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Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero Resumo Resumo Palavras-chave Palavras-chave Volume 5, nº 1, 2013 Alfred Schutz, comunicação, fenomenologia Este artigo trata sobre o filósofo e sociólogo Alfred Schutz, bem como seus principais feitos para a Sociologia e para a Comunicação, tendo como foco a Fenomenologia Social. Para isto, são trazidos alguns conceitos-chave importantes para a visão total da Comu- nicação: sociabilidade e o mundo da vida cotidiana, tipificação e relevância, e a Fenomelogia propriamente dita. O artigo abrange a visão de Schutz no que diz respeito aos profissionais da Comunicação. Como os jornalistas não devem reconstituir a experiência através da reflexão, cabe a eles organizarem as informações da melhor maneira possível, segundo o objeto analisado, com as fer- ramentas metodológicas escolhidas. Assim, a Fenomenologia de Schutz questiona a própria idéia de conhecimento, dirigindo-se às próprias coisas, aos fenômenos e às formas como eles aparecem para os indivíduos. O assunto é tema de bastante discussão no jornalismo e da Comunicação e merece ainda mais destaque na área de pesquisa. Karen Sica* http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comtempo Artigo A FENOMENOLOGIA E A TEORIA DA COMUNICAÇÃO Sob o ponto de vista de Alfred Schut Abstract Abstract Keywords Keywords * Professora de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e doutoranda da mesma instituição. Email: [email protected]

A Fenomenologia e a Teoria da Comunicação

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Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero

ResumoResumo

Palavras-chavePalavras-chave

Volume 5, nº 1, 2013

Alfred Schutz, comunicação, fenomenologia

Este artigo trata sobre o filósofo e sociólogo Alfred Schutz, bem como seus principais feitos para a Sociologia e para a Comunicação,

tendo como foco a Fenomenologia Social. Para isto, são trazidos alguns conceitos-chave importantes para a visão total da Comu-

nicação: sociabilidade e o mundo da vida cotidiana, tipificação e relevância, e a Fenomelogia propriamente dita. O artigo abrange

a visão de Schutz no que diz respeito aos profissionais da Comunicação. Como os jornalistas não devem reconstituir a experiência

através da reflexão, cabe a eles organizarem as informações da melhor maneira possível, segundo o objeto analisado, com as fer-

ramentas metodológicas escolhidas. Assim, a Fenomenologia de Schutz questiona a própria idéia de conhecimento, dirigindo-se

às próprias coisas, aos fenômenos e às formas como eles aparecem para os indivíduos. O assunto é tema de bastante discussão no

jornalismo e da Comunicação e merece ainda mais destaque na área de pesquisa.

Karen Sica*

http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comtempo

ArtigoA FENOMENOLOGIA E A TEORIA DA COMUNICAÇÃO Sob o ponto de vista de Alfred Schut

AbstractAbstract

KeywordsKeywords

* Professora de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e doutoranda da mesma instituição. Email: [email protected]

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IntroduçãoNascido em 13 de abril de 1899, em Viena, Schutz estudou Direito e, em 1939, mudou-se para

os Estados Unidos e tornou-se membro da New School for Social Research. Embora Schutz nunca

tivesse sido aluno de Husserl, juntamente com Felix Kaufmann estudou a obra do autor sistemati-

camente, a fim de procurar uma base para uma sociologia do entendimento, originada do trabalho

desenvolvido por Max Weber. Este trabalho teve como resultado a publicação de seu primeiro li-

vro, intitulado The Phenomenology of the Social World (A Fenomenologia do Mundo Social). Vale

salientar que esta obra chamou a atenção de Husserl, com quem Schutz manteve contato por anos

até a sua morte, em 1938.

