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A Flauta das Aves A.Simas - (ornitófilo) Pan & Syrinx - 1617-19 - Peter Paul Rubens e Jan Brueghel the elder Mitologia Syrinx (siringe em português), na mitolo- gia grega, era uma das ninfas dos bosques (Hamadríades) da Arcádia desejada por Pã, divindade protetora dos pastores e reba- nhos, figura horrenda com tronco de ho- mem, chifres e pernas de bode, filho de Mecúrio com uma cabra que o amamen- tou. Quando Pã declarou-se apaixonado dizen- do: “Cedei, formosa ninfa, aos desejos de um deus que pretende tornar-se seu es- poso” (Ovídeo), Syrinx, para livrar-se de ser possuída, correu para o rio Ladon, seu pai que para protegê-la pediu auxilio às suas irmãs e Syrinx, ao ser abraçada por Pã, foi transformada num pé de junco que emitiu sons doces e melancólicos seme- lhantes a soluços. Então, desolado, Pã cortou o pé de junco e fez uma flauta, juntando alguns pedaços de caniço, de diferentes tamanhos. Ao to- car a flauta, Pã recorda-se de sua grande paixão. Assim a ninfa Syrinx virou a flauta de Pã. A flauta de Pã Syrinx, a flauta de Pã, é um instrumento musical consti- tuído por um conjunto de tubos fechados numa extremidade, escalonados em tamanho, ligados uns aos outros, em feixe ou lado a lado. A flauta não tem bocal ou boquilha, sendo soprada com o lábio tangenciando as extremidades abertas dos tubos. Os sons são gerados pela vibração do ar na aresta da abertura dos tubos e cada um produz uma nota musical, geral- mente numa escala pentatônica. Física Em física, a flauta de Pã é denominada “tubo sonoro fechado”, podendo calcu- lar-se o comprimento acústico do tubo, para cada nota musical, pela fórmula L(ƒ)= v[t]/4 ƒ onde a velocidade do som v[t] é função da temperatura. O som é um fenômeno físico onde ocorre vibração periódica longitudinal de partículas em um meio. É definido por três parâmetros: 1) Período (duração) – tempo de vai e vem em segundos (seg) ou milissegundos (mseg); 2) Frequência (Hz)– número de vezes (ci- clos por segundo) que o fenômeno se repete por unidade de tempo; 3) Amplitude ou intensidade (dB) – valor da pressão (volume), dada pela duração da energia da onda. Música Claude Debussy compôs um solo para flauta a que deu o nome de Syrinx. Escrita em 1913, esta música, inspirada no amor de Pã pela ninfa, é indispensável no repertório de qualquer flautista. Um dia, talvez faça parte do repertório de algum pássaro. Instrumentos de sopro Quando classificados pelo meio produtor de som, os instrumentos de sopro podem ser: 1) De embocadura – o som é produzido pela vibração dos lábios do executor que controlam a pressão do sopro (berran- tes de tropeiros, trombones, trompas e a famosa vuvuzela africana da Copa de 2010); 2) De palhetas – o som é produzido por vibração de palhetas dentro da cavida- de, provocada pela passagem do ar (cla- rinetas, saxofones e assemelhados, in- clusive gaitas e instrumentos de fole como acordeom, bandoneom e órgãos); 3) De arestas – o som é produzido pela vi- bração do ar na aresta de tubos, furos ou lâminas (todas as flautas). Embocadura ideal (FARKAS, 1962, P.14) frequência baixa = som grave frequência alta = som agudo

A FLAUTA DAS AVES bk - 3c.org.br3c.org.br/Sexagem/Flauta das Aves.pdf · mem, chifres e pernas de bode, filho de Mecúrio com uma cabra que o amamen-tou. ... Os sons são gerados

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A Flauta das AvesA.Simas - (ornitófilo)

Pan & Syrinx - 1617-19 - Peter Paul Rubens e Jan Brueghel the elder

MitologiaSyrinx (siringe em português), na mitolo-gia grega, era uma das ninfas dos bosques(Hamadríades) da Arcádia desejada por Pã,divindade protetora dos pastores e reba-nhos, figura horrenda com tronco de ho-mem, chifres e pernas de bode, filho deMecúrio com uma cabra que o amamen-tou.Quando Pã declarou-se apaixonado dizen-do: “Cedei, formosa ninfa, aos desejos deum deus que pretende tornar-se seu es-poso” (Ovídeo), Syrinx, para livrar-se deser possuída, correu para o rio Ladon, seupai que para protegê-la pediu auxilio àssuas irmãs e Syrinx, ao ser abraçada porPã, foi transformada num pé de junco queemitiu sons doces e melancólicos seme-lhantes a soluços.Então, desolado, Pã cortou o pé de juncoe fez uma flauta, juntando alguns pedaçosde caniço, de diferentes tamanhos. Ao to-car a flauta, Pã recorda-se de sua grandepaixão.Assim a ninfa Syrinx virou a flauta de Pã.

