do rio, por uma escorregadia trilha, dentro da floresta, caminhando sobre um chão muito úmido. O agradável cheiro da terra molhada fundia-se com o orvalho caindo das árvores e com brisa que subia do rio, formando uma suave bruma dentro do bosque nesta linda manhã de outono. (ORTIZ, 2007, p. 115).

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No trecho acima, temos outro exemplo de observação da natureza. Por meio

da descrição conseguimos nos transportar para o local, algo que só a literatura nos

permite. Ao continuarmos a leitura, também notamos doses de humor, entre as

peripécias do autor, há relatos de diálogos que misturam informação, como a grifada,

e diversão como o trecho:

Podia-se ouvir um galo cantando, ao longe. - Quando um galo canta fora de hora, é sinal de tempo bom – expliquei ao Horst, enquanto caminhávamos. - E como você sabe disso? – ele perguntou. - Aprendi com os escoteiros, no Brasil – respondi, meio ríspido, por ele estar duvidando dos meus conhecimentos. - E será que os escoteiros brasileiros ensinaram o mesmo para os galos do Himalaia? (ORTIZ, 2007, p. 115, grifo nosso).

Já na pousada, após o jantar naquela mesma noite, Ortiz relata uma conversa

com os viajantes, o que nos mostra que a finalidade do jornalista com essa viagem

era mais que simplesmente um desafio pessoal e mental, mas sim um compromisso

com a sua profissão.

Finalizada a ceia, empurrei os prato para o lado e desdobrei as plantas cartográficas pelas quais vínhamos navegando. Com a minha lanterna mostrei-lhes as trilhas que pretendíamos seguir e medi duas distâncias com meu curvímetro, um pequeno aparelho de fabricação francesa com uma ponta esférica. Rolando-a sobre o mapa, mostrava-nos a distância na escala programada. Eles ficaram impressionados por eu estar carregando este peso extra. Pego no contrapé, fiquei sem jeito. Só me ocorreu explicar que era jornalista e que precisava de uma série de informações de que eles talvez não necessitassem. (ORTIZ, 2007, p.120).

Esse fato além de deixar claro, novamente, que Ortiz estava viajando como

jornalista, nos remete ao pensamento da importância do jornalista-escritor de Monica

Martinez, já mencionado neste trabalho. Essa ação de escrever narrativas de viagens

talvez transcenda a responsabilidade social, pois a vivência e o relato de realidades e

visões de mundo diferentes tocam “cordas” profundas nos autores e leitores.

Durante a trilha até o campo-base do Everest, diversas narrações de Ortiz nos

provam que ele estava viajando a trabalho, como jornalista, e com uma finalidade

claramente definida: de entrevistar pessoas, anotar as informações, pesquisar dados

e curiosidades e fotografar. Algumas vezes, ele utilizava o seu trabalho para puxar a

conversa durante a noite, conhecer pessoas e descansar.

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Essa técnica: parar para tirar fotos – e tomar fôlego! – iria demonstrar-se extremamente eficiente nos dias seguintes. À medida que íamos ganhando altitude e a trilha ficando cada vez mais difícil. Quando não aguentava mais, estava nas últimas forças, e os companheiros lá na frente, no maior papo, eu parava. Com a maior cara de pau, largava a mochila, armava o tripé, montava a máquina e batia algumas fotos. O pessoal sabendo que ali estava um jornalista trabalhando arduamente, aguardava sem reclamar. Minutos depois eu levantava acampamento, revigorado, e passava por eles, com passos largos, dizendo: - Vamos lá, turma, estamos atrasados. O difícil foi arrumar lugar em casa para guardar os mais de mil slides que trouxe. (ORTIZ, 200, p. 127).

No trecho acima, notamos certo humor do autor, humor irônico, presente

também em algumas obras de Hunter Thompson, do Jornalismo Gonzo. E, mais uma

vez, a presença da narração em primeira pessoa.

Nas páginas seguintes, ao relatar um diálogo com uma viajante encontrada

pelo caminho, notamos novamente a presença do jornalista no personagem do Ortiz.

- De onde você vem? – indaguei, enquanto terminava de almoçar. - De Katmandu – disse, meio displicente. [...] - Quantos anos você tem? - Tenho 25 anos. - Como é seu nome? - Louise Mead – ela disse, acrescentando: - alguma outra pergunta - Não por enquanto é só. Obrigada – falei enquanto escrevia no meu bloco de notas. - Você é jornalista? – ela perguntou, levantando-se - Como você descobriu? (ORTIZ, 2007, p. 142 – 143).

O ato da entrevista Ortiz repetiu diversas vezes durante a trilha. Ele procurava

saber de onde as pessoas vinham, para onde iriam, o que estavam fazendo no

caminho, o que as motivaram, para assim, também tirar suas conclusões sobre o

porquê e quem a estrada atrai. Essa também é uma das características que partem

da tese de Mordenell. O pesquisador afirma que o viajante se diferencia do turista por

sustentar um olhar inquisitivo sobre o que o cerca, considerando assim, Ortiz como

um viajante. Já o aventureiro, se considera, na verdade, um andarilho. Nas páginas

seguintes, ao relatar uma conversa com outros viajantes em uma das noites de sua

viagem, ele se autodenomina como andarilho.

Vagabundear me abre o espírito, me faz perplexo diante das novas coisas que descubro. Vagabundear significa colocar todo meu intelecto a serviço da minha intuição. E é ela, a minha intuição, que me mostra os caminhos mais

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adoráveis. As pessoas mais adoráveis. As coisas mais adoráveis E me faz também adorável. Um adorável... andarilho. (ORTIZ, 2007, p. 155).

Andarilho, viajante ou aventureiro, o que realmente nos cabe ressaltar aqui é

a importância de suas viagens. Como já provamos, Ortiz é, na verdade, um jornalista

com fome de informação para compartilhar com os leitores por meio de seus livros.

Outra característica apontada por Mordenell e caraterizada como Jornalismo

de Aventura é que o viajante convive de forma criativa com a insegurança e a

surpresa, no trecho destacado podemos observar isto.

