A Figura Do Anticristo Na Década de 60 Por Meio Do Filme Bebe de Rosemary

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O filme versa sobre possessão demoníaca, bem ao processo histórico e cultural da década, versando sobre a natureza e limites do Mal e o papel do ser humano.

Citation preview

  • A FIGURA DO ANTICRISTO NA DCADA DE 60 POR MEIO DO

    Rafaela Arienti Barbieri - UEM

    Solange Ramos de Andrade - UEM

    Vanda Fortuna Serafim - UEM

    Fruto da proposta de um Projeto de Iniciao Cientfica, ainda em elaborao, da

    disciplina de Introduo Pesquisa Histrica e da atuao no Laboratrio de Estudos

    em Religies e Religiosidades, todos vinculados ao DHI-UEM, visa apresentar algumas

    das problemticas acerca da figura do Anticristo e sua apropriao pelo Cinema.. Pelo

    vis da Histria das Religies, pretendemos, neste projeto, analisar a figura do anticristo

    por meio da fonte cinematogrfica, mais precisamente o filme O beb de Rosemary,

    lanado nos Estados Unidos em 1968. Para pensar o filme enquanto fonte, utilizaremos

    o conceito de representao em Roger Chartier e, principalmente, as teorias de Marc

    Ferro em sua obra Cinema e histria juntamente a anlises feitas por Francis Vanoye e

    Anne Goliot-lt em Ensaio sobre a anlise flmica e J. Dudley Andrew em As

    principais teorias do cinema. No que se refere ao anticristo, o pensaremos por meio de

    C. G. Jung e sua obra A criana divina: uma introduo a essncia da mitologia.

    Utilizaremos, ainda, Mircea Eliade e obras Mefistfeles e o Andrgino e El

    chamanismo y las tecnicas arcaicas del xtasis a fim de estabelecer relaes entre o

    Anticristo tanto com a ideia de Androginia quanto perspectiva do xamanismo, uma

    vez que h a possibilidade de abord-lo como um intermedirio entre os mundos

    sagrado e profano. Em relao ao contexto no qual a fonte fora produzida, buscaremos

    ponderar sobre a questo do aborto e individualidade feminina na dcada de 60 nos

    Estados Unidos.

    Palavras - chave: Anticristo, representao, criana, cinema, religies e religiosidades

  • Rafaela Arienti Barbieri - UEM

    Solange Ramos de Andrade - UEM

    Vanda Fortuna Serafim - UEM

    No contexto estadunidense da dcada de sessenta, mais precisamente em 1968

    lanado o filme O beb de Rosemary, uma adaptao do livro de Ira Levin publicado

    em 1967, sendo a primeira obra de Roman Polanski sob o patrocnio de um dos grandes

    estdios de Hollywood: a Paramount.

    O filme se passa em 1966 e aborda a histria de um casal, Rosemary (Mia

    Farrow) e Guy Woodhouse (John Cassevetes), que se muda para um apartamento no

    edifcio Dakota em Nova York portador de um histrico, no mnimo, sinistro. Aps a

    mudana, o casal passa a ter estranhas experincias dentro do apartamento, como a

    presena de

    repentina de Guy em relao a sua vida profissional enquanto ator.

    Em meio a este cenrio misterioso Rosemary acaba por engravidar aps uma

    noite extremamente confusa em sua memria, em que chega a confundir, durante ela,

    sonho com realidade, alm ter espcies de alucinaes. Na verdade, Rosemary

    encontrava-se naquela noite, sob o efeito drogas vindas de seus vizinhos Minnie (Ruth

    Gordon) e Roman Castevet (Sidney Blackmer) os quais tinham pretenses referentes ao

    corpo e possibilidades de gravidez de Rosemary.

