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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
A formação dos formadores: um encontro com as práticas
discursivas de sujeitos tutores e professores
Adriana Barbosa Soares
Rio de Janeiro
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
A formação dos formadores: um encontro com as práticas
discursivas de sujeitos tutores e professores
Adriana Barbosa Soares
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Currículo e
Linguagem
Orientador: Profª. Dr ª. Ludmila Thomé de Andrade
Rio de Janeiro
2012
Adriana Barbosa Soares
A formação dos formadores: um encontro com as práticas discursivas de sujeitos tutores
e professores
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Currículo e
Linguagem
Banca Examinadora
______________________________________________
Profª. Drª. Ludmila Thomé de Andrade – Orientadora
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________
Profª. Drª. Carmen Diolinda da Silva Sanches Sampaio
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
______________________________________________
Prof°. Drª. Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro.
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________
Prof°. Drª. Daniela de Oliveira Guimarães
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________
Prof°. Drª. Adrianne Ogêda Guedes
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(...) a leitura da palavra é sempre precedida da leitura de mundo. E aprender a ler, a
escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo (...)
Paulo Freire
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira...
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens...
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda...
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos...
Manoel de Barros
A todos os educadores que enchem as escolas com suas peraltagens, que em
diversos momentos carregam água na peneira.
Agradecimentos
À Professora Ludmila Thomé, minha orientadora, que me abriu as portas do campo da
linguagem, e que tem na interlocução uma ferramenta na sua arte de ensinar;
À Professora Ana Maria Monteiro, uma interlocutora que apresentou o campo da
formação de professores, os saberes docentes, nos convidando sempre a refletir sobre
nossas ações e fazeres;
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, pelo trabalho realizado, contribuindo com a minha formação como
pesquisadora do campo da Educação. Em especial à Professora Patrícia Corsino que me
iniciou nas leituras de Walter Benjamin;
Agradeço, também, à Solange e sua equipe, profissionais da Secretaria do PPGE/UFRJ,
pelo cuidado, atenção e acolhida, sempre prontos para contribuir;
Aos colegas do PPPGE, em especial aos companheiros do LEDUC, interlocutores
atentos e acolhedores;
À Mônica Pinheiro por seu incentivo, disponibilidade e generosidade no compartilhar
conhecimentos e experiências de forma única e singular;
Aos interlocutores que carregamos e nos constituem ao longo da vida, em especial
amigos e colegas da antiga Diretoria de Educação Fundamental da Secretaria Municipal
de Educação da Cidade do Rio de Janeiro, grupo que contribuiu com tantas
aprendizagens constituídas na interlocução com professores das diferentes áreas de
conhecimento. Um agradecimento especial a Ana Lúcia de Moraes Barros, Cláudia
Martins, Evanilda Negreiros e Maria de Fátima Barcellos, que muito me incentivaram
para a realização deste trabalho.
Um agradecimento fraterno e especial a minha grande amiga Ana Paula Taveira,
companheira de todas as horas, que me ensina todos os dias que é na interlocução que
nos constituímos;
A todos os professores e funcionários da Escola Municipal Dr. Álvaro Alberto que
contribuíram de forma altamente generosa para que eu pudesse me tornar uma
Orientadora Educacional, meus sinceros agradecimentos a cada um de vocês;
A minha companheira Rosângela que ao longo desses anos, na parceria, fazendo a arte
de elaborar as práticas da formação continuada de professores, embarca comigo em
“viagens” que nós não sabemos aonde vão chegar, mas com seus “saberes da
experiência” ao aportar, observa, pensa e age, na parceria, no compartilhar, buscando
mais um novo plano de viagem;
A minha amiga Hilda Peixoto que me apresenta que escola também se faz na arte de
fazer à mão;
As minhas mais novas companheiras de trabalho, jornada que estou a iniciar no Colégio
de Aplicação, que já de início demonstram que parcerias acontecem no ato das relações;
A minha mãe Edmé e meu pai Edinôr, incentivadores incansáveis, parceiros de todas as
horas, que me ensinaram que na vida há sempre a possibilidade de começar de novo;
Aos meus irmãos, Leonardo, Luciana, Monica e Ivana, amigos-irmãos incansáveis nos
incentivos e nas escutas;
Aos meus queridos amigos, incansáveis nos incentivos e acolhimentos;
A minha grande e bela família Soares, a origem de tudo;
A Marco Antonio, companheiro que me ensina a todo momento, pelo ato de conviver
que as nossas conquistas e construções acontecem com incentivo, parceria e amor. Você
é meu mar, meu amor, meu mar;
A todos os professores, com os quais trabalho e já trabalhei, agradeço os diálogos sobre
as “suas salas de aula”, um “fazer” que muitas vezes expõe e propõe tantos desafios;
A todos os formadores que contribuíram de forma contundente e marcante na minha
formação continuada como formadora de professores, em particular Regina Célia que
me apresentou e foi uma grande educadora em meu percurso como formadora.
RESUMO
SOARES, Adriana Barbosa. A formação dos formadores: um encontro com as
práticas discursivas de sujeitos tutores e professores. 172 p. Rio de Janeiro, 2012.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 2012
O objetivo desta dissertação consistiu em pesquisar o campo da formação continuada,
com foco nos sujeitos que ainda estão nos bastidores desse campo – formadores e
tutores-formadores. O campo de investigação foi o Programa Pró-Letramento de
Alfabetização e Linguagem, realizado com os municípios pertencentes ao Estado do Rio
de Janeiro. Organizado pelo Ministério da Educação, em parceria com as Universidades,
por meio da Rede Nacional de Formação de Professores, o programa cria espaços de
formação continuada para tutores-formadores e para professores dos anos iniciais do
ensino fundamental. A pesquisa se propôs a investigar, em um primeiro momento, o
planejamento da formação continuada de tutores-formadores, elaborado nas reuniões
dos formadores do LEDUC/FE/UFRJ. Em uma segunda instância, analisei os encontros
da formação continuada para tutores-formadores e ainda um terceiro espaço, a formação
continuada para professores dos anos iniciais, com foco no tutor-formador. Em cada
espaço constituído de formação continuada, o objetivo consistia em identificar as
possíveis interlocuções, constituídas a partir do planejamento dos formadores.
Compreendendo os caminhos que constituem a pesquisa qualitativa em educação, os
autores de referência dessa pesquisa foram Mikhail Bakhtin (1926, 1997, 2003) e
Walter Benjamin (1995), que se revelaram autores fundamentais na construção teórico-
metodológica de todo o trabalho. A estes, acresceu-se uma perspectiva discursiva da
linguagem, que propõe um olhar para o campo da formação de professores no que se
refere aos enunciados constituídos no ato da formação pelos discursos expressos por
formadores, tutores-formadores e professores. O encontro de indícios presentes nas
interlocuções, constituídas no ato da formação continuada, em um primeiro momento,
entre formador e tutores-formadores, e, em um segundo momento, entre tutor-formador
e professores do ensino fundamental, se realiza, indicando que há um caminho de
investigação sobre esses espaços. Os temas analisados, selecionados pelos formadores
de professores, apresentam sinalizações que contribuem na construção da posição dos
sujeitos integrantes desse espaço. Pistas indicaram que tais interlocuções anunciam um
campo de investigação sobre os saberes dos formadores e dos tutores-formadores e a
construção de um currículo para a formação desses profissionais.
Palavras- Chave: Formação Continuada de Professores Alfabetizadores. Formador de
Professor. Alfabetização. Letramento. Discursos.
ABSTRACT
SOARES, Adriana Barbosa. The training of trainers: an encounter with the
discursive practices of subject tutors and teachers. 172 p. Rio de Janeiro, 2012.
Dissertation (Master in Education)- Faculdade de Educação, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2012
The goal of this dissertation consisted in researching the field of continuing education,
with a focus on subjects that are still behind the scenes of this field -trainers and -tutor-
teachers. The field of research was the Pro-literacy of Literacy and Language,
performed with the municipalities belonging to the State of Rio de Janeiro. Organized
by the Ministry of Education, in partnership with universities, through the National
Network of Teacher Training, the program creates spaces of continuing training for
trainers and tutor-teachers of the first grades of elementary school. The research set out
to investigate, at first, the planning of continuing education of tutor-teachers, prepared
during the meetings of the teachers from LEDUC/FE/UFRJ. In a second instance, the
meetings for continued training for trainers and tutors were analyzed-yet a third space,
the continuing training for teachers from the first grades, with a focus on tutor-teachers.
In each space consisting of continuing training, the goal was to identify possible
interlocutions, constituted from the planning of the trainers. Understanding the paths
which constitute the qualitative research in education, the reference authors of this
research were Mikhail Bakhtin (1926, 1997, 2003) and Walter Benjamin (1995), who
proved to be fundamental authors in the theoretical-methodological construction of this
entire work. To these, a discursive perspective of language was added, which offers a
view into the field of teacher training in respect of statements made in the act of training
by the speeches expressed by trainers, tutor-teachers and teachers. The gathering of
evidence present in the interlocutions established at the continuing education act, at a
first moment, between trainer and tutors-trainers, and, at a second moment, between
tutor-teacher and elementary school teachers, is carried out, indicating that there is a
path of investigation into these spaces. The themes analyzed, selected by teacher-
trainers, are signs that contribute to the construction of the position of the subject
members of that space. Clues indicated that such interlocutions announce a field of
research on the knowledge of trainers and tutor-teachers and the construction of a
syllabus for the training of these professionals.
Keywords: Continuing Training of Literacy Teachers. Teacher trainer. Literacy.
Literacy Program. Discourse.
SUMÁRIO
1 PUXANDO OS FIOS NA CONSTRUÇÃO DO BORDADO: TECENDO O
OBJETO
12
1.1 Os caminhos da formação continuada de uma formadora: fios que se
tecem
13
1.1.1 As tramas tecidas nas experiências profissionais 15
1.1.2 Aproximações com o campo de pesquisa e o percurso na construção do
objeto
19
1.1.3 Contornos e desenhos do objeto da pesquisa 24
1.2 As nuances em torno dos processos de alfabetização: os tons dos
professores, as cores dos métodos e as possíveis laçadas dos formadores
26
1.2.1 A arte de exercitar um olhar exotópico sobre os processos 29
1.2.2 O fio do formador 36
1.2.3 Provisórios arremates... Fios soltos para novas tramas nos encontros da
formação continuada... Juntando os fios...
42
1.3 O programa do Pró-letramento: mais um fio na trama da formação
continuada de professores dos anos iniciais do ensino fundamental
44
1.3.1 Uma breve apresentação sobre a Rede de Formação e o Programa Pró-
Letramento
48
1.3.2 Compreendendo a estrutura do Programa do Pró-Letramento 51
1.3.3 O processo de formação continuada 54
1.4 O percurso da pesquisa 56
2 CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: TECENDO OS
BORDADOS E CRIANDO POSSÍVEIS LAÇADAS
58
2.1 Mikhail Bakhtin: encontrando com o fio da exotopia na interlocução com
sujeitos
59
2.2 Carlo Ginzburg: rastros e indícios de uma trama: os desafios do
paradigma indiciário
70
2.3 Walter Benjamin: alguns indícios nas narrativas das experiências dos
sujeitos
74
2.3.1 Algumas nuances benjaminianas – narrativas e experiências 77
2.3.2 Reminiscências sobre encontros de formação continuada 82
3 O CAMPO DA FORMAÇÃO CONTINUADA: AS DIFERENTES PARTES
DE UM BORDADO
89
3.1 Apresentando os contornos e desenhos do campo da pesquisa 90
3.2 A formadora Luiza 97
3.2.1 Quantos nomes recebe um tutor-formador? 104
3.2.2 Interlocuções sobre formação, formador, práticas 108
3.2.3 Memórias, cadernos, lembranças da escola, registros... reminiscências em
encontros de formação
113
3.2.4 Memórias da entrada na escola 119
3.2.5 A função do tutor-formador 122
3.3 A Tutora-Formadora 127
3.3.1 O primeiro encontro: apresentações, memórias, registros, cadernos 138
3.3.2 Papel da escola, função do professor, alfabetizar e letrar 142
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 150
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 156
ANEXO – Planejamento da Semana de Formação do Pró-Letramento 160
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 O mural de lembranças dos tutores-formadores............................................114
Figura 2 Os cadernos ornamentados.............................................................................115
Figura 3 O fazer à mão dos tutores-formadores...........................................................116
Figura 4 Os sentidos e singularidades de cada tutor-formador....................................117
Figura 5 O lugar da formação do Pró-Letramento em Queimados..............................131
Figura 6 O espaço interno – materiais para uso dos professores..................................132
Figura 7 O espaço para exposição de trabalhos dos professores..................................133
Figura 8 Produções dos professores na formação do Pró-Letramento.........................133
Figura 9 Grupo de professores assistindo a um vídeo na formação.............................132
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Calendário das reuniões.................................................................................93
Quadro 2 Planejamento da primeira semana.................................................................99
Quadro 3 Planejamento da segunda semana................................................................100
Quadro 4 Planejamento da terceira semana.................................................................101
Quadro 5 Nomeação atribuída ao tutor-formador........................................................107
Quadro 6 Planejamento da tutora-formadora...............................................................135
12
1 PUXANDO OS FIOS NA CONSTRUÇÃO DO BORDADO: TECENDO O
OBJETO
Linha clara, para começar o dia. Delicado do traço cor da luz, que ela ia
passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã
desenhava o horizonte. (COLASANTI, 2004).
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os
narradores (BENJAMIN, 1994:198). Ao narrá-las aqui, considero que essa narrativa
cria representações para além do conhecimento científico mensurável, apresenta
significados culturais, passados muitas vezes nas tradições construídas nos espaços de
formação. Sendo assim, apoiada em Benjamin (1994:198), considero que cada
profissional que construiu experiências em espaços de formação pode ser considerado
um viajante que tem muito a contar.
Para iniciar este trabalho, que está vinculado ao Laboratório de Estudos da
Linguagem, Leitura, Escrita e Educação – LEDUC –, que pertence ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, apresento como objetivo central investigar um tutor-formador do Programa
Pró-letramento1 em suas práticas discursivas, buscando indícios do campo do seu
letramento profissional constituídos por meio dos enunciados nos/pelos discursos a
partir das participações em espaços de formação continuada. Decido, então, em um
primeiro momento, compartilhar fragmentos de memórias sobre trabalho em espaços da
formação continuada para professores do ensino público, considerando que essa
1Programa Pró-Letramento é um programa do Ministério da Educação que consiste em organizar
formações continuadas para professores dos anos iniciais do ensino fundamental no que se refere ao
campo da leitura, escrita e matemática. Este acontece em parceria com universidades que integram a Rede
Nacional de Formação Continuada buscando a adesão de estados e municípios.
13
apresentação pode ser ponto de partida pertinente para desenhar a relevância do projeto
aqui apresentado.
1.1 Os caminhos da formação continuada de uma formadora: fios que se tecem
Constituí a minha formação inicial a partir destas escolhas: tornei-me professora
dos anos iniciais do ensino fundamental e graduei-me em Pedagogia, com especialidade
em orientação educacional. Optei, assim, por um dos grandes desafios que permeavam a
Educação em meados dos anos 80 e início dos anos 90: a importância de superar os
altos índices de repetência e a convocação para que nós, educadores, ensinássemos
todos a ler e a escrever – tema recorrente no cotidiano das salas de aula. Os ecos dessas
discussões reverberam desde então no compromisso com uma educação que ensine os
alunos a ler e a escrever.
Meu encontro profissional com a docência aconteceu de forma significativa na
entrada para a rede municipal do Rio de Janeiro. O trabalho com grupos ainda não
alfabetizados e rotulados pela escola como “alunos com problemas de aprendizagem” se
constituía em um princípio de organização das turmas. A entrada para o campo
profissional exigiu de mim não somente ter um compromisso com os processos
escolares dos alunos, como também marcar posições políticas sobre as expectativas de
aprendizagem dos alunos e ensiná-los a ler e a escrever o mundo, parafraseando Paulo
Freire (1996).
As experiências profissionais se ampliaram e, paralelamente, um novo lugar se
inaugurou, quando entrei para a rede municipal de Duque de Caxias, na função de
orientadora educacional. A necessidade e a urgência de considerar o diálogo com os
docentes para o desenvolvimento do trabalho da orientação educacional tornou-se algo
14
imprescindível. Em conversas, escutava suas impressões, angústias, conquistas,
dúvidas, enfim, discursos que constituíam o universo de um outro personagem que
compõe a cena da sala de aula: o professor.
O movimento de escuta me convocou a dialogar com os temas que
apresentavam. Questões em torno da importância de espaços para estudos e
planejamentos no cotidiano das escolas se faziam presentes de forma constante em seus
discursos. Há espaços para professores refletirem e dialogarem sobre suas práticas
escolares no cotidiano da escola? Como a escola trabalha com os desafios vividos pelos
professores no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem dos alunos? Quem
são os interlocutores dos professores no diálogo sobre os desafios vividos? Como
trabalhar com e sobre os discursos dos professores?
Essas questões são os desafios que me acompanham em minha trajetória
profissional, apontando não somente necessidades de respostas, mas também
provocações para novas perguntas e criando novos espaços de estudos, como o interesse
pelo campo da formação de professores.
Proponho, então, uma aproximação com a epígrafe de Colasanti (2004) ao
reconhecer o ato de tecer ao tear uma possível representação do ato de narrar memórias
da minha formação inicial e do começo da carreira profissional. A narrativa evoca um
mar de imagens, lembranças, memórias de um tempo vivido. Ao escrevê-las, acontece
como em um bordado: as linhas, fragmentos da memória, vão se tecendo; o texto vai se
formando.
A trama do bordado cria desenhos nos desafios no processo de alfabetização,
realça fios como os compromissos sociais no ato da docência, marca nuances ao
reconhecer a importância da alfabetização, recria novos contornos ao reconhecer os
15
discursos dos professores, deixa fios soltos ao considerar os desafios para a formação
dos docentes nos contextos escolares. O ato de tecer tramas ao tear se torna uma
imagem representativa do ato de narrar fragmentos de memórias sobre o percurso
profissional no campo da formação de professores. As narrativas de algumas
experiências, dentre tantas constituídas ao longo da carreira, são fundamentais ao
diálogo a que me proponho realizar entre tais narrativas e o objeto de investigação.
1.1.1 As tramas tecidas nas experiências profissionais
Trabalhei desde 1997 no departamento pedagógico, na Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro – SME/RJ. Paralelamente, desde 1995, trabalhava como
orientadora educacional da rede municipal de Duque de Caxias em escola de ensino
fundamental. Atualmente sou orientadora educacional do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ao escolher narrar alguns fragmentos de memórias nas ações de formação com
os docentes, aproximo-me das narrativas e as tomo como constituintes das minhas
experiências profissionais. Dentre elas, apresento as que se relacionam com o objeto de
pesquisa: o tutor-formador de professores.
Segundo Benjamin (1994), o ato de narrar fragmentos de memórias organiza e
inicia a formação de uma cadeia da tradição, cujos acontecimentos narrados serão
transmitidos de geração a geração, tecendo-se, então, uma rede de narrativas. Sendo
assim, as reminiscências que compartilharei nesta pesquisa comporão um dos tantos fios
que formam a cadeia de tradição das práticas na formação de professores.
Na SME/RJ, nos anos 2000, formou-se um grupo com os profissionais de
diferentes equipes do departamento pedagógico com o objetivo de realizar encontros
com os professores dos anos iniciais do ensino fundamental. A proposta para essa ação
16
consistia em discutir com os professores dos anos iniciais do ensino fundamental os
processos de alfabetização, leitura e escrita.
A convocação para tal ação provocou a necessidade de um deslocamento da
posição de professora, integrante de uma equipe, para o lugar de responsável por um
grupo de professores em formação. O cotidiano dos professores começava a se tornar
um desafio no que se refere a compreender e a investigar o universo das salas de aula a
partir de um lugar externo: a posição de formadora de professores.
No decorrer do trabalho de formação de professores, iam-se configurando
elementos que indicavam ações das formações. Dentre eles, a heterogeneidade dos
contextos escolares; as demandas que os professores apresentavam sobre o processo de
aprendizagem dos alunos e os questionamentos sobre os conhecimentos apresentados
nas pautas das formações.
O processo no trabalho da formação continuada consistia em três partes: em um
primeiro momento, encontros para planejar as formações dos professores; em um
segundo momento, a realização dos encontros; e, finalmente, o retorno para o grupo de
formadores da SME/RJ, apresentando cada um o processo de seu grupo de docentes.
Recordo-me do grupo pelo qual fui responsável. Expressava de forma constante
o não atendimento às suas expectativas nas atividades trabalhadas nos encontros.
Questionava os conhecimentos abordados e as relações destes com os processos de
aprendizagem dos alunos. A presença de falas sobre as questões das “dificuldades de
aprendizagem” dos alunos acontecia de forma recorrente.
Essas reflexões indicavam um descompasso entre as propostas elaboradas pela
equipe da SME/RJ e as necessidades e anseios dos docentes no que se refere ao
universo das salas de aula sobre os conhecimentos de alfabetização, leitura e escrita. Em
outras palavras, os conhecimentos julgados fundamentais pela SME/RJ na composição
17
dos encontros para os professores alfabetizadores encontravam-se em dissonância com
os que os docentes consideravam importantes para o desenvolvimento do trabalho com
os alunos no cotidiano escolar. Questionamentos me acompanham nesse percurso,
dentre eles: Como os professores trabalhavam com os conhecimentos científicos
apresentados nos espaços de formação de professores? Como os formadores de
professores trabalhavam com os saberes trazidos pelos docentes em seus planejamentos
para as ações de formação continuada?
Paralelamente, a atuação como orientadora educacional no cotidiano escolar se
caracterizava por uma proximidade com os professores, especialmente os que
trabalhavam com o processo inicial da alfabetização. Os interesses expressos por eles
ofereciam um terreno fértil para conversas sobre o cotidiano da sala de aula. Buscava
compreendê-los com uma escuta sensível sobre as atividades e dificuldades que
relatavam. Contudo, naquele momento, apesar da escuta atenta, ainda compreendia que,
para atender aos professores, seria necessário “ensinar” determinados conteúdos para
todos. Sendo assim, planejava encontros com eles com as informações, que, a meu ver,
“supostamente” desconheciam.
A participação dos docentes nos encontros para estudos no ambiente escolar se
transparecia em: silêncios, discordâncias, recusas, angústias, parciais aceitações. Tais
atitudes eram evidenciadas, muitas vezes, de forma hostil pelos responsáveis dos
encontros. O trabalho com esses professores se tornava um grande desafio para mim, a
orientadora educacional, convocando-me a encontrar caminhos de aproximação com
suas práticas e, de alguma forma, reconhecendo o tema da alfabetização como uma
possibilidade de interlocução.
Com esses desafios constituindo as minhas reflexões, inicio uma busca por um
curso de especialização com o objetivo de estudar o tema alfabetização. Encontro o
18
Curso de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica, focalizado sobre o
tema curricular da Alfabetização, Leitura e Escrita, oferecido a professores do ensino
básico das escolas públicas, na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro – LEDUC2 – CESPEB
3. Encontro, então, um espaço para refletir e discutir as
práticas sobre o ensino da leitura e da escrita com os docentes do ensino público.
No decorrer dos encontros, revelaram-se indagações sobre as diferentes posições
discursivas constituídas no espaço da sala de aula. Reflexões como: O que falam os
professores? Para quem falam? Em paralelo com reflexões sobre: O que propõem as
professoras/formadoras nas aulas? Como encaminham as propostas considerando os
professores sujeitos interlocutores daquele espaço? O que dizem a partir das falas dos
professores? Reflexões sobre esses sujeitos, seus discursos e posicionamentos na arena
da sala de aula foram revelando, pouco a pouco, meu lugar de formadora de professores.
Nesse espaço, encontro um grupo de professoras/pesquisadoras que reconhece
academicamente professores e formadores de professores como sujeitos fundamentais
na constituição dos espaços de formação continuada.
Ao participar dessa especialização, descubro um modo de formar professores
que me encanta. A busca por um diálogo com e para os docentes é um dos princípios
que organizam esse curso de especialização. O processo de formação continuada
considera a perspectiva discursiva como uma das suas âncoras. Assim, o foco de meus
estudos construídos ao longo dessa formação se desloca da posição de professora para o
lugar de formadora de professores. Encontro nos estudos acadêmicos o reconhecimento
sobre a posição de formador de professor, função que já realizava, contudo, sem a
validação da posição profissional deste sujeito.
2 O Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação – LEDUC - pertence à Faculdade
de Educação da UFRJ e está vinculado à Linha de Pesquisa Currículo e Linguagem, do Programa de Pós-
Graduação.
3 O curso de especialização para professores do ensino público – CESPEB - de Alfabetização, Leitura e
Escrita é realizado pela Faculdade de Educação da UFRJ.
19
1.1.2 Aproximações com o campo de pesquisa e o percurso na construção do objeto
Até aqui reconheço, nas minhas memórias e reflexões, reminiscências
(BENJAMIN, 1994) de um tempo histórico em que constituí meu percurso profissional.
Ao narrar minhas memórias profissionais, crio novos sentidos e significados sobre as
situações profissionais, ganhando, então, contornos e limites na construção do problema
de pesquisa sobre o tutor-formador.
Considero que se faz importante, em um primeiro momento, antes de refletir
sobre questões que circulam em torno de tal profissional, ainda que breve, apontar
questões em torno do campo da formação continuada dos professores. Kramer, sobre
esse tema, afirma que:
(...) diversos são os termos que circulam nas redes públicas ou privadas, nas
creches, pré-escolas e escolas: “formação permanente” (nome mais antigo),
“formação continuada” (consagrado pela lei), “formação em serviço”
(denominação que preferimos por sua clareza, por se referir à formação de profissionais que já trabalham), “capacitação” (que traz a ideia de dar algo
para aqueles que seriam incapazes) ou “reciclagem” (de todos, o pior, por
sugerir que os profissionais podem se descartar da história passada, da
experiência vivida e começar tudo de novo).(KRAMER, 2008:218).
Identificar nomeações que constituem o campo permite marcar algumas das
perspectivas e terminologias utilizadas na esfera da formação docente. Ainda que cada
uma se situe em um tempo e em um contexto histórico distinto, a permanência das
nomeações é recorrente nas diferentes redes públicas de ensino. A diversidade de
nomeações parece exigir a escolha por um dos termos, e, assim, escolho o termo
“formação continuada” por este estar mais fortemente presente na legislação (LDB
9394/96).
As minhas experiências profissionais apontam que o formador de professor é
uma função presente e atuante nos cotidianos das gestões públicas, embora sem um
20
lugar constituído de forma profissional. Esse profissional está nas instâncias da rede
pública de ensino, convidado e/ou convocado para realizar ações com os professores,
ainda que não exista um reconhecimento profissional e uma formação continuada que
contribuam para o desenvolvimento da função.
Na busca por compreender melhor as práticas dos profissionais que trabalham
com professores, Andrade (1997) nos provoca com o título de seu texto – Procura-se
um Formador – anunciando que, naquele período da década de 1990, já se fazia
necessário buscar tal profissional.
Nesse mesmo artigo, a autora aponta, ainda, que cabe aos formadores, aos
“professores inovadores”, que assumem trabalhos de formação continuada nas
secretarias de educação, a tarefa de se responsabilizar por mais esse espaço dentre tantas
ações que já realizam. Refere-se aos profissionais que trabalham nas secretarias de
educação, reconhecendo-os como responsáveis pela formação dos professores e indica
que o aprofundamento dos estudos se torna responsabilidade de cada um.
A escuta atenta sobre os discursos que docentes realizavam nos encontros de
formação continuada me instigou a identificar os temas recorrentes no campo da
formação. Colocava-me diversas questões sobre o campo, como: Quem são os
profissionais que trabalham nas formações continuadas dos professores? Quem são os
responsáveis pela formação desses formadores de professores? Há temas e/ou conceitos
que são específicos para uma formação de formadores de professores? Quais temas e
conceitos são fundamentais para esse processo?
A aproximação com o Programa Pró-Letramento, criado pelo Ministério da
Educação em parceria com as universidades públicas - que têm como objetivo
contribuir, nas instâncias municipais, para a melhoria da qualidade dos processos de
ensino e de aprendizagem -, surgiu ao identificar a previsão na estrutura e organização
21
do Programa a formação continuada para tutores. Esses profissionais têm a
responsabilidade de realizar a formação continuada para os professores dos anos iniciais
do ensino fundamental nas instâncias municipais.
O documento que estabelece os fundamentos teóricos atribuídos ao tutor, que
compõe o material do curso - intitulado Alfabetização e Linguagem. Formação de
Professores: Fundamentos para um Trabalho de Tutoria (Brasil, 2007) –, apresenta
como uma das atribuições para o profissional identificar o papel do orientador de
estudos como formador de professores e articulador do processo formativo. Para além
das terminologias criadas para nomear o profissional, o documento atribui ao tutor a
responsabilidade de realizar as ações de formação continuada para os professores dos
anos iniciais do ensino fundamental.
Um projeto de pesquisa exige contornos e limites. Dessa forma, então, situo-me
no campo da formação continuada dos professores dos anos inicias com a proposta de
investigar o processo de formação continuada realizado pelo Programa Pró-Letramento,
com o foco na formação continuada dos tutores.
Inicialmente, destaco que há uma preocupação em torno das nomeações que são
atribuídas a esse profissional. O documento que aborda os fundamentos para o trabalho
de tutoria apresenta diferentes terminologias para a função. Segundo Orofino (2010),
são estas: professor orientador, tutor, orientador de estudos, professor orientador,
formador, articulador, organizador e coordenador, educador e líder. A constatação
desse fato exige que neste trabalho se estabeleça a nomeação que será utilizada.
Coloco em cena mais uma vez o texto de Andrade (1997) - Procura-se um
Formador - por concordar com a sua hipótese de que os professores alçados a
formadores são os profissionais que realizam as ações de formação continuada para os
professores do ensino fundamental nas redes publicas de ensino. Constato que os tutores
22
do Programa Pró-Letramento são professores das redes públicas que são alçados a
formadores, ainda que não recebam essa titulação. Segundo Snoeckx (2003), não há
uma formação prévia para o desempenho da função. Constroem-se as práticas de
formador simultaneamente às suas atividades relativas ao seu serviço e desempenha sua
função com o público adulto, os profissionais a serem formados. Porém, os conteúdos e
procedimentos de que se tratam nestas interações são destinados ao público infantil
(SNOECKX, 2003:31). Não se abordam modos de formação profissionais.
Identifico, então, que esse profissional, formador, tem aproximações com os
tutores que são matriculados no Programa Pró-Letramento. Decido designá-lo com o
título de tutor-formador. Diante de tantas ações para atender aos programas de
formação continuada dos governos, construo o objeto desta pesquisa, que designo como
o tutor-formador, e, assim, se instaura um sujeito de suma importância para os
processos de qualificação das práticas nos anos iniciais do ensino fundamental, que é
originalmente um professor.
Na elaboração dos espaços de formação continuada, professores e tutores-
formadores ocupam funções diferenciadas, mas de igual importância. Em virtude disso,
a pertinência desta pesquisa consiste em oferecer visibilidade a um profissional que
ainda está nos bastidores dos estudos acadêmicos, profissional de suma relevância para
as políticas públicas na formação continuada, ainda pouco analisado do ponto de vista
da pesquisa acadêmica.
Ao identificá-lo como sujeito de minha pesquisa, inserido em um Programa de
Formação para Professores dos anos iniciais do ensino fundamental – Pró-letramento –
faz-se necessário que se estabeleçam contornos e limites sobre o campo de investigação.
Instigada pelas experiências profissionais em torno dos conhecimentos
constituídos nos espaços de formação continuada entre professor e formador, as falas
23
que cada um expressa no decorrer dos encontros se constituem como um campo de
interesse. As questões propostas por Andrade em outro de seus textos representam
algumas das tantas indagações que atravessam minhas reflexões:
Perguntamo-nos sobre os necessários ajustes a serem efetuados na relação
entre formadores e formados. Quais serão os diálogos possíveis? As
preocupações de cada um são equivalentes quando se trata da língua? Quais
são as representações que cada um faz do outro, seu interlocutor? Que
caminhos há ainda a ser trilhados para a formação docente sobre o ensino da
língua? (ANDRADE, 2007:127).
Reconhecer as constituições dos encontros da formação continuada,
identificando um interlocutor materializado e constituidor de uma identidade – o tutor-
formador - aproxima as observações que já circulavam minhas práticas na formação,
como formadora de professores.
Buscava, com uma escuta atenta, ouvir as falas dos professores sobre os
cotidianos de suas salas de aula e dialogar com elas, no entanto tantas perguntas e
situações ficavam sem respostas. Será que poderia existir um acabamento para cada
encontro, em que cada docente se sentisse contemplado e respondido em seus anseios?
Andrade (2007) afirma que, ao assumir uma concepção bakhtiniana para a
formação de professores, surge a necessidade de uma análise sobre os interlocutores que
constituem o espaço enunciativo. Ocupam lugares sócio-históricos distintos e
estabelecem no espaço enunciativo trocas de saberes. Assim, ao se estabelecer um
espaço no qual a linguagem se constitui e é constituída pelos interlocutores por meio
dos saberes que cada um carrega, cria-se um espaço discursivo na formação continuada
dos professores.
Nessa perspectiva, em diálogo com as questões abordadas por Andrade (2007),
estabelecem-se, como problema de pesquisa a ser enfrentado, questões em torno das
interlocuções constituídas nos espaços de formação continuada, desvelando alguns
enunciados constituídos/estabelecidos por professores e formadores nos
espaços/encontros de formação continuada.
24
1.1.3 Contornos e desenhos do objeto da pesquisa
Para enfrentar tantas questões recorrentes nos encontros nas formações
continuadas, faz-se necessário indicar alguns contornos iniciais sobre o tema. As
dificuldades e entraves em torno da aprendizagem da leitura e da escrita apontadas por
Soares (2001) nos anos de 1980 anunciavam que as ideologias do dom, da deficiência
cultural e das diferenças culturais eram utilizadas para justificar o fracasso escolar.
Essas ideologias ainda deixam rastros em expressões como: incapacidade para
ajustar-se ao contexto escolar, a “pobreza cultural” criando desvantagens para os menos
favorecidos, o fracasso acontece pelas diferenças culturais entre os sujeitos, ou seja,
quem tem acesso aos bens culturais é beneficiado.
Mortatti (2010), em seus estudos, nos afirma que, desde o final do século XIX,
as ações coletivas voltadas para as garantias dos direitos sociais, políticas públicas eram
implementadas na busca de inserir os não alfabetizados na cultura escrita e também de
criar meios eficientes para implementar as ações de inclusão. A autora ainda continua e
nos apresenta que essas posições eram apresentadas como aspectos neutros e técnicos,
correspondendo à verdade científica e inquestionável.
As questões em torno das justificativas sobre a não aprendizagem da leitura e da
escrita, a luta pelos direitos de acesso e permanência na escola e a discussão sobre os
conhecimentos teóricos como recursos técnicos para a superação das dificuldades
encontradas nas escolas são temas recorrentes nos encontros de formação continuada
dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
Assim, busco identificar as interlocuções entre os sujeitos participantes do
espaço da formação continuada – professores e tutor-formador -, desenhando alguns
25
contornos possíveis sobre os temas mais recorrentes no espaço, com destaque para as
discussões sobre processo de aprendizagem da leitura e da escrita. (ANDRADE, 2010).
A proposta consiste em investigar o campo da formação continuada abordando
do ponto de vista do tutor-formador, profissional que tem sido convocado a ser um
interlocutor no processo de formação continuada. Soligo, Grandin, Alexandrino (2008)
o definem da seguinte forma:
Professor-formador é, em geral, recrutado entre os professores presentes nos
sistemas educativos e não recebeu; portanto, formação específica para a
tarefa. Esta circunstância torna relevante conhecer os percursos percorridos
pelo profissional em sua ação e os elementos que os constituem. (2008: 64)
A ausência de um reconhecimento por parte das redes públicas de ensino, apesar
das demandas constantes de um trabalho com a formação continuada, implica não
considerar o trabalho que é realizado por esses profissionais. Andrade também
contribui para a discussão no seguinte fragmento:
Mas deveríamos considerar a presença de um terceiro personagem da
formação, o formador, um interlocutor que age como uma espécie de
narrador-autor, que constrói os sentidos desta cena. Entretanto, sua posição não é frequentemente problematizada, e não falar de sua contribuição, da
especificidade de sua presença, é considerar a cena endogenamente, natural
ato de comunicação sobre a escola. (ANDRADE, 2009: 7).
A proposta de investigação desta pesquisa consiste em identificar a constituição
das interlocuções entre tutor-formador e os professores, buscando identificar alguns
indícios presentes nas diferentes instâncias dos espaços da formação continuada: as
reuniões para elaborar o planejamento da formação continuada para os tutores-
formadores, os encontros de formação continuada dos tutores-formadores e os encontros
de formação do tutor com os professores nos municípios.
Assim, esta pesquisa trata a investigação dos discursos constituídos pelo tutor-
formador no ato da sua formação continuada, identificando alguns possíveis indícios
26
constituídos em sua participação em espaços dessa formação, sobre conhecimentos do
campo do letramento e alfabetização.
O seu objetivo geral pode ser resumido por investigar um tutor-formador do
Programa Pró-Letramento em suas práticas discursivas, buscando indícios do campo do
letramento e alfabetização constituídos no/pelo discurso a partir das participações em
espaços de formação continuada. Já os objetivos específicos podem se expressar por:
1. Identificar possíveis indícios no discurso do tutor-formador sobre a sua
participação no espaço de formação continuada promovido pelo LEDUC;
2. Analisar os posicionamentos do tutor-formador a partir das interlocuções
constituídas com os professores no espaço da formação continuada;
3. Identificar os conteúdos sobre letramento e alfabetização abordados no
planejamento da formação continuada para tutores do programa Pró-Letramento
realizado pelo LEDUC.
1.2 As nuances em torno dos processos de alfabetização: os tons dos professores, as
cores dos métodos e as possíveis laçadas dos formadores
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na
laçadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo... Mas se durante
muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os
pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados para que o sol voltasse a acalmar a natureza. (COLASANTI, 2004).
A complexidade em torno do processo de alfabetização tem desafios em torno da
“não alfabetização” de crianças e jovens, angústias e dúvidas experimentadas pelos
docentes face à diversidade de situações presentes no universo social e cultural ao qual
os alunos pertencem. O professor, em seu cotidiano escolar, enfrenta dilemas e
situações complexas no que se refere ao processo de alfabetização desses sujeitos.
A passagem acima, retirada do conto da Moça Tecelã, remete a bordados,
emaranhados de fios, iniciados e inacabados, linhas ainda soltas, laçadas já feitas,
27
tramas que podem ser compreendidas por diferentes formas. Quais fios puxar quando
temos um campo de estudos e pesquisas sobre o tema?
A obrigatoriedade legal do acesso e permanência de crianças na escola,
marcando a responsabilidade do sistema público de ensino, tanto pela entrada como
também pela qualidade, na aprendizagem dos sujeitos que iniciam a escolarização, fatos
previstos pela legislação. Esse é um fio que se faz necessário e urgente a sua
discussão, apesar das recorrentes discussões no campo sobre o tema.
