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teses VERBOJURIDICO verbojuridico ® ______________ MARÇO 2009 A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA NO DIREITO PORTUGUÊS ___________ TESE DE MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS DE HUGO DANIEL LANÇA SILVA Assistente do Segundo Triénio da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTIG) do Instituto Politécnico de Beja (IPB), desde 2006

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teses VERBOJURIDICO

verbojuridico ®

______________

MARÇO 2009

A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA NO DIREITO PORTUGUÊS

___________

TESE DE MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

DE HUGO DANIEL LANÇA SILVA

Assistente do Segundo Triénio da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTIG) do Instituto Politécnico de Beja (IPB), desde 2006

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2 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Título: A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA NO DIREITO PORTUGUÊS

Autor: Hugo Daniel Lança Silva Mestre em Ciências Jurídicas. Assistente do Segundo Triénio da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTIG) do Instituto Politécnico de Beja (IPB), desde 2006. Página Internet: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/hsilvac.html

Data de Publicação:

Março de 2009

Classificação

Teses de Mestrado Este trabalho foi realizado em 19 de Junho de 2003

Edição: Verbo Jurídico ® - www.verbojuridico.pt | .eu | .net | .org | .com.

Nota Legal:

Respeite os direitos de autor. É permitida a reprodução exclusivamente para fins pessoais ou académicos. É proibida a reprodução ou difusão com efeitos comerciais, assim como a eliminação da formatação, das referências à autoria e publicação. Exceptua-se a transcrição de curtas passagens, desde que mencionado o título da obra, o nome do autor e da referência de publicação. Ficheiro formatado para ser amigo do ambiente. Se precisar de imprimir este documento, sugerimos que o efective frente e verso, assim reduzindo a metade o número de folhas, com benefício para o ambiente. Imprima em primeiro as páginas pares invertendo a ordem de impressão (do fim para o princípio). Após, insira novamente as folhas impressas na impressora e imprima as páginas imparas pela ordem normal (princípio para o fim).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 3

A Função Publicitária da Marca de Empresa

no Direito Português ——

Dr. Hugo Daniel Lança Silva

Mestre em Ciências Jurídicas Assistente do Segundo Triénio da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTIG)

do Instituto Politécnico de Beja (IPB), desde 2006.

Indíce ……………………..……………………..……………………..…………………….. 03

Índice de Abreviaturas ……………………..……………………..………………………… 05

Introdução ……………………..……………………..……………………..……………….. 07

CAPÍTULO I

A MARCA NO DIREITO PORTUGUÊS

1. Distinção de figuras afins da Marca de Empresa ……………………..………………. 11

Firma ……………………..……………………..……………………..………………. 11

Nome de estabelecimento ……………………..……………………..……………….. 13

Logótipo ……………………..………………………..………………………..……… 14

Denominações de origem ……………………..………………………..…………….... 16

Recompensas ……………………..………………………..…………………………. 18

Compatibilidade entre sinais distintivos ……………………..……………………….... 18

2. Princípios Informadores da Marca de Empresa ……………………..………………….. 19

Princípio da Capacidade Distintiva ……………………..………………………..…….. 20

Princípio da Verdade. ……………………..………………………..…………………… 33

Princípio da Licitude ……………………..………………………..……………………. 36

Princípio da Facultatividade ……………………..………………………..…………….. 42

Princípio da Novidade e Especialidade ……………………..………………………..…. 43

CAPITULO II

FUNÇÕES TRADICIONAIS DAS MARCAS DE EMPRESA

3. Função da Marca: perspectiva económica ……………………..………………………… 63

4. Função distintiva ……………………..………………………..………………………..….. 65

5. Função garantia da qualidade ……………………..………………………..……………… 84

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4 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

6. Conclusão Intercalar ……………………..………………………..……………………… 91

CAPITULO III

A PROCURA DA ACTUAL FUNÇÃO

7. Caracterização da Função publicitária ……………………..………………………..…. 94

Considerações sócio-económicas……………………..………………………..……….. 94

A admissibilidade da função publicitária ……………………..………………………… 96

8. Análise de alguns Institutos com relevância para a Função Publicitária da Marca de

Empresa ……………………..………………………..………………………..……………. 103

Marca de grande prestígio ……………………..………………………..……………… 103

Legitimidade para o registo ……………………..………………………..……………. 110

Direitos conferidos pelo registo da marca ……………………..………………………. 114

Transmissão da Marca ……………………..………………………..…………………. 129

Contrato de licença de exploração de marca ……………………..……………………. 132

Contrato de Franquia ……………………..………………………..…………………… 138

Contrato de Merchandising ……………………..………………………..…………….. 144

CAPITULO IV

BALANÇO E CONCLUSÃO

9. Consolidação do Resultado ……………………..………………………..……………….. 160

10. Conclusão ……………………..………………………..………………………..……….. 165

BIBLIOGRAFIA …………………………………………………………………………….. 166

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 5

ÍÍNNDDIICCEE DDEE AABBRREEVVIIAATTUURRAASS

Principais abreviaturas usadas

Ac. – Acórdão

Ac. RC – Acórdão da Relação de Coimbra

Ac. RLx – Acórdão da Relação de Lisboa

Ac. RP – Acórdão da Relação do Porto

Ac. STJ – Acórdão do Supremo Tribunal Justiça

ADI – Actas de Derecho Industrial

BFDC – Boletim da Faculdade de Directo de Coimbra

BMJ – Boletim do Ministério da Justiça

BPI – Boletim da Propriedade Industrial

CC – Código Civil de 1966

CCom – Código Comercial de 1888

CJ – Colectânea de Jurisprudência

CPI – Código da Propriedade Industrial de 1995

CPI 2003 – Código da Propriedade Industrial de 2003

CSC – Código das Sociedades Comerciais de 1986

CUP – Convenção da União de Paris de 20/03/1883

EIPR – European Intellectual Property Review

IIC – International Review of Industrial Property and Copyright Law

INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial

JR – Jurisprudência das Relações

RDC – Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni

RDCiv – Rivista di Diritto Civile

RDE – Revista de Direito e Economia

RDI – Rivista di Diritto Industriale

RDM – Revista de Derecho Mercantil

RFDL – Revista da Faculdade de Direito de Lisboa

RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência

RMC – Regulamento da Marca Comunitária

ROA – Revista da Ordem dos Advogados

RPI – Revista da Propriedade Industrial

SI – Scientia Ivridica

TJCE – Tribunal Judicial das Comunidades Europeias

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 7

IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO::

OO PPRROOBBLLEEMMAA

As marcas de empresa1 são indubitavelmente os principais símbolos e instrumentos no mercado

concorrencial, sendo o meio utilizado pelos empresários para prestigiarem os seus produtos ou

serviços2. É inexpugnável que na praxis empresarial estas desempenham um papel de crucial

importância, sendo inimaginável a subsistência do mercado actual sem estes signos.3

A relevância exponencial da utilidade da marca relaciona-se com a sociedade de consumo

massificada, caracterizada pela simultânea coexistência de uma infinidade de bens, com

características homogéneas, susceptíveis de cercearem as mesmas necessidades subjectivas.4 Desta

circunstância resulta, não apenas, que a marca é determinante para a eleição do produto ou serviço

desejado, bem como o facto de as escolhas individuais serem, tendencialmente, menos

determinadas pelas características dos produtos ou serviços de per si, isto é, de modo objectivo,

mas pela capacidade desenvolvida pelos seus produtores em atraírem os consumidores por outras

formas. Referimo-nos, especificamente, ao recurso à publicidade,5 com incidência à publicidade

1 Utilizamos a expressão marca de empresa, inusual na doutrina portuguesa, de molde a restringir a nossa análise a este tipo de marca, afastando-nos das marcas colectivas de associação ou certificação. No entanto e brevitatis causa durante este estudo sempre que usarmos a vocábulo marca, fazemo-lo com o este significado. 2 No mesmo sentido, escreve STEPHEN LADAS, que a marca “is easy promote and advertise, it is retained in the memory of the purchasers general, since it is perceived by its sounds as well as by its appearance”. (Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975. p. 1001) 3 We live in a world of symbols …Another characteristic of this consumer society is the overabundance of products in the market-place. Thus the consumer has the freedom to choose, an ability inherent in a free market economy. But the exercise of that freedom would be impossible without the interaction between symbols and products. Thus trade marks come into to play.” ANSELM KAMPERMAN SANDER e SPYROS MANIATIS, (A consumer Trade Mark: Protection Based on Origin and Quality, EIPR, 1993, p. 406). Mas, usa dizer-se, que sendo certo que vivemos no mundo de símbolos, não é menos verdade que não adquirimos por meio destes sinais! (assim, MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 1). Deixamos a resposta a esta premissa para a parte final deste estudo! 4 Pode afirmar-se que o estádio actual decorre da evolução tecnológica; os produtos que originariamente eram dotados de uma grande componente subjectiva, relacionada com as mais valias decorrentes do labor do artífice, objectivaram-se. Cada vez mais os produtos deixaram de ser fabricados por homens que, sucessivamente, foram suplantados pelas máquinas e pela produção em série, conduzindo à fungibilidade dos produtos pela perda da individualidade que lhes era oferecida pela actividade humana. Em sentido similar pronunciam-se AREÁN LALIN, En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 1982, p. 59, FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, p. 34, MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994, pp. 1 e ss., MENESINI, Il marchio rinomante, Il Diritto Industriale, n.º 3/1996, pp. 194 e ss. e VITO MANGINI, Il Marchio fra concorrenza e monopolio, (un`introduzione allo studio dei marchi d`impresa, RDC, Ano 1977, pp. 227 e ss. 5 Sublinhe-se ab initio que todas as alusões relativas ao mundo da publicidade se destinam à realizada no estrito cumprimento da legislação em vigor, afastando-se, desta forma, alguns tipos de publicidade patológica. Desde logo diferencia-se a publicidade sugestiva (embora a expressão seja falaciosa, porquanto toda a publicidade encerra uma sugestão) da publicidade subliminar que, por apelar directamente ao inconsciente, está vedada por lei. (art. 9.º do Código da Publicidade). Originalmente a publicidade relacionada com a vida comercial realizava uma salutar e aplaudida tarefa: informar os consumidores sobre as qualidades e características dos produtos (ou serviços) de forma a permitir realizar uma aquisição esclarecida; neste sentido desempenhava a função social de esclarecer sobre a natureza dos produtos e, deste modo, orientar os consumidores para os mais aptos para a satisfação das suas necessidades individuais. Este sentido primeiro

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sugestiva, susceptível de atribuir aos produtos ou serviços um poder de atracção, não relacionado

com as suas qualidades intrínsecas, antes com o efeito psicológico das marcas sobre os

consumidores.6

Mas a crescente importância da marca enquanto factor de dinamização concorrencial nem sempre

tem recebido ovações da doutrina. Não faltam economistas que censuram os elevados

investimentos na promoção de sinais distintivos, funcionando a marca como um sinal de

manipulação do consumo. Neste sentido “a marca, em vez de satisfazer a necessidade de

informação do consumidor,7 contribuindo para a transparência do mercado, promove escolhas

irracionais, que pouco ou nada têm a ver com a chamada concorrência da prestação”.8 Sustenta-se o

facto de a marca ser um “instrumento de estratégias económicas na organização dos mercados e

circuitos de distribuição; é uma arma que se convoca na luta que opõe invariavelmente as grandes

superfícies e o comércio de produtos de elite ao pequeno comércio”,9 permitindo e perpetuando

uma verdadeira “non-price competition”.

Também o TJCE tem mostrado atenção ao actual estádio do Direito das Marcas criticando, amiúde,

a crescente importância destes sinais e a sua relação com o pilar da livre concorrência. Neste

sentido afirma-se que o exercício do direito da marca contribui para repartir os mercados e, assim,

atenta contra a circulação de mercadorias entre os Estados Membros, tanto mais que, ao contrário

evoluiu para um diferente estádio, no qual a publicidade exerce a função de sugestionar consumos, conduzindo os consumidores para determinados produtos ou serviços. É uma evidência que o actual mercado não poderá subsistir sem o recurso à publicidade; o histórico mito que um bom produto é sempre competitivo, perdeu valor num mercado muito competitivo, no qual as empresas copiam e desenvolvem rapidamente as ideias novas, fabricando as suas próprias versões dos bons produtos. (assim, RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1652). 6 Refexão similar é efectruada por GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 9. 7 Não obstante não o sufragarmos, não podemos deixar de aplaudir a coerência deste argumento; quem, de forma que defendo ser redutora, vê na marca um sinal identificador de produtos ou serviços que permite ao consumidor uma escolha racional, não pode aceitar de bom grado a publicidade sugestiva em torno da marca. Com efeito, originalmente a marca tinha como função única permitir ao produtor assinalar os seus produtos, distinguindo-os de produtos iguais ou similares colocados no mercado pelos seus concorrentes. Esta identificação visava facilitar as escolhas dos consumidores, que, através da marca teriam uma forma racional de basear as suas escolhas: adquirindo um produto de determinada marca, sendo este do seu agrado, poderiam livremente voltar a adquiri-lo, evitando assim a arbitrariedade das escolhas de consumo. A evolução do mercado e a crescente importância da publicidade efectivamente pode motivar a escolhas irracionais, mais conexionadas com a capacidade sugestiva das marcas, do que com as qualidades intrínsecas dos produtos ou serviços. Mas será este um vício do regime jurídico das marcas? Deixemos para momento posterior a resposta a este quesito. 8 ANTÓNIO FERRER CORREIA e MANUEL NOGUEIRA SERENS, A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 80. Em sentido análogo VINCENZO DI CATALDO, escreve que a protecção da capacidade atractiva e sugestiva da marca faz basear a concorrência “non sulla qualità dei prodotti, ma su un dato assolutamente irrazionale, quale è la forza di suggestione dal marchio stesso” (Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 30). 9 SCHIELB, Le consummateur face à la multinationalite des marques, Propriété Industrielle, cit. 1978, II, 75 apud. REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 601. Reconhecendo mérito à posição expressa, importa considerar que o inverso também pode ser verdadeiro; num mundo globalizado a concorrência baseada unicamente nos vectores de preço e qualidade intrínseca dos produtos torna-se susceptível de propiciar uma politica empresarial de baixos custos de produção (nomeadamente ao nível dos salários) que não raras vezes “descamba” em situações de exploração mercantil de debilidades sociais e humanas. Ainda naquele sentido VITO MANGINI, Il Marchio fra concorrenza e monopolio, un`introduzione allo studio dei marchi d`impresa, RDC, Ano 1977, p. 233.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 9

de outros direitos de propriedade industrial,10 o direito de marca não está sujeito a limitações

temporais.11

Referida a controvérsia, realça a pertinência de um estudo dogmático sobre o actual significado da

marca, nomeadamente, dissecar-se as funções que esta visa promover.

O que, em concreto, se problematiza é a averiguação de que se a vertente publicitária ou sugestiva

da marca, cuja pertinência económico-social é axiomática, encontra tratamento e protecção jurídica

no Direito das Marcas ou, pelo contrário, é um conceito de facto destituído de efeitos jurídicos.

Fundamentalmente urge verificar se a lei actual protege a capacidade de sugestionamento de

algumas marcas e se atribui ao titular da marca instrumentos para beneficiar patrimonialmente da

capacidade atractiva do signo.

Para tanto, importa deter particular atenção nas sucessivas alterações legislativas de molde a tentar

descortinar uma evolução, progressiva, no entendimento positivo do problema. Sobre este ponto,

emerge uma questão de especial melindre, relacionada com as fontes internas; sendo este trabalho

integralmente realizado na vigência do Código da Propriedade Industrial de 1995, o mesmo será,

brevissimamente, revogado por um novo diploma, recém-publicado: com o intuito de manter actual

este estudo, todas as referências legislativas se reportarão a ambos os diplomas, sendo que a

exposição procurará dirigir-se ao novo texto legal.

Aprioristicamente, sublinha-se que da análise legislativa resultam dois princípios tendenciais que

exigem uma cuidada análise e um estudo co-relacionado; por um lado, assiste-se a um crescente

desgaste de uma visão tradicionalista da marca, assente na sua função distintiva; por outro, denota-

se uma progressiva tendência para a protecção da valência da marca enquanto signo,

nomeadamente da sua potencialidade publicitária.

AA EESSTTRRUUTTUURRAA

A monografia divide-se em três etapas fundamentais.

10 Sendo um ponto colateral a este estudo, não abdicamos de superficialmente tecer breves comentários sobre a problemática da terminologia a utilizar. Por influência gaulesa a expressão “Propriedade Industrial” enraizou-se na doutrina continental. A pertinente voz de LADAS veio insurgir-se contra o uso desta expressão considerando que o adjectivo “industrial” seria demasiado redutor, por apenas englobar uma das componentes das actividades económicas. Sufragamos esta posição: a expressão “industrial” exprime de forma limitada e errónea o instituto. Não obstante, vamos utiliza-la, porquanto cientificamente tem o conteúdo conhecido e preciso. Também a expressão “propriedade” merece celeuma doutrinal; deixemos para o momento em que nos debrucemos sobre a natureza jurídica da marca a nossa posição. 11 Caso HAG –I, Proc. 192/73 de 3/7/74, RJC, 1974, p. 744. Sobre este processo vide GHIDINI, Sul caso Hag, RDC, Ano 1975, pp. 1 e ss.

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10 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Num primeiro momento importa delimitar o objecto de estudo; a exacta compreensão do conceito

de marca exige a sua destrinça de outros sinais distintivos, nomeadamente da firma, nome e

insígnia do estabelecimento, logótipo, recompensa e a denominação de origem.

Ainda no que concerne à determinação do objecto, importa tecer breves considerações sobre os

princípios constitutivos da marca, de molde a apurar da admissibilidade da constituição de uma

marca. A dissecação das condições de licitude do signo não é uma questão lateral, antes, profícua

para a querela em estudo, porquanto, aquilatar dos constrangimentos legais à possibilidade de

registo de uma marca permite ao intérprete reflectir sobre a função da marca num determinado

ordenamento jurídico, sendo a sua determinação um conceito prejudicial para a tese que nos

propomos assumir.

Na segunda parte deste trabalho, centramos a nossa análise nas funções tradicionais da marca;

começamos por examinar a função ordinariamente atribuída à marca – a função distintiva, quer na

vertente de diferenciação de produtos ou serviços, quer na vertente indicadora de proveniência –

em relação à qual tentaremos determinar se no quadro legislativo actual mantém a importância e

premência original. Faremos ainda uma análise à visão da função garantística da marca, procurando

estabelecer se o actual Direito das Marcas a consagra e protege.

Num terceiro momento analisamos a função publicitária da marca e inquirimo-nos sobre a forma

como o legislador a encerra; para tanto, urge interpretar a legitimidade para o registo da marca, a

protecção excepcional das marcas de grande prestígio, o âmbito de protecção da marca, a

transmissão e a licença de marca, com destaque particular ao contrato de franquia e de

merchandising.

A última parte deste trabalho pretenderá explanar as dúvidas e considerações suscitadas pela nossa

análise, terminado com o firmar de uma posição que pretende sintetizar as premissas formuladas

durante o estudo.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 11

CAPITULO I

A MARCA NO DIREITO PORTUGUÊS

1. Distinção de figuras afins;

1.1 Firma;

1.2 Nome do Estabelecimento;

1.3 Logótipo;

1.4 Denominação de Origem;

1.5 Recompensas;

2. Princípios Informadores da Marca;

2.1 Princípio da Capacidade Distintiva;

2.2 Princípio da Verdade;

2.3 Princípio da Licitude;

2.4 Princípio da Facultatividade;

2.5 Princípio da Novidade e Especialidade.

11.. DDIISSTTIINNÇÇÃÃOO DDEE FFIIGGUURRAASS AAFFIINNSS DDAA MMAARRCCAA DDEE EEMMPPRREESSAA

A Marca insere-se no elenco dos sinais distintivos, susceptíveis de serem definidos como “meios

fonéticos ou visuais, em particular palavras ou imagens, que são utilizados, na vida económica e

social, para a individualização do empresário ou do estabelecimento comercial, assim como dos

produtos ou serviços que eles fornecem, com o objectivo de os distinguir e de permitir ao público

identifica-los”,12 com pouca ligação à personalidade criadora do sinal.13

Os sinais distintivos, mais que serem produto de um mercado concorrencial, são uma condição sine

qua non para que a concorrência possa existir; no âmbito do princípio da liberdade da actuação

económica coexistem no mercado múltiplos produtores; é através dos sinais distintivos que estes se

identificam perante os consumidores, sendo a sua individualização “a base da concorrência

12 ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, p. 14. Em sentido análogo VINCENZO DI CATALDO define-os como “degli stumenti che l`imprenditore utilizza per distinguere la propria attività d`impresa, i propri prodotti, i propri locali, dall`attività, dai prodotti, dai locali dei concorrenti”. (Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 1). 13 Esta noção, pouco comum na doutrina, é aduzida por ORLANDO de CARVALHO, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, p. 194. Enfatizamos este ponto pela sua susceptibilidade de distinguir os sinais distintivos das criações novas, para as quais é preponderante a contribuição pessoal da personalidade criadora.

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12 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

económica, não apenas a facilitando, mas convertendo-se num pressuposto indispensável para a sua

existência”.14

Os sinais distintivos visam tutelar múltiplos interesses; fundamentalmente os interesses dos

empresários de se identificarem perante a clientela, diferenciando-se dos empresários concorrentes

e, para permitir este desiderato, impedir quaisquer terceiros de se apropriarem de sinais iguais ou

confundíveis; reconhece-se ainda a potencialidade de os empresários poderem transmitir ou “ceder

a terceiros o gozo de sinais distintivos próprios, de modo a fruir pecuniariamente o autónomo valor

económico”15 destes sinais no mercado. Cumulativamente sustenta-se que estes sinais tutelam os

interesses de todas as pessoas e entidades que se relacionam com o empresário em não serem

ludibriadas sobre a identidade do empresário.

Para a economia deste trabalho importa-nos realizar uma breve resenha sobre os diversos sinais

distintivos com o intuito de identificar a função jurídica que desempenham no quadro legislativo

português, para indagar se no caso concreto da marca, esta realiza as mesmas funções ou se existe

um espírito de complementaridade entre os sinais distintivos do comércio.

11..11 AA FFIIRRMMAA 16

A definição de firma não é unívoca, sendo este um substantivo susceptível de abarcar uma dupla

realidade. Num conceito objectivo a firma é um sinal distintivo que propende a identificar o

estabelecimento comercial. Esta acepção não colhe no ordenamento jurídico lusitano.

Inversamente, a firma no seu conceito subjectivo é o sinal distintivo do comerciante,17 o nome por

este utilizado na sua actividade mercantil. Na parábola feliz de FERRER CORREIA “como o nome

identifica a pessoa na sua individualidade civil e o pseudónimo a distingue na sua individualidade

artística ou moral, a firma identifica o comerciante na sua individualidade económica”.18

14 RIO BARRO, Las funciones de la denominación social, ADI, 1999, pp. 333/334. [Tradução nossa] 15 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 553. Contra sustentava FERRER CORREIA que “característica comum a todos estes sinais é a sua acessoriedade. Embora se trate de verdadeiros bens em sentido jurídico […] eles desempenham uma função meramente instrumental, não sendo possível o seu uso ou fruição à margem do estabelecimento”. (Lições de Direito Comercial, cit. p. 254). 16 Sobre o tema na literatura jurídica portuguesa vide ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Direito Comercial, Vol. I, AAFDL, 1976-77, Lisboa, pp. 376 e ss., BRITO CORREIA, Direito Comercial, Vol. I, AAFDL, 1989, pp. 343 e ss., CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, pp. 109 e ss., COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, pp. 131 e ss., FERRER CORREIA, Lições de Direito…, cit. pp. 256 ss., MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, pp. 261 e ss., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Vol. I, cit. pp. 259 ss., e Firma, CJ, Ano XII, tomo – IV – 1988, pp. 27 e ss., PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial, 3ª edição, Vol. I, Lisboa, 1957, pp. 224 e ss., PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, pp. 267 e ss. e REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 558 e ss. 17 “O uso do nome, em comércio, remonta à Antiguidade: aí ocorreria já o signum mercatorum, que traduzia a designação sob que se realizava determinado comércio e cuja chancela marcava a assunção de obrigações” (MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, p. 262. 18 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, cit. p. 150. Nos comerciantes em nome individual encontramos uma relação quase inseparável entre a firma e o nome; parafraseado VIVANTE “a firma desempenha na vida comercial a

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 13

A diferenciação da firma e marca é manifesta, uma vez que são apostas em divergentes realidades.

Mas esta dissemelhança de tutelas não obsta a que possam existir pontos de coincidência,

nomeadamente a adopção pelo empresário do mesmo vocábulo para designar ambas as realidades.

A interdisciplinaridade entre o instituto da propriedade industrial e o pretenso instituto do registo

das pessoas colectivas, firmas e denominações é evidente, e não foi esquecido pelo legislador ao

estabelecer parâmetros de conformidade, nomeadamente a recusa do registo da marca quando no

“todo ou alguns dos seus elementos, contenham […] a firma, denominação social, nome ou

insígnia de estabelecimento que não pertença ao requerente do registo da marca, ou que o mesmo

não esteja autorizado a usar, ou apenas parte característica dos mesmos, se for susceptível de

induzir o consumidor em erro ou confusão”.19

A exclusão da firma, pelo legislador, do elenco dos direitos de propriedade industrial não se afigura

pacífica, havendo vozes com autoridade a propugnar por solução antagónica.20

Defende-se de lege ferenda a inclusão da firma no cotejo dos Direitos Industriais, por apelo a

razões dogmáticas e pragmáticas: por um lado a firma é um entre os vários sinais distintivos do

comércio, nada justificando o seu tratamento autónomo; por outro lado, o tratamento jurídico em

separado, com diferentes regras e sobretudo sujeitas a diferentes entidades reguladoras (INPI e

RNPC) torna muito complexa a uniformidade de procedimentos e a desejada harmonização de

concessões, com prejuízos para os consumidores e para os empresários.

1.2 NOME E INSÍGNIA DO ESTABELECIMENTO21

A ratio legis destes sinais distintivos consiste na individualização do estabelecimento comercial.22

Se ambos identificam ou individualizam o estabelecimento, separa-os a sua composição, porquanto

mesma função que o nome desempenha na vida civil… é um sinal de reconhecimento que não tem valor de per se, mas pelo individuo, de quem é incindível…;” (apud. FRANCISCO JOSÉ CAEIRO, Do nome Comercial e Industrial, Tipografia Universal, Lisboa, p. 14). 19 Alínea f) do numero 1 do art. 189 (al. f) do art. 239.º do CPI 2003). 20 De forma implícita, CARLOS OLAVO sustenta esta posição, ou na monografia intitulada de Propriedade Industrial, estudar em capítulo próprio a firma. Também nos parece ser esta a posição de FERRER CORREIA (Lições de Direito Comercial, Vol. I, F.D.C., Coimbra, 1973) e RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, p. 15; igualmente atendendo à sistematização dogmática apresentada. Também no Direito Italiano encontramos vozes concordantes, tais como RAVÀ, Diritto Industriale, Vol. I, Azienda, Segni distinivi-concorrenza, Seconda Edizione, UTET, Torino, pp. 287 e ss. 21 Sobre o tema vide CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. pp. 87 e ss., COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, cit. pp. 302 e ss., FERRER CORREIA, Lições de Direito… cit. pp. 171 e ss., MENEZES LEITÃO, Nome e insígnia do Estabelecimento, Direito Industrial, Vol I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, pp. 157 e ss., PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, pp. 406 e ss. e REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 581 e ss. 22 Sendo esta uma problemática a latere desta dissertação, não posso deixar de tecer comentários sucintos sobre qual a acepção em que deve neste contexto ser interpretado o substantivo estabelecimento. Para a doutrina maioritária por estabelecimento (neste contexto) “deverá entender-se a unidade técnica de venda ou de produção de bens ou de fornecimento de serviços, e não a empresa em sentido amplo” (CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. pp. 87/88: em sentido análogo vide FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, cit. p. 322, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, Lisboa, 1988, p. 122 e PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM,

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14 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

o nome do estabelecimento é um sinal nominativo e a insígnia23 um sinal figurativo ou

emblemático.

O recurso ao uso de um nome de estabelecimento ou insígnia é uma prorrogativa dos agentes

económicos, sendo o seu uso facultativo; estes sinais distintivos desempenham a dupla finalidade

de identificar o estabelecimento comercial e servir para propagandeá-lo, sendo, neste sentido,

considerado um sinal distintivo objectivo, em confronto com a firma que é um sinal subjectivo.

Tal como referimos na análise relacionada com a firma, a distinção, no que concerne à marca,

realiza-se mediante a diferenciação de tutelas e finalidades.

Sublinhe-se que do regime jurídico do nome e insígnia do estabelecimento resulta a sua vinculação

ao estabelecimento que identifica, sendo que só conjuntamente se admite a sua transmissibilidade

(art. 29.º do CPI/ art. 31º do CPI de 2003), facto que demonstra mais uma crucial destrinça entre

este tipo de Direito Industrial e a marca.

1.3 LOGÓTIPO

A inclusão do logótipo na súmula dos direitos industriais emerge com o Código da Propriedade

Industrial de 1995. A definição deste novo tipo de direito industrial não é evidente, pelo que se

recorre à definição insegura de REMÉDIO MARQUES ao afirmar que “o logótipo parece ser, hoje,

um específico – porque globalizante – sinal distintivo da empresa in totum.”24 Sustenta-se que o

logótipo, através de um sinal figurativo ou gráfico se refere à empresa de forma autónoma e global.