No passo, onde a trilha não tinha mais do que meio metro de largura, eu estava a 2.831 metros de altitude. À minha esquerda a parede do rio Dudh Kosi se precipitava, em uma queda vertical de 1.081 metros [...]. Senti medo. Muito medo, para dizer pouco. Uma pisada em falso, um mal-estar súbito, uma lufada de vento mais forte e despencaria rochedo abaixo. Mas a beleza do lugar era impressionante, merecia uma foto. Com todo cuidado tirei a câmera da mochila, troquei de lente e bati uma fotografia [...]. Bati a foto e – incrível! – acabou o filme. (ORTIZ, 2007, p. 163).

Ao descrever a cena, Ortiz consegue transmitir o seu medo para o leitor,

fazendo com que nos posicionemos no precipício junto com ele. Mas, logo o

sentimento se transforma, ao notar que sua preocupação era a foto, que não saiu,

pelo fato do filme ter acabado.

Além de dados geográficos e históricos, Ortiz também traz dados sobre a

fauna local, uma vez que trata-se de algo exótico para nós.

A partir de Lukla já se viam as imensas filas de iaques, pequenos bois peludos, habitantes das regiões altas e frias do Himalaia, aqui utilizados para carregar a bagagem dos turistas que não dispensavam alguns dos pequenos confortos que costumavam ter em suas casas. Os iaques eram nativos de um ampla área da Ásia Central, se estendendo da Mongólia até o Nepal. Viviam exclusivamente em regiões acima de 3.000 metros de altitude, pois experiências demonstraram que, quando levados para pastos mais baixos, acabavam morrendo. Imensos, chegavam a atingir 1,80 metro. Pesavam uma tonelada e seus chifres mediam cerca de 1 metro. (ORTIZ, 2007, p. 173).

Neste trecho também fica claro que o autor ao falar de algo possivelmente

desconhecido de seus leitores, os iaques, busca abordar uma breve explicação sobre

o termo, assim, firmando seu dom jornalístico, de informar.

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Ortiz estava no seu nono dia de trilha quando avistou o pico do Everest pela

primeira vez. Após esse dia, ele ficaria cada vez mais próximo ao Himalaia e

visualizaria diariamente os picos nevados.

Numa pequena curva a floresta ficou mais rala e pudemos ver, por entre as árvores, em meio aos galhos, lá no fundo, no horizonte, os cumes nevados dos montes Nupte e – maravilha das maravilhas! – o cume piramidal do monte Everest. Foi a primeira vez que o vi, ao vivo e a cores! Mesmo a 30 km de distância, em linha reta, o grande pico dominava o horizonte. A rampa de sua pirâmide estava desobstruída, erguendo-se branca e negra, de neve e rocha. Do topo, seu penacho emblemático agitava-se a favor do vento, por mais de 1 km, como estandarte na ponta da lança de um nobre cavaleiro: conhecido por jet stream, ele assinalava a grande altitude em que o pico perfurava o jato de vapor pairando sobre o Himalaia. Eu estava na estrada certa. (ORTIZ, 2007, p. 189).

Ortiz (2015)21 afirma que foi justamente ao ver a imensidão das montanhas

que refletiu sobre sua vida e sua viagem, sendo isso, o que mais lhe marcou durante

toda a trajetória. “A grandeza da paisagem e a nossa insignificância física perto dela.”

(ORTIZ, 2015)22. Como já falamos durante esse estudo, Renato Mordenell defende

que a experiência imersiva do protagonista associa uma viagem existencial ao trajeto

geográfico, a qualidade não apenas informativa do texto, mas também estética. Para

Mordenell, só assim a viagem poderá perdurar na forma de palavra impressa.

A pequena expedição Yeti, como eles chamavam, era formada por Ortiz,

Horst, o guia sherpa e o carregador. Eles caminhavam durante o dia, quando o clima

ajudava e no final da tarde paravam em um vilarejo para dormir, algumas vezes

passando até mais de um dia para se ambientar com a altitude. Era nestes vilarejos

que Ortiz aproveitava para conhecer mais da cultura local, conversar com as pessoas,

visitar locais sagrados e desconhecidos pelos turistas, e também, claro, os pontos

turísticos. “Na descida visitamos um museu sherpa, mostrando as tradições deste

fantástico povo e contando, também, um pouco das histórias destes lendários homens

das montanhas, os verdadeiros conquistadores do Himalaia.” (ORTIZ, 2007, p.199).

Conhecer a cultura, por meio de uma imersão no local foi fundamental para a escrita

do livro com estilo de Jornalismo de Aventura, rico em detalhes e informações.

21 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por:

<[email protected]>. em: 06 abr. 2015. 22 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por:

<[email protected]>. em: 06 abr. 2015.

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Na aldeia Tengpoche, onde Ortiz passou seu 11º dia, ele teve a oportunidade

de ver o rimpoche, lama reencarnado de Tengpoche – um dos destaques budistas, na

hierarquia budista do Nepal. Isso ocorreu devido à importância do mosteiro, que ficava

na minúscula aldeia, como o aventureiro denominou.

A vida na região girava em torno do mosteiro, um centro de grande importância cultural, religiosa e social para o povo sherpa. Jovens de todo o Khumbu eram enviados a este local para estudar o budismo. [...] Em 1934, um terremoto abalou a área destruindo parcialmente o mosteiro e matando o próprio lama Gulu. Reconstruído pelos melhores pedreiros e carpinteiros, e decorado pelos mais renomados artistas da época, do Nepal e do Tibete, a beleza das pinturas em suas paredes, as ricas esculturas budistas e o próprio conjunto arquitetônico tornaram-no mundialmente conhecido. (ORTIZ, 2007, p. 212).

Novamente o livro nos traz informações detalhadas sobre o local, sua cultura,

história e religião. Embora, que a rota escolhida por Ortiz até o campo-base do

Everest, não seja a preferida de alpinistas pelo fato de ser a mais longa, ao lermos

seu relato notamos que ela é riquíssima em cultura, pois a vivência com o povo das

montanhas é fundamental para o objetivo de Ortiz com a obra, despertar a curiosidade

e a vontade de viajar nos leitores.