Dentre tantos fios e tramas, busco compreender alguns contornos do desenho
indicado por pontos e laçadas que compõem a aprendizagem e o ensino da leitura e da
escrita de crianças. Esta, por sua vez, também tem a sua complexidade, e também se faz
necessário uma definição mais próxima. Soares (2011) escreveu um texto intitulado As
muitas facetas da alfabetização em 1985, sobre os contornos do processo de
alfabetização, marcando, já naquele momento, a necessidade de se reconhecer o enfoque
sobre “mecânica” do ler, mas também a necessidade de se considerar as determinantes
sociais inerentes aos sujeitos, focos desse processo. Iniciava-se a discussão sobre o
conceito de letramento, apesar de ainda ter essa nomeação de alfabetização.
Naquele momento, o campo já anunciava situações referentes tanto ao ensino da
leitura e da escrita quanto em relação ao contexto em que o sujeito está inserido;
singularidades das formas de ensinar; as formas de o sujeito aprender e os
conhecimentos constituídos.
A ideia é de retomar o tema, não para simplesmente ratificar as marcas
anteriores, mas para recuperá-lo, buscando interfaces com o campo da formação, mais
especificamente da formação continuada dos professores dos anos iniciais do ensino
fundamental, responsáveis pelo início do processo de alfabetização. Esses profissionais
são, em alguns espaços, conhecidos como professores alfabetizadores.
28
Estudos e pesquisas apontam aspectos que atravessam os espaços da formação
continuada. Alguns desses atravessamentos são apresentados pelos docentes e
expressos por meio da emoção, lamentos, manifestações recorrentes nesses espaços.
Falas como: “os alunos chegam no 3º ano do ensino fundamental sem estar alfabetizado,
como trabalhar com eles?; “O que vou ensinar: os conteúdos ou a leitura e a escrita?”;
“Será que nesses encontros vou ter respostas para as minhas perguntas sobre o que fazer
com os alunos que não estão lendo e escrevendo?”; “Por que as crianças hoje não estão
se alfabetizando?”.
Algumas dessas questões são recorrentes, há um certo tempo, minhas
experiências profissionais no exercício da docência em turmas de alfabetização na rede
pública municipal do Rio de Janeiro e em trabalhos realizados na formação de
professores alfabetizadores, como formadora de professores.
Ao marcar a posição de professora e de formadora de professores, reconheço um
trançado construído por diferentes fios e tramas: experiências referentes ao ensino da
leitura e escrita criadas com nuances singulares sobre as relações constituídas nas salas
de aula entre alunos e professores; laçadas produzidas nas atividades criadas pelos
docentes e realizadas pelos alunos; texturas diversas nas interlocuções tecidas pelos
professores nos encontros de formação continuada sobre suas experiências; arremates,
ainda que provisórios, dos formadores de professores ao expressarem temas e marcarem
posições. Para desembaraçar essa trama puxo o fio do diálogo.
Bakhtin (1997:295) afirma que “é no diálogo real que a alternância dos sujeitos
falantes é observada de modo mais direto e evidente; os enunciados dos interlocutores
(parceiros do diálogo), a que chamamos de réplicas, alternam-se regularmente nele”.
Desse modo, os diálogos são, “por sua clareza e simplicidade, a forma clássica da
comunicação verbal”.
29
Considerar os diálogos construídos no campo de alfabetização, estabelecidos em
diferentes lugares e de diferentes posições, exige uma aproximação com os enunciados
que são emitidos pelos sujeitos constituidores desse campo, valorizando a “forma
clássica da comunicação verbal”. (BAKHTIN, 2003). Professores, pesquisadores e
formadores de professores têm tecido sobre o campo da alfabetização tramas com
enunciados e apontam que há uma insistente recorrência de alguns.
Bakhtin (1997:280) ainda nos assinala que “a língua efetua-se em forma de
enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou
doutra esfera da atividade humana”. Assim, os fios que compõem as tramas do processo
de aprender a ler e escrever são feitos de enunciados, tecidos nas salas de aula, em
encontros de formação continuada, nas pesquisas, e que, ao se entrelaçarem, formam
bordados constituidores do campo da alfabetização e do campo da formação de
professores.
A busca exige não somente nomeá-los e identificá-los, mas, sobretudo, encontrar
pontos de entrelaces entre os enunciados da pesquisa e o cotidiano escolar, fios soltos
no que se refere às escolhas possíveis sobre os caminhos e as perspectivas da
alfabetização, nuances ainda não percebidas ao considerar a voz do formador de
professores, arremates possíveis na busca por apontar questões que precisam ser
consideradas na aproximação com o campo da formação continuada, na posição de
formador de professores. Esses são desafios a que me proponho anunciar, como
pesquisadora, nesse texto.
1.2.1 A arte de exercitar um olhar exotópico sobre os processos
Recordar; relembrar; desafios; projetos; práticas, tanto na docência, como na
formação de professores: tudo me remete ao que Prado & Soligo (2007) apresentam
como a arte de pôr em movimento na seguinte passagem:
30
Recordar pode ser compreendido como vitalizar, oxigenar, reavivar as
memórias guardadas. É a “arte” de pôr em movimento as idéias, as
impressões e conhecimentos disponíveis. E esse movimento é o que torna
possível ao homem expor suas memórias, narrar suas histórias. (2007: 52).
Evocar nas minhas memórias de professora alfabetizadora e de formadora de
professores tem como intenção identificar experiências que me constituem como
profissional e simultaneamente criar um novo lugar, o de pesquisadora, que agora
ocupo, considerando as diferentes posições que compõem a minha trajetória
profissional.
Por essas lembranças em circulação nesse texto, estabelecem-se novos sentidos,
criam-se momentos singulares de escuta e, ao escrevê-las, se instaura a oportunidade de
anunciar alguns contornos possíveis constituídos nesse processo. “Os processos de
formação de professores se modelam na tensão entre as experiências na docência e os
percursos de formação” (SOUZA, 2007:1). Portanto o ato de narrar marca, ainda que
provisoriamente, novos sentidos sobre as experiências docentes.
Escolho narrar alguns fragmentos do meu memorial, e o movimento de
(re)encontrá-los apontará alguns contornos de meus “excedentes de visão” (BAKHTIN,
2003) sobre os lugares de professora das séries iniciais e de formadora de professores.
Tenho como proposta identificar alguns indícios (GINZBURG, 1989) sobre o ensino e a
aprendizagem da leitura e da escrita constituídos nesses espaços. Situar-me nessas
posições, ver o mundo com as diretrizes axiológicas desses lugares e voltar à posição de
pesquisadora, criando narrativas com uma provisoriedade concludente dos horizontes
que se descortinam a partir desse movimento consiste o exercício da exotopia
bakhtiniana a que me proponho fazer nesse texto (BAKHTIN, 2003).
Ir até essas lembranças, identificar-me com elas, entendê-las, traduzi-las e
transmiti-las, apontando algumas das tantas alteridades possíveis incide em um
movimento denso e singular (AMORIM, 2004: 26). Sendo assim, me coloco diante
31
desse desafio considerando a possibilidade de apresentar alguns indícios constituídos
dentro da infinidade de excedentes de visão possíveis de serem identificados a partir da
releitura dos fragmentos.
Considero que esse movimento provoca tanto a possibilidade de marcar alguns
indícios (GINZBURG, 1989) que me constituem no que se refere ao campo da
alfabetização, como também marcar as interfaces dessas experiências com os estudos e
pesquisas na área.
O fragmento a seguir se refere ao início da docência, ao chegar à rede pública
municipal do Rio de Janeiro:
Na chegada à escola municipal do município do Rio de Janeiro temas como
os entraves no contexto escolar, a burocracia do sistema público de ensino, as
dificuldades de ensinar os alunos a ler e escrever se apresentaram com cores
e formas. Ao conhecer os alunos da turma 101 da 1ª série (ano de 1994), as
dimensões dos temas recorrentes em minha formação inicial como fracasso
escolar, responsabilidade social, contexto cultural e social dos alunos
ganharam nome e sobrenome.
A importância de contextualizar o trabalho pedagógico que realizava com e para aquelas crianças se tornou um desafio. Nesse momento sou tomada por
um turbilhão de questões: Quem são eles? O que sabem? De onde vem? O
que esperam daquele ano letivo? Que histórias contam sobre seu cotidiano?
Em paralelo, angústias se tornavam duvidas palpáveis em meus pensamentos:
O que vou ensinar? Como vou ensinar? Que método utilizar? Como
organizar um trabalho de alfabetização com e para aqueles alunos?
(SOARES, 2008)
O fragmento apresenta o lugar de professora de uma rede pública municipal. Os
questionamentos rememoram as angústias experimentadas sobre as decisões na escolha
das formas de trabalhar com os alunos. Os questionamentos foram propulsores de uma
busca por estudos e leituras sobre um cotidiano complexo e diverso em um sistema
público de ensino. Ainda que não soubesse da importância do ato, reconhecia a
importância de fazer perguntas sobre o contexto no qual estava inserida.
Outro ponto a destacar dessa passagem consiste na própria ação de narrar. Souza
nos provoca com a seguinte afirmativa:
32
A narrativa torna possível desvendar modelos e princípios que estruturam
discursos pedagógicos que compõem o agir e o pensar docente e
cristalizações da e sobre a prática. Isto porque o ato de lembrar e narrar
possibilita ao ator reconstruir experiências, refletir sobre dispositivos
formativos e criar espaço para uma compreensão da sua própria prática.
(2007:3).
O ato de narrar realça a importância de refletir sobre as experiências Dessa
posição, não somente reconheço como também compreendo e marco indícios
(GINZBURG, 1989) que são constituídos nas minhas práticas. Esse espaço possibilita a
compreensão de novos sentidos e significados, reconhecendo-os como dispositivos
formativos.
Um tema recorrente presente no fragmento acima consiste na discussão sobre os
métodos de alfabetização. Mortatti (2010) e Soares (2007) apresentam a discussão e a
nomeiam como a “querela dos métodos”. Reconhecem em seus estudos que havia um
movimento de marcar o “moderno” e desqualificar o dito “tradicional”, ou melhor, o já
instituído. Mortatti nos apresenta essa discussão no seguinte trecho:
A face mais visível dessas discussões se foi configurando na questão dos métodos de alfabetização4 ou “querela dos métodos”, como passou a ser
denominada. Em diferentes momentos históricos, diferentes sujeitos movidos
por diferentes urgências sociais e políticas, sempre alegando se basear nas
mais “modernas verdades científicas”, passaram a apresentar versões de seu
presente e de seu passado (recente), acusando de “antigos” e “tradicionais” os
métodos então utilizados e propondo em sua substituição “novos” e
“revolucionários” métodos (de alfabetização). (MORTATTI, 2010:94).
Essa discussão anuncia tensões na disputa entre conhecimentos nomeados como
“tradicionais” e “novos”. A intenção de desqualificar conhecimentos ditos “antigos”
para que prevalecesse os conhecimentos “mais recentes” se instalava como um
movimento presente no campo. A perspectiva histórica da alfabetização no Brasil
4 Os métodos de alfabetização, como se sabe, podem ser classificados em dois tipos básicos: sintético (da
“parte” para o “todo”) e analítico (do “todo” para a “parte”). Dependendo do que foi considerada a
unidade lingüística a partir da qual se devia iniciar o ensino da leitura e escrita e do que se considerou
“todo” ou “parte", ao longo da história da alfabetização no Brasil, foi-se sedimentando a seguinte
subdivisão classificatória desses métodos: métodos sintéticos (de marcha sintética): alfabético, fônico,
silábico; e métodos analíticos (de marcha analítica): palavração, sentenciação, historieta, conto.
(MORTATTI, 2010: 330).
33
caracteriza-se, portanto, como um movimento complexo, marcado pela recorrência
discursiva da mudança, indicativa da tensão constante entre permanência e rupturas
(MORTATTI, 2010:330). Quem são os interlocutores que marcam esses enunciados?
Diferentes profissionais em diferentes posições participam dessa discussão. Há
pesquisadores que demarcaram seus lugares e consequentemente suas escolhas teóricas;
formadores de professores, tanto nas universidades como nas instâncias dos sistemas
públicos de ensino, que leram as pesquisas e expressaram em seus encontros de
formação com professores suas compreensões e posições. Docentes que, de alguma
forma, buscaram estudos e se deparam com essas discussões e também realizaram suas
escolhas, tanto em leituras como nos encontros de formação.
Cada sujeito, representante desses diferentes lugares, é reconhecido como
interlocutor desse processo. Sendo assim, cada um revela em seus enunciados
(BAKHTIN, 2003) suas opções, marcando a presença da diversidade e das
similaridades. Vale destacar que não há discursos homogêneos e consensuais no campo.
Existem opções teóricas, linhas de pesquisa, enfim, campos de estudos que se
aproximam e outros mais afastados. Apesar de os sistemas públicos, na figura de seus
gestores, apontarem e escolherem uma opção teórica como “verdade única”, o campo da
alfabetização expressa em suas produções científicas as disputas e tensões sobre os
diferentes modos de compreensão e elaboração no que se refere aos processos de ler e
escrever.
Em consequência da dicotomia entre o “novo” e o “antigo”, cada perspectiva
teórica que se instala tem a necessidade de se constituir negando e desqualificando a
anterior e/ou a vigente. A escolha de determinada perspectiva instaura a necessidade de
se recusar o arcabouço teórico construído até então. Esse é um movimento que está
presente no campo da alfabetização. Reconhecê-lo implica identificá-lo como um
34
movimento constituidor do campo, mas também apontar que dúvidas e questionamentos
sobre que escolhas metodológicas realizar tornaram-se constantes e corriqueiras entre
professores.
Essa ação se torna mais incisiva quando as escolhas teórico-metodológicas que
gestores públicos realizam, de algum modo, se vinculam a uma linha de estudos e
pesquisas. A gestão estabelece para aquele sistema público de ensino uma “verdade
única”, instituindo uma relação entre a opção política vigente daquele governo a
determinada linha teórica. (MORTATTI, 2010).
Esse movimento de ruptura com que é “antigo”, em prol de um “novo”, foi
provocando, nos cotidianos das escolas, de algum modo, uma insegurança nos
professores sobre os conceitos e experiências apreendidos até ali. Atravessam os
cotidianos escolares temas que são marcados pela dicotomia entre o “tradicional” e o
“moderno” e se atrela à dualidade do “certo” e do “errado”. Para além de generalizar a
questão, faz-se urgente reconhecer os impactos dessas disputas nos planejamentos dos
professores e nos encontros de formação continuada de professores.
Trabalhar com a dualidade de “tradicional” e “moderno” a princípio reduz as
práticas em alfabetização, e Mortatti nos afirma que há diversos modelos teóricos que
explicam os processos de alfabetização e nos apresenta os que elencou como principais:
(...) a história da alfabetização no Brasil se caracteriza (...) pela recorrência
discursiva da mudança, indicativa da tensão constante entre permanências e
rupturas, diretamente relacionadas a disputas da hegemonia de projetos
políticos e educacionais e de um sentido moderno para alfabetização (...) a
luta pela democratização da educação centrou-se na defesa do direito à
escolarização para todos, da universalização do ensino e da maior
participação da comunidade na gestão da escola (...) no inicio da década de 1980 (...) passou-se a questionar o ensino e a aprendizagem iniciais da leitura
e escrita, já que nessa etapa e de escolarização se concentra(va) a maioria da
população brasileira pobre que fracassa(va) na escola pública e em relação à
qual se deveriam focalizar ações públicas (...) a partir de então foram
engendrados e/ou adotados por pesquisadores brasileiros pelo menos três
modelos teóricos principais de explicação para os problemas da alfabetização
no Brasil, os quais podem ser denominados, sinteticamente, construtivismo,
interacionismo lingüístico e letramento. (MORTATTI, 2010: 332).
35
O foco em estudos e pesquisas sobre o fracasso na alfabetização nas redes
públicas de ensino no início da década de 1980 já anunciava o foco sobre o ensino e a
aprendizagem de crianças na fase inicial da leitura e da escrita. A busca por mapear
esses modelos e apresentá-los propicia encontrar indícios (GINZBURG, 1989) no que
se refere às práticas em alfabetização, na busca de compreender com que enunciados
(BAKHTIN, 2003) docentes dialogam, tanto no que se refere aos que estão
experimentando em suas salas de aula, como também sobre saberes que construíram
sobre o tema nos encontros da formação continuada de professores.
Faz-se necessário observar que não há um modelo puro de ensino, há nuances,
aproximações, que de alguma forma estão presentes nas atividades realizadas nas salas
de aula. Esses modelos teóricos convivem simultaneamente e estão presentes
atualmente nas práticas das salas de aula. Trazê-los para esse texto se faz importante e
necessário para que possamos entender com que modelos dialogam os professores. Há
referenciais teóricos que subsidiam suas práticas, apesar de estes não reconhecerem suas
nomeações e constituições.
Eu gostaria ainda de analisar que as apropriações desses modelos foram
diferentes entre si; sendo assim, podemos ponderar sobre as singularidades dessas
apropriações e marcar esses modelos no plural, ou seja, construtivismos,
interacionismos linguísticos e letramentos (MORTATTI, 2010).
Encontrar os estudos sobre o campo no que se refere aos modelos teóricos que
podem estar presentes nas práticas de professores alfabetizadores cria a possibilidade de
compreender os enunciados que esses constituem nos encontros de formação
continuada.
36
1.2.2 O fio do formador
Puxo mais um dos fios de lembranças como formadora de professores
alfabetizadores, e (re)encontro, então, mais um fragmento:
Recordo-me dos diálogos com os professores as falas sobre os conteúdos dos
planejamentos das atividades para os alunos. Esses verbalizavam suas
propostas da seguinte forma: “quando o aluno não sabe, volto tudo, começo do início, vogais, junções e depois fonemas simples”; “Tenho atividades para
quem está no inicio, com as vogais, no meio com os fonemas simples e para
quem já está nas dificuldades”; “Trabalho com fonemas simples e depois as
dificuldades”; “Na sala de aula sou eu quem decide, sou tradicional, lá eu
faço o que acho certo para meus alunos aprenderem a ler e escrever”. Essas
são algumas das tantas falas que faziam parte dos encontros de formação
continuada. Essas se tornaram referências para que eu pudesse organizar os
encontros, problematizando a relação entre esses saberes e os conhecimentos
científicos construídos pelo campo. Considerava ser esse um desafio para o
trabalho na formação, pois precisava considerar os saberes daqueles
docentes, suas experiências e também apontar os estudos que estavam
acontecendo no campo. Contudo, ainda naquele momento, como formadora, acreditava que havia necessidade de que os professores “acreditassem” na
opção teórico-metodológica com a qual estava trabalhando, pois seria o
melhor caminho a ser seguido, ou seja, buscava indicar e marcar a minha
opção teórica como “única verdade possível”. (SOARES, 2008).
O trecho acima apresenta enunciados (BAKHTIN, 2003) que professores
expressaram em encontros de formação e ressalta as provocações que esses
desencadearam nas minhas ações enquanto formadora. Bakhtin (1997: 291) nos escreve
que “a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de
uma atitude responsiva ativa e toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma
ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor”.
No texto, os diálogos realizados entre mim e os professores criou um espaço em
que enunciados são expressos, considerando a alternância de posições, em alguns
momentos ouvinte, em outros, locutora. Compreensões foram feitas e respostas
elaboradas. Considero que somente agora, desse lugar, posso compreender que essas
falas vivas iniciaram a busca por compreender os enunciados que são ditos pelos
professores nos espaços de formação continuada, principalmente o teor que os constitui.
Bakhtin ainda continua, afirmando que:
37
a compreensão responsiva ativa do que foi ouvido pode realizar-se
diretamente como um ato, pode permanecer, por certo lapso de tempo,
compreensão responsiva muda, de uma compreensão responsiva de ação
retardada: cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo
encontrará um eco no discurso ou no comportamento subseqüente do ouvinte.
(1997: 291).
O ato responsivo apontado pelo autor se distingue tanto pelas diferentes
possibilidades de compreender responsivamente o outro quanto considerar os ecos
dessas respostas, tanto para o locutor como para o ouvinte. Manifesta-se, então, uma
relação de reciprocidade entre os participantes do diálogo.
Nesse ato cria-se um espaço de constituição de saberes que se realiza a partir da
emissão dos enunciados dos sujeitos, pois a compreensão responsiva ativa provoca em
cada sujeito a elaboração de uma resposta, independentemente da sua forma e seu teor.
Esses enunciados tornam-se, então, constituidores dos saberes que cada
participante do diálogo está apresentando a cada enunciado emitido, não podendo mais
se distinguir o que seria de cada um. Cabe ainda revelar que a cada novo encontro com
esses enunciados se criarão novos sentidos e consequentemente outros significados.
Faz-se pertinente observar que os enunciados elaborados para e nos encontros de
formação continuada são constituidores da minha prática enquanto formadora. Sendo
assim, minha formação, nessa posição, acontecia no ato de ser formadora.
O fragmento ainda nos provoca apresentando indícios (GINZBURG, 1989) de
modelos teóricos enunciados pelos docentes. Aborda a questão do “professor
tradicional” como um profissional preocupado com os conteúdos e as formas de ensinar.
Implicado nesse discurso revela-se a importância que professores apontam em construir
planejamentos considerando um caminho definido. Por que alguns docentes insistem em
marcar em seus enunciados as “formas de fazer” com os alunos?
Para dialogar, coloco no foco a perspectiva histórica da alfabetização, em
especial o período que foi abordado por Mortatti (2010) como revolução conceitual.
38
Houve um deslocamento da discussão sobre o processo de alfabetização, que até então
se ancorava sobre o ensino, mais especificamente sobre os métodos de alfabetização,
para as questões que envolviam as formas de aprendizagem e as compreensões que as
crianças realizam sobre a língua, no que se refere à aprendizagem da leitura e da escrita.
A procura por responder a questão sobre como as crianças aprendem a ler e
escrever, apresentada pela pesquisadora Emília Ferreiro5 marca indelevelmente as
pesquisas e estudos do campo sobre o tema. Os resultados questionavam as concepções
de alfabetização centradas no ensino e na utilização de métodos e cartilhas como
recurso principal e central do processo de aprender a ler e escrever (MORTATTI,
2010). Apontavam os limites epistemológicos dos métodos de alfabetização que até
então eram utilizados nos processos de ensino da leitura e da escrita
A chegada do construtivismo no Brasil aconteceu de forma concomitante com as
novas urgências políticas e sociais que propunham mudanças na educação a fim de
enfrentar a questão do fracasso escolar na alfabetização instalado em nossas escolas há
algumas décadas.
A chegada de avaliações externas nacionais, como SAEB6, e internacionais
(PISA)7, apontando e denunciando alunos que não foram alfabetizados depois de um
tempo de escolarização (4, 6 e 8 anos de escolaridade) e os altos índices de evasão e
repetências foram divulgados para a sociedade (SOARES, 2004).
5Emilia Ferreiro se tornou umas das referências no campo da alfabetização no que se refere à investigação dos processos de aquisição e elaboração de conhecimento pela criança. As pesquisas concentram o foco
nos mecanismos cognitivos relacionados à leitura e à escrita. 6 SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica; PISA – Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes. 7O PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) é um projeto comparativo de
avaliação, desenvolvido pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico),
destinado à avaliação de estudantes de 15 (quinze) anos de idade. As avaliações abrangem os
domínios de Leitura, Matemática e Ciências, numa apreciação ampla dos conhecimentos, habilidades
e competências inseridos em diversos contextos sociais, sendo aplicadas a cada três anos.
39
Dentro do campo, as disputas entre as diferentes correntes existiam. No entanto,
a opção teórico-metodológica pela perspectiva construtivista e o anúncio como uma
“verdade única” para o ensino da leitura e da escrita marcaram o domínio dessa
perspectiva para alguns gestores do sistema público de ensino. Soares escreve que,
como ocorreu nos Estados Unidos, também no Brasil, nas décadas de 1980 e 1990 o
domínio hegemônico, na área da alfabetização, do paradigma cognitivista se difundiu
sob a discutível denominação de construtivismo (posteriormente, socioconstrutivismo)
(2004:10).
A hegemonia construtivista se constituiu em um marco no campo de estudos da
alfabetização. Em sua criação, não havia a pretensão de apontar e/ou se tornar um
método de ensino e, por isso, não previa uma didática de ensino da leitura e escrita.
Decorre desse modelo teórico o que foi denominado como desmetodização da
alfabetização. (MORTATTI, 2010:332). Isso ocorre em consequência de didáticas
utilizadas até então pautadas em métodos objetivos e diretivos e com atividades
estruturadas.
Inicia-se no país a divulgação e a aposta, por parte dos pesquisadores, em uma
aprendizagem espontânea que se estabelecia na exposição a situações de leitura e de
escrita resultar em aprendizagem. (MORAIS, 2006).
Mortatti (2006) nos escreve que a consequência da “revolução conceitual”
consiste na “desmetodização da alfabetização”. As questões de ordem didática foram
colocadas em segundo plano em detrimento de compreender sobre os processos de
aprendizagem da leitura e da escrita dos alunos.
Soares também se pronuncia sobre a questão e nos apresenta o neologismo
desinvenção para nomear “a perda da especificidade do processo de alfabetização que
40
tem ocorrido na escola brasileira ao longo das duas últimas décadas”. (2004: 8). Essa
desinvenção está pautada na falta de uma forma sistematizada de aquisição do código.
Tanto a questão da “desmetodização da alfabetização” (MORTATTI, 2010)
como na desinvenção (SOARES, 2004) coloca no foco a discussão sobre a ausência de
uma didática para ensinar a ler e escrever. Instaura-se, então, um certo espontaneísmo,
com atividades menos estruturadas marcando e docentes se questionando sobre a
validação de seus saberes. Essa fala está presente em discursos que são recorrentes em
encontros de formação de professores.
Outra nuance presente no campo da alfabetização no que se refere a modelos
teóricos consiste na perspectiva do letramento, apresentando a importância das práticas
sociais da leitura e da escrita. Entro mais uma vez ainda em diálogo com Soares, que
apresenta o conceito na seguinte passagem:
o sentido que tem letramento, palavra que criamos traduzindo “ao pé da
letra” o inglês literacy: letra-, do latim littera, e o sufixo –mento, que
denota o resultado de uma ação (como, por exemplo, em ferimento, resultado
da ação de ferir). Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de
aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social
ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita.
(SOARES, 2010: 18).
Essa discussão se revela ampla e com diferentes possibilidades de
encaminhamentos. Reconhecendo os limites desse texto, decido realizar um recorte
sobre a questão do letramento no que se refere à aproximação com a alfabetização,
provocando um certo esvaziamento referente à aquisição do código escrito.
Ao se estabelecer uma relação entre as questões em torno dos métodos de
alfabetização e o uso da leitura e da escrita em práticas sociais, provocou-se, de alguma
forma, um enfraquecimento nos aspectos referentes às formas de ensinar a aquisição do
código. A ênfase das produções científicas consiste em ressaltar a importância de
41
oferecer às crianças textos que estivessem presente no contexto social e indica que o
importante seria apontar os usos e as práticas dos mesmos.
O fato de sujeitos conviverem de forma intensa com materiais escritos que
circulam nas práticas sociais se colocou em um primeiro plano em relação ao processo
de aprendizagem do sistema convencional da escrita. Situou-se, assim, em um segundo
plano, a aquisição do código. Soares ratifica essa perspectiva quando diz que a
discussão do letramento surge enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado
(...) a uma inadequada e inconveniente fusão de dois processos, com prevalência do
conceito de letramento (...). (2004: 8).
As consequências desse enraizamento contribuíram para que continuasse a
prevalecer o uso da leitura e da escrita no contexto social, apontando para um certo
espontaneísmo e um discurso recorrente de que o simples fato de trabalhar com textos
presentes nas práticas sociais ensinaria as crianças a ler e escrever. Colabora na
continuidade de discutir de forma ampla os encaminhamentos para a aquisição do
código e apresenta poucas sistematizações sobre as “formas de fazer”.
Realçar os enunciados (BAKHTIN, 1997) presentes no campo, tanto por parte
das pesquisas como sobre o modelo construtivista de aprendizagem, a “desmetodização
da alfabetização”, o letramento, que são expressos pelos professores ao exporem as
experiências tem como proposta apontar algumas das tantas possíveis interlocuções que
docentes possam ter realizado sobre o tema do ensino da leitura e da escrita são
enunciados.
O exercício de exotopia na posição de formadora se revelou como proposta
encontrar indícios (GINZBURG, 1989) que me constituíram enquanto profissional do
campo e ainda identificar os enunciados e as possíveis interlocuções com o campo de
estudos e pesquisas.
42
1.2.3 Provisórios arremates... Fios soltos para novas tramas nos encontros da formação
continuada... Juntando os fios...
Remeto-me, então, ao início deste texto, onde marco o desejo de não somente
nomear, mas a possibilidade de encontrar os entrelaces entre enunciados (BAKHTIN,
1997) da pesquisa e o cotidiano da formação continuada de professores. Ao abordar as
questões em torno da alfabetização, no que se refere à querela dos métodos
(MORTATTI, 2009), à chegada do construtivismo (SOARES, 2004), à desmetodização
da alfabetização (SOARES, 2004), à desinvenção da alfabetização (SOARES, 2004) e
ao letramento, perspectivas que marcaram de forma decisiva o campo da alfabetização.
Tramas foram construídas. Ao longo do texto, aponto que há entrelaces ao
identificar as experiências tanto na docência como na prática como formadora de
professores com os estudos do campo. São enunciados constituídos na e sobre as
práticas que encontram réplicas (BAKHTIN, 2003) nas pesquisas e nos estudos do
campo.
Nos encontros de formação continuada bordados são tecidos na interlocução
entre professores, formadores de professores e pesquisadores. Entretanto, ainda precisa
ser reconhecida pelos sujeitos participantes e produtores nesse campo.
Ao identificar os enunciados, logo se apresentam as posições que cada sujeito
ocupa. Há uma alternância de posições, em alguns momentos a posição de ouvinte, em
outros, locutora. Compreensões responsivas e réplicas são elaboradas. Considero que,
somente agora, deste lugar, posso compreender que essas falas vivas iniciaram um
processo de busca por compreender os enunciados que são ditos pelos professores nos
espaços de formação continuada.
O tema da alfabetização se faz de diferentes fios, dentre eles os que se referem a
perspectivas de ensinar a ler e escrever que são realçados nas cores expressas pelas
43
aprendizagens das crianças. Em diferentes momentos dos encontros de alfabetização,
professores enunciam as tramas que esses fios tecem em suas salas de aula, em alguns
momentos bordados que se iniciam, em outros, pontos que insistem em não se laçar.
Cabe, então, questionar sobre a possibilidade de que docentes possam expressar
suas práticas. Criar espaços em que estes possam elaborá-las e anunciá-las se apresenta
como um recurso que permite ao sujeito elaborar formas de realizá-las, compartilhá-las
e simultaneamente identificá-las como constituidoras de seu processo de formação.
Ainda em se tratando dos métodos de alfabetização, tema recorrente nos
encontros de alfabetização, ainda existem fios soltos, caminhos e perspectivas que ainda
precisam ser discutidos.
O encontro do campo das pesquisas com as práticas docentes por meio da
discussão de temas cria um bordado tecido pelos fios dos conhecimentos científicos e
das prática dos professores. Em algum momento, não tão preciso, formam uma trama,
não sendo mais possível identificar onde está cada fio. Cada professor gera então
enunciados que são constituídos nas interlocuções, produzindo novos sentidos e
significados. Esses produzirão réplicas que encontrarão ecos nas suas salas de aula,
constituindo novos sentidos, novas narrativas, novos significados.
Essa trama tem na sua tessitura uma forma infinita, pois esses ecos retornarão
nos discursos dos profissionais envolvidos, professores, pesquisadores e formadores de
professores, criando novos enunciados e, de alguma forma, criando novas tramas.
Contudo vale ainda ressaltar que, apesar da apresentação, de alguma forma, de
um movimento circular, não cabe a condição da perspectiva de consensos no campo, ou
seja, essa tessitura se tece nas tensões e disputas de sentidos, identificando que cada
sujeito possa contribuir para essa tessitura.
44
Há arremates que considero provocações sobre discussão da especificidade na
alfabetização no que se refere: à querela dos métodos (MORTATTI, 2009), à chegada
do construtivismo (SOARES, 2004), à desmetodização da alfabetização (SOARES,
2004), à desinvenção da alfabetização (SOARES, 2004) e ao letramento. Que
aproximações foram feitas pelos docentes sobre os temas? Como essas discussões foram
abordadas nos interiores das escolas? Tais temas foram discutidos em encontros de
formação continuada? Como foram debatidos? Como os formadores de professores se
aproximaram da discussão? Que sentidos e significados construíram? Quem “escutou”
as possíveis interlocuções que foram constituídas pelos formadores?
Essas perguntas são indícios (GINZBURG, 2011) que ainda não serão
respondidos nesse texto, contudo apresenta ainda em formas de questões temas para
próximas escritas, marcando as tessituras infinitas desse bordado. Porém ainda cabe
marcar que são réplicas (BAKHTIN, 2003) que faço na interlocução com o tema,
assinalando possíveis ecos com os formadores de professor.
1.3 O programa do Pró-letramento: mais um fio na trama da formação continuada
de professores dos anos iniciais do ensino fundamental
No Brasil, o discurso em favor da educação popular é antigo: precedeu mesmo a proclamação da República. Já em 1882, Rui Barbosa, baseado em
exaustivo diagnóstico da realidade brasileira da época, denunciava a
vergonhosa precariedade do ensino para o povo no Brasil e apresentava
propostas de multiplicação de escolas e de melhoria qualitativa do ensino.
(SOARES, 2004: 8).
Aprender a ler, escrever e contar, escolas para todos, democratização de ensino,
acesso aos bens culturais, enfim, discursos como esses que ainda se fazem presentes no
cenário educacional brasileiro são marcados nessa epígrafe. Soares (2004) aborda em
seu texto temas que já se faziam presentes no século XIX em seu texto escrito no ano de
45
1986. Trata-se do livro Linguagem e escola: uma perspectiva social, obra que se tornou
referência na discussão sobre o fracasso escolar na aprendizagem da língua materna.
A abordagem sobre o tema da alfabetização tornou-se, de lá para cá, um campo
de estudos e pesquisas repleto de possibilidades em diferentes caminhos investigativos.
Ao relembrar essas discussões, recorrentes nos anos 80, recordo-me das palavras de
Freire (2002) nos afirmando que a leitura de mundo precede a leitura da palavra.
Naquele período, cursando uma graduação em Pedagogia, com tantas ideias e um longo
caminho a percorrer, compreendia que a aproximação com o cotidiano escolar
exercendo a profissão se fazia necessário e importante para que aquelas palavras
ganhassem identidade, ou melhor, identidades.
A aproximação com o cotidiano escolar se transformava em realidade,
ganhando nomes, sobrenomes, localidades e tempo. O trabalho na docência e uma
aproximação com as falas dos docentes, na busca constante sobre a perspectiva de um
trabalho que dialogasse com os saberes que cada professor carregava em suas
experiências se tornavam uma proposta, objetivos perseguidos cotidianamente em
minhas atuações profissionais.
Desse modo, as práticas com a formação continuada de professores adquirem
um contorno especial, constituindo-se um campo de aspirações para pesquisas e
estudos. Há uma passagem teórica que, quando li pela primeira vez, nomeava intuições
que rondavam meus pensamentos sobre espaço da formação docente:
Na universidade, produzem-se conhecimentos que valem muito em qualquer
espaço da sociedade. Quando estes migram para o espaço de qualquer
instância da formação continuada para que possam ter entrada nesta
comunicação formadora, passam, porém, necessariamente, por um processo
de atravessamento, em que são permeados por outros saberes, trazidos da
escola, pelos professores. Atravessados, eles não serão mais os mesmos: serão agora furados. Tais furos, necessários, não são aleatórios, como o de
uma bala perdida. São furos achados, cada um ponto exato a ser descoberto,
resultado de uma busca. A vontade de transmitir a alguém o seu saber cria
uma relação específica com o próprio saber e com o outro em questão. Há um
46
desejo de se construir este interlocutor em seus moldes, de influenciá-lo, de
argumentar na direção de fazer com que ele perceba que o conhecimento
transmitido pode lhe alterar a visão de sua prática. Neste sentido, busca-se a
medida exata na comunicação para que se produzam no conhecimento os
furos precisos, e preciosos, que serão constitutivos dos sujeitos na interação
em questão. (ANDRADE, 2007: 128).
A identificação com as palavras da autora revela a importância da comunicação
entre os sujeitos, na elaboração que cada docente constitui sobre os conhecimentos
teóricos a que têm acesso e o espaço de formação continuada como um lugar de
constituição de conhecimentos.
A importância tanto dos conhecimentos elaborados na universidade como os
constituídos pelos docentes e o reconhecimento que há uma produção que cada docente
realiza a partir do contato com os conhecimentos da universidade se revela uma
descoberta desafiadora.
A aproximação com o Programa do Pró-Letramento se tornou uma realidade em
virtude da estrutura e da organização que o programa estabelece para sua realização. Por
meio do Instituto de Matemática, a Faculdade de Educação foi convocada e a
representação aconteceria pelo LEDUC. O planejamento e as ações de formação
continuada para professores dos anos iniciais do ensino fundamental das redes públicas
de ensino seriam realizadas pelo grupo de pesquisa que se ancorava na perspectiva
discursiva da linguagem. O interesse em me aproximar dessa perspectiva da formação
se instalou.
Em virtude dos limites e contornos dessa pesquisa, cabe destacar que este texto
tem como objetivo uma breve contextualização do Programa Pró-Letramento,
apresentando o processo inicial de convite e a apresentação para os estados e municípios
do programa até a chegada aos espaços locais para o trabalho com os docentes dos anos
iniciais do ensino fundamental.
47
Cabe ainda lembrar que há riscos de estabelecer esses limites na escolha de
apresentar esse breve histórico sobre um programa amplo e com diferentes
possibilidades de caminhos, contudo se faz necessário que se apresente, ainda que
previamente, a estrutura do campo de pesquisa. O presente trabalho tem como foco o
Pró-Letramento de Alfabetização e Linguagem.
Encontrei uma aproximação com o trabalho de Orofino (2010)8 que tem como
título Tecendo os Fios da Rede: o Programa Pró-Letramento e a Tutoria na Formação
Continuada de Professores Alfabetizadores da Educação Básica. A autora realiza sua
pesquisa de mestrado sobre o programa Pró-Letramento com o objetivo de compreender
os principais aspectos relacionados à concepção e à gestão do programa, marcando as
perspectivas teóricas e metodológicas que delimitaram a constituição do programa para
fundamentar o trabalho dos professores alfabetizadores (OROFINO, 2010).
Destaco a leitura como fundamental para a compreensão sobre a criação do
programa, os caminhos e as decisões da política pública sobre o tema formação
continuada, sua organização e estrutura, e contornos sobre um dos personagens do
programa: o professor orientador de estudo/tutor.
Orofino (2010) explicita um percurso repleto de disputas e tensões no campo das
políticas públicas apresentando um trabalho de fôlego sobre os meandros, percursos e
decisões sobre a formação continuada de professores e os sentidos que foram tomando
essas posições e trajetórias das políticas públicas.
Apresenta em seu trabalho alguns referenciais sobre os estudos da educação a
distância, o contexto das reformas educacionais, marcando com uma certa cronologia os
fatos e decisões políticas até chegar ao edital de constituição da Rede Nacional de
Formação Continuada. Prossegue com os estudos dos fascículos e apontando alguns
8 O trabalho foi defendido no ano de 2010 - LEDUC/FE/UFRJ.
48
pontos constituidores sobre perfil do profissional que se tornava professor orientador de
estudos/tutor.