    Estes vizinhos j vinham apresentando desde a chegada dos Woodhouse um

    comportamento estranho, e aps um tempo, seu marido tambm passa a agir de maneira

    diferente, principalmente aps a gravidez, quando tenta mascarar o sofrimento tanto

    fsico, quanto psicolgico, de Rosemary. Mas no geral, o importante compreender a

    chave principal do filme, a qual se encontra na existncia de um pacto entre Guy e os

    Castevets sob as ba

    O contexto da dcada de sessenta nos Estados Unidos propcio para a

    elaborao desse filme. um ambiente macabro em que se encontram associaes entre

    Manson, que em 1969 seria responsabilizada pela morte de Sharon Tate, esposa de

    Roman Polanski. Ela foi morta a facadas por quatro membros da seita, estando grvida

    de oito meses.

    No mesmo ano da morte de Sharon, tem-se tambm o falecimento do produtor do filme

    William Castle por complicaes renais. Testemunhas do hospital alegam t-lo ouvido

  • finais do filme mostra Rosemary segurando uma faca, aproximando-se de um bero

    preto e descobrindo que seu filho continua vivo, porm, no da forma que esperava.

    No filme, o retrato da seita, que seria responsvel pela invocao do demnio em

    prol da relao sexual deste com Rosemary, efetuado de maneira diferente, mais

    discreta, no como um grupo de pessoas que dentro da sociedade se apresenta de forma

    como vizinhos receptivos e prestativos, que aos poucos mostram os elementos que os

    tornam sinistros. Ela aparentemente encabeada por Minnie e Roman, e as associaes

    e

    -se a de Charles Manson.

    Mais tarde, em 1980, John Lennon foi morto a tiros por um f chamado Mark

    Chapman. Isso ocorreu na porta do edifcio onde morava, o Dakota, local onde se passa

    a trama do filme. Portanto, possvel notar que essa produo est inserida em um

    ambiente j macabro e, aps o seu lanamento nos Estados Unidos, ajudou a intensificar

    e mant-lo por meio dos acontecimentos, principalmente as mortes aqui colocadas,

    posteriormente associadas a ele.

    Alm destes elementos contextuais, existe tambm a necessidade de

    compreender o passado conturbado referente ao diretor e roteirista desse filme: Roman

    Polanski. De acordo com o

    criado na Polnia por seu pai judeu e mais tarde teria sobrevivido ao Holocausto, tendo

    sua me morta em uma cmara de gs. (SILVA e ROMO, 2011, p. 203)

    Mas um elemento interessante de sua vida a ser analisado o fato de ter sido

    acusado por sexo ilcito, fornecimento de drogas, sodomia e perverso com Samantha

    Geimer de 13 anos, em 1977. No mesmo ano, foi condenado por relao sexual com a

    menor de idade, passando 42 dias preso em uma instituio psiquitrica. (SILVA e

    ROMO, 2011, p. 204)

    O tema relativo ao estupro tambm trabalhado no filme, apesar desse

    acontecimento da vida de Polanski ser posterior ao lanamento do mesmo. Rosemary,

    quando tem a relao sexual com o demnio, como j coloquei anteriormente, est sob o

    efeito de drogas vindas de seus vizinhos. Em sua cabea, ela est dormindo com seu

    marido, mas uma vez que no ingeriu toda a quantidade de drogas que lhe foi fornecida,

    e conforme a noite passa, ela, imersa em alucinaes, nota que h algo errado, no se

    encontra com seu marido, est sendo observada, outra criatura estabelece contato com

    seu corpo. Quando ela acorda, nota arranhes na pele e acaba por encarar a noite,

    momentaneamente, como um sonho, o que no retira a sensao de ter sido estuprada.

    Essa produo vista ainda como aquela que iniciou o terror e a temtica

    satnica dentro do cinema, sendo que estes acontecimentos citados acima, associados ao

    filme, contriburam para torn-lo uma referncia para a anlise de tal assunto. Pode-se

    notar a diversidade de temas nele abordados como, alm das seitas satnicas, bruxaria, a

    representao da figura do demnio, aborto e estupro - como j citei anteriormente -

    mas entre eles a figura do anticristo, um dos pontos chave da obra, que causa um

  • grande impacto por ser, depois do demnio, a outra grande criatura que provm de um

    mbito sagrado e faz uma intensa ligao com o mesmo.