No caminho, Ortiz encontrou um casal de brasileiros que estava retornando

do campo-base e relatou parte da conversa que teve com Marcelo, integrante do casal

mineiro.

O sentimento mais marcante, e que hoje me contempla, é saber que o sonho que parecia tão longe quanto à distância física e cultural entre o Brasil e o Nepal, estava naquele momento sendo realizado, unicamente porque, a partir de um determinado momento, eu e Viviane passamos a acreditar que não seria impossível fazê-lo. - Foi uma lição – eu comentei, estimulando-o a falar mais, pois senti que estava gostando de fazê-lo. -Sim, o Everest, para mim, serviu também como uma lição. Uma lição muito fácil de dizer mas difícil de acreditar: querer é poder. Esta lição está presente em todos os dias de nossas vidas. A pergunta que me faço agora é: quando escalaremos o Everest? - Olha, este negócio é sério – falei, com cara de espanto. E acrescentei: Eu tenho um amigo que costuma dizer: cuidado com teus sonhos. Eles perigam realizar-se. (ORTIZ, 2007, p. 226).

Ao relatarmos esta história, trazemos à tona novamente os pensamentos de

Onfray (2009), que defende que qualquer linha de um autor aumenta mais o desejo

de conhecer o lugar descrito. Para ele, entre o mundo e nós, intercalaremos

prioritariamente as palavras. E foi isso que aconteceu com o casal, que motivados

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pelos livros foram em busca do seu sonho, da viagem que iniciou numa biblioteca ou

numa livraria pois, “de perto ou de longe, contribuem para a formulação, a realização,

a concretização de uma escolha de destino”. (ONFRAY, 2009, p. 25).

No próximo trecho destacado encontramos características mais evidentes do

Gonzo, que, como já citamos, podem causar estranheza, como o uso da primeira

pessoa do repórter, o humor sobre o aspecto de ironia e sarcasmo e texto opinativo

mostrando a vivência do repórter-narrador focando na experiência e tentativa de fazer

com que o leitor possa estar junto ao acontecimento. Isso fica exemplificado nesta

parte do livro, quando Ortiz, ao percorrer a Estrada do Everest sentiu alguns sintomas

do mal da altitude.

Dormi um sono tão profundo, que Horst precisou me chacoalhar para acordar. - Ortiz, você está morto? – perguntou-me ele, sem imaginar que alguns dias depois eu estaria fazendo a mesma pergunta. -Acho que não, pois na minha frente estou vendo um alemão grande demais para ser um anjo – falei, tão logo abri os olhos. E concluí: A não ser que eu tenha ido direto para o inferno... (ORTIZ, 2007, p. 238, grifo nosso).

O uso da primeira pessoa está nítida na parte, selecionada nas palavras como

“dormi”, “perguntou-me”, “eu”, “abri”, entre outras. Na descrição de Ortiz “um alemão

grande demais para ser um anjo” notamos o humor sobre um aspecto de ironia e

sarcasmo. A opinião dele também está clara quando diz, “E conclui”. As reticências,

no final da parte selecionada, é outra marca do Jornalismo Gonzo. Com base nisso,

confirmamos a segunda hipótese desde trabalho, afirmando-se que o autor apresenta

características do New Journalism e também do Gonzo.

Era o 16º dia de caminhada pelas trilhas do Himalaia quando Ortiz chegou a

Gorak Shep, este era o último local onde se podia construir um abrigo de pedra nesta

região do Himalaia. A partir deste ponto, o chão era formado apenas por cascalho e

gelo em constante movimento. O próximo passo de Ortiz seria até o campo-base do

Everest, seu objetivo.

O correto seria dormirmos em Gorak Shep e só no dia seguinte avançarmos em frente. Mas estava me sentindo bem e vinha torcendo para chegarmos ao Acampamento-base no dia em que Kaji Sherpa tentasse seu recorde de velocidade no Everest. E esse dia era hoje. Seria um grande fato jornalístico e queria estar presente. Até porque imaginava ser o único repórter estrangeiro no local nesta ocasião. (ORTIZ, 2007, p. 265).

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Novamente notamos a presença do jornalista nitidamente na obra de Ortiz.

Ele deixa claro qual a sua formação no livro, e também encontrou outro motivo para a

sua viagem, estar presente no fato histórico do monte. Na mesma página, ele

descreve o caminho e leva nossos pensamentos para um dos lugares mais remotos

do planeta, o Everest. Nas páginas seguintes, narrar os barulhos transmite a sensação

ao leitor de estar pisando nas geleiras, despertando em alguns o medo.

O caminho entre Gorak Shep e o Everest foi o mais difícil e perigoso de todo o percurso. Não creio que exista no planeta um lugar tão devastado pelas forças da natureza quando este que estávamos percorrendo. (ORTIZ, 2007, p. 265).

E ainda.

Volta e meia ouvíamos um grande estrondo, como se um avião houvesse rompido a barreira do som ao lado dos nossos ouvidos. Eram avalanches subterrâneas, quando uma placa de gelo menos resistente sucumbia ao seu próprio peso e afundava nas águas que corriam sob a geleira, deixando à vista um poço por onde as pedras ao redor eram sugadas para o fundo do abismo gelado. (ORTIZ, 2007, p. 267).

A narrativa, presente no segundo parágrafo, nos remete aos traços literários.

Assim, analisamos que a literatura e a aventura apresentam alguns traços

semelhantes. Ambos nos fazem conhecer um “mundo diferente”, nos fazem viajar, nos

encorajam para algumas ações, nos fazem refletir e ter momentos de prazer. José

Castello, autor da obra A Literatura na Poltrona, encontrou ainda outra coincidência.

“Não existem caminhos retos que conduzam à literatura, eles são sempre tortos e

movediços. Nada se pode ensinar a respeito, pois a literatura não comporta nem guias

turísticos, nem manuais de instrução.” (CASTELLO, 2007, p. 108). O mesmo ocorre

com uma aventura, uma vez que não se há como prever o que vai ocorrer nem o que

tem logo ali, depois da curva. É sobre isso que Ortiz reflete e imagina ao se aproximar

do final da viagem.