1.3.1 Uma breve apresentação sobre a Rede de Formação e o Programa Pró-letramento
A formação do professor é um tema recorrente no campo de estudos e pesquisas,
ainda que, até o final dos anos 1990, o tema da formação docente estivesse muito
vinculado ao campo de estudos da Didática. (ANDRÉ, 2011). No que se refere à
legislação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96 - determina, sobre a
formação continuada, que:
Art.67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da
educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos
de carreira do magistério público.
II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico remunerado para esse fim. (LDB 9394/96).
Dessa forma, a determinação da lei sobre a importância e, consequentemente, a
necessidade dessas ações fica explicitada na legislação. Contudo, ainda que a LDB
9394/96 determine sobre a formação continuada, Orofino (2010) ressalta a necessidade
de documentos posteriores, com objetivo de estabelecer normatizações determinadas no
nível federal, tanto no Conselho Nacional de Educação (CNE) como no Ministério da
Educação. Nesse momento, criavam-se também, previstos na LDB9394/96, novos
espaços institucionais para a formação docente (os institutos superiores de educação e as
escolas normais superiores), prosseguindo, então, com a reforma da formação de
professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
Segundo a autora, as recomendações apresentadas na LDB 9394/96 indicavam
que “o lugar da formação de professores na sua carreira docente deveria ser
encaminhado para o profissionalismo”. (OROFINO, 2010: 68). Dessa forma, o governo
cria uma lógica que fundamenta a formação dos professores que consiste na certificação
49
e na avaliação do desempenho dos professores na busca de marcar esse
profissionalismo.
O processo acarreta a criação de documentos, legislações, programas, enfim,
ações políticas tanto para a formação inicial como para continuada do professor dos
anos iniciais do ensino fundamental. Nessa perspectiva, houve a criação, nos anos de
1990, do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA) e dos
Parâmetros Curriculares em Ação (PCN em Ação), como iniciativas de formação
continuada de professores realizadas em parceria com o MEC, as secretarias estaduais e
municipais de educação e com as universidades.
O documento que apresentada a trajetória das formações continuadas se inicia
com a publicação do edital N° 01/2003 da SEIF - Secretaria de Educação Infantil e
Fundamental do Ministério da Educação, documento que apresenta as diretrizes,
viabilizando o encaminhamento de propostas das universidades para o Ministério da
Educação que tivessem interesse em participar dos centros de formação continuada,
desenvolvimento de tecnologia e prestação de serviços para as redes públicas de ensino,
apresentando o início da construção da Rede Nacional de Centros de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação (Rede), constituída no âmbito do Sistema Nacional de
Certificação e Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BRASIL,
2005).
A Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação Básica inicia seu
processo de constituição a partir de dezembro de 2003. Composta por universidades
com equipe de pesquisadores responsáveis tanto pelas ações de formação continuada
como também pela criação de materiais didáticos pedagógicos para a formação dos
docentes. Cria-se uma articulação entre as universidades e as redes públicas de ensino e
50
um espaço de formação continuada tanto para os professores orientadores/tutores como
para os professores cursistas.
Vale, então, apresentar os objetivos da Rede de Formação que foram
apresentados no documento:
1. Institucionalizar o atendimento da demanda de formação continuada;
2. Desenvolver uma concepção de sistema de formação em que a
autonomia se construa pela colaboração, e a flexibilidade encontre seus
contornos na articulação e na interação;
3. Contribuir com a qualificação da ação docente no sentido de garantir
uma aprendizagem efetiva e uma escola de qualidade para todos;
4. Contribuir com o desenvolvimento da autonomia intelectual e
profissional dos docentes; 5. Desencadear uma dinâmica de interação entre os saberes pedagógicos
produzidos pelos Centros, no desenvolvimento da formação docente, e pelos
professores dos sistemas de ensino, em sua prática docente;
6. Subsidiar a reflexão permanente na e sobre a prática docente, com o
exercício da crítica do sentido e da gênese da sociedade, da cultura, da
educação e do conhecimento, e o aprofundamento da articulação entre os
componentes curriculares e a realidade sócio-histórica;
7. Institucionalizar e fortalecer o trabalho coletivo como meio de
reflexão teórica e construção da prática pedagógica. (Brasil, 2005)
Os objetivos marcam que há responsabilidades tanto para o MEC como também
da Rede de Formação e consequentemente das universidades parceiras no processo e na
formalização da formação continuada dos professores. O documento explicita que
deverá “contribuir com o desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional dos
docentes e subsidiar a reflexão permanente na e sobre a prática docente.” (BRASIL,
2005).
Uma das ações da Rede Nacional de Formação Continuada inseriu o programa
Pró-Letramento, nomeado pelo Ministério da Educação como Mobilização pela
qualidade da Educação (OROFINO, 2010).
Houve, então, um processo de seleção, e os centros das universidades
selecionados para o trabalho na área de conhecimento de Alfabetização e Linguagem
são os seguintes: Universidade Federal de Minas Gerais - Centro de alfabetização,
leitura e escrita (CEALE), Universidade Federal de Pernambuco - Centro de estudos em
51
educação e linguagem (CEEL) , Universidade Estadual de Campinas - Centro de
formação do instituto da linguagem (CEFIEL), Universidade de Brasília - Centro de
formação continuada de professores (CEFORM) e Universidade Estadual de Ponta
Grossa - Centro de formação continuada, desenvolvimento de tecnologia e prestação de
serviços para as redes públicas de ensino (CEFORTEC). (OROFINO, 2010).
Diante desse quadro, vale ressaltar que há de se compreender de forma mais
específica a estrutura dos materiais do programa, os profissionais que o constituem e a
dinâmica que se faz necessária para que o trabalho se realize.
1.3.2 Compreendendo a estrutura do Programa do Pró-Letramento
O “Pró-Letramento - Mobilização pela Qualidade da Educação” é um programa
de formação continuada de professores que objetiva a melhoria da qualidade da
aprendizagem das crianças dos anos iniciais do ensino fundamental em Língua
Portuguesa e Matemática.
O programa destina-se a professores de escolas públicas que estão em exercício
no primeiro segmento do ensino fundamental e se desenvolve na modalidade
semipresencial (atividades presenciais e a distância). A realização acontece em parceria
com o Ministério da Educação – MEC, as Universidades que compõem a Rede
Nacional de Formação Continuada de Professores e a participação de estados e
municípios, por meio da adesão voluntária ao programa.
A formação continuada relacionada ao campo da Alfabetização e Linguagem
elenca os seguintes objetivos com vistas à melhoria da qualidade da aprendizagem dos
alunos:
1. Oferecer suporte à ação pedagógica dos professores dos anos/séries
iniciais do ensino fundamental, contribuindo para elevar a qualidade do
ensino e da aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática;
2. Propor situações que incentivem a reflexão e a construção do
conhecimento como processo contínuo de formação docente;
52
3. Desenvolver conhecimentos que possibilitem a compreensão da
Matemática e da linguagem e seus processos de ensino e aprendizagem;
4. Contribuir para que se desenvolva nas escolas uma cultura de formação
continuada;
5. Desencadear ações de formação continuada em rede, envolvendo
Universidades, Secretarias de Educação e Escolas Públicas dos Sistemas
de Ensino. (BRASIL, 2010: 2).
O Programa desenvolve os conteúdos de Alfabetização e Linguagem e
apresenta-os em 8 fascículos, constituindo um único exemplar que se organiza da
seguinte forma: 1) Capacidades linguísticas da alfabetização e avaliação; 2)
Alfabetização e letramento: questão sobre avaliação; 3) A organização do tempo
pedagógico e o planejamento de ensino; 4) Organização e uso da biblioteca escolar e
das salas de leitura; 5) O lúdico na sala de aula: projetos e jogos; 6) O livro didático em
sala de aula: algumas reflexões; 7) Modos de falar/Modos de Escrever; 8) Fascículo
complementar.
O programa apresenta em seu Guia Geral9 os profissionais que deverão
participar desse trabalho. Nomeia-os da seguinte forma:
Professor cursista - profissional que está vinculado a uma rede pública de
ensino nos anos iniciais do ensino fundamental e receberá as aulas.
Professor orientador de estudos/tutor – profissional que deverá ter vínculo
com a rede pública e tem como uma das suas funções participar da formação
de tutores e organizar e dinamizar as turmas dos professores cursistas.
O formador de professor tutor - profissional que deve estar vinculado a um
centro que compõe a Rede Nacional de Formação Continuada ou a uma
universidade parceira no desenvolvimento do Pró-Letramento. Dentre as
funções, cabe ao formador participar da preparação da formação dos
orientadores/tutores, com o Centro/Universidade e também ministrar o curso
de preparação dos orientadores/tutores. (BRASIL, 2005)
Em cada rede de ensino, faz-se necessário um coordenador geral, profissional da
Secretaria da Educação, com a função de acompanhar e dinamizar o programa, na
instância de seu município; participar das reuniões e dos encontros agendados pelo
9 As funções atribuídas aos profissionais integrantes do Programa Pró-Letramento são apresentadas no
documento nomeado como Guia Geral.
53
MEC e/ou pelas universidades; prestar informações sobre o andamento do programa no
município; subsidiar as ações dos tutores; tomar decisões de caráter administrativo e
logístico; garantir condições materiais e institucionais para o desenvolvimento do
programa.
O programa acontece em três fases: 1ª) adesão dos municípios e estados, 2ª)
etapa de revezamento e 3ª) etapa de retorno.
Na primeira fase, o MEC e as Universidades realizam a divulgação do Programa
nos estados e municípios - os contatos formalizando a adesão por meio de um contrato
de cooperação. Após a confirmação do contrato de adesão e o registro dos tutores,
formam-se os grupos que participarão da formação continuada para o desenvolvimento
da função de tutoria.
Simultaneamente a essa organização, os municípios adquirem a permissão para
que os professores cursistas que são vinculados ao sistema de ensino e trabalham em
classes das séries iniciais do ensino fundamental possam também realizar suas
inscrições.
Inicia-se, então, uma trama de formação da seguinte forma: os centros de
formação terão pesquisadores que serão os formadores dos professores orientadores de
estudos/tutores. Esses profissionais receberão a formação e estarão aptos a iniciar o
processo de formação continuada em seus municípios. Organizam-se, então, grupos de
professores que deverão reunir-se com o tutor, em encontros semanais ou quinzenais,
para discutir os textos lidos, criar e refletir sobre atividades e planejar futuras ações.
A segunda etapa, denominada de “revezamento”, conta com os mesmos tutores
da etapa anterior. Nessa fase os professores cursistas que participaram da formação em
alfabetização e linguagem realizarão a formação em Matemática e vice-versa.
54
Na terceira etapa, denominada retorno, os municípios que não participaram da
primeira etapa do programa recebem a visita do MEC para serem convidados a
participar do Programa do Pró-Letramento.
O início do programa no Estado do Rio de Janeiro aconteceu no ano de 2006 em
parceria com a Secretaria Estadual de Educação e gestores municipais. Na área de
Alfabetização e Linguagem, foi coordenado, naquele momento pelo Centro de Estudos
em Educação de Pernambuco (CEEL)10
da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), que foi criado em 2004. O centro tem como um dos seus objetivos a formação
continuada de professores de língua portuguesa para os diferentes níveis de ensino de
língua materna (OROFINO, 2010).
A coordenação da formação continuada no estado do Rio de Janeiro ficou a
cargo da Secretaria Estadual de Educação. Esta tinha como função ser a articuladora
entre a universidade e as secretarias municipais de educação com o objetivo de
promover os encontros de formação dos tutores em parceria com os centros de formação
(OROFINO, 2010).
1.3.3 O processo de formação continuada
O Pró-Letramento é um programa de formação continuada para professores das
séries iniciais do ensino fundamental e visa à melhoria da qualidade do ensino da leitura
e da escrita. O programa é realizado pelo MEC11
em parceria com universidades que
integram a Rede Nacional de Formação Continuada e com adesão dos estados e
10 O CEEL desenvolve pesquisas sobre o ensino da Língua Portuguesa, atua na formação de professores
de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos, além de
participar de programas em avaliação e produção de material didático. Dedica-se, ainda, a prestar
assessoria a diversas secretarias de educação e a divulgar os trabalhos realizados por meio de publicações
em livros, revistas, boletins e eventos científicos. (OROFINO, 2010). 11 Ministério da Educação - MEC é o órgão do governo que tem a responsabilidade de elaborar e
coordenar este programa. (http://portal.mec.gov.br/).
55
municípios. Dele podem participar todos os professores que estão em exercício nas
séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas.
A adesão dos municípios, apresentando seus tutores, inicia o processo em que a
universidade, por meio de seus centros de formação, inicia o trabalho de planejamento
da formação dos tutores, prossegue com a formação dos mesmos, que se desdobra em
cada município com as turmas que esses tutores terão de professores cursistas.
Os centros têm a função de organizar as formações para o Professor Orientador
de Estudos/Tutor. Essa formação acontece em três momentos, cada um com 40 horas de
formação, perfazendo um total de 120 horas de formação que são realizadas pelos
formadores do centro de formação para os tutores das redes públicas. A formação
continuada para os tutores acontece ao longo de uma semana em um município que é
escolhido pela Secretaria Estadual de Educação e o MEC. (OROFINO, 2010).
A primeira semana de formação para os professores orientadores de
estudos/tutor acontece antes dos encontros locais para os professores. A proposta
consiste em que os tutores possam se organizar para dar início ao processo. Os dois
outros momentos acontecem simultaneamente às formações que tutores realizam com os
professores cursistas.
A proposta apresentada pelo Programa Pró-Letramento tem em sua estrutura um
campo fértil de possibilidades de investigação. Assim, ao encontrar um campo que se
organiza por diferentes instâncias da formação continuada constituídas pelos sujeitos,
personagens importantes desse processo, formadores, tutores e professores, é um
desafio na investigação desta pesquisa.
56
1.4 O percurso da pesquisa
A proposta dessa pesquisa consiste em investigar o campo da formação
continuada em três instâncias: reuniões entre os formadores para planejar a formação
continuada para tutores-formadores, os encontros de formação continuada para tutores-
formadores e a formação continuada para professores do ensino fundamental. O
objetivo é identificar indícios de interlocuções que possam vir a se constituir no ato da
formação continuada em cada espaço construído para a realização do processo.
Para a realização desse percurso, trago, no primeiro capítulo, uma aproximação
com o objeto por meio da escrita de fragmentos da minha memória com o objetivo de
justificar a aproximação com o campo da formação continuada e a escolha dos sujeitos
da pesquisa – formadores e tutores-formadores. A decisão por esse tema revela a
aproximação com o campo da alfabetização e letramento, temas recorrentes em práticas
de formação continuada e em estudos de investigação sobre o tema. O campo se
constitui de um universo de caminhos, exigindo um recorte sobre o campo. Os estudos
de Soares (2004), Mortatti (2009), Andrade (1997, 2007, 2009, 2011) e Goulart (2006)
contribuem para a aproximação com a discussão sobre alfabetização e letramento,
apontando todo o processo de investigação sobre a temática nomeada pelas autoras entre
o “antigo” e o “moderno”. Na construção desse capítulo, a proposta de anunciar a
aproximação com o campo de pesquisa revela a importância de apresentação do campo
de investigação, ainda que de forma breve, o Programa Pró-Letramento do Ministério da
Educação. A proposta apresentada pelo programa consiste em organizar e estruturar
formações continuadas para tutores-formadores e professores dos anos iniciais do
ensino fundamental.
57
No segundo capítulo, busco construir uma interlocução com autores com o
objetivo de construir uma trama teórico-metodológica que possa auxiliar o meu olhar de
pesquisadora sobre o campo da pesquisa. Encontrei nos autores centrais desse estudo
(Bakhtin e Benjamin) sustentação para compreender a linguagem como constitutiva dos
sujeitos; a pesquisa como linguagem e a metodologia como um exercício de aproximar
as interlocuções constituídas nas práticas de formação continuada de possíveis indícios
sobre possíveis saberes construídos por formadores e tutores-formadores.
No terceiro capítulo, entro no campo buscando identificar indícios sobre as
interlocuções constituídas ao longo dos encontros de formação continuada entre
formadores e tutores-formadores e, em uma segunda instância, entre os tutores-
formadores e os professores. O encontro de indícios constituídos no ato da interlocução
entre os personagens integrantes desse espaço acontece por meio dos discursos
constituídos nesse espaço.
Nas considerações finais, apresento que as interlocuções que são constituídas ao
longo dos encontros de formação continuada criam possibilidades de investigação sobre
diferentes caminhos, dentre eles indícios de constituição de possíveis saberes dos
formadores e dos tutores professores.
58
2 CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: TECENDO OS BORDADOS
E CRIANDO POSSÍVEIS LAÇADAS
Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos
horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em
qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e
diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu
próprio olhar... o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que,
em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são
acessíveis a mim e inacessíveis a ele. (BAKHTIN, 2006: 21).
Ao encontrar essas palavras, mergulho sobre os conceitos bakhtinianos, sem,
contudo, ter a pretensão de esgotá-los, muito menos de marcá-los como únicos e
absolutos. No entanto, a primeira vez que li verei e saberei algo que ele, da sua posição
fora e diante de mim, não pode ver, essas palavras despertaram o reconhecimento dos
tantos diálogos ao longo de meu percurso profissional em trabalhos realizados com
formação continuada de professores do ensino público. Conversas com e sobre
professores são parte da minha história profissional, no campo da formação no qual
estou inserida.
O encontro com um autor que apresenta teoricamente que há situações que me
são inacessíveis e afirma que somente o outro poderá completar-me com o seu olhar,
desvela uma perspectiva que, até então, me era inacessível. Conheço e aprendo sobre
movimentos singulares de marcar e ser marcado pelo outro.
Ao considerar esse princípio sobre a relação entre sujeitos, instaura-se a
possibilidade de compreender alguns, dentre tantos, contornos dos discursos que são
constituídos entre professores e tutores-formadores, nas formações continuadas para
professores dos anos iniciais do ensino fundamental, fato que tem me acompanhado ao
longo do meu percurso profissional.
59
2.1 Mikhail Bakhtin: encontrando com o fio da exotopia na interlocução com
sujeitos
As leituras dos textos de Bakhtin foram desvelando um teórico que não somente
marcava os discursos, com um foco restrito na linguística, ao contrário, contextualizava
os sujeitos, imbricado no contexto histórico e na constituição dos discursos. Sendo
assim, a proposta da escrita desse texto consiste em marcar os conceitos bakhtinianos
que auxiliam a compreender o processo de interlocuções constituídas nas formações
continuadas para professores dos anos iniciais do ensino fundamental a partir dos
conceitos de enunciação, a de outrem e exotopia.
O deslocamento de posição, de responsável pela formação continuada para o
lugar de pesquisadora do campo me desafiou a criar um distanciamento dessa posição e
encontrar um lugar onde eu possa contemplá-las, desnaturalizá-las, admitindo e
identificando partes que até então me eram inacessíveis. Retomá-las, marcá-las,
compreendê-las nas suas singularidades e, consequentemente, apresentá-las e
ressignificá-las neste texto de pesquisa torna-se um desafio deste trabalho (AMORIM,
2004).
Entrar na leitura sobre a perspectiva teórica apontada pelo autor me remete a
pensá-la como uma trama que se tece a cada movimento de busca de compreender e
analisar a linguagem, não como algo fragmentado em palavras, frases e orações, mas em
algo que se constitui e é constituído pelos sujeitos. Desse ponto de vista, há riscos de
escolher alguns conceitos, contudo, pelos limites do texto dissertativo, reconheço as
demarcações e o desafio de realizá-lo.
Discursos se constituem com e sobre os sujeitos pela linguagem (BAKHTIN,
2003). Esse princípio nos aponta que a língua, segundo a concepção bakhtiniana,
60
acontece em função da constituição da comunicação verbal entre sujeitos. A elaboração
da linguagem acontece com os sujeitos e para os mesmos, marcados pelas relações
sociais e pelos contornos e traços singulares de cada um. Essa perspectiva nos propõe
perceber que há atravessamentos na constituição dessa linguagem, no que se refere a
aspectos sociais, históricos, culturais e ideológicos, onde os sujeitos estão imersos
(AMORIM, 2004). Portanto, existe aqui mais um, dentre tantos movimentos
simultâneos, que nos propõe as leituras de Bakhtin, pois, ao mesmo tempo em que esse
sujeito é atravessado, também é produtor desses atravessamentos.
A aproximação do conceito de linguagem nos sugere a pensar a fala na forma
concreta dos enunciados dos sujeitos. Para Bakhtin, a unidade real da comunicação
verbal é o enunciado. A fala só existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados
de um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre à forma
do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma
(1997:293). Sendo assim, os atos de fala são únicos e singulares, são marcados pelo
contexto no qual estão inseridos e pelos interlocutores que produzem tantos outros
enunciados. Cada enunciado constituído cria um novo enunciado, desse modo, inicia-se
uma trama de enunciados com uma infinidade de possibilidades futuras de novas
criações.
A constituição dos discursos dos sujeitos tem nos enunciados a sua unidade, e
estes são fundamentais para a compreensão e análise dos discursos que são produzidos
nos diferentes contextos nos quais são produzidos.
As esferas de discurso (GRILLO, 2006) relacionadas ao campo da formação
continuada de docentes brasileiros podem ser compreendidas a partir dos discursos,
como uma das suas nuances. Considerá-los sugere que precisamos não somente
61
reconhecê-los, mas também os sujeitos seus produtores e, consequentemente, a sucessão
de enunciados que serão produzidos a partir de uma emissão focalizada, ou não, de
tantos outros.
Os discursos se organizam por meio de enunciados. Estes são elos de
comunicação construídos por fatores linguísticos e vinculados às situações da vida,
formando uma unidade (BAKHTIN, 2003). Os enunciados são parte constitutiva dos
discursos, ou seja, é por meio dos enunciados que estes são expressos. Logo, estão
imersos nas significações constitutivas do espaço social.
A comunicação entre sujeitos implica reconhecer que há alternância dos sujeitos
falantes (BAKHTIN, 2003). Há um movimento de falas que implica admitir que estes
enunciados são entremeados tanto pelos enunciados do outro quanto pelo contexto no
qual está inserido, como também pelos enunciados que este constituiu ao longo da sua
trajetória.
Conceber enunciados de forma viva e contextualizada implica assumir as
interlocuções entre sujeitos, ou seja, identificar que há um ir e vir de enunciados que são
produzidos na comunicação verbal entre os sujeitos. Bakhtin (2003) ainda nos aponta
que esta resposta pode não estar explícita no discurso, mas também imersa nos silêncios
e nos atos repletos de sentidos e significados que são constituídos no ato de cada
comunicação verbal.
Pautando-nos na metáfora do bordado, os fios que tecem o conceito de
comunicação verbal são de diferentes texturas e tons. Os enunciados apresentam marcas
singulares constituídas por cada sujeito, cada ato enunciativo se compõe de nuances e
sutilezas singulares, e os atravessamentos do contexto sócio-histórico contribuem para a
constituição dos sentidos elaborados e expressos nos discursos. Ouso ainda dizer que se
constroem bordados que são tecidos a cada enunciado constituído na alternância de falas
62
que marcam os campos sociais e suas esferas de comunicação (GRILLO, 2006), e um
desses campos se constitui no espaço da formação continuada.
As fronteiras dos enunciados são constituídas na alternância das falas entre os
sujeitos. Cada discurso expresso cria a possibilidade de não somente se identificar os
enunciados como também dispor de seus sentidos, apropriando-se e constituindo novos
significados. Assim uma trama com os enunciados constituídos pelos diferentes sujeitos
se tece.
A busca por compreender o campo da formação continuada de professores a
partir da pequena trama traçada até aqui provoca a reflexão sobre o movimento de
discursos que são elaborados nesse espaço constituído por professores e tutores-
formadores (ANDRADE, 2009). Se, nos discursos, os enunciados constituídos por cada
sujeito participante se apresentam como a unidade de comunicação, os sentidos e
significados se constituem profundamente imersos no contexto no qual ambos estão
inseridos, cada um dos sujeitos das díades representando os lugares que ocupam naquele
espaço profissional, e a perspectiva histórica que cada sujeito acumula ao longo da sua
trajetória se constitui no ato da formação continuada (BAKHTIN, 2003). Conceber a
perspectiva discursiva do discurso significa considerar este movimento complexo de
interlocução.
Portanto, ao admitir que discursos são constituídos de enunciados e impregnados
de sentidos construídos ao longo do percurso profissional, revela-se, então, a construção
de uma rede de interlocuções discursivas entre sujeitos que marca cada um na sua
singularidade, ao mesmo tempo em que constitui a perspectiva histórica da qual são
participantes e construtores.
A busca por compreender fragmentos dos discursos construídos entre
professores e tutores-formadores objetivando identificar as marcas discursivas que os
63
profissionais responsáveis por estas formações constroem no ato de cada formação se
tornou algo que coloquei um foco de observação.
A cada movimento discursivo, constituições de discursos acontecem na
singularidade de cada sujeito, mas também na coletividade de cada grupo, sendo assim,
as marcas discursivas são construídas no individual e no coletivo, marcando-os como
sujeitos históricos, situados em seu tempo e espaço (ANDRADE, 2007).
A leitura do campo da formação continuada sob essas lentes bakhtinianas
instaura a possibilidade de compreender, via discursos, as práticas constituídas nos
espaços da formação continuada entre tutores-formadores e professores: suas
interlocuções, os sentidos produzidos, silêncios e gestos, algumas das marcas
constituidoras dos diálogos entre esses sujeitos.
O encontro com esse filósofo da linguagem marca também a possibilidade de
identificar referenciais centrados no sujeito inserido no contexto que constrói a sua
história, focalizando a realidade humana, reconhecendo as suas implicações na busca de
alternativas de superação dos dilemas existenciais, que são infindáveis diante da
possibilidade de identificar enunciados nos discursos emitidos.
Ao colocar o foco sobre as experiências no campo da formação de professores,
mais especificamente sobre professores do ensino público, logo se revelam as posições
dos principais mediadores responsáveis pelos encontros, os tutores-formadores,
profissionais provisoriamente deslocados da ação docente, que se situam como
planejadores e avaliadores, para pensar sobre o ato de ensinar a adultos.
As relações estabelecidas entre tutores-formadores e professores se torna foco
de investigação desta pesquisa por identificar que no ato da formação continuada há
uma infinidade de diálogos que se constituem, singularidades que são construídas a cada
formação.
64
Chego, então, aos discursos. Busco identificar, descrever e compreender o que
dizem os formadores? E os tutores-formadores? Que temas podem ser encontrados
tratados em seus discursos? Quem são seus interlocutores pretendidos? De que, para que
e para quem falam?
Segundo Bakhtin (1926), no discurso verbal, os enunciados são imbricados na
vida, não podendo ser dissociados, com risco de perder sua significação. A vida está
estreitamente ligada ao discurso do sujeito, reconhecendo-se, então, que não há discurso
fora do contexto social. Sendo assim, os enunciados são marcados pelo contexto social
no qual estão inseridos.
Desse modo, esses sujeitos, professores e tutores-formadores, participantes das
formações, imersos nos contextos e em seus próprios atos de produção de discursos,
imbricados nas relações, constituem-se nesse espaço-tempo. A cada ação de formação
continuada, os enunciados ganham corpo, e os contornos são construídos no movimento
discursivo que se estabelece entre esses sujeitos, apontando novos sentidos e
significados singulares.
Bakhtin (1926) nos aponta, ainda, que a constituição do discurso verbal acontece
a partir de enunciados verbais e extraverbais. Os verbais, embora estejam diretamente
relacionados às questões estritamente linguísticas do discurso, contudo, só construirão
sua completude ao serem contextualizados numa situação da vida. Nesse momento,
passam a ser identificados como enunciados extraverbais. São fundamentais para
caracterizar o contexto no qual o discurso está ao mesmo tempo imerso e sendo
constituído. Desse modo, ao se estabelecer a emissão do discurso verbal, faz-se
necessário considerar tanto as questões linguísticas, como também todo o contexto no
qual está sendo produzido.
65
Cada ato de fala está impregnado de aspectos extraverbais presentes na vida de
cada sujeito que constitui a cena do discurso. Os ditos e não ditos, acentos apreciativos,
gestos, subjetividades, estão impregnados de sentidos que são construídos no e sobre o
contexto (BAKHTIN, 1926). O autor afirma que o “contexto extraverbal” é marcado
por aspectos que não são necessariamente expressos verbalmente nos enunciados. A
situação se caracteriza por dimensões que são compartilhadas, compreendidas, avaliadas
entre os interlocutores, construindo, então, pressupostos na e sobre a realidade social.
Todo esse processo acontece sem que os sujeitos precisem construir enunciados verbais
para apresentá-los.
Vale considerar, então, que há falas, palavras enunciadas, mas também gestos,
expressões, discordâncias, disputas, silêncios, movimentos de corpo, a organização do
espaço, os recursos disponíveis, as diferentes interações ou não interações, uma
infinidade de marcas, pois cada movimento constituído provoca no outro uma reação, e
não há controle sobre essas ações, sendo assim, o imprevisível está presente e faz parte
das constituições que são estabelecidas.
Os enunciados extraverbais do discurso (BAKHTIN, 1926) são compartilhados
por aqueles que pertencem a um mesmo grupo social, uma profissão, uma classe. Sendo
assim, há, no espaço da formação continuada para professores, pressupostos comuns,
partilhados entre professores e tutores-formadores que não exigem formulações verbais
explícitas, aspectos que se incorporaram aos objetos e às situações que organizam o
espaço da formação continuada. Portanto, os discursos enunciados e as interlocuções
que se manifestam revelam uma rede de sentidos, tecendo uma trama infinita de
significados, partilhados entre professores e tutores-formadores.
Ao considerar que a constituição do discurso acontece na interação entre
sujeitos, compõe-se uma rede com enunciados verbais e extraverbais que está para além
66
do seu tempo. Essa composição faz parte de um contexto histórico maior, pois são
considerados não somente os enunciados constituídos no tempo presente, mas também
aqueles que o precederam. Torna-se, portanto, fundamental considerar a perspectiva
histórica na qual esse processo está inserido.
A teoria bakhtiniana propõe uma articulação entre sujeito, tempo e espaço, e
uma das vias de apresentação, das permanências e das marcas da constituição histórica,
social e cultural realiza-se por meio do diálogo. Portanto, constitui-se uma das formas
mais importantes de interação verbal (MARCHEZAN, 2006: 117). Ao trazer para este
texto as questões em torno do diálogo, revela-se a possibilidade de compreender tanto
as questões em torno do que está marcado no “contexto extraverbal”, quanto o que está
sendo expresso a cada enunciado.
Ao aproximar o foco sobre os discursos constituídos na formação de professor,
reconheço que eles acontecem também por via do diálogo entre professores e tutores-
formadores. A palavra diálogo, na perspectiva bakhtiniana, se apresenta como uma
reação do eu ao outro, como “reação da palavra à palavra de outrem” (MARCHEZAN,
2006). É no diálogo real que esta alternância dos sujeitos falantes é observada de modo
mais direto e evidente. (BAKHTIN, 1997: 295).
Cabe ainda ressaltar que os diálogos estão imersos em valores, contextos
socioculturais, tensões, disputas, discordâncias, mas também atravessados por
entendimentos, réplicas, reflexões, situações reveladas no e sobre contexto social.
(AMORIM, 2004).
Os diálogos, nessa perspectiva, provocam que cada sujeito, participante do
espaço discursivo, se altere em relação à posição do outro. Simultaneamente, eu e o
outro vivenciamos o ato de se alterar. Eu me altero a partir dos enunciados que se
constituem nos diálogos que estabeleço com o outro. No movimento discursivo que se
67
estabelece entre o eu e o outro, há um compartilhar de sentidos e significados, um
partilhar de palavras que são do outro e que a cada diálogo as tomo e faço uso,
tornando-as minhas. Se me constituo na interlocução com o outro, e esta se elabora por
enunciados, o diálogo cria a movimentação desse espaço discursivo.
Os enunciados que são revelados por cada sujeito, participantes do espaço
discursivo da formação continuada, são constituídos não somente pelos sentidos que são
anunciados no ato da enunciação, mas também pelos significados que eles carregam na
interlocução com tantos outros sujeitos, ou seja, vozes de tantos outros que constituem
os discursos de cada sujeito participante do espaço discursivo. Isso está relacionado ao
conceito de polifonia, explicitado por Bezerra: “no que se refere à convivência e à
interação, em um mesmo espaço, de uma multiplicidade de vozes e consciências
independentes e imiscíveis, vozes e consciências equipotentes.” (BEZERRA, 2008:
195).
O discurso que cada sujeito do espaço discursivo da formação continuada
constitui tem em seu corpo diferentes vozes que compõem os enunciados. A
constituição do discurso acontece com e pelos enunciados do outro. Se o diálogo é o
movimento que cria a interlocução, do lugar que cada um fala, há também a presença de
uma infinidade de vozes que cada um carrega pela participação em diferentes processos
discursivos que foram sendo construídos ao longo da sua trajetória profissional.
Amorim (2004: 26) ressalta que “todo trabalho de pesquisa seria uma tradução
do que é estranho para o que é familiar”. A construção da estranheza sobre o objeto
acontece ao se reconhecer a necessidade e a importância de construir um distanciamento
sobre objeto da pesquisa, sem, contudo, perder a proximidade.
A autora propõe que o pesquisador mergulhe no campo, construindo esse olhar
de estranhamento sobre o objeto. Identifico a importância desse ato, considerando a
68
trama construída a partir dos referenciais bakhtinianos, a seriedade de estranhá-los e a
responsabilidade por apresentá-los. Ao retornar, de posse desses dados, devo torná-los
visíveis, desvelando ao campo de estudos, com os limites, mas também com as
potencialidades constituídas por mim, pesquisadora desse campo.
O percurso descrito acima se fundamenta no movimento exotópico proposto por
Bakhtin na seguinte passagem:
O excedente da minha visão contém em germe a forma acabada do outro,
cujo desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem lhe tirar a
originalidade. Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu
sistema de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e
depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo o que se
descobre do lugar que ocupo, fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um
ambiente que o acabe, mediante o excedente de minha visão, de meu saber,
de meu desejo e de meu sentimento". (BAKHTIN, 1997: 45).
Ao colocar o foco nas minhas experiências profissionais, mais precisamente no
trabalho que realizava, encontro a posição discursiva: o tutor-formador. Tenho, então, a
necessidade de assinalar o deslocamento de posição que está sendo constituído desde o
início deste texto, o lugar de pesquisadora.
Considero que essa possibilidade se tornou possível a partir do diálogo com o
conceito de excedente de visão proposto por Bakhtin (1997). Ir ao encontro do outro,
ver o mundo com os seus olhos, nas subjetividades, nas interações, nos silêncios, nas
falas, enfim, nas posições discursivas expressas nos espaços de formações continuadas
dos professores; retornar ao meu lugar e oferecer ao outro um olhar inteiro que só é
possível do lugar que eu ocupo. Esse é o desafio que me coloco na construção do lugar
de pesquisadora que faço com esta pesquisa por meio do conceito de exotopia proposto
por Bakhtin.
Contudo, ao considerar o conceito de exotopia como um encaminhamento
metodológico de pesquisa, uma condição imprescindível ao processo está no
movimento que o pesquisador realiza: entrar no país do outro (AMORIM, 2004). Ao
69
abrir esta porta, descortina-se uma infinidade de diálogos que serão construídos,
reconhecendo nas alteridades que serão constituídas, por mim, enquanto pesquisadora,
mas também com os sujeitos da pesquisa.
Nesse movimento, vale marcar o que Amorim (2004) chama de estranheza do
objeto, pois há de construir um distanciamento do objeto, dando-se a oportunidade de
construir perplexidades, surpresas, admirações, interrogações, desnaturalizando o que
está instituído como “normal” daquele espaço. A autora propõe ainda sermos
simultaneamente hóspedes e anfitriões, pois, em um primeiro momento, o pesquisador é
acolhido pelo outro, no entanto, em um segundo momento, será anfitrião, pois será ele
que irá apresentar aquele país do seu ponto de vista na autoria do seu texto de pesquisa
(AMORIM, 2004).
Ao entrar no país da formação continuada para professores do ensino
fundamental das redes públicas, desvela-se um universo de perspectivas, movimentos,
enunciações, diálogos que se constituem na especificidade de cada ano de escolaridade
no qual o professor ensina. Simultaneamente a esses sujeitos, há os tutores-formadores,
aqueles que são os responsáveis por encaminhar as ações da formação. Instaura-se,
então, um processo de interlocução atravessado por tensões, disputas, conhecimentos,
experiências, relações de forças.
Ao considerarmos a diversidade e a singularidade do discurso, não podemos nos
esquecer de examinar as forças desiguais que os produzem e atravessam. É nessa arena
que se constitui o espaço da formação continuada. A escrita desta dissertação me desafia
a identificar os excedentes de visão do outro que está inacessível a ele. O texto, então,
busca marcar essas descobertas e assinalar esses excedentes.
O pesquisador, ao entrar no país do outro (AMORIM, 2004), acessa o outro
naquilo que está inacessível a ele, e essa possibilidade cria um movimento exotópico de
70
diferentes acabamentos provisórios, pois cada discurso proferido sobre o que está
inacessível ao outro irá revelar diferentes interlocuções, criando um movimento
exotópico infinito.
Contudo, faz-se necessário reconhecer que esse movimento acontece de forma
única e singular, pois as interlocuções que são possíveis nesse movimento estão
marcadas pela autoria do pesquisador que criou uma dentre tantas formas e caminhos de
apresentar os dados coletado nesse campo. Cada discurso proferido está imerso em
sentidos e significados que são construídos no ato de observar e, consequentemente, de
apresentar os sujeitos da pesquisa.
2.2 Carlo Ginzburg: rastros e indícios de uma trama: os desafios do paradigma
indiciário
Aproximar a trama tecida entre enunciado, discurso e exotopia - conceitos
bakhtinianos - ao campo da formação continuada de professores tornou-se um desafio
na escrita deste texto dissertativo. Relacioná-los implica considerar a necessidade de
compreender que os discursos constituídos nesse espaço a partir dos temas das
formações continuadas estarão mergulhados no contexto histórico e social no qual esse
processo está imerso.
Instigada a perceber nuances, tons, texturas, cores com as quais são tecidos os
fios dos discursos dos sujeitos participantes da formação torna-se uma forma, dentre
tantas possíveis, de pesquisar. Entretanto, para perceber as cores, há de se ter um
caminho, um percurso. De que cores, nuances e texturas são marcados os discursos
constituídos nas formações continuadas entre professores e tutores-formadores? Como
selecionar, escolher essas constituições? Que procedimento utilizar?
71
A necessidade de uma escolha metodológica me aproxima do paradigma
indiciário de Ginzburg, que nos apresenta uma base para pensar o modelo
epistemológico. O autor propõe a seguinte reflexão:
é preciso não se basear, como normalmente se faz, em características mais
vistosas, portanto mais facilmente imitáveis, dos quadros... é necessário
examinar os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas
características da escola a que o pintor pertencia... traços presentes nas
originais, mas não nas cópias. (GINZBURG, 1989: 144).
No trecho acima, Morelli aponta a possibilidade de que se procure não as
características aparentes, mas sim os pormenores negligenciados. O autor nos convida a
olhar não somente o que está aparente para todos, mas sim características e traços não
tão evidentes. Ginzburg, ao trazer Morelli para pensar sobre o campo epistemológico,
nos aproxima para pensar sobre que marcas, aspectos, formas que a priori não seriam
considerados, mas que, a partir do paradigma indiciário, haveria a necessidade e a
importância de ser observado e evidenciado.