Durante sua trajetória, Alfred Schutz colocou, acima de tudo, o mundo da vida cotidiana em

suas investigações sociológicas, possibilitando, assim, articulações e pensamentos entre os estudos

dos sistemas e das instituições e os estudos iniciais referentes às relações face a face. Reinvindi-

cou como objeto de estudo a sociabilidade, isto é, o conjunto de relações interpessoais e atitudes

pessoais que são reproduzidas de forma pragmática ou modificadas na vida cotidiana, embora

dependam de padrões adquiridos pelo indivíduo ao longo da vida. Em suas colocações, aborda a

questão do estoque de conhecimento, que está relacionado às experiências do sujeito. Este estoque

de conhecimento é construído em sedimentações de experiências em que o sujeito foi submetido

em determinados momentos de sua vida. Inversamente, cada presente experiência é inserida no

fluxo da experiência vivida e em uma biografia, de acordo com o conjunto de tipos e relevância

encontrada no estoque de conhecimento (Luckmann; Schutz, 1973).

Schutz é um dos teóricos que, de um modo direto ou indireto, influenciou não só a constitui-

ção de sociabilidade, mas também compreendeu melhor a formulação de entendimentos e os su-

cessivos processos de aprendizagem graças ao qual construímos uma compreensão mútua em que

se baseia a percepção de entendimento de uma realidade social. A Comunicação surge, desta forma,

como o meio pelo qual superamos e melhoramos a nossa experiência de vida cotidiana, devido à

troca de aprendizado com os outros indivíduos (Algarra, 1993).

Através do uso de signos, o processo comunicativo permite tornar-me consciente, ao

menos até certo ponto dos pensamentos de outrem, permite-me ter acesso à sua durée

interior (corrente deconsciência) em simultâneo com a minha, apesar do fato de que a

comunicação completamente bem sucedida é impossível (Schutz, 1989:263).

Estes pensamentos, que também têm uma fundamentação filosófica, contribuíram para tra-

zer novas ideias e mostrar novos caminhos importantes na área das Ciências Sociais. A partir das

ideias desenvolvidas por Schutz, é possível perceber, de uma forma mais prática e clara, a dife-

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renciação entre as sociologias compreensivas, inspiradas pela Fenomenologia, e as demais pers-

pectivas marcadas pela herança deixada por Durkheim e, também, pensadas por outros autores

reconhecidos no âmbito da Sociologia, como Hobbes, Hegel, Spencer, Comte, Parsons e Luckmann

(Correia, 2002).

De acordo com Schutz, existe uma diferença significativa entre as Ciências Naturais e as Ci-

ências Sociais. Para o filósofo e sociólogo, as Ciências Sociais lidam com acontecimentos e relações

pré-significativas para os atores envolvidos em determinada ação que está sendo colocada à prova.

Completa, ainda, que os processos compreensivos são centrais para que os atores sociais possam

interpretar significativamente o mundo e defende que o método da compreensão é indispensável.

Porém, se era evidente para Schutz que a ação social é eminentemente significativa,

desde logo se lhe tornou também evidente que era necessário interrogar de onde

provém o sentido que lhe é atribuído e em que é que o mesmo consistia. Por outro lado,

desde logo se tornou igualmente claro para ele que era necessário clarificar quais os

procedimentos que permitem à ciência reconstruir o sentido de uma forma controlada

(Correia, 2002, p.12).

Justamente por trabalharem com o método compreensivo, as Ciências Sociais precisariam

desenvolver um método controlável de orientação com o mais elevado nível possível de clareza,

que permitisse o acesso à ação individual e, simultaneamente, possibilitasse a formulação de novas

generalizações. Por este motivo, grande parte da participação importante de Alfred Schutz no que

diz respeito à Epistemologia das Ciências Sociais fica totalmente centralizada nas relações entre a

teoria e a formação de conceitos na construção do mundo da vida cotidiana, tendo como o prin-

cipal foco de tensão a objetividade científica e a subjetividade humana. Ao expor aos indivíduos

esta forma de ver o mundo como ponto de partida, a Teoria da Comunicação de Alfred Schutz in-

clui uma concepção da natureza humana e da sua relação com o mundo da vida que privilegia a

intersubjetividade. Portanto, para que se possa entender especificamente a Teoria da Comunicação

proposta por Schutz, é necessário compreender alguns conceitos-chave importantes para a visão

total da Comunicação.