Mas a perturbação deste novo tipo de direito industrial incrementa-se ao dissecar o seu regime

legal; “ao remeter o tratamento normativo dos logótipos para as regras aplicáveis à insígnia […] o

legislador acaba por deixar o intérprete perplexo sobre a necessidade de criação desta figura, que

poderia reconduzir-se …[ao] conceito e função da insígnia, evitando-se mesmo as confusões que

inevitavelmente irão surgir”.25

8ª Edição, Lisboa, 2003, p. 406). Com voz dissonante escreve COUTINHO de ABREU que “ o nome ou a insígnia deverão individualizar o estabelecimento global ou unitariamente considerado” (Curso de Direito Comercial, cit. p. 308) ou seja, à empresa em sentido amplo. Com o devido respeito, não posso acatar a posição sufragada pelo ilustre Professor de Coimbra. Plagiando MENEZES LEITÃO sustentamos que “exigir que o empresário adopte o mesmo nome ou insígnia de estabelecimento para todas as suas sucursais ou secções da sua actividade carece manifestamente de razoabilidade.” (Nome e insígnia do Estabelecimento, Direito Industrial, Vol. I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, pp. 158/159). 23 “A insígnia (signum tabernæ) é a representação especial do estabelecimento por um sinal determinado”. (FRANCISCO JOSÉ CAEIRO, Do nome Comercial e Industrial, Tipografia Universal, Lisboa, p. 18) O recurso à insígnia faz-nos recuar ao tempo dos romanos, onde para identificar os estabelecimentos se usavam gravuras passíveis de serem enquadrados neste sinal distintivo. 24 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 831 [sublinhados nossos]. Também neste sentido JORGE CRUZ, Insígnias e Logótipos, RPI, n.º 19, p. 16. Posição diferente é a assumida por COUTO GONÇALVES, (Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 163) que reserva esta figura para as entidades não organizadas empresarialmente. Refutamos. 25 PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, p. 411.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 15

Entende-se que a remissão do legislador deve ser entendida cum grano salis; desde logo, parte

dessa remissão resultou de um evidente erro do legislador,26 já corrigido;27 por outro lado, a norma

remissiva expressamente refere que o recurso ao regime do nome de estabelecimento deverá fazer-

se com as necessárias adaptações. Assim, importa compreender que estamos na presença de dois

diferentes sinais distintivos, com divergentes causas/função. O nome do estabelecimento identifica

especificamente o estabelecimento comercial, tendo o logótipo a valência de identificar a empresa,

no seu sentido subjectivo, o comerciante pelo recurso a um signo figurativo.28 Neste sentido, uma

mesma empresa, identificada pelo seu logótipo, poderá ter diversos estabelecimentos comerciais,

identificados por uma multiplicidade de signos, quer nominativos (nome do estabelecimento) quer

figurativos (insígnia). Do que fica descrito infere-se a sua distinção da marca, pelo que seriam

redundantes ulteriores considerações.

26 Referimo-nos ao facto de no n.º 4 do art. 29.º se sustentar que os logótipos só se poderiam transmitir conjuntamente com o estabelecimento; este preceito merece uma interpretação abrogante. Em boa hora o novo CPI corrigiu o lapso, ainda que, impropriamente, uma vez que é omisso sobre a possibilidade de transmissão do logótipo. 27 Art. 31º do CPI 2003. 28 Neste sentido BESSA MONTEIRO, Marca de base e marca colectiva, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, p. 338.

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16 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

1. 4 DENOMINAÇÕES DE ORIGEM29

A noção de marca e de denominação de origem apresentam afinidades que urge expelir. Em

comum revelam o facto de serem sinais distintivos30 usufruídos pelos empresários nas suas

29 Sobre o tema, no direito português, vide ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, passim e DIAS ROSA, Alguns aspectos jurídicos das Marcas Colectivas e das Denominações de Origem, ROA, Ano 7, n.º 1 e 2, pp. 14 e ss. Não se trata neste contexto das Indicações de Origem (IG). Estas foram introduzidas na tipologia dos direitos de propriedade industrial pelo CPI/1995. Ao actual preceito legal quase que repete a alínea a) do art. 2º do Regulamento (CEE) do Conselho, de 14 de Julho de 1992. (norma esta que por sua vez é inspirada no art. 2º n.º 1 do Acordo de Lisboa de 31 de Outubro de 1958, relativo às denominações de origem e ao seu registo internacional). Não é fácil estabelecer a sua destrinça face às Denominações de Origem (DO); refira-se que do “cotejo das respectivas definições legais não nos deixa elucidados quanto à diferença entre uns e outros, pelo que se nos afigura que melhor seria ter-se mantido apenas o conceito legal das denominações de origem” (PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, p. 411) Com acuidade sublinha MANUEL DAVID MASSENO que “a inclusão deste instituto não foi suficientemente ponderada por um legislador aparentemente aprisionado entre o desejo voluntarista de acompanhar a dinâmica normativa europeia e a inércia dos regimes provenientes do CPI de 1940, pelo que não lhe auguramos grande impacto face às necessidades práticas de protecção sentidas pelos agentes económicos ao procurarem afirmar-se em mercados crescentemente globalizados” (Indicações Geográficas, Que perspectiva para as “Novas Indicações Geográficas protegidas Portuguesas”, in Revista do INPI, Ano XII, n.º 3, Out/1997, p. 7). Num pólo absolutamente oposto escreve ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, que o “CPI estabelece uma clara distinção entre as duas noções – uma diferença substancial – de modo que não podemos falar indiferentemente de DO e IG, […] nem podemos utilizar esta expressão no sentido amplo de abranger a indicação de proveniência e a DO” (Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 63). A dificuldade na distinção destas figuras não é um problema da doutrina interna. Com efeito, a doutrina e jurisprudência europeia amiúde usaram estas expressões em sinonímia ou sem estabelecer uma clara distinção. Mesmo ao nível de tratados internacionais, há exemplos – como o CUP – de considerarem estas figuras como sinónimas. As Denominação de Origem têm como finalidade assinalar determinados produtos como procedentes de um dado local, região ou país, como meio de evidenciar que a qualidade ou características desses produtos estão umbilicalmente relacionadas ao meio geográfico, sendo que a sua produção, transformação e elaboração ocorrem no mencionado local; para recorrer à definição constante do Acordo de Lisboa para as Denominações de Origem, podemos defini-las como “denominações geográficas de um país, região ou localidade que serve para designar um produto dele originário cuja qualidade ou caracteres são devidos exclusivamente ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo os factores sociais e humanos” (art. 2º n.º 1). Por seu turno, as Indicações Geográficas podem definir-se por identificarem produtos como sendo originários de um determinado território, no caso de a qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua proveniência geográfica; assim a indicação de proveniência é uma simples menção do lugar em que um produto foi produzido ou fabricado. “A diferença principal entre denominações de origem e indicações geográficas está no facto de as primeiras identificarem produtos cuja qualidade global ou características se devem essencialmente ao meio geográfico, enquanto as segundas designam produtos que, podendo embora ser produzidos com idêntica qualidade global noutras regiões geográficas, devem a sua fama ou certas características à área territorial delimitada de que deriva o nome-indicação geográfico (v. g., “Tapetes de Arraiolos”). (COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 364). Em sentido convergente ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, (Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 63) pugna que “enquanto que nas DO as qualidades e as características dos produtos se devem essencial ou exclusivamente ao meio geográfico compreendendo os factores naturais e humanos, na IG a reputação, uma qualidade determinada ou outra característica podem ser atribuídas a essa origem geográfica, independentemente dos factores naturais ou humanos. Esta diferença pressupõe que o elo que une o produto à região determinada é mais débil que na DO. [Em conclusão] na IG, a reputação do produto (ou uma sua qualidade ou outra característica) pode (basta que possa) ser atribuída à região sem influência directa dos factores naturais e humanos. Importa ainda distinguir as denominações de origem e indicações geográficas e as marcas colectivas constituídas por nomes indicando as proveniências geográficas dos produtos. Sustenta-se que a diferença reside na titularidade do direito e nas “possibilidades de controlo da produção e comercialização dos produtos assinalados por uns e outros sinais mais vasta no respeitante às marcas colectivas” (COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 365) Característica particular das definições de origem e indicações geográficas é o facto de constituírem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos naquele local e que de modo efectivo e sério exploram um ramo de produção característica. As DO e as IG apresentam um interesse económico considerável para diversos países. Principalmente para os países agrícolas, dado que tais sinais se aplicam, muito particularmente, a produtos como os vinhos, as aguardentes e os queijos, que representam um património de grande valor para a economia regional e nacional desses países. (ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 19).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 17

mercadorias para os introduzirem no mercado. No que concerne a dissemelhanças existem uma

amplo conjunto que importa investigar.

Desde logo, apresenta-se diferenças significativas em relação à titularidade do sinal distintivo: se o

direito à marca se considera um direito de propriedade do seu titular (ou um direito de uso

exclusivo), os direitos decorrentes da denominação de origem são direitos colectivos, exercidos por

um conjunto de pessoas.31

No regime jurídico das denominações de origem, encontramos ainda limitações relacionadas com o

objecto, porquanto só é lícita a aposição destas num produto que seja “originário dessa região,

desse local determinado ou país [e] cuja qualidade ou características se devem essencial ou

exclusivamente ao meio geográfico, incluindo os factores naturais e humanos, e cuja produção,

transformação e elaboração ocorrem na área geográfica delimitada”.32

Atendendo à diversidade funcional, outras discrepâncias são patenteadas pelos regimes jurídicos

destes tipos de direitos industriais; no respeitante à constituição, se, em princípio, são proibidas as

marcas unicamente compostas indicações geográficas, a regra que preside à composição das

denominações de origem é a de recorrerem aos nomes geográficos da região, localidade ou

território.

A transmissibilidade do direito à marca não encontra paralelo no regime das denominações, cuja

intransmissibilidade ressalta da sua própria função, em atenção ao seu elemento finalístico.

Traçadas que foram as mais pertinentes discrepâncias importa consolidar o conteúdo da

denominação de origem. Na génese deste tipo de direito podemos descobrir prima facie a ancestral

tendência para usar o nome do lugar da produção na identificação de produtos, auferindo desta

forma da visibilidade decorrente da reputação de excelência dos mencionados locais. Actualmente,

face ao sistema legal vigente, denominações de origem podem definir-se como a denominação

geográfica de um localidade, região ou país, utilizada “no mercado para designar ou individualizar

um produto originário do local geográfico que corresponde ao nome usado como denominação e

30 “As DO [Denominações de Origem] e as indicações geográficas são denominações geográficas aplicadas a produtos para os diferenciar de outros produtos. As DO… são, assim, sinais distintivos.” ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 49. A orientação que aqui se sustenta, sendo largamente maioritária na doutrina de mais alto coturno, não é unânime, nomeadamente entre os autores italianos, que defendem terem as denominações de origem uma mera função descritiva dos produtos, relacionadas com as características e qualidades do produto. 31 Conforme o n.º 4 do art. 249 (n.º 4 do art. 305.º do CPI 2003) “ A denominação de origem e a indicação geográfica, quando registada, constituem propriedade comum dos residentes ou estabelecidos, de modo efectivo e sério, na localidade, região ou território e podem indistintamente ser usadas por aqueles que, na respectiva área, exploram qualquer ramo de produção característica.” 32 Alínea a) e b) do n.º 1 do art. 249 (al. a) e b) do n.º 1 do art. 305.º do CPI 2003). Sufragamos assim as palavras de RIBEIRO de ALMEIDA ao sustentar que a denominação de origem “só pode ser utilizada para os produtos provenientes de uma região determinada e que tenham sido produzidos de acordo com as regras estabelecidas pela tradição e pelo uso ou devidamente regulamentadas; deve tratar-se de um produto típico, com certas características qualitativas derivadas de uma íntima ligação com o território” (Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 337).

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18 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

que reúne determinadas características e qualidades típicas que se devem essencial ou

exclusivamente ao meio geográfico, compreendendo os factores naturais e factores humanos”.33

1.5 RECOMPENSAS

Por fim, as recompensas são distinções conferidas aos empresários pela excelência da sua

actividade.34 Sendo usual a sua catalogação enquanto sinal distintivo a sua valência é

eminentemente promocional, funcionando como uma garantia de qualidade da actividade

desenvolvida35.

Para a economia deste trabalho importa sublinhar a sua vinculação com o estabelecimento, de

molde que apenas conjuntamente se podem transmitir. Sublinha-se ainda que o direito ao uso da

recompensa comporta a possibilidade de a utilizar na composição de uma marca ou de um nome ou

insígnia do estabelecimento.

1.6 COMPATIBILIDADE ENTRE SINAIS DISTINTIVOS

Por tudo e em jeito de conclusão refere-se que do facto – como se salientou supra – dos sinais

distintivos desempenharem distintas funções faz emergir a querela da sua compatibilidade, ou seja,

o problema do conflito entre os sinais. Esta problemática verifica-se na possibilidade de diversos

empresários pretenderem utilizar o mesmo signo para desempenhar diferentes funções (como

marca, como firma ou nome de estabelecimento).

Existindo esta conflitualidade, subsistem uma de duas possibilidades: ou se adopta um critério de

prioridade, de molde a que o primeiro empresário que adquiriu o direito ao sinal distintivo pode

usufruir do direito de exclusividade na sua área merceológica, garantindo-se por este meio a

unidade do direito industrial relativo aos signos ou, por outro lado, a opção inversa com a qual se

consegue manter um princípio de independência entre os sinais distintivos.36

33 ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, pp. 54/55. 34 O CPI delimita os tipos de recompensas admissíveis; a saber: a) As condecorações de mérito conferidas pelo Governo Português ou pelos governos estrangeiros; b) As medalhas, diplomas e prémios pecuniários ou de qualquer natureza obtidos em exposições, feiras e concursos, oficiais ou oficialmente reconhecidos, realizados em Portugal ou em países estrangeiros; c) Os diplomas e atestados de análise ou louvor passados por laboratórios ou serviços do estado ou de organismos para tal fim qualificado; d) Os títulos de fornecedores do Chefe de Estado, Governo e outras entidades ou estabelecimentos oficiais, nacionais ou estrangeiro; e) Quaisquer outros prémios ou demonstrações de preferência de carácter oficial. (art. 217º do CPI/ art. 271º do CPI de 2003) 35 Depreciativamente OLIVEIRA ASCENSÃO considera-as um “tipo menor dentro da propriedade industrial” (Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, 1994, p. 203). 36 Posição defendida expressamente por VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 6.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 19

Na esteia da doutrina italiana,37 face ao actual direito português urge a defesa da primeira das

premissas expressas, sendo aquela a que melhor protege as necessidades da vida empresarial,

nomeadamente a expansão e diversidade da actividade produtiva.

Frisa-se este aspecto para sublinhar que na dissecação das funções dos diversos sinais descritivos,

deverá ser um critério de interpretação, a necessidade de compatibilidade entre estes signos.

22.. PPRRIINNCCÍÍPPIIOOSS IINNFFOORRMMAADDOORREESS DDAA CCOONNSSTTIITTUUIIÇÇÃÃOO DDAASS MMAARRCCAASS

Sendo incontestável a existência de um princípio tendencial de liberdade na constituição das

marcas,38 podendo estas ser compostas por uma multiplicidade de signos, símbolos ou figuras

importa tecer breves considerações sobre as proibições legais, permitindo ao intérprete, a contrario

sensu, compreender o princípio supra enunciado e, por este meio, o regime jurídico das marcas. Da

análise destas limitações, resulta a existência de dois grandes tipos de proibições, que podemos

classificar como absolutas e relativas.

A distinção entre estas categorias de proibições tem por génese o bem jurídico protegido: as

absolutas39 “que visam proteger interesses supra-individuais, como sejam os interesses de grupos

relativamente homogéneos;”40 as proibições relativas que visam proteger, essencialmente,

interesses individuais disponíveis, nomeadamente dos concorrentes.

A lógica da estatuição destas proibições é “a necessidade de proteger o sistema competitivo e, em

particular, os concorrentes do requerente da marca da intenção de monopolizar um sinal ou uma

denominação que deve manter-se disponível para todos os agentes que operam num determinado

sector do mercado”.41

De acordo com o ordenamento legislativo português defendemos a eleição de cinco princípios

fundamentais que devem nortear a constituição de uma marca, ou seja, limites que o solicitante da

marca deve respeitar para que possa prosseguir o pedido de registo de marca de empresa.

37 Neste sentido vide ASCARELLI e RAVA, apud. VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 6 38 Sobre a enorme variedade na constituição das marcas bem como a sua denominação vide RENATO CORRADO, Segni Distintivi, Ditta- Insegna- Marchio, Trattado di Diritto Civile, diretto da Giuseppe Grosso e Santoro-Passarelli, Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, pp. 201 e ss. 39 Como bem sublinha SILVA CARVALHO, “o exame dos motivos de recusa absolutos deverá procurar estabelecer se a marca é suficientemente distintiva e se não se compõe de indicações descritivas ou outras que devam poder ser livremente utilizadas pelos concorrentes” (Marca Comunitária, Os motivos absolutos e relativos de recusa, Coimbra Editora, 1999, p. 15). 40 COUTO GONÇALVES, Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p. 67. 41 FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, cit. p. 115. [Tradução nossa]

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20 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

2.1 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE DISTINTIVA

Tendo a marca como função primeira a distinção de produtos e serviços, estas devem ter

capacidade distintiva. De acordo com este primado, o primeiro requisito para o registo das marcas

é a susceptibilidade de a marca ser representável graficamente, ou seja, possibilite a representação

do sinal distintivo de molde a que seja passível de exame, publicação e utilização pela entidade

administrativa que gere o sistema.

2.1.1. A exigência de as marcas serem susceptíveis de representação gráfica, que se afigura

indiscutível, tem gerado na doutrina a exclusão das marcas gustativas, aromáticas42 e das tacteís43,

bem como das sonoras quando não representáveis em pentagramas.44

42 Não obstante a inadmissibilidade de registo destas marcas fazer quase o pleno da doutrina nacional e estrangeira, sustentamos que a recusa não deve ser peremptória. Do facto de a marca aromática ou olfactiva não ser mencionada no cotejo legal não pode inferir-se a sua sumária exclusão do Direito das Marcas; importa sublinhar que a enumeração é exemplificativa, pelo que, se deve inferir a admissibilidade de diferentes tipos de marcas, dos mencionados na norma legal. Acresce que as glândulas olfactivas são susceptíveis de desencadear um conjunto de sensações, não apenas momentâneas, como também passíveis de se perpetuarem na memória, permitindo o seu reconhecimento e identificação posterior; sublinha-se que a relação dos “odores” com a actividade mercantil é evidente, sendo axiomático que “os cheiros” podem vender. Com base nestes argumentos alguma recente doutrina tem pugnado pela registabilidade deste tipo de marcas, sustentando a sua argumentação em dois pilares fundamentais. Por um lado, refere-se que “que existem métodos relativamente sofisticadas para definir graficamente gostos e cheiros” (DEBRETT LYONS, Sounds, Smells and Signs, EIRP, traduzido por Maria Luísa Araújo, Jornal do INPI, Ano XII, 1997, p. 9). “O odor pode descrever-se em termos qualitativos utilizando sistemas descritivos distintos. […] Os voláteis libertados pelos perfumes podem ser analisados por cromatografia gasosa (GC) ou cromatografia líquida de elevados desempenho (HPLC). Por outro lado, também se defende que determinados aromas (facilmente identificáveis como a rosa, lavanda, limão, menta, laranja) poderiam ser representados pela sua descrição verbal. (neste sentido LUIGI MANSANI, Marchi olfattivi, RDI, 1996, parte I , p. 267, que refere uma decisão conforme do Trademark Trial and Appeal Board americano, BUENAVENTURA PELLISÉ PRATS, Marca, Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo XV, Editorial Francisco Seix, S.A., Barcelona, 1974, p. 887, LAMBERTO LIUZZO, Alla scoperta dei nuovo marchi, RDI, 1997, parte I, Milano – Dott. A Giuffre Editore, pp. 125 e ss. e NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 35). O problema ganha mais acuidade com o registo de uma marca olfactiva nos Estados Unidos (Caso Clarke – sobre o mesmo vide GIPPINI FOURNIER, Las marcas olfativas en los Estados Unidos, ADI-14, pp. 15 e ss.), bem como, o registo de uma marca comunitária olfactiva (sobre a decisão, RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1647, que se refere à Resolução 156/1998-2 da OAMI) exigindo-se sobre a mesma redobrada reflexão. (refira-se que o registo de ambas se fez mediante a descrição verbal dos odores). Pelo que ficou exposto, pugnamos que a insusceptibilidade de registo das marcas aromáticas com fundamento na impossibilidade de representação gráfica não pode ser sumariamente aceite. Da nossa afirmação, não se depreenda que, tendo como boas as explicações técnicas que sustentam a registabilidade dos aromas, se defende, sem mais, a validade das marcas aromáticas. Com efeito, emerge a problemática de averiguar se estas possuem capacidade distintiva, nomeadamente o facto de os consumidores identificarem os odores enquanto marcas. (o que está em causa neste momento, prende-se com o facto de o público não estar habituado a identificar os odores como marca, antes como característica dos produtos, bem como dos constrangimentos que se seguiriam a uma multiplicação de marcas aromáticas no mesmo segmento de mercado – como poderia o consumidor identificar os odores se numa mesma loja coexistissem diversas marcas aromáticas, para diferenciar produtos iguais ou afins?). No que a esta concerne, impõe-se a consideração que a aptidão distintiva não se afere em abstracto mas deverá ser considerada tendo em conta os produtos ou serviços em concreto que visa identificar; neste sentido, torna-se mais complexa a possibilidade de registar marcas olfactivas para produtos em que os odores sejam características emblemáticas. (p. ex. os perfumes). Para mais desenvolvimentos, LUIGI MANSANI, Marchi olfattivi, RDI, 1996, parte I, pp. 268 e ss. Numa diferente perspectiva, alguns autores, não obstante sustentarem a inadmissibilidade de registo de marcas olfactivas ou gustativas, entendem não serem os “odores” absolutamente destituídos de protecção legal; defendem a possibilidade de, pelo mecanismo da Concorrência Desleal, impedir que um concorrente se aproprie dos “cheiros” usados por outros. (Assim, GATTI, Verso un Marchio di Franganza o di Aroma?, RDC, 1989, I, pp. 651 e ss. e REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 608).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 21

Sem tomarmos partido sobre a querela da admissibilidade das marcas aromáticas, servem as ressalvas, para tomar uma posição frontalmente contra a tendência para afastar do Direito das Marcas tipos de marcas menos usuais, sendo nossa convicção que o afastamento liminar, sem tomar em consideração avanços tecnológicos e científicos, resvala em defraudar, intoleravelmente, os objectivos do Direito e do Mercado. Sobre o tema vide, ainda CORNISH, Intellectual Property: Patents, copyright, trade marks and allied rights, Second edition, London, Sweet & Maxwell, 1989, pp. 583 e ss. 43 Concordamos com a exclusão da licitude das marcas tácteis, porquanto só é possível identificar este tipo de marca num confronto directo com o produto que a marca visaria identificar e, por tanto, não podem ser apreendidas e difundidas no mercado. (em sentido similar, RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1647) 44 O nosso actual ordenamento legislativo regulador do direito das marcas consagra expressamente a admissibilidade das marcas constituídas por sons (sublinhe-se pela pertinência, que esta admissibilidade patenteada pela actual legislação portuguesa não é prática comum; assim, como reconhece SILVA CARVALHO poucas legislações reconhecem a validade das marcas sonoras (Marca Comunitária, Os motivos absolutos e relativos de recusa, Coimbra Editora, 1999, p. 33); mas o exemplo português não é inaudito na Europa; com efeito, também o direito francês e alemão consagram expressamente o principio da admissibilidade das marcas sonoras; não obstante, não é abundante a doutrina que se pronunciou em concreto sobre a problemática das marcas sonoras, motivo pelo qual se torna mais complexo, mas também pertinente, um estudo mais aprofundado sobre a questão. O CPI, nomeadamente com o estatuído no n.º 1 do art. 165.º (art. 222.º do CPI 2003) ensina que “a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas” (o sistema adoptado para definir o conceito de marca consiste na formulação de um conceito amplo de marca acompanhado de uma enumeração exemplificativa dos vários tipos de sinais susceptíveis de a constituir. No conceito de marcas estatuído na lei realça-se a presença de três requisitos fundamentais para a registabilidade de uma marca: finalidade distintiva, distintitividade do sinal e a possibilidade do sinal ser graficamente representado). O citado artigo é merecedor de considerações ulteriores com o intuito da sua correcta e exaustiva apreensão. Parece ser incontestável, face ao actual quadro legislativo vigente, que as marcas sonoras são passíveis de registo. Mas não pode inferir-se desta premissa que esta permissão é incondicional. Com efeito, duas restrições capitais impõem-se após uma simples leitura do preceito legal: a) a marca tem de ser susceptível de representação gráfica; b) a marca deve ter capacidade distintiva; Analisando a primeira destas condicionantes oferece-nos dizer que é comum sustentar-se a registabilidade de uma marca sonora quando representadas em pentagramas (percebe-se este facto; o registo de determinado som numa pauta, sistema de linguagem universal que permite com facilidade a sua reprodução) e a recusa daquela quando o som seja registrado por qualquer outro meio. Não podemos sufragar. Actualmente têm sido introduzidas novas técnicas de representação, através do recurso ao espectograma, que exigem a ponderação do intérprete. Ensina PEROT-MOREL que foi através deste meio que foi registrado, em França, o inconfundível rugido de Leão que identifica e publicita os filmes da Metro Goldwin Mayer. (Les difficultés relatives aux marques de forme e quelques types particuliers de marques dans le cadre communautaire, RDI, I, 1996, p. 259; também neste sentido, SILVA CARVALHO, Marca Comunitária, Os motivos absolutos e relativos de recusa, Coimbra Editora, 1999, p. 34). No que concerne a esta factualidade – conforme é opinião comum aos poucos autores que se debruçaram sobre esta problemática em concreto – exige-se a coragem para, de modo expresso, lavrar um protesto; com efeito, nada deve obstar a que a representação se faça pelo recurso a outros meios, nomeadamente, disco ou banda magnética (o que, refira-se, é perfeitamente admitido no Direito Americano ). Recusamo-nos a sufragar o argumento de que a “falta de meios técnicos por parte das entidades competentes para organizar o registo de discos ou bandas magnéticas e proceder ao exame das anterioridades legais”. (COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Almedina, Coimbra, 1999, p. 64) seja condição suficiente para aceitar esta intolerável limitação na discricionariedade da constituição das marcas; sustentamos que o princípio da liberdade de iniciativa no mercado, não pode ser coarctada por razões de tipo formal ou funcional. Relativamente à necessidade legal de as marcas sonoras possuírem capacidade distintiva, isto é, a sua aptidão para, per si, individualizar uma espécie de produtos ou serviços oferece-nos afirmar, que a marca sonora – como qualquer outra – desempenha, a sua causa-função primária. Para alcançar este desiderato, os sons a registar devem ser distintos e não confundíveis com outros anteriormente registrados e ainda susceptíveis de identificar um determinado produto ou serviço. Pelo facto de este requisito não apresentar especiais particularidades em relação ao comum das marcas, não nos delongaremos com mais considerações. Caracterizado o tema em análise, analisadas as suas funções e esboçado o seu regime legal, deixamos para o culminar desta exposição um olhar pragmático sobre a problemática: como foi supra referido, as marcas são na actualidade e cada vez mais um mecanismo de potenciar a concorrência empresarial; pelo que fica dito, a questão exige-se: a admissibilidade das marcas sonoras representa uma mais valia para o fenómeno concorrencial, ou, pelo contrário, é uma mera questiúncula teórica para deleite intelectual de uns, poucos, interessados? Sinceramente pugnamos pela sua pertinência e esforçamo-nos por demonstrá-lo!

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22 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

2.1.2 Outro requisito de crucial pertinência é a exigência da aptidão distintiva. Desde logo é

condição sine qua non para a irrepreensível constituição de uma marca que esta detenha capacidade

diferenciadora, sendo esta capacidade a essência da marca, funcionando como pressuposto do

registo. Compreende-se bem a essencialidade deste requisito: se a função primeira da marca é a de

distinguir produtos e serviços, a ausência da capacidade distintiva colide frontalmente com a sua

ratio legis, devendo ser inquinada a validade de um signo ou símbolo sem estas característica.

Esta exigência encontra-se tipificada,45 entre outros, na alínea b) do art. 166.º do C.P.I.(al. c) do art.

223.º do CPI 2003) que dispõe não serem susceptível de registar como marcas os sinais

Parafraseando PEROT-MOREL, a priori tudo o que é perceptível pelos sentidos pode constituir uma indicação para o consumidor e pode, por consequência, desempenhar a função duma marca: um som, um perfume, um sabor e mesmo uma impressão táctil, podem perfeitamente simbolizar e caracterizar um produto ou um serviço. (Les difficultés relatives aux marques de forme e quelques types particuliers de marques dans le cadre communautaire, RDI, I, 1996, p. 257.) Na defesa desta “dama” - que também é nossa – apontamos ab initio argumentos mais sociais que económicos: o mercado de consumo das pessoas portadoras de deficiência visual. Parece-nos ser este um campo paradigmático da pertinência das marcas sonoras; é indesmentível que a adopção quer isoladas, quer acopladas, de marcas sonoras para identificar os produtos para o referido mercado-alvo será de benemérita valia social, sendo que, não sejamos ingénuos, teria repercussões de tipo económico nas empresas que estrategicamente adoptam-se esta política comercial, pelo impacto nos consumidores que sempre representam as manifestações de “consciência social” por parte dos grandes grupos empresariais. Acresce que é de inegável pertinência o recurso às marcas auditivas para designar, desde logo, emissões de rádio ou televisão, que, incomparavelmente desempenham melhor a causa-função de identificar e publicitar aqueles produtos (ou serviços), que quaisquer outras marcas. Do ponto de vista estritamente economicista, também sem especial dificuldade vislumbramos motivações que justificam financeiramente a adopção de marcas constituídas por sons; apelando à função (económica) publicitária da marca e recordando que a publicidade se realiza mediante dois meios fundamentais – rádio e televisão – dá-se ênfase ao facto de que, se na publicidade televisionada um bom som não terá o mesmo impacto de uma imagem socialmente sugestiva, na publicidade radiofónica a sonoridade é essencial, sendo esta vicissitude condição bastante para que se invista na consolidação de sons que individualizem produtos, em suma, marcas. (se analisarmos o exemplo Alemão, com facilidade se demonstra a pertinência prática das marcas sonoras; de 1995 a 1999, foram requeridos cerca de 200 pedidos de marcas sonoras, sendo que em 90% destas o registo foi concedido sem grandes dificuldades). Para mais desenvolvimentos, sugere-se, ANTOINE BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuxième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 94 e ss., ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, pp. 299 e ss., BOUTET/LODI, Brevetti Industrialle, Marchio, Ditta, Insegna, UTET, Torino, 1978, pp. 453 e ss., DEBRETT LYONS, Sounds, Smells and Signs, EIPR, n.º 12, 1994, pp. 540-543 (tradução de Maria Luísa Araújo, Jornal do INPI, Ano XII, 1997, pp. 9 e ss.), FERNÁNDEZ-NÓVOA, Tratado de Derecho de Marcas, Marcial Pons, 2001, pp. 42 e ss. e MARIO ARE, Marchio, Enciclopedia del Diritto, Giuffrè Ed., Milano, Vol. V., 1975, p. 587). 45 Uma questão conexa com esta problemática da capacidade distintiva é a do secondary meaning, susceptível de ser definido como a aquisição de capacidade distintiva, de um sinal originalmente destituído desta faculdade, quer pelo uso, quer por mutações semânticas. Por outras palavras, determinada locução que num primeiro sentido carecia de capacidade para distinguir produtos ou serviços (primary meaning), adquire um segundo significado que a torna apta como marca. (Plagia-se a exposição de REMÉDIO MARQUES pela sua clareza: a “associação mental implica que um sinal prima facie genérico ou descritivo passa a ser notoriamente conhecido nos meios interessados como sinal identificador de produtos ou serviços” (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 650). De certa forma, é lícito considerarmos que esta doutrina como “o reconhecimento legislativo do efeito psicológico das marcas sobre a mente dos consumidores” (McCHARTHY, Trademarks and Unfair Competition, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973. vol. I, § 15.02.). A doutrina do secondary meaning revelou especial apetência para o desenvolvimento dogmático no Direito do Reino Unido, bem como nos Estados Unidos, pelo recurso à acção de passing off, porquanto o uso da marca era entendido como um pressuposto básico e indispensável para o registo da marca. (Como nós, ROBERTO BICHI, L`art. 47-Bis della legge marchi e l`uso riabilitante del marchio, RDI, 1995, Parte I, pp. 100/101). Sobre a legislação anglo-saxónica vide LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, pp. 977 e ss. e PALLADINO, Assessing Trademark significance: genericness, secondary meaning and surveys, The Trademark Report, Vol. 92, 2002, n.º 4, pp. 857 e ss. Sobre o tema no Direito Português vide NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC -Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 80 e ss. Verificando-se o caso sub judice a locução encerra dos diferentes significados; um sinal originário que é descritivo e um significado secundário, dotado de capacidade distintiva e, consequentemente, susceptível de registo como marca.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 23

constituídos “exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a

espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de

produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos”.

