14

Click here to load reader

A Família, Instrumento de Proteção Social Redescoberta e Culpabilização - Copiar

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Artigo sobre a centralidade da família na política de Assistência social

Citation preview

  • 1

    A FAMLIA, INSTRUMENTO DE PROTEO SOCIAL: REDESCOBERTA E CULPABILIZAO

    Andr Sebastio Silva Machado1

    RESUMO O presente artigo trata da redescoberta e culpabilizao das famlias para com as aes de proteo social de seus membros a partir de um vis neoliberalista. A partir deste contexto se apresenta a minimizao do Estado na atuao atravs de polticas pblicas sociais em detrimento ao incentivo caseiro e natural da instituio famlia em cuidar de seus membros. Contudo tal estratgia vem se mostrando inexpressiva face o cotidiano realstico desses ncleos familiares, no qual a interveno Estatal se apresenta mais do que necessria enquanto tutelador das necessidades sociais em detrimento dos necessitados sociais. Constatao que se traduz/reluz na efetivao de polticas pblicas sociais, principalmente no que tange Poltica Pblica de Assistncia Social. Palavras-chave: Famlia; Estado; Neoliberalismo; Poltica Social.

    1 Bacharel em Servio Social pela Faculdade de Cincias Econmicas, Administrativas e Contbeis de

    Divinpolis/Faculdade Divinpolis Faced/Fadiv (2009), Ps-Graduado, nvel de Especializao, em Gesto de Poltica de Assistncia Social pela Faced (2011). Atualmente desenvolve suas atividades profissionais na qualidade de Assistente Social Forense como Servidor Pblico Efetivo do Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais TJMG na Comarca de Itapecerica/MG. Atuante nas reas referentes Infncia e Juventude, Famlia e Cvel. Responsvel por implantar e coordenar o projeto Rasa-Itapecerica, uma proposta (de origem pioneira da Comarca de Divinpolis, atravs do dinamismo das Tcnicos Judicirios Cleiciara, assistente social, e Regina, psicloga) de reunies mensais com os atores da rede socioassistencial municipal. Autor do artigo cientfico intitulado: A assistncia social a partir do eventual publicado no rol dos trabalhos selecionados para o XII Encontro Nacional de Pesquisadores em Servio Social ENPESS (realizado de 6 a 10 de dezembro de 2010 na cidade do Rio de Janeiro nas dependncias da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ ). Contato: [email protected].

  • 2

    1 INTRODUO

    O enaltecimento da instituio famlia, enquanto fiel e natural instrumento para com

    a promoo, proteo e garantia dos direitos sociais inerentes aos viventes, principalmente

    com relao aos seus membros, (re) surge com nfase a partir da dcada de 70, ponto

    histrico e contextual que demarcamos como circunstancial para o momento desta anlise e

    tentativa de aprofundamento e contribuio com relao ao tema por ora tratado. A famlia

    , portanto, convidada e/ou lhe imputada a consistente responsabilidade, quase totalitria,

    de procurar e dever prover um estado de bem-estar, social, material, moral, econmico....

    aos membros que a estabelecem.

    Em sendo assim, explanaremos, luz dos pensadores que contriburam e contribuem

    na lide deste tema, sobre a importncia imputada s famlias, sobretudo as brasileiras, neste

    contexto neoliberal, no qual a figura feminina centrada em destaque, sendo a mulher,

    assim como seus grupos familiares, os neo-sacrificados pelo sucesso para a proteo social

    cidad.

    relevante observarmos na sequncia o quanto as polticas voltadas para o tocante

    a famlia se demonstram replicantes e muitas vezes reprisadas de fundamentao ideolgica

    descontextualizada. Tal Fato que as caracteriza no fundamento da argumentao de

    protelao e culpabilizao dos atores que deveriam ser protegidos e patrocinados.

    Por fim, uma convocao ao clamor de uma poltica pblica de proteo social que

    vislumbre a famlia enquanto sujeito a exercer e gozar dos direitos plenos de cidadania a ele

    inerente.