Sociabilidade e o mundo da vida cotidianaAlfred Schutz parte da constatação de que a realidade é constituída socialmente através do

conhecimento, isto é, das diferentes atribuições de sentido que os indivíduos desenvolvem em de-

terminados contextos na vida social. Berger e Luckmann (1991) desenvolvem a Sociologia do Co-

nhecimento1 a partir de pressupostos teóricos de Schutz e definem os conceitos de realidade e

conhecimento (Berges; Luckmann, 1991).

A Sociologia do Conhe-cimento difere da Teoria do Conhecimento pelo fato de que a última tem como foco os problemas comuns a todas as áreas do conhecimento cientí-fico, preocupando-se não apenas com sua “gênese social”. Ao contrário, a Teoria do Conhecimento está envolvida no desen-volvimento do conheci-mento científico em um nível meta-teórico.

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Concebida como o estudo das condições sociais de produção de conhecimento, a Sociologia

do Conhecimento, como o próprio nome se refere, tem como enfoque as relações sociais envolvidas

na produção do conhecimento. Isto é, traz para o tema a gênese do conhecimento intelectual e dos

usos no ambiente social. Sendo assim, consideram-se outros fatores determinantes da produção de

conhecimento além da consciência puramente teórica, como também a consciência de elementos

de natureza não teórica, vindos e originados na vida social e nas influências e vontades as quais o

indivíduo está sujeito no seu mundo de vida. Pode-se afirmar que esta formulação teórica tem em

vista que cada período histórico da humanidade é dominantemente influenciado por determinado

tipo de pensamento ou teorias tidas como relevantes. Ou seja, cada momento oferece tendências

conflitantes e aponta tanto para a conservação da ordem quanto para a sua transformação (Berger;

Luckmann, 1991).

De acordo com os autores, conhecimento e a realidade podem não ser os mesmos para o pes-

quisador social e o homem comum. Para eles, a realidade constitui “uma qualidade pertencente a

fenômenos que reconhecemos terem um ser independente de nossa própria volição2”, enquanto o

conhecimento é a “certeza de que fenômenos sociais são reais e possuem características específi-

cas” (Berger; Luckmann, 1991:11).

No campo da sociabilidade, ocorre uma negociação entre os indivíduos através da comuni-

cação, que permite que os indivíduos entrem em contato uns com outros com pensamentos e lin-

guagens, mas não de forma completa. Portanto, a comunicação, frequentemente, também produz

estranhezas e incertezas, o que é bastante reconhecido e tão importante quanto o campo do enten-

dimento na produção de significados, de acordo com a teoria de Schutz:

A comunicação implica a constituição de universos de significado comuns onde é possível

compreender e sermos compreendidos graças a um processo de geração recíproca de

expectativas no decurso da qual construímos uma idéia partilhada de realidade (Correia,

2005:16).

Ao mesmo tempo que a comunicação entre os indivíduos torna possível a transferência de

um amplo universo de significados comuns e a coesão da ideia de realidade e sociabilidade, ela

também oportuniza o questionamento, dúvidas e o tensionamento do que é tido como comum ou

natural na vida cotidiana. Também é possível analisar que a comunicação nunca é completa, como

será debatido neste artigo, pois cada indivíduo tem uma experiência, um mundo de vida diferente,

o que deve ser levado sempre em consideração.

Tipificação e RelevânciaPode-se dizer que as tipificações são constituídas de generalizações utilizadas na vida coti-

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diana como facilitadoras do pensamento e das ações do ser humano. De acordo com o pensamento

exposto por Correia (2005), estas tipificações são um acervo de conhecimento sedimentado através

das experiências do indivíduo e do estabelecimento deste indivíduo no convívio social. O principal

objetivo é garantir a vivência e a interpretação do mundo.

Na tipificação, os objetos do mundo social estão constituídos dentro de um marco de

familiaridade e de reconhecimento proporcionados por um repertório de conhecimentos

disponíveis cuja origem é sobretudo social. É o que habitualmente Schutz designou de

acervo de conhecimentos disponíveis (Correia, 2005:92).

Ainda de acordo com o pensamento de Schutz, pode-se dizer que existe uma ordem garanti-

da para as coisas e os acontecimentos. Isto é, o mundo existe e pode ser explicado por esse leque de

conhecimentos disponíveis e ofertados pelas pessoas que fazem parte deste universo. Juntamente

com a atitude natural, as tipificações consagram a ordem social, em um contexto relacionado à prá-

tica e às rotinas do cotidiano. Esta crença é o que organiza o modo como as pessoas lidam, de uma

forma geral, com o extraordinário, o fato inesperado.