O paradigma indiciário consiste em um método investigativo centrado nos
pormenores, nos resíduos, nos rastros mais tímidos, considerados reveladores, que
pareciam sinais considerados irrelevantes ao olhar. Ginzburg nos afirma que:
Esse conceito poderia funcionar como uma espécie de atalho, um atalho que comportasse a ideia de sempre começar novamente, trabalhando nos
resultados, em hipóteses, e então tentar complicá-las, deixando o processo
evidente para o leitor, e assim por diante. Defendo que devemos tentar
trabalhar nesse sentido. (GINZBURG, 1989: 144).
Considerar a perspectiva do paradigma indiciário admite reconhecer a dúvida,
como um interlocutor, problematizar os temas, informar os caminhos, mesmo os
abandonos, explicitar a incerteza, o que está sendo reconhecido e o que poderá se tornar
provisório no momento seguinte; as sinuosidades do processo de investigação do
pesquisador, identificando que estes “bastidores” devem ser explicitados no decorrer do
72
processo. Compreender o processo investigativo como um processo vivo que se tece e é
tecido ao ser realizado consiste no desafio.
O paradigma indiciário contribui na medida em que considera os rastros e as
singulares no campo da investigação. Nessa perspectiva, se desvelam os não ditos, o
que não está aparente, as contradições, pausas, silêncios, negações, ou seja, pelos
indícios, é possível compreender atitudes, mudanças e mecanismos criados pelos
sujeitos como forma de mediação com a realidade. Se a realidade é opaca, existem
zonas privilegiadas – sinais, indícios que permitem decifrá-la. “(...) Essa idéia constitui
o ponto essencial do paradigma indiciário”. (GINZBURG, 1989: 145).
Ao observar, marcar, escarafunchar os interiores das formações continuadas para
professores, deparamo-nos, em um primeiro momento, com as práticas de formadores
em uma primeira instância e os tutores-formadores em uma segunda instância. Estas são
constituídas por diferentes aspectos, dentre eles os discursos dos sujeitos participantes.
Tenho como proposta tornar visíveis indícios, sinais, que permitem olhar no e sobre o
ato da formação, os discursos constituídos entre formadores e tutores-formadores e, em
um segundo momento, entre tutor-formador e professores, indícios aparentemente
invisíveis aos sujeitos participantes daquele espaço.
Esse paradigma revela um conjunto de elementos ditos imponderáveis, como
palavras, silêncios, pressupostos teóricos, experiências, enfim, discursos que nos
instiguem a marcar esses indícios. Levá-los em conta nesta pesquisa expressa
compreender, por meio dos discursos, os enunciados produzidos nas formações
continuadas, analisando, por meio das práticas dessa formação, as interlocuções nos
infinitos discursos que são constituídos entre formadores, tutores-formadores e
professores.
73
Ao considerar a perspectiva do paradigma indiciário como um caminho possível,
criando não somente uma forma de encaminhar as escolhas, mas também assinalando as
escolhas sobre o campo empírico, essa escolha teórico-metodológica também estabelece
pontos de relações com a abordagem bakhtiniana.
Esses saberes não estão organizados e acabados, ao contrário, estão imersos nos
discursos, fragmentados, podendo ser revelados nos rastros, pormenores, indícios
constituidores desses discursos. Esses precisam se tornar visíveis para o campo de
estudos sobre esse sujeito tutor-formador.
Há marcas que são recorrentes nas formações continuadas para professores.
Imersos nesse espaço discursivo, há temas que são abordados pelo tutor-formador que
provocam enunciados diversos e com diferentes significados.
Os aportes teóricos entre o paradigma indiciário e as contribuições bakhtinianas
convergem para a produção de uma nova possibilidade de olhar as práticas nas
formações continuadas, no que se refere à função do tutor-formador. A proposta
consiste em apontar possíveis contornos sobre a função do tutor-formador no que se
refere aos enunciados que estão presentes nos discursos que são constituídos nos
espaços das formações continuadas.
Dessa forma, o diálogo com Ginzburg (1989) possibilitou a aproximação de uma
metodologia investigativa para uma pesquisa que se preocupou não com a identificação
e interpretação dos significados, mas com a pluralidade das possíveis significações
constituídas.
O que considerar nas observações sobre de campo da formação continuada para
professores dos anos iniciais do ensino fundamental? Que contornos delinear sobre
esses discursos? Como são construídos os critérios que serão utilizados para selecionar
74
os fragmentos, fios do campo empírico? São alguns indícios das análises possíveis sobre
esse campo.
2.3 Walter Benjamin: alguns indícios nas narrativas das experiências dos sujeitos
Um dia, Guilherme Augusto escutou sua mãe e seu pai conversando sobre Dona Antonia.
- Coitada da velhinha – disse sua mãe.
- Por que ela é coitada? – perguntou Guilherme Augusto. - Porque ela perdeu a memória – respondeu seu pai.
- Também, não é para menos – disse sua mãe. – Afinal ela já tem quase noventa e seis anos.
- O que é uma memória – perguntou Guilherme Augusto. Ele vivia fazendo perguntas.
- É algo de que você se lembre – respondeu o pai
(Fox, 1995)
Provocada pelos escritos de Walter Benjamin, surgem lampejos de lembranças,
como flashes de imagens, inundando meus pensamentos por meio de sons, sabores,
formas, textos, histórias em diferentes momentos. Dentre tantas, uma história em
especial me acompanhou durante os estudos: Guilherme Augusto Araújo Fernandes.
Esse menino, que não era tão velho assim com a sua célebre pergunta O que é
uma memória? mobilizou-me a pensar sobre as memórias. Relembro então, situações
guardadas em um tempo, que ao serem trazidas para este texto ganham consistência e
forma. A história é um objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo
e vazio, mas um tempo saturado de “agoras” (BENJAMIN, 1994:229).
O reconhecimento do tempo histórico, não somente pelas suas causalidades
lineares apresentadas por meio de uma ordenação cronológica de fatos históricos, mas
também pela compreensão em termos da intensidade das situações, provoca uma
reflexão sobre a importância, a consistência e as implicações das lembranças para o
coletivo.
Os “agoras” apresentados por Benjamin são manifestações das raízes de nossas
lembranças em saltos e recortes que desconstroem a perspectiva linear e evolucionista
75
da história oficial. Apontar a importância dos fragmentos, identificando as origens,
independente da localização em um tempo linear reafirma que ao se articular
historicamente o passado não significa conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa
apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo
(BENJAMIN,1994:224).
Portanto, em meu caminho profissional, identifico em algumas práticas sentidos
que construí a partir de suas origens e que ao serem trazidas para o tempo presente são
marcadas por novos significados. As reminiscências (BENJAMIN, 1994) das práticas
escolares e seus relatos nos propõem não somente admitir sua importância em seus
saberes e intensidades, mas também a identificá-las como uma ação que diz respeito ao
coletivo.
Ao me aproximar das lembranças de encontros com professores dos anos
iniciais, enquanto formadora de professores, as que insistem em permanecer de forma
recorrente são as falas dos docentes. Manifestavam-se por meio das emoções sobre
desafios enfrentados no cotidiano das escolas, em suas salas de aula.
Identifico então nas memórias enquanto formadora de professores os “agoras”
dos professores como constituidores de meu percurso profissional. Percebo que as falas
dos professores, naquele momento, se tornavam reflexões indicando a necessidade de
encontrar respostas e criação de um outro momento para uma nova possibilidade de
abordá-los.
Esse movimento acontecia ainda de forma intuitiva, acreditava que precisava
responder aos professores, enquanto formadora do grupo. Contudo, percebo que já
havia indícios (GINZBURG, 1989) de um reconhecimento da qualidade e da
consistência sobre as falas que os docentes expressavam nos encontros. De alguma
forma, após o encontro, continuava dialogando com eles.
76
Prado e Soligo (2007) assinalam que as conversas cotidianas dos professores,
algo que acontece de forma espontânea entre os profissionais, revelam intensidades e a
possibilidade de se tornarem temas para textos escritos tratando sobre o que pensam,
sentem, aprendem e fazem em seu cotidiano nas salas de aula.
Ao me deparar com essas falas e considerá-las nas suas intensidades, identifico a
possibilidade de compreendê-las em seus conteúdos e valorizações, tanto para os
próprios professores, como também para os tutores-formadores.
Ainda que não seja algo explícito, esses relatos são de alguma forma,
reconhecidos, identificados tanto pelos emissores/professores, quanto pelos
ouvintes/professores e/ou tutores-formadores como referenciais para pensar sobre as
próprias práticas. De alguma forma, nos encontros de professores, em espaços internos e
externos à escola, há uma expectativa sobre a realização desses relatos e que servem
quase como balizadores, oferecendo referências sobre a participação dos profissionais
nos encontros.
Benjamin nos afirma que a reminiscência funda a cadeia da tradição, que
transmite os acontecimentos de geração a geração (1994:221). Ressaltar o conceito de
reminiscência neste texto tem como objetivo estabelecer uma relação entre os relatos
que docentes expressam nos encontros de formação continuada, as elaborações
constituídas por professores e tutores-formadores e as possíveis compreensões que esses
estabelecem sobre os relatos que são constituídos no ato da formação.
Tais relações, à luz dos conceitos benjaminianos, se constituem como as
narrativas das memórias tecidas com as falas dos docentes, algo que se torna recorrente
nos encontros de formação continuada. Proponho, então, um diálogo com os conceitos
benjaminianos de experiência e narrativa e o campo da formação continuada dos
professores, no que se refere às falas que os docentes realizam nos encontros de
77
formação continuada e seus impactos na constituição dos conhecimentos dos
formadores de professores.
Considero que há um fecundo terreno sobre essas falas, tanto no que se refere
aos professores no sentido de qualificá-las no ato de compartilhar, como para os tutores-
formadores, ao considerá-las como constituidoras de suas práticas. Ouso, assim, propor
que se possam compreendê-las como experiências de narrativas: dos docentes e dos
formadores de professores.
2.3.1 Algumas nuances benjaminianas – narrativas e experiências
As experiências sempre foram comunicadas às novas gerações. De forma
concisa, com autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a
loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países
longínquos, diante da lareira, contadas a pais e netos. (BENJAMIN,
1994:114)
O encontro com os escritos benjaminianos convocaram-me a pensar sobre as
tantas experiências que constituí ao longo de meu percurso profissional, como os tantos
professores que contribuíram na minha formação. Inicio um diálogo com os conceitos
do autor, buscando identificar as aproximações com o que os docentes falam e
simultaneamente ao que é transmitido para as novas gerações.
A experiência da arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais
raras as pessoas que sabem narrar devidamente (BENJAMIN, 1994:197). A reflexão
provoca a análise do impacto dos que viveram a primeira guerra mundial e seus efeitos
nos sujeitos. Benjamin exalta, ainda, que combatentes voltavam mudos do campo de
batalha... mais pobres em experiências comunicáveis (BENJAMIN, 1994:198). O que
havia para ser comunicado após uma catástrofe humana como uma guerra mundial?
Ao considerar que há uma diminuição das experiências, o filósofo reconhece que
não há o que ser contado, o que transmitir. O que existem são informações que são
78
acumuladas nos e sobre contextos sociais, indicando um imediatismo dos fatos e uma
não preocupação com as possíveis elaborações dessas situações. Sendo assim, o tempo e
o espaço para as compreensões e reflexões sobre os fatos estavam em processo de
declínio. O mesmo autor também afirma que há uma subtração nas experiências a serem
comunicadas e diz que essa pobreza não é mais privada, mas de toda a humanidade
(BENJAMIN,1994:115).
O autor realiza uma crítica severa aos modelos da modernidade vigentes no
início do século XX. Sua abordagem analisa que a sociedade estabelece um predomínio
do acúmulo de informações em detrimento das narrativas tecidas nas rodas dos
trabalhos manuais, que fundavam nas reminiscências (BENJAMIN, 1994). As perdas
sociais dessa escolha, de acordo com o autor, acarretavam o empobrecimento das
experiências e o enfraquecimento das tradições culturais.
Benjamin (1994) assinala que de alguma forma houve uma cisão entre sujeito e
coletivo. A perspectiva progressista, ou melhor, de evolução histórica, instaurou novos
paradigmas e situações sociais que ratificavam essa visão, dentre eles: a
industrialização, a produção em série, a valorização da técnica, o acúmulo de
informações, a mercantilização dos valores. Nessa perspectiva, não havia espaço e
tempo para se considerar as histórias que são contadas e as marcas que cada uma
imprimia.
As experiências precisam ser consideradas e compartilhadas, pois os fatos que
cada sujeito experimenta, ainda que adquiram um caráter privado na sua constituição,
são gerados numa dada experiência coletiva (BENJAMIN, 1994). Há então um
descompasso que se estabelece, com o declínio das experiências e o predomínio das
informações. Konder coloca no foco a discussão e nos propõe reflexões sobre os
conceitos de experiências e vivências:
79
“Erfahrung” é o conhecimento obtido através de uma experiência que se
acumula, que se prolonga, que se desdobra, como numa viagem (e viajar, em
alemão, é fahren); o sujeito integrado numa comunidade dispõe de critérios
que lhe permitem ir sedimentando as coisas, com o tempo.
“Erlebnis” é a vivencia do indivíduo privado, isolado; e a impressão forte,
que precisa ser assimilada as pressas, que produz efeitos imediatos.
“Erfahrung é o produto do trabalho e “Erlebnis é a fantasmagoria do ocioso.
(KONDER, 1989:72)
O conceito de experiência (KONDER, 1989) torna visível a importância da
elaboração dos conhecimentos admitindo que a cada transmissão se ressignifiquem,
criando então novos sentidos. As narrativas, ao serem comunicadas, instauram um
resgate da temporalidade em suas origens, desvelam suas intensidades, fundando a
cadeia da tradição.
As experiências que são narradas revelam as raízes das tradições que emergem
em cada movimento de contá-las. No coletivo, ao serem compartilhadas instaura-se um
comprometimento entre os sujeitos, cria-se um espaço de re-elaboração dos significados
tanto para quem conta como para quem ouve. Sendo assim, cada narrativa não
comunicada enfraquece a rede das narrativas das experiências, levando a diminuição da
rede da tradição histórica.
Diante desse fato, o que predomina e ganha espaço social são as informações.
Konder (1989) então nos apresenta o conceito de vivência como algo que está na
superfície, no tempo presente, o que está imediatamente ao nosso alcance, com as
comoções do primeiro momento. A apropriação da vivência acontece de forma
instantânea, sem preocupações com a continuidade, com a extensão do que foi dito.
Benjamin (1994) aponta a substituição das narrativas pelas informações do instante
presente e essa perspectiva prevê o consumo, a necessidade de um armazenamento de
fatos, de objetos por si.
Nesse tempo contemporâneo, as vivências (KONDER, 1989) são uma constante,
situações presentes, surgidas no imediato, não havendo espaços para compreensões e
80
elaborações sobre o vivido. A relação somente com o que está na superfície do vivido
impede que sujeitos possam olhar para frente e os convida a se contentar com o pouco
que está sendo oferecido. O autor considera esse fenômeno a nova barbárie
(BENJAMIN, 1994:116).
Benjamin (1994) nos propõe trabalhar com e sobre esse empobrecimento e
observa que há brechas para superação, pois muitos foram os homens implacáveis que
operaram a partir de uma tábula rasa (BENJAMIN, 1994:116).
A superação consiste na observação das brechas, de olhar para as fissuras
instaurando um espaço criativo e desvelando então novos significados, novos caminhos,
novos sentidos. Benjamin (1994) nomeia esse fenômeno, apontando-o como uma nova
perspectiva positiva sobre o conceito de barbárie.
Identifico que uma das brechas (BENJAMIN, 1994) possíveis consiste na criação
simultânea de espaços e tempos para realizar as narrativas. Ao serem transmitidas às
novas gerações, serão reelaboradas, ganhando novos sentidos e significados. Esse
movimento convoca o outro, criando elos na e sobre as transmissões e, com isso, tece
novas tramas nesta grande rede de narrativa de experiências.
O autor nos provoca ainda com as seguintes questões: Há algo ainda a ser
transmitido? O que desejamos deixar para as próximas gerações? Há legados a
comunicar? E continua: qual é o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a
experiência não mais o vincula a nós? (BENJAMIN, 1994:115). Há uma exigência de
um olhar mais apurado sobre os temas das narrativas, as intensidades do que está sendo
narrado, o vigor e as elaborações do que é transmitido. O ato de compartilhar
experiências instaura um processo de elaboração e ressignificação que são marcados no
ato de partilhar no coletivo, fato que contribui significativamente para a constituição de
novos sentidos e significados.
81
A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio artesão – no campo, no
mar e na cidade –, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
comunicação (BENJAMIN, 1994:205). Essa perspectiva artesanal apresenta a
possibilidade da continuidade, pois a cada movimento de “fazer com as mãos” surgia a
possibilidade de comunicar ao outro as experiências, imprimindo na narrativa a marca
do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso (BENJAMIN, 1994:205). Ao nos
aproximarmos das narrativas, encontramos as marcas que cada sujeito constitui sobre o
narrado e a criação como um fenômeno do humano.
No contexto contemporâneo, a diminuição das experiências influenciou também
sobre a arte de dar conselhos (BENJAMIN, 1994), situação em extinção. Se as
experiências não estão sendo transmitidas, não há espaços para que as pessoas possam
elaborar e expressar seus conhecimentos, sendo assim, não há espaços para compartilhar
elaborações que em última instância se transformam em conselhos. E para que serve dar
conselhos?
Benjamin nos afirma que aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer
uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada
(BENJAMIN,1994:200). Contudo, como continuar narrativas senão há histórias a
serem contadas? Para que a arte de dar conselhos retorne, precisamos ter experiências
para serem narradas e sujeitos que estejam envolvidos com o coletivo para dar
continuidade a essa arte.
As experiências (BENJAMIN, 1994) precisam ser comunicadas às novas gerações,
como histórias que são contadas. Para o autor, as experiências se constituem de
narrativas, e menciona que há narradores que ainda podem comunicar as experiências
acumuladas para as novas gerações (BENJAMIN, 1996). Quem são os narradores? O
82
que narram? Como narram? Narradores são sujeitos que tornam possível o
compartilhar das experiências ao coletivo, criando espaços de intercâmbio dessas ideias.
Ao ressaltar os conceitos de experiência e narrativa diante do amplo campo teórico
do autor, identifico a possibilidade de aproximar esses conceitos e o campo da formação
continuada para professores do ensino fundamental das séries iniciais, mas
especificamente no que se refere às falas dos professores nos encontros e os impactos
destas para o formador de professores na constituição de seus saberes.
Considero que se faz necessário investigar o que há de narrativas de experiências
e/ou de vivências nos encontros de formação continuada, considerando alguns indícios
de um artesanal, de alguma forma ali instalado, tanto pelos professores, como pelos
tutores-formadores.
2.3.2 Reminiscências sobre encontros de formação continuada
Considerar as falas que professores expressam em encontros de formação
continuada instiga uma análise tanto dos temas das exposições, como também do ato de
compartilhar que se estabelece a cada encontro. Identificá-las em suas intensidades, o
vigor e a potência, marca a importância da transmissão no ato de realizá-la.
Kramer (2008) considera que para Benjamin as experiências se organizam como
um traço cultural, enraizado na tradição, manifestando o valor da arte de narrá-las.
Considero oportuno aproximar os conceitos benjaminianos de experiência e narrativa
do campo da formação continuada, buscando um encontro com as falas dos docentes e
dos tutores-formadores. Considero que essa possibilidade estabelece uma aproximação
com o campo, especialmente da posição do tutor-formador, sujeito responsável pelos
encontros de professores, que de alguma forma ainda está à margem nas pesquisas do
campo.
83
Cabe ainda ressaltar que a participação de professores nos encontros
expressando de alguma forma suas opiniões é algo corriqueiro no campo, contudo,
ainda se torna algo embrionário no que se refere a considerações e às implicações dessas
participações, tanto para contribuir para os estudos sobre formação de professores,
como para os tutores-formadores.
Provocados por referenciais benjaminianos, são suscitadas as seguintes reflexões
sobre as falas dos docentes em encontros de formação continuada: o que falam os
professores nos encontros de formação continuada? Ou seria melhor, o que narram os
professores nesses encontros? Há espaços para essas falas? Criam-se oportunidades
para possíveis elaborações sobre as falas dos docentes? Quais são os sentidos
compartilhados quando um professor expressa seus desafios e seus sucessos em
encontros de formação continuada? Ao expressarem suas práticas escolares estarão
constituindo narrativas de experiências docentes na perspectiva benjaminiana ou
expressando vivências do cotidiano escolar?
Na outra posição, o tutor-formador escuta as falas dos professores. Elas também
provocam ponderações e análises: nos encontros de formação continuada, o que
docentes expressam em suas falas? Tutores-formadores criam espaços de falas para
docentes nos encontros de formação continuada? Como as falas dos docentes são
identificadas e elaboradas pelos tutores-formadores? Tutores-formadores também
expressam suas falas, ou seria melhor, narram sobre as práticas com os professores?
Como tutores-formadores de professores observam as falas dos docentes? Há espaços
para tutores-formadores elaborarem suas falas?
Há ainda algo que provoca possíveis análises: quando docentes expressam suas
falas sobre suas práticas, seriam experiências e/ou vivências que esses profissionais
relatam? Há necessidade de nomeá-las? Quem poderia fazê-lo? Em que medida essas
84
falas contribuem para a formação dos tutores-formadores? Seriam elas narrativas de
experiências docentes?
Para além de respondê-las, considero que tanto as referentes aos professores
como as relativas ao formador de professor são pontos de partida para pensar sobre
essas falas dos docentes e dos formadores no que se refere ao vigor, às suas
intensidades, os sentidos e significados que constroem ao serem partilhadas e a relação
dessas com as práticas dos formadores de professores.
O ato de partilhar práticas escolares realizado por professores em espaços de
formação continuada se apresenta com tênues limites entre falas que expressam suas
práticas e desabafos emocionados de situações do cotidiano escolar. Há temas presentes
dos diferentes campos do conhecimento, emoções e sentimentos sobre os desafios do
cotidiano escolar, implicações e atravessamentos das práticas escolares, para citar
somente algumas considerações presentes nessas falas. Ainda que não se alcance as
respostas a tantas questões há que se ter um diálogo sobre elas, reconhecendo o
movimento recorrente de participação dos docentes nos encontros.
Benjamin propõe reflexões ao se referir ao fenômeno da comunicação e nos
aponta críticas sobre algo que já se instalava no início do século XX que seria o
acúmulo de informações, fenômeno que se estabelecia de forma imediata e contundente.
Contribui para o diálogo com a seguinte reflexão:
a informação aspira a uma verificação imediata. Antes de mais nada, ela
precisa ser compreensível “em si e para si”(...) é indispensável que a
informação seja plausível (...) somos pobres em histórias surpreendentes. A
razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações.
(BENJAMIN, 1994:203)
As informações ainda hoje ocupam um espaço social em virtude da rapidez com
que as transformações acontecem, provocando uma necessidade de atualização, quase
que instantânea. Nesse sentido, ganharam espaço e marcaram uma lógica de se
85
compreender o fato por si, apresentações e esclarecimentos acontecendo de forma
simultânea. As informações são lançadas para o coletivo como objetos que são
produzidos em série, sem tempo e espaço de elaboração tornando seu acúmulo um
fenômeno recorrente. A presença do efêmero na comunicação dos fatos aponta para o
movimento do passageiro, da novidade presente a todo instante.
Em contraposição a esse fato, realizando críticas severas à sociedade que de
alguma forma privilegia as informações em detrimento das narrativas, Benjamin aponta
a seguinte reflexão, articulando as memórias, tradições e narrativas:
A reminiscência funda a cadeia da tradição, que transmite os conhecimentos
de geração a geração (...) Ela tece a rede que em ultima instância todas as
histórias constituem entre si, uma se articula a outra. (1994:211)
As memórias são lembranças comunicadas pelas gerações quando se considera
que há o que ser participado. Esse movimento provoca o partilhar das reminiscências,
narrativas que são constituídas a cada comunicação. Nessa ação criam-se novas
elaborações com outros e novos sentidos e significados. Inaugura-se a rede tecida a cada
narrativa partilhada, fundando tradições culturais e históricas. Sujeitos constroem elos
no e com o coletivo
Com essas reflexões, aponta-se para uma distinção entre informações e
narrativas. No que se refere às informações, há a sede do novo, indicando que o que
vale está no momento presente, no instante. Articula-se a essa referência pensar que
pelo acúmulo de informações a sociedade possa construir o seu progresso. Essas
transformações são ocasionadas pelo progresso, não apresentando preocupações com o
que foi instituído, com as tradições culturais constituídas até então.
Em contrapartida, as narrativas indicam que, no ato de compartilhá-las, instaura-
se uma conexão entre os sujeitos marcando que cada história narrada apresenta novos
sentidos sobre o narrado. Cada movimento de recontá-las acontece pelos sentidos que
86
cada uma possui simultaneamente, as escolhas que sujeitos realizam e os elos com esse
coletivo, desse modo são tecidas as narrativas. Em ultima instância, funda a cadeia da
tradição, que transmite os conhecimentos de geração a geração (BENJAMIN, 1994). A
possibilidade de investigação sobre as fronteiras nos encontros com docentes busca
indícios (GINZBURG, 1989) dos atravessamentos que constituem essas falas dos
professores, as aproximações e distanciamentos com os conceitos benjaminianos.
Benjamin (1994), então, nos afirma que a felicidade está não no tesouro, mas na
possibilidade de cavar a terra. O fato de identificar essas falas em um texto de pesquisa
cria a possibilidade de revolvê-las, não somente os temas presentes em cada uma, mas
também o ato de identificá-las como algo que contribui e constitui os encontros de
formação continuada. Nesse sentido, considero que a presença da constituição das
narrativas tanto de professores como para tutores-formadores ressalta a possibilidade de
uma felicidade, com um quê de marcar as elaborações e narrações dos sujeitos, do
humano presente ali.
Surgem, ainda, diferentes expectativas tanto para o docente, quanto para tutor-
formador, sobre as falas dos professores sobre suas práticas. Há informações e/ou
narrativas? Se há somente informações, cabe então pensar em torná-las narrativas de
experiências docentes? Em que medida essa discussão contribui na constituição das
práticas dos tutores-formadores?
Benjamin marca que a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que
recorrem todos os narradores (1994:198). O ato de compartilhar práticas escolares
presente em tantos encontros de formação continuada parece acontecer em alguns
momentos à revelia de quem o coordena.
Instaura-se, então, a cada encontro de formação continuada, uma fonte de práticas
escolares e que. de alguma forma. professores não somente se identificam como
87
também se apropriam de tais falas, ou melhor, das narrativas. A importância que
tutores-formadores possam recorrer a tais fontes como os narradores o faziam se torna
algo quase que imprescindível para os encontros de formação continuada que pretendem
constituir espaços para se elaborarem narrativas das experiências docentes.
A afirmação do autor ao nos propor que contar histórias sempre foi a arte de
contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas (..).
Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o
que é ouvido (BENJAMIN, 1994:205). Desse modo, nos encontros de formação
continuada, se faz necessário propor a criação de espaços em que docentes sejam, não
somente ouvidos, mas também considerados em suas narrativas. É preciso considerar
que há um acervo, uma fonte em que as experiências são guardadas, contudo, se faz
necessário que elas sejam novamente colocadas diante da lareira... fiando e/ou tecendo
(BENJAMIN, 1994:205) cada narrativa das experiências compartilhadas.
As situações que são narradas nos encontros, o ato de considerá-las e colocá-las
no foco, analisando-as e consequentemente recriando-as, já anuncia que ganharam
corpo e forma. Assim, quando docentes compartilham suas práticas escolares, narrando
para o coletivo, na perspectiva benjaminiana, está implicando o outro na história,
marcando de forma mais decisiva não somente a experiência em si, mas também a
intensidade presente no ato de compartilhar as narrativas.
Benjamin (1994) nos propõe escovar a história a contrapelo, inaugurando a
possibilidade de colocar essas narrativas no foco, desconstruindo a direção e a
linearidade propostas pela história oficial. Dessa forma, serão encontrados sentidos e
significados, nas ruínas, nos estilhaços, contribuindo para trazer para o presente
resquícios de um passado que no presente podem se tornar “agoras”, que ao serem
narrados ganham novos sentidos e contornos.
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Os encontros de formação continuada estão, em muitos momentos, relacionados
às ações das políticas públicas, principalmente nas instâncias das secretarias estaduais e
municipais. Nessa perspectiva, vale ressaltar que há algumas propostas de formação que
são baseadas em princípios de repasses (ANDRADE, 2010) e, desse modo, a
transmissão das informações é algo que estrutura e fundamenta os princípios
organizacionais dos encontros. O fato de repassar informações já indica o trabalho na
formação continuada.
Sendo assim, há um enfraquecimento da arte de narrar, pois o que está sendo
priorizado são as informações e a quantidade que cada docente possa armazenar.
Quando chegar em sua sala de aula, terá a oportunidade de colocar na prática tudo
aquilo que armazenou. Nesse sentido, não há o que narrar. A prioridade está no instante
da informação no acúmulo que cada um possa fazer sobre cada encontro. O que está
sendo priorizado nos encontros de formação continuada: informações que precisam ser
acumuladas ou experiências para serem narradas? E docentes tem o que narrar ou se
sentem autorizados somente a informar?
Tenho como proposta buscar indícios sobre as aproximações e os afastamentos
que essas reflexões têm do campo da formação continuada de docentes, marcar
possíveis indícios presentes nas narrativas no que se refere a temas propostos e ressaltar
suas intensidades, colocando no foco o ato de compartilhá-las. Considero que o ato de
marcá-las, identificá-las, aponta a possibilidade de se tornarem narrativas das
experiências docentes.
Ao tecer com mais esse fio o referencial teórico, considero que as experiências
compartilhadas nos espaços de formação continuada se compõem, dentre tantos fios,
das narrativas de experiências. Ao comunicá-las, tecem-se novas redes constituindo as
novas tradições.
89
3 O CAMPO DA FORMAÇÃO CONTINUADA: AS DIFERENTES PARTES DE
UM BORDADO
Tempos atrás me deu vontade de fazer um livro do princípio ao fim. Movida
pela mesma curiosidade que desde pequena vem abrindo o meu caminho:
fazer-pra-ver-como-é-que-é-fazer. Mas eu só queria fazer o livro se ele fosse
feito à mão... tudo que eu andava querendo escrever naquela hora tinha a
ver com fazer à mão: eu queria falar do meu eu - artesã; e queria lembrar a
marca que outros artesãos me deixaram; eu queria voltar atrás na minha
vida pra reencontrar o pano bordado, a terra cavada, o barro moldado, e
queria juntar eles todos numa pequenininha homenagem feito à mão... quanto mais a tecnologia se impõe, mais rédea eu vou dando pro meu gosto
de fazer à mão. (BOJUNGA, 2005:7)
Aproximo o ofício do pesquisador com o do artesão, descrito anteriormente, com a
sensibilidade que cabe aos escritores, em especial, a Lygia Bojunga, artesã-escritora
que tem como uma das suas marcas a simplicidade de escolher palavras que retratam os
dilemas e conflitos humanos com sensibilidade e frescor. O encontro com a autora, nas
palavras fazer à mão, me remete a associar o que tenho como objetivo realizar nesse
capítulo: a arte de narrar os caminhos que foram percorridos ao longo da pesquisa para
marcar os fios, mas também o rigor, para tecer a trama do bordado.
Ao assumir a posição de pesquisadora, inaugura-se um lugar singular, constituído
na relação com sujeitos da pesquisa, apontando um quê de artesão, ofício que se faz na
delicadeza e com ações singulares. Assim, investigar se torna algo que exige delicadeza
para perceber os atos singulares dos sujeitos participantes, mas também rigor e precisão
para materializar os contornos e desenhos do bordado que se iniciava com o processo de
formação continuada.
Remeto-me novamente a Colasanti (2004), citada no início deste trabalho com suas
linhas e fios que se entremeavam no tear da Moça Tecelã, que tecia e destecia os
bordados construídos em suas experiências sobre o viver. Aproximo o lugar de
pesquisadora da ação de tecer, um ato singular, feito à mão.
90
3.1 Apresentando os contornos e desenhos do campo da pesquisa
Um texto de pesquisa, feito à mão, se propõe a apresentar alguns, dos tantos fios,
que constituem os saberes dos tutores-formadores. Estabelece-se um desafio de não
somente apresentar alguns dos fios, mas também identificar possíveis tramas, pequenos
pontos, linhas ainda soltas, bordados ainda por fazer, constituições de saberes que são
entremeados das experiências pessoais de cada profissional, com a sua própria formação
e também no próprio ato de realizar a formação continuada para professores dos anos
iniciais.
A pesquisa consiste em investigar o percurso de planejamento e ação do processo
de formação dos tutores-formadores do programa Pró-letramento e, para isso, decido
acompanhar o processo de formação continuada, investigando, desde as reuniões para
elaboração do planejamento para a formação dos tutores-formadores, os encontros de
formação continuada desses profissionais, até a escolha de um tutor-formador para
acompanhar o processo de formação continuada desse sujeito com seu grupo de
professores dos anos iniciais do ensino fundamental em uma rede municipal.
O programa prevê que as equipes de formadores tenham como um dos objetivos
elaborar o planejamento da formação continuada para os tutores-formadores. Minha
entrada no campo inicialmente realizou-se pela participação nas reuniões para
planejamento da formação continuada para tutores-formadores. Foram quinze reuniões,
nas quais observava as discussões e realizava registros em um caderno de anotações.
Em um primeiro momento, meu interesse voltou-se para analisar as produções em
power-point utilizadas de forma recorrente em encontros de professores. Esse é um
recurso didático utilizado pelas formadoras que marca a autoria sobre as produções
teóricas a serem apresentadas aos professores.
91
Em uma das considerações sobre os recursos do power-point, as formadoras
apontaram que os tutores-formadores sempre solicitavam os slides. Após a exposição,
identificamos que havia um caminho de investigação no que se refere aos modos de
apropriação construídos pelos tutores-formadores, quando de posse de um recurso que
não havia sido construído por ele. Como esses textos visuais de power-point, preparados
pelos formadores, eram retextualizados pelos tutores-formadores em reaproximação
feita junto aos professores?
A proposta então consistia perceber indícios do processo de apropriação por parte
dos tutores-formadores, buscando identificar que intervenções realizavam a partir da
posse do material. Que apropriações sobre o material eram feitas? Havia alguma
intervenção no material? Havia utilização do material nos encontros que realizavam
com seu grupo de professores?
A cada reunião que participava identificava por meio dos objetivos e atividades
abordados no planejamento que a proposta da formação continuada para os tutores-
formadores consistia em criar espaços de interlocução entre os sujeitos participantes
daquele espaço: formadoras e tutores-formadores.
Ao observar a preocupação por parte do grupo de formadores em organizar e
planejar uma formação continuada para um grupo de sujeitos que tem como função a
formação continuada de docentes dos anos iniciais do ensino fundamental, instigou-me
a buscar desvelar os caminhos percorridos nesse processo. Como seria organizado o
planejamento? Que provocações enunciativas seriam propostas pelo grupo de
formadoras com o objetivo de criar espaços de interlocuções?
Logo as perguntas se tornaram recorrentes em minhas anotações. Considerando os
objetivos e os temas propostos para a formação continuada para os tutores-formadores,
como eles abordariam tais conhecimentos com seu grupo de professores? Quais
92
enunciados propostos na formação continuada para tutores-formadores poderiam se
desvelar nos encontros do tutor-formador com seu grupo? Como aconteceria tal
situação? Quais indícios sobre enunciados abordados nos planejamentos dos formadores
poderiam ser identificados tanto no ato da formação continuada entre formadores e
tutores-formadores, como também na formação elaborada pelo tutor-formador para os
professores dos anos iniciais do ensino fundamental?
Ao sentir-me provocada a observar o espaço da formação continuada, as possíveis
interlocuções entre sujeitos criaram um novo percurso de investigação e marcaram a
desistência de investigar material pedagógico organizado em power-point.
Com a proposta de perceber o processo de formação decido, então, participar das
reuniões das formadoras e passo a observar as discussões que realizam com o objetivo
de elaborar o planejamento da formação dos tutores-formadores do programa Pró-
Letramento.
O LEDUC se responsabilizou pela formação dos tutores-formadores para os
municípios do Estado do Rio de Janeiro e para um grupo do Estado de Minas Gerais
cujos encontros se localizaram em Montes Claros. A equipe de formadoras atendeu a
esses dois grupos, reunindo-se para elaborar o mesmo planejamento. O grupo de
formadoras tinha o seguinte perfil: uma doutoranda em educação formada em Letras
com mestrado em Letras, uma mestre em Educação e duas doutorandas em Educação,
formadas em Pedagogia com mestrado em Educação. A exigência do MEC para estas
formadoras de ter ligação com a universidade foi um critério de seleção para as
formadoras, privilegiando-se mestres e doutores.
As reuniões aconteciam para elaborar de forma coletiva o planejamento para os
tutores-formadores. O quadro 1 apresenta os encontros e as semanas de formação
continuada para os tutores-formadores do programa.
93
Reuniões para elaboração dos planejamentos
das formações continuadas para os tutores-
formadores do Programa do Pró-Letramento
Datas das Formações Continuadas para
Tutores-Formadores
Reunião – 06/08/2010
Reunião – 09/09/2010
Reunião – 17/09/2010
Reunião – 01/10/2010
Reunião – 18/10/2010
Reunião – 25/10/2010
Reunião – 12/11/2010
Reunião – 19/11/2010
Reunião – 03/12/2010 Formação Continuada de Tutores-Formadores –
13 a 17 dezembro de 2010
Reunião – 15/02/2011
Reunião – 22/02/2011
Reunião – 14/03/2011 Formação Continuada de Tutores-Formadores -
21 a 25 de março de 2011
Reunião – 09/04/2011
Reunião – 16/04/2011
Reunião – 14/05/2011 Formação Continuada de Tutores-Formadores
- 16 a 20 de maio de 2011
Quadro 1: Calendário das reuniões dos formadores universitários
A formação organizada pelo LEDUC para os tutores-formadores dos municípios
que participam do programa de Pró-letramento constituiu-se de três momentos que
aconteceram da seguinte forma: carga de 40h em uma semana corrida nos meses de
dezembro de 2010, março e maio de 2011, perfazendo um total de 120h, das quais
acompanhei 30h, com gravações em torno de 28h.
No decorrer das reuniões das formadoras, o grupo foi paulatinamente
construindo o planejamento para o trabalho com os tutores-formadoras. O planejamento
da formação continuada para os tutores-formadores do Programa Pró-letramento
94
aconteceu de forma coletiva, entre formadoras e coordenadoras que elaboram e
organizaram o material didático pedagógico que seria utilizado nos encontros.
As fontes para a pesquisa foram gravações, power-points, materiais impressos
como textos literários e pedagógicos, fotos, planejamentos, tanto da formação elaborado
pelas formadoras do LEDUC para os tutores-formadores, como também os que o tutor-
formador utilizaria em seus encontros de formação continuada com os docentes.
A anotação que vem a seguir de alguma forma materializa as primeiras impressões
do primeiro encontro em que iniciei as minhas observações. Aponto alguns indícios
como as subjetividades presentes nas reuniões e as trocas no ato do planejamento.
“Conversas, sussurros, ansiedades, sorrisos, ideias diversas e entusiasmadas,
alguns dos tantos sentimentos e ações presentes no encontro dos formadores,
grupo responsável pela formação dos tutores do Programa do Pró-Letramento
de Linguagem. Esses são vinculados ao LEDUC/FE/UFRJ, grupo que se
tornou o responsável pela formação dos municípios pertencentes ao Estado
do Rio de Janeiro e por um grupo de tutores de Montes Claros-MG.