    2 O REDESCOBRIMENTO DA FAMLIA: NEOLIBERALISMO, ESTADO, PROTEO SOCIAL E

    SOCIEDADE

    A famlia se tornou mais visvel, como elemento central, no apoio aos diversos

    modelos de Estado de Bem-Estar Social, a partir da discusso proposta pelas feministas

    sobre o potencial emancipatrio das polticas sociais para as mulheres nos anos 70

  • 3

    (GOLDANI, 2002, p. 34). Fato que se agrega crise econmica mundial assentada no fim

    destes anos, momento no qual, segundo Pereira-Pereira (2006), vem se redescobrindo a

    famlia enquanto um promissor e latente agente privado/domiciliar/ntimo de proteo

    social de seus membros. Proteo esta, que se prope a prever, em quase todas as agendas

    governamentais, medidas de apoio ao ncleo familiar com nfase s crianas.

    Agendas que se pautam em campanhas de publicidade e conscientizao familiar

    com orientaes pr-nupciais, combate violncia domstica, vadiagem, gravidez na

    adolescncia, drogadio e abusos sexuais. H, tambm como foco, aconselhamentos e

    auxlios: ajuda material aos pais e ampliao das visitas domiciliares s famlias por agentes

    oficiais (Estado), programas de reduo da pobreza e do trabalho infantil, alm de

    programas de valorizao da vida domstica: conciliamento do trabalho remunerado dos

    pais com a vida no mbito domstico.

    Alguns pases do especial suporte material s famlias monoparentais com crianas e dependentes adultos. Outros incentivam a reinsero da me trabalhadora no tradicional papel de dona de casa, com o chamativo apelo da importncia do cuidado direto materno na criao saudvel dos filhos. [...]. Essas polticas, por sua vez, assumem no s a forma de proviso de benefcios e servios, mas tambm de tributos, seja para arrecadar recursos, e criar fundos pblicos, seja para promover subsdios e isenes fiscais; de leis ou normas referentes ao casamento, divrcio, comportamento sexual, controle da natalidade, aborto; e de segurana social, relacionadas sade, educao, habitao e ao emprego (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 26-27).

    Faria (2001) menciona que para um melhor entendimento das polticas direcionadas

    s famlias, as quais chama de polticas familiares, necessitamos compreend-las como

    polticas pblicas sociais, e distingui-las entre polticas implcitas/diretas e

    explcitas/indiretas. As polticas implcitas seriam aquelas que proporcionam certo impacto

    sobre a famlia, apesar de no ser este seu objetivo principal. J as explcitas seriam aquelas

    cujo pblico-alvo a famlia, com objetivos especficos a serem atingidos.

    A ttulo de exemplificao menciona trs reas (principais) de interveno pblica

    concernentes s famlias, que parecem se adequar sob a considerao de polticas diretas

    para a famlia. A primeira se refere a regulamentao legal do comportamento familiar, trata

    das leis referentes ao casamento e ao divrcio; ao comportamento sexual; contracepo e

    ao aborto; alm de fazer referncia aos direitos e obrigaes dos pais quanto proteo da

    criana. A segunda trata de polticas de garantia da renda familiar, como dedues nos

  • 4

    impostos, nos benefcios monetrios para famlias e crianas, licenas e benefcios para os

    pais, quando do nascimento e/ou doena dos filhos, e a obrigatoriedade de concesso de

    penses alimentcias. J a terceira rea, se atm a proviso de servios para a famlia, como

    proviso de creches e demais servios correlatos, subsdio pblico para o pagamento do

    aluguel ou para a aquisio da casa prpria e servios sociais pblicos e/ou comunitrios.

    Apesar de tais tendncias, no podemos confirmar a existncia propriamente dita de

    uma poltica voltada para a famlia em muitos dos pases capitalistas de centro, e muito

    menos naqueles tidos enquanto perifricos, a exemplo o Brasil. Tal afirmao feita no

    sentido de levarmos em considerao o entendimento de uma poltica, enquanto um

    conjunto de aes coerentes, deliberadas e confiveis, as quais so assumidas pelos poderes

    pblicos com o intuito de promover a cidadania, alm da produo de impactos sobre a

    estrutura e recursos das famlias (PEREIRA-PEREIRA, 2006).

    Est certo que definies de poltica de famlia tendem a estar impregnadas de particularismos culturais. Assim, da mesma forma que no existe um padro homogneo de poltica social, e mesmo de Welfare State, no h tambm um nico padro de poltica familiar. Na verdade, os Estados nacionais variam muito nas suas intervenes sociais. No tocante famlia, a Inglaterra, por exemplo, nunca teve uma explcita poltica [...]. Em compensao, [...], na Finlndia, Frana, Alemanha, Grcia, Irlanda, Itlia, Luxemburgo, Portugal e Espanha, h essa explicitao. Alguns desses pases, como a Alemanha e a Frana, tm, inclusive, um Ministrio da Famlia (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 27).