2.1.2.1 - Da noção legal resulta, desde logo, que a proibição não é plena, no sentido de proibir que

aqueles signos sejam parte integrante de uma marca, apenas proibindo que a marca seja na sua

totalidade (exclusivamente) constituída por estes. Sustenta-se que o que está aqui em causa é não

terem aptidão para se considerar marcas “os sinais (exclusivamente) específicos, descritivos e

genéricos”.46 Esta é uma afirmação que urge dissecar.

Por sinais específicos devemos entender as marcas que determinam ou assinalam a espécie dos

produtos (ou serviços).47 Por outras palavras, é genuíno afirmar serem signos específicos aqueles

que designam determinados produtos ou serviços, i e, os nomes dos produtos ou figuras que os

definem. A sua inadmissibilidade para servirem como marcas é tautológica; se a função primeira da

marca é diferenciar produtos através de uma denominação privatística, esta não se pode

consubstanciar no seu nome comum.

Compreende-se o interesse dos titulares das marcas na monopolização do sinal específico, uma vez

que os seus directos concorrentes seriam expropriados da possibilidade de designarem os produtos

e serviços dispensados, pela sua nomenclatura própria. A insustentabilidade do registo destes

Esta doutrina, antes objecto de querela doutrinária, foi expressamente admitida pelo legislador no n.º 3 do art. 188º (n.º 3 do art. 238.º do CPI 2003) ao dispor que não será recusado o registo de uma marca constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidas nas alíneas b) e c) nº 1 do artigo 166º (al. a), c) e d) do n.1 do art. 223.º do CPI 2003) se esta tiver adquirido carácter distintivo. Resulta deste preceito que o sinal tenha adquirido capacidade distintiva, ou seja, que sendo utilizado na actividade mercantil tenha, pelo seu uso, se tornado apto para distinguir os produtos ou serviços nos quais é usado. Poderá confundir o intérprete o que justifica que um sinal insusceptível de registo como marca, por ser uma indicação genérica e, como tal, impassível de ser apropriado possa, pelo seu uso, ser admitido como marca. Uma primeira e cabal explicação relaciona-se com o facto de, se o sinal tem sido utilizado pacificamente por um empresário, não se verificavam em concreto os requisitos que justificariam a sua inadmissibilidade. Pergunta-se qual o tempo de uso do signo exigível ou recomendado para que a marca se torne registável? Sustento não ser admissível uma qualquer baliza temporal, uma vez que esta é uma circunstância volátil; mas, tendencialmente, devemos considerar que na era da tecnologia o espaço temporal exigível é cada vez menor, porquanto, alicerçado nos novos meios de publicidade, é bem mais rápida e eficaz a difusão de um sinal distintivo e, consequentemente, a consciencialização dos consumidores da sua valência como marca. (Reflexão análoga é realizada por McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, 3ª Ed., New York, 1992, Vol. I, § 15.20). Mas como pode uma marca adquirir sucessivamente capacidade distintiva? Este fenómeno pode decorrer de aspectos subjectivos ou objectivos: serão objectivos sempre que a aquisição da capacidade distintiva decorra do comportamento dos consumidores que atribuem à marca um significado próprio, extrínseco ao produto ou serviço no qual seja aposta; o secondary meaning resulta de aspectos subjectivos quando for uma consequência da actividade do empresário que através da sua publicitação a consiga cindir dos produtos ou serviços que identifica; serão subjectivos quando para a aquisição do “segundo significado” tenha contribuído decisivamente a conduta do titular da marca, nomeadamente pela publicidade realizada sobre a marca (assim, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 649/650). 46 COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, pp. 330 e ss. Pela sua pertinência sublinhe-se o advérbio exclusivamente; daqui infere-se que é lícita a inclusão na marca de sinais genéricos ou descritivos, desde que acompanhados de expressões que individualizem a marca; verificando-se esta prerrogativa resulta que essa denominação, não obstante ser parte integrante da marca, não beneficia de um direito de uso exclusivo. (posição similar foi assumida pela Jurisprudência cfm., Ac. STJ de 26/05/92, www.dgsi.pt/, Ac. STJ de 27/05/86, BMJ, n.º 357, p. 456, Ac. Rlx de 02/02/99, CJ, Ano XXIV, Tomo I, p. 100). 47 Assim, um ovo não pode ser marca de ovos, seja a palavra, um seu desenho ou fotografia.

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24 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

signos contrairia ainda os interesses gerais da actividade mercantil porquanto tornaria as marcas

inidóneas para proteger os interesses dos consumidores, nomeadamente, o direito a adquirirem o

exacto produto (ou serviço) que desejam.

Por sua vez, os signos genéricos48 têm a função de designar uma determinada categoria de

produtos ou serviços, pelo que se devem qualificar como sinais indispensáveis na identificação de

bens a que respeitam49 e, como tal, permanecerem na livre disposição de todos os interessados.

Repete-se que, a insusceptibilidade de registo destes signos, não é absoluta, mas deve ser apurada

pelo confronto com os bens que a marca visa identificar, porquanto um signo poderá ser genérico

em relação a um produto ou serviço e fantasioso em relação a outros.50 Citamos CASANOVA, que

defende serem denominações genéricas e como tais incapazes de formar o conteúdo da marca,

antes de tudo, os nomes que na linguagem corrente ou também na linguagem erudita ou literária,

sejam próprios de uma determinada espécie.51 A não admissibilidade destes sinais compreende-se

com facilidade porquanto se podem considerar, como o faz McCARTHY, “a antítese da marca”.52

Pela definição oferecida, é facilmente apreensível a inaptidão destes sinais para se constituírem

como marca, porquanto os mesmos não estão habilitados para distinguir produtos ou serviços; a

marca deve ser capaz de responder à pergunta quem és? sendo que o signo genérico apenas

responde à questão o que és?, resposta comum a todos os produtos ou serviços que realizam a

mesma função, ou susceptível de saciar as mesmas necessidades. Acresce que as denominações

genéricas devem permanecer no “comum património linguístico com o fim de distinguir um

determinada género de produtos, porque não podem servir para identificar um produto específico

dentro daquele género”.53

Finalmente, os sinais descritivos são aqueles que “têm a virtualidade de informar o público sobre

as características, qualidades, funções, destinação, ingredientes, efeitos, proveniência geográfica ou

48 Existe uma enorme similitude entre sinais genéricos e específicos, motivo pelo qual alguns autores os subsumem à mesma categoria; é este o caso, na doutrina interna, de COUTO GONÇALVES, Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, pp. 72 e ss. Não escamoteando as semelhanças, sustentamos que são sinais diferentes e, como tal, exigem um tratamento diferenciado; neste sentido ANTOINE BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuzième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 94 e ss. 49 No mesmo sentido, pronuncia-se VINCENZO DI CATALDO que entende “per denominazioni generiche si intendono i nomi comuni dei prodotti, in quanto adottati come marchio per contraddistinguere prodotti di quel tipo, o componenti di quel tipo di prodotto” (Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 77). 50 De forma análoga pronuncia-se GIUSEPPE SANTONI, Parole, figure o segni di uso generale e capacità distintiva del marchio, RDC, Ano 1983, pp. 72 e ss. O exemplo mais paradigmático será a reputada marca apple; absolutamente genérica se pretende identificar frutos, é absolutamente fantasiosa para identificar material informático. 51 Impresa e Azienda, UTET, Torino, 1974, p. 470. Como sublinha AREÁN LALIN para determinar se determinado signo é genérico é preciso aquilatar pelos consumidores e agentes económicos, qual o significado daquele. (La Aptitud de una Denominación para Convertirse en Marca, ADl, 1978, p. 476). 52 Trademarks and Unfair Competition, cit. § 12.1. [Tradução nossa] 53 TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 312. [Tradução nossa]

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 25

outras propriedades do produto ou serviço correspondente”;54 não os podemos considerar como

sinais distintivos porque as indicações descritivas são comuns a todos os produtos similares,

independentemente da sua origem.

A incapacidade distintiva resulta da própria definição destes signos; descrever é “explicar com

detalhe, as características de alguém ou de alguma coisa”,55 representar por meio de linguagem,

referindo as partes constituintes e características, expor pormenorizadamente uma dada realidade,

nomeadamente através de referências às qualidades, funções, valor, proveniência, qualidades, etc.

Assim, aquilo que se descreve, não é específico de um determinado produto ou serviço, mas

comum a todos os bens idênticos e, como tal, susceptível de, directamente, gerar um reacção

mental no consumidor que ligue determinado signo com determinado produto. Sublinhe-se que,

para averiguar se o signo é descritivo, temos de relaciona-lo com os produtos ou serviços que visa

identificar; o que pode ser descritivo para um dado produto poderá ser um sinal apto para distinguir

um diferente produto ou serviço.

Em suma, a insusceptibilidade de estes signos serem registados como marca (sendo esta uma

conclusão que se aplica ipsis verbis aos sinais específicos e genéricos) resulta de duas ordens de

razão: numa perspectiva afirma-se que estes sinais carecem de capacidade distintiva, porque,

isoladamente, são inaptos para diferenciarem os produtos nos quais são apostos, dos produtos

similares existentes no mercado; por outro, o seu registo consubstanciaria uma intolerável

apropriação monopolista; defende-se que os sinais descritivos são insusceptíveis de um direito de

exclusividade atribuído a um empresário, devendo, antes, ser livremente usufruíveis por todos em

determinado sector da actividade económica. Posição inversa consubstanciaria a atribuição de uma

situação de monopólio, i e, a atribuição de um direito exclusivo, oponível erga omnes, – ou mais

concretamente “erga concorrentes” – sendo que, por este meio, se impediriam os restantes

empresários de utilizarem no seu comércio estes signos. A ratio legis da proibição dos signos

descritivos é, portanto, negar a atribuição a um empresário de um direito exclusivo sobre

determinada palavra, que deve permanecer património comum de todos os agentes económicos de

um dado sector merceológico, de forma a garantir uma situação de paridade objectiva entre os

diversos empresários.56

Mas, a completa apreensão do quesito em análise não é profícua sem esclarecimentos adicionais.

Urge questionar; a proibição limita-se às situações em que se utilize taxativamente como sinal

distintivo um sinal descritivo, ou exige-se uma interpretação extensiva da proibição? Pugnamos

54 NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 31. 55 Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, Lisboa, 2001, p. 1162. 56 É axiomático que posição inversa traduzir-se-ia na atribuição de uma injustificada vantagem a um empresário na sua dialéctica com os demais, os quais seriam esbulhados da possibilidade de utilizarem um vocabulário típico da sua actividade na publicitação dos seus produtos ou serviços, sem que subsistisse quaisquer causas justificativas legítimas.

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26 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

pela segunda possibilidade, pelas motivações subsequentes. Sustentamos, que a proibição em

análise, apenas é plenamente captada, se alargarmos o princípio à repressão aos signos

ardilosamente redigidos de forma incorrecta, nomes compostos com aditamentos inexpressivos e

ainda, aos nomes de produtos e serviços redigidos em língua estrangeira.57

Tratamento autónomo merece o caso específico das línguas exóticas, ou seja, os idiomas

desconhecidos da maioria dos consumidores. No que a estas concerne, as preocupações anteriores

perdem pertinência: se o signo apenas é genérico pelo significado numa língua que o consumidor

desconhece, não se pode sustentar que a intenção do empresário foi criar o monopólio de uma

palavra com o desiderato de impedir a sua utilização pelos seus concorrentes, não sendo vedado aos

empresários competidores o recurso à denominação do produto, pelo que não se vislumbra que

prejuízos possam arguir. Mais. Também não foi o desiderato do requerente utilizar como marca um

signo que identifique de forma imediata e directa o seu produto ou serviço.

Por tudo, se o signo é genérico unicamente por corresponder à designação do produto numa língua

exótica, sustentamos que a marca se deva considerar lícita,58 porquanto o sinal é usado de forma

manifestamente fantasiosa ou arbitrária.59

Também não merece o nosso repúdio absoluto a junção de palavras de molde a constituírem

neologismos, sendo que, casuisticamente, se deverá analisar se a locução criada é susceptível de

registo ou, pelo contrário, mais não é do que um sinal genérico encoberto.

57 O mercado concorrencial e o regime internacional das marcas não se compadecem com um entendimento diferente; com efeito, proibir os signos genéricos na língua mãe mas permiti-los numa língua estrangeira seria desvirtuar o instituto; seria incompreensível permitir o registo de soutien e proibir o de sutiã, proibir crochet e permitir croché, entre muitos outros exemplos. A posição que se sustenta pode também ser defendida por um diferente prisma: não sufragar a nossa tese, admitindo o registo em língua estrangeira de sinais genéricos, seria criar uma situação apelativa à constituição de fraudes; com efeito, empresários estrangeiros menos escrupulosos seriam tentados a registar em Portugal marcas, para posteriormente usufruírem dos direitos comunitários e internacionais das marcas, nos seus países de origem. Neste sentido análogo também se pronuncia FERNANDEZ-NÓVOA que responde à questão da admissibilidade de forma não inteiramente coincidente. Para o Professor, existem dois parâmetros a observar; no que concerne à utilização de línguas latinas, as expressões, carecem de efeito distintivo, uma vez que com relativa simplicidade o consumidor médio aquilatará estar na presença de um signo descritivo; no que concerne a outras línguas, nomeadamente as da União Europeia, a insusceptibilidade do recurso a expressões estrangeiras, fundamenta-se na necessidade de manter disponíveis aqueles sinais (Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, pp. 132/133). Ainda com esta tese REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 641/642. Por seu turno COUTO GONÇALVES contrariando uma visão tradicionalista que pugna por apenas serem proibidas as expressões estrangeiras de uso corrente no país e usados no seu sentido próprio, estende a proibição a todos os sinais genéricos, independentemente do seu conhecimento pelos “consumidor médio” atentos os interesses da livre circulação de produtos e serviços (Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p. 73). 58 Contra, ainda que timidamente, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, in Separata do número especial do BFDC -Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 29. 59 Marca arbitrária pode definir-se como a palavra ou símbolo usadas na linguagem vulgar ou comum, mas que, quando usadas em conexão com determinados bens ou serviços são inexpressivas no que concerne aos ingredientes, qualidades ou características desses bens ou serviços e marca de fantasia é um termo inventado ou seleccionado com o único propósito de servir como marca de um produto ou serviço. Com definições similares vide COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, p. 332 e McCARTHY, Trademarks, cit., 11.4, 11.5

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 27

Do que fica escrito não é lícita a conclusão de que se defende a inadmissibilidade de utilizar na

composição da marca elementos susceptíveis de descrever o bem no qual a marca se utiliza; o que

se defende é a inaptidão destes sinais para isoladamente constituírem as marcas.60

60 A dicotomia existente é bem sublinhada por COUTO GONÇALVES ao escrever que “é, na verdade, útil, sob o ponto de vista comercial, que a marca possa, por si mesma, sugerir ou deixar adivinhar o objecto assinalado. Mas é igualmente necessário acautelar o princípio da igualdade entre os concorrentes” (Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p. 75). Com efeito, não se pode escamotear que posição inversa seria particularmente atraente para o comerciante que registasse o sinal descritivo, podendo o monopólio sobre a palavra tornar-se num monopólio sobre o produto. Existindo um registo de uma marca no caso sub judice, a mesma deve reputar-se de marca fraca. Esta é uma classificação que, não obstante a pertinência jurisprudencial patenteada, não encontra qualquer sustentação na letra da lei, distingue as marcas fortes das marcas fracas. Por marcas fortes devemos entender aquelas que são dotadas de uma especial capacidade distintiva, concebidas para perdurarem na memória dos consumidores. (Exemplo típico de marcas fortes são as expressões de fantasia absolutamente inéditas; por seu turno, as marcas fracas são as formadas com uma tal simplicidade e vulgaridade que, normalmente, não revestem a possibilidade de, isoladamente, distinguir uma espécie de produtos ou serviços, como serão, por exemplo, as que sugerem as qualidades dos produtos, as compostas pela designação dos produtos ou serviços, etc.) Às marcas fortes reconhece-se um mais abrangente âmbito de protecção, contrastando com as marcas fracas em que derivado da sua fraca aptidão para distinguir, merecem uma tutela muito mais reduzida, justificando-se esta com o desiderato de deixar na disponibilidade dos concorrentes as locuções que as constituem (no mesmo sentido, VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 83). Por outro lado, a doutrina dominante, tende a exigir um maior grau de dissemelhança entre a nova marca e a marca anteriormente registada, quando marca forte, com a argumentação de que a especial peculiaridade ou originalidade da marca deve ser defendida (Esta visão é criticada por NOGUEIRA SERENS sustentando que uma marca forte se torna apreensível pelos consumidores mais facilmente pelo que “se a marca fosse forte, o grau de dissemelhança exigido à marca conflituante seria menos do que se essa marca fosse fraca”. Continua o A. argumentando que esta seria a construção que de forma mais eficaz protege os interesses dos consumidores e dos pequenos empresários, resultado que colide com “os interesses empresariais dominantes”, sendo que a construção adoptada é uma forma de discriminação sobre os pequenos empresários. (A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 11). A posição do A., que não merece o nosso aplauso, porquanto, parte de uma premissa criticável; a de que a distinção entre marcas fortes e fracas mais não é que a distinção entre as marcas de pequenas e grandes empresas, estas com capacidade económica, financeira e humana para construir uma marca conceptualmente forte. Refutamos. Também os pequenos empreendedores podem criar uma marca forte, baseando-se esta, menos na publicidade em redor da marca, mas na idiossincrasia do signo em si mesmo, No que concerne à necessidade de diminuir a exigência do grau de dissemelhança para o registo de uma marca conflituante com uma marca fraca registada, compreende-se pela premência de manter estes as indicações genéricas na livre disponibilidade de utilização pelos concorrentes, pois ressaltam necessidades conexionadas com o mercado concorrencial e a preocupação de inviamente se constituírem monopólios. Como se defendeu, admitir a apropriação por um concorrente de um sinal descritivo resultaria numa inadmissível limitação oposta a todos os demais, que veriam o seu direito à livre composição da marca, abruptamente coarctado. A licitude de registo de uma marca fraca, i e, de uma marca com uma diminuta capacidade distintiva é questionada, argumenta-se, para inquinar a sua validade, que a sua escassa aptidão para distinguir produtos ou serviços, a sua ineptidão para realizar esta função cabalmente, deveria ser causa bastante para recusar o seu registo, uma vez que, o registo de uma marca traduz-se sempre na expropriação privada de um signo, desenho, figura, etc., que se torna propriedade de um sujeito e, por isso mesmo, indisponível para todos os outros; por se tratar de uma limitação à liberdade de utilização de locuções ou símbolos de uso geral a sua apropriação privada apenas deveria existir quando susceptível de realizar uma finalidade útil para a actividade empresarial (Assim, NOGUEIRA SERENS sustenta: ”a obtenção de um monopólio sobre esse sinal tenha ou não capacidade distintiva, é sempre um estorvo à liberdade (de concorrência) dos concorrentes do empresário que desfruta desse monopólio e, nessa medida, sempre prejudicial”. (A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, in Separata do número especial da Faculdade de Direito de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 42). Sem escamotear a veracidade dos argumentos aduzidos, não podemos sufragar a posição, que admite um entendimento diverso: pergunta-se: que interesses são atacados com a adopção por alguém de uma marca com fraca capacidade distintiva? Prejudica um empresário que um seu concorrente utilize como marca um signo inexpressivo? Prejudica os consumidores? Certamente que não! O único prejudicado poderá ser o titular da marca que investe tempo e dinheiro numa marca que, à partida, demonstra escassa vocação para desempenhar a sua função; mas esse é um risco que este assume, não devendo o Direito das Marcas preconizar uma posição paternalista. No sentido da argumentação aduzida sublinhe-se que estas categorias não são imutáveis: desde logo, uma marca conceptual ou originalmente fraca, poderá tornar-se uma marca forte, pelo facto de se tornar exaustivamente conhecida no mercado, mormente pela actuação da publicidade e marketing ou, mesmo nos casos em que inicialmente carecia de capacidade distintiva, quando a doutrina do secondary meaning for susceptível de aplicação.

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28 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Também não é licito concluir-se estarmos perante uma proibição plena; os sinais descritivos apenas

são ilícitos quando “a marca seja intrinsecamente, descritiva, mas já não se evoca, v. g.,

qualidades através de enunciados performativos ou assertivos”.61 Abrimos, desta forma, a porta da

licitude às marcas sugestivas.62 Estas são as marcas que “se gravam rapidamente na mente dos

consumidores, pelo que dispensam intensas e dispendiosas campanhas publicitárias”,63 patenteando

a susceptibilidade de, sem descrever, sugerirem as qualidades ou funções dos produtos e serviços.64

Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. p. 55, CORTE-REAL CRUZ, “O conteúdo e a extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio, AA.VV. Direito Industrial, Vol. I, p. 103, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988.., cit. p. 127, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 648. 61 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 645. 62 Pela possibilidade de confusão entre as marcas descritas e sugestivas, impõe-se a sua destrinça; se as descritivas comunicam directamente sobre as características ou qualidades dos bens, as sugestivas apela à imaginação do destinatário, induzindo-o a decifrar as particularidades dos produtos ou serviços oferecidos. 63 FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 132, nota 64. [Tradução nossa] 64 De peculiar interesse é o estudo da possibilidade de as marcas se constituírem por indicações geográficas. (O que aqui se investiga é a possibilidade de um empresário individual apropriar-se de uma indicação geográfica registando-a como marca; a admissibilidade de os nomes geográficos comporem as denominações de origem e as indicações geográficas, mais do que serem permitidas, pressupõem estes sinais distintivos. Mas o que devemos entender por indicação geográfica? De modo exemplificativo, o nome de uma cidade, região ou país, uma montanha, um rio, um lago, uma rua um monumento histórico, etc. As indicações geográficas pode ser nominativas, gráficas ou mistas. As nominativas podem ser constituídos por nomes de uma cidade, região, província ou país; por sua vez, as gráficas são compostos por bandeiras, trajes típicos, edifícios paradigmáticos, entre outros; as mistas, como se depreende, pela junção dos elementos supra referenciados). As motivações para o recurso a este tipo de designação são de índole variada, sendo a sua pertinência diversa e de fácil apreensão. Uma primeira motivação para o recurso às indicações geográficas prende-se com a tentativa, pelo empresário, de se aproveitar da imagem que determinado local angariou na mente dos consumidores, pela categoria ou excelência dos produtos (ou serviços) oferecidos; numa outra perspectiva, o recurso a uma indicação geográfica torna a sua memorização pelos destinatários mais simples que uma marca absolutamente fantasiosa; acresce, e ainda numa diferente óptica, que o recurso a este tipo de marca pode traduzir o desejo do produtor de induzir os consumidores a associarem os seus produtos, com outros de reputada qualidade, produzidos naquela região. Se são múltiplas as justificações do empresário para a criação de uma marca nestes termos, facilmente se compreende que a resposta não possa ser unitária. Começamos por tomar posição em relação às indicações geográficas actuais, ou seja, nos casos em que um empresário pretende registrar como marca um nome de um local de reputada fama na produção de determinados bens, para identificar bens da mesma espécie, por ele colocados no mercado. A impotência do empresário em monopolizar estes signos, faz o pleno da doutrina e encontra sustentáculo no facto de, se determinada região ganhou fama na produção de determinados bens, se vários produtores colocam estes produtos no mercado, a atribuição a um deles do direito exclusivo de utilizar esse nome na identificação dos seus produtos traduzir-se-ia numa intolerável proibição para todos os restantes, porquanto se retirava aos concorrentes a liberdade de utilização de um precioso elemento identificador, comum a todos. No sentido da ilicitude, pronunciamo-nos, por maioria de razão, nos casos em que o empresário pretende apor o nome geográfico para identificar os seus bens, quando não produzidos naquela região, com o deliberado intuito de ludibriar o consumidor. Neste caso, não apenas o registo da marca deve ser recusado, como a sua conduta é subsumível ao tipo penal de concorrência desleal, consagrado na alínea f) do art. 260 (al. e) in fine (do art. 317.º do CPI 2003). Menos linear apresenta-se a possibilidade de recorrer a indicações geográficas potenciais, ou seja, a possibilidade de um empresário adoptar como marca a designação do local onde os seus bens são produzidos, no caso de este local não possuir reconhecida reputação como local de eleição para a mesma. Com efeito, refira-se que a indicação geográfica não deve ser entendida como o nome de um local, i e, “do facto que existe algures um local da terra com o nome similar ao pedido da marca, não torna esta palavra uma indicação geográfica” (STEPHEN LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, p. 982. [Tradução nossa]) Sustenta FERNÁNDEZ-NÓVOA que só será inadmissível registar uma indicação geográfica como marca “quando se acredite existirem indícios sérios que, num futuro próximo, serão cultivados, elaborados ou distribuídos na região ou localidade cujo nome se solicita o registo como marca, produtos ou serviços similares aos do requerente”. (FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 138. [Tradução nossa] Uma posição análoga é sustentada por TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, pp. 314 e ss.) Em sentido diverso COUTO GONÇALVES sustenta que a denominação geográfica não pode ser apropriada como marca, mas tão-somente como indicação geográfica e, consequentemente,

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 29

mantendo-se na livre disponibilidade de todos os concorrentes que actuem naquele âmbito espacial. (Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p. 80.) Com devido respeito, sustentamos uma posição intermédia e alternativa; já referimos que determinados produtos, devem a sua excelência e reputação a circunstancialismos concretos, derivados da região em que os mesmos são produzidos, de molde a que, se mostram insusceptíveis de manterem os mesmos parâmetros de qualidade quando oriundos de local distintos; no que a estes concerne, parece-nos intolerável a apropriação por um empresário do seu nome geográfico. Se por outro lado, inexiste afinidade entre a qualidade, reputação ou características do produto e a sua origem, nada justifica que se impeça o empresário de adoptar o nome do local onde exerce a sua actividade como marca. (Assim, COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 335/336 e STEPHEN LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, p. 1013. Também ao nível da jurisprudência nacional encontramos reflexos desta posição, cfm Ac. STJ de 20/02/1970 (BMJ 194.º, pp. 263 e ss., Ac. STJ de 30/01/85, www.dgsi.pt/, Ac. STJ de 20/02/70, www.dgsi.pt/). O que se defende exige, no entanto, uma derrogação. Raciocinemos sobre um nome geográfico de reconhecida reputação para determinado produto (por exemplo, o nome Serpa, para os queijos); se um empresário que pretende disponibilizar no mercado enchidos ou presuntos (tendo como boa a premissa que o facto de serem produzidos nesta região não altera a qualidade do produto) pretender registar o nome “Serpa” como marca para identificar estes produtos, a sua pretensão não deve vingar, não pelo fundamento de que se trata de uma intolerável apropriação privatística de um nome que deve permanecer desimpedido para todos os comerciantes, mas antes com base em que o registo desta marca seria susceptível de induzir o público em erro sobre a qualidade do produto. Com efeito, o consumidor médio, ao encontrar no mercado enchidos ou presuntos com esta marca, por sugestão, é exortado a estabelecer uma conexão com os queijos de Serpa, na convicção errónea que as características subjacentes à reputação deste queijo, estão presentes nestes produtos, incrementando a sua qualidade. Mas, explorando o nosso exemplo, vamos supor que o empresário pretende colocar no mercado material de escritório, utilizando a marca “Serpa”. Pergunta-se. Poderá um consumidor médio supor que a qualidade ou características destes produtos são resultante do facto de serem produzidos em Serpa? Parece evidente que não! Neste ultimo caso, o nome geográfico Serpa será usado de uma forma absolutamente fantasiosa, e a sua admissibilidade é admitida, tanto na jurisprudência como na doutrina. (Assim, Acórdão do STJ de 20/02/1970 (BMJ 194, p. 263.) sustenta que “as falsas indicações de proveniência só são relevantes à recusa do registo da marca quando haja um elemento valorativo de conexão do produto com a localidade ou região, e não uma mera referência à localidade ou região que, neste caso, é irrelevante, por não haver falsa indicação de proveniência”. No mesmo sentido vide o elenco de posições jurisprudenciais recolhidas por COUTO GONÇALVES (Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, pp. 76/77, nota 181; também neste sentido REMÉDIO MARQUES, (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 616) sustenta uma posição restritiva para a possibilidade de recusa ou de anulação de uma marca, exigindo os seguintes requisitos cumulativos: a) a existência na marca de uma indicação de proveniência; b) essa indicação ser falsa; c) a melhor aceitação pelos consumidores dos produtos ou serviços, em virtude da falsa indicação de origem. Por maioria de razão são admissíveis as marcas compostas por nomes geográficos desconhecidos da maioria dos consumidores ou nos casos em que o nome geográfico tem um segundo significado, sendo este o mais conhecido do público (neste sentido LADAS oferece o exemplo de Magnólia, bem mais conhecido enquanto nome de uma árvore do que uma pequena povoação em Massachusetts (Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, p. 1010). Para mais desenvolvimento, na doutrina lusa, vide, por todos, ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 342. No direito comparado vide FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, pp. 136 e ss. Também merece tratamento personalizado a susceptibilidade de as cores terem capacidade distintiva e, subsequentemente, se constituírem como marcas. Sustenta-se que uma cor quando usada isoladamente carece de capacidade distintiva. (Este não é um princípio exclusivo da lei portuguesa; assim para uma noção de direito comparado vide, entre outros, ADRIANO VANZETTI E CESARE GALLI, La nuova Legge Marchi, 2ª Edizione, Giuffrè Editore, pp. 73 e ss., ALBERT CHAVANNE/JEAN JACQUES BURST, Le Droit Français des Signes Distinctifs, p. 53, CERINA, I marchi di solo colore negli Stati Uniti, Il Diritto Industriale, 1995, p. 1117 e ss., NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 36 (que se refere ao conhecido caso da Ferrari) e STEPHEN LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, pp. 1021 e ss.) Subjacente a este entendimento, reside a preocupação de impedir que um empresário, através do registo de uma marca de cor, se aproprie desta em monopólio, impedindo por este meio os seus concorrentes da sua utilização. Com efeito, seria inadmissível o legislador atribuísse a um empresário o direito de utilização exclusiva de uma cor, vedando a todos os seus concorrentes o recurso a esta; a título exemplificativo, se um ou vários empresários da mesma área merceológica registassem as sete cores do arco-íris, conseguiriam abolir o uso da cor para todos os restantes empresários concorrentes, o que seria um perfeito paradoxo. Noutra perspectiva, também é recorrente a percepção de que uma cor, só por si, é insuficiente para distinguir os produtos e serviços oferecidos por um empresário, dos disponibilizados pelos seus concorrentes. Diferentemente é o caso de as cores aparecerem combinadas, ou seja, a coexistência de cores combinadas, de molde a apresentarem uma determinada individualidade, caso em que é pacífica a sua susceptibilidade de serem registadas como marca, conforme o estatuído na alínea d) do art. 166º do CPI. (al. d) art. 223.º do CPI 2003).