Um dos questionamentos trazidos por Schutz diz respeito à possibilidade de fazer ciência

com base nas construções do senso comum. Assim, ele defende a tipificação científica, a noção de

tipo ideal, com base, sempre, na vida cotidiana. Para o autor, os tipos ideais são constituídos por

uma síntese científica e uma padronização que coloca em ordem os estudos dos fenômenos so-

ciais. Tendo como base as ideias propostas por Weber, Schutz traz o pensamento de que existe um

tratamento objetivo de realidades com significados subjetivos. Assim, o cientista assume o papel

de observador desinteressado, que pode ser friamente comparado ao processo de aprendizado do

estrangeiro quando chega a um local até então desconhecido, por exemplo, que pode ser repensa-

do, também, como o estranho. Segundo Schutz, o estranho é o homem que coloca em questão tudo

àquilo que parece, até o momento, inquestionável para o restante do seu grupo (Schutz, 1979).

Portanto, a figura do estrangeiro, ou do estranho, conforme comentado anteriormente, apa-

rece na obra de Alfred Schutz como uma metáfora do comportamento do pesquisador, que atribui

sentido a processos de atribuição de sentido. Também é importante compreender que estas tipifi-

cações estão submetidas à relevância, isto é, à orientação dos interesses dos sujeitos a um assunto

determinado exposto diante à sociedade. Segundo Correia (2005) a relevância diz respeito à aten-

ção seletiva pela qual são estabelecidos os problemas a serem solucionados pelo pensamento e os

objetivos a serem atingidos pelas ações do próprio indivíduo.

O teórico Alfred Schutz analisa três tipos de relevância no que diz respeito à importância das

experiências no mundo de vida do sujeito. Uma delas é a relevância motivacional, que é conduzida

pelos interesses da pessoa e a importância que ela dá a um fato dominante em um dado período.

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Além disso, a relevância motivacional tem como premissa elementos conhecidos para o sujeito,

caso contrário há uma problematização para definir o cenário de acordo com os interesses de re-

velação de cada sujeito. A segunda é a relevância volitiva, a qual se refere à importância que o indi-

víduo confere a algum fato ou pessoa, de acordo com a sua vontade. E o terceiro tipo é a relevância

interpretacional, na qual há uma interpretação da relevância motivacional (Schutz, 1979).

A variação do sistema de relevâncias tem importantes efeitos para a Teoria da Comunicação

visto que o mundo, da forma que é observado pelas pessoas, é um mundo de significados intersub-

jetivamente partilhados, no qual uma forma de tipificação é a linguagem. A comunicação entre os

indivíduos da sociedade se dá neste mundo da vida cotidiana e o processo de criação de significa-

dos tem como base fundamental a memória das experiências vividas do sujeito, de acordo com o

pensamento de Schutz. Quando há um cruzamento entre memórias, torna-se possível ir além do

mundo do conhecimento e aproximar-se de novos significados desconhecidos para aquele indiví-

duo. Porém, isto não ocorre de forma prática e clara, pois Schutz garante que a comunicação plena

e bem sucedida não é possível visto que “há sempre uma margem da vida privada do outro que me

é inacessível e transcende as minhas experiências possíveis” (Correia, 2005:106).

Para finalizar, diz-se ainda que os sistemas de tipificação e relevâncias são uma herança

social que desempenham funções importantes no ecosistema no qual o homem atua, como, por

exemplo, (Schutz, 1979:119):

a) determinar os fatos que devem ser tratados como homogêneos;

b) transformar ações individuais em papéis sociais;

c) servir como um código de interpretação de significados e orientação de um indiví-

duo em um grupo específico no qual ele interage e atua;

d) garantir a perpetuação no sistema através de meios de controle social;

e) dar origem aos sistemas de tipificações e relevâncias individuais, colocando os pro-

blemas particulares no contexto dos problemas do grupo.