    Assim como as diferenas nos padres de polticas sociais, das formas de interveno

    dos Estados de Bem-Estar Social, alm da impregnao de particularidades das definies de

    polticas para famlia, ressalta-se que na dinmica econmica (crise do petrleo, reflexos do

    milagre econmico brasileiro e implantao do neoliberalismo) acorrida no contexto do

    redescobrimento da famlia como instituio natural de proteo social, sobretudo no

    Brasil, acarretaram e afetaram todas as famlias e seus membros de formas diferenciadas,

    apesar do ambiente comum de transformaes e precarizaes (GOLDANI, 2002).

    Neste contexto, a autora relata que coube s mulheres, na grande maioria das

    famlias, responsabilizar-se pelo alto custo social deste processo de mudanas. Sobretudo

    naquelas famlias em processo de formao e expanso precrio quanto aos seus membros

    no referente a constituio de mo-de-obra, bem como as chefiadas por mulheres e com

    filhos pequenos.

  • 5

    Ao mesmo tempo, confirmou-se a importncia de grupos que ultrapassam os limites do domiclio (redes sociais de parentes, amigos, vizinhos) como parte fundamental das estratgias para enfrentar as dificuldades e escassez de recursos materiais entre as famlias [...] (GOLDANI, 2002, p. 34).

    Dessa forma, podemos perceber o desenho de uma lgica na qual a atuao do

    Estado comea a se assentar com carter de atuao mnima, apesar do discurso propagado

    pela nova ordem poltica econmica (neo) liberalista, na qual, a famlia compreendida

    como a instituio mais importante do humano, local em que este recebe estabilidade e

    segurana em um mundo de transformaes rpidas.

    Alm disso, fato emprico que a redescoberta da famlia no propiciou a produo de conhecimentos e de mtodos de captao da realidade, capazes de descartar falsas vises ainda existentes nas chamadas polticas de famlia [...]. Por exemplo, [...], ainda prevalece uma viso idlica da famlia, das comunidades locais e de grupos informais, que devero funcionar como fontes privadas de proteo social, tais como as que existiam a cinqenta anos. [...] essa viso prejudica a obteno de um conhecimento mais realista da possibilidade de a famlia vir a assumir um decisivo papel de apoio aos indivduos numa sociedade em rpida mutao. Isso sem falar do equvoco da recuperao de antigos encargos domsticos, includos nos planos governamentais sob o nome de solidariedade informal, os quais, por recarem mais pesadamente sobre as mulheres, incompatibilizam-se com o atual status de cidad autnoma e de trabalhadora conquistado por esse segmento (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 28).

    Por isso, que no entendimento de Faria (2001), a poltica para a famlia pode ser

    definida em um campo que implica a apresentao precisa e clara de certos objetivos

    relativos a mesma. Objetivos, que variaro de acordo com cada poca e/ou contexto Estatal,

    que podem ir desde a garantir uma maior ou menor taxa de natalidade, passando pela

    diminuio dos custos na criao dos filhos, e culminando com a intencionalidade de uma

    maior igualdade entre homens e mulheres e vice e versa.

    Para Medeiros (2000) h outra maneira de se pensar a relao entre famlia e poltica

    social, para o qual destacam-se, dentre outras, trs formas de se abordarem essas relaes,

    vejamos: a) tomar as famlias como objeto das polticas sociais; b) trat-las como

    instrumentos das polticas pblicas; e c) entend-las como instituio redistributiva.