    A maneira pela qual a figura do anticristo apreendida depende da tomada de

    conscincia das pessoas de uma dada poca, podendo acontecer de inmeras maneiras.

    Dentro do filme ele tratado enquanto o filho do Sat, interpretao que pode ser

    atribuda modificao da representatividade e presena desta figura, iniciada pelas

    seitas formadas no decorrer da dcada de 60.

    No momento do filme onde Rosemary descobre que seu filho ainda est vivo,

    ela o encontra na sala de estar do apartamento dos Castevets. Sua face de espanto revela

    seita comemoram a chegada do filho de Sat e profetizam suas futuras aes. O beb

    est dentro de um bero negro, e sob sua cabea, colocado como um mbile, encontra-

    se um crucifixo invertido.

    As leituras que podem ser feitas a partir do Anticristo, neste caso, em seu estado

    de infncia, so vrias, mas, enquanto uma manifestao do sagrado, por meio de

    leituras de Mircea Eliade em obras como Sagrado e Profano, entre as que so permitidas

    dentro dos limites do filme, elencamos para este trabalho uma anlise da manifestao

    do arqutipo da criana; a relao deste arqutipo com o conceito de androginia, e uma

    abordagem do anticristo atravs da perspectiva do Xamanismo, juntamente com uma

    discusso sobre individualidade feminina e o aborto na dcada de 60 nos Estados

    Unidos.

    Este objeto de estudo, de mbito sagrado, juntamente com seus objetivos, s podem ser

    inseridos no campo historiogrfico na medida em que o movimento da Escola dos

    Annales tomou fora em 1929 com a publicao da revista

    economique et sociale por Marc Bloch e Lucien Febvre, isso em um contexto

    intimamente ligado s perturbaes no campo das cincias sociais e tambm na situao

    mundial resultante do ps-guerra, 1914-

    Uma ampliao da gama de documentos disponveis para o historiador,

    , um abandono da histria poltica referente

    exclusivamente s instituies estatais, o predomnio do mtodo comparativo e da

    questionamento do documento, so algumas das caractersticas desta nova escola em

    pleno desenvolvimento com suas trs ou mais geraes, a qual quebra com

    determinados aspectos da escola positivista de Langlois e Seignobos, a primeira a

    desenvolver um mtodo especifico para a histria e que permitiu sua execuo enquanto

    disciplina, como apresentou Jos Carlos Reis, em A histria entre a filosofia e a cincia.

    (DOSSE, 1992, p 22-164)

    compreenso da sociedade que as produziu, sendo agora, o documento cinematogrfico,

    parte relevante de pesquisas historiogrficas e, como j afirmou Marcos Napolitano em

    sua obra Fontes Histricas, crescente o nmero de temas, pessoas influentes, pblicas

    ou no, que so transportados para o mundo do cinema, televiso e msica, ou seja,

  • em um novo e vasto alvo de interesse por parte dos historiadores. (PINSKY, 2008,

    p.235)

    As fontes audiovisuais constituem-se na msica, filmes e documentrios, e so

    erroneamente, por alguns como testemunhos quase diretos e objetivos da histria,

    devido ao seu alto potencial ilustrativo. Porm, Napolitano frisa a importncia de

    abordar estas fontes enquanto produes artsticas, dotadas de uma linguagem prpria e

    representaes permeadas por subjetividade e inteno. (NAPOLITANO, 2008, p. 236,

    237)

    Da mesma maneira que deve ser feita com qualquer tipo de fonte, a flmica

    tambm deve ser sujeitada a crticas sobre sua origem, ou seja, quem so os produtores,

    o diretor, gnero, contedo; qual seu contexto de produo e tambm, quais seriam os

    objetivos da mesma. Estas consideraes em momento algum podem ser desvinculadas

    dos elementos especficos que compem o filme, que se encontram, por exemplo, na

    linguagem, na existncia ou no de efeitos, no prprio posicionamento da cmera e no

    desenvolvimento de dilogos do filme. (NAPOLITANO, 2008, p. 237, 238)