Cada uma com ideias, sugestões, planos, livros, vídeos, materiais que pulavam das bolsas pedagógicas e eram apresentados com um grande
entusiasmo para o grupo de forma a contribuir para o planejamento da
formação dos tutores-formadores.
A reunião se inicia, agora formalmente com a direção das coordenadoras do
grupo. Digo isso por reconhecer que as trocas que estavam sendo feitas entre
as formadoras já anunciavam os encaminhamentos, ideias, sugestões,
recursos pedagógicos de diferentes ordens que poderiam contribuir para
dinamizar os objetivos propostos.
Em um primeiro momento relembravam o encontro anterior, com os tópicos
que haviam sido discutidos sobre o planejamento da formação de tutores e
indicavam as pendências que ficaram de ser realizadas por cada componente do grupo. A partir desse momento, na retomada das tarefas que cada
formador se responsabilizou em providenciar para o desenvolvimento do
planejamento do trabalho se encaminhavam novas discussões e se tomavam
as decisões para a construção do planejamento. A responsabilidade de
registrar as decisões na formalização do planejamento eram as
coordenadoras.
Esse planejamento estava acontecendo, mas naquele momento o grupo ainda
não tinha conhecimento de quando se iniciaria a formação. Dessa forma,
havia também notícias sobre o caminho que o processo burocrático perseguia
para alcançar o objetivo de realizar a formação. (Caderno de anotações)
O interesse consiste em trabalhar com o planejamento que esses formadores
construíram para o trabalho na formação continuada, buscando perceber os enunciados
propostos pelos formadores para os encontros de formação dos tutores-formadores,
95
observando tanto o documento planejamento como as ações que se desenvolveram
desse planejamento no ato da formação.
A proposta da pesquisa consiste em identificar indícios de enunciados constituídos
nos encontros de formação continuada, entre formadores e tutores-formadores e as
repercussões nos encontros de formação continuada dos professores cursistas,
identificando indícios dos enunciados do planejamento e dos encontros de formação dos
tutores-formadores
Dentro da diversidade dos trinta e um municípios representados, havia a
necessidade de se aproximar de um contexto para poder identificar essas possíveis
interlocuções, sendo assim se fazia necessário escolher um tutor-formador. A formação
continuada para os professores aconteceria semanalmente. Dessa forma, um critério que
se impõe é a distância: teria que ser um município próximo ao município do Rio de
Janeiro pela necessidade da frequência a todos os encontros.
Um outro critério que se fez presente foi a formação do tutor-formador,
decidindo-se que deveria ser um pedagogo profissional formado para o trabalho com a
formação de professores. Essas considerações foram realizadas antes do que seria o
primeiro encontro do pesquisador com o campo da pesquisa.
A escolha de sujeito da pesquisa aconteceu no primeiro encontro promovido
pelo LEDUC, na abertura da formação continuada para os tutores-formadores do
Programa Pró-Letramento. Houve uma breve apresentação da minha pesquisa para o
grupo de tutores-formadores e, logo após, uma tutora do município de Queimados/RJ se
propôs a participar da pesquisa. Em uma conversa mais próxima, foi percebido que ela
preenchia o único requisito, a formação em Pedagogia: era Orientadora Educacional.
Dessa forma preenchia o critério da distância e da formação, pois o município está
localizado na baixada fluminense, próximo à cidade do Rio de Janeiro.
96
As observações de uma tutora-formadora do Programa Pró-Letramento em seus
encontros de formação continuada para professores das séries iniciais do ensino
fundamental aconteceriam, então, no município de Queimados no Estado do Rio de
Janeiro. Os encontros iniciaram-se em abril de 2011 e finalizaram-se em agosto de
2011. Os encontros aconteciam uma vez por semana com três horas de duração. Ao
todo, foram 15 encontros dos quais participei de 11, perfazendo 33 horas de gravação,
aproximadamente. Durante os encontros produzi escritas pontuais em meu caderno de
anotações e também coletei os materiais pedagógicos utilizados pela tutora-formadora
nos encontros, como: power-points, fotos, planejamentos, gravações, textos, livros e os
fascículos do programa.
Outro dado que complementa o conjunto de enunciados realizado para minha
análise para identificar possíveis indícios da formação continuada realizada pelo
LEDUC na prática do tutor-formador foi uma entrevista semiestruturada com a tutora-
formadora. Nesta, escolhi objetivos expressos nos planejamentos da formação elaborada
pelo LEDUC que estiveram em diálogo com as práticas discursivas da tutora-formadora
na constituição do espaço da formação continuada com os professores dos anos iniciais
do ensino fundamental.
A complexidade do campo empírico das pesquisas em educação é algo que é
marcado na descrição metodológica apontada pelos autores do campo. Com isso se faz
necessário compor tipos de investigação, buscando contornar o campo empírico,
apresentando um maior rigor metodológico na análise dos dados e considerações finais.
Sendo assim, esta pesquisa se apresenta como um estudo de caso que considera
que há a interação entre pesquisador e sujeito da pesquisa, constitutivos do processo, e o
discurso presente no espaço da formação continuada, processo que está sendo
construído no percurso do trabalho. Busca também analisar aspectos discursivos da
97
formação continuada, tendo em vista os deslocamentos subjetivos que possam ocorrer
nesse processo. Focalizo um único sujeito tutor-formador e destaco alguns enunciados
produzidos nos contextos de formação de tutores-formadores e de formação de
professores mediados por este tutor-formador.
3.2 A formadora Luiza
Os tutores-formadores se dividiram em dois grupos. A proposta de compreender
as subjetividades presentes nos enunciados singulares expressos no ato da formação
continuada de cada grupo exige a escolha por um dos grupos. A imersão em um dos
grupos tem como objetivo identificar alguns indícios das interlocuções constituídas no
espaço da formação do tutor-formador e os desdobramentos do processo nos encontros
deste tutor-formador com seu grupo de professores.
Dirijo-me à formadora e coloco a possibilidade da minha participação em seu
grupo. Tenho de imediato a sua aceitação. Sou mais uma vez apresentada ao grupo de
tutores-formadores, anunciando mais uma vez o foco da pesquisa.
Luíza, a formadora, é mestre em Letras, e naquele momento (2010), doutoranda
em Educação, com um foco para a formação de professores. Em sua apresentação breve
para o grupo, ressaltou suas experiências tanto como docente como também na
formação de professores da rede pública municipal. Em sua apresentação, marca suas
experiências, atuações profissionais, expectativas e intenções sobre a formação
continuada que se iniciava.
O grupo de tutores-formadores se apresenta e expressa suas dúvidas,
considerações, compartilha desafios e as expectativas, tanto sobre o processo de
formação em que estavam inseridos, como sobre a formação com o grupo de
98
professores. Em meu caderno de anotações, faço alguns registros sobre esse momento
inicial:
O grupo tem uma grande expectativa sobre os conhecimentos que serão
apresentados na semana de formação;
-Há uma intenção dos tutores-formadores de que a formação continuada para
os professores transformem os baixos índices de alfabetização nos
municípios. Vale destacar que eles não utilizam a expressão “fracasso
escolar”;
-Há tutores-formadores preocupados com a formação dos professores na
escola e com a solidão dos professores; -Há uma crença de , com essa formação para os professores, os problemas
serão solucionados. (caderno de anotações)
Nas apresentações, os tutores-formadores revelam questões sobre a alfabetização
das crianças e jovens enfrentadas em seus cotidianos, nos municípios. Há indícios
presentes nas minhas anotações, que nos revelam que há indicativos sobre os percursos
no processo de leitura e escrita das crianças e jovens, discursos recorrentes entre os
tutores-formadores nesse primeiro momento da formação. Havia expectativas de que
encontrassem soluções para suas questões de ensino, e o espaço que se iniciava se
apresentava como um lugar que poderia revelar caminhos para alcançar a tão esperada
transformação das realidades locais sobre ler e escrever.
Após as apresentações iniciais, o planejamento12
, documento construído
coletivamente pelas formadoras para a formação continuada dos tutores-formadores,
ganha a dimensão do fazer. As propostas que até então eram intenções ganham corpo e
forma, no ato da formação continuada. Os quadros que vêm a seguir apresentam um
resumo dos temas, conceitos e atividades propostos e realizados pela formadora para as
três semanas de formação continuada para tutores:
12 O planejamento da primeira semana de formação na íntegra encontra-se no anexo.
99
Semana da Formação
Propostas Sistematizadas
1º dia – 13/12
Leitura literária
Levantamento dos conceitos prévios sobre linguagem/ escrita/ensino
Ornamentação dos cadernos de registros/marca simbólica do cuidado com a
aprendizagem /Identidade e importância do registro
Escrita das memórias de professora alfabetizadora/Mural de lembranças
Síntese coletiva
2º dia – 14/12
Leitura literária
Síntese do dia anterior
Discussão sobre o papel de tutor/formador Aprofundamento teórico dos conceitos de formação/formador/tutor
Exploração dos fascículos/ Diagnóstico sobre as referencias teóricas dos tutores
Alfabetização e Letramento – discussão teórica
3º dia – 15/12 .
Síntese do dia anterior
Leitura literária
Tema do dia - Letramento e Cultura Escrita
Discutir as práticas pedagógicas focalizadas na linguagem como interação
verbal
EGLE
Construção de um glossário de emoções
4º dia – 16/12
Leitura literária
Síntese do dia anterior Conceitos sobre leitura
Concepção de alfabetização do ponto de vista linguístico-discursivo
Apresentação das concepções de leitura nos livros didáticos
Discussão sobre a apropriação do sistema de escrita
5º dia – 17/12
Leitura literária Síntese do dia anterior
Discussão sobre literatura infantil de qualidade para conhecer e ampliar as
práticas de leitura no trabalho docente
Viabilizar o exercício de estudo coletivo entre os tutores com vistas à
homologia de processos com os professores em seus respectivos municípios –
tema literatura
Avaliar a formação, o formador, as condições materiais e autoavaliação
Elencar as principais questões em uma lista de "conteúdos" trabalhados nos dias
da formação
Quadro 2: Planejamento da primeira semana
100
O quadro 3 é referente à segunda semana de formação continuada para tutores-
formadores:
Semana de Formação Propostas Sistematizadas
1º dia – 21/03/2012
Leitura Literária
Discussão sobre os processos vividos com a formação dos professores
Modos de falar e modos de escrever
Interlocuções e produção de gêneros orais e escritos.
PPT Ana Luiza Smolka e Cecília Goulart
Síntese dos conteúdos trabalhados
Apresentação da pauta do dia seguinte
2º dia – 22/03/2012
Leitura Literária
PPT da Eglê para que as professoras/tutoras, em grupo, comentem sobre os
textos dos alunos. Discussão coletiva dos conceitos de Oralidade – conceitos trazidos pelo grupo
PPT Nelita Bortolotto
Síntese da formação vivenciada sobre oralidade e do material do PL.
Problematização do que está instituído como opção metodológica. .
Escrita individual sobre a experiência de cada tutor com a leitura/literatura -
Composição de uma colcha de retalhos com os trechos das experiências leitoras.
Avaliação do dia
3º dia – 23/03/2012
Leitura Literária
PPT PNBE
Análise de diferentes livros literários
Discussão sobre Biblioteca Escolar e Atividades de Leitura
PPT - Aporte teórico: o Lúdico
PPT – Jogos de Linguagem Avaliação do dia
4º dia – 24/03/2012
Leitura Literária
Discussão sobre os sentidos e os significados das palavras – o uso do dicionário
na sala de aula
Análise dos projetos de jogos apresentados no Fascículo 5
Avaliação da Formação
5º dia – 25/03/2012
Leitura Literária
Palestra Ludmila Thomé de Andrade: “Os gêneros discursivos da formação
docente: da oralidade à escrita”
Quadro 3: Planejamento da segunda semana
101
O quadro 4 é referente à terceira semana de formação continuada para tutores-
formadores:
Semana de Formação Propostas Sistematizadas
1º dia – 16/05/2012
Leitura Literária
Dispor vários portadores de texto e refletir sobre as formas de escolhas que
fazemos observando, objetivos, os critérios utilizados, a motivação, etc, a fim de
problematizar as formas de escolhas. #Eixos de reflexão: Gêneros produzidos
no trabalho de alfabetização/Objetivos pedagógicos na escolha dos
suportes/Livro didático e Planejamento/Escolha naturalizada do livro
didático/Suporte e esfera
Análise de livros de alfabetização PPT - “Cartilha de alfabetização”
PPT - PNLD - Histórico do PNLD Discussão sobre critérios de escolha dos livros didáticos de Língua
Portuguesa/Alfabetização adotados nas cidades dos tutores. Proposta para os
tutores: apresentação uma proposta de apresentação do fascículo para os
professores de seu município.
Refletir sobre: conhecimentos selecionados no livro didático, práticas
pedagógicas na alfabetização, práticas de avaliação e as expectativas da
produção de texto do aluno contidas nos livros didáticos
Escrita de memórias de livros didáticos para composição de um painel 2º dia – 17/05/2012
Leitura Literária
Análise da organização dos cadernos como alternativa DIDÁTICA
PPT – Planejamento Cipriano Luckesi
Eixos de reflexão para o formador: reflexão sobre o ato de planejar como um
ato decisório político, científico e técnico; distinção entre o Projeto pedagógico, planejamento curricular institucional, planejamento de ensino e planejamento
escolar (pedagógico, curricular e do ensino); macro políticas públicas de
educação, a fim de garantir o contexto de análise das políticas de avaliação
como Provinha Brasil e Avaliações Internacionais
Fascículo 3 - Tempo de leitura e escrita na escola. Reflexão - O que se lê na
escola? O que se escreve? Para que se lê? Para que se escreve? Quando? Para
quem? Com quem? Em que condições, lê-se e escreve-se na escola?
Reflexão sobre o tempo de leitura e escrita na sala de aula e na escola a partir da
realização de um Projeto.
Eixos de reflexão para tutores:
O que é avaliação? O que compreendemos por avaliação? Avaliar é comparar? Avaliar é possível? Como avaliar? É colocar o indivíduo em caixas que não lhe
servem? Existe avaliação justa? Como produzir uma avaliação justa em uma
sociedade injusta?
Apresentação das dimensões da avaliação pelo Formador as diferentes
dimensões da avaliação: de políticas públicas; de sistema educacional; de
projetos; de currículo e de aprendizagem. As tensões dos exames externos de
um estado avaliador, considerando suas múltiplas dimensões: técnica, política,
sociocultural, pedagógica e seus desdobramentos no ”chão da escola
3º dia – 18/05/2012
Leitura Literária
Apreciação e análise de escritas de crianças
Análise da Provinha Brasil e descritores
Eixos de reflexão para o formador
4º dia – 19/05/2012
Leitura Literária Síntese dos estudos realizados
Estudo do fascículo complementar com debate e apresentação das
sínteses/esquemas no blocão, o formador faz um levantamento das questões
abordadas na formação através da discussão de conceitos e procedimentos
Planejamento do Seminário Final
Elaboração de projetos para serem apresentados no seminário e apresentação
dos projetos
102
Escrita individual sobre a experiência de cada tutor com a formação
Composição de “algum” suporte coletivo com os textos produzidos.
Avaliação da formação Quadro 4: Planejamento da terceira semana
Os quadros contêm o resumo do planejamento com pautas diárias com temas,
conceitos e atividades abordados nas três semanas de formação continuada para os
tutores-formadores. Decido então trabalhar com os temas abordados no primeiro
quadro, que se refere à primeira semana de formação.
Bakhtin (2003) afirma que enunciados constituídos no vigor da enunciação e do
contexto nos quais estão inseridos produzem interlocuções em um movimento de ir-e-
vir e são criadas no ato, a cada enunciado expresso. Nessa perspectiva o planejamento
se constitui em um documento enunciativo provocador e instaurador de enunciados.
Cada proposta, ao ser enunciada por cada tutor-formador, produz sentidos e significados
no espaço da formação continuada gerando novas interlocuções, tecendo tramas
infindáveis de enunciados. O planejamento instaurador de enunciados cria e estabelece
tantas tramas enunciativas quanto forem possíveis sobre os temas abordados.
Reconhecendo que há limites e contornos que deverão ser realizados nesta
pesquisa, seleciono alguns do temas expostos no planejamento para dialogar sobre os
indícios observados no que se refere a conhecimentos dos tutores-formadores,
memórias, formação do tutor-formador.
A formadora, logo após a apresentação, propõe que o grupo se manifeste sobre
os temas: linguagem, escrita e ensino. A formadora então coloca a proposta escrita no
quadro por meio das seguintes questões:
Para você o que é linguagem? Qual é a sua compreensão sobre linguagem
escrita? Quando se alfabetiza ensina-se o português? Por quê? O que é
ensinar português para brasileiros?
103
Um dos enunciados apresentados pela formadora chama minha atenção: o que é
ensinar português para brasileiros? A pergunta cria conversas paralelas e burburinhos
entre os tutores-formadores, embora não compartilhem com o coletivo essas conversas.
Parece que há a intenção de provocar uma reflexão sobre os sujeitos que
constituem as salas de aula e a perspectiva sobre os conhecimentos que cada
profissional possui sobre ensinar a ler e escrever para sujeitos que tem a língua
portuguesa como sua língua materna.
Goulart (2006) analisa a questão da alfabetização da seguinte forma:
O letramento deve ser interpretado como algo mais geral do que a
competência para a escrita – nesse sentido, ser letrado é ser competente para
participar de uma determinada forma de discurso, sabendo-se ou não ler e
escrever; e a escolarização parece fornecer competência para falar sobre o
falar, sobre questões, sobre respostas, isto é, a competência de uma
metalinguagem. (2006:451)
Ao abordar a questão, colocando na cena a discussão sobre ensinar o português
para quem já o possui como sua língua materna foi criada uma outra possibilidade de
discutir as questões em torno do letramento e da alfabetização, recorrentes em encontros
de formação continuada. Cada sujeito falante da língua possui conhecimentos sobre essa
língua, que não dependem exclusivamente da aprendizagem escolar da leitura e da
escrita.
Vale ressaltar que não se trata de minimizar ou até desconsiderar a função da
escola, ao contrário, ao reconhecer crianças e jovens como sujeitos que constituem e são
constituídos pela linguagem, a escola cria situações de aprendizagem que os considere
como sujeitos portadores de conhecimentos em busca da tão esperada leitura e escrita.
Mesmo que as questões apresentadas pela formadora neste primeiro momento
não tenham suscitado discussões e desdobramentos no coletivo do grupo, o tema
provocou nesta pesquisadora a convocação de possibilidades discursivas, pois percebi
que cada enunciado era portador da interpelação de vozes, de alteridades sobre as
104
perspectivas das abordagens que seriam desenvolvidos ao longo da formação
continuada.
3.2.1 Quantos nomes recebe um tutor-formador?
As discussões sobre a função de ser tutor-formador no campo de estudos e
pesquisas em nosso país ainda acontece de forma tímida, não estando no foco da
investigação. Contudo, em alguns países como a França, Bélgica ou Suíça, por exemplo,
a discussão está instalada e há estudos sobre o tema como tem nos comunicado
Marguerite Altet, Léopold Paquay, Philippe Perrenoud13
.
Nesses estudos, afirmam que ainda são fluidas as questões em torno das
atribuições e da profissionalização. Vale ainda destacar que em tempos de reformas
educacionais, os profissionais educadores são convocados a colocar em funcionamento
planejamentos com os quais não necessariamente concordam aceitam e sequer
compreendem. Há conquistas no que se refere a constar nos quadros dos cargos a
função de formador, porém os desafios ainda permanecem, no que diz respeito ao
simbólico para seus processos de profissionalização. A presença do formador nos
estudos e pesquisas é uma realidade nesses países nas redes públicas de ensino.
Nos cotidianos das redes públicas do Brasil, as formações continuadas para
docentes parecem ainda se dar sob bases que passam à revelia das pesquisas e estudos,
indicando que há profissionais que trabalham com os professores, sendo convidados
para realizarem cursos, oficinas, projetos, enfim, trabalhos relacionados à formação do
professor. Em virtude dessas demandas, perguntas e questões acontecem, talvez ainda
13 Esses autores trabalham numa integração intencional e publicam suas pesquisas em contextos de países
diversos com frequência bastante intensa.
105
sem respostas. De qualquer modo, vale instalar o debate no âmbito da discussão desta
dissertação. Altet (2003) contribui:
Basta ser um professor experiente reconhecido para se tornar um “formador
profissional”? A experiência de ensino e mesmo a especialização pedagógica
são suficientes para legitimar a função de formador de professores? São
necessárias outras especializações? Há uma transferência sistemática de
competências de um ofício a outro? Será que essa “dupla identidade” é profissional? (2003:55)
As questões anunciadas pela autora apontam para temas como a formação do
profissional, a identidade profissional, as competências para realizar a função, temas
que ainda em nosso país têm estudos apenas iniciais. Uma iniciativa que vem
apresentando publicações constantes e instigantes pertence ao GEPEC – Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação Continuada da Faculdade de Educação da
Universidade de Campinas. Não apenas para respondê-las, aponto-as nos limites deste
texto com o objetivo de contribuir com mais um fio sobre a discussão. O debate sobre a
função do tutor-formador foi tema que esteve presente no planejamento da formação
continuada. A formadora inicia a discussão convidando o grupo a se manifestar sobre as
nomeações que recebe a função de formador que desempenha e o diálogo segue no
fragmento selecionado:
Luiza – Está trabalhando com formação de professores, que nomes são esses
me diz? Mandem mensagens de ideias aí, você já ouviu falar... eh.. ((ruídos))
professor ruídos Vamos lá! A formadora está escrevendo no papel pardo as
falas dos participantes
Tutora-Formadora A – professor
Tutora-Formadora B– mediador
Tutora-Formadora C– conciliador Luiza- Vamos lá! ruídos Que nomes são esses ruídos Professor, que mais, ...
Tutora-Formadora A – mediador
Tutora-Formadora D- Orientador
Tutora-Formadora E- Formador
Luiza – Que mais,...
Luiza – Tutor ruídos Isso
Luiza- Alguém lembra de mais alguma silêncio
Luiza - Tem mais coisa silêncio
Tutora-Formadora D – Pacificador silêncio
Luiza- Engraçado né, a um tempo atrás com certeza esse nosso século
fizeram a mesma pergunta muito provavelmente uma ou duas palavras apareceriam, quantas outras que foram sumindo, sumindo que dizia, na
106
verdade participa de uma novas demandas, de novas pessoas de novos
estudos que vem sendo apresentados quando o assunto teórico vai depender
de quem encontrar no dia a dia de sala de aula, no dia a dia do processo de
formação. E como vocês tem uma responsabilidade muito grande porque
vocês são tutores ruídos problematizar o que ruídos o que vocês se
sentem formadores e tutores? E eu sei que vocês estão um pouquinho
cansados, pra pedir escrita agora, né? Pra vocês, mais, vocês podem usar o
caderno de vocês, sem menor problema, nós gostaríamos que vocês
respondessem essa perguntinha aqui no caderno de vocês ruídos.
Luiza - Como vocês se vêem no papel de formador, papel de tutor, como
é que vocês se vêem nesse papel, não precisa ruídos muito simples é pra
escrever no caderno de vocês como vocês se vêem no papel de formador
no papel de tutor, vou botar aqui na minha ruídos pronto oh como vocês
se vêem nesse papel como vocês acham na verdade que é a função.
A expressão sobre a nomeação da função é realizada pelo grupo, indicando
diferentes formas de nomear suas funções. Não há referências ou considerações sobre o
tema, a formadora propõe a escrita e o grupo realiza a atividade.
O silêncio se instala no grupo, há marcas apontadas na transcrição quando o
grupo se restringe a participar, apontando somente as nomeações. A contextualização
sobre o tema talvez se apresente como um dos indícios para os silêncios presentes nesse
momento do encontro. Um caminho possível de compreensão está na identificação da
forma, no mínimo, pouco profissional que o trabalho que esse sujeito realiza.
O Programa Pró-Letramento apresenta a função de tutor no documento
Formação de Professores: Fundamentos para um Trabalho de Tutoria (BRASIL, 2007).
Orofino (2010) apresenta as diferentes nomeações que são atribuídas ao tutor-formador
no quadro 5:
107
“Na área de alfabetização e Linguagem, a estrutura do Pró-Letramento
está alicerçada em material produzido pelos Centros da Rede de
Formação (...) os quais serão objeto de estudos dos professores(...) sob a
coordenação de um professor orientador (tutor) (p.6) professor orientador(tutor)
(...) “sua ação será eminentemente uma ação de formação que estamos
utilizando a nomenclatura orientador de estudos em substituição à
expressão tutor” (p.6)
“Esses professores orientadores (às vezes chamados tutores (...) (p.18)
“Como orientador de estudo, você passa a constituir uma “rede”...) (p.6)
orientador de estudos
“Nessa “rede”, especial importância tem seu papel enquanto orientador
de estudos (...) (p.6.)
“É com esse objetivo- de contribuir para sua preparação para em relação
ao trabalho de orientador de estudos (...) (p.6)
(...) “ é o processo de troca entre o professor orientador e o professor
em formação(...)(p.13)
professor orientador (...) “o professor orientador, na educação de adultos, se vê mais como
um recurso de aprendizagem, do que como um expert de conteúdo(...)
(p.14)
(...) “é importante que você, como formador de professores(...) (p.11)
formador
(...) “buscar resolver problemas que possivelmente vem enfrentando em
seu trabalho de formador” (p. 11)
(...) “consigo mesmo, com o grupo e o formador” (p.26)
“ O trabalho do formador como alguém sensibilizado” (...) (p.28)
“ Porém, como professor formador nesse processo”(...) p. 31
(...) “o formador colabora se assume uma posição de interlocutor” (...)
“Em sua função de formador, não” (...) (p.36)
(...) “ o professor orientador trabalhará como um dos articuladores de
uma “rede”(...) (p.17) articulador
“ contribuir com você, enquanto organizador e coordenador de um processo de formação(...) (p.8)
organizador e coordenador
“Para tanto, são requeridas de você, enquanto educador e professor orientador(...) (p.18)
educador
(...) é necessária a existência de uma liderança que articule o funcionamento (...) (p.16) líder
(...) “ o líder (professor orientador” (...) (p.33)
“Como mediador nesse processo, você assumirá (...) (p.19) mediador
(...) atuando como intérprete do curso junto ao aluno(...) (p.19) intérprete
(...) “sobre o sentido de ser „ formador/tutor’ ”(...) (p.35) formador/tutor
O professor orientador, na educação de adultos, se vê mais como um
recurso de aprendizagem do que um expert em conteúdos . (p. 140) recurso de aprendizagem
Quadro 5: Nomeações atribuídas ao tutor-formador
Para cada nomeação, há atribuições que são colocadas para o tutor-formador
vinculando as funções à própria nomeação, ou seja, o tutor-formador, ao ser designado
por todas as nomenclaturas citadas, acumula em suas atribuições todos os significados e
sentidos que cada terminologia carrega. Assim, com o término do programa, não há
indicações de continuidade do trabalho, a decisão fica a cargo de cada município.
108
A função do tutor-formador não é prevista nos quadros oficiais das redes
públicas, ou seja, não há concurso público para esse cargo. Para ser tutor-formador do
Programa Pró-Letramento é necessário ser professor vinculado à rede pública de ensino.
É um professor que é alçado à função de formador (ANDRADE, 1997). Vale ainda
destacar que não há indicativos presentes no documento para continuidade do trabalho
nas redes municipais locais, ao término do Programa Pró-Letramento, não há formações
previstas para a formação continuada dos tutores-formadores.
Identifico que a formadora prossegue com a proposta, marcando de forma
enfática para o grupo, de forma repetitiva, a importância da responsabilidade e a
função do tutor, do formador. Luíza apresenta um tema que, talvez, nesse momento,
ainda se estabeleça como algo inacessível ao grupo. A formadora conhece e enxerga não
só no sentido para onde o tutor-formador olha e enxerga, mas também em outro sentido,
que ainda é inacessível a ele (BAKHTIN, 2003:12).
3.2.2 Interlocuções sobre formação, formador, práticas
De acordo com Andrade (2009), é preciso compreender os processos realizados
nos espaços de formação, contextualizando as interlocuções que são constituídas a partir
dos temas e atividades apresentados, em nosso caso, pelo planejamento da formação
continuada para os tutores-formadores.
O ato de enunciação das propostas instaura seus próprios contornos, formas e
intensidades distintas e variáveis de acordo com o contexto no qual estão inseridas.
(BAKHTIN, 2003). Assim, a cada movimento de enunciar, realizado tanto pela
formadora Luíza, como pelo grupo de tutores-formadores, tecem-se tramas, pontos,
laçadas, subjetividades, constituídas na interlocução entre os sujeitos. Esse processo cria
109
alteridades tanto para os conhecimentos que estão sendo constituídos no ato da
formação, como para os participantes que são os interlocutores e produtores desse
conhecimento (ANDRADE, 2009).
O fragmento que se apresenta logo a seguir expressa as tantas alteridades que
são constituídas, como as interlocuções que são elaboradas a cada movimento
discursivo apresentado. Vale ainda apresentar que o texto teórico que serviu de base
para a discussão foi o de Soligo & Prado (2008) Quem forma quem, afinal?:
Luiza – De Rosaura e Guilherme sobre quem forma quem, o que você
poderia ir destacando, alguém gostaria de falar, agente poderia ir
sistematizando esse texto aqui.
Tutora-Formadora A - Acho a idéia interessante o relato do professor que é
ele que faz a frase ruídos, aí eu achei muito interessante o relato que ele faz,
ele faz relação aos alunos, ele e o aluno, ele pode pensar nisso também
em relação a nós enquanto tutores ruídos, aí eu deparei com o parágrafo da
formação dele, da, da fala dele que é o último parágrafo que diz assim: - As paisagens dos horizontes não se dão as conquistas, por quem nunca, porque
nunca estão lá, é a morada do caminhando só existe quem sabe olhar mas isso
é radical. Na sala de aula os alunos são meus parceiros entre aspas,
geralmente eles me seguem e compreendem que sou mais experiente no
mesmo caminho, mas nem sempre é assim que habita a nossa dupla. Para se
caminhar juntos com honestidade é preciso confiar um no outro, por isso
muitas vezes, muitas vezes eu paro e escuto as sinalizações que eles ruídos ou
que outras vezes ruídos. Não existe caminhante solitário, desde o viajante
conhecido guiado pelas estrelas, leva com a confiança dos sentidos dado ao
seu coração. Quem forma quem afinal? ruídos
Luiza - Vamos só tentar organizar. O tempo na verdade, ele traz pra gente a perspectiva da formação, não é isso? E essa perspectiva da formação, ele
acaba que, entrando em três grandes focos, que é: a questão da autoformação,
não é isso? Vamos lá, vamos ajudar, quem é que leu aí?
Tutora-Formadora A – Cooperação, autoformação, cooperação silêncio. A
formadora está registrando no papel pardo o que o grupo fala
Luiza – E? ruídos Oi, não ruídos Hein gente... ruídos Formação continua
ruídos A partir da perspectiva da auto-formação, ele coloca você como
uma professora ruídos que quando partindo da idéia do sujeito, toda
formação é o que? É uma auto-formação, porque o sujeito interage com
aquela fórmula de, é, é de conhecer, de crescer, de se desenvolver.
Tutora-Formadora B - É ruídos buscar respostas, né, investir na formação e
buscar respostas ruídos Luiza – Você vai buscar, e essa busca geralmente ela é motivada por quê?
Tutora-Formadora Lina– É bem isso, até conversávamos na hora do
almoço sobre isso, que olhar pra trás, se auto-avaliar e pensar nas suas
ações do cotidiano, geralmente nos inquieta. Essas inquietações as coisas
que nós não temos respostas, as coisas que nós não sabemos ainda fazer,
eu acho que deflagra essa autoformação, essa auto-avaliação.
Luiza – Vamos lá, reflexão... a partir... A formadora está registrando no
papel pardo o que o grupo fala
Tutora-Formadora Lina– da inquietação
Luiza – da prática, não é isso? Como está aqui prática mais concepções
teóricas, assim, é que na verdade você diz o texto, com vocês entram em
110
contato com o dia a dia, é, vocês entram em contato com essa prática do
texto você diz assim, mais não é uma prática sozinha concorda?
Vozes – Claro. Mas é uma não total participação
Luiza – Sim. Mas essa direção é que dá uma inquietação.
Tutora-Formadora Lina– Isso.
Luiza - E essa inquietação... ao olhar pra essa prática, enfim, é o que vai
te levar
Tutora-Formadora Lina– A buscar teoria, conceituação, pra utilizar essa
prática, é isso silêncio. Nesse silêncio a formadora escreve no papel pardo o que grupo está falando sobre o texto
Luiza – Então... Agora uma coisa que quero dizer, é que quando ruídos na
verdade, existem conhecimentos, ninguém faz uma reflexão da prática do
nada, ninguém olha pra prática e diz, olhei pra prática, e só olhei pra
prática e por isso cheguei a uma reflexão Alguns tutores-formadores falam juntos. Pelo olhar decidem quem vai falar e
a voz feminina D fala primeiro e depois a voz feminina D.
Tutora-Formadora B - Oh, eu penso assim, oh ruídos se eu consigo refletir
alguma coisa é porque alguma coisa me incomoda, eu não estou satisfeita
com alguma coisa, aí você vai refletir, você tá inquieta, aí você busca a teoria
até reciclar tudo e transformar Tutora-Formadora Lina – o que eu penso é que toda prática está
impregnada de uma teoria mesmo que eu não saiba qual é e a gente
conversava na hora do almoço, e eu dizia o seguinte, eu acho, que o que faz
a diferença entre a ação de um bom tutor, vamos dizer assim, de um bom
formador, é a capacidade, o conhecimento teórico que ele tem, mesmo
que ele não saiba, é, ta muito delineado na cabeça dele que caminho é
esse que ele está fazendo ele tem algum conhecimento, esse conhecimento
vai inquietá-lo porque quando essa prática começa a não corresponder,
aquilo que ele acredita de concepção, de idéia, então tem alguma coisa
errada, né, então se tem alguma coisa errada, o que eu tenho que fazer
né? Que caminhos que eu tenho que buscar? Como é que eu vou intervir,
nessa realidade? Aí eu me reporto lá nas minhas concepções, nas minhas
idéias, nas teorias, nos teóricos, não sei lá onde, pra poder referendar,
então é uma coisa assim, eu achei o texto maravilhoso, eu comecei a ler,
apesar de fome e cansaço e tal, ta ali pensando, mas eu achei sensacional essa
coisa de tá pensando a formação como auto-formação, porque na
verdade nós somos sujeito o tempo todo, e se isso, isso inclusive não pode
partir de fora, isso tem que partir de mim né, isso tem que partir do meu
olhar sobre a minha prática, de querer buscar, de querer fazer diferente, de
querer entender que concepção é essa que talvez, que eu estou embasada,
mais que eu não sei bem o que é, então quando todas essas coisas ficam
mais claras, eu acho que fica mais fácil fazer a prática, mesmo que a
gente não acerte sempre. Tutora-Formadora C – Porque tem gente que só consegue fazer aquilo no
quadro percebido, se a gente não aceitar a gente não consegue convencer. Luiza – ruídos Ninguém acredita naquilo que você não sabe nem o que que é
né? O conhecimento nos trás uma segurança, uma confiança, então conhecer-
se, conhecer seu aluno, conhecer a prática, o método, o conteúdo, tudo as
concepções, que permeiam essa crença em si, que permeiam e que
impulsionam a agir assim ou de tal forma, levam a ter uma postura, e essa
postura é uma postura de ação, não é uma postura passiva. Nós estamos
agindo o tempo todo ruídos a questão do ato responsável, né? Temos a
responsabilidade, estamos aqui na verdade, é, uma relação, é, que é infinda
pro mundo, está a fim de se relacionar, de interagir, linguagem é interação.
Por isso que ontem eu falei pra vocês , gente vamos a ampliar o leque da linguagem, embora eu entenda que vocês tão colocando a linguagem como
comunicação partindo do pressuposto que realmente comunicação seria
interação, mais a palavra interação ela trás a idéia de inter ação, da ação que
acontece em si. A comunicação trás ainda ruídos como se alguém fosse
111
detectar o outro, a comunicação das ideias do outro, e isso não é bem dessa
forma que acontece, se fosse assim gente, nós teríamos resolvido todos os
problemas ruídos e não estaríamos aqui, sabe porque? Seria fácil, eu
comunicaria, vocês sairiam daqui, repetiriam, e chegariam lá na ponta, e lá na
ponta o professor repetiria tal qual e as coisas não funcionariam, mais não é
assim que acontece, apropriar-se, construir nessas situações ruídos no
contexto Bakhtin fala uma coisa que é interessante, que palavras que são
lidas elas não são sempre as mesmas, eu posso repetir exatamente a mesma
frase ou a mesma palavra, mais ela jamais será a mesma, o contexto será outro, mesmo que os interlocutores sejam os mesmos, o já é outro, oh, o
segundo já passou, oh, o que a gente tá vivendo agora é um novo segundo, e
um novo segundo, e um novo segundo isso ele não se repetiam nesse sentido.
ruídos –
As interlocuções que são destacas nesse fragmento são transcritas da gravação
do segundo dia da semana de formação. A proposta descrita no planejamento consistia
em aprofundar teoricamente os conceitos de formação, formador e tutor a partir do texto
Soligo & Prado (2008) Quem forma quem?.
As interlocuções constituídas de enunciados tecem tramas em um movimento
infindável de construção de sentidos e significados.
As tramas se teciam com o movimento enunciativo expresso nas interlocuções
elaboradas no ato da formação. Como no destaque do extrato:
(...) a formação como autoformação (...) avaliar e pensar nas suas ações do
cotidiano (...) essas inquietações as coisas que nós não temos respostas, as coisas que nós não sabemos ainda fazer deflagra essa autoformação (...) essa
inquietação (...) ao olhar pra essa prática, enfim, é o que vai te levar(...) a
buscar teoria, conceituação, pra utilizar essa prática, é isso (...) uma reflexão
da prática (...) ação de um bom tutor (...) Que caminhos que eu tenho que
buscar? Como é que eu vou intervir, nessa realidade? Aí eu me reporto lá nas
minhas concepções, nas minhas idéias, nas teorias, nos teóricos, não sei lá
onde, pra poder referendar, então é uma coisa assim (...)
Cada enunciado realizado por cada tutor-formador presente no espaço cria
tramas enunciativas. Contudo há uma infinidade de pontos e bordados. Uma
possibilidade pode ser encontrada no destaque dos diferentes contornos da formação
docente.
As inquietações experimentadas pelos sujeitos, tutores-formadores, são pontos
de partida para a busca de respostas sobre as dúvidas que se apresentam nas práticas. Há
112
movimento discursivo apresentado sobre as práticas, buscando a interlocução com as
concepções teóricas presentes nas práticas.
Os diálogos constituídos nesse fragmento desvelam indícios das vozes presentes
a cada enunciado expresso. Bezerra (2008) descreve o processo da polifonia afirmando
que eu me projeto no outro que também se projeta em mim, que afirmamos um para o
outro a existência de multiplicidade de “eu”, de duas multiplicidades de infinitos que
convivem e dialogam em pé de igualdade (BEZERRA, 2008:194).
Identificar as projeções que são constituídas nos espaços da formação
continuada sugere que são infinitos os conhecimentos que cada um carrega em si.