Esta era também uma viagem no tempo. E para trás. À medida que nos aproximávamos do Everest não sentíamos os dias passando. Era como se fôssemos nós que estivéssemos passando pelos dias, cruzando-os, um a um, em direção ao passado, rumo ao início da aventura humana na Terra. (ORTIZ, 2007, p. 267).

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Essa mistura de tempos, imaginando o desconhecido, a confusão nos

pensamentos é o sentimento comum ao se aproximar do destino da sua viagem, assim

como na literatura, ao ver as páginas de um livro se acabando.

Depois de olhar pela última vez a pedrinha que Julie lhe entregou no safári,

Ortiz a arremessou em direção ao gelo, cumprindo a promessa feita a ela, e, com esse

gesto, também cumpriu parte de sua missão.

[...] dei uma última olhada para o acampamento-base, lá na ponta da geleira e comentei com Louise: - A minha vida é feita de pequenos e grandes sonhos. - E pelo teu olhar – ela disse, interrompendo a minha frase no ar -, nota que acabou de realizar um grande sonho. - Sim, este foi um grande dia. - Quem sabe da próxima vez você vem para escalar o Everest? – ela provocou, olhando fundo nos meus olhar com seu jeito de professora que lança um desafio para o aluno. - Sei que faço muitas coisas arriscadas, faz parte da minha natureza estar sempre tentando empurrar os limites para descobrir até onde posso chegar – respondi, enquanto olhava para a Cascata de Gelo, escorado no bastão de trekking. Louise me ouvia, atenta. Então, continuei: - Mas o importante nesta história toda é saber reconhecer quando chegamos a um limite extremo, e encará-lo com naturalidade Certos limites não foram feitos para serem superados. Pelo menos não para alguns de nós, se não a vida não teria graça. E este é o meu. (ORTIZ, 2007, p. 269- 270).

A meta estava cumprida, o objetivo estava alcançado. Ortiz havia completado

a rota da primeira expedição do monte Everest. Foram 16 dias superando limites, em

busca do desconhecido, provando, para si mesmo, que sonhos se realizam e que

podemos viajar além da imaginação, algo que só os livros nos proporcionam.

O dia seguinte seria o último da viagem de ida e destinado a escalar o Kala

Patar, pois Ortiz havia cumprido a sua meta inicial. Horst, acordou se sentindo mal e

havia decidido não subir o monte, devido ao mal da montanha, e Ortiz se colocou no

lugar do amigo ao refletir sobre o acontecimento.

Seria insensato, claro, nas suas condições, prosseguir fazendo tamanho esforço àquela altitude. Fiquei imaginando como esta noite lhe devia ter sido penosa para fazê-lo tomar tal decisão. Mas, afinal de contas, era exatamente isto que nos atraía para as montanhas: o direito de tomar nossas próprias decisões, definir nossos próprios limites. (ORTIZ, 2007, p. 278).

Perto do fim, novamente notamos a reflexão do autor sobre um fato ocorrido.

Seus pensamentos relatados na obra e a análise do que ocorreu são características

que consideramos como do Jornalismo de Aventura.

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A narrativa encontrada na obra, emociona nas suas últimas páginas. A técnica

nos permite estar junto ao autor no momento do acontecimento, fazendo entender

seus pensamentos e ouvir as batidas do coração e a respiração ofegante do

aventureiro.

Com muito cuidado, me arrastando sobre as pedras, cheguei aos 5.545 metros do cume do Kala Patar. Eram nove horas do dia 18 de outubro de 1998. Sentei-me olhei ao redor. Era inacreditável. Por mais que fantasiasse a beleza deste lugar, ele era imensamente mais belo. Por mais que tivesse preparado para este momento, sentia-me agora pego de surpresa. Era uma beleza selvagem, de uma quietude impressionante. Os picos ostentavam-se imponentes, assumindo uma forma piramidal em respeito à única lei que era obrigado a obedecer – a lei da gravidade -, mas seus cumes, talhados por acidentes geológicos, eram ásperos como espinheiros ou arredondados e sombrios. À minha frente, onde a muralha do Himalaia delimitava a fronteira com o Tibete, podia ver as mais belas montanhas da Terra. (ORTIZ, 2007, p. 286).

Entre as páginas finais do livro para analisar as palavras de Ortiz, citaremos

novamente o crítico literário José Castello que destaca a importância da sensibilidade

do leitor. “A leitura é uma experiência misteriosa, de que participam não só o texto que

se lê, mas a imaginação, a memória, a história, a sensibilidade de quem lê.”

(CASTELLO, 2007, p. 37). Assim como para definir o termo “aventura” depende-se da

experiência individual, para definir o sentimento aos lermos uma obra com a literatura

de Airton Ortiz, também se deve analisar as experiências literárias individuais, para

saber o quanto será motivado e emocionado.

Impossível não chorar diante da grandeza do cenário à minha frente, diante da beleza dos picos nevados que formavam a cordilheira do Himalaia. [...] era incrível como alguém, mesmo medianamente inteligente, não se desse conta da suavidade destas linhas, da harmonia deste ambiente, da paz que pairava no ar. [...] Fiz a minha prece e agradeci a Deus por ter me dado o privilégio de viver o bastante para apreciar sua mais completa obra de arte. Para mim, era o suficiente. (ORTIZ, 2007, p. 286 – 287).

Onfray (2009) reitera a força das palavras. Neste caso, a descrição de Ortiz

nos encoraja e desperta a vontade de pegar a mochila e partir rumo a uma nova

aventura. Para o filósofo, somente a experiência escrita permite dar conta da

totalidade dos sentidos da experiência vivida, fazendo com que o real culmine no texto

e transfigure a vida em experiências capazes de resultar em um livro, como Na

Estrada do Everest.