A flauta de Pã

Syrinx, a flauta de Pã, éum instrumento musical consti-tuído por um conjunto de tubosfechados numa extremidade, escalonadosem tamanho, ligados uns aos outros, emfeixe ou lado a lado. A flauta não tem bocalou boquilha, sendo soprada com o lábiotangenciando as extremidades abertas dostubos. Os sons são gerados pela vibraçãodo ar na aresta da abertura dos tubos ecada um produz uma nota musical, geral-mente numa escala pentatônica.

FísicaEm física, a flauta de Pã é denominada“tubo sonoro fechado”, podendo calcu-lar-se o comprimento acústico do tubo,para cada nota musical, pela fórmula L(ƒ)=v[t]/4 ƒ onde a velocidade do som v[t] é

função da temperatura.O som é um fenômeno físico onde ocorre vibração periódica longitudinal de partículasem um meio. É definido por três parâmetros:

1) Período (duração) – tempo de vai e vemem segundos (seg) ou milissegundos(mseg);

2) Frequência (Hz)– número de vezes (ci-clos por segundo) que o fenômeno serepete por unidade de tempo;

3) Amplitude ou intensidade (dB) – valorda pressão (volume), dada pela duraçãoda energia da onda.

MúsicaClaude Debussy compôs um solo para flauta a que deu o nome de Syrinx. Escrita em1913, esta música, inspirada no amor de Pã pela ninfa, é indispensável no repertório dequalquer flautista. Um dia, talvez faça parte do repertório de algum pássaro.Instrumentos de soproQuando classificados pelo meio produtor de som, os instrumentos de sopro podem ser:

1) De embocadura – o som é produzido pela vibração dos lábios do executor quecontrolam a pressão do sopro (berran-tes de tropeiros, trombones, trompas ea famosa vuvuzela africana da Copa de2010);

2) De palhetas – o som é produzido porvibração de palhetas dentro da cavida-de, provocada pela passagem do ar (cla-rinetas, saxofones e assemelhados, in-clusive gaitas e instrumentos de folecomo acordeom, bandoneom e órgãos);

3) De arestas – o som é produzido pela vi-bração do ar na aresta de tubos, furosou lâminas (todas as flautas).

Embocadura ideal (FARKAS, 1962, P.14)

frequência baixa = som grave

frequência alta = som agudo

Ornitologia

A siringe

Atribuiu-se ao órgão vocal das aves onome de siringe (syrinx em grego), em alu-são à metamorfose da ninfa Syrinx que re-sultou na flauta de Pã.A siringe está localizada no saco aéreointerclavicular, na junção dos brônquioscom a traqueia.Existem diferenças anatômicas da siringe

nas espécies de aves, desde as mais pri-mitivas como as galliniformes e anseri-formes cujas membranas timpaniformestêm pouca mobilidade e grande rigidezmuscular até as mais evoluídas capazesde produzir variados cantos. Outras aves,não possuem siringe, sendo incapazes decantar, embora emitam gritos ensurdece-dores. Outras são mudas, como o urubuque apenas bufa. Estas se comunicam deoutras formas, seja estalando o bico ouchocalhando as penas.Nas aves primitivas a siringe é um tubosimples revestido por uma membrana pe-riférica, contendo um saco aéreo. Nas decanto mais elaborado sua estrutura é maiscomplexa, sendo constituída de pares si-métricos de membranas timpaniformes ex-ternas e internas e musculatura correspon-dente formando os lábios da cavidade si-ríngea.A maior diversidade de aves com órgãovocal superdesenvolvido é da ordem pas-seriformes, subordem oscinos. Neste gru-po estão os fringilídeos, destacando-se ocanário (serinus canarius). Estes pássa-ros têm os elementos da siringe em dobro,ou seja, um conjunto de membranas tim-paniformes e sua musculatura para cadatubo bronquial, com controle independen-te, podendo produzir sons superpostos,denominados duos ou variações conjun-tas.A siringe funciona como uma válvula quecontrola a passagem do ar, cujas membra-nas (lábios) vibram com a pressão do ar,

produzindo sons diferentes pela ressonân-cia no tubo acústico que é a traqueia, emfunção de seu comprimento e dos parâme-tros anteriormente definidos.

Possui um par de lábios em cada lado(LL=lábio lateral e LM=lábio médio) , queabrem e fecham controlando a passagemdo ar correspondente a cada um dos brôn-quios, coordenando a respiração com aemissão dos sons. Para produzir notas di-ferentes, regulam a pressão do ar compri-mindo os lábios — processo análogo àprodução de notas musicais nos lábios dosmúsicos tocadores de instrumentos desopro de embocadura.

Controle bilateral da siringeDurante a respiração normal, tanto na ins-piração quanto na expiração, os lábios dasiringe permanecem na posição de repou-so, deixando livre a passagem do ar.Quando o pássaro está cantando, os lábi-os controlam as demandas vocais e respi-ratórias do seguinte modo:

1) Na inspiração, os lábios abrem a pas-sagem de ar, facilitando a rápida repo-sição do ar exalado na vocalização;

AR

2) Na expiração, os lábios da direita / es-querda, se comprimem, fechando apassagem do ar, opondo resistência àpressão expiratória subsiringea quetende a abrir os lábios.O equilíbrio entre essas forças (Prin-cípio de Bernoulli) mantém os lábiosna posição fonatória para que estesvibrem com a passagem do ar.