    No caso da primeira forma, as polticas so entendidas como meios para se obter determinados padres familiares como, por exemplo, as que favorecem famlias menores por meio do controle da fecundidade, como as campanhas, explcitas ou no, para evitar que mulheres muito jovens ou mulheres solteiras tenham filhos, ou medidas que visem dificultar a dissoluo das unies conjugais, como a

  • 6

    proibio do divrcio. A segunda maneira tratar as famlias como instrumento das polticas pblicas, situao em que membros das famlias so usados para gerenciar, fiscalizar ou mesmo executar determinados servios como, por exemplo, pais que administram ou fiscalizam o uso de fundos pblicos recebidos pelas escolas de seus filhos, ou filhos que se encarregam dos cuidados de sade de seus pais em uma internao domstica apoiada pelo Estado. A terceira entender as famlias como uma instituio redistributiva que pode reduzir ou potencializar as polticas sociais orientadas a indivduos. Famlias podem tanto agregar recursos prprios aos fornecidos pelo Estado em determinada poltica, favorecendo ainda mais seus objetivos, quanto agir no sentido contrrio, distribuindo a um determinado membro uma quantidade menor de recursos quando este j recebe algum benefcio estatal. Como instituies redistributivas, a relao das polticas sociais com as famlias pode at mesmo funcionar no sentido de criar efeitos diversos dos esperados com determinada medida. o caso, por exemplo, do sistema de Previdncia Rural, cujos recursos, em tese destinados ao consumo na velhice, costumam ser usados para financiar a pequena produo familiar (MEDEIROS apud FARIA, 2001, p. 50-51).

    Apesar dessas diretrizes, objetivaes para o direcionamento de polticas voltadas

    para as famlias, antes e aps a Carta Constitucional de 1988, sempre se beneficiaram da

    participao autonomizada e voluntarista da famlia na proviso do bem-estar de seus

    membros (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 29). Desse modo, fica difcil, segundo a autora, falar

    da existncia de uma poltica familiar que tenha produzido impactos positivos nos mbitos

    familiares.

    Tal tendncia que fora reforada e legitimada com a extenso para o Brasil, de forma

    encampada pelo iderio neoliberal hegemnico Europeu e Norte-Americano, da concepo

    conservadora, principalmente a partir dos anos de 1980. Nesta concepo, a famlia e a

    sociedade devem compartilhar com o Estado certas responsabilidades, anteriormente

    delimitadas ao poder pblico, cristalizando, assim, o que anteriormente j era uma prtica

    constituda (implcita) em algo embasado em aes de modernidade.

    Tal lgica vislumbrava uma participao mais ativa da iniciativa privada (mercantil e

    no mercantil) na proviso social, no intuito de substituio ao modelo Estatal rgido de

    proteo social, momento em que percebe-se a mobilizao, por fora da poltica neoliberal,

    pela ingerncia primeira do Estado [fomento a privatizaes] na prestao de servios e

    bens. Ento, mesmo sem se ter claro quem na sociedade deveria assumir

    responsabilidades antes pertencentes ao Estado, quem e com que meios financiaria a

    proviso social [...] foram concebidas frmulas que exigiam da sociedade e da famlia

    considervel comprometimento (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 31).

  • 7

    A este estado de

    comprometimento, Mishra

    (1995), conceitua de

    Sociedade Providncia ou

    de Bem-Estar. Esta

    condio instiga a

    entender grande parte da

    opinio pblica, atravs de

    influncias tericas [tericos como Rein e Rainwater] e socialistas/comunistas [Karl Marx], o

    desvanecimento das fronteiras entre as esferas pblica e privada, para defenderem uma

    abordagem holstica que examinasse todas as formas de proteo, independentemente da

    esfera que as administra, financia ou controla. Tal entendimento modelar, apesar de no

    ser totalmente novo, distancia sobremaneira da anlise pioneira de Titmuss, datada dos

    anos de 1960, sobre a diviso social do Welfare, como uma crtica contundente mistura

    assistencial j presente em sua poca e s avaliaes positivas a respeito da mesma

    (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 32-33).

    2.1 A diviso social do bem-estar

    No sentido de melhor compreenso e apreenso da contribuio trazida por Titmuss,

    sobre a anlise da diviso social do

    Figura 1 Filho da frica, irmo nosso. Google, 2011. (Intitulado pelo autor)

    bem-estar, compilaremos a mesma em uma marcao nica, isso de acordo com a viso de

    Pereira-Pereira (2006, p. 33) citando Johnson (1990), comecemos:

    Para Titmuss, no estudo da poltica social essencial considerar a diviso social do bem-estar em trs categorias principais: o bem-estar social, o bem-estar fiscal e o bem-estar ocupacional. O bem-estar social compreende o que tradicionalmente era qualificado na Gr-Bretanha [pas de Titmuss] como servios sociais: transferncias de renda, cuidados de sade, servios sociais pessoais, trabalho, emprego, servios de educao. O bem-estar fiscal compreende uma ampla gama de subsdios e isenes de impostos sobre a renda. E o bem-estar ocupacional inclui benefcios e servios sociais derivados do trabalho, como: penses, peclios, aposentadorias. A importncia dessa categorizao que, sem ela, ter-se- uma idia falsa da poltica social pblica, se os servios sociais tradicionais e os gastos

  • 8

    com os mesmos constiturem as nicas medidas a serem consideradas. H pases, como os Estados Unidos e o Japo, que investem pouco em servios sociais, mas privilegiam o bem-estar ocupacional. Portanto, para se poder conhecer o perfil da poltica de bem-estar adotada por diferentes pases, ou grupos de pases, necessrio ter em mente a diviso social de bem-estar realmente existente.

    Para Mishra (1995, p. 104) o pluralismo de bem-estar contemporneo muito mais

    do que uma simples questo de decidir quem pode fazer o melhor [Estado ou sociedade] em

    termos de vantagens comparativas na produo de servios de bem-estar. tambm, e

    principalmente, uma estratgia de esvaziamento da poltica social como direito de

    cidadania, j que, com o arrefecimento entre as fronteiras do que pblico ou privado, se

    expande a possibilidade da privatizao das responsabilidades pblicas, acarretando a

    possibilidade de quebra da garantia de direitos outrora consumados.

    Alm dessas caracterizaes, o modelo ou doutrina do pluralismo social pode ser

    entendido como um interagir de diferentes iniciativas tanto pblicas quanto privadas. Em

    que as iniciativas ou aes so executadas por parceria entre Estado, sociedade civil e

    mercado. Caractersticas, arranjos que trazem consigo para o debate atual, iniciado no fim

    dos anos de 1970, conceitos como: descentralizao, participao, controle social, parceria

    ou co-responsabilidade, solidariedade, relao das esferas pblica e privada, sociedade

    providncia, auto-sustentabilidade, entre outros (MIOTO, 2006).

    Porm, Pereira-Pereira (2006) citando Habermas (1981), pondera no sentido da

    dotao de responsabilizao pela proviso social de acordo com essa trade que se desenha

    Estado, Mercado e Sociedade tanto o Estado quanto o mercado denominados por

    Habermas de reino do sistema [...], cedem cada vez mais espao sociedade (o reino da

    vida, segundo o mesmo autor) para que esta exercite a sua vocao solidria e emancipe-

    se da tradicional colonizao do Estado.

    Considerada clula mater da sociedade ou a base sobre a qual outras atividades de bem-estar se apiam, a famlia ganhou relevncia atual justamente pelo seu carter informal, livre de constrangimentos burocrticos e de controle externos. [...]. H preponderantemente, o desenho espontneo de cuidar e a predisposio para proteger, educar e at para fazer sacrifcios. Isso no poderia parecer mais favorvel a um esquema de bem-estar que, como o pluralismo, valoriza e explora a flexibilidade provedora, as relaes de boa vontade e o engajamento altrusta (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 36).

  • 9

    Alm disso, as diversidades familiares, assim como a necessidade das diversas

    polticas pblicas sociais voltadas para as famlias, como um dos dificultadores de se

    imputar, exclusivamente, ou quase dessa forma, sociedade, a quase autonomia da

    proteo social.

    Neste Contexto, segundo Sposati (2004), o movimento de desprofissionalizao dos

    servios sociais em detrimento do voluntariado, acomete um retardo na difuso e

    massificao da assistncia social enquanto poltica pblica e direito a quem dela necessitar,

    de carter no contributivo, e independentemente da condio socioeconmica. Alm de

    afrontar norma Legal Federal Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 no sentido de

    desconhecer a assistncia social como de direito e no traduzida ou trazida como

    benemerncia, caridade e filantropia, caractersticas comuns a sua gnese. Isso porque a

    construo, elaborao de polticas sociais, seja para as famlias ou no, podem e devem

    passar pelas colaboraes argumentativas de profissionais e instituies compromissadas e

    engajadas com o contexto vivencial dos possveis demandantes dessas polticas.

    por isso que, como diz Johnson (1990), o objetivo da poltica social em relao famlia, ou ao chamado setor informal, no deve ser o de pressionar as pessoas para que elas assumam responsabilidades alm de suas foras e de sua alada, mas o de oferecer-lhes alternativas realistas de participao cidad (PEREIRA-PEREIRA, 2006, p. 40).