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O crítico literário, Castello, também nos faz refletir sobre o assunto. “Fazer

literatura é uma experiência radical, que produz consequência profundas na vida de

quem escreve”. (CASTELLO, 2007, p. 106). No caso de Ortiz, essa consequência

pode ser considerada o gosto pela aventura, fazendo que continuasse buscando

outros pontos desconhecidos do planeta para explorar e escrever sobre.

Como Ortiz terminou seu relato no topo no Kala Patar, ele utilizou o início da

segunda parte do livro, para descrever a cena ocorrida no final da viagem.

A conversa rolou solta, animada pela cerveja e pelas muitas histórias que cada um tinha para contar. Aos poucos, fomos relembrando aqueles dias maravilhosos passados na Estrada do Everest – onde todos se conheceram -, e dos quais já estávamos com saudades. Nossa jornada nas montanhas do Himalaia havia deixado sua marca. Fazíamos a catarse. Mas foi ficando tarde e o pessoal começou a se recolher, estava na hora de cada um voltar para o seu país. Ou então, seguir em frente, na sua estrada particular. (ORTIZ, 2007, p. 92).

Assim, novamente nos fica provado o seu engajamento, não só com o povo

local, mas também com todos que percorreram a Estrada do Everest na mesma época

que ele, ou melhor, engajamento e imersão com todos e tudo que formam a estrada.

Após isso, cada aventureiro seguiu o seu caminho, provavelmente, em busca de

outras aventuras.

Também ressaltamos que a obra Na Estrada do Everest, segundo as

características defendidas por Lima (2004), pode ser enquadrada como livro-

reportagem. Assim como já mencionamos neste trabalho, é o veículo de comunicação

impressa não-periódico, que apresenta reportagens mais amplas que o costume. Ao

detalhar os conceitos de livro-reportagem, Lima distingue das demais publicações

classificadas como livro por três condições: conteúdo, pois o objeto de abordagem

corresponde ao real, ao factual, sendo fundamentais a veracidade e a

verossimilhança; o tratamento, que compreende a linguagem, a montagem e a edição

do texto apresentando-se eminentemente jornalístico; e por fim, a função, que tem

como objetivo de informar, orientar e explicar.

Podemos dizer que essas três características estão presente na obra de Ortiz,

uma vez que o conteúdo é real, é algo que o autor viveu. Pela sua formação

jornalística, o autor busca manter esse padrão em algumas partes do livro, e por fim,

o livro informa o leitor tanto geograficamente como historicamente. Além disso, o livro

também dispõe de informações culturais e turísticas.

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Lima também apresenta dois grupos particulares do livro-reportagem, sendo

que no primeiro ele se origina de uma grande reportagem ou de uma série de

reportagens; e o segundo, é a originalidade desde o começo, quando é elaborado

para ser livro. No caso de Ortiz, o livro Na Estrada do Everest se encaixa no segundo

grupo, pois ele se origina desde o começo, sendo elaborado para ser um livro. Em

uma matéria sobre Airton Ortiz, publicada no Jornal Zero Hora, a repórter Larissa

Roso, escreveu que Ortiz, “costuma partir [para viagens] para produzir livros.” (ROSO,

2014).

Como já citado, o livro-reportagem também traz uma proposta de diversas

classificações, como perfil, ensaio ou viagem. Fica evidente que a obra estudada se

encaixa perfeitamente nesta classificação, uma vez que, o fio condutor é uma viagem

a uma região geográfica específica. Segundo Lima (2004), o livro-reportagem de

viagem se difere do relato meramente turístico por ter nítida preocupação com a

pesquisa, com a coleta de dados, e com o exame de conflitos. Este foi o foco de Ortiz,

como citado recentemente ao transcrevermos partes do livro.

Outra das principais características da obra estudada é o fato de ser escrita

em formato narrativo. Pois o escritor tem a necessidade de contar o que viu, e a forma

narrativa direta faz essa aproximação com a realidade. Aproveitamos para lembrar

que Olinto (2008) considera esses livros, como os de memórias ou as narrativas, como

enquadrados na classe do jornalismo em forma literária.

E assim como já falamos neste trabalho, Marcelo Bulhões acredita que a

narratividade é o ponto de confluência de gêneros do jornalismo e da literatura.

“Produzir textos narrativos, ou seja, que contam uma sequência de eventos que se

sucedem no tempo, é algo que inclui tanto a vivência literária quanto a jornalística.”

(BULHÕES, 2007, p. 40).

E isso ocorreu durante todo o livro, uma vez que a obra é narrativa. A

sequência de eventos e fatos ocorreu tanto ao lermos o “diário” de Ortiz, como ao

conhecermos a história cronológica da conquista do Everest, também relatada pelo

mesmo. Sendo assim, mais uma vez podemos afirmar que o objetivo de verificar onde

o jornalismo e a literatura se encontram foi alcançado.

Também vale mencionar, novamente, o pensamento de Swarbrooke et al.

(2003) ao se referir aos escritores viajantes. Conforme o pesquisador, esses escritores

viajam para lugares exóticos e compartilham suas experiências com os viajantes

menos aventureiros, passando olhar o mundo através de um novo ângulo ou enfoque

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original. Entre as atividades escolhidas, ele cita justamente o que Ortiz fez, ou melhor,

refez; os passos de gerações anteriores de aventureiros. Como no caso a primeira

expedição que “abriu” a estrada percorrida por ele, Swarbrooke et al. também comenta

que esses escritores estão se tornando notadamente menos sérios e eminentes no

tom, e mais bem-humorados, também como é o caso de Ortiz, ao realizar brincadeiras

e contar suas peripécias durante a aventura. A explicação de Swarbrooke et al. que

trouxemos se encaixa perfeitamente no relato e na vida de Airton Ortiz.

Embora o editor chefe da Kalapalo Editora, Guilherme Cavallari, não

considere algumas obras de Ortiz como viagens radicais, ele concorda com a

importância deste tipo de literatura para motivar a prática de esportes e viagens.