    Como coloca Napolitano, o contedo do filme, junto sua linguagem e

    tecnologia de registro, formam um trip que interfere significativamente no potencial

    informativo deste tipo de documento, e cada um destes elementos no deve ser estudado

    separadamente, mas sim, ser encarados em seu conjunto. Todo o processo de edio de

    edio do filme, tanto no que se refere msica quanto ao enquadramento da cena,

    interferem no sentido cultural que o filme ir adquirir. (NAPOLITANO, 2008, p.237-

    247)

    tambm o desenvolvimento da chamada Histria das Religies, e uma vez que o objeto

    de pesquisa aqui apresentado pertence a esse mbito de estudo, necessrio trabalh-lo

    por meio de autores como Mircea Eliade e Jacqueline Hermann, que ajudam a

    compreender a sistematizao da Histria das religies enquanto disciplina, assim como

    as influencias que esta recebeu de outras reas do conhecimento, o que acabou por

    retirar algumas das barreiras impostas ao campo de pesquisa disponvel para a anlise

    historiogrfica, permitindo neste caso, o estudo de elementos e manifestaes do

    sagrado.

    A Histria das religies passou a atuar, com o auxlio do desenvolvimento da

    entendimento do prprio homem, e como j defendeu Marc Bloch em Apologia da

    momento que colocamos o homem em uma posio, no mnimo, privilegiada, deve-se

    levar em considerao tudo que se torna real a partir dele. (ELIADE, 1999, p. 01-07)

    Sendo assim, as modificaes na abordagem da Histria das Religies permitem

    analisar, nesta proposta de pesquisa, o anticristo enquanto um intermedirio entre os

    mundos sagrado e o profano, e, nesse momento, os conceitos e anlises de Mircea

    Eliade em obras como Sagrado e profano e Mefistfeles e o Andrgino, referentes

  • tambm ao seu desenvolvimento junto a outras disciplinas, tornam-se extremamente

    necessrios para o entendimento da maneira pela qual a histria apreende o anticristo,

    que pode-se dizer, transcendentemente revelado em uma criatura humana.

    Voltando seus esforos para a compreenso de uma essncia das religies, a

    partir de uma anlise dos fenmenos religiosos e, como coloca Hermann em Domnios

    da Histria, diferentemente da elaborao de uma histria das religies como fizeram

    alguns Etnlogos e Socilogos, Eliade primeiramente utiliza-se de uma separao entre

    os mundos que denomina por sagrado e profano, sendo o sagrado aquele que transcende

    o profano e esse aquele em que vivemos. Desta maneira, o conhecimento dos elementos

    e mundo sagrado possvel partindo do que ele denomina por Hierofania.

    (HERMANN, 1997, p. 474-507)

    O conceito de Hierofania est presente na obra Sagrado e Profano e equivale s

    revelaes do sagrado, as quais fundam o mundo por meio da ordenao do caos, alm

    de auxiliarem o ser humano a entender a razo de sua existncia e a situar-se na

    realidade objetiva. Elas diferem-se da realidade natural que as envolvem e a parir do

    momento em que so apreendidas pelo homem, ultrapassam sua irracionalidade

    -27)

    Uma Hierofania pode ser um local como uma Igreja, que indica uma sacralidade

    -

    ser um objeto inanimado como uma pedra ou ainda um humano que se encontra sob um

    estado que ultrapassa sua condio profana, sendo esse o caso do beb apresentado no

    filme. O beb uma criatura profana, porm o que permite sua caracterizao enquanto

    uma hierofania e, portanto, de carter sagrado, o fato de ser o filho de sat.