Sujeitos constituem e são constituídos por um outro, tutores-formadores e formadora
tecem tramas infindáveis de enunciados a carregando infindáveis vozes nesses
discursos.
Kramer afirma que a palavra é produto da interação locutor-ouvinte, é ponte
entre o eu e os outros, é o território comum do locutor e do interlocutor. Sempre há um
auditório social em jogo, sempre há diálogo (KRAMER, 1993:74). Assim, as palavras
que constituem não somente esse fragmento, mas os tantos diálogos que foram
constituídos ao longo da semana, criaram diferentes espaços de interlocuções com
palavras que se constituíram no ato da formação, atravessadas pelo contexto social que
formadora e tutores-formadores compõem.
Na alternância de falas entre a formadora e os tutores-formadores se produzem
enunciados, que se assemelham a fios que tecem tramas com nuances e tons singulares.
Contudo, há fios que permanecem soltos, palavras expressas sem uma interlocução
aparente e imediata. As constituições elaboradas nesse espaço são contextualizadas em
um espaço e tempo, porém ao considerar essa perspectiva não há como dar conta de
todas as interlocuções possíveis para o tema em destaque.
113
Vale ainda considerar que o silêncio é umas constituições do espaço da
formação continuada, sendo uma interlocução que exige atenção, pois o não falar é uma
forma de falar sobre o tema.
3.2.3 Memórias, cadernos, lembranças da escola, registros... reminiscências em
encontros de formação
O tema memórias foi planejado com a proposta de duas atividades: a
ornamentação do caderno de registro e a construção de um mural de lembranças. A
apresentação para o grupo aconteceu de forma simultânea. Dessa forma, no momento de
compartilhar com o coletivo as produções, alguns decidiram falar sobre o caderno e
outros abordaram as lembranças da entrada na escola.
O desafio de analisar as interlocuções que se elaboram nos espaços de formação
continuada considerando como tema as memórias, como atividade do planejamento com
o objetivo de partilhar experiências individuais apontando uma visão coletiva da
história da profissão, pelas histórias subjetivas, revelando a nossa implicação ativa no
seu percurso (Planejamento da semana de formação) ganha forma com atividade de
construir um mural de lembranças da escola.
Benjamin observa que a reminiscência funda a cadeia da tradição, que
transmite os acontecimentos de geração a geração (BENJAMIN, 1994:221). A foto
apresentada a seguir marca o início da construção do mural das lembranças. Para além
do que cada um narrou e registrou sobre suas lembranças da escola, as reminiscências
contadas pelos tutores-formadores iniciam a constituição da tradição das narrativas nos
encontros da formação continuada para tutores-formadores.
A história é um objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e
vazio, mas um tempo saturado de “agoras” (BENJAMIN, 1994:229). O convite que
114
Luiza realiza ao propor a escrita de lembranças da escola marca que essas
reminiscências dos tutores-formadores são constituídos de “agoras”. Ao retomá-las no
encontro marca e funda a cadeia da tradição, pois a cada narrativa singular expressa por
eles, se reconhece o coletivo que as constitui.
Figura 1: O mural de lembranças dos tutores-formadores
Segundo Bakhtin (1926), os discursos verbais são atravessados pelo contexto
social no qual cada sujeito, tutor-formador, está inserido. A formadora Luíza, quando
115
apresenta a proposta de ornamentação dos cadernos, seguido do registro sobre o papel
do tutor-formador na primeira página do caderno, inicia a temática sobre a função que
cada um irá desempenhar. O convite consiste em marcar a posição do tutor-formador
nos encontros da formação continuada.
Figura 2: Os cadernos ornamentados dos tutores-formadores
116
Figura 3: O fazer à mão do tutores-formadores
117
Figura 4: Os sentidos e singularidades de cada tutor-formador
A confecção do caderno se aproximava da perspectiva benjaminiana de que a
arte de contar histórias era feita quando as pessoas fiavam e/ou teciam quando ouviam
histórias (BENJAMIN, 1994). Nesse caso, estavam a ornamentar um caderno de
anotações simbolizando a arte de fazer à mão tão marcada nos textos de Benjamin. Para
o autor, a arte de trabalhar com as mãos, o artesão, aproximava os homens das
narrativas e consequentemente constituía as histórias. A observação de que a confecção
do caderno criou espaços discursivos entre os tutores-formadores simultaneamente à
arte de ornamentar um caderno de registros.
Instaura-se no grupo um clima de fazer à mão ao mesmo tempo em que as
narrativas tomam os espaços das conversas e dos burburinhos nos pequenos grupos. Os
cadernos criam um espaço de constituição por meio da ação de fazer e cada ornamento
tem significado e sentidos que são singulares:
118
Tutora-Formadora A – Eu pensei que a vida da gente é uma colcha de
retalhos, a gente vai construindo e, e enquanto a gente vai fazendo o
caderno, vocês podem olhar que ele não tem começo nem fim né, a vida da
gente é assim o tempo todo, e aí eu falei, não, ficou legal, tá tudo
recortadinho representando a vida, aí eu peguei no botão, porque às vezes a
gente precisa abrir casas e fechar casas na vida da gente, então é por isso que
os botõezinhos estão aqui.
Vozes misturadas ruídos. O grupo fez comentários. Muitas vozes de forma
simultânea. Luiza – Olha a colega quer mostrar o dela também
Tutora-Formadora B – Eu só ruídos do caderno, porque o que eu achei
legal o caderno ruídos mas só achei mais legal que durante a confecção, aí eu
fui pegando ruídos aqui, aí a outra me deu um lacinho ali, eu peguei um
botão ali com ela, aí tipo assim, eu acho que nessa construção do caderno é
uma construção de várias coisas, cada um trouxe um pouquinho pra
compor isso aqui, na verdade o caderno é uma construção minha que
outras pessoas estão participando ruídos e risos
.
Um enunciado concreto como um todo significativo compreende duas partes: a
parte percebida ou realizada em palavras e a parte presumida que está presente no
contexto social (BAKHTIN, 1926:5). Há indícios presentes nos discursos que tem um
sentido presumido e cada interlocutor representa nas palavras esse presumido, como na
expressão a vida da gente é uma colcha de retalhos, apresenta indícios que não estão
presentes no discurso verbal, mas parece serem contemplados no caderno, pelo ato de
confeccioná-lo.
As narrativas passadas de pessoa a pessoa são a fonte a que recorrem todos os
narradores (BENJAMIN, 1994:198). Ao retomá-las, institui-se o valor das narrativas
nos espaços de formação continuada. Ambos, tutores-formadores e formadora, narram
sobre a função do tutor-formador, considerando que há um outro presente, e esse outro é
o professor.
Prado & Soligo (2007) nos convidam a pensar que se faz urgente e necessário
convencer os professores de que suas conversas cotidianas podem se tornar conteúdos
em textos que apresentem saberes constituídos sobre o universo de seu trabalho. Há nas
narrativas dos tutores-formadores conhecimentos sobre a formação continuada de
119
professores, do ponto de vista de quem realiza, contribuindo com mais um fio na
instituição do espaço da formação continuada do tutor-formador.
3.2.4 Memórias da entrada na escola
O fragmento a seguir se refere ao tema sobre a memória em que tutores-
formadores abordam a questão:
Luiza - Olha só a folhinha do seu cabelo, que vestido foi que você escolheu?
Tutora-Formadora C – Com seis anos, eu sabia que todo mundo tinha ido a
escola com aquela idade e eu não tinha ido ainda, com sete anos quando fui
pra escola e eu achava que eu ia encontrar ou ligar conhecimentos como
aquele que minha mãe me apresentou né? Cheio de coisas novas e, foi
bem risos diferente. Foi muito diferente eu tive que formatar pra depois
copiar, e eu que aprendi a escrever tanto na escola eu já tinha aquela não
escrita que a professora Ludmila colocou ontem ruídos Tutora-Formadora D – ruídos Aí ela justificou, eu até pedi que ela falasse,
naquele instante que ela falou ali, eu também entrei pra escola com sete anos,
mas eu também já fui pra escola alfabetizada, e assim é, meu avô ele tinha
um cavalete que eu copiava ruídos e meu avô, graças a Deus eu ruídos era
um universo mágico né, criança quer fazer, e ruídos todos os ruídos dos
meus primos eu queria fazer, ele desenhava muito, muito, fazia muito,
meu avô fazia coisas e mais coisas pra gente e tudo ia usar, já utilizado, e
quando eu fui pra escola, a primeira coisa que a minha professora fez, foi
pedir a minha mãe pra esconder a cartilha de mim, porque eu já tava, já tinha
quase terminado a cartilha, quando ela pegou a cartilha pra corrigir a primeira
lição ruídos que ela viu que eu já tinha quase que praticamente a cartilha pronta, e aí eu ganhei nova cartilha, ela tomou pra si a primeira risos foi
gente, é foi horrível, ela tomou aquela cartilha de mim e falou essa aqui você
não vai usar mais, você não pode usar a cartilha ruídos e pediu pra minha
mãe esconder de mim, botar o mais alto possível ruídos
Tutora-Formadora E – Meninas, meninas, levantem os cadernos, por favor,
cada um com o seu, a colega aqui não ta aparecendo, vem pra cá por favor.
Foto com os cadernos
Tutora-Formadora F – O meu caderno a palavra assim ruídos e risos eu era
muito moleca ruídos quando minha mãe me colocou na escola, ela me
colocou numa escola voz muito baixa eu tinha cinco anos, e eu aprendia
ruídos rapidamente e eu queria brincar, lá não queriam que eu
brincasse, essa escola era uma escola velha de telha, tinha uma, uma voz muito baixa e eu demorava a copiar porque eu queria brincar voz baixa e o
mais interessante é que na minha sala tinha uma senhora que também tava se
alfabetizando voz baixa A minha mãe ficou ruídos com a escola e essa escola
quando eu cheguei lá eles colocaram já na segunda série, eu pulei, porque eu
já tava adiantada por um lado né, e a professora me perguntou se eu não
queria ir para terceira série, eu tava com sete anos ela falou assim pra mim,
quantos anos você tem? Ela foi perguntando para as crianças do primeiro
ano, aí eu falei assim eu não sei, eu não tinha nem noção, eu tava tão assim,
tão encantada com a escola também né, aí eu peguei e falei pra ela, eu não
sei, aí eu pensei assim, vou chegar em casa e perguntar a minha mãe quando
foi que eu nasci e quantos anos eu tenho, eu não tinha noção. Aí minha mãe
120
me falou com uma musiquinha né, sete, sete, meia oito, sete e sete, meia oito,
aí eu cheguei lá e falei pra professora eu tenho sete anos, aí ela olhou assim
pra mim em cada perna voz baixa ela falou isso em cada perna. Outra que
marcou muito também nessa escola foi quando não e sei se é do tempo de
vocês? Tem uma música chamada quem não conhece Severina chique que
comprou uma... nossa eu aprendi essa música assim, né, e eu fui conversar
com o coleguinha e ela voz baixa ela falou que não podia falar naquele
momento porque ela tinha uma pilha de caderno pra corrigir. Aí eu peguei,
ruídos fui falar com a minha colega da música, aí ela na mesma hora, levanta, pode ir pro quadro, fulano, e o colega do lado pode sentar agora, e eu tive que
ficar assim até o final da aula. O meu colega saiu e eu tive que assumir o
lugar dele, eu chorava ruídos sabe, então essa escola ela me marcou muito,
porém a poucos anos, e eu consegui um contrato na rede e eu fui dar aula
nessa mesma escola ruídos inclusive, a minha professora, é minha amiga
no conselho de classe vozes misturadas então, é assim né,eu fiz muita
besteira também voz muito baixa mais é buscando e supervisando que eu
cresci como profissional, agora muitas vozes
Luiza – É uma certa consciência de que nós não fomos suficientes, nós nos
formamos a cada dia ruídos é isso que nos mostra o crescer, progresso,
sabe, ruídos teve uma vez lá que me perguntaram ruídos você não se incomoda das pessoas ficarem falando, tratando como um pobre, a utopia,
ruídos se utopia é acreditar no outro, é saber, é ter consciência da plenitude
do ser humano, e até que ele nos mostre a aprender ruídos da nossa vida, que
é ter essa crença que todos somos capazes de aprender, então eu concordo
com isso ruídos então, e é justamente essa crença e aí fica tão bonito ver,
é, ouvir, taí o relato de vocês né, eu não acredito em fracasso escolar , eu
não acredito, é, tai, então ruídos eu acredito no poder de transformação
Tutora-Formadora I – Eu, eu sou muito engraçada quanto ao professor
em sala de aula, e eu, eu acho que eu não tive a oportunidade, dessa fase,
porque eu me alfabetizei com dois a três anos, eu tinha duas malucas de
tias que estavam fazendo trabalho ruídos época ruídos eu, minha irmã e minha prima, e quando entrei na escola, em 68, com seis anos eu fui pra
primeira série e na época tinha adaptação em alfabetização, quer dizer, com
15 anos eu terminei o segundo grau e estava na primeira faculdade, aí eu
não tive aquele momento, enquanto os outros estavam brincando, minhas
colegas falavam assim, eu não agüento, no começo do ano que tem pouco
aluno, ruídos eu faço tudo que é brincadeira e palhaçada, mas levando
ao aluno, puxando por ele né, que se solte também, aí de primeira mão
quando me vêem assim, as crianças até tem medo, mas outro dia ruídos na
direção, aí eu tava lá no computador, ai a professora chegou lá e falou assim,
oh, Isabel a André quer te falar uma coisa, aí eu parei de fazer o que tava
fazendo e olhei pra ele, aí ele falou assim, eu gosto tanto de você, eu queria
muito que você fosse minha professora. Porque eu fui na sala dele uma das vezes que ela teve que se ausentar, e, ele sentiu. Ele tava numa fase assim de
transição, e ele precisa disso, então tem aquele negócio, que eu cheguei na
obrigação, eu cheguei na escola com a obrigação né, eu não tive aquela fase
((ruídos)) não, eu sou uma palhaça, o pessoal morre de rir comigo
Luiza – ruídos memória que as vezes ruídos são caminhos extremos né,
prazerosos demais, ou de alguma forma, marcante pelo lado negativo,
também ruídos falando, que aí sim elas acabam ficando ruídos marcado
ruídos
A escolha do fragmento está atrelada à perspectiva benjaminiana da arte de
narrar histórias, afirmando que contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e
ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Quanto mais o ouvinte se
121
esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido (BENJAMIN,
1994:205).
As narrativas apresentadas pelos tutores-formadores se compõem de lembranças
entremeadas pela emoção das recordações que são evocadas do passado para o “agora”
do espaço de formação. As emoções tomam conta das narrativas, criando uma ponte
entre o passado-presente, indicando um futuro. Há nas narrativas um movimento de
tutores-formadores que revela com as expressões e movimentos corporais de
posse/conquistas suas experiências.
O coletivo, então, inicia a narrativa e cada um que compartilhava suas memórias,
os burburinhos, as conversas paralelas, tomavam o espaço. Expressões de aproximação
se estabeleciam entre os tutores-formadores. Instaurava-se um clima de pertencimento.
Segundo Konder (1989), as experiências são constituídas de conhecimentos que
são acumulados e desdobrados a cada movimento que o sujeito de elaboração realiza
sobre a experiência. As narrativas das experiências são uma das possibilidades para que
o sujeito possa não somente constituí-la como também contribuir na constituição do
coletivo na cadeia da tradição.
As experiências (BENJAMIN, 1994) comunicadas nos espaços da formação
continuada para tutores-formadores, além de serem transmitidas a outros sujeitos que
compartilham o espaço, inaugura um lugar em que cada sujeito tem a possibilidade de
elaborar as experiências que lhe atravessam em seu percurso profissional. Essa
perspectiva contribui para que esse tutor-formador, ao pensar sobre os encontros de
formação continuada para os professores tenha como fundamento a importância das
narrativas das experiências.
Ainda em diálogo com Benjamin (1996), o autor nos convoca a pensar sobre as
narrativas nos questionando sobre quem são eles e o que narram. Considerando que os
122
espaços de formação de tutores-formadores são escassos, pergunto-me: Quem são os
tutores-formadores? O que narram? Como narram? Consideram que devem ser
compartilhadas suas experiências como tutores-formadores ou como professores?
Trazer essa reflexão para o campo da formação continuada provoca diferentes e
diversas considerações. Dentre elas, a questão de marcar a importância de narrar nos
espaços de formação como uma ação que institui o espaço e se aproxima da fundação da
cadeia da tradição. A memória, ao ser resgatada do passado, evoca os ecos das vozes
que foram emudecidas, e a partir desse resgate é que poderá se realizar o encontro
secreto que está marcado entre as gerações precedentes e a nossa (KRAMER, 1993:49).
As escolhas feitas ao narrar às memórias se constroem a partir das partes
escolhidas: relação entre a narrativa e o que nela se revela faz com que suscite
interpretações e não explicações – não é o que explica que conta, mas o que a partir dela
se pode interpretar (PRADO & SOLIGO, 2007:48).
Benjamin afirma que não há interesse em transmitir o “puro em si” da coisa
narrada como uma informação ou um relatório. A narrativa é um mergulho na vida do
narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do
narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso (BENJAMIN, 1994:205).
3.2.5 A função do tutor-formador
Andrade (2009) considera com relevância o personagem presente na cena da
formação, cuja identidade ainda recebeu poucas análises pela pesquisa – trata-se do
formador. Identifico que essa figura do formador se aproxima do tutor-formador,
profissional que ainda está nos bastidores das pesquisas e estudos na formação no
Brasil.
123
A formadora tem como objetivo reconhecer a escrita como um procedimento de
formação, elencar as diversas concepções de "formação" e "formador" que estão
circulando no grupo. A seguir, apresentam-se os diálogos que são constituídos sobre o
tema:
Tutor-Formador– Ser formador é ser responsável por um processo de
mudança interno e externo, uma mudança que deve começar em mim, e
se estender até o outro. Ser formador é ser alguém que provoca dúvidas
e inquietação mais também estende sua mão e convida a caminhar com
solidez. Enfim, ser tutor formador é sobre tudo ser alguém que direciona
o olhar e focaliza ruídos corrente de trabalho e continua para que ele dê
cada vez mais frutos
Tutora-Formadora A –ruído existe a formação, né, que nasce o tempo inteiro, eu acho que formando e informando, mais o que vem ser o bom
formador mesmo, tutor ruídos é uma coisa com intencionalidade, aí, é
nessa intencionalidade, que tá o que você precisa identificar né, a gente
precisa identificar em qual é a minha intencionalidade como formador. É
minha intencionalidade na ruídos qual é a intencionalidade, é nisso que eu me
foco, como formador intencional.
Luiza – É existe uma passagem ruídos que fala sobre essa formação
intencional ruídos exatamente, exatamente como você está falando, da
formação profissional. A formação profissional ela tem um caráter
intencional ruídos na verdade o objetivo de você é, possui poucas habilidades
tais ruídos fazendo com que você seja capaz de se identificar com sua própria
função, e se nós pensarmos em formação de professores, nós estamos pensando exatamente em, em ressignificar, a profissão né, de ser professor,
de professar, aí mais uma vez a gente recupera né, aí a idéia de metáfora do
aluno, em que cada palavra do aluno, que mais uma vez o Guilherme e a
Rosaura é recuperam assim que fantasiosamente nós temos assim é, é muito
comum ouvir entre os professores que a palavra aluno, dele varia de aluno,
que seria também testemunho, a como objeto de negação e o nulo de ruídos
mais eles se dão, que muito pelo contrário, que é particípio de um verbo que
é o verbo ruídos Alegre, alegre, isso ruídos Que é o verbo dar, alimentar, dar-
se-á, dar alimento, amamentar, ta ligado a essa idéia mesmo de alimentar o
outro, e nesse processo de alimentar, mais uma vez se tem a idéia de como
você ao outro ruídos você não só aprende né, mais ensina o outro a cuidar de você também, não é isso? Essa perspectiva, uma mãe, quanto uma mãe, um
pai precisa aprender a cuidar de um bebê. O que é lidar com um bebê? Quem
já foi mãe ou já teve uma criança bem próxima de si em algum momento da
vida, sabe que a gente aprende geralmente, a primeira criança que aparece na
sua vida geralmente é a que mais sofre, você prende a mão, você queima,
você deixa cair, tudo acontece, porque? Não porque você esteja desatento,
descuidado ou descomprometido com aquele bebê, não, que teve então dois
ou três filhos, sabe que o primeiro sempre sofre mais, o segundo a gente vai
tirando de letra, mais dá pra tirar de letra, não é verdade, embora seja
diferente, nós aprendemos, e é lógico que mais uma vez quando ele fala em
formação ele fala sobre esse olhar da pessoa experiente né? Do professor
experiente, do papel da formação que acontece também através de
estágios, ou até mesmo de relações dentro da escola onde se possibilita a
geração de um outro profissional que tem uma história que constituiu o
professor como deveria entre outras, não estou falando que tem nem de
melhores nem piores, estou falando de experiência de outras, que nos
fazem aprender com eles também. Então a gente aprende com o aluno, a
gente aprende com os pais, esse aprender com o professor, pode ser tanto
através dos dados ou através das nossas tecnologias, quando chamamos isso
124
de bi formação né, que muita vezes é quando a gente vai mostrando através
de o quanto tem através dessa tecnologia de se mostrar algumas cenas aí, tem
umas que ficou vozes misturadas
Luiza – ruídos se unem e colocam e as pessoas refletem e debatem, sobre
esses valores, quer dizer, isso é, uma forma de inquietar, de refletir, de levar a
uma falta a uma necessidade, isso a leva a buscar, essa busca, essa incessante
auto-afirmação, fala
Tutora-Formadora B – Eu queria completar, que quando você fala ruídos
uma questão que, reaprender né, na verdade nesse significado ruídos esquecer que assim como professor na verdade ali a ruídos é outra né, ele ta numa
outra dimensão, num outro processo formativo né, eu vou, ajudar a formar
aquele aluno, como diria a Luzia mas eu não posso atuar como professor né,
eu tenho que me colocar também ruídos como dar aula, e é meio complicado
o professor dar aula né, eu ruídos infantil no mês passado e, eu me dei conta
de pessoas que nunca tinham pisado numa turma de educação infantil, e
assim, não sabiam com funcionava, e queriam elaborar projetos pra fixar o
aluno, então como eu vou dar aula nesse grupo, se eu tenho a experiência,
dentro da minha prática que eu tenho, eu não teria a teórica, então como eu
vou dar aula? Então essa ressignificação de professor para tutor, pra mim
foi um grande desafio, hoje eu já não tenho mais como tutora, já tenho
como mediar isso legal mais no princípio era difícil, eu queria dar aula,
eu queria explicar as coisas pras pessoas, porque aquilo, aquela
universidade que eu estou ruídos E o tutor ele tem uma outra função né?
Ele até pode ensinar, mais ele tem uma função diferenciada, real, ele
induz vozes baixas e ruídos – Tutora-Formadora C- ruídos É um questionamento em relação ruídos você
tem uma idéia de alfabetização gerada por censo comum em como
participar ruídos principalmente a questão de formação é trabalhar essa auto-
estima, ele vai e não aprende ruídos e justo isso aí, é com muito tato, muito
jeitinho, com muita proximidade mesmo, que eles vão esperando coisas
prontas né,aí eu tenho um aprende, você não tem uma receita, um pozinho mágico, pirlim pim pim que eu jogo nela e a criança vai aprender, não, então
tem que ter uma consciência muito grande pra lidar com essa aula, as vezes é
por questões ((ruídos)), tem que fazer curso, graduação, então é lidar com
todas as necessidades dos alunos ruídos
Luiza - É ter esse pensamento, é porque, é óbvio, porque você tendo esse
contato superficial, olho no olho se dá, através de um sorriso, através de, que
na verdade relações ruídos aí eu também acho interessante, interessante se
vocês tivessem um tempinho retomassem o texto quando ele ao final ele faz o
relato de uma é, professora que fala a respeito dessa relação ruídos. Então é
óbvio que vocês terão um modelo de formação, que será um modelo de
formação a distância, mais isso não, é, e em nenhum momento vai tirar de
vocês, vamos dizer assim né, a eficiência, mas diria a possibilidade, de interagir com esse professor, com esse ruídos e levá-lo a perceber, é, sobre
todas as dificuldades, sobre auto-formação, de reflexão, de dúvida, de
inquietação, é lógico que, ruídos as expectativas também deles é de um
resultado imediato, é de uma solução, uma receita milagrosa que dê
conta daquela inquietação ou daquela angústia que ele trás, mais nós
sabemos também que é impossível ruídos, então, dentro desse parecer
ruídos exatamente ruídos de tudo que vocês disseram aqui né, são
formadores, são o que? Dentro desta perspectiva o que é ser tutor? O que
é ser formador de formadores? Senão também mediador, também
orientador, é, professor de significado, não de contato direto, mas por
exemplo, se ruídos a necessidade da clareza da sua escrita, a sua linguagem escrita será de fundamental importância nessa interação. Porque o cuidado
que se deve ter com aquilo que se escreve e a necessidade de ser entendido
pelo o outro, se fazer entender, de você tentar ruídos quem vai ler o seu texto
mais a frente, que também se isso que vocês falam sobre isso, é
fundamentalmente importante, então... é, dentro dessa perspectiva, eu acho
125
ruídos papel, a importância e a complexidade né, dá função de ser
formador, levando em consideração todas as dimensões da formação,
auto-formação, a partir dos quais(ruídos e também, é essa formação que
se dá ao longo da vida.
Um tutor-formador logo de início expressa a sua opinião sobre a função de tutor:
Tuto-Formador – Ser formador é ser responsável por um processo de
mudança interno e externo, uma mudança que deve começar em mim, e se
estender até o outro. Ser formador é ser alguém que provoca dúvidas e
inquietação mais também estende sua mão e convida a caminhar com solidez. Enfim, ser tutor formador é sobre tudo ser alguém que direciona o olhar e
focaliza ruídos corrente de trabalho e continua para que ele dê cada vez mais
frutos
Em suas palavras, apresenta o desafio de que ser tutor é um processo de
mudança que deve começar em mim e se estender até o outro. Ao anunciar tal
perspectiva, considera não somente as suas próprias experiências, seus conhecimentos,
mas a necessidade de ir até o outro, para que este também possa elaborar suas próprias
construções.
A aproximação com o conceito de exotopia (BAKHTIN, 2003) se instaura
quando identifica que há a necessidade de ir ao lugar do outro. Identifica que as dúvidas
e inquietações são recursos que cada formador dispõe para colocar no foco as
constituições e elaborações de cada participante do encontro. Em seu discurso, expressa
as intenções com a expressão estender a mão. O espaço da formação continuada é
identificado como um encontro entre sujeitos, tutor-formador e professores.
Rossi (2008) também apresenta a concepção sobre quem são os formadores:
Cheios de vida. Cheios de dúvidas. Ousados. Prontos para uma viagem
arriscada, sem mapas precisos. Descortinam o desconhecido, mas não
descartam os cantos de onde vieram. No dia a dia vivem no mundo dos
adultos, mas já ensinaram crianças, em escolas. Alguns ainda ensinam. Estes
dividem suas funções de professores de cada escola com suas funções de
formadores. Outros voltam à “casa materna” apenas como formadores
(2008:52).
A autora apresenta o campo da formação de professores na perspectiva do
formador, nomeação escolhida pela autora para abordar o profissional que trabalha com
126
professores. Descreve o cotidiano do profissional e as tantas funções que lhe são
atribuídas, contudo há um aspecto que considera quando cita que esse trabalho acontece
com adultos. A marca dessa perspectiva propõe que há especificidades no trabalho do
tutor-formador, fazendo-se necessário que demarque e institua esse lugar.
Em diálogo com Andrade (2011), surgem questões sobre o ponto de vista do
tutor-formador: os formadores esperam (apostam) que os professores transformem a sua
prática? Os professores acreditam que os formadores possam lhes ensinar alguma coisa?
Há expectativas tanto dos formadores como dos professores que a formação
continuada contribua para transformar os cotidianos. No desafio de compreender que as
interlocuções se constituem no ato da formação, há ainda um caminho a ser perseguido
no que se refere à formação do professor. Porém, algo que já está presente nos discursos
dos tutores-formadores consiste na identificação de que há um interlocutor, o professor,
que está inserido em um contexto, atravessado por situações, conhecimentos, ações,
subjetividades que estão presentes nos cotidianos (ANDRADE, 2009).
A história dos formadores ainda está limitada às narrativas orais, há apenas
fragmentos da memória de cada um, contudo é com esses fragmentos e situações ainda
pontuais que tutores-formadores exercem a função nos cotidianos das redes de ensino
público, contribuindo para as tão sonhadas transformações das práticas escolares
(SNOECKY, 2003:22).
O fragmento destacado a seguir prossegue com a discussão da função abordando
a questão do deslocamento de posição:
Então essa ressignificação de professor para tutor, pra mim foi um grande
desafio, hoje eu já não tenho mais como tutora, já tenho como mediar isso
legal mais no princípio era difícil, eu queria dar aula, eu queria explicar as
coisas pras pessoas, porque aquilo, aquela universidade que eu estou
((ruídos)) E o tutor ele tem uma outra função né? Ele até pode ensinar, mais
ele tem uma função diferenciada, real, ele induz...(tutora-formadora).
127
Aproximo o que a tutora-formadora aborda como ressignificação do conceito de
exotopia (BAKHTIN, 2003). Amorim (2004) convoca o pesquisador a deslocar-se ao
país do outro para construir escutas de alteridades e retornar ao seu lugar de pesquisador
para marcar no sujeito da pesquisa os excedentes de visão constituídos ao longo do
processo.
Na função de tutor-formador também há a exigência do exercício da exotopia,
pois o tutor-formador precisa ir ao lugar de professor - ver o mundo com os valores dos
docentes -, voltar à posição de tutor-formador e oferecer os excedentes de visão
constituídos. Encontro no processo de formação continuada proposto pelo Programa
Pró-Letramento a possibilidade de realizar deslocamentos de posição, para poder
oferecer os excedentes de visão aos interlocutores que participam do processo:
formadores da universidade, tutores-formadores e docentes.
A escrita deste texto de pesquisa instaura a marcação sobre as interlocuções que
são constituídas entre formadora e tutor-formador na topologia que se inaugura a cada
formação continuada que se inicia. As alteridades apontadas pela autora se fazem
presentes nas singularidades enunciativas que os sujeitos participantes do espaço de
formação continuada – formadora e tutor-formador – enunciam, criando tramas de
interlocuções infindáveis, indicando que essas interlocuções se constituem nos
excedentes de visão apresentados a cada enunciado.
3.3 A Tutora-Formadora
Segundo Bakhtin,
o “contexto extraverbal” dos enunciados compreende três fatores: o
horizonte espacial comum dos interlocutores; o conhecimento e a
compreensão comum da situação por parte dos interlocutores e avaliação
comum dessa situação (1926:5).
128
Identifico que o Programa Pró-Letramento se constitui no “contexto extraverbal”
no qual os discursos são enunciados criando tramas de interlocuções. Tais interlocuções
são constituídas nos encontros de formação continuada, em um primeiro momento,
entre formadora e tutores-formadores e, em um segundo momento, entre tutora-
formadora e os professores.
As elaborações constituídas no ato da formação continuada dos tutores-
formadores, a partir dos objetivos propostos no planejamento pela equipe de
formadoras, representada neste texto pela formadora Luíza, revelaram tramas de
enunciados nas interlocuções entre a formadora e os tutores-formadores, apresentando
indícios sobre os temas propostos no planejamento.
A entrada no campo da formação dos professores, na aproximação do grupo da
tutora-formadora, tem como intenção observar os indícios constituídos na formação
continuada dos tutores-formadores, a partir do planejamento proposto pela equipe de
formadoras. A busca consiste em investigar esses indícios constituídos nas interlocuções
por meio dos enunciados, no ato da formação continuada para tutores-formadores.
A iniciativa da tutora-formadora em colocar-se disponível para a pesquisa com
seu grupo de professores foi o critério de escolha para a realização do trabalho
investigação. Encontrei naquela tutora-formadora uma disponibilidade em abrir um
espaço em que reflexões e posicionamentos ficam expostos, nas singularidades das suas
constituições. Assim, a pesquisa continuou no município de Queimados/RJ com um
grupo de 25 professores. Os encontros aconteciam semanalmente, perfazendo 12
encontros.
129
A tutora-formadora Lina14
possui formação em Pedagogia com especialização
em Orientação Educacional. Trabalha na secretaria de educação do município em um
cargo de coordenação do Departamento Geral de Educação. Há ainda outras duas
tutoras-formadoras que fazem parte do Programa Pró-Letramento de Alfabetização e
Linguagem, cada uma com uma turma de docentes.
Snoeckx (2003) afirma que as funções realizadas por formador de professor,
nesse caso tutora-formadora, estão à mercê das necessidades, das urgências, das
prioridades, as atribuições são controladas e resultados de negociações dos profissionais
(SNOECKX, 2003:28). O trabalho realizado por Lina está na função de coordenação, a
formação de professores é algo que acontece de forma paralela.
Essa situação é semelhante para outros tutores-formadores participantes da
formação. O desempenho variado de funções, apresentando dentre elas a formação
continuada, coloca em questão tanto a qualidade de investimento desses profissionais,
em virtude da quantidade de demandas e da prioridade do trabalho com a formação de
professores.
As primeiras aproximações entre mim e a tutora-formadora foram por meio de
um convite realizado para ir ao município e conhecer o espaço da formação e uma
conversa inicial sobre o trabalho que seria realizado.
Um ponto ressaltado foi a conquista do local para realizar os encontros do
Programa Pró-Letramento, tanto de Alfabetização e Linguagem como de Matemática,
considerado pela própria tutora-formadora uma conquista. Em sua narrativa sobre o
processo, marca a importância dos encontros das formações continuadas do município.
Após nosso encontro, fiz o seguinte registro:
Encontramos na Secretaria Municipal de Educação, local de trabalho da
tutora-formadora. Nossa primeira conversa foi a narrativa que Lina realizou,
14 A tutora-formadora aprovou que seu nome verdadeiro fosse utilizado no corpo deste texto.
130
muito empolgada, sobre a luta junto ao secretário de educação para que o
Pró-Letramento tivesse um local de concentração para a realização das
formações continuadas.
Nossa!Eu falei com ele várias vezes para convencê-lo da importância de tal
fato, foram várias conversas.
A possibilidade existia, pois havia um CIEP que está desativado em virtude
de um projeto para que se tornasse um campus da UERJ. A Prefeitura cedeu
o espaço para o projeto, porém esse ainda não foi iniciado. Assim, foi
concedido que o espaço da sala de leitura da escola fosse utilizado pelo Programa Pró-Letramento para concentrar as formações continuadas. Lina
me narra esse percurso de luta pelo espaço com um entusiasmo e com uma
compreensão sobre o lugar da formação continuada contribuindo para a
melhoria da qualidade das práticas dos professores.
O extrato acima, retirado de meus registros de campo, anuncia uma compreensão
por parte da tutora-formadora sobre a importância dos encontros de formação
continuada para professores. Ao materializar seu discurso sobre o tema, tornando-o um
espaço concreto, revela aos sujeitos participantes daquela rede municipal a importância
que a gestão local está direcionando para o projeto. Segundo Andrade,
a formação de professores se constitui uma formação discursiva sobre a qual
se mobilizam muitos agentes, constituindo uma forte intensidade de ações
políticas. Ela pode ser representada por um conjunto de imagens de seus
participantes, figuras produzidas pelas ações de indivíduos profissionais que
ocupam posições que lhes são designadas e autorizadas. (ANDRADE, 2011:2)
A função ocupada por Lina atrela-se a seu processo de formação continuada,
apresentado no fragmento a seguir:
Eu sempre juntei muito a teoria com a prática, né? A questão da prática, de
você está realizando, de você está fazendo. Mas de você está se
realimentando, porque se não, na hora de fazer você está vazio. Muito na
minha formação eu aprendi isso, vendo, estudando e pesquisando. (fragmento
da entrevista)
A iniciativa de Lina está autorizada pela função que ocupa. Os argumentos
construídos por meio de investimento na sua formação são produtos que constituem
alicerces para o desempenho de suas funções, desencadeando ações políticas sobre o
tema da formação continuada. A decisão de organizar um lugar para os encontros da
formação continuada dos professores cria um símbolo de um lugar destinado a receber
131
profissionais para reflexões sobre as questões que circulam em torno da escola, nesse
caso específico, as referentes à alfabetização e linguagem.
Por meio da imagem, há uma aproximação do contexto no qual os discursos
estão sendo constituídos. Identifico nas imagens sobre o espaço do Pró-Letramento de
Queimados/RJ questões que são suscitadas a partir da imagem técnica que apontam para
singularidades e sentidos impressos na organização do espaço constituído por aquele
grupo de tutoras-formadoras. Há um aprofundamento sobre o espaço, indícios da
cultura, modos de subjetivação expressos por aqueles sujeitos, constituidores daquele
espaço: tutoras-formadoras e professores do ensino fundamental (SOUZA, 2007).
Identifico que o espaço conquistado pelo Programa Pró-Letramento no
município de Queimados/RJ instaura e materializa o espaço da formação continuada
para professores. Assim, ao compartilhar as fotos do espaço, identifico que as
subjetividades construídas pelos que coordenam esse processo no município se
desvelam na concretização da organização na montagem do espaço.
Figura 5: o lugar da formação do Pró-Letramento de Queimados/RJ
132
Figura 6: o espaço interno – materiais para uso dos professores
Figura 7: espaço para exposição de trabalhos dos professores
133
Figura 8: produções dos professores na formação do Pró-Letramento
Figura 9: grupo de professores assistindo a um vídeo na formação
A decisão de apresentar quatro imagens sobre o espaço consiste na aposta de que
há um contexto de organização para esse trabalho. Há indícios de uma preocupação por
parte da tutora-formadora para que as formações acontecessem em um lugar que
possuísse uma estrutura, com um trânsito livre de acordo com os objetivos propostos
134
para o trabalho com os docentes. Lina marca de forma recorrente em nossos encontros
que se fazia necessário receber os professores em um espaço organizado para esse fim.
Nesse momento, identifico que seu cargo na gestão daquela rede de ensino se atrelava
às demandas do trabalho da tutora-formadora que compreendia o percurso e as
sinuosidades da formação continuada.
Ao observar as produções, recursos didáticos, objetos que constituem o espaço
da formação, há um entendimento de que os discursos são enunciados nesse “contexto
extraverbal”, assim há brechas para compreender que há uma relação que se estabelece
entre o horizonte extraverbal e os discursos enunciados nesse espaço (BAKHTIN,1926).
Contudo, encontro ainda uma consideração no que se refere aos objetos
constituidores do espaço, tanto os que foram escolhidos e colocados pelos tutores-
formadores, como aqueles produzidos pelos professores no ato da formação. De acordo
com Bakhtin (2003), os sentidos dos enunciados são constituídos pelos sujeitos ao
mesmo tempo em que esses mesmos sentidos os constituem. Um processo simultâneo
de constituições se estabelece no interior daquele espaço de formação; recursos e
objetos são constituidores do contexto extraverbal materializado no espaço da formação
continuada; as produções constituídas no ato da formação instauram novos recursos,
novos objetos. Há, portanto, uma infinita trama de produções que são constituídas no
ato desse processo.
Os bordados tecidos nos contornos dos discursos apresentam indícios que se
articulam com esse horizonte espacial e ideacional compartilhado (Bakhtin,1926) por
professores e tutora-formadora, sujeitos constituidores daquele espaço. Há ainda fios
que ficaram soltos, pontos ainda por bordar, no que se refere a considerações dos
professores sobre a criação de um espaço para a formação. Ainda que não fosse o foco
desta pesquisa, não foram observados nas gravações e em conversas informais reflexões
135
sobre o tema. Esse fio possibilita a iniciação de uma busca de criar novos bordados para
uma investigação sobre o tema.