    Nesse sentido, a relao entre Estado e Famlia foi marcada, ao longo dos tempos,

    inclusive no Brasil, pela manuteno do Estado como fonte de elaborao e controle de

    normatizaes no tocante s famlias. E que essa construo, apesar de contraditria, no

    entendimento da autora, formulou uma parceria que garantisse a reproduo social. Dessa

    forma, a construo histrica do binmio polticas sociais/famlia fora permeada por uma

    ideologia, na qual as famlias, sem se considerar suas condies objetivas de vivncia e as

    especificidades do convvio intrafamiliar foram elencadas ao dever de serem capazes de

    cuidar e proteger seus membros (MIOTO, 2006).

    Tal crena pode ser considerada como um instrumento embasador dos processos de

    elaborao das intervenes propostas para a assistncia social. Este Fato permitiu

    estabelecer uma distino bsica para os processos de assistncia s famlias, a distino

    entre famlias capazes e famlias incapazes (MIOTO, 2006, p. 51). Tendo por capazes

    aquelas, atravs da via do mercado de trabalho e organizao intrafamiliar, conseguissem

  • 10

    desenvolver e desempenhar de maneira exitosa as funes e aes que lhes so atribudas

    socialmente. J no outro vis, aquelas compreendidas enquanto incapazes, se

    posicionariam na qualificao daquelas que no conseguiram promover nem patrocinar as

    funes que lhes foram atribudas pela sociedade com relao proteo social de seus

    membros. Sendo por parte do Estado, a necessria interveno, interferncia a fim de que

    tal proteo, promoo venha a acontecer.

    Contudo, segundo a autora, tal categorizao usada apenas para efeito de

    exposio, uma vez que, na realidade ainda no encontramos famlias totalmente

    suficientes, assim como dependentes. E acrescenta que tal construo categrica no

    entendimento das demandas e mazelas sociais que perpassam certas famlias, em certos

    perodos (prolongados ou no), em capazes ou incapazes, ss ou doentes, normais ou

    anormais se encontra fortemente arraigada tanto no senso comum como nas propostas dos

    polticos e dos tcnicos responsveis pela formulao de polticas sociais e organizao de

    servios (MIOTO, 2006, p. 51). Fato que pode desencadear a formulao de propostas

    interventivas que trazem em seu bojo a intencionalidade, ideolgica, de se ater a

    emergencial necessidade do ser vivente em detrimento do complexo refletir quanto s

    necessidades sociais que afligem uma determinada conjuntura.

    Viso e condio na qual se vislumbra o necessitado social e se aparta as

    necessidades sociais da coletividade, que vem sendo rebatida ou cotidianamente

    combatida pelos profissionais Assistentes Sociais, principalmente, mas no exclusivamente,

    a partir da Constituio de 1988 o marco legal da Assistncia Social enquanto Poltica

    Pblica no mbito da Seguridade Social Brasileira. O que mostra uma constante

    reinvestidura contra as ondas conservadoras neoliberalizantes, que se mostram

    frequentes em intencionalidade na precarizao dos direitos sociais e minimizao do Estado

    (NETTO, 2001).

    Portanto, a partir do pensamento de Netto (2001) que nos remetemos orientao

    expressa pela Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS), com referncia primaz famlia,

    e que Mesquita et al ([S.d.]) trazem da seguinte maneira:

    A Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS) orienta-se pela matricialidade scio-familiar, entendida como um dos eixos estruturantes do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), cujo modelo de gesto reconhece as presses e os processos de excluso socioculturais a que as famlias brasileiras esto submetidas. Nessa perspectiva, a famlia constitui-se no espao privilegiado e insubstituvel de

  • 11

    proteo e socializao primrias, provedora de cuidados aos seus membros. Isso significa sua centralidade no mbito das aes da poltica de assistncia social e que deve estar condizente com a traduo da famlia na condio de sujeito de direitos, conforme a Constituio Federal de 1988, o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), a LOAS e o Estatuto do Idoso (MESQUITA et al, [S.d.], p. 11-12).