    Alm disso, a Psicanlise de Jung no caso desse projeto fundamental para o

    entendimento do dinamismo do inconsciente, tendo por base uma anlise dos smbolos

    provenientes do mesmo. Pode-se entender o que Jung em A criana divina: uma

    introduo essncia da mitologia,

    produtos/smbolos do inconsciente e, de acordo com Eliade, os smbolos podem fazer

    Portanto, a forma pela qual o inconsciente toma forma em sua manifestao enquanto

    arqutipo d-se de vrias formas, e no que se refere ao arqutipo da criana tanto Jung,

    quanto Eliade, colocam-na enquanto determinante para entender os elementos ligados a

    sexualidade deste, agora, objeto histrico.

    como manifestaes involuntrias de processos inconscientes, cuja existncia e sentido

    rmar que os

    arqutipos surgem a partir de um inconsciente, so tpicos e podem ser chamados de

    e

    em diversos povos que no possuem nenhum tipo de ligao entre si, e no caso do

    arqutipo da criana isso acaba por se repetir.

  • O arqutipo da criana pode ser primeiramente analisado por Jung, com base em

    elementos do inconsciente, sendo ele, de acordo com o psicanalista, amplamente

    no sabe definir o que , ou seja, ainda no tomou conscincia dele, o que influencia na

    estrutura de sua existncia e, de acordo com as interpretaes de Jung,

    conseqentemente na sua sexualidade.

    De acordo com Jung, a forte presena de um inconsciente na criana acarreta

    uma indefinio de sua sexualidade. Seu sexo fsico est definido, mas no sua

    sexualidade no mbito psicolgico, o que admite uma anlise que aborde a questo da

    androginia na criana. Tanto para Eliade quanto para Jung a androginia psicolgica traz

    lidade, aboliu de si os contrrios e a

    androginia, na medida em que abarca o feminino e o masculino no mesmo corpo, acaba

    por exprimir tal estado.

    Alm disso, a ideia de perfeio estaria ligada tambm a existncia de um

    nmero considerado de divindades hermafroditas nas teogonias gregas e germnicas,

    como citou Eliade, as quais espalham-se por outras religies por meio de determinadas

    Portanto, sendo a criana uma criatura andrgina dentro de uma esfera psicolgica,

    pens-la enquanto um ser perfeito amplamente coerente e, como j apresentou Eliade,

    -se um homem sexualmente adulto antes de conhecer a

    116)

    Conforme a criana cresce e tem acesso a um sistema de educao, ela toma para

    si os exemplos dos adultos e gradativamente abandona seu estado de inconscincia e,

    conseqentemente de androginia, o que no retira a possibilidade dela aderir, nesse

    caso, conscientemente ao ideal andrgino. Portanto, quais so as conseqncias da

    -

    p.103) serem pensados no anticristo algo a ser analisado.

    Alm da perspectiva que atribui uma caracterstica de Hierofania para o

    anticristo, uma abordagem do mesmo sob a tica do Xamanismo tambm possvel.

    Como colocou Pedro Ferreira em O Xamanismo e as tcnicas arcaicas do xtase: Eliade

    revisitado os conceitos de xam e xamanismo so posicionados por Eliade de maneira

    teoricamente diferente, sendo o xamanismo a vertente que contm e repassa as tcnicas

    do xtase, e o xam aquele que tem o controle sobre as mesmas. (FERREIRA, 2003, p.

    02)

    O anticristo pode no possuir algumas caractersticas de um xam, como a

    capacidade de executar essa transio entre os mundos sagrado e profano, elemento

    necessrio para a identificao de um xam, porm, a essncia de sua estrutura

    essencialmente sagrada e, portanto, manifestando-se de maneira profana e humana, faz

    uma intensa ligao com um dos elementos que lhe deram origem.

    Agora, retornando ao contexto da dcada de 60 nos Estados Unidos, possvel a

    construo de um paralelo que percorra a questo do aborto e individualidade feminina

    dentro da fonte aqui apresentada. No decorrer do filme Rosemary deixa de ser a mulher

  • aparentemente frgil, meiga e inocente que fica feliz e empolgada ao engravidar

    justamente quando queria, para tornar-se, principalmente aps a confirmao da

    gravidez, algum extremamente persistente e que no desiste de procurar indcios que

    comprovem suas desconfianas, relacionadas a todo o ambiente que se formou aps ter

    conhecido seus prestativos vizinhos, mesmo que mais ningum acredite naquilo que

    descobre e defende.