Registros eletromiográficos durante o can-to demonstraram que os músculos sirín-geos dorsais e traqueobronquiais desem-penham papel importante no fechamentodos lábios enquanto que os músculos si-ríngeos ventrais são responsáveis basi-camente pelo controle da frequência fun-damental da oscilação dos lábios (Goller eSuthers – 1999).Cada ave usa um modelo motor diferentede vocalização, algumas agrupam as síla-bas, produzindo o som em uma única expi-ração por um dos lados da siringe e umassobio pelo outro lado da siringe, comose fosse som estereofônico, em dois ca-nais independentes. Outras podem alter-nar o controle e produzir os sons em sepa-rado ou simultaneamente, como acompa-

nhamento musical harmônico ou disso-nante. Só não conseguem o efeito estere-ofônico porque a caixa acústica é uma só.A maioria dos pássaros faz essa troca delado com tamanha precisão que é impos-sível perceber.Goller e Larsen realizaram observaçõesendoscópicas do movimento dos lábios,durante vocalizações induzidas por esti-mulação cerebral em pássaros anestesia-dos e vocalizações espontâneas em pás-saros não anestesiados. Utilizaram um an-gioscópio para filmar e sensores óticos devibração e microtermístores em cada umdos brônquios primários para medir a ca-dência do fluxo de ar e ao mesmo tempo apressão da traqueia e da siringe, inclusivegravando os sons produzidos.Estas pesquisas além de comprovar queos lábios médios (LM) e os lábios laterais(LL) da siringe se movem, fechando a pas-sagem do ar dos brônquios, deixando umaestreita abertura que vibra, produzindosom e que as membranas timpaniformesmédias (MTM) não interferem na geraçãodos sons, revelaram, dentre outras surpre-endentes descobertas, que o cardeal daVirginia (cardinalis cardinalis) usa o ladoesquerdo da siringe para gerar frequênci-as abaixo de 3,5KHz e o lado direito paraas frequências mais altas. Já os canáriosda raça Malinois produzem os sons usan-do predominantemente (90%) o lado es-querdo, enquanto que o genuíno Timbra-do Espanhol, canto descontinuo (4 síla-bas por segundo) tipo silvestre, utilizaambos os lados da siringe, produzindosons de amplitude variável e frequênciaacima de 7KHz, diferente do Malinois quedesenvolve seu canto (22 sílabas por se-gundo) com sons de grande amplitude efrequência fundamentalmente abaixo de4KHz. Durante o canto, a respiração entreas sílabas nos Malinois se processa pelolado direito e nos Timbrados por ambosos lados da siringe.O Harzer usa ambos os lados da siringe,produzindo ondas de baixa frequência ede grande amplitude, originando um can-to de tom baixo.

ConclusãoEm contrate com o modelo clássico de pro-dução do som na siringe dos pássaroscanoros, onde as membranas timpanifor-mes médias eram consideradas os elemen-tos principais, esta pesquisa de Goller eLarsen comprovou que as referidas mem-branas não interferem na produção dossons. Inclusive, as MTM foram incapaci-tadas cirurgicamente e os sons continua-

ram a ser produzidos pelos lábios que,controlando a passagem do ar, desempe-nham o papel principal na geração dossons.Esta evidência, do som ser gerado por ummecanismo de vibração e não simplesmen-te pela vibração do ar numa aresta, eliminaa idéia da siringe funcionar como uma flau-ta.Assim de flauta a siringe só tem o nome epoderia ser enquadrada na classificaçãode instrumentos de sopro de embocadura.Então, melhor seria dizer que a siringe é acorneta das aves.Além do mais, a configuração vocal ob-servada pode ser semelhante a dos huma-nos, sugerindo que a geração do som tam-bém pode ser similar, apesar das diferen-ças significativas na anatomia do órgãofonador dos pássaros e dos humanos.

Referências:Goller F. e Larsen O.N. – 1997 – A new

mechanism of sound generationin songbirds – www.pnas.org/cgi/reprintframed/94/26/14787

Marker P. e Slabbekoorn H. – 2004 – Natu-re Music – The science of bird-songs – Elsevier Academic Press.

Slater P.J.B. e Catchpole C.– 2008 – Bird-song – Cambridge UniversityPress.

Smith T. – 2003 – Feathering collision inbeating reed simulation – 146thASA Meeting, Austin, TX.

Suthers R.A. – 2004 – Vocal mechanismsin birds and bats – Anais da Aca-demia Brasileira de Ciência vol.76nº2.

Suthers R.A. – 2006 – Producing songs –The vocal apparatus – SuthersLaboratory (devoted to the stu-dy of neural and physiologicalbases of acoustic behavior) –www.indiana.edu/-songbird

Tela “Pan & Syrinx” - cortesia dewww.peterpaulrubens.org

O funcionamento da siringe pode ser visto nos vídeos deste Site ou em www.indiana.edu/-songbird