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30 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

2.1.2.2. No pólo oposto à exigência da capacidade distintiva da marca encontramos a vulgarização

da marca,65 i e, a conversão da marca na denominação genérica de um produto ou serviço,66 tendo,

por este meio perdido a capacidade distintiva.67

Aspecto inerente às marcas de cores é a especial aferição da confundibilidade, que dadas as especificidades destas, merecem um tratamento peculiar; assim, devemos impedir o registo, dentro da mesma área merceológica, não apenas as cores iguais, mas também as nuances próximas, porque também estas podem gerar no seu confronto confusão no espírito do consumidor. Um problema que merece tratamento autónomo relaciona-se com a possibilidade de um concorrente menos escrupuloso, porque impedido de registar uma cor afim como marca, utilizar esta no seu produto, na sua embalagem, na sua publicidade ou, por qualquer outro meio, tendente a aproveitar-se da visibilidade da marca de cor registada por outro. Que fazer nestes casos? Pensamos que aqui urge recorrer aos ilícitos criminais estatuídos mos art. 260º e ss. do CPI (art. 320.º e ss. do CPI 2003) ou, se porventura pretende registar um modelo ou desenho industrial, pensamos que se deve recorrer à proibição do registo que seja susceptível de constituir um acto de concorrência desleal, estatuído no art. 25º do CPI (art. 24.º do CPI 2003), cuja dissecação fica para momento posterior. (Sobre o tema, na literatura lusa vide JUSTINO CRUZ, A Marca e a Cor, anotação ao § 2º do artigo 79º do Código da Propriedade Industrial, RPI, n.º 4 e 5; sobre a possibilidade de a marca ser composta por uma única cor vide CAPELL e BATLLE, Hacia la Protección del color único como marca. Una propuesta de lege ferenda desde la experiencia jurídica comparada, RDM, Num. 230, Madrid, 1998, pp. 1563 e ss. Sobre a importância das cores no mundo empresarial vide RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, pp. 1673 e ss.). Uma questiúncula parcialmente resolvida com o código de 95 foi a admissibilidade de marcas de forma. Ab initio sublinhe-se que esta não é uma permissão absoluta, uma vez que nem todas as formas são passíveis de constituírem marcas. Como se estatui no art. 166º não satisfazem as condições do artigo anterior: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto. Passando à análise das proibições estatuídas na lei, iniciamos com a impossibilidade da forma imposta pela natureza do produto, ou pela embalagem ser registada como marca, uma vez que neste caso a forma não é susceptível de identificar um produto em concreto, mas é comum a todos os produtos do mesmo género, pelo que se aplica mutatis mutandis o que se afirmou sobre a proibição dos sinais genéricos. Impede-se também que se registe a forma necessária para a obtenção de um resultado técnico, i e, “sejam formas funcionalmente condicionantes da obtenção de um resultado técnico” Como bem afirma REMÉDIO MARQUES o que se proíbe é “a forma usual ou habitual que na prática comercial […] assumem todos os produtos atinentes ao mesmo género ou subgénero” (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 644). A ratio essendi desta proibição, relaciona-se como o carácter tendencialmente perpétuo da marca; legitimar um registo de uma marca com estas características desvirtualizava o instituto, porquanto, alcançava-se uma protecção temporalmente quase ilimitada; a direito de uso exclusivo atribuído às invenções e aos modelos de utilidade, tem uma motivação específica, relacionada com o efeito socialmente útil da sua revelação, sendo aquele o corolário desta. Finalmente é ainda de excluir a forma que confira um valor substancial ao produto. Com esta proibição procura afastar-se o registo de formas, como marcas, quando umbilicalmente relacionadas com o produto, de molde a que, o produto não subsista sem esta forma. Se pensarmos em exemplos como as artes decorativas ou a joalharia, a forma do produto desempenha um papel crucial sobre o produto, nomeadamente sobre o se valor. Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide ADRIANO VANZETTI e DI CATALDO, Manuale di Diritto Industriale, 3ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 2000, pp. 132 e ss., FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 123 e ss. e NOGUEIRA SERENS, Marcas de Forma, CJ, Ano 1991, pp. 58 e ss. A admissibilidade da forma como marca limita-se à circunstância de aquela, não estar relacionada intrinsecamente com o produto, mas apenas aumentar a capacidade atractiva do produto, pelo que “só a forma arbitrária, caprichosa, gratuita performativa, conceitualmente distinta do produto, é que pode registrar-se como marca…” 65 Sobre o tema vide ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, pp. 323 e ss., FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 180 e ss., FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 441 e ss., NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, pp. 45 e ss., NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, passim, PINTO COELHO, O problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 93º, n.º 3181 a 3189, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 646 e ss. e VANZETTI, Volgarizzazione del marchio e uso di marchio altrui in funzione descrittiva, RDC, Padova, a.60 pp. 20 e ss. 66 A expressão denominação genérica é criticada por COUTO GONÇALVES que prefere a designação de “denominação usual. (Conversão da Marca na denominação usual do produto ou serviço, ADI, 1991-92, p. 197) Não obstante concordarmos, usamos a expressão mais recorrente na nossa doutrina e jurisprudência.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 31

O que nos preocupa, neste contexto, relaciona-se com a possibilidade de uma marca, originalmente

apta para distinguir produtos e serviços, perder esta susceptibilidade, tornando-se a denominação

comum dos produtos ou serviços que visava distinguir, i e, nome comummente usado para

identificar o género do produto e, como tal, tornar-se inábil para identificar os bens do empresário

que criou o sinal distintivo (ou o utiliza), para se tornar um referencial do próprio bem.

Verificando-se a vulgarização da marca, importa estatuir a sua caducidade, conforme dispõe a al. a)

do n.º 2 do art. 216 ( al. a) do n.º 2 do art. 269.º do CPI 2003), reforçando-se, desta forma, a

necessidade da marca ter capacidade distintiva, não apenas ab initio, mas durante todo o processo

da sua utilização.

Mas quais as circunstâncias subjacentes à perda da capacidade distintiva; desde logo, exige-se a

verificação de um requisito objectivo, ou seja, a marca perder a sua capacidade distintiva, não

apenas no núcleo dos consumidores usuais daqueles produtos ou serviços, bem como no restante

conjunto da actividade comercial. Indubitavelmente estamos perante a situação paradoxal de o

prestígio e cognoscibilidade de uma marca – muitas das vezes sustentado por elevadíssimos

investimentos financeiros – determinar a caducidade do direito. Pelo exposto, importa compreender

quais os argumentos que justificam a opção legislativa.

Fundamentalmente sobressaem dois argumentos que justifiquem que se inquine a validade de uma

marca nestas circunstâncias; por um lado, sustenta-se que existe o perigo de induzir o consumidor

em erro, no sentido em que este elege um produto através da sua marca na convicção errónea de

tratar-se da designação genérica do produto; depois, alude-se ao prejuízo decorrente da

vulgarização da marca, para os empresários concorrentes que ficam impedidos de identificar os

produtos ou serviços que oferecem pela designação social destes.

A vulgarização de uma marca pode ter causas endógenas ou exógenas ao titular da marca:

entendemos ser uma causa endógena o empresário titular da marca não cuidar de impedir a sua

vulgarização,68 nomeadamente combatendo a conversão da marca em denominação genérica dos

produtos, publicitando o facto de tratar-se de uma marca registada;69 ainda imputável ao

67 Exemplos de marcas que perderam a sua capacidade distintiva; “aspirin”, “nylon”, “cornflakes”, “yo-yo” e “kerosene”, “cellophane”. Para desenvolvimentos sobre estes processos vide STEPHEN LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, pp. 1161 e ss. 68 Neste ponto não podemos aceitar a tese de PINTO COELHO que defende que “só o abandono, expresso ou tácito, da marca pelo seu titular pode conduzir à conversão desta em designação genérica” (PINTO COELHO, O problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 93º, n.º 3186, p. 324). 69 Neste sentido, alude POUILLET ao circunstancialismo que o proprietário da marca, por desinteresse ou abstenção, consente que a marca caia no domínio público. (A. citado por PINTO COELHO, O problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 93º, n.º 3181, p. 248. Paradigmático foi o exemplo da XEROX que, quando confrontada com o perigo da vulgarização da sua marca, tratou de, incisivamente, informar o publico sobre o facto de tratar-se de uma marca registada. Para alcançar este desiderato publicou em inúmeras revistas o texto que, pelo seu interesse, se reproduz: “Our lawyer can present their entire case in 25 words or less. Xerox is a registered trademark. It identifies our products. It shouldn’t be used for anything anybody else makes. Our lawyers figure 25 words or less to the wise should be sufficient” (apud. THOMAS McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973, § 12:09).

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32 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

empresário, entendemos, ser a circunstância de este registar como marca o nome de um produto

novo, fenómeno que inequivocamente estimula a sua vulgarização70 (paradoxal neste sentido é o

exemplo da marca/denominação “cellofhane”).

No que concerne à actividade do titular da marca para impedir a sua vulgarização, consideramos,

na esteia de PINTO COELHO,71 que o proprietário é impotente para impedir que o público utilize a

marca como designação genérica do produto; é uma inevitabilidade decorrente da notoriedade da

marca, não devendo ser condição suficiente para fazer extinguir o direito sobre a marca.

Sustentamos esta posição pela inexistência de mecanismos eficazes de impedir que os

consumidores usem a marca como vocábulo para identificar o produto (ou serviço). Sublinhe-se do

que fica escrito não deve inferir-se que o titular da marca não deverá obstruir à utilização da marca

como denominador comum de produtos ou serviços: o que se defende é que a defesa da capacidade

distintiva da marca não se deve dirigir para o público; sendo certo que incumbe ao titular publicitar

que o vocábulo é uma marca registada, este acto é insuficiente para impedir o consumidor de

continuar a usa-lo como designação do produto.

Assumimos posição diferente no que concerne a publicações científicas ou técnicas.72 Neste caso, o

titular deve impedir a sua reprodução ou, verificando-se esta, exigir a menção de que se trata de

uma marca registada, de forma a informar os leitores sobre a natureza da locução.73

Mas, como ficou dito, a perda da capacidade distintiva também pode resultar de actos exteriores à

vontade do titular da marca, como são exemplos, o comportamento dos concorrentes ao

ilicitamente usarem a marca, ou por iniciativa dos intermediários entre o produtor e o consumidor,

e ainda, através da actuação dos consumidores ao reiteradamente designarem o produto pela sua

marca, e não pela sua denominação.

Por tudo e confirmando a veracidade da dicotomia exposta, para a vulgarização da marca no direito

português, exige-se, não apenas a actuação, activa ou passiva, do titular do direito. (al. a) do n.º 2

do art. 216 in fine) (al. a) do n.º 2 do art. 269.º, in fine, do CPI 2003), bem como a verificação

objectiva de que a marca perdeu o seu significado distintivo no mercado.74

70 Assim, BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuxième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 107 e ss. 71 PINTO COELHO, O problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 93º, n.º 3182, pp. 262/263. 72 Contra, PINTO COELHO, O problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 93º, n.º 3187, pp. 341 e ss. Entende o A. que “não pode o facto de num dicionário ou publicação congénere se incluir um nome que constitui uma marca […] ter a virtude de comprometer de súbito o valor jurídico do vocábulo e extinguir o direito de quem o adoptou para identificar o seu produto” (Ibidem, pp. 357 e Ainda o problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 95º, n.º 3236, pp. 353 e ss.). 73 Como bem ironiza ISSAC, os empresários que, num primeiro momento desejavam que as suas marcas surgissem em dicionários e enciclopédias, actualmente preocupam-se em obstaculizar esta utilização (Traffic in Trade-Symbols, Harvard Law Review, Volume XLIV, Ano 1931, p. 1211). 74 A posição que se assume procura fazer a síntese entre uma visão subjectiva, que sustentava que a vulgarização apenas se verificava quando existisse uma renúncia tácita mas inequívoca do titular da marca ao seu direito (defendida por PINTO COELHO, O problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 93º, n.º 3181 a 3189) e uma visão objectiva, para a qual é irrelevante a actuação do titular da marca. Posição análoga é também sustentada no Direito

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 33

2.2 PRINCÍPIO DA VERDADE

Um segundo princípio informador da constituição das marcas é o princípio da verdade.

2.2.1. Com alusão a este princípio, proíbem-se as marcas deceptivas ou enganosas,75 ou seja,

aquelas que encerram a potencialidade de induzir os consumidores em erro sobre as características

nucleares dos produtos ou serviços. Sendo pleonástico, frisa-se que a premissa em análise não

exige que as marcas sejam verdadeiras, no sentido de revelarem aos consumidores a idiossincrasia

dos produtos ou serviços que assinalam: o que neste contexto se denuncia é a insusceptibilidade de

estas conterem inverdades passíveis de iludirem o público, no que concerne aos atributos dos

produtos ou serviços.

Existe uma enorme tipologia de situações susceptíveis de induzir o público em erro, nomeadamente

quando se induza o consumidor em erro sobre a proveniência ou características do produto (ou

serviço); o logro pode consistir em fazer presumir a origem institucional do bem distinguido ou

aludir a uma falsa proveniência do produto, bem como sofismas relacionados com as características

aos produtos ou serviços.

Um ponto que, não obstante merecer um tratamento mais destacado neste estudo, mas que desde já

se sublinha, relaciona-se com o facto de a exigência da verdade da marca não se limitar ab initio,

mas acompanhar o percurso da marca, sendo um requisito omnipresente nas suas vicissitudes,

exigindo-se do titular da marca um comportamento conforme às premissas apresentadas.

Como ficou escrito, o princípio em análise prossegue a finalidade de obstaculizar ao registo das

marcas enganosas, que são definidas na lei como os sinais que sejam susceptíveis de induzir em

erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica

Italiano por VANZETTI, Volgarizzazione del marchio e uso di marchio altrui in funzione descrittiva, RDC, Padova, a.60, pp. 127 e ss. 75 Neste sentido CASANOVA, Impresa e azieda, UTET, Torino, 1974, p. 484. Não falta quem sustente que a recusa do registo bem como a anulação de marcas enganosas ou deceptivas visa proteger os interesses dos consumidores e não, pelo menos directamente, foi concebida em homenagem aos interesses dos empresários. (ADRIANO VANZETTI E CESARE GALLI, La nuova Legge Marchi, 2ª Edizione, Giuffrè Editore, pp. 132 e ss., REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 615 e VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 23) Com a devida vénia à posição defendida pelos citados AA., não a podemos acatar: sustentamos que a existir uma protecção aos interesses dos consumidores, esta é mediata, uma vez que o se directamente se tutela são os interesses dos restantes empresários, cujas legítimas expectativas poderiam ser atacadas pela utilização de uma marca enganosa. Assim, esta norma não vise proteger os consumidores finais, antes é uma norma que protege a concorrência leal entre os comerciantes, impedindo que uns por utilizarem uma marca enganosa, retirem vantagens ilegítimas no jogo da concorrência, em detrimento de outros. (No mesmo sentido que nós, COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pp. 107/108, FERRER COREIA, Lições de Direito Comercial, cit. p. 189, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 3 e pp. 92 e ss., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, cit. p. 150, PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial, cit. p. 366 e SENA, Veridicità e decettività del marchio, RDI, 1993, parte I, pp. 331 e ss. Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide MARTEAU-ROUJOU de BOUBEE, Les Marques Deceptives, Droit français, Droit communautaire, Droit comparé, Edicions LITEC, 1992, passim.

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34 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

do produto ou serviço a que a marca se destina. O que nos ocupa, não é análise do signo em si

mesmo mas, antes, a sua dialéctica com os produtos ou serviços que identifica. Com efeito, a marca

em si mesma nunca é enganosa: o logro pode suceder aquando da sua utilização em concreto, nos

casos em que indicia características das quais seja desprovida. E, nem se exige, que a marca seja

descritiva, no sentido de a ligação entre o signo e as características do produto ou serviço se faça

directamente; também nos casos em que “solicita como marca uma indicação enganosamente

sugestiva sobre a natureza, a qualidade, a origem geográfica, etc., sobre os produtos ou serviços”,76

o registo deve ser recusado.

Do exposto, urge estabelecer uma conexão entre o signo utilizado como marca e os produtos ou

serviços para os quais se deseja a sua utilização para, casuisticamente, se concluir da veracidade

dos elementos que compõem a marca ou pela sua apetência para iludir o público. O que parece uma

evidência, desmorona-se numa constatação de facto de cariz funcional; inexiste por parte da

entidade com competência para a atribuição dos registos das marcas apetência para realizar esta

tarefa, sendo os pedidos avaliados em abstracto e, não, em concreto.

Dissemos antes que se proíbe o registo de marcas susceptíveis de induzirem o público em erro. Mas

que público, pergunta-se! Sustenta-se, numa posição com que nos identificamos, que o critério de

aferição será o “consumidor tipo” daqueles produtos em concreto pois, será em relação a estes, que

o logro deverá ser impedido.77

Há quem defenda que uma marca de per si susceptível de induzir o público em erro, poderá não o

ser se, por um qualquer acto do seu titular, se esclareça os potenciais destinatários, nomeadamente

através da publicidade.78 Sem afastar peremptoriamente esta possibilidade, erguemos as nossas

dúvidas: o que se deve considerar um esclarecimento adequado? Através de que meios? Durante

quanto tempo? Quem fiscaliza? Sem tomar posição definitiva, sempre se diz que, sem a adequada

resposta aos quesitos formulados, a nossa convicção é a da inadmissibilidade destas marcas; mas

porque esta é um a problemática que retomaremos no decorrer deste trabalho, resguardamos para

um momento posterior a assunção de uma resposta.

76 FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 161. [Tradução nossa] O A. oferece como exemplo o registo de uma palavra em língua estrangeira por uma empresa nacional; não o podemos sufragar! Só por si, a eleição de um vocábulo estrangeiro como marca não se pode qualificar como marca enganosa. Sobre o tema vide a nossa posição sobre as indicações geográficas e sobre a proibição de registo de uma palavra em língua estrangeira. 77 No mesmo sentido COUTO GONÇALVES; Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p.113 e FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 162. 78 REMÉDIO MARQUES avança o exemplo da marca Algodon para papel higiénico, que poderá ser lícita, ainda que o papel higiénico não seja composto por algodão, se da publicidade posteriormente realizada se esclarecer os consumidores deste facto. (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 617).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 35

2.2.2. Uma outra proibição que usualmente se subsume ao princípio da verdade é a obrigatoriedade

de a marca ser redigida em língua portuguesa.79 Por esta obrigatoriedade – incompreensível, na

nossa óptica – não constar do novo CPI, desvalorizamos a sua problematização.

79Estatui o art. 183 que “os dizeres das marcas devem ser redigidos em língua portuguesa”, “considera-se como redigido em língua portuguesa qualquer vocabulário que ofereça o aspecto geral de palavra portuguesa”. O princípio tendencial da obrigatoriedade das marcas serem redigidas em português admite, no entanto, a excepção de “as marcas destinadas a ser usadas simultaneamente em Portugal e no estrangeiro, que poderão ser redigidas em qualquer língua”. (esta não é a única excepção; as marcas são admissíveis em línguas estrangeiras se se tratarem de pessoas não domiciliadas nem estabelecidas em território nacional, as marcas de registo internacional. Por não suscitar problemas particulares, não nos vamos deter na sua análise.) O primeiro passo do intérprete da norma deverá ser apreender o seu conteúdo, através da análise da ratio legis. Numa leitura apressada do preceito, poderíamos ser tentados a crer estarmos perante um protecção à língua portuguesa, a acreditar ter o legislador do Código de Propriedade Industrial se assumido como um guardião da língua materna. (a mesma ressalva é feita por ANTÓNIO FERRER CORREIA e MANUEL NOGUEIRA SERENS (A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, pp. 92/93). Escrevem que “fica-nos a impressão de que o seu objectivo é tão simples como óbvio: a defesa da língua de Camões. Ao prescrever a obrigatoriedade do uso da língua português […] não teria visado senão a salvaguarda do nosso património cultural, do qual a língua é expoente máximo.) Neste sentido escreve ANTÓNIO PEREIRA de ALMEIDA que se trata “de uma exigência que vai de encontro à necessidade de protecção e expansão da língua lusa, impedindo-se a proliferação de termos estrangeiros nos casos em que isso não corresponda a nenhum interesse verdadeiramente digno de protecção”( Direito Comercial, AAFDL, 1976/77, pp. 519/520). Não convence este entendimento. Tomando-o como bom, o legislador, para ser coerente, teria de impor a necessidade de redigir rigorosamente de acordo com os preceitos ortográficos em vigor, não se satisfazendo com a mera aparência de estarmos perante a língua portuguesa. A mais conceituada doutrina tem proclamado dever o preceito ser interpretado de forma a informar o consumidor quanto à proveniência portuguesa dos produtos ou serviços (Assim, COUTO GONÇALVES; Direito das Marcas, Livraria Almedina, 2000, p. 110). Tomando esta posição como boa, o efeito útil deste artigo seria recorrente face ao já preceituado na alínea l) do n.º 1 do art. 189 (al. l do art. 239.º do CPI 2003), que recusa o registo da marca quando esta seja susceptível de induzir em erro o consumidor, entre outras, sob a proveniência geográfica dos produtos ou serviços. Mais. Sendo esta a justificação seria inaceitável, por incoerente, admitir o registo de marca nacional em língua estrangeira, nos casos em que se destinasse à exportação, porque se mantinha o engano sobre a proveniência dos produtos ou serviços. Atacadas que foram as posições dominantes, impõe-se a procura de um efeito útil para esta proibição; sustentamos que, para salvar a necessidade deste preceito, exige-se que se entenda o mesmo como a imposição ao empresário que exerce a sua actividade em Portugal, de adoptar como marca um signo que indirectamente afirme a proveniência nacional do bem, evocando resquícios de um protectorado à produção nacional. (Em sentido similar ANTÓNIO FERRER CORREIA e MANUEL NOGUEIRA SERENS, A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 95, sustentam que “são normas de protecção da indústria portuguesa, mostrando-se perfeitamente consentâneas com a ambiência politico-cultural e sócio-económica do tempo da sua promulgação.) Não faz sentido a inteligência da norma, devendo considerar-se perniciosa à internacionalização da economia nacional. Não se pode aceitar, que na defesa da imposição legal, se acene com a excepção de permitir a adopção de uma marca redigida em língua estrangeira no circunstancialismo de o empresário pretender usar a marca também no estrangeiro, porquanto esta apenas responde às necessidades do empresário que, no momento do pedido de registo, já conjecturava a possibilidade de exportação, deixando desprevenidos os restantes. Antes de se concluir este raciocínio impõem-se as respostas honestas aos seguintes quesitos: a adopção de uma marca em língua estrangeira poderá traduzir-se numa mais valia para o empresário nacional? A adopção de uma marca com estas características pode facilitar a penetração dos produtos nacionais no mercado externo? Obviamente que sim! Com especial incidência em alguns tipos de consumo, é irrefutável a apetência dos consumidores nacionais para produtos vindos do exterior; face a isto, compete ao legislador, ou novo dar “armas” aos empresários nacionais para competir no mercado (e competir no mercado é cada vez mais competir com empresários estrangeiros) permitindo-lhes constituir as suas marcas da forma que mais lhe aprouverem ou, paternalmente, actuar sobre os consumidores, educando-os para a necessidade do acto aquisitivo ser racional? Não convence a sustentação de que admitir as marcas assim compostas induziria em erro o público. (Entre outros, argumentam assim, FERRER CORREIA e NOGUEIRA SERENS, A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 95, ao afirmarem o legislador preventivamente quis impedir que um empresário português consiga em relação aos seus competidores uma vantagem desleal ao criar a aparência de que os seus produtos são importados). Quem tal sustenta, em nome da coerência, devia pugnar pela proibição da adopção por um empresário de uma marca em língua estrangeira também nos casos em que se destine simultaneamente ao mercado interno e externo, porquanto, também a utiliza no mercado nacional.

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2.3 PRINCÍPIO DA LICITUDE

Um terceiro princípio informador da constituição das marcas é o princípio da licitude, que

prescreve a necessidade de as marcas se conformarem com os preceitos legais. Pretende afiançar-se

que as marcas registadas respeitam um conjunto de imperativos de índole ética, ordem pública,

motivações de cariz económico e social, os bons costumes, outros direitos de propriedade

intelectual, os direitos de personalidade, bem como outros signos de relevante interesse.80

Mais. Esta proibição deve ou não ser considerada um estorvo à internacionalização da nossa economia? Sendo inegável que esta é facilitada pela adopção de uma marca em língua estrangeira, não colhe o argumento de que o empresário o pode fazer, alegando que pretende estender a sua actividade “extra-muros”. A excepção legislativa poderá considerar-se satisfatória para as grandes empresas constituídas ab initio com uma mentalidade exportacionista, mas é castradora para as pequenas e médias empresas que, paulatinamente, vão incremento os seus mercados. (Discute-se, inclusive, a constitucionalidade da proibição, por violação do princípio da liberdade. Discordamos.) Conclui-se, questionando o que deve considerar-se, numa economia aberta, uma marca destinada a ser usada no estrangeiro? Num mercado global, em qualquer bem pode ser adquirido através da Internet, ainda se justifica estabelecer aquela destrinça? A acuidade destas, e de outras críticas, sensibilizou o legislador nacional, que, no novo Código da Propriedade Industrial, esquece esta limitação ignóbil. Teme-se que alguma doutrina mais tradicionalista venha, na vigência deste código, pugnar que, de acordo com a proibição das marcas enganosas, se mantém a vigência deste princípio. Quer a interpretação histórica, quer a análise do preâmbulo da lei (…o abandono da exigência de redacção dos dizeres das marcas e dos nomes de estabelecimento em língua lusa) tornam indiscutível a intenção legislativa de permitir a constituição da marca em qualquer língua. 80 Ainda no que concerne a este princípio, inquina-se a validade da marca composta por brasões ou insígnias heráldicas, medalhas, condecorações, apelidos, título e distinções honoríficas. Esta proibição, contida na alínea c) do n.º 1 do art. 189 do CPI (al. c) do art. 239.º do CPI 2003), não é absoluta, uma vez que a insusceptibilidade de usar os referidos sinais apenas subsiste nos casos em que o requerente não tem o legítimo direito de usufrui-los. Pretendendo fazer o registo incumbe ao requerente a prova da legitimidade de utilizar estes sinais. Não obstante, a prova da legitimidade, subsistem motivações que podem inquinar a possibilidade de regista-los como marca; a lei ressalva, correctamente, as situações passíveis de causar desrespeito ou desprestígio de semelhante sinal. Merece especial menção o caso específico dos brasões ou insígnias heráldicas, nomeadamente a conciliação da sua protecção com os princípios informadores de um Estado Republicano. (Estado esse que por decreto de 15 de Outubro de 1910 extinguiu todos os títulos nobiliárquicos, distinções honoríficas ou títulos de nobreza. Sobre o tema vide RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pp. 250 e ss.) Exige-se aqui uma ponderação, devendo interpretar-se esta limitação cum granus salis. Numa primeira abordagem podemos ser induzidos a sustentar que toda a “comercialização” destes sinais pode contribuir para a sua vulgarização e menoscabo. Mas esta visão é, salvo melhor opinião, redutora. Se os símbolos a que nos referimos encarnam uma dimensão honorífica, os mesmos têm, as mais das vezes, uma outra a função: identificam aqueles que os utilizam, sendo com base neste pressuposto que se pugna pela licitude da sua aposição na composição de uma marca (sobre os títulos nobiliárquicos escreve MANUEL VILHENA CARVALHO que “apesar de a função primordial dos títulos nobiliárquicos ser de ordem honorífica, o certo é disporem eles de certa aptidão para designar e individualizar as pessoas que os detêm. É nessa medida que os tratamos entre os modos acessórios de designação e individualização das pessoas” (O nome das pessoas e o Direito, Livraria Almedina, 1989, p. 51). Sendo assim, impõe-se a pergunta: o que justifica a sua proibição, ou melhor, em que casos devemos sustentar que estes sinais estão a ser utilizados de forma indecorosa; a resposta a este quesito só pode ser casuística. Subjacente a estas distinções encontramos, não apenas os interesses privatísticos dos distinguidos ou candidatos a tal, mas também motivações de interesse público; quando estes últimos interesses puderem ser melindrados, existe causa bastante para a recusa da marca. Com uma justificação análoga à supra referida, proíbem-se as marcas compostas pelo emblema ou denominação da Cruz Vermelha ou de organismos a que o Governo tenha concedido direito exclusivo ao seu uso e Medalhas de fantasia ou desenhos susceptíveis de confusão com as condecorações oficiais ou com as medalhas concedidas em concursos e exposições oficiais.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 37

2.3.1. - Desde logo proíbem-se as marcas compostas por expressões contrárias à moral ou

ofensivas da legislação nacional ou comunitária ou da ordem publica.81

2.3.2. - Mais complexa é a possibilidade de as marcas serem compostas por nomes individuais

ou retratos82.

Ab initio é de saudar a existência de uma norma explícita no sentido da admissibilidade de marcas

compostas por nomes, porquanto anestesia uma eventual problemática; com efeito, existe uma

aparente incompatibilidade entre as marcas de empresa e os nomes individuais: as primeiras bens

imateriais, negociáveis, utilizadas enquanto instrumento de concorrência e os segundos, direitos de

personalidade, inalienáveis e irrenunciáveis.83

Os condicionalismos à admissibilidade deste tipo de marcas apenas se verifica quando o registo não

for requerido pela pessoa cujo nome ou retrato se utiliza ou inexista autorização por parte deste,84

uma vez que, nada obsta, à limitação voluntária pelo titular destes direitos, quando esta não

contrarie os princípios de ordem pública.