A tutora-formadora compartilhou o planejamento e decidi colocá-lo no corpo
deste texto com o objetivo de oferecer um horizonte sobre os temas e atividades
propostos pela tutora-formadora. O quadro 6 apresenta tal conteúdo.
Encontros Pautas Resumidas
1º encontro
Leitura literária: De Letra em letra - Bartolomeu Campos de Queiroz
Confecção de crachás para apresentação - Por que aderiu ao Pró-Letramento?
Quais as expectativas para o curso?
Leitura da apresentação dos fascículos no livro do Pró – letramento. Pág. 06 e 07
Leitura em roda do livro: Guilherme Augusto Araújo Fernandes de Mem Fox.
Confecção dos cadernos e materiais para adorno.
Escrita individual a partir da seguinte consigna: "Na sua história de professora,
quais foram as reviravoltas, os processos vividos, experiência dos nas suas
práticas de ensino de leitura e escrita?
Leitura de Memórias de alguns cursistas. Organização de um mural de fragmentos dos textos memorialísticos.
Em grupo, os professores escolhem os fragmentos que querem "publicar" no
mural.
2º encontro
Leitura em roda do livro: Asa da Palavra, de Adriano Bitarães Netto. Ed. Mazza
A partir dos questionamentos abaixo responder individualmente:
Para você, o que é linguagem?
Qual é a sua compreensão de linguagem ESCRITA?
O que você entende por alfabetização e letramento?
Explanação no power-point: História, leitura, escrita e alfabetização (material da
plataforma). Apresentação de pontos de vista organizados coletivamente:
Alfabetizar Letrando ou Letrar alfabetizando?
Em pequenos, grupos os professores apresentam suas questões e depois se organizam para a apresentação na plenária.
Criação de um mural por grupo, contendo os conceitos construídos na atividade
anterior de forma criativa (através de uma paródia, música, cartaz, poesia...
Leitura e reflexão do texto: capacidades linguísticas da alfabetização (pág. 14 e
15).
Apresentação do quadro 1 em power-point - Compreensão e valorização da
cultura escrita: capacidade, conhecimentos e atitudes ( pág.16 e 17)
Apresentação do power-point sobre Compreensão e valorização da Cultura
Escrita.
Apresentação do vídeo: Ler deveria ser proibido (Campanha publicitária de
incentivo a leitura).
3º encontro Conversa informal sobre as idéias apresentadas no vídeo, e reflexões quanto ao
conceito de alfabetização e letramento. Conversa e explanação do power-point Apropriação do Sistema da Escrita.
Reflexão coletiva sobre os diferentes tipos de suportes e gêneros textuais com
atividade de Leitura de diversas: parlendas e trava- línguas em grupos.
Divisão da turma em grupo a fim de propor análise do processo de escrita a partir
da produção de alunos.
Leitura compartilhada com comentários sobre cada um dos itens
Leitura em grupo com discussão sobre o tema, registrar em painel as observações
do grupo.
Apresentação de diversos jogos de alfabetização que podem ser utilizados com os
alunos dando a oportunidade de socialização de troca de idéias entre as cursistas
136
4º encontro Leitura em roda do livro: A caligrafia de Dona Sofia
Apresentação do trecho do vídeo: Central do Brasil
Apresentação do power-point: Gêneros textuais
Manuseio de diferentes gêneros textuais e seus portadores.
Apresentação do vídeo Literatura Infantil
Apresentação em power-point do quadro 3 ( pág. 40)
Solicitar que as cursistas em grupos produzam atividades relacionadas às
capacidades do quadro 3:
Desenvolver fluência em leitura;
Construção de poesias pelas cursistas inspirando-se no tema abordado na aula.-
5º encontro Leitura do poema “Cortar o tempo” Carlos Drumond de Andrade - Perceber a necessidade de organização do tempo escolar no processo ensino aprendizagem/
Ler fascículo 3 pag. 6 introdução
Confeccionar individualmente lista de atividades relacionadas à leitura e escrita
que você desenvolve semanalmente - Relacionar as atividades que são ocasionais
e as que são realizadas cotidianamente.
Refletir a partir da leitura dos relatos o que se ensina e o que os alunos aprendem
com atividades de leitura desenvolvida nas escolas nessas condições - Conversa
informal sobre a narrativa dos professores.
Perceber a importância do planejamento para alcançar os objetivos -
Apresentação dos grupos pontuando a necessidade do professor ao planejar
atividades de escrita assumir-se como agente de letramento , promovendo com seus alunos a possibilidade de utilização da escrita real como registro,
Analise em grupo de três situações de escrita dos relatos da página 13, 14 e 15
Responder em grupo algumas questões relacionadas a aplicação do tempo
dedicado a leitura na escola - o que se lẽ? Para quê se lê? Quando se lê?Para
quem? Com quem? E em que condições se lé na escola? .
Responder em grupo algumas questões relacionadas à aplicação do tempo
dedicado a escrita na escola - O que se escreve? Para quê se escreve? Quando se
escreve? Para quem? Com quem? E em que condições se escreve na escola?
Avaliação do encontro -
Para casa: solicitar aos professores que levem para a próxima aula um
planejamento de sua turma da escola - Através de uma palavra expressar a importância e relevância do tema para uma melhor organização das atividades
6º encontro Avaliar planejamento de aula em grupo - Avaliação de alguns planejamentos,
observando se há ações educativas voltadas para a questão da leitura e da escrita.
Perceber se conhecimentos sobre leitura e escrita foram considerados neste
planejamento de aula?
Ptt Planejamento/ Refletir sobre o tema a partir da apresentação
Criar uma atividade de rotina para uma turma de alfabetização - Em grupo criar
um planejamento de aula com atividades de leitura e escrita para ser desenvolvido
numa sala de aula.
Leitura da página 26 tópico sobre improviso - Conversa informal discutindo os
conceitos de improvisação e espontaneidade
7º encontro Leitura de qualidade para ampliar as práticas de leitura docente - Leitura do Livro
que as cursistas escolherem dispostos para elas em uma mala. Logo após
expressão oral de algumas obras lidas. Refletir sobre a importância da Biblioteca escolar ou a sala de leitura, apontando
elementos relacionados à sua organização e possibilidades de uso - Apresentação
do power-point
PNBE - Apresentação da carta do Ministro da Educação que apresenta as abras
adquiridas para as escolas públicas
Levar os cursistas a refletir a respeito da importância do ato de ler e a mediação
do professor nesse processo - Apresentação do vídeo: “O ato de ler” do Ziraldo.
Reflexão e discussão em grupo.
Orientar os cursistas quanto aos conteúdos que serão abordados na formação:
Biblioteca escolar. Para quê? Como utilizá-la?
Livros grossos ou livros finos? Com figuras ou sem figuras? Que tal ouvirmos a opinião do leitor?
137
E as escolas que não tem biblioteca?
Os suportes do texto na formação do leitor.
A ilustração dos livros infanto- juvenis
Orientar quanto a importância da contação de histórias bem como a possibilidade
de utilizar livros falados na sala de leitura - Apresentação do áudio livro: Contos
ao redor da Fogueira, de Rogério Andrade Barbosa. História ouvida: kumbúo
menino da floresta Sagrada.
Orientar os cursistas quanto aos conteúdos que serão abordados na formação:
Leitura: uma prática social na escola;
E na sala de aula, como ficam a leitura e a escrita? O acesso ao acervo e o papel do professor.
Situações de leitura.
A leitura nossa de cada dia - Leitura do fascículo do 4, Unidade II: Pag. 21 a 33 -
Dividir a turma em grupos e solicitar que cada grupo faça a leitura de um relato
da unidade I, em seguida cada grupo fará apresentação oral do relato lido
Proporcionar as cursistas conhecer a vida e a obra de 5 dos grandes mestres da
Literatura brasileira
Lygia Fagundes Teles: A Inventora de Memórias;
Quatro Vezes Quatro: João Cabral de Melo Neto;
No Caminho de Drummond;
José Lins do Rêgo: Engenho e Arte; Raquel de Queiroz: Não Me Deixes./ Apresentação do DVD Mestres da Literatura
( TV Escola – Duração 26 minutos).
8º encontro Promover leitura de qualidade para a ampliação das práticas de leitura - Leitura
em roda do livro: “Histórias de um livro aberto” De J. L. Diego, Editora Scipione
Apresentar as professoras uma forma lúdica e prazerosa de trabalhar com o
dicionário em sala de aula - Jogo do dicionário (Material da Plataforma)
Refletir sobre o uso do dicionário na escola e desenvolver atividades lúdicas de
utilização do dicionário propostas no Livro do Pró-Letramento,
Conhecer as melhores estratégias para ensinar a ler por prazer, ler para estudar e
para se informar
Leitura as melhores estratégias para: ler por prazer, ler para estudar e ler para se
informar. Relembrar e registrar e ou desenhar os momentos que elas consideraram mais
significativos
Preparação de um mural de lembranças: O que mais gostei na formação hoje?
Leu para os professores Felicidade Clandestina – Clarice Lispector
9º encontro Em círculo promover a brincadeira com os cursistas do brinquedo cantado
Escravos de Jó, que consiste em cantar e passar um objeto entre os integrantes a
medida que o objeto termina na mão de um participante este vai deixando a
brincadeira.
Propor reflexões sobre a lógica da escrita, assim como explorar o eixo da leitura e
produção textual - Distribuir fichas onde em grupo os cursistas confeccionem
uma lista de brincadeiras e jogos infantis que já participaram, e a partir desta lista
confecção de um caça palavra.
Compreender a importância dos jogos e brincadeiras, como instrumentos de promoção da aprendizagem nos anos iniciais.
Reflexão sobre as diferentes possibilidades de ação pedagógica com o sistema de
escrita, a partir de contextos significativos - Distribuição de reportagens de temas
do cotidiano retirados de jornais, onde os alunos em grupo devem escolher o tema
mais relevante da semana e reescrever os textos, de forma que possam ser
veiculados num telejornal
Perceber que o mundo da escrita e da oralidade é um universo de possibilidades
para se interagir socialmente.
Refletir sobre como os textos circulam e como são produzidos em contextos –
extra-escolares - Textos produzidos e apresentados na T.V Letramento, ( por dois
relatores/ repórteres) observando todas as nuances de uma matéria apresentada por um telejornal
Consolidar o tema abordado nesta aula/ Apresentação do power-point Lúdico
138
Perceber a importância do lúdico no desenvolvimento da leitura e escrita -
Cântico coletivo e visualização do vídeo
Refletir sobre a relevância dos temas abordados. Painel: Se a aula de hoje fosse
uma música, que música seria?
10º encontro Leitura de qualidade para ampliar as práticas de leitura docente.
Leitura no power-point e Comentários do Texto: A camisa do homem feliz
Discutir sobre as características dos diversos saberes da oralidade e da escrita.
Apresentação do power-point sobre Modo de Falar e modo de escrever. (Livro do
Pró-letramento.)
Refletir sobre a capacidade de se expressar e comunicar de acordo com as
convenções sociais e culturais. Perceber a presença diversos falares em comunidades e adequação do uso da
língua.
Desenvolver a integração dos saberes da oralidade na produção escrita.
* Destacar no filme trechos que demonstram situações que envolvem a
explanação do assunto estudado no power-point.
* Realizar a Escrita e Relato dos fatos destacados
Subsidiar as reflexões dos cursistas a respeito do tema
Explanação do power-point: Alfabetização e Letramento
AULA: ORALIDADE E ESCRITA- Profª Monica Fernandes (Plataforma)
11º encontro Ampliar as práticas de leitura docente
Criar possibilidades de construção de frases e textos a partir de uma leitura
Atividade de Produção de texto Destacar palavras que foram citadas na história
Formar frases com as palavras destacadas;
Organizar um texto com as frases produzindo um novo texto.
Valorizar a relevância de ouvir os alunos - Apresentação do power-point: Rubens
Alves – Escutatória
Investigar a prática pedagógica no ensino de escritas textuais - Apresesentação do
power-point:A interlocução na sala de aula - Nelita Bortolotto /Editora Martins
Fontes - Material da Plataforma.
Possibilitar a aproximação da reflexão com a prática docente - Produção de
atividades em grupos para serem trabalhadas em sala de aula com os alunos a fim
de despertar a oralidade e a escrita. Observar a variação linguística na letra da música. Ouvir e analisar a letra da
música Lourinha Bombril - Paralamas do Sucesso
12º encontro Avaliar planejamento de aula em grupo - Avaliação de alguns planejamentos,
observando se há ações educativas voltadas para a questão da leitura e da escrita.
Considerar que conhecimentos sobre leitura e escrita foram considerados neste
planejamento de aula?
Refletir sobre o trecho do livro Parati de Amyr Klink: “Um rumo e um destino
fazem a diferença em qualquer situação”
Criar uma atividade de rotina para uma turma de alfabetização - Em grupo criar
um planejamento de aula com atividades de leitura e escrita para ser desenvolvido
numa sala de aula
Quadro 6: Planejamento da tutora-formadora
3.3.1 O primeiro encontro: apresentações, memórias, registros, cadernos...
O primeiro encontro da formação continuada dos professores dos anos iniciais
do ensino fundamental começou com a apresentação da tutora-formadora e um breve
139
panorama da proposta de formação do Programa Pró-Letramento. Sobre esse primeiro
dia, registrei em meu caderno de anotações a seguinte passagem:
Ao chegar fui recebida por Lina e logo o encontro se iniciou. Iniciou com a
sua apresentação e logo após anunciou a minha presença, pedindo que
explicasse ao grupo sobre a pesquisa. Apresentei ao grupo de forma objetiva
o meu objeto e a proposta de investigação. O grupo nesse momento, por meio
de expressões faciais e corporais demonstrava um acolhimento e um interesse
sobre a minha estadia ali. Também me coloquei disponível para conversar
sobre o meu trabalho de pesquisa, questões em torno da universidade.
Compreendia que a minha presença no grupo marcava a presença da universidade naquele espaço de formação continuada. Logo após as
apresentações, Lina faz a leitura de um dos meus livros preferido Guilherme
Augusto Araújo Fernandes, de Men Fox. Após a leitura, faz a proposta de
ornamentação do caderno de registro e a apresentação das lembranças da
escola.
Após a leitura do livro, a tutora-formadora entregou um caderno e propôs que o
grupo ornamentasse o caderno e escrevesse sobre suas memórias da escola na primeira
página do caderno. O grupo se encantou com a proposta, diante dos materiais
oferecidos, e participou de forma entusiasmada da atividade. As conversas e
burburinhos se misturavam às histórias narradas e a proximidade entre os docentes foi
se construindo no movimento de fazer à mão.
A tutora-formadora Lina propôs que cada professor realizasse a leitura de suas
memórias. O fragmento a seguir transcreve algumas dessas histórias:
Lina: Quem gostaria de abrir suas memórias para a gente?
Professora A: Tudo começou com minhas bonecas e meu guarda-roupa. Eu
colocava elas sentadas e usava o guarda-roupas como quadro, claro que
quando minha mãe descobriu ela brigou comigo, porém, como eu queria o
quadro ela deu para gente um quadro, e como consequência, meus alunos aumentaram. Agora, eram meus irmãos e minhas bonecas. Graças a Deus,
minha mãe, uma analfabeta, hoje funcional, ela disse que poderia ser
professora de verdade! Fiz, então, o curso Normal e o adicional em
alfabetização de crianças especiais e vários cursos, e hoje, estou aqui!
(todos aplaudem)
Professora B: Eu cheguei no início de Belford Roxo (todos riem) Eu iniciei
minha história na educação vendendo docinhos e salgadinhos para os
professores e funcionários do CIEP em Nilópolis. Formada há muitos anos,
tentei um concurso e não passei por causa da prova de redação, mas a minha
irmã mais nova passou e queria muito que eu também tivesse esse trabalho de
professora. Foi assim que comecei a ter experiência nesse mundo né,
através da minha irmã, comecei a vender doces na escola que ela
trabalhou. Eu vendia meus docinhos para garantir o sustento dos meus
filhos, mas a vontade crescia de mudar para outro lado. Entrei num curso
140
de redação para tentar recuperar minhas dívidas de escrita. Eu não sabia, mas
eu estava sendo observada pela diretora geral, que assim que surgiram as
turmas da noite de ensino juvenil, fui convidada para trabalhar com a turma
de alfabetização de alunos adultos, adolescentes. Acho que ela, a diretora,
achava que eu poderia ser uma professora leoa, que lutaria para trazer
alimento conhecimento para a turma da noite. Meus alunos tinham vidas
desorganizadas, alguns eram funkeiros, sem atividades, outros não sabiam o
que queriam, outros eram muito indisciplinados; e dois irmãos eram como eu,
vendedores de doces, só que eles vendiam doces no trem. Meu primeiro
trabalho que repercutiu nessa escola foi a construção do alfabeto com
sucatas e rótulos. Entrei em Belford Roxo em 1995 com apenas seis
meses de experiência com o juvenil e as experiências que via pela manhã
quando ia vender docinhos. Ali comecei a ter novas amigas professoras,
diferentes das antigas quando trabalhava na feira, trabalho digno, porém com
objetivos muitos diferentes. Iniciei meu trabalho agora concursada e com
uma turma de 1ª série. Eu tinha que dar conta da alfabetização daquela
turma, praticamente sem experiência. Então, coloquei-me a disposição
para participar de todos os cursos que pudesse fazer para continuar a
aprender a ser professora. Nessa escola encontrei pessoas amigas e pessoas
que criticavam o fato de eu pedir atividade toda hora para minha turma. Mas a crítica foi boa, pois fez com que eu criasse segurança para organizar minha
vida. (todos aplaudem)
Professora C: Comecei minha história como professora aos 18 anos de idade
na escola ruídos onde marcou uma história de alfabetização na minha vida.
Foi lá que dei os primeiros passos, concluí meu magistério, fiz estágio com
professores e continuei lecionando, não mais como estagiária, mas agora
como professora. Tive uma ótima diretora, Dona Áurea, que me ensinou
sempre que só se aprende a ler, lendo. Lecionei em escolas particulares ( a
professora citou nomes de diferentes instituições) (...) sempre com
alfabetização. Tive várias barreiras e tive uma que quase desisti, uma criança
veio a cair e o diretor me humilhou e me colocou bem no chão. Fiquei triste e quase desisti, mas houve uma voz que disse assim: - Quando tudo diz que
não uma voz me encoraja a não desisti, Jesus Cristo. (todos aplaudem)
Professora D: Tudo começou quando eu ainda era uma menina, minha mãe
era funcionária pública. Ela sempre trabalhou em escola como servente.
Por conta disso ela sempre matriculou meu irmão e eu (…) no horário
em que ela trabalhava. Passávamos o dia inteiro dentro da escola até
completarmos 12, 13 anos. O tempo passou, minha mãe teve que se aposentar
e meu irmão, que era dois anos mais velho que eu teve que arrumar seu 1º
emprego. Meu irmão prestou vestibular para matemática, hoje ele está
fazendo mestrado e está fazendo outra faculdade, direito. Euzinha, depois
que terminei meu segundo grau, me espelhei no meu irmão e também
decidi ser professora. Depois de 3 vestibulares consegui passar para a
Universidade no curso de Pedagogia. É tudo de bom! Sou professora e sou
feliz! (todos aplaudem)
Lina: Eu estou extremamente feliz acho que vocês estão motivados, eu
também estou motivada para estar aqui com vocês nós vamos longe nesse
trabalho. A última atividade seria olhar para o seu relato, para as suas
memórias que você está construindo e escolher um fragmento, pode ser uma
frase, ou uma coisa que muito te marcou, ou uma coisa que você nunca
esqueceu e colocar aqui para fazermos um mural com os fragmentos das
nossas histórias. Vocês podem escrever de canetinha ou pilot. É para escrever
agora.
A proposta está próxima do que foi realizado na formação do tutores-
formadores. A tutora-formadora cria um espaço de expressão das narrativas e a
141
iniciativa do aplauso é validada por todos. A montagem do mural acontece com a
participação de todos.
A reminiscência funda a cadeia da tradição, que transmite os acontecimentos de
geração a geração (BENJAMIN, 1994:221). As elaborações constituídas por
professores e tutores-formadores estabelecidas por narrativas que pertencem a cada um,
compondo as memórias que tecem as histórias individuais de cada participante, fundam
a cadeia da tradição benjaminiana e contribuem com indícios sobre constituição de
possíveis saberes dos tutores-formadores.
As narrativas apresentam singularidades presentes na história de cada professor
naquele espaço. Ao aproximar o foco sobre o contexto social em que cada um está
inserido, enunciados que marcam posições sociais em relação às conquistas e fracassos
são recorrentes (BAKHTIN, 2003). Os enunciados carregam traços sobre os contextos
sociais que atravessam a constituição de cada um e o percurso da formação,
considerando tais situações.
Ser sujeito da história é ter, portanto, a tarefa de tornar presente o tempo
escondido sob as ruínas da história universal através dos “agoras” (KRAMER,
1993:50). Os professores colocam, por meio de suas narrativas, situações de um
momento que, ao mesmo tempo em que constitui cada um, também narra a história mais
ampla. Selecionam em suas memórias momentos críticos, e de alguma forma buscam
nas brechas encontrar novos caminhos, novas possibilidades.
Esse momento inicial apresenta ainda silêncios, deixando rastros de
interlocuções pontuais entre tutora-formadora e o grupo de professores. Ainda encontro
dúvidas no que se refere à compreensão que professores elaboraram sobre o ato de
narrar suas histórias no espaço da formação continuada como possibilidade de
constituição de sujeitos e, consequentemente, de compreensão sobre os atos de ensinar e
142
aprender. Talvez ainda se faça necessário um movimento de investigação sobre as
produções que tais situações experimentadas na formação continuada possam produzir
para cada professor em seu processo de formação continuada.
3.3.2 Papel da escola, função do professor, alfabetizar e letrar
O fragmento a seguir faz parte do segundo encontro quando se inicia a leitura do
livro A caligrafia de Dona Sofia, de André Neves. A tutora-formadora fez um longo
discurso sobre a importância da leitura. Logo após, a discussão prossegue com a
exibição de um power-point que fez parte da formação dos tutores-formadores, sendo
utilizado na palestra de abertura da Profª Drª Ludmila Thomé de Andrade. O documento
tem como título Breve história de ideias sobre ensino escolar da escrita e
alfabetização. O fragmento a seguir é marcado pelas interlocuções que são constituídas
entre a tutora-formadora e os professores:
Lina: Alfabetizar é saber escrever o nome (...) nossos avós, nossos tataravós
só se alfabetizavam para saber escrever o nome (...) e ainda era na escola.
Estudei em uma escola, que não era para todos (...)
Voz feminina A – Dever e a importância da escola. O quanto a escola tinha
essa importância. Era muito importante, muito valorizado você estudar.
Lina – Mas era para poucos. Para poucos (...)
Professora A – A importância da escola, o quanto a escola tinha uma
importância, mas era para poucos, mesmo esses poucos, tinha a
importância, porque minha mãe também não é, mas ela sempre falou, meus
filhos vão estudar e, principalmente, as meninas. Porque a mulher é tão
escravizada, então pelo fato de você já ter um estudo você vai ser menos,
podendo até alcançar a sua independência dessa escravidão. Daí a devida
importância que a escola tinha. Mamãe falava assim, é deixa a casa de pernas
para o ar, mas eu quero todo o mundo na escola na hora certa.
Lina: Na verdade, essa discussão, eu acho que a gente está tendo, eu acho
que assim, está bem claro para todo o mundo o que é letrar e o que é
alfabetizar e qual a importância que esse contexto de letramento tem
para a vida dos sujeitos que estão lá com a gente na escola? ((silêncio)) Vamos nós! E aí eu já falei da Magda né, que é uma autora que no Brasil nos
ajudou, nos ajudou a difundir esse conceito de letramento, a pensar nessa
função social da escrita e isso etc e tal. E aí eu diria, o analfabeto pode ser
letrado. O letrado pode ser analfabeto?. Isso ela fala aqui, né? Eu
conheço alguns analfabetos que são letrados. Agora, o ideal, nós como
educadores, é que a gente consiga fazer o casamento, que a pessoa possa
ser alfabetizada e possa ser letrada para que ela possa se empodera desse
uso social, para que ela possa fazer uso disso no seu dia-a-dia, seu
143
cotidiano, ok? Letrado versos não letrado. Grau de letramento. É... e a gente
vai ver daqui a pouco, a gente vai entrar no slide, é(...) todo o mundo
consegue perceber tudo, na mesma intensidade, no mesmo tempo, do mesmo
jeito? Não existem, por exemplo, letramentos(... )você vai, você vai a medida
que(...) é um processo, né? Você vai trabalhando, você vai adquirindo... você
vai fazendo mais relações com a vida, com aquilo que eu falei, com as coisas
que você já viveu, com as coisas que você já viu, com as coisas que você já
sabe, com a sua concepção de mundo, com a sua concepção de ser humano,
com a sua concepção de escola e(...) Eu sempre digo que eu tenho com a
escola um caso de amor, né? Eu, eu (...) fui criada em uma comunidade
do Rio de Janeiro, é (...) onde eu vivi com muitas dificuldades e (...) as
crianças, como eu, ali naquele lugar não tinham nenhuma perspectiva de
vida e na minha vida as coisas aconteceram de forma diferente (...) e eu
falo sempre isso, quando eu dou palestras, quando eu vou fazer
trabalhos por aí... Que o que me alçou a viver coisas interessantes... foi a
escola. Professora B – A escola representa esse mundo ampliado.
Lina – No meu caso foi a escola. A escola me disse: olha você pode, olha
você tem possibilidade, você não precisa ser, não que essas profissões
tenham nenhum demérito, mas você não precisa ser babá, só babá, você não precisa ser só doméstica, você não precisa ser só a diarista. Quem me
apresentou isso foi a escola. Então essa coisa de ler o mundo, de reler, quais
são os seus direitos, o que você pode, o letramento te dá isso, né? Você se
percebe enquanto cidadão, você se percebe enquanto sujeito, não passivo,
mas ativo na sociedade.
Lina – realiza leitura do ppt Grau de letramento. Não ser letrado e ser
letrado. Então há um caminho, né? Entre aquele que não é letrado... É um
processo, é um caminho, você vai (...) a medida que você vai trabalhando,
você vai aprendendo coisas, vai vendo coisas, vai dizendo coisas, vai
interagindo coisas, você vai se empoderando de compreender melhor o
mundo que o cerca, de olhar melhor as coisas. É tirar a informação. Reconhecer conteúdos, identificar e localizar. Então, depois dessas provinhas
que a gente dá, é... Mamãe foi a feira e comprou um quilo de banana.
Interpretação de texto: o que mamãe comprou na feira? Você já viu que as
vezes são coisas assim bastante simples que a gente nem liga que a criança
não consegue fazer. Então as vezes a criança ainda tem o letramento, uma
visão de concepção das coisas ainda muito limitada, as vezes a culpa é
nossa porque a gente trabalha esse tipo de coisa que não dá a
possibilidade (...) porque o letramento tem isso(...) O letramento, a gente diz,
é como a gente já falou aqui que é a criança, o indivíduo, né? A criança não...
o indivíduo ser capaz de usar socialmente (...) é (...) o que a gente lê, o que a
gente interage com o mundo (...) Nós enquanto professores, quando vamos
para a sala de aula, temos que colaborar. E colaborar como? Trabalhar
com coisas contextualizadas, do cotidiano, né? Que tenham, né? Que
façam uma ponte de contato com o esse aluno para que ele possa
entender essas coisas... é... E aí, por exemplo, em um outro momento, aí
aluno já vai localizar informações em textos curtos, já não é em textos muito
curtos, já aumentou um pouquinho. Localizar informação não escrita em
texto ((fala confusa, tom mais baixo)) Você já viu, as vezes, professor que
acabou de ler textos com coisas implícitas (...) é (...) subjetivas e fica todo o
mundo com cara de paisagem (...) ninguém consegue entender, só consegue
entender aquilo que está a olho nu, mas aquilo que está implícito a pessoa
não consegue fazer a ponte e etc. e tal. Mesmo que a informação não apareça
na forma literal. E, depois, vem textos longos, orientar-se sobre os títulos, comparar textos, localizar mais de uma informação, estabelecer relações entre
elementos do texto e realizar inferências. Quando você está... Quando você é
letrado, você lê uma coisa aqui e você consegue fazer uma ponte lá do outro
conhecimento.. Já aconteceu isso, né? Consegue associar uma coisa, um
conhecimento, não é estanque... eu estou aqui, por exemplo, associar com o
144
que você fez, vou te dar um exemplo... poxa, meu pai é letrado, ele não
estudou muito, mas ele consegue. Então, é você fazer essas inter-relações. A
gente ser capaz de trabalhar em sala de aula, juntando a alfabetização
com o aluno, mas através do nosso trabalho, da metodologia que eles
usam que a gente oferece (...) possibilitar ao aluno fazer diferente, essas
pontes constantemente que a vida tem que a gente já viu e etc. Pode
interromper e falar, tá gente? Não quero todo mundo me olhando com
essas caras aí não, sério.
Os enunciados expressos por professores e a tutora-formadora ressaltam
provocações sobre a função da escola e uma discussão sobre acesso, permanência e
qualidade. Bakhtin nos afirma que a compreensão de uma fala viva, de um enunciado
vivo, é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa e toda compreensão é
prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte
torna-se o locutor (1997:291). Nas respostas da tutora-formadora, a necessidade de
pronunciamento sobre os sentidos e significados que a escola provocou na sua vida
pessoal está marcado nos enunciados que constitui ao longo do diálogo.
Nesse movimento de interlocução, a professora A anuncia a discussão sobre a
importância da escola, apontando que a escola tinha uma importância. Há uma
iniciativa da professora de explicar sua abordagem e buscar argumentos em sua própria
história de vida, apontando que sua mãe analfabeta valorizava a escola.
A interlocução que acontece nesse momento revela as discussões sobre a função
da escola e a questão do público recebido pelas redes públicas. Indícios sobre essas
questões foram temas de debates nos encontros da formação dos tutores-formadores.
Assim, a tutora-formadora se posiciona sobre o tema marcando que a escola era para
poucos.
A discussão sobre letramento e alfabetização acontece pela voz da tutora-
formadora e seus enunciados carregam vozes que se constituem em um universo de
experiências e práticas sobre o tema. Soares coloca que a discussão do letramento surge
145
enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado (...) a uma inadequada e
inconveniente fusão de dois processos, com prevalência do conceito de letramento (...)
(2004:8). Esse enraizamento contribuiu para o predomínio do conceito de letramento,
apontando a presença de um certo espontaneismo e discursos recorrentes que o trabalho
com textos presentes oriundos das práticas sociais ensinaria crianças a ler e a escrever.
Essa é uma discussão constituída de argumentos e encaminhamentos que criam
diferentes caminhos e posicionamentos, por vezes, até contrários. Contudo, a discussão
não se estabeleceu, no que se refere a discussões verbais. A ausência de discursos
verbais dos docentes no que se refere a um tema polêmico no campo da formação causa
certo estranhamento. Os silêncios constituem as interlocuções nesse fragmento. A voz
da tutora-formadora se faz presente e não encontro no coletivo um movimento de
interlocução.
Tal movimento nos provoca a refletir que há ainda não-ditos que precisam ser
compartilhados no ato da formação continuada, criando então saberes que serão
compartilhados e constituidores desse espaço. Os silêncios apresentam indícios que
ainda há muito a dizer sobre o tema, ainda que pareça, ao campo da pesquisa, algo
recorrente.
A discussão continua no fragmento a seguir, que trata de letramento e
alfabetização. Há como intenção da tutora-formadora a marcação sobre o tema
letramento que mais uma vez acentua a interlocução com os encaminhamentos
propostos na formação de tutores-formadores:
Lina – ((muitas vozes)) ((Ela continua a leitura)). No início do século XX.
Letrado, das letras, de cultura erudita, elitista. Não era assim? Quem não
lembra? Fulano é letrado. Era aquele, uma pessoa, né, que sabia falar, que
conhecia as leis, que era um doutor, não era assim? Esse contexto deve ser
dever ser apagado? ((misto de vozes)) Oi? ((ruídos e silêncio)) Porém, nessa
associação ficam marcas desse acabamento, né? É (...) hoje a gente não é valorizado como aquele professor que ficava no (...) no tablado (...) quantas
escolas, né, o professor tá no retrato, os outros eram as cabeças vazias,
ninguém sabia nada, todos eles que estavam aqui, né? Ser letrado hoje não é
146
isso, né? Ser letrado hoje tem um outro conceito de existência, em outras
coisas. silêncio E aí no dicionário é aquele que possui cultura, erudição, que
ou que é erudito ou instruído, que ou aquele que possui profundo
conhecimento literário... É... que ou aquele que é capaz de usar diferentes
tipos de material escrito, né? Substantivo masculino. O indivíduo de grande
conhecimento jurídico, advogado... é o letrado. O dicionário que diz. silêncio
Lina – E aí a Magda, que é uma autora, que vem apresentando para a gente,
de forma mais clara, mais ampla, mais interessante, esse contexto de
letramento... é.. Tem alguns livros interessantes, vou trazer alguns textos para a gente trabalhar aqui, pra gente ler (...) quem ainda nunca, quem nunca leu
nada de Magda Soares e quer aprender um pouco mais sobre o contexto de
letramento pode achar lá na internet que vocês vão achar (...) é (...) coisas
bem interessantes dela para ler, ta? Sobre letramento. Alfabetização (...) é (...)
comprar um livro, to lendo agora um livro “Alfabetização e
Linguagem”. É um livro de capinha vermelha, pequenininho (...)
Professora B – É esse que fala da ideologia do dom...
Lina – É, é, esse.Você tem?
Professora B assinala com a cabeça que conhece.
Lina: Então, é um livrinho bem pequeninho, bem fácil de ler. E fala assim
(...) Ela explica bem legal (...) Voz feminina B – Essa questão de dizer (...) tudo que a gente diz que o
aluno não aprende.
Lina – Aquilo que a gente estava falando aqui, né? Vai que ele não
aprende mesmo ou é a gente que não consegue (...) Professora B – Tem alunos que não aprendem não, mas tem uns lá na escola
que a gente fala que tem uma família que passa fome, que a gente ajudou
muito, caramba, que gente inteligente! Lê tudo, lê rápido, no tempo certo,
fazem conta (....) áudio baixo. Porque essa é uma exceção, né? A gente acha,
né? ((áudio baixo)) Aí a gente encontra uma família que passa muita
necessidade e grande parte das famílias tem muitos problemas (...)
Lina – áudio baixo Mas eu falo que essa família que o menino foi criado, fora o sobrevivente... Que vai dizer assim: eu passo fome, mas eu aprendo,
né? risos
Professora C – Veio para quebrar a regra.
Lina – Veio.
Professora C – Ele veio para quebrar a regra, né?.
Lina – Para quebrar regra. Graças a Deus.
Professora B – Ele e a família toda.
Professora C – Ah! Legal.
Professora B – Porque aqui é como se a gente (...) alguns, alguns
profissionais (...) é (...) não tem essa concepção da diferença do letrar, da
alfabetização (...)
Lina – Graças a Deus que tem uma colega lendo, né? Pra gente vir para cá e fica muito quietinho, né? Na verdade acho que hoje ficou claro para todo
o mundo que o conceito de letramento não é (...) é (...) antagônico a
alfabetização. Eles não são inimigos, né? Não tem disso. Um vai par lá e
o outro para lá. Eles precisam caminhar como? Juntos, lado a lado.
Então, quando ela diz isso é porque no Brasil a gente já viveu um monte
de, de... falhas, né? De coisas novas que vão, como a gente vê isso no
construtivismo (...) E coisa que vai surgindo e vai, não, agora (...) é aquela
coisa que eu falei, né? Nos anos oitenta todo o mundo era construtivista.
Ninguém sabia nada(...) Não sabia nem o que era. Ah... o que eu faço (?)
Não sei (...) mas, eu sou construtivista. Eu não sou mais tradicional.
Então, a preocupação desse conceito de letramento não veio
desqualificar o processo de alfabetização, de forma nenhuma, pelo
contrário, ele veio auxiliar, veio ajudar, veio ampliar e etc. e tal. Um é
mais importante que o outro? Não. Eles estão juntos, né? Tem (...) cada
um tem a sua importância.
147
O tema sobre os métodos de alfabetização está presente na discussão. Mortatti
(2010) e Magda (2003) nomeiam-na de “querela dos métodos”. Em seus estudos,
apontam caminhos percorridos sobre alfabetização e a presença de um movimento de
marcar o “moderno” e desqualificar o dito “tradicional”, ou melhor, o já instituído. O
movimento de substituir formas “antigas” e “tradicionais” por “novas” e
“revolucionárias” é um processo apontado pelas autoras como algo recorrente no
campo.
A dicotomia que se coloca entre o “novo” e o “antigo” institui que cada
perspectiva teórica, ao se instalar, constitui-se negando e desqualificando a anterior e/ou
a vigente. A escolha de determinada perspectiva instaura a necessidade de se recusar e
desacreditar no arcabouço teórico construído até então. Esse é um movimento que está
presente no campo da alfabetização. Reconhecê-lo implica identificá-lo como um
movimento constituidor do campo (MORTATTI, 2009). A perspectiva de letramento e
alfabetização se insere nesse contexto quando as discussões se encaminham para uma
perspectiva de letramento em que refletir sobre a aquisição do código se torna algo
menor, quase que “antigo”.
Indícios dessa discussão estão presentes nos discursos da tutora-formadora Lina
quando apresenta que o conceito de letramento não é antagônico ao de alfabetização,
compactuando com Mortatti que nomeia o processo de permanências e rupturas. Diz
que no Brasil a gente viveu um monte de falhas, e aponta que havia a nomeação de ser
construtivista como ser “moderno”, rejeitando a nomeação de ser tradicional, pois está
relacionado a algo “antigo”.
Os enunciados contidos nos discursos da tutora-formadora são expressos com
silêncios e não-ditos sobre o tema: conceito de alfabetização e conceito de letramento. A
proposta de pesquisar sobre possíveis reflexões sobre o não falar de um tema presente
148
no cotidiano da escola, no mínimo instaura a necessidade de abordá-lo em novos
encontros de formação.
Há fios que ficaram soltos a partir das escolhas e dos limites e contornos
exigidos em um texto dissertativo. Dentre eles destaco a leitura literária realizada em
todos os encontros pela tutora-formadora e a criação de um espaço de livros presente no
espaço da formação para os docentes. Investigações que podem ser analisadas em outras
possibilidades de pesquisa.
Amorim (2004) explicita que sujeitos, ao se tornarem sujeitos de pesquisa,
necessitam de um deslocamento de posição do pesquisador, esse sujeito se torna um
estrangeiro pelo simples fato de pretender estudá-lo. O campo da formação dos
docentes, do ponto de vista da tutora-formadora, indica que o fato de reconhecê-la como
objeto da pesquisa, ainda mostra que há diversos fios que ainda ficaram soltos sobre
diversos aspectos presentes no campo da formação continuada, no ato da sua
constituição.
Andrade propõe uma imagem metafórica do pantógrafo na busca de mapear a
articulação reticulada da formação docente:
O mapeamento deveria dar conta da especificidade da articulação reticulada
da formação docente, das possíveis aproximações e distanciamentos entre as
identidades, de modo a representar as posições mutuamente interferentes,
estabelecidas na cena da formação.