Desta forma, fica clara qual a real importância dos sistemas de relevância e de tipificação

nos pensamentos de Schutz, tendo como foco a Teoria da Comunicação. Afinal, é através do conta-

to intersubjetivo que ocorre a ligação dos indivíduos com a realidade já construída. Pode-se dizer,

ainda, que a linguagem e comunicação são elementos fundamentais e essenciais da sociabilidade.

Além disso, afirma-se que a atividade desenvolvida pelos meios de comunicação é, também, um

dos elos de ligação entre os indivíduos e suas experiências, ambiente no qual eles manifestam opi-

niões ou criam as tipificações e as relevâncias, já que eles influenciam nos processos pelos quais

qualquer corpo de conhecimento chega a ser socialmente estabelecido como realidade (Berger;

Luckmann, 1991).

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A Fenomenologia e a Teoria da ComunicaçãoConforme analisado anteriormente, a relevância atua como um dispositivo que elege o que

é realmente importante para um grupo ou um sistema social. Além disso, o compartilhamento de

significados entre os indivíduos é determinante nas ações. Quando pensa-se na atuação dos meios

de comunicação, percebe-se o quanto esta questão de relevância é determinante em diversos as-

pectos: na definição de assuntos importantes para a agenda pública (onde pode ser citada a Agenda

Setting3) e também para a consolidação ou para geração de questionamentos dos significados par-

tilhados pelos indivíduos. Afinal, o que transforma um determinado fato em notícia propriamente

dita? Ou melhor, como se dá o surgimento do sistema de relevância nos meios de comunicação?

Com base em que e quem determina o que é realmente importante em determinado momento da

vida cotidiana?

No jornalismo, o responsável por considerar um fato em algo relevante para a população tem

como base principal o conceito de valor-notícia4 que está presente em determinado assunto. É este

valor que indica se uma informação deve, ou não, ocupar o espaço midiático, tendo sempre como

base o olhar do jornalista e da redação sobre um fato específico que merece ser noticiado para a

sociedade.

Esta questão é bastante importante porque o jornalista é convocado exatamente para saber/

indicar o que é relevante. Um dos elementos para o quel ele é treinado e que faz parte do conjunto

de competências que ele tem de possuir é o saber de reconhecimento: reconhecer que um deter-

minado acontecimento é suscetível de ser considerado como notícias à luz dos critérios chamados

valor-notícia. Na nossa perspectiva, os valores-noticia refletem a intersecção entre o sistema de

relevâncias vigente na redação, no grupo profissional e no mundo da vida em que estão inseridos

(Correia, 2005:128).

Desta forma, compreende-se que a relação entre a mídia e a relevância se dá na forma como

a redação ajuda a determinar ou reforçar o que é importante para a sociedade. Nesse processo, o

meio de comunicação atua diretamente no terreno das tipificações e reforça, ou questiona, as ge-

neralizações construídas através da experiência e que definem a apreciação que fazemos de deter-

minadas partes do mundo da vida. A informação midiatizada amplia a potencialidade daquilo que

é possível experimentar. Porém, como já foi explicado anteriormente, todas estas informações são

encaminhadas a um conhecimento prévio que já nos é familiar.

As tipificações são a forma que a atitude natural do mundo da vida tem de lidar com

a erupção generalizada da novidade. São o modo de estabelecer regularidades num

mundo ameaçado pela contingência. São a forma de assegurar que é possível lidar com

3. As ideias básicas do Agendamento podem ser atribuídas ao trabalho de Walter Lippmann que, em 1922, propôs a tese de que as pessoas não respondiam diretamen-te aos fatos do mundo real, mas que viviam em um pseudo-ambiente composto pelas imagens impostas na cabeça de cada indivíduo. A mídia teria papel importante no fornecimento e gera-ção destas imagens.

4. Valor-notícia é um valor subjetivo que determina a importância que um fato ou acon-tecimento tem para ser noticiado. Por este moti-vo é também designado de critério de noticiabi-lidade sua experiência profissional e intuição. Os fatores ou critérios que dão um fato valor-notícia coincidem na maior parte das redações dos meios de comunicação social.