Para apreender a problemática que se analisa, importa tecer mais algumas considerações

introdutórias, nomeadamente, o que deve entender-se por nomes individuais. Desde logo, numa 81 No caso em apreço sustenta-se a proibição do registo da marca que seja contrária à moral e ofensivas da ordem pública. Por moral, devemos considerar “o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento”, sendo a definição de ordem pública “o conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que deve prevalecer sobre as convenções privadas”. (Recorremos às definições de MOTA PINTO, Teoria Geral da Relação Jurídica, Livraria Almedina, Coimbra, p. 552). Em face de um requerimento de admissibilidade de uma marca, incumbe à entidade licenciadora aferir a conformidade daquela com os padrões e valores socialmente admissíveis; esta avaliação deve “absorver” a marca na sua totalidade, não se limitando às locuções, mas também ao grafismo e quaisquer outros aspectos pertinentes. Esclarecido o conteúdo da proibição, importa reflectir sobre a forma como se deve apreciar a conformidade ou não da marca com esta estatuição. Sustentamos que o parâmetro de apreciação, não pode ser o consumidor médio abstractamente considerado, mas o consumidor usual dos produtos ou serviços para os quais as marcas são requeridas, porquanto, parece-nos axiomático que a apreciação não pode basear-se nos mesmos parâmetros, independentemente dos bens em análise; por exemplo, uma marca considerada imoral para assinalar produtos de alimentação, pode ser perfeitamente válida se aposta em preservativos. (Em sentido conciliável pronuncia-se REMÉDIO MARQUES, embora enfoque a questão pela tónica dos destinatários, sustentando que o grau de tolerância oscila quando a maioria dos consumidores têm apetência para os produtos nos quais a marca é aposta (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 613). Poderá argumentar-se contra esta posição, a incerteza jurídica resultante de alguma arbitrariedade na definição de desconformidade com a moral; sem escamotear essa possibilidade, exige-se a confiança no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (bem como nos Tribunais que, em ultima instância, são competentes para dirimir os conflitos decorrentes da recusa da marca). Sublinhe-se que o parâmetro adoptado não abrange todas a marcas; algumas são de tal forma insidiosas que não são aceitáveis para quaisquer produtos. (Cfm, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 613, nota 613. O A. oferece depois o exemplo das marcas que violem directamente a dignidade das mulheres. Sustentamos que esta posição deve ser entendida cum granus salis, porquanto a exploração da figura feminina, nomeadamente na publicidade, têm hoje tanto de intolerável como de (infelizmente) socialmente aceite.). Sobre esta proibição vide COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, p. 336, COUTO GONÇALVES; Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p.110/111, FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, pp. 156 e ss. e SILVA CARVALHO, Marca Comunitária, Os motivos absolutos e relativos de recusa, Coimbra Editora, 1999, pp. 64 e ss. 82 Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide REMO FRANCESCHELLI, Rapporti tra nomi di persona e marchi, RDI, a. 1888, pp. 180 e ss. e Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 109 e ss. 83 Semelhantemente JUAN FLAQUER RIUTORT, Contribuición al estudio de la Marca Patronímica, ADI, 1994-95, p. 247. 84 Nos casos em que existe autorização vide, infra, a nossa posição sobre o personality merchandising.

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38 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

interpretação a contrario sensu podemos inferir que o legislador tomou posição peremptória ao

admitir a licitude de registar uma marca antroponímicas, o que seria absolutamente

incompreensível. Devemos adoptar uma ampla noção de nome individual, de molde a, não apenas,

compreender o nome na sua globalidade, como alargar a noção à alcunha e ao pseudónimo. Ambas

as proibições são decorrências da protecção dos direitos de personalidade,85 nomeadamente do

direito ao nome e ao pseudónimo, com consagração legal nos art. 72º e 74º do CC,

respectivamente, e do direito à imagem (art. 79º do CC).

Compreende-se que algumas vezes o empresário pretenda adoptar como marca o seu próprio nome,

normalmente abreviado, para identificar os seus produtos: o que fica escrito é especialmente

premente no sector do vestuário, no qual são inúmeros os exemplos de marcas compostas pelo

nome dos criadores. Mas este anseio natural, suscita algumas dificuldades específicas,

nomeadamente a conciliação entre os interesses de empresários com nomes homónimos. Nestes

deverá admitir-se apenas o registo do primeiro nome requerido como marca, impedindo-se

quaisquer registos subsequentes sempre que ofendam o direito de uso exclusivo,86 nos limites do

princípio da especialidade.

Mas pergunta-se; deverá existir sempre autorização para utilizar um nome alheio? Sustentamos que

não! Se se utiliza um nome próprio, ou apelido, de forma absolutamente fantasiosa, não se exige

qualquer permissão87. A necessidade de autorização apenas se exige no circunstancialismo de o

nome a utilizar ser de alguém notoriamente conhecido pelo público e que de forma imediata e

directa se estabeleça esta conexão. Mais. Exige-se que a autorização seja da pessoa cujo nome é

directa e imediatamente reconhecido, sendo irrelevante a existência de autorização de um

homónimo. Frisa-se este aspecto, porquanto gerou celeuma na ordem jurídica espanhola.88

Complexa é a averiguação da licitude de um registo como marca do nome civil quando seja

homónimo de um nome ou pseudónimo notoriamente conhecido. Explique-se. Supondo que o

requerente tem um homónimo que a generalidade dos consumidores associa a determinada pessoa,

o registo do seu nome como marca deverá ser admitido ou, também neste caso, se exige

autorização. Qualquer das escolhas não é imaculada: permitir este registo é permitir que com base

na arbitrariedade da homonímia o requerente beneficie da notoriedade alheia e para a qual não

85 Direitos de Personalidade “que concedem ao seu sujeito um domínio sobre uma parte da sua própria esfera de personalidade. Com este nome, eles caracterizam-se como direitos sobre a própria pessoa distinguindo-se com isso, através da referência à especialidade do seu objecto, de todos os outros direitos […] Os direitos de personalidade distinguem-se, como direitos privados especiais, do direito geral da personalidade, que consiste na pretensão geral, conferida pela ordem jurídica, de valer como pessoa”. OTTO von GIERKE, apud. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, Livraria Almedina, 1999, p. 157. 86 No mesmo sentido TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 320. e FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 114. 87 A marca Hugo (para perfumes), utilizada cumulativamente com a Marca Hugo Boss (vestuário). 88 Sobre o que fica escrito vide a reflexão de JUAN FLAQUER RIUTORT, Contribuición al estudio de la Marca Patronímica, ADI, 1994-95, pp. 256 e ss.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 39

contribuiu; negar este registo traduz-se na negação da identidade do requerente, que fica estuprado

no direito de utilizar o seu próprio nome.

Ponderadas as posições, defende-se que se justificada plenamente a exigência de que requeira a

autorização da pessoa que goze de notoriedade, porquanto solução inversa, iria lesionar

consideravelmente os interesses das pessoas célebres, como o interesse do público em evitar

confusões.

Finalmente merece a atenção do intérprete a possibilidade de revogação da autorização referida.

Será esta admissível? Entendemos que sim, porquanto a mesma decorre de um direito de

personalidade; mas, não obstante a admissibilidade da revogação, esta, quando injustificada, por

colidir com os legítimos interesses e expectativas da pessoa a quem a autorização havia sido

concedida, fará incorrer aquele que revoga no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos de

que for responsável, nos termos do abuso de direito ou da responsabilidade contratual.

E o que dizer do uso do apelido do cônjuge, adoptado pelo casamento? Prima facie não se suscitam

problemas específicos, em virtude de, não obstante o apelido ter sido adquirido pelo casamento, se

torna parte integrante do nome, não merecendo quaisquer especificidades. Estas apenas podem

surgir com o divórcio89 onde a conservação do uso depende do consentimento do outro. Existindo

uma marca registada e inexistindo autorização do ex-cônjuge, o que sucede à marca?

Uns afirmam que em tais casos pode ser-lhe vedado o uso daquela marca.90 Não os apoiamos.

Admitindo esta possibilidade como excepcional, reservada para os casos em que desta utilização

possa resultar menoscabo ou ofensa ao nome do ex-cônjuge, sustentamos que, em regra, deve

permanecer a possibilidade de manter a utilização da marca, ainda que contrariando a vontade

expressa do ex-cônjuge. Com efeito, se um qualquer empresário registou como sua marca, o

apelido do seu cônjuge, utilizando-a na sua actividade, não será justo que um seu direito já

adquirido seja atacado por acto arbitrário de outros,91 situação que configura um exemplo

inequívoco de abuso de direito.

A posição que fica escrita encontra base legal no facto de o tribunal poder substituir-se ao ex-

cônjuge na concessão da autorização; se esta circunstância não for uma das que justificam este

poder, não vislumbramos que outras seriam…

89 A problemática não se estende à dissolução do casamento por morte ou na separação judicial de pessoas e bens, porquanto em ambas as circunstâncias, a conservação dos apelidos opera por efeito legal (Artigo 1677º-A O cônjuge que tenha acrescentado ao seu nome apelidos do outro conserva-os em caso de viuvez e, se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois das segundas núpcias [e] Artigo 1977º -B Decretada a separação judicial de pessoas e bens, cada um dos cônjuges conserva os apelidos do outro que tenha adoptado; no caso de divórcio, pode conservá-los se o ex-cônjuge der o seu consentimento ou o tribunal o autorizar, tendo em atenção os motivos invocados…) 90 Assim REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 611. 91 A mesma opinião é sustentada por ANTUNES VARELA que defende que a existência de compreensível interesse económico é causa justificativa da conservação do nome; “o retorno ao nome de solteira (solteiro) … pode levantar junto do público, dos fornecedores ou da clientela dúvidas e incertezas capazes de prejudicarem o desenvolvimento da sua actividade comercial” (Alterações legislativas do direito ao nome, RLJ, n.º 3692, p. 323).

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40 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

2.3.3. - Ainda no que concerne ao princípio da verdade, refira-se a insusceptibilidade de registo da

marca composta por sinais que constituam infracção de direito de autor ou de propriedade

industrial. Ponto prévio à dissecação deste fundamento de recusa do registo da marca, é fazer uma

interpretação abrogante ao texto legal, nomeadamente, à parte que se refere à infracção aos direitos

de propriedade industrial. Em bom rigor, o que aqui nos ocupa é a infracção às criações novas,

porquanto, no que respeita aos sinais distintivos, existem outras normas legais a ocuparem-se,

especificamente, da sua violação.

Parece-nos particularmente relevante discutir a possibilidade de registrar como marca o nome de

um produto novo92 (nomeadamente o atribuído a uma invenção) ou seja, a admissibilidade de o

inventor adoptar como marca o nome que atribui à sua criação. Num primeiro momento – enquanto

o “inventor” estiver a usufruir do direito de uso exclusivo – não se vislumbram quaisquer

problemas; complexo é o momento em que se extingue os direitos conferidos ao inventor, quando

outros empresários pretenderem comercializar o resultado da invenção. As vantagens são notórias

para o empresário que inventa um novo produto, porquanto, ao pedir a concessão de uma patente e

cumulativamente requerer o registo de uma marca homónima, cessado o direito de exploração

exclusiva da invenção, o empresário mantém o monopólio de uso da denominação do produto, de

forma tendencialmente vitalícia, pelos direitos decorrentes do registo como marca.93

Procurando no Direito Interno institutos análogos aos das Invenções, deparamo-nos como o regime

jurídico das Variedades Vegetais, no qual, de forma expressa, se dispõe que “a denominação dada

a uma variedade protegida não pode ser usada como marca ou denominação comercial de

qualquer obtenção vegetal da mesma espécie ou de espécie afim”.94

O problema é colocado por NOGUEIRA SERENS numa perspectiva que não podemos saudar.

Sustenta o autor que por se tratar de “uma denominação comum é insusceptível de registo como

marca […] porque esse nome tem a natureza de uma denominação genérica. Consequentemente, se

esse empresário quiser marcar o produto novo, está obrigado a uma dupla escolha: (i) a de um

nome para o produto, que passa a ser denominação comum […] (ii) a escolhe de um outro nome ou

sinal, naturalmente susceptível de registo como marca”.95

92 Sobre o tema vide STEPHEN LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, pp. 1181 e ss. 93 No mesmo sentido COUTO GONÇALVES, Conversão da Marca na denominação usual do produto ou serviço, ADI, 1991-92, p. 198 e RAVÀ, Diritto Industriale, Vol. I, Azienda, Segni distinivi-concorrenza, Seconda Edizione, UTET, Torino, p. 311 e TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, pp. 314/315. Embora se refira aos modelos industriais, o problema também é colocado por FERNANDEZ-NÓVOA, ao afirmar que “se plantea precisamente la cuéstion de si al registrarse simultáneamente como marca y modelo una creatión de forma, va a otornerse un monopolio sobre la correspondiente creación de forma que puede llegar a ser temporalmente ilimitado” (Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 184). 94 Art. 12.º do Regulamento sobre a Protecção das Obtenções Vegetais, aprovado pela Portaria n.º 940/90 de 4 de Outubro. 95 NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 194/195.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 41

Se a conclusão nos parece inatacável, não podemos sufragar a argumentação. É nossa convicção

que, a proibição não reside no facto de o nome ser comum, mas antes na infracção aos direitos

decorrentes da patente que, seriam desvirtualizados, com a possibilidade de cumulação. E não se

entenda que a esta construção tem por base uma mera questão terminológica; a opção que se acatar

sobre as motivações para a recusa da existência de invenções e marcas homónimas não é inocente,

nem destituídas de consequências; assim, se defendermos que a inadmissibilidade se justifica pela

insusceptibilidade de um registo de uma denominação genérica, seremos forçados a, pela doutrina

do secondary meaning, aceitar que verificados os pressupostos desta, a cumulação seja lícita;

defendendo, como fazemos, que estamos perante uma infracção aos direitos de propriedade

industrial, a cumulação será sempre ilícita.

2.3.4. - Para concluir, sendo uma proibição sui generis, deve incluir-se no princípio da licitude a

proibição de adoptar uma marca cujo registo seja susceptível de constituir um acto concorrência

desleal;96 conforme o estatuído na alínea d) do art. 25 do CPI o “reconhecimento de que o

requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua

intenção” é fundamento de recusa do registo de uma marca. (art. 24.º do CPI 2003).

Para a verificação da factualidade estatuída na alínea em análise, exige-se a verificação disjuntiva

de um de dois requisitos:

a) O requerente pretender fazer concorrência desleal, nomeadamente quando o objecto do pedido é

susceptível de confusão com bens análogos usados por uma empresa concorrente, embora não

protegidas por um direito de propriedade industrial;

b) Existir a possibilidade de se verificar concorrência desleal, independentemente de se provar uma

intenção dolosa por parte do requerente.97

Na esteia de COUTO GONÇALVES também sustentamos ser esta uma “proibição sui generis na

medida em que a sua inobservância não corresponde, ao contrário das demais, uma causa de

invalidade do registo”,98 mas, tão somente, uma causa de recusa do registo, um meio preventivo,

não repressivo.

No que a esta proibição concerne, importa-nos enfatizar um caso concreto: a inadmissibilidade de

requerer o registo de uma marca de facto que seja de conhecimento comum. Exemplificando.

Imagine-se que determinada empresa utiliza publicamente uma marca, sem cuidar do seu registo

ou, que tendo-a registado, omitiu a necessidade de proceder à sua renovação; será licito que um

96 Para FERRER CORREIA estamos perante uma disposição legal que não tem como finalidade a protecção de um qualquer título de propriedade industrial, “mas o próprio estabelecimento comercial em si: protege-se o estabelecimento ou empresa contra actos de concorrências desleal (FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial,.. cit. pp. 306 e ss.; no mesmo sentido pronuncia-se REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, cit. pp. 633/634). 97 Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide PATRÍCIO PAUL, Concorrência Desleal, Coimbra Editora, 1965, pp. 77 e ss. 98 Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, pp. 164 e ss.

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42 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

terceiro, conhecendo esta vicissitude, proceda ao registo dessa marca para a mesma área

merceológica em que é utilizada pelo empresário absorto? Sustentamos que não! Sendo este um

caso emblemático da aplicação da presente proibição, porquanto é inegável a existência de

concorrência desleal. Apressadamente poderia o leitor inferir das nossas palavras que, não sendo

legítimo ao terceiro realizar o registo desta marca, nada obstaria a que, cumulativamente com o

primeiro empresário, a utilizasse como marca de facto! Não! Também esta possibilidade lhe está

legalmente vedada pelo disposto no instituto da concorrência desleal (art. 260.º/ 317 do CPI de

2003).99

2.4 PRINCÍPIO DA FACULTATIVIDADE

Um outro princípio, comummente referenciado, é o da facultatividade100, que sublinha a

desnecessidade de o empresário adoptar uma marca para assinalar os seus produtos ou serviços. A

decisão de registar, ou não, uma marca é uma sua prorrogativa, de cuja omissão não resulta

consequências sancionatórias.

Compreende-se esta visão, que decorre do percurso histórico da marca101 que na sua génese era um

meio de o empresário acreditar os seus melhores produtos, e só estes, perante a clientela.102

Deste princípio emerge uma consequência de crucial pertinência; o Direito das Marcas entende-as

como ónus disponibilizados aos empresários. A adopção da uma marca – e o seu registo! - é uma

decisão empresarial, nada obstando a que o empresário se envolva no jogo da concorrência se estar

munido de uma marca, legalmente protegida. O uso de uma marca registada visa proteger os

legítimos interesses dos empresários e não tutelar os interesses dos consumidores: se fosse esta a

intenção do Instituto das Marcas, estas seriam obrigatórias.

Assim, sufragamos as sábias palavras de LOBO D´ÀVILA ao sustentar que “tornar obrigatória a

marca o mesmo é que desvirtualizá-la em seu significado, que passará a ser nulo.”103

99 No mesmo sentido, para ambas as conclusões, PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, p. 401. 100 Este princípio admite algumas excepções de somenos importância, como serão os exemplos de obrigatoriedade de aposição da marca nas obras de ouro e prata, as cartas de jogar e os produtos farmacêuticos. 101 Sobre o tema vide ANA BENEDETTO, Marchio – Storia, Enciclopedia del diritto, XXV, Giuffrè Editore, Milano, 1975, pp. 577 e ss., DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, pp. 11 e ss., GUGLIELMETTI, Il Marchio: Oggetto e Contenuto, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1968, pp. 5 e ss., NOGUEIRA SERENS, – A proibição da Publicidade Enganosa: defesa dos consumidores ou protecção (de alguns) concorrentes, Comunicação e Defesa do Consumidor, Coimbra, 1996, OHEN MENDES, Direito Industrial – I, Livraria Almedina, Coimbra, 1983/84, pp. 21 e ss., PINTO COELHO, Direito Comercial, cit. pp. 335 e ss. e THOMAS McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973, § 5:1 e ss. 102 Neste sentido, FERRER CORREIA refere que apenas num regime de uso facultativo da marca esta é susceptível de realizar a sua função económica, servir como um meio de recomendação do produto à clientela (Lições de Direito Comercial, cit. p. 183). 103 Apud. PINTO COELHO; Direito Comercial..., cit., p. 362

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 43

2.5 PRINCIPIO DA NOVIDADE E ESPECIALIDADE

2.5.1. Por fim, elegemos o princípio da novidade e especialidade, cuja análise é determinante

para a absorção da problemática do direito à marca de empresa. De acordo com o princípio da

especialidade “o direito de uso exclusivo da marca é limitado ao género de produtos que o signo

foi registado”.104 Decorrente deste princípio, assistimos à possibilidade de sobre um mesmo sinal

distintivo poderem co-existir dois ou mais direitos de uso exclusivo, pertencentes a diferentes

entidades, sem quaisquer vínculos, desde que apostas em divergentes tipo de produtos ou

serviços.105 Assim, de forma sumária, podemos afirmar ser a especialidade da marca a exigência de

esta ser insusceptível de confusão com outras anteriormente registadas, por outro empresário, para

os mesmos produtos ou produtos similares (ou serviços); neste sentido exige-se que a marca seja

nova, novidade esta que não é absoluta,106 mas relativa, porquanto, não se exige que a marca cujo

registo se requer seja diferente de todas as registadas no passado, mas apenas que seja diferenciável

daquelas registadas para o mesmo sector merceológico ou sectores análogos, i e, a marca que não

seja objecto de um direito de propriedade industrial de um empresário concorrente.107 Sustenta-se

que se os bens são diversos, inexiste perigo de confundibilidade entre os produtos ou serviços, pelo

que, num primeiro momento, não se vislumbram razões para a reacção proibitiva pelo Direito das

Marcas.

Compreende-se que, se num primeiro momento a finalidade das marcas é individualizar os

produtos de um empresário de forma a distingui-los dos disponibilizados por outro, o signo deverá

ser objectivamente diverso pois, de outra forma, seria inapto para preconizar esta função: é neste

104 GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994, p. 77. [Tradução nossa] 105 Artigo 207º (Direitos conferidos pelo registo) “O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca. (art.º 258 CPI/2003). 106 Intui-se com facilidade que a não exigência de novidade absoluta, porquanto se fosse este o grau de exigência, o requerente da marca – nominativa, por exemplo – teria sempre de compor a sua marca de forma absolutamente fantasiosa, não utilizando vocábulos conhecidos; o que se exige é que, não monopolizando locuções que devam permanecer na disponibilidade de todos os concorrentes, componha a sua marca de forma original, no confronto com as pré-existentes – acrescente-se – registadas ou não. 107 Num primeiro momento, a marca desempenha a causa-função de distinguir os produtos ou serviços de um empresário dos disponibilizados no mercado por outro empresário, pela aposição de um símbolo. Para que esta função seja desempenhada cabalmente exige-se, desde logo, a diferenciação de signos entre os empresários concorrentes, devendo a nova marca ser diferente daquelas que já existentes para assinalar produtos idênticos ou afins.

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44 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

sentido que normalmente se diz que a capacidade diferenciadora108 decorre da essência da marca,

funcionando como um pressuposto do registo.109

Mas, pergunta-se, que premissa justifica o princípio da especialidade?

Alguns autores sustentam que o bom senso obrigaria a impedir que um empresário se apropriasse

exclusivamente de uma locução linguística; defendem que “se alguém adoptar como marca

nominativa, para certo produto, uma palavra de uso comum, seria absurdo que tal palavra deixasse

de poder ser usada para todo e qualquer outro produto”.110. Esta exigência decorre do princípio da

liberdade de expressão, fundado num verdadeiro interesse público, que obriga a limitar as

possibilidades de apropriação exclusiva de símbolos ou vocábulos.111

É um lugar-comum na melhor doutrina e jurisprudência de mais alto coturno, em coerência com a

defesa de que a única função juridicamente protegida da marca é a distintiva, sustentar que a

unicidade da marca apenas se justifica para produtos e serviços afins, porquanto apenas neste existe

a perigosidade de induzir em erro o consumidor! Será certo? Será que existe a convicção social de

que dois produtos divergentes, mas com marcas similares, provêm de diferentes entidades? Ou,

pelo contrário, o consumidor ignora que duas marcas conhecidas podem pertencer a diferentes

empresários, destituídos de quaisquer vínculos? Como uma resposta exigiria um aprofundado

trabalho estatístico, que extravasaria o âmbito deste estudo, deixamos a nossa inquietação no ar!

Ainda criticamente, refira-se que o princípio da especialidade pode, nos nossos dias, ser entendido

como um mecanismo castrador da diversificação empresarial. É notória a tendência das empresas

108 Decorrente da exigência da novidade, é a marca encerrar uma capacidade distintiva, ou seja, o signo ser propício para distinguir os produtos ou serviços disponibilizados por um concorrente, dos colocados no mercado por outros empresários. A primeira exigência não engloba a segunda porquanto um sinal, não obstante ser novo, pode não ter capacidade para assinalar produtos ou serviços devido à sua estrutura. 109 Como bem refere NOGUEIRA SERENS, “de outra maneira, bem diferente, se haveriam de entender as coisas se a capacidade distintiva – rectius, a falta de capacidade distintiva – funcionasse como um impedimento ao registo. O que revelaria então seria a “situação do sinal” no momento (da decisão) do registo” (A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial da Faculdade de Direito de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 1/2). 110 Alargar a protecção ao princípio da especialidade, entende-se, “será instituir um privilégio excessivo em favor do dito proprietário da marca, e restringir exageradamente a escolha das palavras ou símbolos – já bastante reduzidos numa época em que as especialidades se multiplicam incessantemente – de que terceiros poderão lançar mão para distinguir e identificar produtos” PINTO COELHO, A protecção da marca notoriamente conhecida, RLJ, 84, n.º 2971, p. 340. No mesmo sentido vide FERNÁNDÉZ-NÓVOA, La aplicación de la regla de la especialidad a las marcas idénticas, ADI, 1977, pp. 237 e ss., SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 395. Vislumbra-se nesta posição uma preocupação em impedir que pela apropriação exclusiva dos signos se esgotem as possibilidades de criar novas marcas! Não sufragamos. Tal como ANDREA MARIANI sustentamos que “mentre il linguaggio degli animali è un sistema praticamente chiuso (…) il linguaggio umani può contare su di una estendibiltà infinita, soprattutto diventa linguaggio scritto” (L`analisi económica del marchio che godé di rinomanza, Il Diritto Industriale, n.º4/1996, p. 291). 111 Assim, OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 12. O princípio da especialidade encontra justificação no primado da liberdade de iniciativa económica! Alega-se que a atribuição de um direito de propriedade de uma marca a um empresário, e a consequente privação de todos os outros em usar essa locução ou símbolo na sua actividade económica, constitui uma limitação, pelo monopólio: retira-se daí a consequência que a atribuição do direito de uso exclusivo da uma marca deve ter um âmbito limitado ao sector merceológico em que o empresário exerce a sua actividade, de molde a deixar o signo disponível para outros empresários, não concorrentes.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 45

para evoluírem de forma horizontal, alargando a sua oferta a novos conteúdos; não raras vezes, são

violentadas a adoptar distintas marcas para determinados sectores porque a sua marca está registada

para aquela classe por distinto empresário: é neste sentido que pode afirmar-se ser este princípio

estrangulador da livre iniciativa empresarial.

Este princípio, que encontramos quer no direito comparado, quer nas organizações internacionais, é

sublinhado pela generalidade da doutrina.112 Pelo que fica escrito, importa concluir que, ao falar-se

em novidade da marca, afastamo-nos da ideia de novidade absoluta – características das criações

novas – exigindo-se tão somente uma novidade relativa, a disponibilidade daquela marca na

comparação com as usadas pelos empresários concorrentes.

O que defendemos, relativamente ao princípio da especialidade, exige, no entanto, alguma

precisão. Contrariamente ao que poderia sugerir, não é exacto que o empresário que registe a sua

marca apenas goza do direito de uso exclusivo em relação aos seus concorrentes directos; corolário

deste princípio é a extensão da protecção aos produtos (ou serviços) afins. Explicamos.

Para a exaustiva compreensão da proibição em análise importa compreender a noção de usurpação

de marca, nomeadamente os conceitos de imitação e contrafacção de marca,113 cuja imperícia do

legislador – que não raras vezes os utiliza impropriamente e mesmo em sinonímia114 – dificulta a

sua correcta apreensão pelo intérprete. Parafraseando PINTO COELHO115 podemos afirmar que a

usurpação consiste no uso indevido da marca por parte de um empresário que não tenha

legitimidade para a usar, seja através de uma imitação ou de uma contrafacção: a imitação traduz-

se na criação de uma marca nova, portanto diferente da anteriormente registada, mas sendo uma

112 Se fizermos uma deambulação pela doutrina lusa provamos a afirmação supra. Assim, escreve FERRER CORREIA que “ […] não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins” (Lições de Direito Comercial, cit. p. 327). Por seu turno PINTO COELHO enfatiza que “uma marca não tem de ser distinta de toda e qualquer outra já existente, seja qual for o produto para que tiver sido adoptada e esteja sendo usada [mas tão somente] não deve confundir-se com qualquer outra que tenha sido usada para produtos do mesmo género” (Lições de Direito Comercial, Vol. I, Lisboa, 1957 cit. p. 379). REMÉDIO MARQUES sustenta que uma marca nova é aquela “que esteja disponível… que enquanto sinal distintivo ainda não tenha sido apropriado por nenhum concorrente” (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 618). COUTINHO DE ABREU sublinha que as marcas têm de “ser novas, distintas ou inconfundíveis; mas tal novidade apenas tem de afirmar-se no âmbito de produtos idênticos ou afins (Curso de Direito Comercial, cit., p. 338); explicações muito similares são oferecidas por COUTO GONÇALVES, Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, pp. 130 e ss. e PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, pp. 392 e ss. 113 Sendo esta uma problemática a latere do nosso trabalho, cabe aqui a evocação de que estas condutas constituem um ilícito penal, previsto e punido no art. 264.º do CPI (art. 323.º do CPI 2003). Para o preenchimento do tipo penal não é suficiente a imitação, usurpação ou contrafacção da marca; cumulativamente exige-se a consciência da utilização de um sinal distintivo registado por outra pessoa, em relação ao qual não é legítima a sua utilização. Por outro lado a conduta só é penalmente relevante se e quando o signo é utilizado enquanto marca. Finalmente o agente deve ter ainda a consciência que pela sua conduta está a lesar os interesses patrimoniais de terceiro e/ou a beneficiar ilegitimamente de um direito de outrem. 114 Artigo 193, n.º 1 – A marca registada considera-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta; c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto. 115 Lições de Direito Comercial, cit. pp. 369/370.

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46 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

reprodução mais ou menos exacta desta, susceptível, por esse motivo, de induzir o consumidor na

convicção errónea de tratar-se daquela; pelo exposto, imitar uma marca não pressupõe uma cópia

integral, mas sim uma enorme semelhança com a marca registada;116 por seu turno, por

contrafacção devemos entender a simples reprodução da marca para os mesmos produtos ou

serviços.117

É no que concerne à imitação da marca que avultam as maiores dificuldades. Para dissecar a

questiúncula, urge interpretar o texto legal, mais concretamente, importa compreender o conceito

de afinidade de produtos e serviços. A determinação do seu exacto sentido divide a melhor

doutrina, sendo que a premência da querela não permite a passividade do intérprete; por isso,

analisamos algumas das soluções oferecidas pela doutrina, na busca da verdadeira noção de

afinidade.