Como editor, se eu fosse organizar uma coleção de livros com o subtítulo “os primeiros passos na aventura”, eu incluiria alguns livros do Ortiz. Minha coleção provavelmente se chamaria ‘tire a bunda do sofá’ e não ‘viagens radicais’, como batizou a Editora Record sua série de livros. (CAVALLARI)23.

O editor fala isso, baseado na sua vivência pessoal, pois como já falamos a

“aventura” é aquilo que desperta o desafio, entre outros sentimentos, na vida de cada

um. O que é aventura para um, não necessariamente é para outros. No caso de

Cavallari, ele finaliza seu pensamento falando que “radical, para mim pelo menos, é

ficar na frente de uma televisão ou computador oito horas por dia”. (CAVALLARI)24.

Também podemos afirmar, que a história vivenciada por Ortiz foi uma

aventura para ele. Pois, conforme já apresentamos no capítulo três deste trabalho,

para Swarbrooke et al., a aventura ocorre quando os participantes voluntariamente se

colocam em posição, em que acreditam estar dando um passo ao desconhecido, onde

enfrentarão desafios e poderão descobrir ou adquirir o valiosos conhecimentos com

base na experiência.

Durante o livro, Ortiz conta-nos diversas passagens de sua história que nos

faz acreditar que ele realmente estava vivenciando algo novo. O autor contou parte

de sua história como editor de livros, e que ao completar 40 anos de vida, deu-se por

concluída essa profissão:

23 CAVALLARI, Guilherme. Aventura no topo da África. Disponível em

http://www.kalapalo.com.br/index.php/bibliot/aventuranotopodaafrica/. Acessado em: 01 abr. 2015. 24 CAVALLARI, Guilherme. Aventura no topo da África. Disponível em

http://www.kalapalo.com.br/index.php/bibliot/aventuranotopodaafrica/. Acessado em: 01. abr. 2015.

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Fazia quinze anos que eu era editor de livros, a segunda coisa que eu mais gostava de fazer na vida. Estava, portanto, na hora de partir para novos desafios, trilhar novas estradas. Decidi retomar o grande sonho da minha adolescência e passar a fazer a primeira coisa que eu mais gosto na vida: viajar e escrever sobre minhas aventuras. Pois fora para isso que eu havia me formado em Jornalismo. (ORTIZ, 2007, p. 229, grifo nosso).

Com base nesse relato, podemos concluir que as viagens de aventura de Ortiz

eram sempre um passo ao desconhecido, pois o caminho conhecido por ele era o da

editoria. Como Ortiz mesmo afirma no texto, foi em busca do desconhecido e novas

estradas. O que serviriam de grande experiência para ele, como afirmou no início do

livro em trecho anteriormente descrito aqui.

Ortiz (2015)25 afirma que voltou da viagem se conhecendo melhor. “A viagem

externa só se justifica se provocar uma viagem interna. Caso contrário, será apenas

um passeio. E foi por lá que descobri que somos o resultado das viagens que fazemos,

dos livros que lemos e das pessoas que amamos”. (ORTIZ, 2015)26.

5.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS: INFERÊNCIAS

Com base na análise do livro Na Estrada do Everest, de Airton Ortiz, é

possível que se cumpra os objetivos deste trabalho e se confirme as hipóteses. E,

com base nelas levantar inferências.

Ortiz busca infiltrar-se nas culturas das cidades que visita, por isso, sempre

procura passar todo o tempo possível no local desconhecido, conversando com

pessoas, pesquisando curiosidades e tornando-se um membro da cultura, para só sair

quando não encontrar mais novidades.

Para o autor, conhecer a cultura, por meio de uma imersão no local, é

fundamental para a escrita do livro com estilo de Jornalismo de Aventura, rico em

detalhes e informações. São esses dados minuciosos que vão ajudar a despertar o

interesse da viagem no leitor, vão encorajá-lo a aventurar-se.

Pelo fato do autor não ser um esportista ou um competidor de alto nível, torna

o autor “um de nós”, fazendo com que o leitor acredite que é possível aventurar-se

“mundo afora” sem precisar de um grande preparo físico.

25 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por:

<[email protected]>. em: 06 abr. 2015. 26 ORTIZ, Airton. Ajuda com a monografia. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por:

<[email protected]>. em: 06 abr. 2015.

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A pesquisa documental realizada é de suma importância para tornar o livro

além de literário e prazeroso, também uma fonte de informação confiável, uma vez

que o autor foi conferir as informações pessoalmente.

O livro é rico em características de gêneros e teses aqui defendidas. Como

optamos por seguir a ordem cronológica dos acontecimentos, vimos que a obra

mistura as características do jornalismo, da literatura, do New Journalism, do Gonzo,

da imersão no real, da narrativa e, principalmente, do Jornalismo de Aventura, que

embora não seja muito pesquisado, notamos traços nítidos ao longo da obra.

Esses traços também contribuem para concluirmos que Airton Ortiz é um

grande escritor brasileiro do Jornalismo de Aventura. Com mais de 60 países visitados

e relatos presentes em diversas obras, faz dele um grande destaque nesta área.

O Jornalismo de Aventura tem diversas características marcantes e que

misturadas às normas da literatura tornam-se um excelente objeto de leitura e

incentivador de viagens e superações.

Por fim, não podemos deixar de lembrar o tamanho da importância dos relatos

de aventura para a motivação de jovens leitores, a fim de buscar uma aventura em

um mundo, aonde a tecnologia vem em primeiro lugar. Ortiz afirma que já ouviu

inúmeros relatos de leitores que terminaram de ler um livro e foram comprar a

passagem para uma viagem. O autor também afirma que a maior parte de seus

leitores são jovens, os quais adquirem o gosto pela leitura e buscam por mais obras.

Assim, ele desperta a curiosidade de jovens leitores, ou dissemina essa incrível

atividade, a da leitura, que pode nos transportar para qualquer parte do mundo,

inclusive para o topo do mundo, no Everest.

A produção e leitura de narrativas de viagem de lugares próximos ou distantes desperta no ser humano a sensação ancestral de estar frente ao desconhecido e, com isso, pode mobilizar profundos conteúdos psíquicos que permitem aflorar percepções e inovações até então adormecidas nos indivíduos e na espécie humana. (JUNG apud MARTINEZ, 2012, p. 49).