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o mundo como até aí. Obviamente que o ator, no mundo social, parece menosprezar tal

contingência, tal novidade, tal estranheza. Age [...] como se o mundo lhe surgisse como

uma evidência tida por adquirida. Na realidade, o mundo da vida é paradoxal. Como

Schutz adivinha, um mundo pode ser instável, marcado pela aceleração das diferenças,

pela erupção de acontecimentos permanentes. Porém, aos olhos dos agentes que o

integram, as tipificações permitem lidar com essas mudanças de um modo que lhes

parece evidente. Nesse sentido, até acontecimentos como a morte são tipificados de um

modo que lhes permite serem absorvidos pela visão relativamente natural do mundo

que faz parte da vida cotidiana (Correia, 2005:131).

Pode-se afirmar, ainda, que as tipificações envolvem questões como o quesito espaço-tem-

poral, como, por exemplo, a periodicidade do meio de comunicação e os limites de espaço e da

forma que a informação midiatizada está sujeita a um quadro de tipos e relevância importantes

socialmente, seja na experiência de cada um dos jornalistas, ou nos fatores que influenciam o pro-

cesso de produção. Sendo assim, é produzido um conteúdo que permeia e tem como foco principal

a descrição da realidade como ela realmente é, adequando esta realidade do fato ao veículo e à co-

munidade na qual ele está inserido.

Os profissionais da comunicação são fundamentais na construção de imagens que fazem

sentido em uma história real, em que há a colaboração de formas institucionais de narradores, mas

também o próprio público-alvo daquela narrativa específica. A estrutura percorre diversas formas

de relatos do acontecimento a fim de proporcionar a adesão do público ou a repulsa. As imagens

têm a funcionalidade de criar a parte visual deste relato, inseridas articuladamente em conjunto

com as narrativas dominantes. Isto é, é uma outra linguagem que, junto com o conteúdo textual,

contextualiza o conteúdo para o leitor. Desta forma, a própria sociedade tira suas conclusões, cria

pensamentos e imagens negativas e positivas, mais do que isto, inscreve-as na concepção relativa-

mente natural da comunidade. “O risco é que se desencadeie uma operação coletiva de naturaliza-

ção do que é cultural que acentue a vocação alegadamente universal dos valores e visões transmi-

tidos, omitindo os elementos conflituais e contraditórios” (Correia, 2005:134).

As construções noticiosas são construções realizadas a partir das construções feitas por ato-

res no mundo social. Interessante, neste caso, é perceber que os atores são socializados e ensinados

a obter a máxima sintonia com a atitude natural presente nos mundos da vida dos seus leitores,

tipificados através de estudos de mercado.

Ou seja, pede-se aos produtores dessas construções que utilizem de forma ingénua

e acrítica certo tipo de conceitos que se têm por adquiridos. Pede-se-lhes que não

teorizem sobre o mundo que descrevem. Solicita-se-lhes que trabalhem com noções que

são tidas por adquiridas sem as interrogarem pelo menos além dos limites do acervo de

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conhecimentos dos seus destinatários e receptores. Pede-se-lhes que não usem palavras

maiores do que a média das palavras dos seus leitores na linguagem quotidiana. Exige-

se-lhe que não questionem as premissas com base nas quais é possível descrever a re-

alidade tal como é percepcionada pelos seus leitores (Correia, 2002: 39).

Assim, os veículos de comunicação e os profissionais que lá exercem suas convicções, no

caso os jornalistas, que buscam e primam por informar fatos verdadeiros à população, reforçam as

relevâncias e tipificações tidas como dominantes. Ocorre, então, a correspondência entre as rotinas

profissionais e a atitude natural. Mesmo assim, há quem discuta os assuntos que são dados como

prioridade na mídia tradicional, colocando em dúvida e questionando os fatos que são destacados

para grande parte da sociedade. É neste momento que fala-se em mais uma característica funda-

mental que faz parte do mundo de vida e do cotidiano de quem atua no jornalismo, a questão da

objetividade.

O profissional da comunicação está presente no mundo que observa e interpreta, assim como

o próprio pesquisador, que busca fatos que merecem destaque e precisam ser pesquisados a fundo.