    No qualquer mulher que tem a capacidade de resistir at o ltimo ms de

    gestao do filho de Sat, ela h de ter uma preparao para isso e, alm de tudo tem de

    ser extremamente forte, sendo tambm as complicaes e dificuldades da gravidez, mais

    uma de manifestao do arqutipo da criana, neste caso, divina.

    Essas caractersticas de personalidade desconstrudas e construdas ao longo do

    filme nem sempre fizeram parte do pensamento de uma grande parte da sociedade, aqui,

    estadunidense, sendo a dcada de 60 o perodo onde a mulher passa a ocupar um maior

    espao e representatividade dentro de uma determinada realidade.

    A questo do aborto vem juntamente com essa mudana de atitude feminina

    relativa a esse perodo, a qual tambm trabalhada no filme e, dentro do contexto de

    produo dessa fonte, de grande influncia e importncia para sua compreenso.

    Rosemary sofre de dores fsicas desde que descobre a gravidez e tem freqentes

    consultas com o mdico recomendado pelos Castevets: O Dr. Saperstain, que

    paulatinamente tambm se mostra participante da seita do filme. Mas a abordagem a ser

    levantada a relacionada importncia de em um contexto como esse a Rosemary

    deixar bem claro seu posicionamento quanto ao aborto: ela tem medo que seu filho

    morra e no vai abortar.

    Portanto, possvel notar que o filme pode ser trabalhado por diversos caminhos

    e, o que neste trabalho est proposto, compreende as dificuldades existentes para

    conciliar a viso psicolgica, nesse caso de Jung, com a que circunda o ambiente das

    religiosidades. Isso juntamente com uma anlise das representaes ali propostas

    vinculadas ao ambiente histrico no qual foram produzidas.

    REFERNCIAS

    O beb de Rosemary. POLANSKI, Roman. EUA: 1968. 132 min.

    CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Rio de

    Janeiro: Difel, 2002.

    VANOYE, Francis. Ensaio sobre a anlise flmica. Ed. 2. Campinas SP: Papirus

    editora, 1994.

    ANDREW, J. Dudley. As principais teorias do cinema: uma introduo. RJ: Zahar,

    2010.

  • JUNG, Carl; KERNYI, Karl. A criana divina: uma introduo a essncia da

    mitologia. Petrpolis, RJ: Vozes, 2011.

    ELIADE, Mircea. El chamanismo y las tecnicas arcaicas del xtasis. Mxico: Fondo

    de Cultura Economica, 1996.

    ELIADE, Mircea. Mefistfeles e o Andrgino: comportamentos religiosos e valores

    espirituais no-europeus. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

    NAPOLITANO, Marcos. A histria depois do papel. In PINSKY, Carla Bassanezi

    (org). Fontes Histricas. 2 Ed. So Paulo: Contexto, 2008.

    SILVA, Jonathan Raphael Bertassi da; ROMO, Lucla Maria Sousa. Procurado e

    desejado: olhares de/sobre Roman Polanski. 2011

    DOSSE, Franois. A histria em migalhas: dos Annales Nova histria. SP: Editora

    da Universidade Estadual de Campinas, 1992.

    REIS, Jos Carlos. A histria entre a filosofia e a cincia. SP: Atica, 1996.

    HERMANN, Jacqueline. Histria das religies e religiosidades. In CARDOSO, Ciro

    Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domnios da Histria: ensaios de teoria e

    metodologia. 5 edio. RJ: Campus, 1997.

    BLOCH, Marc. Apologia a histria ou o ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge

    Zahar, 2001.

    ELIADE, Mircea. O Sagrado e o profano. SP: Martins Fontes, 2001.

    FERREIRA, Pedro. O Xamanismo e as tcnicas arcaicas do xtase: Eliade

    revisitado. 2003