Assim, a literatura nos apresenta fantasias, que nos ajudam a experimentar o

mundo, a suportá-lo, e a dele tirar algum sentido e alguns momentos de prazer. Como

este que estamos vivendo agora, ao terminar mais uma parte do nosso caminho.

Vamos aos poucos, nos dando conta que é possível partir rumo ao desconhecido para

uma aventura e terminar a viagem com uma bagagem maior.

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Agora, ao nos aproximar do final da trilha, nos resta apenas esperar o trem

que nos levará de volta ao ponto de partida. Um sentimento de saudade já começa a

tomar conta de nós, vamos relembrando todas as amizades que fizemos pelo

caminho, as pessoas que cruzaram nossa estrada e que foram fundamentais para

concluir essa jornada.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trem chegou e nós vamos embarcar. Esta é a última parte da viagem, vamos

voltar para o local de partida, para quem sabe iniciarmos outra depois. Foi neste

mesmo vagão, que no início da aventura, tivemos encontros e desencontros com

autores, pesquisadores e estudiosos. Então cabe a nós relembrar o que ocorreu ao

longo desta jornada, para retomar algumas pontuações a fim de que sejam

estabelecidas considerações finais.

Como nosso caminho teve algumas paisagens escondidas pelas nuvens,

optaremos por considerações ao invés de conclusões, uma vez que durante essa

aventura pode-se ter diversas visões de um mesmo trajeto, dependendo da

experiência individual. Desta forma, o que cabe aqui são observações, pontuações e

inferências, que se destacaram no desenvolvimento da pesquisa.

Para se chegar a tanto, percorreu-se um caminho em seis capítulos – o

primeiro e o último foram representados pela introdução e considerações finais. Nós

começamos essa viagem, envolvidos pelo universo do jornalismo e da literatura, em

que se apresentou uma extensa revisão bibliográfica sobre as relações dos dois

elementos na formação do Jornalismo Literário. Isto foi abordado no capítulo 2. Por

meio de relatos de pesquisadores passeamos pela história identificando que o flerte

entre o jornalismo e literatura teve a imprensa como cenário. Vimos que, durante o

século XIX, a atuação de escritores na imprensa ocorreu basicamente pela publicação

de folhetins e crônicas. Foi um período de transformações para o jornalismo e para a

literatura. Vimos que, em meados dos anos 50, importava-se estilos e técnicas do

jornalismo americano, como o New Journalism de Tom Wolfe (2005) e o Gonzo de

Hunter Thompson, também relatados no capítulo em questão. Durante essa viagem,

também tivemos encontros com Edvaldo Pereira Lima (2004), Felipe Pena (2006),

Antônio Olinto (2008), José Domingos de Brito (2007), Marcelo Bulhões (2007), Alceu

Amoroso Lima (1990), entre tantos outros.

Após a viagem de trem, iniciamos a trilha em meio à natureza. Assim, o

capítulo 3 tratou sobre o Jornalismo de Aventura. Que embora não possuísse

características definidas, levantou-se informações e dados para que considerássemos

o conceito, que serviu como base para essa pesquisa, apoiada principalmente nos

estudos de Edvaldo Pereira Lima (2013; 2014) e Renato Mordenell (2009). Também

discorremos sobre a história das narrativas de viagens e elencamos conceitos sobre

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os termos do turismo, viagem e aventura, fundamentais para entender o contexto do

estudo. As obras de Monica Martinez (2012), Michel Onfray (2009) e John Swarbrooke

et al.(2003) foram fundamentais para a construção desta parte da viagem.

O guia de nossa viagem, Airton Ortiz, teve sua história relatada no capítulo

quatro do estudo. Além de sua biografia, passeamos por suas obras, que nos levaram

a conhecer diversos pontos do planeta, uma vez que relatam as viagens do autor. O

último subcapítulo do capítulo foi destinado à obra que serviu de base para esta

pesquisa.

Por fim, o capítulo 5, foi dedicado para a análise do estudo. Inicialmente,

descrevemos a metodologia que seria utilizada, posteriormente apresentamos o

corpus do trabalho. No subcapítulo seguinte, mesclamos partes da obra estudada com

teorias que possibilitassem o levantamento de inferências, as quais foram descritas

no final do capítulo.

O que norteou nosso estudo foram as seguintes hipóteses: o autor explora o

relato em forma de diário, em primeira pessoa aproximando da literatura; o autor

apresenta características do New Journalism e Jornalismo Gonzo; a obra se encaixa

como Jornalismo de Aventura, em que a figura do repórter é também fonte; há

pesquisa documental que dá o suporte ao texto literário-jornalístico. A partir do

percurso acima descrito, pudemos comprovar a veracidade dessas hipóteses e chegar

às inferências levantadas.

Também deixamos claro que, conseguimos responder satisfatoriamente à

questão norteadora desta pesquisa: qual a relação do jornalismo e da literatura

apresentada no Jornalismo de Aventura na obra Na Estrada do Everest?”.

A pesquisa foi orientadora para entendermos a ligação da literatura com o

jornalismo e, também, de que forma essa união se relaciona com o Jornalismo de

Aventura. Durante o trabalho, observamos que a pesquisa documental de Ortiz é uma

das características do livro-reportagem, e também tem como objetivo informar,

orientar e explicar, assim como o jornalismo.

Como um bom jornalista, notamos que, Ortiz procura vivenciar a pauta,

estando presente no local do acontecimento. Além disso, o autor narra o fato

descrevendo o que o seus olhos estão vendo, assim, transporta o leitor para o local

do acontecimento, como ocorre em obras literárias.

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Levantaram-se exemplos de entrevistas do autor com as fontes que encontrou

pelo caminho. Os relatos dessas entrevistas, existentes na obra, ajudam a comprovar

a presença do jornalista de forma clara.