Pode-se dizer que os fatos noticiados nos veículos de comunicação já são, por si só, construções da

realidade, de acordo com Schutz. A dificuldade metodológica que faz parte deste cotidiano é jus-

tamente o fato de evitar que a proximidade com o senso comum se transforme em conformidade/

conformismo. Neste quesito, Schutz responde com a afirmação de que o jornalista precisa traba-

lhar como um observador, mas também como um agente do processo social.

Ao ganhar consciência do seu estatuto de observador e participante, o resultado poderá

ser a possibilidade de o jornalista se tornar ainda mais observador, desenvolvendo

a confiança a suspeita (num sentido positivo), mais atento à situação complicada que

resulta da sua posição peculiar (Correia, 2005:139).

Todas as interações entre as províncias de significado ocorrem com conflitos, desentendi-

mentos ou falhas de comunicação, tanto no plano individual quanto no plano coletivo. Às vezes,

as contradições só são aparentes no contato com o estrangeiro, por exemplo, no momento em que

a posição natural e do ambiente de origem é questionado e colocado em estado de reflexão pelos

indivíduos. Há outros casos, como nas relações políticas, onde ocorre o contato direto entre dife-

rentes, o que gera o desentendimento. O modo que um grupo se enxerga entra em choque com as

heterotipificações dos demais indivíduos gerando, assim, o confronto. Esse encontro também pode

gerar reflexão, relativização e entendimento, dependendo do caso que está sendo abordado. Estas

diferenças, contradições e reflexões originadas pelo encontro das realidades múltiplas manifesta-

-se na mídia, segundo o pensamento apresentado por Alfred Schutz.

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Visto que os jornalistas não devem reconstituir a experiência através da reflexão, de acordo

com Schutz, cabe aos pesquisadores da área da Comunicação organizarem as informações da me-

lhor maneira possível, segundo o objeto analisado, com as ferramentas metodológicas escolhidas.

Assim, a Fenomenologia de Schutz atua como uma tentativa de ir além das mais simples pressu-

posições básicas, questionando a própria idéia de conhecimento, dirigindo-se às próprias coisas,

aos fenômenos e às formas como eles aparecem para os indivíduos. O assunto é tema de bastante

discussão no jornalismo e da Comunicação e merece ainda mais destaque na área de pesquisa.

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Referências

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ExpedienteCoMtempoRevista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper LíberoSão Paulo, v.1, n.4, nov. 2013/dez 2013

A revista CoMtempo é uma publicação científica semestral em formato eletrônico do Programa de Pós-graduação em Comuni-cação Social da Faculdade Cásper Líbero. Lançada em novembro de 2009, tem como principal finalidade divulgar a produção acadêmica inédita dos mestrandos e recém mestres de todos os Programas de Pós-graduação em Comunicação do Brasil.

Presidente da Fundação Cásper Líbero Paulo Camarda

Diretora da Faculdade Cásper Líbero Tereza Cristina Vitali

Vice-Diretor da Faculdade Cásper Líbero Welington Andrade

Coordenador da Pós-Graduação Dimas Antônio Künsch

EditorSimonetta Persichetti

Comissão EditorialCarlos Costa (Faculdade Cásper Líbero) * Luis Mauro de Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Goreti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero) *Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Edilson Cazeloto (Faculdade Cásper Líbero)Simonetta Persichetti (Faculdade Cásper Líbero)

Conselho EditorialAntonio Roberto Chiachiri (Faculdade Cásper Líbero) * Cláudio Novaes Pinto Coelho (Faculdade Cásper Líbero) * Dimas Antonio Künsch (Faculdade Cásper Líbero) * Dulcília Schroeder Buitoni (Faculdade Cásper Líbero) * José Eugenio de Oliveira Menezes (Faculdade Cásper Líbero) * Luís Mauro Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Simonetta Persichetti (Faculdade Cásper Líbero)

Projeto Gráfico e LogotipoDanilo Braga * Marcelo Rodrigues

Revisão de textosKaren GoulartCamilla do Vale

Editoração eletrônicaPetrus Lee

CorrespondênciaFaculdade Cásper Líbero – Pós-graduaçãoAv. Paulista, 900 – 5º andar01310-940 – São Paulo (SP) – BrasilTel.: (11) 3170.5969 – 3170.5875