Poderíamos adoptar um critério formalista, sustentando que seriam afins os produtos que

pertencem à mesma classe da Classificação Internacional de Produtos e Serviços, adoptada pela

Convenção de Nice. Mas recorrer a este critério seria extrapolá-lo e desvirtualiza-lo, uma vez que,

não foi essa a sua razão de ser; este visa facilitar o registo de marcas e, não, restringir, por qualquer

forma, a adopção de uma marca. Refira-se ainda que a adopção deste critério formalista conduzia a

soluções absurdas de qualificar como produtos afins, alguns que não apresentam a mínima

similitude, tais como dentífrico e perfume, produtos medicinais e desinfectantes, garfos e máquinas

de barbear, artigos de ginástica e decorações para o Natal ou açúcar e vinagre.118

Um outro critério oferecido pela doutrina, tende a aquilatar a existência de afinidade entre produtos

e serviços aludindo aos seus canais de distribuição.119 A crítica a este critério reside na

possibilidade de consubstanciar um desmesurado alargamento do âmbito de exclusividade,

porquanto, cada vez mais, os canais de distribuição são ambivalentes fornecendo uma infinidade

heterogénea de produtos ou serviços. (exemplo paradigmático, os hipermercados, nos quais se

transaccionam um dilúvio de produtos).

Outros, sustentam que só deverão considerar-se afins os produtos que denotem um grau de

semelhança ou proximidade suficiente para permitir uma procura conjunta, para satisfação de

116 Concordamos com PINTO COELHO quando sustenta ser a imitação a mais perigosa das fraudes, porquanto o imitador pretende apropriar-se da notoriedade da marca imitada, mas, para se defender, não a reproduz, limitando-se a conceber uma confundível. (Lições de Direito Comercial, cit. pp. 369 e ss.). Acresce que os “imitadores de marcas” estão cada vez mais subtis e refinados; estes aproximam-se das marcas mais por sugestão do que pela imediata duplicação da marca (assim, SCHECHTER, Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, Vol. XL, 1927, p. 825). 117 Assim, CORTE-REAL CRUZ, “O conteúdo e a extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio, AA.VV. Direito Industrial, Vol. I, p. 99. 118 Próximo da nossa posição, CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 60. Ainda sobre o tema vide Ac. RLx 20/04/55, JURISPRUDÊNCIA RELAÇÕES, 1955, P. 325; Ac. RLx 10/03/67, JURISPRUDÊNCIA RELAÇÕES, ANO 130, P. 245, Ac. STJ 3/4/70, BMJ, nº 196, p. 265 e Ac. RLx de 20/05/99, www.trl.pt/ 119 Esta tese é defendida em Portugal por CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 59, ainda que em conjugação com a teoria infra; no estrangeiro, por todos, P. MATHÉLY, citado pelo A. supra referido.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 47

idênticas necessidades dos consumidores, ou seja, os produtos que são sucedâneos ou facilmente

substituíveis. Para estes era fácil a justificação da extensão do princípio da especialidade,

porquanto o consumidor facilmente subroga as suas necessidades aquisitivas nos produtos

sucedâneos, motivo pelo qual o risco de confusão entre os produtos é premente, uma vez que no

mercado estes produtos são concorrenciais, por terem a mesma utilidade e fim120. Para a concepção

que ora se disseca, a afinidade pressupõe que as marcas se situem no mesmo mercado relevante,121

ou seja, sempre que existe uma concorrência entre os empresários. Sustenta-se que o actual quadro

legal português consagra este entendimento, uma vez que o registo de marcas faz-se mediante

produtos, limitando-se a protecção legal – o direito de uso exclusivo – aos da mesma classe de

produtos e aos afins destes.

Mas será esta concepção suficientemente ampla para dar uma resposta cabal às necessidades do

mercado? Ponderemos a seguinte hipótese. Não obstante os produtos serem díspares, entre eles

existe uma identidade de origem, que faz supor no consumidor que têm a mesma origem produtiva?

Quid juris? Aceita-se ou repudia-se a coexistência dos sinais distintivos?

O que nesta preocupação ressalta, resulta do facto de, comummente se considerar, a marca ter a

função de identificar a origem de determinados produtos ou serviços, de molde a que a sua

similitude, ainda que na identificação de diferentes produtos, seja susceptível de gerar

complexidades no mercado. Em defesa desta tese NOGUEIRA SERENS escreve que “a afinidade

ou similitude entre os produtos ou serviços afirmar-se-á sempre que, pela sua significação

económica, qualidade e modo de utilização, especialmente do ponto de vista dos seus locais

normais de produção e de venda, esses produtos (ou serviços) apresentem pontos de contacto tão

estreitos que, aplicando-se-lhe a mesma marca, o consumidor médio os poderia razoavelmente

atribuir à mesma fonte produtiva”.122

120 No mesmo registo pronuncia-se REMO FRANCESCHELLI (Il marchio dei creatori del gusto e della moda, Contratto e impresa, 3, 1988, CEDAM, Padova, p. 782) afirmando que a afinidade dos produtos reporta-se “all`intrínseca natura dei prodotti, alla destinazione alla medesima clientela, alla soddisfazione dei medesimi bisogni l`esistenza di tale concetto”. Em Portugal aderem a esta tese, COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, p. 339, COUTO GONÇALVES, Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, pp. 133 e ss. e PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, pp. 396/397. Esta é a também a corrente que vinga na jurisprudência superior lusa, como se pode depreender de, entre outros, Ac. STJ de 12/3/1991, BMJ n.º 405, pp. 492 e ss., Ac. STJ 18/11/1993, Ac. STJ, BMJ, de 13/2/1979, Ac. STJ de 30/10/84, BMJ, n.º 340, p. 416, Ac STJ 21/03/81, BMJ n.º 307, p. 291, Ac. STJ de 26/09/95, BMJ n.º 449, p. 365, Ac. STJ de 21/05/1981 (Abel de Campos), BMJ, n.º 307, p. 291. 121 A noção de mercado relevante alude às empresas que estão em situação de exercer concorrência em relação a uma dada empresa. 122 NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 9. O A. retoma o tema em Marcas de forma, cit. p. 62. Esta tese é normalmente criticada com o argumento de que se alarga desmesuradamente o conceito de afinidade de produtos ou serviços, abarcando produtos de objectiva dissemelhança, cuja identidade resulta unicamente do “ponto de venda”. A esta pode, no entanto, contrapor-se a contra-argumentação de que tendencialmente os empresários tendem a alargar a sua área de actividade para sectores merceológicos a montante da sua actividade tradicional. Uma posição aproximada é defendida por CARLOS OLAVO ao sustentar existir afinidade de produtos, sempre que se inserem no mesmo sector de mercado, sendo esta a tese mais apta a responder a uma “época em que as empresas tendem

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Partindo de preocupações semelhantes, REMÉDIO MARQUES, defende uma tese que pela sua

pertinência se expõem. Para o referido A., urge realizar-se um último teste para aferir a

dissemelhança, porquanto a tese anterior não afasta a susceptibilidade de surgir um outro tipo de

confundibilidade. O que aqui nos ocupa é a susceptibilidade de a marca ser aposta em produtos

inidóneos para a satisfação das mesmas necessidades, mas passíveis de criarem a errónea ilusão de

terem uma origem empresarial comum (ou embora distinta, ao abrigo de laços contratuais ou

económicos). Continua o A. por considerar que “à luz deste último critério, é de recusar a

coexistência de marcas iguais ou confundíveis para identificar produtos ou serviços diferentes (não

afins, não semelhantes), sempre que o público possa, razoavelmente, pensar que os produtos

provêem da mesma empresa ou de outra que com ela mantém relações económicas ou sociais”.123

Em resumo, para esta teoria devem considerar afins os produtos e serviços que possam gerar nos

consumidores a convicção de terem a mesma origem ou procedência empresarial,124 porquanto

seriam susceptíveis de criarem um risco de associação entre a marca registada e a usurpada.

Pessoalmente, sem escamotearmos algumas das premissas anteriores, sustentamos a necessidade de

adoptar uma concepção ampla e abrangente, ainda que indeterminada, que passa pela adopção de

um conjunto de factores-índice, susceptíveis de aquilatarem da confundibilidade dos signos.125 De

entre estes, destacam-se: a) grau de similitude entre os signos conflituantes; b) a identidade dos

canais de distribuição; c) as características subjectivas dos consumidores dos produtos ou serviços

determinados; d) o grau de originalidade e notoriedade da marca registada;126 e) a intenção do

empresário que pretende realizar o registo posterior. Obviamente que quando todos os critérios

concorram a afinidade de produtos ou serviços é evidente. A questão é.., e quando não concorrem?

Que pertinência conferir a cada um dos indicies.

a diversificar a sua actividade nos sectores económicos mais díspares”, exigindo-se um alargamento da noção de concorrência, sob pena de criar um desajustamento entre o preceituado na lei e o preceituado no mercado (Violação do Direito à Marca (em face do actual Código da Propriedade Industrial, O Direito, Ano 127, 1995, I-II, pp. 64 e ss.). Ainda neste sentido, COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 339/340. 123 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 622. 124 Esta tese é sufragada por ADRIANO VANZETTI E VICENTO DI CATALDO, Manuale di Diritto Industriale, 3ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 2000, p. 191, BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuzième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 163 e ss., CARLOS OLAVO, Violação do Direito à Marca (em face do actual Código da Propriedade Industrial, O Direito, Ano 127, 1995, I-II, pp. 63/64, JUSTINO CRUZ, CPI Anotado, 2ª Edição, Coimbra, 1985, p. 210, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 9 e SILVA CARVALHO, Usos Atípicos das Marcas (Função da Marca), Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, pp. 83 e ss. 125 Neste sentido McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, 3ª Ed., New York, 1992, Vol. II, § 24.06. 126 Com referência a este critério alguma doutrina entendia dever alargar-se a qualificação de marca imitada à circunstância de o requerente pretender prejudicar os legítimos interesses dos concorrentes, nomeadamente o direito destes usufruírem dos frutos do seu investimento produtivo e publicitário. (assim, ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 37 e ROTONDI, Diritto Industriale, Padova, 1975, pp. 498 e ss.).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 49

Parece-nos indiscutível a impossibilidade de negar a existência de afinidade sempre que os

produtos ou serviços visam satisfazer as mesmas necessidades, seja de modo subsidiário ou

complementar.

Não existindo esta relação entre os produtos ou serviços – ou mesmo entre produtos e serviços uma

vez que nada obsta a que a afinidade se verifique entre eles – exige-se alguma ponderação

suplementar; o juízo sobre a afinidade terá de ser condicionado pela maior ou menor proximidade

dos produtos e serviços e pela similitude dos signos, de molde a que, quanto mais afastadas sejam

actividades, maior seja a possibilidade de similitude entre os signos e quanto mais próximas sejam

as actividades, maior é a dissemelhança que se deve exigir à marca.127

Um critério suplementar tem como premissa a intenção do requerente e relaciona-se com a

possibilidade de o público presumir uma origem comum dos bens; existindo o perigo de a marca

conflituante, por gerar nos consumidores a ilusão de que os produtos (ou serviços) têm análogas

características com a marca existente ou emanam da mesma empresa, o registo deve ser negado;

neste contexto, não se tutela um qualquer erro sobre a origem dos produtos, antes, afasta-se a

possibilidade de um empresário aproveitar-se da notoriedade de uma marca, para promover os seus

produtos (ou serviços).128 O que fica escrito ganha redobrada relevância quando o pedido de registo

da marca conflituante é requerido para actividades merceológicas para as quais tradicionalmente se

assiste a um alargamento da actividade do titular da marca, não apenas porque a conduta em análise

pode castrar a expansão da actividade do titular da marca, mas também porque o consumidor se

habituou a assistir a esse alargamento, sendo a coexistência das duas marcas passíveis de o iludir.

Sustentamos que estamos na presença do risco de associação.129 O que aqui nos ocupa é o facto de,

no artigo 193º, o legislador mencionar o risco de associação, alternativamente, ou risco à de

confusão; estaremos perante uma extensão do conteúdo negativo do direito de uso exclusivo?

127 Neste sentido, CALLMANN, Unfair Competition, Trademarks and Monopolies, 4ª Ed., 1990, Vol. 3A, § 20.58 e ss., DI CATALDO, I segni distintivi, cit. p. 96 e LEONINI, Marchi famosi e marchi evocativi, Giuffrè, Milano, 1991, pp. 91 e ss., NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, pp. 73/74, OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 11 e SILVA CARVALHO, Usos Atípicos das Marcas (Função da Marca), Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 82. 128Próximo, escreve PAOLO AUTERI que visa impedir-se “che il pubblico per effetto della suggestione promante dal marchio possa riferire o mettere comunque in relazione com l`impresa del titolare” (Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 512). Posição similar encontra eco na mais recente jurisprudência alemã, que sustenta que a capacidade sugestiva da marca não é apenas merecedora da tutela jurídica no caso das marcas de grande prestígio. Sufragamos. (sobre o tema LEHMANN Rafforzamento della Tutela del Marchio attraverso le norme sulla concorrenza sleale, RDI, 1988, parte I, pp. 19 e ss.) Recorde-se que o que defendemos não é nada de original no Direito Português; antes da consagração legal das marcas de grande prestígio, a posição que assumimos era perfilhada pelos nossos Tribunais Superiores; não encontramos justificação para um tratamento diferenciado. 129 Sobre o tema vide LUIGI MANSANI, La nozione di rischio di associazione fra segni nel diritto comunitario dei marchi, RDI, 1997, parte I, Milano – Dott. A Giuffre Editore, pp. 133 e ss.

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50 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

É comum sustentar-se130 que estamos perante um lapso do legislador na transposição da Directiva

Comunitária, segundo a qual a noção de confusão engloba o risco de associação. Sustenta-se,

assim, um entendimento amplo do risco de confusão, de molde a abarcar ambos. Discordamos. O

risco de associação é uma categoria própria, ainda que com identidade de motivações face ao risco

de confusão, que trata da susceptibilidade de a marca, não obstante diferente, ser susceptível de

sugerir uma “ligação” entre esta e a marca registada por um terceiro. Pelo exposto assiste-se, por

este meio, a um alargamento do conceito de imitação,131 devendo impedir-se o registo das marcas

sempre que exista o “perigo que o consumidor entenda que a marca ilegitimamente adoptada seja

utilizada nos produtos com acordo, a qualquer título, do titular da marca”.132

Um outro problema, de igual complexidade, relaciona-se com a forma de aferir a confundibilidade,

ou seja, o quid sobre o qual recai o teste.

Pacífica é a necessidade de o exame incidir sobre a marca no seu conjunto133 e não sobre

particularidades ou especificidades da mesma, ou seja, não se deve atender às dissemelhanças que

podem resultar dos elementos que a constituem, quando observados isoladamente; dito de outra

forma, ao aferir a similitude das marcas não deve atender-se ao que têm em comum, mas antes, se

do confronto existem afinidades que, no seu conjunto, as aproximam, devendo a comparação fazer-

se por intuição sintética e não por dissecação analítica, fazendo um exame comparativo, que não

analítico.134

Do exposto, resulta que devemos reportar como confundíveis os signos que só após um apurado

exame sejam susceptíveis de distinção. Acresce, ainda, o facto de não se exigir que as marcas

apenas se revelem distintas após uma confrontação pelo consumidor de ambas: é suficiente que ao

enquadrar-se com uma, exista, o perigo de a confundir com a outra, sem que, sublinha-se, se exija

um confronto atento de ambas para averiguar as dissemelhanças.

130 Assim, CORTE-REAL CRUZ, “O conteúdo e a extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio, AA.VV. Direito Industrial, Vol. I, pp. 101-102. 131 Neste sentido OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 11 e VANZETTI, La nuova legge marchi, Milano, 1993, p. 17. 132 GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 131. Próxima da posição que defendemos encontramos BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuzième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 278 e ss. 133 Como bem sublinha, COUTINHO de ABREU, “no juízo sobre a similitude, devem as marcas ser apreciadas global ou sinteticamente” (Curso de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 341). Também COUTO GONÇALVES, Imitação de Marca, SCIENTIA IVRIDICA, Tomo XLV, n.º 262/264, Universidade do Minho, p. 341, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, cit. pp. 188/189, e JUSTINO CRUZ, Código da Propriedade Industrial, Livraria Cruz, Braga, 1953, p. 220. Também este entendimento é sufragado pela jurisprudência, cfm. Ac. STJ de 24/05/90, BMJ n.º 397, p. 506 e Ac. STJ de 10/12/97, CJ, Ano V, Tomo 3, p. 162, Ac. RLx de 18/04/91, CJ, p. 189, Ac. STJ de 17/05/60, BPI, n.º 10/60, p. 1610, Ac. STJ de 13/02/70, BMJ n.º 194, p. 237 e Ac. STJ de 10/07/97, www.dgsi.pt/ 134 Assim, CARLOS OLAVO, Violação do Direito à Marca (em face do actual Código da Propriedade Industrial, O Direito, Ano 127, 1995, I-II, p. 55, PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial, Vol. I, Lisboa, 1957, p. 426 e REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 630/631.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 51

Um outro problema reside na determinação do sujeito sobre o qual deve recair o juízo de

confundibilidade das marcas. A noção de consumidor – como qualquer outra de cariz social – não é

estática, exigindo-se ao intérprete a apreensão da sua evolução; longe vão os tempos não se devia

considerar imitação os casos em que só um idiota com pressa ficasse confundido (recorremos à

conhecida frase de CORNISH).

Uma primeira resposta seria de avaliar o risco de imitação tendo como parâmetro o bonus pater

familiae. Não concordamos. Ter como baliza o consumidor médio seria demasiado castrador face à

imensidão de produtos e serviços disponibilizados no mercado. Juntamos a nossa voz aos muitos

que defende que a aferição da possibilidade de confusão ou associação se deve dirigir ao

consumidor normal dos produtos ou serviços nos quais se pretende usar a marca. Assim, sustenta-

se que, para aferir se a marca é, ou não, susceptível de confusão, o juízo deve recair sobre o

público-alvo dos produtos ou serviços que a marca visa identificar. Depois, este não deverá ser um

consumidor em abstracto, mas sobre o consumidor médio135 dos produtos que a marca visa

individualizar, variando a exigência de dissemelhança de acordo com o tipo de bem, as condições

culturais, a região onde se vende, o preço do produto,136 etc. Do consumidor “natural” destes

produtos ou serviços espera-se, não apenas, algum conhecimento do sector merceológico onde os

mesmos se inserem como, mais importante, é para estes que as marcas se destinam, pelo que, é o

sujeito perfeito para aquilatar da sua capacidade diferenciadora. Por tudo, sustenta-se que o juízo de

semelhança seja aferido tendo por base um consumidor normal daqueles produtos ou serviços,

medianamente esclarecido, através de um critério de prognose póstuma sobre a susceptibilidade de

fácil confusão ou erro, não descurando a circunstância de o consumidor não estar na presença das

duas marcas, mas decidindo-se com base na recordação que memorizou da marca.137

135 Por este critério, excluem-se o consumidor desatento ou distraído, para o qual se exigiria um maior nível de dissemelhança, sem se exigir a perícia de um especialista, o que permitiria maior similitude entre os sinais. Posição análoga é sustentada por ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 316, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, cit. p. 343, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, cit. p. 155, SILVA CARVALHO, Usos Atípicos das Marcas (Função da Marca), Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 92 e SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, pp. 407/408. De forma não totalmente coincidente, COUTO GONÇALVES, defende a existência de dois critérios, aplicando-se o supra referido aos produtos vocacionados para o grande consumo, reservando para os produtos normalmente adquiridos por profissionais ou peritos, um critério mais exigente (Imitação de Marca, SCIENTIA IVRIDICA, Tomo XLV, n.º 262/264, Universidade do Minho, pp. 347/348). 136 Sobre este aspecto em concreto FERNANDÉZ-NÓVOA detém a sua atenção sublinhando, numa posição que merece o nosso aplauso, o facto de que se o preço do produto é alto o consumidor médio presta uma maior atenção ao produto (ou serviço) e à sua marca, pelo que diminui o risco de confusão. (Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, pp. 194 e ss.) 137 No mesmo sentido, PAUL ROUBIER, Le Droit de la Propriété Industrielle, Vol. I, p. 360. No que concerne ao caso específico das marcas complexas exige-se algumas precauções suplementares. As marcas complexas são aquela que são compostas por uma pluralidade de elementos, quer se trate de elementos nominativos, quer de elementos figurativos, quer de elementos nominativos e figurativos”. (CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 56). O que atrás fica escrito ganha neste contexto redobrada acuidade, porquanto ainda mais premente se torna a necessidade de uma visão de conjunto, de molde a abarcar toda a complexidade do sinal, incidindo mais exaustivamente a observação do intérprete nos elementos prevalecentes da marca, ou seja, aqueles que demonstram uma maior potencialidade para se embutirem na memória dos consumidores.

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52 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Na querela do risco de confusão entre marcas, merece tratamento autónomo a problemática da

identidade intelectual ou ideológica entre signos; neste contexto, torna-se despiciendo o confronto

entre sinais, porquanto não apresenta similitudes fonéticas, gráficas ou figurativas. A

susceptibilidade de indução em erro do consumidor resulta da valência destas marcas em criarem

na mente do consumidor a convicção errónea de os produtos ou serviços emanarem da mesma

entidade institucional (ou entidades co-relacionadas).

Neste caso, sublinhe-se, quando confrontados os sinais são inequivocamente distintos; não

obstante, pode subsistir o ensejo de o público poder, através de uma associação de ideias,

correlacionar as marcas entre si.138

Alguns autores sustentam que face ao actual Direitos das Marcas, a semelhança ideológica não está

protegida139. Discordamos! Não obstante a inexistência de parecença gráfica ou fonética, a

similitude está presente nestas marcas, existindo o perigo de confusão por parte do consumidor;

neste tipo de marcas a imitação é mais ardilosa, mas não deixa de o ser, devendo, por isso mesmo,

aplicar-se-lhe todas as consequências legais140.

Por fim existe um ponto que merece ser devidamente escalpelizado, resultante da possibilidade de

existir consentimento do titular da marca para a utilização por terceiro de marca confundível.141

Sustentamos que a pertinência da questão nem sempre foi devidamente ponderada, sendo nossa

opinião, que é crucial para compreender o espírito actual da lei das Marcas.

Estamos aqui na presença de uma inequívoca derrogação do princípio da especialidade, que se

consubstancia na permissão de co-existência de duas marcas confundíveis, usadas por distintos

empresários! Com efeito, não podemos escamotear que, in casu, as marcas são susceptíveis de

gerar confusão no público, sendo que a sua licitude encontra justificação no consentimento do

titular do primeiro registo! Pergunta-se: que funções visam as marcas desempenhar neste contexto?

Indicadora de origem, concerteza que não, porquanto a marca se torna inócua para realizar esta

função.

Também no que a estas concerne, existe unanimidade doutrinal e jurisprudencial na exigência de estas deverem ser contempladas de forma unitária, no seu conjunto, não devendo a análise incidir sobre os elementos que as distinguem, devendo ser irrelevantes os pormenores que as separam. Assim, não se exige a similitude entre todos os componentes da marca, sendo mais relevante a impressão de conjunto na mente do consumidor. (Neste sentido Ac. STJ de 14/11/1979, BMJ, n.º 291, p. 522 e Ac. STJ de 9/11/82, BMJ, n.º 321, p. 410) 138 Sobre o tema vide o Ac. STJ de 1/06/69, sobre as marcas “One-Up” e “Seven-Up”, BMJ, n.º 189, pp. 298 e ss. 139 Assim, CARLOS OLAVO, Violação do Direito à Marca (em face do actual Código da Propriedade Industrial, O Direito, Ano 127, 1995, I-II, pp. 62/63. 140 No mesmo sentido, COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 340. 141 O consentimento do titular poderá consubstanciar-se num acordo em que os titulares das marcas conflituantes se reciprocamente obrigam a respeitar a livre fruição da marca similar pelo concorrente. A licitude deste acordo já foi sufragada pela jurisprudência nacional, que no processo “Brasileira” de forma expressa aceitou a validade do acordo celebrado pelas partes (cfm Ac. RLx de 30/05/97, BPI n.º 2/97, p. 412). A nossa argumentação aplica-se mutatis mutandis para a co-existência de duas marcas confundíveis, resultantes da preclusão do direito de anulação do registo da marca posterior.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 53

Coloquemos a questão de outra forma! Que motivação terá o titular de uma marca para permitir a

um terceiro, seu concorrente, utilizar cumulativamente a sua marca? Obviamente que económica ou

financeira! Assim, a conclusão afigura-se evidente; o consentimento do titular de uma marca para o

registo da mesma por um seu concorrente subjaz a atribuição ao sinal distintivo de um carácter

económico próprio, a latere da sua função distintiva! É o reconhecimento pelo ordenamento

jurídico da marca enquanto valor económico, propriedade exclusiva de um titular, que a pode

utilizar como mais lhe aprouver. A função que a marca visa desempenhar neste contexto é resposta

que, por prematura, deixamos em aberto, remetendo a solução para as conclusões deste estudo.

Apenas se diz, na esteia de VANZETTI, que a possibilidade de o titular da marca possa consentir a

terceiro a utilização de uma marca confundível com a sua “constitui um ponto de emersão de um

cada vez mais evidente carácter privatístico atribuído ao direito da marca pela lei actual”142

2.5.2 - Um outro problema que merece a nossa atenção relaciona-se com a ilicitude de a marca ser

composta pela firma, denominação social, nome ou insígnia de estabelecimento que não

pertença ao requerente do registo da marca.143 Compreende-se bem o que justifica esta proibição.

Não obstante a marca e estes sinais exercerem uma diferente função jurídica, têm em comum o

facto de serem signos identificadores, sendo que a sua usufruição por diferentes e concorrentes

entidades, seria susceptível de gerar confusões no mercado, gerando a perplexidade no consumidor,

porquanto estava volúvel na identificação dos titulares dos sinais distintivos.

A correcta assimilação deste preceito exige a interiorização de dois pressupostos. Primeiro, a

indisponibilidade apenas subsiste se o requerente da marca não tiver legitimidade para usufruir do

outro sinal distintivo. Segundo, a proibição de coexistência de sinais idênticos apenas subsiste

quando desse facto resultar o perigo de induzir o consumidor em erro ou confusão. Posição inversa

desvirtuava os princípios fundamentais do Direito das Marcas. Explicando. Como se referiu, um

dos princípios tendências fundamentais deste ramo é o princípio da especialidade. Construir uma

protecção ultramerceológica no caso de conciliação entre os diversos sinais distintivos, iria abrir a

porta, criando um expediente para ludibriar este princípio legal.144

142 ADRIANO VANZETTI E CESARE GALLI, La nuova Legge Marchi, 2ª Edizione, Giuffrè Editore, p. 23. [Tradução nossa]. No mesmo sentido, ALESSANDRO RUO, Brevi considerazioni in margine alla nuova legge marchi, la prevalenza dell`interesse privatistico o pubblicistico all`interno della disciplina introdotta con la l. n. 480 del 1992, RDC, Ano 1995, pp. 740 e ss. 143 Um ponto que merece ser enfatizado prende-se com a desnecessidade de a marca reproduzir integralmente a firma, denominação social, nome ou insígnia de estabelecimento anterior para a qual não seja legítimo o registo, sendo suficiente que se usurpe uma característica, deste que susceptível de gerar a equívocos no mercado. O motivo que nos conduz a referir este ponto, relaciona-se com o facto de a actual formulação legal firmar uma cisão com o regime do Código anterior, fazendo parte integrante da actual facti species da proibição, a susceptibilidade de se induzir em erro ou confusão o consumidor. Aplaude-se a decisão do legislador porque coerentemente resolve o que poderia parecer um dilema do intérprete. 144 No mesmo sentido escreve COUTO GONÇALVES que “a proibição só deve operar, por regra, em relação a actividades concorrentes. O perigo de engano quanto à proveniência dos produtos ou serviços, de princípio, pressuporá uma relação de concorrência…” (Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, pp. 123/124). Em consonância REMÉDIO MARQUES, confirma esta posição, referindo que o novo CPI abriu a “porta” à utilização parcial da firma ou denominação social de outrem na composição da marca, quando inexiste o perigo de confusão para os consumidores (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 634). Vide ainda PINTO COELHO, Nome Comercial, RLJ, ANO 95, p. 99.

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54 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Por fim, sublinhe-se que na proibição em análise deverá englobar-se a figura do direito

internacional “nome comercial”, empregue no art. 8 da CUP.145

2.5.3 - De peculiar importância para este estudo, resulta a compatibilização entre a marca

conflituante quando seja a reprodução de uma marca notoriamente conhecida.146

Sem mais demoras, urge avançar com uma definição de marcas notórias, que consideramos serem

aquelas que adquiriram um elevado grau de reconhecimento na área merceológica onde são

utilizadas, sendo pelos interessados amplamente conhecidas para identificarem os produtos (ou

serviços) de um dado empresário. Mas, sublinhe-se, o conhecimento que aqui se exige cinge-se ao

círculo dos interessados – a qualquer título – naqueles produtos ou serviços, sendo despiciendo o

seu conhecimento pelos outros.

A justificação da protecção especial das marcas notórias, resulta do circunstancialismo destas se

inculcarem na memória do público de forma persistente, gerando a convicção colectiva de que o

produto ou serviço nos quais é aposta derivam de uma mesma identidade produtiva. Pretendendo

aproveitar-se desta protecção excepcional, é legítimo ao titular da marca notória opor-se ao registo

por terceiros de marca conflituante, exigindo-se-lhe a alegação, e a prova, de vários quesitos, a

saber:

a) demonstrar a notoriedade da marca;

b) provar a identidade de produtos ou serviços;

c) requerer o registo da marca em Portugal;

d) provar que a marca cujo registo se ataca é confundível com a notoriamente conhecida.

Porque os três últimos não apresentam especificidades em relação ao que anteriormente deixamos

escrito, cingimos a nossa análise ao primeiro.

145 O disposto neste artigo tem gerado acesa celeuma entre a mais ilustre doutrina nacional. Com efeito, o art. 8 º da Convenção de Paris determina que “o nome comercial será protegido em todos os países da União sem obrigação de registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”. A citada celeuma deriva da inexistência entre nós de um nome comercial, e mas concretamente do significado de nome comercial; sobre o tema pronunciou-se PINTO COELHO (RLJ, 95, pp. 81 ss.) sustentando que o preceituado neste artigo deve ter uma aplicação restritiva, cingindo-se ao nome do estabelecimento e excluindo-se a firma. (O A. parte de uma premissa indesmentível, ou seja, o facto de a remissão para o art. 8º da Convenção de Paris se relacionar com o nome do estabelecimento). Em sentido contrário pronunciaram-se FERNADO OLAVO, O nome comercial, cit. pp. 21 ss., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, Lisboa, 1994, pp. 129 ss. e OHEN MENDES, Da protecção do nome comercial, Ac. STJ de 11-07-61, BMJ n.º 109, pp. 676) que sustenta dever incluir-se no conceito de nome comercial as noções de firma e nome do estabelecimento. Sobre o tema vide ainda LUÍS SALUCE SAMPAIO, Breves Apontamentos de Propriedade Industrial e de algumas sujeições ao Direito Fiscal, Edição de Autor, depositário Livraria Petrony, Lisboa, 1963, pp. 69 ss., Luís Menezes Leitão, Nome e insígnia do estabelecimento, Direito Industrial, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, pp. 165 e ss. e OLIVEIRA ASCENSÂO, A aplicação do art. 8.º da convenção da União de Paris nos países que sujeitam a registo o nome comercial, ROA, Ano 56, 1996, pp. 439 e ss. 146 Questão complexa e que não é despicienda é averiguar a existência, e existindo, estabelecer a destrinça entre marcas notórias e as marcas de grande prestígio. Para responder à pergunta sobre se existe diferença, plagiamos REMÉDIO MARQUES (Direito Comercial, Coimbra, 1995. p. 743) e afirmamos que “a resposta é […] paradoxalmente, afirmativa e negativa”. Deixamos a nossa resposta para momento posterior.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 55

Desde logo, deve o intérprete inquirir-se sobre o significado de marca notoriamente conhecida.147

Será suficiente que a marca seja usada na actividade empresarial do seu titular para adquirir este

estatuto? Pensamos que não! O advérbio “notoriamente”, de forma inequívoca, impõe um critério

de exigência: requer-se que a marca seja manifesta ou sobejamente conhecida, como um sinal

distintivo utilizado por dado empresário. Pergunta-se depois: qual a amplitude deste conhecimento!