    Para a efetivao da famlia enquanto sujeito de direitos que rememoramos, neste

    momento, a necessidade e atuao dos Centros de Referncia de Assistncia Social CRAs

    , conhecidos tambm como Casas das Famlias. Tal equipamento, assim expressa Mesquita

    et al ([S.d.], p. 12), se encontra localizado na Proteo Social Bsica, de carter preventivo

    e se organiza de forma sistemtica e intersetorial no trabalho com famlias moradoras de

    reas mais vulnerveis da cidade.

    Ao observarmos a fundamentao de critrios para a instalao de um Centro de

    Referncia de Assistncia Social em determinada localidade, percebemos a afirmao feita

    por Mioto (2006), acima, quanto esta explana sobre a categorizao das famlias. Mas, neste

    caso, em um sentido de indicador pautado na vulnerabilidade social, que a partir do qual,

    busca-se o fortalecimento dos vnculos familiares e comunitrios com integrao de dois

    eixos: assistencial e socioeducativo.

    O primeiro refere-se ao apoio efetivo prestado famlia e aos seus membros, atravs da potencializao da rede socioassistencial e do acesso aos servios bsicos a que tm direito. O Segundo est voltado para o trabalho com as famlias entendidas como sujeitos scio-culturais, com suas histrias e projetos com as quais se desenvolve uma reflexo sobre seu cotidiano e suas diversas formas de organizao, sejam elas do ponto de vista estrutural, funcional ou relacional (MESQUITA et al, [S.d.], p. 17).

    Salientamos que a organizao do ponto de vista estrutural busca referncia

    situao socioeconmica e de incluso na rede de servios [tanto na poltica social quanto na

    poltica urbana]. neste momento que se desenvolve atividades de encaminhamento e

    acompanhamento de casos, visitas e articulaes institucionais, bem como visitas

    domiciliares, reunies intersetoriais, dentre outras aes de rede (MESQUITA et al ([S.d.]),

    p. 17). Na organizao funcional trata-se da dinmica do cotidiano familiar, que cobre desde

    a diviso de tarefas e economia domstica, at o cuidado com os membros familiares. J a

    relacional aborda a questo dos vnculos intrafamiliares conjuntamente com a famlia e a

    famlia extensa e a comunidade desde relaes de gnero e de geraes at facilidades e

  • 12

    dificuldades com relao promoo ou no dos direitos de seus membros (MESQUITA et al

    ([S.d.]).

    3 CONSIDERAES FINAIS

    A famlia ou famlias, independentemente de seus arranjos ou organizaes

    concentram a motriz para o desenvolvimento e (re) estruturao da mobilidade de uma

    sociedade, sobretudo, em um contexto em que o imperialismo do consumo rege as relaes

    entre os pares sociais. Contudo, clama-se a entender ou pelo menos quisa de

    sensibilizao, que a dinmica da competitividade do sistema socioeconmico capitalista

    no se mostra, at ento, uma estratgia condizente a reger as relaes intrafamiliares nem

    destas com o Estado, sendo com este, mediadas atravs de polticas pblicas. Polticas estas

    que trazem, em sua maioria, as demandas implcitas de uma ordem neoliberalizante, na qual

    as transferncias das obrigaes do tido Estado Protetor so compartilhadas de maneira

    assimtrica entre Estado e sociedade a famlia.

    Portanto, torna-se presumvel, ao depararmos com as vrias argumentaes feitas

    pelos autores supra, que a imputabilidade ou transferncia para as famlias, com os cuidados

    zelosos com seus membros e por consequncia com a sociedade, no pode ser

    compreendida ou aceita como, em oportunas ocasies, uma culpabilizao da famlia pelo

    descontrole, mazelas, precarizaes que permeiam e assolam a sociabilidade, sobretudo a

    particularidade brasileira.

    Diante disso, podemos observar que o redescobrimento da famlia se coloca muito

    alm de sua importncia como ncleo primeiro da socializao e fonte de reproduo e

    produo social. Mostra-se como um importante instrumento institucional de reorganizao

    das foras produtivas baseada na poltica neoliberal, com ampla fomentao a minimizao

    do Estado, acarretando, assim, a precarizao dos mnimos sociais e, ao mesmo tempo,

    difundindo o pluralismo de bem-estar, no qual a sociedade co-responsvel, ou mais do que

    isso, pela proviso social.