Os posicionamentos são mútuos e dinâmicos, nestes espaços de interrelação,
criando um dispositivo pantográfico. O mais importante será observar como
este será movimentado, a qualidade dos movimentos, quando o dispositivo for movimentado por cada um dos agentes na cena de enunciação da
formação. Os pontos são posições internas, mas ao serem movimentados
individualmente mexem com os outros, numa reação em cadeia inevitável, e
mexem automaticamente com o contorno exterior, modificando o contorno
do espaço ocupado pela figura. (ANDRADE, 2009:3)
O mapeamento do campo da formação explicitado pela autora com a metáfora
do pantógrafo nos desafia a compreender que essa trama da formação continuada
acontece no ato da posição que cada sujeito integrante do espaço – formadores, tutores-
149
formadores e professores – realiza/expressa em seus posicionamentos. Situações que
acontecem quase que de forma simultânea e se alteram a cada movimento. As posições
são constituídas na interlocução entre os sujeitos, provocando aproximações e
distanciamentos, dependendo da posição que cada um toma no campo da formação.
Assim, os enunciados são construídos e alterados a cada movimento de enunciação
constituído pelos personagens desse espaço.
Identifico, portanto, que indícios das diversas interlocuções que cada
personagem do campo da formação constitui encontram interlocuções com as propostas
de formação que cada um tem experimentado ao longo do processo e a proposta de
formação continuada para tutores-formadores e para professores. Foi mais um espaço de
interlocução que contribuiu para a constituição das alteridades dos sujeitos
participantes.
150
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Construí a imagem de tecer tramas, criando pontos, construindo possíveis
arremates, que atravessou o texto desta pesquisa desde o capítulo inicial, na
apresentação de um memorial de formação, justificando a escolha do objeto da
pesquisa. A elaboração do objeto de pesquisa tecido se aproxima da imagem sugerida
nas palavras de Bojunga: feito à mão. A delicadeza que propõe a autora, ao descrever o
caminho percorrido para a elaboração de um livro feito à mão, se assemelha à escrita de
um texto dissertativo que exige do pesquisador consistência no ato da escolha,
disponibilidade para escutas e olhares atentos para entrar no país do outro (AMORIM,
2004), situações construídas na proximidade com a arte de fazer à mão.
O exercício da exotopia (BAKHTIN, 2003, AMORIM, 2007) na constituição do
lugar de pesquisadora criou a possibilidade de um deslocamento de posição, para que eu
pudesse ir ao lugar da professora e à(s) posição(ões) de formadora de professores/tutora-
formadora, identificando os excedentes de visão, nesse momento, a partir de um lugar
mais distanciado das experiências e práticas. Esse exercício exotópico foi sendo
constituído ao longo do processo de investigação, tendo sido essa a primeira
aproximação do campo da formação a partir da qual me permiti conceber que havia um
caminho que (ainda) precisava ser constituído sobre o tema.
Os fios continuam a se tecer na escrita: na fundamentação teórico-metodológica,
marcando as cores dos discursos constituídos no ato da formação, identificando nuances
nos enunciados que compõem os discursos (BAKHTIN, 1926, 1997, 2003), criando
tramas infindáveis de interlocuções elaboradas no espaço da formação.
Um encontro que ainda deixa fios soltos e arremates por fazer se refere às
narrativas dos sujeitos, que constituem o espaço da formação continuada – formadores,
151
tutores-formadores e professores – elaboradas neste espaço. A comunicação das
experiências (BENJAMIN, 1994) revela que talvez os profissionais ainda não
identifiquem a grandeza e a dimensão que tais histórias representam para o campo da
formação de professores e para a constituição de seus próprios saberes. Tais narrativas
fundam a cadeia da tradição transmitida de pessoa a pessoa (BENJAMIN,1994:198), e
o ato de narrar experiências profissionais pode produzir indícios que contribuam na
trama da cadeia da tradição (Benjamin,1994:211) das histórias que são constituídas nos
espaços de formação continuada.
Revelam-se no processo de investigação os encontros de algumas tramas
elaboradas no ato da formação continuada entre os sujeitos objetos deste estudo –
formador e tutor-formador – personagens que ainda estão nos bastidores do campo da
formação de professores.
O interesse em marcar a posição de quem se responsabiliza pela dinâmica e
planejamento do processo de formação continuada foi encontrado na equipe de
formadoras do LEDUC/FE/UFRJ, grupo composto por alguns pesquisadores que se
responsabilizou pela formação dos tutores-formadores. A abordagem aqui desenhada,
voltada para a posição discursiva do formador e/ou do tutor-formador, como sujeitos
integrantes do espaço da formação continuada (ANDRADE: 2007, 2009, 2011),
provoca o interesse sobre o tema e cria pontos de investigação, presentes nas
enunciações que colecionei a partir das observações registradas nos encontros de
elaboração do planejamento e reunidas para a escrita desta dissertação.
A investigação sobre o tema escolhido se realizou na duração do processo de
formação continuada oferecido pelo Pró-Letramento 2010-2011. O programa do MEC
cria espaços de formação continuada para tutores-formadores e professores dos anos
iniciais do ensino fundamental e a perspectiva escolhida permite identificar nos
152
personagens – formadores e tutores-formadores – profissionais que têm a
responsabilidade de dinamizar o processo de formação continuada. Ainda se faz
necessária uma aproximação sobre a identidade desse personagem e as suas funções
cotidianas em seus municípios.
A participação como pesquisadora observadora, no nível micro, registrando as
interações ocorridas entre os personagens, atores participantes do processo, permitiu-me
considerar que o Programa Pró-Letramento instaura espaços de formação continuada
que nos permitem afirmar haver indícios de constituições do campo, tendo em vista as
interlocuções elaboradas pelos integrantes dessa esfera comunicativa que assim
constitui-se como espaço social (ANDRADE, 2009). No ato da formação, no diálogo
entre formador e tutor-formador, tutor-formador e professores, são deixados rastros,
pelos sujeitos que constroem tal espaço.
Os fios, as cores, as nuances, as tramas são escolhas elaboradas pelo olhar que
construí como pesquisadora. As observações realizadas teceram este texto de pesquisa,
reconhecendo que há ainda fios soltos, pontos para bordar, contudo, algumas tramas
foram tecidas, ainda que se tenha um longo caminho a se perseguir.
A participação nas reuniões da equipe de formadoras provocou observações
sobre os discursos enunciados entre os sujeitos participantes – formadores de
professores. A possibilidade de perceber as interlocuções constituídas entre aqueles
sujeitos instigaram a busca por possíveis interlocuções no ato da formação continuada
entre formadores e tutores-formadores, e tutores-formadores e professores.
No percurso construído, encontrei e participei ativamente de três instâncias no
campo da formação continuada: reuniões entre os formadores, para planejarem a
formação continuada para tutores-formadores; encontros de formação continuada, para
tutores-formadores; e formação continuada para professores do ensino fundamental.
153
Parece-me que a identificação de tais instâncias do ponto de vista das decisões
metodológicas da pesquisa tornou-se por si mesma um fator que passa a contribuir para
marcar o reconhecimento desses espaços no campo da formação como espaços
constituidores de certas identidades sociais, por meio das posições que constituem o
campo da formação continuada.
A convocação da Universidade de forma sistemática para executar políticas
educacionais voltadas para a formação continuada reforça traços identitários, emanados
a partir da posição de formadores, para os professores universitários (ANDRADE,
2011). A aproximação entre a universidade e as redes públicas de ensino indica uma
possível diminuição da distância entre os docentes atuantes no ensino fundamental e as
produções científicas de pesquisadores. A realização de processos de formação para
tutores-formadores exige da Universidade um posicionamento sobre o campo da
formação continuada no que se refere a sujeitos e processos que o constituem.
Na instância dos formadores, profissionais localizados nas universidades, a
identificação e o reconhecimento do espaço da formação continuada como um lugar de
constituição de discursos entre os sujeitos pôde ser ressaltado como um dos princípios
da formação continuada.
Para Geraldi, a interlocução é um espaço de produção de linguagem e de
constituição de sujeitos (1997:5). Tal conceituação incitou-nos a buscar possíveis
origens das interlocuções, constituídas nos espaços de formação continuada.
Os planejamentos elaborados para as formações continuadas apresentam temas e
formatos composicionais que projetam a possibilidade de que sejam marcados indícios
de possíveis interlocuções. Assim, formadores e tutores-formadores, ao enunciarem
sobre temas como memórias, registros ou leitura literária, dentre outros, apontam a
154
criação de interlocuções constituídas no interior dos enunciados que cada sujeito,
integrante do espaço expressa.
A localização de tais origens pela análise do planejamento permite-nos ressaltar
as formas didáticas que efetivamente criam espaços de interlocução entre formadores e
formandos, a partir de escolhas e seleções de temas. O planejamento se torna, então, um
recurso que cria, por meio dos temas, espaços em que sujeitos enunciam e constituem
interlocuções no ato da formação continuada.
Indícios de possíveis saberes elaborados a partir das práticas na formação
presentes nos espaços da formação revelam que a partir de suas constituições, novos
saberes são criados. Temas como memorial de formação, registros dos encontros da
formação, leitura literária são alguns dos que contribuem na constituição dos sujeitos.
A entrada no país do outro (AMORIM, 2004) criou uma aproximação do espaço
da formação continuada e apresentou um processo que se elabora em um movimento
discursivo tecido da seguinte forma: os discursos constituídos de enunciados expressos
no ato da formação continuada produzem interlocuções que tecem tramas enunciadas,
criando novas interlocuções, um movimento infindável tecido no ato das práticas na
formação. Desvelar esse processo apontou que há constituições que são tecidas pelos
sujeitos a partir de temas e atividades propostos, em uma primeira instância pelos
formadores e em uma segunda, pelos tutores-formadores.
Para identificar indícios de algumas dessas interlocuções, o exercício da
exotopia se fez constantemente presente. Assim, ao me deslocar na posição de
pesquisadora, observações sobre o lugar de tutor-formador foram possíveis a partir dos
excedentes de visão sobre o campo da pesquisa, com o foco nas interlocuções
constituídas. Encontro no conceito de exotopia a possibilidade de aproximação entre o
155
tutor-formador e os professores, pois o deslocamento até o ponto de ancoragem do outro
e a volta à posição original revela os excedentes de visão sobre a posição observada.
Termino o processo de investigação identificando ainda fios soltos, pontos por
fazer, talvez possíveis arremates, ainda que em pequenas tramas. O texto buscou
construir um diálogo sobre o tema, considerando não somente os professores, mas
identificando que no cenário da formação existem os sujeitos que são os responsáveis
por realizá-la. Há uma interlocução que se constitui no ato da formação, entre os
sujeitos constituidores desse espaço: formadores, tutores-formadores e professores.
Há indícios nas interlocuções de possíveis saberes, que formadores e tutores-
formadores constituem, no ato da formação. Há um caminho de investigação sobre o
tema, apontando que tais saberes possam vir a contribuir na construção de um currículo
de formação de formadores e tutores-formadores. Cabe, então, considerar que a
perspectiva discursiva da linguagem possa contribuir na discussão sobre o campo, a
partir das interlocuções e das narrativas construídas ao longo do processo.
156
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160
ANEXO
PROLETRAMENTO 2011 - LINGUAGEM
PLANEJAMENTO DETALHADO RJ e MG
1º DIA MANHÃ (MG e RJ)
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
8:00 -9:00 Acolhida aos Professores-tutores
9:00 - 9:15 Vídeo 11 de
setembro
11:30 - 12:00 Diálogo sobre o
12:00-13:30 ALMOÇO ALMOÇO ALMOÇO ALMOÇO ALMOÇO ALMOÇO
1º DIA TARDE (MG E RJ)
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
13:30 - 13:40 ACOLHIDA
13:40 - 13:55 LEITURA
LITERÁRIA
Contato com
literatura infantil de
qualidade a fim de
conhecer e ampliar
as práticas de leitura no trabalho docente
Leitura em roda do
livro "Guilherme
Augusto Araújo
Fernandes"
LIVRO "Guilherme
Augusto Araújo
Fernandes"
Autor: Mem Fox
Ilustrador: Julie Vivas
Editora: Brinque-
book
Coordenação e
formadores
04 livros
"Guilherme
Augusto Araújo
Fernandes"
Autor: Mem
Fox
Ilustrador: Julie Vivas
Editora: Brinque- book
13:55 - 14:20 APRESENTAÇÃO
DO GRUPO
Possibilidade de
iniciar o
estabelecimento de
vínculos entre os
participantes para o trabalho da semana
Manutenção da
roda/ Distribuição
do
crachá/apresentação
do
nome/município/RE
SPONDER: Por que
aderiu ao PL? Quais
as expectativas para a semana?
Crachás
Pilot p/ quadro
branco
Caneta hidrográfica
Coordenação 30 crachás X 04
04 pilot e
apagador
(verde/vermelho/preto/azul) X04
02 (x4) conjuntos
de caneta
hidrográfica com 12 cores
14:20 - 14:50 LEVANTAMENTO
DOS CONCEITOS
PRÉVIOS SOBRE
LINGUAGEM/
ESCRITA/ENSIN
O
1. através da
avaliação
diagnóstica,
proporcionar a
ativação de
conhecimentos
previamente
consolidados acerca
do conteúdo apresentado
A partir dos EIXOS
abaixo, responda individualmente:
1. LINGUAGEM
Para você, o que é linguagem?
Qual é a sua
compreensão de
linguagem ESCRITA?
2. PRÁTICAS DE
ENSINO – OBJETO
DE
Papel A4 e caneta
Coordenação 01 (x4) resma de
papel A4
30 (x04) canetas esferográficas
161
CONHECIMENTO
Quando se
alfabetiza, ensina-se
o português? Por
que? (o que se
ensina?)
3. SUJEITO APRENDIZ
O que é ensinar
português para
brasileiros?
14:50 - 15:40 DISCUSSÃO COLETIVA
Apresentação de
pontos de vista
organizados
coletivamente
1. Em pequenos
grupos os tutores,
apresentam suas
questões e depois
organizam para a
apresentação na
plenária.
2. Escolha de um
orador e um escriba.
O orador tem voz na
plenária e o escriba
é responsável pelo texto do grupo.
3. O FORMADOR
registra no blocão os
principais pontos
dos três eixos para
serem usados ao longo da semana.
Papel 40 kg. coordenação Cavalete para blocão (x4)
Papel 40 kg (x4)
15:40 - 16:00 ORNAMENTAÇÃ
O DOS
CADERNOS
Zelo e apropriação
do material como
marca simbólica do
cuidado com a aprendizagem
Identidade e
importância do registro
Em grupos,
distribuição dos
cadernos e materiais para adorno
Papeis coloridos /Cola
Tesoura/Fitas
Miçangas
Imagens
Tecidos
Canetas hidrográfica
CD
Coordenação 30 (x4)Caderno para os tutores
Papeis coloridos
(Tudo X4)
:
crepom/laminado/etc
03 (x4) Colas/ 03
(x4)Tesouras/
Fitas diversas (x4) /Miçangas (x4)
Imagens/revistas
(x4)
Tecidos (x4)
16:00 - 16:10 IN- -TER- -VA- -LO IN- -TER-
16:10 - 16:40 ESCRITA DAS
TUTORAS SOBRE
SUAS MEMÓRIAS
DE PROFESSORA
ALFABETIZADORA
Possibilidade de
aproximação entre a
experiência
estudantil e suas
marcas na
construção do fazer
docente.
1. leitura do texto
"Lembranças" de Adélia Prado
2. Escrita individual
a partir da seguinte consigna:
"Na sua história de
professora, quais
foram as
reviravoltas, os
processos vividos,
Cópia do texto da
Adélia para as professoras
Caderno tutor
Coordenação 30 (x4) cópias do
texto
"Lembranças" de
Adélia Prado
162
experienciados nas
suas práticas de
ensino de leitura e
escrita? "
16:40 - 17:20 PREPARAÇÃO DO
MURAL DE LEMBRANÇAS
1. A partir de uma
atividade de
publicação,
viabilizar a prática
social da escrita.
2. Partilha das
experiências
individuais
proporciona uma
visão coletiva da história da profissão
3. A profissão
docente é feita,
também, pelas
histórias subjetivas,
revelando a nossa
implicação ativa no seu percurso.
1. Organização de
um mural de
fragmentos dos
textos
memorialísticos.
2. Em grupo, as
tutoras escolhem os
fragmentos que
querem "publicar" no mural
3. A parte estética
de elaboração do
mural merece uma
atenção especial. Ela
revela questões
importantes sobre o
entendimento das
práticas educativas
tais como a
infantilização do
espaço escolar, a
relação com o gosto
estético, o valor
dado ao escrito na
escola, etc.
Papeis coloridos
Cola
Tesoura
Fitas
Imagens
Tecidos
Canetas hidrográfica
Coordenação Papeis coloridos
(Tudo X4)
:
crepom/laminado/etc
03 (x4) Colas
03 (x4)Tesouras
Fitas diversas (x4)
Imagens/revistas
(x4)
Tecidos (x4)
17:20 - 17:30 SÍNTESE Possibilidade de
organização didática
das principais
questões tratadas
(conteúdos e dúvidas)
Sugiro que os
formadores
convoquem o grupo
a elencar as
principais questões
do dia organizando
no blocão uma lista
de "conteúdos" trabalhados.
Blocão Coordenação Blocão
17:40 - 17:50 AVALIAÇÃO DO
DIA
Momento de
comentar, sugerir e
criticar aspectos do
curso de forma
propositiva.
A critério do
formador e do grupo
Coordenação e
formadores
17:50 - 18:00 APRESENTAÇÃO
DA AGENDA DO DIA SEGUINTE
Encadeamento e
explicitação do
conteúdo a ser
trabalhado ao longo
do curso, pode
ajudar o aluno (neste
caso, o tutor) a se
colocar numa
posição enunciativa
responsiva frente ao
seu papel de aprendiz.
Formulação livre de cada formador
Formadores
PROLETRAMENTO 2010 – LINGUAGEM
PLANEJAMENTO DETALHADO
2º DIA MANHÃ 8:00 - 12:00
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
163
RIAL S
8:00 - 8:05 ACOLHIDA
8:05 - 8:20 LEITURA
LITERÁRIA
Contato com
literatura infantil de
qualidade a fim de
conhecer e ampliar
as práticas de leitura no trabalho docente
Leitura em roda do
livro
LIVRO: : Ler,
escrever e fazer
conta de cabeça,
Bartolomeu Campos
Queirós
Coordenação
LUD enviará as
marcações de leitura
04 livros (Lud,
Beth)
8:20 - 8:25 RETOMADA DA
SÍNTESE DO DIA
ANTERIOR
Ativação dos
conhecimentos
estudados nos dia anterior
Organização livre de cada formador
Blocão Formador --------
8:25 - 8:55 ESCRITA INDIVIDUAL
1. Valorização da
palavra escrita do
professor
2. Reconhecimento
da escrita como um
procedimento de
formação
3. Aproximação dos
pontos de vista do
tutor e do PL a
respeito das
atribuições de um formador/tutor
4. A partir dos
textos escritos,
elencar as diversas
concepções de
"formação" e
"formador" que
estão circulando no
grupo
Propor ao grupo a
escrita individual a
partir da seguinte consigna:
Como se veem no
papel de
tutor/formador?
Caderno do tutor
Formador
---------
8:55 - 9:10 DISCUSSÃO
COLETIVA DOS
CONCEITOS DE
FORMAÇÃO
1. Sistematização
dos conceitos de
formação, formador
e tutor retirados do grupo
1. Em pequenos
grupos os tutores,
apresentam suas
questões e depois
organizam para a
apresentação na
plenária.
2. O FORMADOR
registra no blocão os
conceitos surgidos
nas falas dos tutores.
Blocão Formador ---------
9:10 - 10:00 LEITURA TEÓRICA
Aprofundamento
teórico acerca dos
conceitos de
formação, formador e tutor
1.individualmente os
tutores fazem uma
leitura silenciosa,
marcando o que
acham mais significativo.
Artigo: SOLIGO,
Rosaura e PRADO,
Guilherme Quem
forma quem, afinal?
IN: VICENTINI, A.;
FARIAS, M.;
SADALLA, A.;
PRADO, G.
Professor-formador:
histórias contadas e
cotidianos
vividos.São Paulo:
Mercado de letras, 2008
Coordenação
30 (x4) cópias dos artigos
10:00 - 10:10 IN- -TER- -VA- -LO -IN- -TER-
164
10:10 - 11:10 SISTEMATIZAÇÃ
O DA LEITURA
Aprofundamento
teórico acerca dos
conceitos de
formação, formador
e tutor
1. Em pequenos
grupos os tutores
leem em voz alta
suas marcações e as
discute.
2. na grande roda,o
formador responde
as questões do grupo
e faz a síntese do texto.
Quadro branco Formador
---------
11:10 - 11:50 EXPLORAÇÃO DOS FASCÍCULOS
Através de uma
leitura transversal,
viabilizar a
aproximação dos
tutores com os
temas, com o
enfoque e
bibliografia de
referência.
Os tutores, em
pequenos grupos
(03) observam os
fascículos seguindo
a seguinte
orientação:
Quais os temas de
cada fascículo? O
conjunto de tema é
pertinente/Parece-
lhe interessante? A
que se destina este
material?
Fascículos PL Formador/ coordenação
Entrega dos fascículos
11:50 - 12:00 CONCLUSÃO DA MANHÃ/SÍNTESE
Possibilidade de
organização didática
das principais
questões tratadas
(conteúdos e dúvidas)
Sugiro que os
formadores
convoquem o grupo
a elencar as
principais questões
do dia organizando
no blocão uma lista
de "conteúdos" trabalhados.
Blocão/quadro branco/caderno tutor
formador ---------
12:00 - 13:30 AL- -MO- -ÇO AL- -MO -ÇO
2º DIA TARDE
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
13:30 - 13:40 ACOLHIDA
13:40 - 13:55 LEITURA LITERÁRIA
Contato com
literatura infantil de
qualidade a fim de
conhecer e ampliar
as práticas de leitura
no trabalho docente
Leitura em roda do livro
LIVRO: Com a
pulga atrás da
orelha
Coordenação e formadores
04 livros Monica, Lud, Luiza
13:55 - 14:20 DINÂMICA DE GRUPO
Momento lúdico
para início da
discussão do tema
da tarde -
alfabetização e
letramento
Atividade livre
Dramatização
Jogo de mímica sobre as expressões
Formador ---------
14:20 - 15:00 RETOMADA DA
EXPLORAÇÃO DOS FASCÍCULOS
Aprofundamento teórico
Leituras anteriores
Protocolo de leitura
Extrapolação das leituras
ANALISAR A
BIBLIO PARA
PREENCHER A
TABELA
1. Coletivamente o
tutor fará uma tabela
com os autores
conhecidos e
Caderno tutor e blocão
Formador Tabela ok
165
desconhecidos
2. em grupos de 03,
os tutores farão a
leitura das páginas
09 a 13 do fascículo
01 (Capacidades
Lingüísticas:
Alfabetização e
Letramento)
15:00 - 16:00 DISCUSSÃO COLETIVA
Movimento coletivo de estudo
1. Em pequenos
grupos os tutores,
apresentam suas
questões e depois
organizam para a
apresentação na
plenária.
2. Escolha de um
orador e um escriba.
O orador tem voz na
plenária e o escriba
é responsável pelo texto do grupo.
3. O FORMADOR
registra no blocão os
principais pontos
ELENCADOS
PELO GRUPO
Ppt com as páginas do fascículo -
Coordenação e formadores
04 Datashow
16:00 - 16:10 IN- -TER- -VA- -LO IN- -TER-
16:10 - 17:30 Aula expositiva
sobre alfabetização,
letramento e
linguagem
Aprofundamento
teórico sobre os
conceitos de
alfabetização,
letramento e linguagem
Aula expositiva com
movimentos de
interação com o
grupo a partir das
questões elencadas
nas atividades
anteriores
Ppt sobre história da
alfabetização e
letramento e a
discussão sobre linguagem
04 CD com os ppt das aulas
17:30 - 17:40 SÍNTESE Possibilidade de
organização didática
das principais
questões tratadas
(conteúdos e dúvidas)
Sugiro que os
formadores
convoquem o grupo
a elencar as
principais questões
do dia organizando
no blocão uma lista
de "conteúdos" trabalhados.
Blocão Coordenação Blocão
17:40 - 17:50 AVALIAÇÃO DO DIA
Momento de
comentar, sugerir e
criticar aspectos do
curso de forma propositiva.
Livre Coordenação e formadores
17:50 - 18:00 APRESENTAÇÃO
DA AGENDA DO
DIA SEGUINTE
Encadeamento e
explicitação do
conteúdo a ser
trabalhado ao longo
do curso, pode
ajudar o aluno (neste
caso, o tutor) a se
colocar numa
posição enunciativa
responsiva frente ao
seu papel de
aprendiz.
Formulação livre de cada formador
Formadores
166
PROLETRAMENTO 2010 – LINGUAGEM
PLANEJAMENTO DETALHADO
3º DIA MANHÃ 8:00 - 12:00
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
8:00 - 8:05 ACOLHIDA
8:05 - 8:20 LEITURA LITERÁRIA
Contato com
literatura infantil de
qualidade a fim de
conhecer e ampliar
as práticas de leitura
no trabalho docente
Leitura em roda do livro
LIVRO: Asa da palavra
LIVRO
ESCANEADO
Coordenação e formadores
04 livros Lud
8:20 - 8:25 RETOMADA DA
SÍNTESE DO DIA ANTERIOR
Ativação dos
conhecimentos
estudados nos dia
anterior
Organização livre de cada formador
-------- Formador --------
8:25 - 8:55 Dinâmica em grupo:
Encenação
Vivenciar situações
sociais cotidianas de
uso da leitura e da
escrita FORA da
escola a fim de
estabelecerem
relações entre a vida
e as práticas
escolares de leitura e
escrita
A turma dividida em
04 grupos, criarem
situações cotidianas
de leitura e escrita na vida
--------- Formador -------
8:55 - 9:25 AULA TEÓRICA
Quadro 01
Letramento e cultura escrita
1. Focalizar os
descritores, em
especial os do
quadro 01,
problematizando seu
lugar na construção
dos princípios
educacionais, com
destaque especial
para o lugar na
sociedade e na
escola
2. Estabelecimento
de relação entre as
práticas sociais de
escrita e leitura e os
processos de
aquisição da linguagem oral.
1. apresentação do
Ppt de imagens de
práticas sociais de
leitura e escrita com reflexões no grupão
2. Em pequenos
grupos de 04,
propor a discussão
das questões abaixo
a partir dos slides apresentados.
Que textos
circulam na escola
e quais textos
circulam no
mundo? Sao os
mesmos? O que é
escrita? Quais os
suportes que
conhecemos?
Ppt com imagens de
práticas sociais de
escrita e leitura
Suportes (base
material que permite circulação do texto)
Mediadores
Mônica ok / Coordenação
04 CD com os ppt das aulas
9:25 - 10:00 ANÁLISE DAS
NARRATIVAS DOCENTES
Discussão dos
descritores em
situações
"concretas" de
ensino e aprendizagem
Os tutores lerão a
narrativa e
destacarão os
descritores
referentes ao quadro 01
Narrativa Lud já
enviou Narrativas produzidas
Coordenação 30 (x4) de cópias das narrativas
10:00 - 10:10 IN- -TER- -VA- -LO -IN- -TER-
167
10:10 - 10:40 Apresentação do
quadro do Marcuschi
Sistematização das
questões teóricas
Apresentação oral
do quadro pela
formadora após
distribuição do
quadro para as tutoras
Ppt Quadro
Marcuschi
CULTURA ESCRITA
Mônica ok 30 (x4) copais do
quadro do Marcuschi
10:30 – 11:50 INTERAÇÃO Assistir o VIDEO
PEQUENOS
TORMENTOS para
discutir as práticas
pedagógicas
focalizadas na
linguagem como interação verbal
11:50 - 12:00 CONCLUSÃO DA
MANHÃ/SÍNTESE
Possibilidade de
organização didática
das principais
questões tratadas
(conteúdos e dúvidas)
Sugiro que os
formadores
convoquem o grupo
a elencar as
principais questões
do dia organizando
no blocão uma lista
de "conteúdos" trabalhados.
Blocão/quadro
branco/caderno tutor
formador ---------
12:00 - 13:30 AL- -MO- -ÇO AL- -MO -ÇO
3º DIA TARDE
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
13:30 - 13:40 ACOLHIDA
13:40 - 13:55 LEITURA LITERÁRIA
Mania de
explicação
13:55 - 14:20 DINÂMICA DE
GRUPO OUVIR AS
CRIANÇAS
QUERER DIZER
CÇAS FALANDO
JUNTO C/ PROF
DESLOCAR A
IDEIA DOS
SENTIDOS
ÚNICOS
GLOSSÁRIO DE
EMOÇÕES DO
LIVRO: palavras
filósofo, solidão,
ilha, saudade,
autorização,
sucesso, raiva,
vergonha, verdade,
pressentimento,
exemplo, amor,
beijo, amizade
(PALAVRAS DO
LIVRO)
Ler e criar novas
significações
Criança, escola,
cultura, leitura,
aula
14:20 - 15:00 VISÃO DE
LINGUA COMO
INTERAÇÃO
VERBAL,
ENUNCIAÇÃO
REFLETIR
SOBRE A
ESCUTA DA
PROFESSORA A
RESPEITO DA
FALA DAS CÇAS
NO ESPAÇO DA
SALA DE AULA
ENTENDIMENTO
DA “ESCUTA”
COMO
168
RESPOSTA
15:00 - 15:20 VIDEO AMBIVALÊNCIA
S E
CONTRADIÇÕES
DOCENTES
PERGUNTAS
COM
RESPOSTAS
EMBUTIDAS
11 de setembro ADRIANE
15:20 - 16:00 DEBATE
16:00 - 16:10 IN- TER VA LO IN TER
16:10 - 17:30 AULA EXPOSITIVA
EGLÊ DIGITALIZAR
TEXTO
17:30 - 17:40 SÍNTESE Possibilidade de
organização didática
das principais
questões tratadas
(conteúdos e
dúvidas)
Sugiro que os
formadores
convoquem o grupo
a elencar as
principais questões
do dia organizando
no blocão uma lista
de "conteúdos"
trabalhados.
Blocão Coordenação Blocão
17:40 - 17:50 AVALIAÇÃO DO DIA
Momento de
comentar, sugerir e
criticar aspectos do
curso de forma propositiva.
A critério do formador e do grupo
Coordenação e formadores
17:50 - 18:00 APRESENTAÇÃO
DA AGENDA DO
DIA SEGUINTE
Encadeamento e
explicitação do
conteúdo a ser
trabalhado ao longo
do curso, pode
ajudar o aluno (neste
caso, o tutor) a se
colocar numa
posição enunciativa
responsiva frente ao
seu papel de
aprendiz.
Formulação livre de cada formador
Formadores
PROLETRAMENTO 2010 – LINGUAGEM
PLANEJAMENTO DETALHADO
4º dia manhã
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
8:00 - 8:05 ACOLHIDA
8:05 - 8:20 LEITURA LITERÁRIA
Contato com
literatura infantil de
qualidade a fim de
conhecer e ampliar
as práticas de leitura no trabalho docente
Leitura em roda do livro
LIVRO: Caligrafia de dona Sofia
Coordenação e formadores
04 livros
BETH OK PPT
8:20 - 8:50 DINÂMICA DE
GRUPO
LEITURA/CONTE
XTO
Os tutores lerão o
texto
"DESCOBRIMENT
Os formadores Ler
Marlene
169
LEITURA
LITERAL E
LEITURA LITERÁRIA
Cultural/histórica/vo
z do social
O DA AMÉRICA" e
VERÍSSIMO
“AUDÁCIA” para
discutir, no grupão,
uma concepção de
leitura que considere
diversos fatores para sua contextualização
8:50 - 9:55 AULA TEÓRICA:
Conceitos sobre LEITURA
QUADRO 03
Focalizar os
descritores, em
especial os de
LEITURA,
problematizando seu
lugar na construção
dos princípios
educacionais, com
destaque especial
para o lugar da
leitura na sociedade e na escola
2. Estabelecimento
de relação entre as
práticas sociais de
escrita e leitura e os
processos de
aquisição da leitura.
1. Escreva uma
definição para as
seguintes palavras:
DECODIFICAR -
COMPREENDER -
INTERPRETAR -
DECIFRAR -
INFERIR- RECITAR
2. Formar grupos
com as mesmas
palavras e definir
uma única significação
3. Apresentar no
grupão
Caderno do tutor Formador -----------
10:00 - 10:10 IN- -TER- -VA- -LO IN- -TER-
10:10-11-10 ATIVIDADE DE ESCRITA
Relação entre os
descritores e os
conceitos
trabalhados a partir
das experiências profissionais
NARRATIVAS
COMO
ESTRATÉGIA FORMADORA
A partir dos
descritores, escrever
narrativas DE
PROCESSOS
PEDAGÓGICOS
(BEM OU MAL
SUCEDIDOS)
sobre leitura no
mundo e leitura na
escola
Leitura de algumas
narrativas na grande roda
Caderno do tutor formador
11:10 - 11:50 AULA
EXPOSITIVA
Apresentação das
concepções de
leitura nos livros didáticos
Apresentação do ppt
sobre as concepções
de leitura nos livros
didáticos
MELHORAR
Ppt sobre leitura nos
livros didáticos
Cristina ok em
processo
04 CD com os ppt
das aulas
11:50 - 12:00 SÍNTESE Possibilidade de
organização didática
das principais
questões tratadas
(conteúdos e
dúvidas)
Sugiro que os
formadores
convoquem o grupo
a elencar as
principais questões
do dia organizando
no blocão uma lista
de "conteúdos"
trabalhados.
Blocão Coordenação Blocão
4º DIA tarde 13:30 as 18 hs
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
13:30 - 13:40 ACOLHIDA
13:40 - 13:55 DINAMICA VIVENCIAR a
experiência de
leitura e escrita
Leitura em roda de
livros
PPT Coordenação 06 livros
170
estrangeira para
perceber os vários
elementos que a compõem.
ESTRANGEIROS Mônica
13:55 - 14:20 RETOMADA DA
SÍNTESE DO DIA ANTERIOR
Ativação dos
conhecimentos
estudados nos dia anterior
Organização livre de
cada formador
-------- Formador --------
14:20 - 15:20 AULA TEÓRICA
COM FOCO NA
APROPRIAÇÃO
DO SISTEMA DE
ESCRITA
QUADRO 02
1. Focalizar os
descritores, em
especial os de
apropriação do
sistema de escrita,
problematizando seu
lugar na construção
dos princípios
educacionais, com
destaque especial
para os processos de
produção da língua e
suas formas de
aquisição do código
2. Estabelecimento
de relação entre as
práticas sociais de
escrita e leitura e os
processos de
apropriação do
sistema de escrita
1. apresentação do
Ppt DO dos
quadros sintéticos e
do ppt sobre a
CRÍTICA DA
escrita como um
sistema (texto da
lud)
2. Leitura dos textos
: da lud E
ENTREVISTA DA
Magda NA Revista guia da alfa
Ppt :
1. quadros sintéticos
2. A escrita como
um sistema (texto da lud)
Escritas de crianças
Mônica ok/Lud/
Coordenação
04 CD com o
quadros sintéticos
1. quadros sintéticos
2. A escrita como
um sistema (texto
da lud)s ppt das aulas
15:20 - 16:00 IN- -TER- -VA- -LO -IN- -TER-
16:00 - 17:40 Marcar uma
concepção de
alfabetização de um
ponto de vista
linguístico -
discursivo
Discussão mais ampla – macro
Concepção de alfa
Após o intervalo,
SEPARAR a turma
em dois grupos para a leitura dos textos
Destacar 03
questões focalizadas
sobre uma
concepção de
alfabetização para
compartilhar com o
grupo
17:40 - 17:50 SÍNTESE Possibilidade de
organização didática
das principais
questões tratadas
(conteúdos e
dúvidas)
Sugiro que os
formadores
convoquem o grupo
a elencar as
principais questões
do dia organizando
no blocão uma lista
de "conteúdos"
trabalhados.
Blocão Coordenação Blocão
17:50 - 18:00 AVALIAÇÃO Momento de
comentar, sugerir e
criticar aspectos do
curso de forma propositiva.
A critério do formador e do grupo
Coordenação e formadores
171
PROLETRAMENTO 2010 – LINGUAGEM
PLANEJAMENTO DETALHADO
5º DIA MANHÃ
HORÁRIO ATIVIDADE OBJETIVO PROCEDIMENTO RECURSO/MATE
RIAL
RESPONSÁVEL PROVIDÊNCIA
S
8:00 – 9:00 Produção escrita Amarelinha Produzir cartões
para um jogo com
respostas à pergunta:
O que eu preciso
saber para ler e
escrever?
Criar uma
amarelinha não
necessariamente na
ordem canônica
(pares, proximidades associações etc)
Cartões coloridos
Sugiro usar as folhas coloridas avulsas
9:00-10:00 LEITURA
LITERÁRIA
Contato com
literatura infantil de
qualidade a fim de
conhecer e ampliar
as práticas de leitura no trabalho docente
Leitura em roda do
livro: "Minhas
férias, pula uma
linha, parágrafo, de
Cristiane Gribel
LIVRO: "Minhas
férias, pula uma
linha, parágrafo, de Cristiane Gribel
Coordenação e
formadores
04 livros "Minhas
férias, pula uma
linha, parágrafo,
de Cristiane
Gribel
DINÂMICA DE GRUPO
Discussão sobre
escrita na escola, o
gênero redação é um
gênero estritamente escolar
Dinâmica: o
professor se torna
professor da
história, corrige a
redação de
Guilherme
Os professores
apresentarão suas formas de correção
Beth
10:00 - 10:10 IN- -TER- -VA- -LO IN- -TER-
10:10 - 12:00 LEITURA
COMPARTILHADA
VIABILIZAR O
EXERCÍCIO DE
ESTUDO
COLETIVO
ENTRE OS
TUTORES COM
VISTAS À
HOMOLOGIA DE
PROCESSOS COM
OS PROFESSORES
EM SEUS
RESPECTIVOS
MUNICÍPIOS
Leitura do texto da
Leiva Leal, incluído na apostila
Textos e caderno do tutor
coordenação 01 por tutor
12:00 - 13:30 ALMOÇO
13:30 - 13:40 VIDEOS
DISCURSO DA
AFRICANA – A
HISTÓRIA ÚNICA
MARCADA PELO
APAGAMENTO
DA EXISTÊNCIA
172
DO OUTRO
13:40 - 13:55 SÍNTESE POSSIBILIDADE
DE SÍNTESE DOS
CONCEITOS DA SEMANA
COMO A ESCRITA
E A LEITURA
PODEM
CONTRIBUIR
PARA A
CONSTRUÇÃO
DO SEU LUGAR
DE TUTOR?
ESCRITA DA
ÚLTIMA PÁGINA
DESTE CAPÍTULO
DE FORMAÇÃO
CADERNO DO
TUTOR
13:55 - 14:20 AVALIAÇÃO AVALIAR A
FORMAÇÃO, O
FORMADOR, AS
CONDIÇÕES
MATERIAIS E
AUTOAVALIAÇÃ
O
AVALIAÇÃO FINAL FORMAL
14:20 - 17:00 CONFRATERNIZA
ÇÃO E
ENCERRAMENTO
E
Expressar
artisticamente a
experiência de
formação a fim de
avaliar o processo formativo
CONFRATERNIZA
ÇÃO e
ENCERRAMENTO
– ATIVIDADE CULTURAL