Deverá ser geral ou circunscrito à actividade onde a mesma é utilizada? Já antes pugnamos pela

veracidade da segunda, uma vez que, seria demasiado exigente um critério generalista, porquanto,

o aproveitamento ilícito da marca apenas é premente quando utilizada no mesmo sector

merceológico, no qual o mercado identifica a marca como pertencente a determinado empresário.148

E onde deverá a marca ser notoriamente conhecida? No país de origem ou, também, no país onde

se requer o registo de marca confundível? Salvo melhor opinião, o que se exige é que a marca seja

notória no país onde se solicita esta protecção – pois é neste que, obviamente, se haverá de dirimir

o conflito entre a marca conflituante e a marca notoriamente conhecida; no entanto, não deverá

exigir-se que seja neste país usada de modo efectivo,149 podendo a notoriedade resultar do impacto

publicitário que encontre eco neste pais.150 Mais. Não se deve exigir que o empresário demonstre

que pretende explorar directamente a marca neste país, para merecer a protecção conferida às

marcas notórias. Por três ordens de razões.

Desde logo, atendendo ao bem jurídico protegido que, em nossa convicção, trata-se da

concorrência leal. Acresce que, não obstante o empresário não desejar explorar comercialmente a

marca num determinado país, não lhe é despiciendo a existência de um registo por terceiro: por um

lado, este registo pode inibi-lo de uma exploração posterior; também a utilização de terceiro da

mesma marca pode diluir a marca; por fim, e como bem sustenta PINTO COELHO, o titular da

marca pode ser directamente prejudicado se o usurpador pretende exportar os seus próprios

produtos, o que se traduziria na indesejável situação em que dois diferentes empresários, utilizando

147 Alguns autores desvalorizam as diferenças entre as marcas tradicionais e as notoriamente conhecidas, sustentando que a principal característica diferenciadora é unicamente a diferente forma de adquirir o direito; nas tradicionais pelo registo, nas marcas notórias, a sua notoriedade. (assim, GUGLIELMETTI, Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, p. 389). 148 De forma não inteiramente coincidente, COUTO GONÇALVES, faz depender a amplitude de conhecimento do tipo de produto, resguardando para as marcas de consumo específico o conhecimento pelos interessados. (Merchandising de Marcas, ADI, 1999, p. 99) Contra, ANTOINE BRAUN, (Précis des marques de produits et de service, Deuxième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, p. 586. 149 No mesmo sentido COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, cit. pp. 117/118, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 747, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 60/61, PATRICIO PAÚL, Concorrência desleal, Coimbra, 1965, pp. 59 e ss. e PINTO COELHO, A protecção da marca notoriamente conhecida, RLJ, 84, n.º 2960, p. 163. 150 Entendem alguns que o conhecimento da marca deve provir do uso desta, sendo irrelevante um uso meramente publicitário (REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 746.) Não sufragamos! O uso publicitário da marca é, inegavelmente, susceptível de a tornar notoriamente conhecida, inquinando a possibilidade de registar uma marca conflituante, face ao actual quadro legal. Problema diferente, cuja resposta fica por ora em aberto, é o de se esse uso será suficiente para impedir a caducidade da marca!

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56 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

a mesma marca, para identificar os mesmos produtos ou serviços, competissem no mesmo

mercado.151

Por fim, uma questão merece ser respondida! Exige-se que a marca esteja legalmente protegida152

no país de origem ou é suficiente a sua notoriedade? A pergunta é pertinente no sentido em que o

art. 190 utiliza a expressão “…de outra notoriamente conhecida em Portugal como pertencente a

nacional de qualquer …” sem especificar o título exigível! (art. 241.º do CPI 2003, embora não

utilize a referida expressão, é igualmente omisso na exigência do registo, pelo que as considerações

subsequentes mantém toda a acuidade).

Sustentamos ser despiciendo que a marca notória seja legalmente protegida no país de origem.153

Consciente que a posição que se sustenta pode gerar celeuma e estupefacção, entendemos ser

aquela que melhor se adequa aos interesses que se visam proteger. Assumindo ser estranho que

uma marca possa gozar externamente de uma protecção jurídica que não tem no Direito interno,

pensamos ser esta a posição que mais se adequa ao pensamento legislativo subjacente à protecção

da marca notória: o objecto imediato desta protecção, não é o direito do proprietário da marca, mas

os interesses gerais do comércio, nomeadamente a concorrência leal. A ratio legis da protecção não

é conferir um direito de propriedade sobre a marca (não obstante, este possa mediatamente suceder)

mas reprimir o comportamento do empresário que se procura aproveitar da notoriedade de uma

marca, registando-a.154

2.5.4 - Ponto crucial para a economia deste estudo é a proibição de registo de uma marca

conflituante com uma de (grande) prestígio.155

O poder apelativo das usualmente designadas marcas célebres ou de renome excepcional exige uma

protecção que extravase o âmbito do princípio da especialidade. Para estas, o legislador determinou

151 PINTO COELHO, A protecção da marca notoriamente conhecida, RLJ, 84, n.º 2960, p. 165. 152 Dizemos legalmente protegida em detrimento de registada de molde a abarcar os ordenamentos nos quais a protecção jurídica não depende do registo, mas do uso da marca. 153 Contra NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 62, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, cit. p. 170 e PATRICIO PAÚL, Concorrência Desleal, Coimbra, 1965, p. 60. 154 Timidamente neste sentido pronuncia-se PINTO COELHO sustentado que “o fundamento ético, inspirando-se no propósito de reprimir certas práticas contrárias à honestidade e correcção comerciais. À lealdade comercial repugna sempre o facto de alguém beneficiar do renome alcançado por uma marca já existente, devido aos esforços ou merecimento alheio”. (A protecção da marca notoriamente conhecida, RLJ, 84, n.º 2958, pp. 131/132). 155 A nomenclatura adoptada não é uniforme, existindo também as expressões “marca célebre”, “marca de prestígio”, “supernotória”, “de alta reputação” entre outras, são geralmente utilizadas na literatura jurídica.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 57

uma protecção ultramerceológica,156 um monopólio horizontal, na medida em que a sua protecção

se estende a toda a actividade económica157.

Com esta protecção excepcional visa-se, numa primeira acepção, derrogar eventuais injustiças

decorrentes de uma visão rígida do princípio da especialidade que possibilitariam a empresários

menos escrupulosos a assunção da notoriedade de uma marca que, para tanto, não concorreram,

fora do quadro geral da proibição de imitação ou contrafacção.

A protecção das marcas de grande prestígio, maugrado apenas recentemente terem merecido

tratamento legal,158 há muito que inquietam a doutrina159 e jurisprudência;160 mas desde já se

156 Na feliz parábola de PEDRO SOUSA E SILVA “trata-se […] de uma espécie de […] expropriação do dicionário” (O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 410). Próximo, FRANCESCHELLI sustenta que esta marcas “si transforma in un certificato di monopolio assoluto e completo all`esercizio de qualsiani attività” (Il marchio del creatori del gusto e della moda, Contratto e impresa, 3, 1988, CEDAM, Padova, p. 787). 157 Plagiamos GUGLIELMETTI quando afirma que “Il titolare di un marchio celebre gode […] di una situazione di privilegio che gli consente di impedire l`adozione del suo marchio, non indiscriminatamente a qualsiasi altro imprenditore, ma a chi volesse utilizzarlo per prodotti che, anche se non merceologicamente affini, il pubblico potrebbe ragionevolmente fabbricatti e/o venduti da lui” (Il marchio celebre o “de haute renoméé, Milano, Giuffrè, 1977, p. 229). 158 Em boa hora o legislador regulamentou as marcas de grande prestígio, não apenas pela premência da problemática, mas também para fazer cessar soluções anómalas experimentadas pelos titulares das marcas de grande prestígio; de entre estas, merece ser enfatizada a criação dos chamados registos defensivos, que eram o registo por aqueles da sua marca em áreas merceológicas onde as não tencionavam utilizar, com o único objectivo de impedir que outros o fizessem. Importa aqui referir, que não era este o único móbil para o que chamamos de registo defensivo; as mais das vezes, o empresário era instado a fazer o registo da sua marca em diferentes classes de produtos ou serviços para acautelar uma desejada expansão vertical das suas actividades pelo receio, que sublinhe-se é fundado, de outros registarem a sua marca para aquelas actividades, o que seria um elemento castrador das suas legítimas pretensões. Sublinhe-se que a prática do registo defensivo tinha cobertura legal no Reino Unido, sendo admitido pela lei das marcas de 1938. (sobre o tema vide ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 21, FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 341 e ss., GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 188, MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, pp. 341 e ss., NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 76 e ZICCARDI, Brevi note sui marchi protettivi, RDI, 1969, II, pp. 124 e ss.). 159 A problemática das marcas de grande prestígio começou por ser aflorada no Congresso da Câmara de Comércio Internacional (CCI) realizado em Lisboa, corria o ano de 1951. Sustentava-se a necessidade de a protecção já conferida à marca notória ser ampliada aquando da sua aposição em produtos não idênticos nem similares. Estamos perante uma excepção aos princípios gerais porquanto, na sua formulação tradicionalista, “ o direito ao uso exclusivo da marca, assegurado ao seu proprietário, só é atingido quando outra pessoa designe ou assinale com essa marca ou outra semelhante o mesmo produto ou produtos similares”. (PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial..., cit. p. 405). No Congresso do Quebec da Câmara do Comércio Internacional, quando LADAS e MAGNIN se uniram para reclamar a protecção ultramerceológica para as marcas notoriamente conhecidas. Sustentavam os AA citados que a protecção consagrada às marcas notórias fosse igualmente aplicada quando a marca fosse utilizada para produtos diferentes, quando se reconhecesse que a unicidade e a originalidade, decorrente do uso prolongado ou da publicidade feita à marca, pudesse ser usurpada por um terceiro, induzindo os consumidores na convicção errónea que os novos produtos provinham directa, ou indirectamente, daquela entidade. Sustentavam os primeiros defensores da consagração desta “nova categoria de marca, que se contrapunha à marca comum ou ordinária – a marca de reputação excepcional, que se caracteriza, como a expressão o indica, pela sua difusão especial, pela excepcional intensidade e expansão do seu renome (Ibidem, pp. 407). Sublinhe-se que num primeiro estádio “esta protecção extensiva (“protection accrue”) era concedida restritamente às marcas de reputação excepcional, e limitada aos casos de o uso da marca determinar possibilidade de confusão, ou um benefício injustificado ou o enfraquecimento real do carácter distintivo ou do poder de atracção da marca de reputação excepcional” (Ibidem, pp. 407). Ab initio esta proposta deparou com inúmeras vozes discordantes; PINTO COELHO, entre nós, assumiu-se frontalmente contra. (PINTO COELHO, A protecção da marca notoriamente conhecida, RLJ, 84, n.º 2972, pp. 353 e ss. e em O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1955, p. 11).

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58 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

sublinhe, que esta, apesar de resultar de um esforço de décadas e não obstante a sua consagração

legal, continua a inquietar alguma doutrina, que não se inibe de realçar que esta protecção é sempre

susceptível de gerar situações de melindre, nomeadamente o risco de formação de monopólios, em

relação a certos sinais.161 Não faltam aqueles que sustentam que a consagração legal deste tipo de

marcas não se fez acompanhar de uma suficiente reflexão sobre os limites e as razões da sua

protecção, os fundamentos jurídicos que justificam a protecção e quais as exigências que a

justificam.162

Pergunta-se alguma doutrina sobre o que justificaria socialmente a atribuição do privilégio do

monopólio do sinal distintivo? No caso das invenções, as motivações relacionam-se com o

interesse geral da revelação das mesmas e, cumulativamente, o estímulo à evolução técnica e

científica; no caso da marca enquanto sinal distintivo, a individualização e distinção de bens! Mas

que justifica a protecção da marca enquanto sinal sugestivo? Para os detractores das marcas

célebres, nada! É ainda corrente a argumentação de que a protecção ultramerceológica de algumas

marcas é uma injustificada concessão às grandes empresas, que as podem utilizar para falsear o

jogo da concorrência. Não faltam ainda os muitos que encontram nas marcas célebres um meio de

ludibriar os consumidores, que vão pagar um preço muito superior – decorrente dos investimentos

publicitários – por um produto de qualidade similar, ou mesmo inferior, do disponibilizado por

outros empresários.

O artigo 191º do CPI – no qual se estatui a protecção excepcional das marcas célebres – tem como

fonte imediata a directiva 89/104/CEE e, tem como pressupostos para a protecção da marca de

Sustenta o A que “a própria notoriedade ou difusão da marca afastaria a possibilidade de confusão com sobre a origem dos produtos”; mais diz, que a utilização da marca por terceiro para produtos diferentes “nunca poderia prejudicar como produtor da mercadoria que a criara, ainda que fosse de qualidade inferior o novo produto; […] só poderia desacreditar a marca usada como símbolo da segunda mercadoria e, que era usada, e esse descrédito só poderia afectar o segundo produtor”, porque “nenhum desprestígio daí resulta para a marca ou para o seu criador e proprietário” PINTO COELHO, O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1955, pp. 22 e ss. Ainda no leque das críticas POINTET sustentava que “enveredar por tal caminho seria conceder um privilégio exagerado ao proprietário da marca e restringir ainda mais, muitas vezes inutilmente, as escolhas das marcas” apud. PINTO COELHO, O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1955, p. 10. 160 Usualmente sustenta-se que a primeira vez que esta problemática nos Tribunais retroage a 1898, quando os Tribunais Ingleses aquilataram da admissibilidade da marca KODAK para identificar bicicletas. Sobre as posições jurisprudenciais vide STEPHEN LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, pp. 1090 e ss. Especificamente sobre as posições da jurisprudência alemã vide NOGUEIRA SERENS, Da tutela da Marca Célebre à Tutela da Marca de Grande Prestígio, Um caminho que deveria ter sido percorrido?, Seminário de Propriedade Industrial, pp. 15 e ss. 161 Entre outros, OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 13 e REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 624. A adopção de uma protecção ultramerceológica para a marca de grande prestígio é ainda criticada por COUTO GONÇALVES, que a classifica de “solução anómala” num mercado de livre concorrência. (Merchandising de Marcas, ADI, 1999, p. 98). 162 Assim, PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 532. Não obstante a inexistência de um aprofundado estudo, resulta insofismável que esta terceira categoria de marcas não “trata já de garantir ao titular da marca [...] o direito ao seu uso exclusivo para identificação de certo produto [...] mas de tutelar interesses de ordem diversa, que podem ser atingidos quando um terceiro utilize a marca para outros produtos” PINTO COELHO, O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1955, pp. 6/7.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 59

grande prestígio, que o titular da marca conflituante procure retirar um benefício ilegítimo da

notoriedade de marca alheia ou, seja susceptível de causar um prejuízo injustificado para o titular

da marca célebre. Dito de outra forma, a ratio legis da protecção das marcas de grande prestígio

encontra sustentação teórica em dois vectores fundamentais: o combate ao benefício parasitário e a

salvaguarda da capacidade sugestiva da marca.163

Mas o que deve entender-se por marca de grande prestígio? Como defini-la?164 Reconhecidamente

não é tarefa fácil, existindo quem sustente que a noção de marca célebre parte de uma “delimitação

apriorística e necessariamente empírica, tanto que só da análise casuística se pode concluir da sua

celebridade”;165 mas a dificuldade não pode deter o intérprete.166

A lei é omissa – sendo esta abstenção desejava e querida – relativamente à definição de marca de

grande prestigio. Socorrendo-nos da jurisprudência e da doutrina de mais alto coturno podemos

tentar descortinar alguns denominadores comuns deste tipo especial de marcas.

Desde logo identifica-se a necessidade de a marca gozar de grande notoriedade entre os

consumidores, não apenas os específicos dos produtos ou serviços nos quais a marca é aposta, mas

também o público em geral. Compreende-se bem este requisito: se a marca apenas fosse conhecida

163 O artigo que estamos a dissecar excepciona esta proibição existindo justo motivo para a adopção de uma marca idêntica a uma de grande prestígio: mas a que situações de justo motivo se reporta a lei? NOGUEIRA SERENS alude ao facto de o registo da marca ser anterior à marca de grande prestígio: não nos parece ser este o ratio legis da excepção, porquanto, a lei fala em marca posterior. (A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 178). Mais plausível será o facto de a marca ter-se registrado, ainda que após o registo da marca célebre, mas num momento em que esta ainda não havia conseguido um grau de notoriedade susceptível de a enquadrar no regime das marcas de grande prestígio ou, não existindo um registo, a mesma ser usada sem objecção do titular da marca de grande prestígio. Alguns autores sustentam ainda que existe uma legítima motivação nos casos, em paralelo com o previsto no art. 209.º CPI (art. 260.º do CPI 2003), do uso de um nome patrocínio coincidente com a marca de grande prestígio. Estamos perante a aplicação da denominada “teoria dos homónimos, que reconhece a cada pessoa o direito ao uso na sua actividade comercial, do seu nome patrocínio, salvaguardando desta forma um dos aspectos essenciais dos seus direitos de personalidade, o como é o caso do direito ao nome”.1 (SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas. A regra e a excepção: As marcas de grande prestígio,... cit. pp. 430). Sobre o tema vide ainda ROUBIER, Droit de la propriété Industrielle, Vol. II pp. 680 ss.). Uma outra possibilidade de invocação do justo motivo será o caso de a marca de grande prestígio ser uma indicação geográfica: (embora usada de forma absolutamente fantasiosa) neste circunstancialismo seria inadmissível que, ao abrigo desta protecção excepcional, se impedissem os empresários desse local ou região direito de usar a sua referência geográfica, nos seus produtos ou serviços. (Assim, MENESINI, Vittorio, Il marchio rinomante, Il Diritto Industriale, n.º 3/1996, p. 197. O A. refere ainda como susceptível de justo motivo o facto de as marcas conflituantes terem uma origem comum, numa clara referência ao processo HAG contra HAG. Subscrevemos.). 164 Reputamos importante plasmar aqui a definição proposta por PLÍNIO BOLA no Congresso de Viana de 1952 da Associação Internacional da Propriedade Industrial, que considera “como marcas de grande reputação (ou de alta notoriedade) as que, especialmente no país de origem e no país onde a protecção é reclamada, são conhecidas como designado uma empresa ou os seus produtos, não apenas pelos meios interessados mas pelo público em geral, de forma que a sua utilização de qualquer modo para produtos não idênticos possa vir a induzir o público em erro ou diminuir o poder de atracção da marca” (apud. PINTO COELHO, O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1955, p. 11). 165 GUGLIELMETTI, Il marchio celebre o “de haute renoméé, Milano, Giuffrè, 1977, p. 35. [Tradução nossa]. Em sentido próximo REMO FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 164/165. 166 Não escamoteando a pertinência em definir esta nova categoria de marcas, o apelo da verdade obriga-nos a referir que, em ultima análise, a qualificação de uma marca como de grande prestígio, assenta as mais das vezes na subjectividade do julgador, uma vez que trabalharmos com um conceito sobejamente impreciso; se algumas marcas são inequivocamente de grande prestígio, sendo a sua qualificação inquestionável, existe depois uma enorme massa cinzenta de marcas cuja qualificação é sempre problemática.

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60 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

pelo consumidores-tipo dos produtos ou serviços em que a marca era aposta, não se justificava uma

protecção a montante do princípio da especialidade; o problema da marca célebre apenas ganha

especial acuidade quando bem conhecida no mercado relevante em que se pretende realizar o

registo posterior.167

Esta notoriedade pode resultar de uma heterogeneidade de condições.168 De forma não exaustiva,

podemos avançar com alguns critérios susceptíveis de conduzir a uma excepcional notoriedade: a)

o esforço publicitário;169 b) a qualidade dos produtos ou serviços; c) a tradição; d) o design; e) a

quantidade de locais de venda ou prestação de serviços; f) o volume de vendas; g) a origem; h) as

características inovadoras do produto ou serviço (assim, por exemplo a marca Viagra) i) a extensão

geográfica da área comercial em que a marca é usada170 …

Refere-se ainda a exigência que os consumidores estabeleçam directamente uma relação entre

aquela marca e determinados bens, reclamando-se uma imediata ligação entre a marca e os

produtos ou serviços nos quais a marca é aposta e dos quais resulta a sua celebridade.

Acresce que a marca deve possuir enorme individualidade, i e, uma acentuada originalidade,171

não podendo ser aquilo que usa chamar-se uma marca fraca ou débil.

Não faltam aqueles que também exige que a marca, não deve ser apenas conhecida pelos

consumidores, mas beneficiar de bastante prestígio entre eles, que seja particularmente apreciada,

que goze de especial estima, decorrente da qualidade dos produtos que assinala. Neste sentido

escreve REMÉDIO MARQUES que “não deve bastar, para efeitos de individualização da

reputação excepcional, a imagem que a marca detém, decorrente unicamente da promoção

publicitária, considerando indispensável, ainda, que o público, pela sua enunciação ligue,

imediatamente o sinal ao produto ou serviço172. Na sua exposição o A. sustenta que o prestígio da

marca pode resultar de um conjunto de circunstâncias, tais como, a fama conquistada pelas

prestações do produto, o design, o número de locais de distribuição, entre outras.

Com o devido respeito, neste ponto, não acompanhamos o Autor. Sendo certo que o exposto seria o

desejável, a prática demonstra de forma inequívoca que o prestígio de um produto nem sempre se

faz acompanhar da sua qualidade intrínseca. Com efeito “uma coisa é saber como é que a reputação

167 Assim, NOGUEIRA SERENS, Da tutela da Marca Célebre à Tutela da Marca de Grande Prestígio, Um caminho que deveria ter sido percorrido?, Seminário de Propriedade Industrial, p. 32. 168 Concordamos com ANDREA MARIANI ao afirmar que “La nascita di un marchio celebre non è un fenomeno casuale [...] creare dei marchi suggestive ed evocativi, capaci di imporsi como status symbol e di divenire referenti simbolici di valore del tutto avulsi dall`intrinseca materialità del singolo objecto” (L`analisi económica del marchio che godé di rinomanza, Il Diritto Industriale, n.º4/1996, p. 291). 169 Assim, GUGLIELMETTI, Il marchio celebre o “de haute renoméé”, Milano, Giuffrè, 1977, p. 37. 170 REMO FRANCESCHELLI, traz à colação mais este critério. (Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 163). 171 Embora se não deva exigir que a marca seja original e única: exigindo-se estes como requisitos, marcas como a Mercedes, Ferrari, Malboro, Ford, etc., não podiam almejar a esta classificação. 172 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, cit. p. 626. Também COUTO GONÇALVES, defende uma posição análoga. (Merchandising de Marcas, ADI, 1999, p. 99).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 61

foi adquirida (e mesmo se é, ou não, merecida) e outra, bem diversa, é saber se tal reputação

existe”.173 A protecção jurídica concedida às marcas de grande prestígio não funciona como uma

recompensa pela excelência das actividades da empresa, mas resulta da contestação de facto de que

determinadas marcas atingiram um estatuto que o modelo tradicional do princípio da especialidade

é impotente para proteger eficazmente. O merecimento, ou não, desse estatuto é uma problemática

externa ao Direito das Marcas.174

Por fim, urge questionar-nos sobre a amplitude do reconhecimento da marca: o quantum a marca

deve ser conhecida para beneficiar deste regime especial.

Uma proposta plausível será afectar o grau de conhecimento à figura de facto notório, previsto no

art. 514º Código de Processo Civil;175 assim, sem necessidade de que o requerente apresentasse

prova, o registo conflituante com a marca de grande prestígio seria recusado, sempre que a marca

fosse, notoriamente, de prestígio!

No direito comparado, nomeadamente na jurisprudência alemã, sustenta-se que a marca deve

atingir um conhecimento não inferior a 80% da população para que se possa qualificar como

notoriamente conhecida.176

173 SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas. A regra e a excepção: As marcas de grande prestígio..., cit. p. 418, nota 88. Próxima da nossa posição é a sustentada por NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 136, quando sustenta que para averiguar a existência de grande prestígio é suficiente a valoração subjectiva do consumidor, não carecendo a prova de que os produtos são objectivamente de qualidade. 174 Por fim, entendo existir um aspecto que, erradamente, tem sido negligenciado pela maioria da melhor doutrina. Desde logo a dificuldade em aferir a constância qualitativa de produtos ou serviços, pela subjectividade à mesma subjacente. Mais. Ainda que se conjure uma resposta pertinente ao quesito formulado, nova preocupação deve assolar o intérprete. Para fio condutor de raciocínio, reflectimos sobre duas marcas de inequívoca reputação: Cola-Cola e MacDonald`s; não obstante ambas serem de generalizado conhecimento, não apenas dos consumidores daqueles produtos mas do público em geral, e de gozarem de especial e generalizada aceitação pelos consumidores, a qualidade intrínseca dos produtos em que as mesmas são utilizadas têm, ciclicamente e por peritos de insuspeita qualidade e isenção, sido colocada em causa, não apenas em relação aos efeitos nefastos para a saúde dos consumidores, bem como atacada a sua qualidade através da estudos comparativos. O que se pretende frisar, ilustrando-o com as referidas marcas, é a realidade, cujo mérito é criticável mas a veracidade inatacável, de o prestígio alcançado pelas marcas, e consequentemente a sua capacidade atractiva ou sugestiva, não se basear em aspectos objectivos e qualitativos, mas numa subjectividade quase inexplicável, com alicerces estruturais na imagem da marca. Concorde-se ou não, muitas das escolhas subjectivas são dissociadas das qualidades dos produtos ou serviços de per si, mas em factores externos a estes; parafraseando um celebríssimo presidente, cada vez mais a decisão aquisitiva não pressupõe o que o consumidor pode fazer com o produto, mas o que o produto pode fazer pelo consumidor, i e, as minhas escolhas não são determinadas pela susceptibilidade de o produto ser apto para suprir as minhas necessidades, mas pela idealização construída em torno do mesmo (Em sentido similar ALDO FRIGNANI, Factoring, Leasing, Franchising, Venture capital, Leveraged buy-out, Hardship clause, Countertrade, Cash and carry, Merchandising, Know-how, 5ª Edizione, G. Giappichelli Editore – Torino, 1993, p. 472 escreve que “non è più lá qualità del prodotto che trascina il marchio, ma è il marchio che dà valore al pordotto”. Ainda neste sentido, SWANN, Dilution redefined for the year 2002, The Trademark Reporter, Vol. 92. n. º 3, pp. 593/594). 175 Artigo 514º n.º 1 – Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral. 176 Para mais desenvolvimentos sobre o modo como a jurisprudência alemã encara o problema vide ALBERTO MARTINS MUÑOZ, El merchandising. Contrato de Reclamo Mercantil, Editorial Aranzadi, Madrid, p. 95 e NOGUIRA SERENS, Da tutela da Marca Célebre à Tutela da Marca de Grande Prestígio, Um caminho que deveria ter sido percorrido?, Seminário de Propriedade Industrial.

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62 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Sufragamos o entendimento de que a marca célebre deverá ser conhecida por uma percentagem

elevada – entre os 70 e 80% – dos consumidores normais dos produtos (ou serviços) que a marca

visa identificar.

A abordagem estatística ao problema não é estranha à doutrina nacional, nomeadamente a COUTO GONÇALVES ao entender que a marca terá de ser conhecida por uma percentagem não inferior a 75% dos consumidores, não em abstracto, mas do mercado específico daquele produto. (Merchandising de Marcas, ADI, 1999, p. 98).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 63

CAPITULO II

FUNÇÕES TRADICIONAIS DAS MARCAS

3. Perspectiva económica da Marca;

4. Função Distintiva;

5. Função Garantia da Qualidade.

6. Conclusão Intercalar

33.. FFUUNNÇÇÃÃOO DDAA MMAARRCCAA:: PPEERRSSPPEECCTTIIVVAA EECCOONNÓÓMMIICCAA

Como é comum nos casos em que se interpretam institutos jurídicos de forte implementação na

vida económica, importa distinguir entre a função económica desempenhada por estes e a função

protegida pelo ordenamento jurídico. No caso das marcas, impõe-se a apreciação das utilidades ou

vantagens decorrentes do seu uso e posteriormente indagar sobre de todos os efeitos imputáveis às

marcas aqueles que o Direito das Marcas defende e protege.

Numa perspectiva económica é dogmaticamente admitida a tese abraçada por ISAY177 no final da

década de 20, que postulava a verificação cumulativa de três finalidades pela marca:

- indicação de origem dos produtos ou serviços em que é aposta, permitindo por este meio

que os consumidores tenham um referencial que lhes faculte realizar as suas aquisições,

funcionando a marca, na mente do consumidor, como um símbolo que possibilite a escolha em

concreto dos produtos marcados e a consequente diferenciação de todos os outros da mesma

espécie;

- garantia da qualidade dos produtos ou serviços marcados, no sentido em que o

consumidor espera e deseja que, todos os bens em que a mesma marca seja aposta, apresentem

paritários níveis qualitativos;

- e, por fim, a marca desempenha uma função publicitária ou sugestiva, sendo recorrentes

os exemplos em que o “valor” da marca transcende o valor dos elementos corpóreos das empresa

da qual faz parte.

Mas da constatação de que uma marca pode desempenhar uma pluralidade de funções de índole

económica não se pode inferir que num plano jurídico prossegue similares desideratos; assim,

177 Conforme GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 17. Também em Portugal esta trilogia é usualmente aceite, conforme NOGUEIRA SERENS, A proibição da Publicidade Enganosa: defesa dos consumidores ou protecção (de alguns) concorrentes, Comunicação e Defesa do Consumidor, Coimbra, 1996, pp. 238/239 e PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas. A regra e a excepção: As marcas de grande prestígio, ROA, Ano 58, 1998, Lisboa, pp. 381 e ss.