  • 13

    REFERNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Poltica social: fundamentos e histria. 5. ed. So Paulo: Cortez, 2008. 213 p. CUNHA, Helenice Rgo dos Santos. Padro PUC Minas de normalizao: normas da ABNT para apresentao de trabalhos cientficos, teses, dissertaes e monografias. Belo Horizonte: PUC Minas, 2008. 50 p. DEJALMA, Cremonese. Polticas pblicas. Iju/RS: Uniju, 2009. 140 p. DRAIBE, Snia; HENRIQUE, Wilns. Welfare State, crise e gesto da crise: um balano da literatura internacional. Revista Brasileira de Cincias Sociais, n. 06. Vol. 05. [S.l.]: [S.n.], 1988. p. 53-78. FARIA, Carlos Aurlio Pimenta de. Fundamentos para a formulao e anlise de polticas e programas de ateno famlia. In: STENGEL, Maria et al. Polticas pblicas de apoio sociofamiliar/curso de capacitao de Conselheiros Tutelares e Municipais. Belo Horizonte: PUC Minas, 2001. Coleo infncia e adolescncia. p. 43-70. GOLDANI, Ana Maria. As famlias brasileiras: mudanas e perspectivas. Cadernos de Pesquisa, n. 91. [S.l.]: Fundao Carlos Chagas/Cortez, 1994. GOOGLE do Brasil. Imagens da frica. Disponvel em: . Acesso em: 14 nov. 2011. HABERMAS, Jrgen. The theory of communicative action. V. 1. Boston: T. McCarthus, 1981. MACHADO, Andr Sebastio Silva. O servio social e as famlias atendidas pelo benefcio do auxlio funeral no municpio de Divinpolis/MG. 2009. 144 f. Trabalho de Concluso de Curso (Curso de Graduao em Servio Social) Faculdade de Cincias Econmicas, Administrativas e Contbeis de Divinpolis/Faculdade Divinpolis, Divinpolis. MACHADO, Andr Sebastio Silva. Poltica pblica social: um breve ensaio sobre seu movimento histrico, econmico, social e cultural. 2010. 34 f. Trabalho Cientfico apresentado Disciplina Estado e Poltica Social do Curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Gesto de Poltica de Assistncia Social da Faculdade de Cincias Econmicas, Administrativas e Contbeis de Divinpolis Faced. Divinpolis, Minas Gerais. MELLO, Leonel Itaussu Almeida. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clssicos da poltica 1. 13. ed. So Paulo: tica, 2005. p. 79-110.

    MESQUITA, Alcione et al. Ficha tcnica metodolgica de trabalho com famlias e comunidades. Belo Horizonte: SMAAS, [S.d.]. p. 11-53.

  • 14

    MIOTO, Regina Clia Tamaso. Novas propostas e velhos princpios: a assistncia s famlias no contexto de programas de orientao e apoio sociofamiliar. In: SALES, Mione Apolinrio; MATOS, Maurlio Castro de; LEAL, Maria Cristina (organizadores). Poltica social, famlia e juventude: uma questo de direitos. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2006. p. 43-60. MISHRA, Ramesh. O Estado-providncia na sociedade capitalista. Oeiras/Portugal: Celta, 1995. NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servido liberdade. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clssicos da poltica 1. 13. ed. So Paulo: tica, 2005. p. 187-241. NETTO, Jos Paulo. Capitalismo monopolista e servio social. 3. ed. ampl. So Paulo: Cortez, 2001. PEREIRA-PEREIRA, Potyara Amazoneida. Mudanas estruturais, poltica social e papel da famlia: crtica ao pluralismo de bem-estar. In: SALES, Mione Apolinrio; MATOS, Maurlio Castro de; LEAL, Maria Cristina (organizadores). Poltica social, famlia e juventude: uma questo de direitos. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2006. p. 25-42. RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperana. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clssicos da poltica 1. 13. ed. So Paulo: tica, 2005. p. 51-77. SILVA, Neise Tvora de F. O Estado e os direitos sociais no Welfare State. Fortaleza: [S.n.], [195-]. 14 p. SIMES, Carlos. Curso de direito do servio social. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2008. 556 p. 3v. SINGER, Paul. O capitalismo: sua evoluo, sua lgica e sua dinmica. 14. ed. So Paulo: Moderna, 1987. 87 p. SPOSATI, Aldaza de Oliveira. A menina LOAS: um processo de construo da assistncia social. So Paulo: Cortez, 2004. 87 p.