Comprovou-se que os recursos do New Journalism, elencados por Tom

Wolfe, estão expostos na obra, como a construção da cena a cena, o ponto de vista

em terceira pessoa, o registro de gestos, hábitos, costumes, entre outros detalhes e o

registro do diálogo completo. O tom humorístico do autor, além de nos divertir, nos

prova que há traços do Jornalismo Gonzo na obra.

Relacionou-se diversas informações advindas da pesquisa do autor realizada

anteriormente, e durante a viagem, função básica realizada pelo jornalista, antes de

sair para uma pauta. Devido a isso, a obra ficou riquíssima em informações, tornando-

se uma fonte de pesquisa sobre o Nepal e o Himalaia.

Categorizou-se alguns pontos da literatura, como o uso da linguagem do plano

da expressão verbal, utilizando travessões, pontos de exclamação, reticências e

mudanças do foco narrativo para entrar na cabeça de seus personagens. Identificou-

se a opinião e análise do autor presente na obra, características dos cronistas,

pioneiros no Jornalismo Literário.

O formato narrativo da obra também ficou claro em inúmeros exemplos

citados no decorrer da análise, e obras com essas características são consideradas

da classe jornalística em forma literária. Além disso, alguns autores consideram a

narrativa como o ponto de encontro entre o jornalismo e a literatura.

A imersão do repórter na realidade é uma das características básicas do

Jornalismo Literário, de acordo com a definição do termo apresentado no artigo de

Edvaldo Pereira Lima. Este é mais um, entre tantos traços de Jornalismo Literário,

presente na obra de Ortiz.

Este estilo de escrever de Ortiz, que se enquadrar na imersão do real,

depondo em seus livros suas impressões sobre cada local visitado e cada povo

descoberto, também pode ser considerado do Jornalismo de Aventura.

Nesta altura também é necessário ressaltar, a importância da obra de Airton

Ortiz, por apresentar uma linguagem diferenciada, leve, de fácil absorção e riquíssima

em detalhes e informações. Esse estilo caracterizado como Jornalismo de Aventura é

um elemento fundamental para motivar pesquisas na área do jornalismo. Airton Ortiz

tem aberto os caminhos brasileiros para o desenvolvimento desta área.

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São livros, como os de Airton Ortiz que nos ampliam a visão de mundo. São

eles que abalam nossa sensibilidade e nos fazem refletir sobre o que lemos. Somos

provocados pela experiência de sermos leitores.

Se são verdades, ou não, os seus relatos, uma vez que não temos como

comprovar, o que não podemos negar é a importância de suas obras para a literatura.

Com uma linguagem clara e compreensível, os livros de Ortiz despertam a curiosidade

de muitos leitores que, por sua vez, querem conhecer e ler cada vez mais as suas

aventuras.

Chega-se à conclusão que o jornalismo e a literatura percorrem por um longo

período a mesma estrada. Conclui-se que o caminho dos dois, muitas vezes, é

entrelaçado para que se ajudem mutuamente, para o sucesso das palavras que

reunidas formam uma só obra, com significações de informações e artísticas,

apresentando a realidade e a literatura ao mesmo tempo.

Assim, este estudo acadêmico contribui para a disseminação do Jornalismo

de Aventura e amplia o conteúdo disponível nesta área do Jornalismo. Além disso,

exalta a importância do Jornalismo Literário para os livros-reportagem e para captar o

leitor. Também, valoriza um dos pioneiros na prática do Jornalismo de Aventura, Airton

Ortiz, que ainda está na ativa à procura de novas histórias em lugares remotos para

compartilhar por meio de seus livros.

Por fim, podemos afirmar que atingimos o objetivo geral desta monografia:

encontrar de que forma ocorre a aproximação do jornalismo e da literatura em relatos

de aventura. O mesmo ocorreu com os objetivos específicos; de verificar onde o

jornalismo e a literatura se encontram; identificar a relação com o New Journalism e

gonzo; observar a imersão no real; identificar traços do Jornalismo de Aventura.

Com base no que foi apresentado, estamos satisfeitos com a pesquisa

apresentada, que demonstra a escalada de Ortiz e a proximidade do jornalismo e da

literatura em livros de aventura.

Infelizmente nossa viagem sofreu um sobressalto no decorrer do caminho.

Durante o percurso fomos “sacudidos” pelo terremoto com o epicentro no Nepal.

Centenas de vidas foram perdidas, e monumentos descritos na obra de Ortiz foram

danificados. Por isso, queremos registrar os nossos sentimentos ao povo do Nepal,

que tanto sofreu por uma triste coincidência, durante a construção desta monografia.

Um povo forte, religioso, humilde, hospitaleiro e esperançoso. Um povo que sempre

lutou pelo seu espaço e pela preservação do monte Everest. Um povo que cuida, com

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toda a atenção e dedicação, do topo do nosso planeta. Um povo que merece o nosso

reconhecimento e gratidão.

O trem está diminuindo a velocidade, pois a última estação está se

aproximando. Antes que ele pare, vale ressaltar que a escrita deste trabalho foi uma

grande aventura para a autora, certamente a maior aventura de sua vida acadêmica.

A pesquisa buscou utilizar-se do conhecimento adquirido ao longo do curso, ou do

caminho universitário, para planejar e executar essa viagem que chega ao fim.

O sentimento que fica é de gratidão e poder. Gratidão, pois nenhuma aventura

ocorre sozinha, todas as viagens têm encontros e desencontros, como essa que se

concretizou pelo contato que tivemos com diversos pesquisadores, autores e

estudiosos, que foram fundamentais para chegarmos ao fim desta viagem. E poder,

poder em vermos que por meio das palavras somos capazes de tudo, a literatura

permite um mergulho interior, que nos faz refletir sobre nossas ações e nos dá poder

para tomar decisões, decisões como a de partir novamente para outra aventura ou de

ficar e viajar pelas páginas dos livros. Pois são nas páginas dos livros que as histórias

ficam eternizadas e podem ser vivenciadas inúmeras vezes de formas diferentes.

O trem parou e a hora de desembarcar chegou. Foi um prazer desfrutar de

sua companhia nesta aventura.

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ANEXO A – PROJETO MONOGRÁFICO EM CD