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64 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

numa perspectiva jurídica, gera celeuma a identificação da função juridicamente protegida,178sendo

uma magna quaestio onde se confrontam as teses daqueles que sustentam a existência de uma

função distintiva, as de outros que defendem uma função de garantia de qualidade e uma recente

doutrina que valoriza a função publicitária da marca.179(sejam isoladas, sejam em conjunto, uma

vez que nada obsta a que a marca realize plúrimas funções180).

178 Pode ser entendido como despiciendo, mas sustentamos ser útil determinar o que se entende por função jurídica protegida: não se trata de delimitar qual a função socio-económica de um instituto ou a finalidade ideal do mesmo; o que se pretende neste contexto é observar um dado ordenamento jurídico de molde a concluir qual, ou quais, as funções que um determinado instituto visa prosseguir. Procurar a função jurídica é determinar a “fuzione-scopo […] essendo chiaro che lo scopo di un instituto rileva in maniera autonoma soltanto nell momento dell`esplicazione o della valutazione dell`attività vincolata al raggiungimento di tal scopo” (FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, p. 7). O A. ilustra a sua posição com um exemplo que se reproduz: um livro tem uma função própria, ser lido; mas nada obsta a que o mesmo seja usado enquanto ornamento, para nivelar um sofá ou qualquer outro fim que o seu titular entenda ser pertinente. Mas da pluralidade de fins que na prática o livro pode desempenhar, não é lícita a conclusão que todas são as suas causas-função. (ibidem, pp. 8 a 10). Refira-se ainda que a identificação da função jurídica da marca não pode fazer-se em abstracto, mas antes de acordo com o quadro legislativo em vigor no país sobre o qual versa a análise. Com efeito, a função legalmente atribuída à marca também oscila consoante são os modelos económicos e políticos do ordenamento em que é protegida. (esta menção é feita por CHAVANNE e BURST, apud. PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 382; no sentido da nossa proposição vide ainda GUGLIELMETTI, Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, p. 383 e RENATO CORRADO, Segni Distintivi, Ditta- Insegna- Marchio, Trattado di Diritto Civile, diretto da Giuseppe Grosso e Santoro-Passarelli, Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, p. 20). Do que fica escrito não pode inferir-se que é nossa convicção que a função económica de um instituto possa ser irrelevante para o jurista: mas trata-se de uma relevância mediata, que carece de ser comprovada pela vontade do legislador. Por outro lado, um estudo sobre a função jurídica da marca que se baseia apenas no Direito das Marcas poderá, em determinados aspectos, ser redutor, porquanto importa aquilatar a problemática em consonância com a tutela do consumidor, com a disciplina jurídica da publicidade e com o primado da liberdade de iniciativa económica. (No mesmo sentido, GIUSEPPE SENA, Brevi note sulla funzione del marchio, RDI, 1989, parte I, p. 5). 179 Estas não são as únicas teses propostas para explicar a função da marca; a opção de tratar apenas estas resulta do facto de indiscutivelmente serem as que congregam mais apologistas e maior complexidade e premência encerram. A par destas podemos falar da função de fixação de clientela e da função comunicativa da marca. Por função de fixação de clientela quer afirmar-se a potencialidade de a marca fixar os consumidores que, satisfeitos com a opção aquisitiva tendem a adquirir o mesmo artigo, no pressuposto de reencontrar o mesmo nível de contentamento. Neste sentido a marca desempenha a valia de orientar os consumidores para os produtos ou serviços de determinada empresa. Mas esta visão não é imune a críticas. Com efeito, baseia-se na errónea, mas tradicional, premissa que a clientela é um elemento do estabelecimento (neste sentido RENATO CORRADO, Segni Distintivi, Ditta- Insegna- Marchio, Trattado di Diritto Civile, diretto da Giuseppe Grosso e Santoro-Passarelli, Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, pp. 17 e ss.). Quem contesta esta teoria, não nega que a marca tenha apetência para fixar clientela: reconhece-se que a satisfação de determinados produtos ou serviços pelos consumidores geram novos consumos, não apenas desse produto ou serviço em si, bem como de outros análogos apresentados sob a mesma marca: a crítica é a relevância autónoma desta tese. Sustenta-se que a pretensa fixação da clientela não é mais de que uma decorrência lógica e necessária do facto de a marca indicar a proveniência do bem, sendo que é a alusão mental à origem dos produtos ou serviços que propensa à sua aquisição. Por outro lado, numa posição que sustentamos, não decorre do texto legal quaisquer normas que confiram legitimidade jurídica a esta tese, nomeadamente, o princípio da liberdade da adopção da marca ou a sua livre alteração que tornam impossível a sustentação legal da tese em análise. (No mesmo sentido ROTONDI, Diritto Industriale, Pádua, 1965, pp. 109/110.) Para mais desenvolvimentos sobre a função de fixação de clientela vide FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 147 e ss., MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, pp. 80 e ss. Uma outra tese, sustenta a existência de uma função comunicativa na marca. Esta tese procura superar as dificuldades sentidas para explicar a função da marca pelas teorias tradicionalistas, deslocando o cerne da problemática da capacidade distintiva para a capacidade comunicativa da marca. Com efeito, parte-se da constatação de que a marca desempenha, a mais das vezes, uma função informativa, facilitando a escolha ao consumidor. Para quem defende esta teoria a marca actuava como um código de sinais que colocaria em contacto empresários e consumidores, servindo para aqueles

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 65

Independentemente da concepção perfilhada, a marca está umbilicalmente conexionada à

problemática da concorrência, porquanto apenas em mercado concorrencial se concebe a

essencialidade de uma empresa identificar correctamente os bens que oferece ao mercado

consumidor. “As marcas são […] os principais símbolos e instrumentos da luta corporativa entre

empresários atento o mercado do consumo (intermédio e final), aí onde desempenham central

protagonismo na formação e conservação da clientela”.181

44.. FFUUNNÇÇÃÃOO DDIISSTTIINNTTIIVVAA DDAA MMAARRCCAA;;118822

4.1. Como ficou indiciado pelas considerações anteriores a marca ganha relevância no quotidiano

jurídico no quadro da concorrência empresarial, sendo esta a justificação daquela. A acuidade da

marca desenvolveu-se quando a concorrência passou a afirmar-se em parâmetros diversos da

qualidade/preço, nomeadamente, num estádio de homogeneização dos factores de produção e,

consequentemente, do seu resultado.183

notificarem estes sobre as características dos produtos (assim, FEZER, citado por RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1662). É axiomático que a marca transmite ao consumidor um conjunto de informações (nem sempre verídicas) relativas aos produtos e serviços, suas funcionalidades, capacidades e características. De forma imediata, ao identificar um determinado produto ou serviço, permite ao público escolher o produto que pretende; mediatamente, sugere-lhe um determinado nível de qualidade. (Num sentido similar GIORGIO FLORIDIA que “il marchio, che contraddistingue prodotti e servizi, é uno strumento essenciale di comunicazione fra le imprese ed i consumatori e consente, attraverso la differenziazone e la individuazionde dei prodotti, le sclete del mercato, strumento quindi di comunizione, informazione e concorrenza”).(Marchi di impresa (natura e funzione), cit. p. 292). O paladino desta teoria, LEHMAN defende a marca “funziona alla stregua di un “signal code” che differenzia una determinata offerta sul mercato dalle altre. Attraverso il canale di informazione posto in essere per mezzo del marchio d`impresa può trsmettere ai consumatori [...] una gamma molto vasta di messagi, tra i quali può sceliere liberamente”. (Rafforzamento della Tutela del Marchio attraverso le norme sulla concorrenza sleale, RDI, 1988, parte I, p. 28; vide ainda do mesmo A. Il nuovo marchio europeu e tedesco, RDI, 6, 1995, pp. 276 e ss. e SWANN, Dilution redefined for the year 2002, The Trademark Reporter, Vol. 92. n.º 3, pp. 591 e ss.). Num sentido próximo GALLI sustenta que a marca é entendida como um instrumento de comunicação, advertindo os consumidores de “todas as componentes, informativas e sugestivas, da mensagem de que a marca é portadora e que, como tal, se relaciona com os produtos ou serviços para os quais vem usada” (apud., COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Almedina, Coimbra, 1999, p. 227). Acerrimamente contra esta função pronuncia-se CORNISH apelidando os percursores desta teoria de radicais, que apenas pretendem denegrir as funções tradicionais das marcas. (Intellectual Property: Patents, copyright, trade marks and allied rights, Second edition, London, Sweet & Maxwell, 1989, p. 530). Na doutrina lusa, assinale-se a defesa, ainda que tímida, desta tese por COUTINHO de ABREU, enaltecendo que a capacidade das marcas transmitirem mensagens, comunicando ao público algo sobre os produtos. (Curso de Direito Comercial…, cit. pp. 323/324). 180 Assim, CIONTI, La funzione del marchio, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 147 e ss. e FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 227 e ss., especialmente p. 232. 181 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 595. 182 Importa deixar aqui uma definição de distinguir: “conseguir identificar através de um dos sentidos; notar ou perceber a diferença entre duas ou mais coisas e pessoas; ser distinto de qualquer outra coisa” Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, Lisboa, 2001, p. 1284. Também VANZETTI sublinha que “distinguere significa separar con la mente um oggeto da un altro, scorgendo la differenza che è tra essi” (ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, p. 31). 183 É indiscutível que a produção industrial se caracteriza pela eliminação dos elementos diferenciadores, sintetizando os elementos de identidade, estruturando determinados grupos, classes ou categorias, constituídos por unidades que

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66 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Ao atribuir ao titular da marca o direito de uso exclusivo para identificar os seus produtos (ou

serviços) na actividade económica, diligenciou-se para distinguir os diversos produtos apresentados

no mercado pelos diversos empresários, bem como, permitir ao consumidor a identificação do

produtor e a subsequente escolha do bem desejado.

É manifesto que na sua génese a marca desempenhava uma função distintiva que, como

VANZETTI sublinha, pode ser concebida numa dupla perspectiva: por um lado pela marca é

possível estabelecer a destrinça entre produtos e serviços, facilitando o processo de eleição de

compra pelo consumidor, não raras vezes, sendo a marca o único elemento que permite esta

diferenciação perante a já aludida paridade ou similitude entre produtos;184 por outro lado, fala-se

nesta função para dar ênfase à susceptibilidade deste signo para identificar a origem dos bens,185

pela referência a uma unidade produtiva,186que, ao manter-se imutável, garantiria uma constância

das características fundamentais do produto e, deste modo, orientar as escolhas futuras dos

consumidores.187

Esta dualidade na interpretação da função distintiva das marcas não faz o pleno da melhor doutrina;

frontalmente contra esta visão bicéfala, pronuncia-se FRANCESCHELLI, para quem “a marca,

seja ou não registada, distingue os produtos, as mercadorias ou os serviços, e não o estabelecimento genericamente se podem considerar idênticas, permitindo a fungibilidade dos produtos. (Assim, PUGLIATTI, Enciclopedia del Diritto, Vol. XI, p. 75). Sobre o tema vide o que afirmamos na introdução deste estudo. 184 Abordando o tema GUGLIELMETTI afirma que a marca é “il nome mediante cui si designa abitualmente la merce, denominazione adoperata dal pubblico nelle sue richieste e dal venditore nelle sue offerte”. (Il Marchio: Oggetto e Contenuto, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1968, p. 10). ASCARELLI acrescenta que “il marchio […] individuando il prodotto permette appunto che la domanda su questo rivolva possa anche su questo effettivamente concentrarsi non disperdendosi su prodotti diversi e che pertanto la richiesta dovuta alle qualità o alla notorietà di un prodotto […] possa poi rivolgersi a detto prodotto, perciò identificandolo” (Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 301). Concordamos com o que fica escrito. 185 Nos casos excepcionais em que a marca é obrigatória é insofismável que estas indicam a proveniência dos seus produtos, sendo este o facto que justifica a sua obrigatoriedade. 186 No sentido que a função distintiva da marca assume estas duas realidades, ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDI, cit. p. 16. Como bem expõe THOMAS McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publicite Co., 1973, § 3:2 a marca teria como função responder a duas perguntas. “Who are you?” e “Where do you come from”. Num primeiro momento, através da marca o consumidor poderia identificar determinado produto, de entre o leque de produtos similares e afins; a marca seria assim o nome de um determinado produto ou serviço; sucessivamente a marca seria ainda susceptível de indicar a origem desses mesmos bens. Semelhantemente, COUTO GONÇALVES, entende que a “função distintiva desdobra-se numa função-meio, a função de distinguir os produtos e serviços, entre si, e numa função-fim, a função de distinguir a proveniência dos produtos ou serviços”. (Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 33). A argumentação de que a função jurídica da marca é a indicação da proveniência dos produtos ou serviços, através do estabelecimento de uma conexão incindível entre a marca e a fonte produtivo, baseia-se em quatro premissas essenciais: a) a possibilidade do surgimento do direito à marca deverá ser uma prerrogativa exclusiva de um empresário; b) o titular da marca apenas pode invocar os direitos que a marca lhe confere nos quadros do princípio da especialidade c) existindo uma cessão da marca, esta deverá fazer-se com a transferência do estabelecimento a que a marca está adstrita; d) o desaparecimento da empresa deverá acarretar a extinção da marca. (por todos, vide ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDI, cit. pp. 33 e ss.) Em sentido próximo pronuncia-se FERNÁNDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 35. A defesa da função indicadora de origem da marca assentava em três pilares fundamentais: a) a restrição aos empresários da possibilidade de registar uma marca, a transmissão vinculada da marca e a extinção da marca em caso de cessação da actividade. (assim, COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 114). 187 A referência final é sublinhada por ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 16 e GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 174.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 67

ou a empresa, ou o estabelecimento e os seus produtos, ou, como alguns já afirmaram, a fonte

produtiva, ou pior, a fonte de origem”.188 Para esta corrente a marca é um sinal destinado a

identificar produtos ou serviços e permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.189

Desenvolva-se. Não é exacto dizer que a marca identifica os produtos (ou serviços) de uma

empresa, para diferencia-los dos das outras entidades; a marca não individualiza em concreto um

dado produto ou serviço, mas identifica-o como um exemplar de uma classe homogénea e

uniforme.190

4.2. Não obstante a posição supra referida, tradicionalmente, sustenta-se que a função primeira e

essencial da marca é a distinção de produtos ou serviços de uma empresa, dos disponibilizados por

outras empresa. Assim, segundo esta concepção, durante décadas largamente dominante entre a

mais conceituada doutrina191 e jurisprudência,192 a função distintiva das marcas equivale a uma

188 REMO FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 247. [Tradução nossa]. Continua o A. sustentado que a eleição da função indicadora de origem da marca é contra o tempo, contra a lei e contra os interesses da vida empresarial. Contra o tempo porque expressam o espírito das marcas corporativas, obrigatórias e de responsabilidade; contra a lei porque a visão é desajustada face ao actual Direito das Marcas; contra os interesses da vida empresarial, porque corresponde a uma visão estática da marca, pouco elástica às novas necessidades da economia. (Ibidem, p. 248). No sentido da primeira proposição PINTO COELHO, afirma ser a marca “um sinal distintivo de um produto e não de uma empresa ou dos seus produtos.” (O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1955, p. 17). Na esteia de FRANCESCHELLI, FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, p. 142, GIUSEPPE SENA, Brevi note sulla funzione del marchio, Rivista di diritto industriale, 1989, parte I, p. 5 e ss.,GUGLIELMETTI, Il Marchio: Oggetto e Contenuto, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1968, p. 8 e Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, pp. 382 e ss., e TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 299 e ss. Vide ainda os autores citados por FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa…, cit. p. 247 nota 1. A posição de FRANCESCHELLI é, por seu turno, criticado com o argumento que desvincular a marca da sua origem empresarial a desvirtuaria, porquanto, a marca passaria a ser uma denominação genérica de um produto, um mero sinal identificador de produtos e não um meio apto para a sua diferenciação. (Assim, COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 259). 189 A tese de FRANCHESCELLI recebeu o apoio da alguma importante doutrina portuguesa como FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. I, F.D.C., Coimbra, 1973, p. 179, OLIVEIRA ASCENSÂO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1994, pp. 141 e ss. e PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, p. 384. Também na jurisprudência encontramos reflexos desta posição cfm Ac. STJ, BPI n.º 2/97 de 30/05/97, p. 407, Ac. STJ de 12/01/99, www.dgsi.pt/. 190 Assim, BAYLOS CORROZA, Tratado de Derecho Industrial, 2ª Edicion, Civitas, Madrid, 1993, p. 817. 191 A título ilustrativo refere-se a posição de REMÉDIO MARQUES ao escrever que “as marcas diferenciam produtos ou serviços dos empresários concorrentes. Ao público fica, deste jeito, garantida a identidade de origem do produto ou serviço marcado, permitindo-lhe distinguir sem confusão possível, esse produto do de outra proveniência. Pode, pois, ele seleccionar entre a multiplicidade de produtos afins ou similares aqueles que reputa comparativamente melhores […] Esta função distintiva dos produtos ou serviços é uma função típica […] Todavia, a marca não esgota a sua importância na função diferenciadora de produtos […] A sua função reconduz-se ainda, a uma indicação de proveniência do produto ou serviço. Ou seja, a marca individualiza fontes produtivas…” (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 595/597). No mesmo sentido, em Portugal, CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 38 e ss., COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, passim, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 7 e ss., PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial, Vol. I, Lisboa, 1957, pp. 333 e ss. Em Itália, já em 1915 GHIRON escrevia que “la funzione del marchio giuridicamente protetta, è la funzione differenziatrice” (Il marchio nel sistema del diritto industriale, Rivista Diritto Civile, 1915, p. 183; ainda neste sentido, ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, p. 16 e ss., DI CATALDO, I segni disntitivi, Milano, 1993, pp. 19 e ss.; MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, pp. 2 e ss., GIORGIO OPPO, Dirrito al Marchio e divieto di propaganda del prodotto, Diritto dell`Impresa, Scritti Giuridici I, CEDAM, 1992, p. 426 e ss., GUGLIELMETTI, Il marchio celebre o

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68 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

função jurídica de indicação da origem dos produtos, i e, indicam que determinados produtos

provêm de determinado empresário, seja uma mesma empresa ou uma única fonte produtiva,

distinguindo-se desta forma dos produtos disponibilizados pelos demais concorrentes.

É indubitável que a função primeira da marca, aquela que sobressai imediata e directamente, é a

função identificadora dos produtos ou serviços: ao contemplar uma marca aposta num determinado

produto ou serviço o comprador interioriza, logicamente, que todos os bens daquela classe que

utilizam aquela marca apresentam iguais características. Posteriormente, o consumidor é instado a

considerar que todos os produtos (ou serviços) com a mesma marca emanam da mesma empresa.193

O que fica escrito decorre de modo imediato do direito de uso exclusivo da marca e deriva da

própria essência do direito das marcas, porquanto, se um empresário regista a sua marca para uma

determinada classe de produtos ou serviços e se se lhe reconhece a faculdade exclusiva de aplicar

um sinal distintivo a uma classe de produtos ou serviços, então é insofismável que todos os

produtos ou serviços que nessa classe, ostentam aquele sinal distintivo, emanam (ou deveriam

emanar) da mesma empresa e, como tal, serão reconhecidos pelos consumidores.

Quem defende esta posição sustenta ser esta uma função apta para satisfazer todos os interesses em

confronto: os interesses dos empresários, por prevenir a utilização de marca igual ou similar pelos

concorrentes do seu titular, tornando a marca susceptível de aglutinar e consolidar o aviamento da

empresa, uma vez que gera uma referência do produto ou serviço com a empresa.194 Através deste

“de haute renoméé, Milano, Giuffrè, 1977, p. 183 e ss., e ROTONDI, Diritto Industriale, 5ª, Edition, Padova, 1965, pp. 107 e ss.; Em Espanha, BAYLOS CORROZA, Tratado de Derecho Industrial, 2ª Edicion, Civitas, Madrid, 1993, pp. 817 e ss., FÉRNANDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, pp. 33 e ss.; na Bélgica, BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuzième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 10 e ss.; no direito inglês, CORNISH, W.R., Intellectual Property: Patents, copyright, trade marks and allied rights, Second edition, London, Sweet & Maxwell, 1989, pp. 391 e ss.; no direito suiço MAURO CAVADINI, Considerazioni sul contratto di merchandising de marchio, Rivista di Diritto Sportivo, p. 351; no direito francês CHAVANNE e BURST, Droit de la Propriété Industrielle, Paris, 1993, p. 343; no direito americano ISSAC, Traffic in Trade-Symbols, Harvard Law Review, Volume XLIV, Ano 1931, p. 1210 e AA. citados por SCHECHTER, Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, Vol. XL, 1927, p. 814. 192 Não falta quem – como o faz PEDRO SOUSA E SILVA (O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 386) – sustente ter o TJCE ter tomado posição em defesa desta tese, “declarando que a função essencial da marca é a de garantir aos consumidores a identidade de origem do produto, ou seja, garantir que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controle de uma única empresa” (ibidem). Ainda que a posição jurisprudencial fosse vinculativa para o intérprete, acresceria que as decisões citadas datam de 1976 e 1990, antes da plena consagração legal das marcas de grande prestígio que, em nossa opinião, vêm de forma irreversível cindir os anteriores ensinamentos doutrinais. (assim, por exemplo, Caso Hoffmann-La Roche/Centrafarm, Ac. de 23/05/1978, Caso Centrafarm/American Home Products Corporation, Ac. 10/10/1978, Caso HAG-II, Ac. 17/11/1990, Caso Canon/Metro-Goldwyn-MAyer, Ac. 29/09/1998, Caso IHT/IDEAL STANDAR, Ac. 22/04/94 in http://curia.eu.int/pt/jurisp/index.htm. Também a jurisprudência nacional tende a enaltecer esta função, cfm, Ac. STJ de 27/10/98, www.dgsi.pt/, Ac. STJ de 19/03/98, www.dgsi.pt/, Ac. STJ de 10/07/97, www.dgsi.pt/. 193 Por este facto, afirma-se que “la marca desempeña un papel informativo: atestigua ante los consumidores que todos los productos de una misma clase portadores de la misma marca han sido fabricados o distribuidos por una misma empresa” (FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 61). 194 Sem dúvida a marca “acquista invero efficacia penetratrice, oltre che individuatrice, strumento per raggiungere ed attirare la clientela in relazine al prodotto individuato” TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 303. Ainda neste sentido, STEPHEN LADAS, refere que a marca "becomes the reflector of goodwill and of the reputation of the maker of goods. It becomes a magnet for would-be buyers in the sense that the virtues of the enterprise and its products are transmuted into custom acceptance through the trademark” (Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, p. 1088).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 69

referencial, a satisfação do consumidor por um determinado bem canaliza-se para a marca que, por

sua vez, se reporta a determinada fonte produtiva, tornando-se a marca numa mais valia, decorrente

do grau de satisfação junto dos adquirentes. Por outro lado, segundo os apologistas desta tese,

protegem-se os consumidores, pelo facto de a concorrência se basear em critérios apenas

objectivos, nomeadamente a qualidade e preço, bem como pelo facto de o processo de escolha do

bem se encontrar facilitado. Por fim, esta teoria apresenta, ainda, a valência de proteger os restantes

empresários (não concorrentes) mediante a possibilidade de o sinal distintivo permanecer

disponível para apropriação por estes e subsequente utilização na sua área merceológica.195

Por tudo o que fica exposto, compreendemos a posição de VANZETTI, uma vez que, o consumidor

ao admirar uma marca enquanto sinal identificador de determinado produto ou serviço, é tentado a

considerar que todos os bens com igual marca procedem da mesma empresa,196 assumindo a marca

uma função indicadora de proveniência de produtos ou serviços.

De certa forma podemos sublinhar uma progressiva deslocação do cerne da problemática dos

produtos para a empresa, servindo a marca não para identificar aqueles, mas esta; a marca tenderia

a garantir a homogeneidade dos diversos produtos colocados no mercado sob a mesma designação,

devendo a identidade ser imputada à empresa.197

Um importante argumento para a sustentação desta tese decorre do texto legal, nomeadamente da

definição de marca, quando se afirma que o sinal deve ser susceptível de distinguir os produtos ou

serviços de uma empresa dos de outras empresas. Para muitos, infere-se deste preceito que o

legislador pretendeu assumir uma posição firme e decisiva na defesa da função distintiva, como a

única juridicamente protegida.

Também a Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho de 21 de Dezembro de 1988198 que

harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas é utilizada como argumento

tendente à assunção da função distintiva da marca como a única juridicamente protegida, quando

expressamente se afirma “que a protecção conferida pela marca registada, cujo objectivo consiste

195 Neste sentido, por todos ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, pp. 45/46. Este parece ser o momento para referir que quem defende que a única função juridicamente protegida pelo Direito das Marcas é a função de indicação de proveniência não desvaloriza a importância das outras funções económicas da marca; tão somente sustenta que as mesmas apenas são reflexamente protegidas, no quadro e limites da função distintiva: assim, a função publicitária decorre do facto de o consumidor associar a determinada marca um conjunto de satisfações positivas que o impele a novos consumos dos mesmos produtos, passando a marca per se a desempenhar uma aptidão atractiva; por outro lado, o público espera encontrar imaculadas as características dos produtos ou serviços que consome com base no pressuposto de provirem da mesma entidade (ou de entidades relacionadas entre si), garantindo-se por este meio os níveis qualitativos dos produtos e serviços. 196 ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, p. 32. No mesmo sentido VINCENZO DI CATALDO sustenta que o princípio “significa in concreto affermare che la sola protezione del marchio contro altrui utilizzatori è quella necessaria e sufficiente ad evitare il pericolo di confusione tra le fonti dei prodotti” (Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 31). 197 Assim, REMO FRANCESCHELLI, Il marchio dei creatori del gusto e della moda, Contratto e impresa, 3, 1988, CEDAM, Padova, p. 786. 198 Sobre a Directiva vide GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, pp. 128 e ss. e LUCA BRANCADORO, La prima Direttiva comunitaria in materia di marchi d`impresa, RDC, Ano 1989, pp. 497 e ss.

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70 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

nomeadamente em garantir a função de origem da marca, é absoluta em caso de identidade entre

a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços”.199 Mas serão estes argumentos decisivos?

Desde logo, o pensamento do legislador, devendo ser absorvido pelo intérprete, a este não obriga!

Por outro lado, mesmo da interpretação literal decorre que a função indicadora de origem não é, na

Directiva de Harmonização, a única juridicamente protegida, sendo essa a única justificação

plausível para a utilização do vocábulo nomeadamente.

Mais. Algumas das alterações suscitadas pela Directiva – como a marca de grande prestígio e uma

maior facilidade na transmissão da marca – indiciam um sentido diferente do enunciado nos seus

considerandos, nomeadamente um desgaste da função indicadora de origem e um recrudescimento

da função publicitária.200

4.3. Mas, afirmou-se que sustentam alguns autores que a função distintiva é a única juridicamente

relevante! Deveremos aceitar como dogma a posição de que a marca indica a proveniência dos

produtos e serviços? Provavelmente não! Assim, esta posição, não obstante dominante, não é

imune a criticas. Com efeito, a defesa da função distintiva da marca mostra-se impotente para

justificar algumas particularidades plasmadas na lei, cuja explanação breve nos propomos fazer.

Uma primeira critica muito recorrente, não merece o nosso aplauso. Diz-se que no mercado como o

actual não se pode enfatizar uma ligação entre a marca e a empresa porque o consumidor

desconhece a identidade da empresa titular da marca.201 Desenvolvendo. Com o crescendo de

produção industrial e com todas as inovações tecnológicas dos últimos séculos, assistimos a um

progressivo afastamento entre o produtor e o consumidor, sendo aquele, uma entidade

desconhecida para este; afirma-se que, sendo verdade que o consumidor conhece a marca, o mesmo

desconhece o empresário titular daquela. Sendo prova provado o que fica escrito, que conclusões

retirar? É licito afirmar-se o luto da função indicadora de proveniência com base nesta

argumentação? A resposta só pode ser negativa, pela fundamentação subsequente. Sendo certo que

199 Os autores que entendem assim a Directiva, não sustentam a sua posição apenas no preâmbulo, mas ainda na noção de marca apresentada, o conteúdo do direito e na caducidade do registo da marca em caso de vulgarização. 200 Neste sentido NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 83. 201 Assim, FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, cit. p. 179. No mesmo sentido, PINTO COELHO, sustenta que “o público sabe apenas que a marca corresponde a um produto com certas qualidades, e prefere-o ou escolhe-o através da marca, que lhe dá garantias dessas qualidades, sem pensar na empresa que o produz ou o lança no mercado.” (O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1955, p. 18). Também do direito comparado podemos encontrar posições similares, nomeadamente no Direito Americano; ROGERS afirmava que após cuidada e prolongada análise ao comportamento do consumidor no acto aquisitivo, se pode comprovar que na esmagadora maioria dos casos desconhece o fabricante. (apud. FERNÁNDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 36) e SCHECHTER, Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, Vol. XL, 1927, p. 815; no direito italiano GUGLIELMETTI, Il Marchio: Oggetto e Contenuto, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1968, p. 8 e Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, pp. 382/383, FERRARA JUNIOR, La teoria giuridica dell`azienda, Il Castellacio, Firense, 1945, pp. 202/203.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 71

o produtor é anónimo, não é menos exacto que o consumidor confia que é sempre o mesmo, não o

identificando pela sua firma, mas pela sua marca.202

Uma outra censura usual à validade desta função relaciona-se com as dificuldades em conciliar o

tradicionalismo dogmático da função distintiva com as hodiernas técnicas de produção industrial;

na verdade, é cada vez mais recorrente uma cisão entre as empresas proprietárias das marcas e as

encarregues da produção dos seus produtos, as mais das vezes, fábricas instaladas em países

subdesenvolvidos – com baixos custo de produção, nomeadamente ao nível da mão-de-obra – ou a

cargo de subcontratados ou de licenciados, sendo que aquelas empresas se limitam a gerir o circuito

de distribuição e a exercer um controlo, nem sempre eficaz, sobre a qualidade dos produtos, o que,

sem dúvida, torna mais complexo o estabelecimento de um vínculo de paternidade entre a empresa

titular da marca e os produtos.203 Ainda neste caso a existência de um controlo sobre a utilização da

marca, e consequente assunção de responsabilidades pelo titular da marca,204 faz perder pertinência

ao argumento, continuando a ser admissível entender a marca como uma sinal indicador da

proveniência dos produtos ou serviços.

Refira-se também, acriticamente, as dificuldades de relacionar a ideia pioneira da função distintiva

com as marcas de grupo,205 ou seja, uma marca que sendo propriedade de uma sociedade é usada

por outras, a este ligadas, mas juridicamente autónomas.

Também neste caso específico a crítica não se afigura pertinente; a existência de uma autonomia

jurídica entre a entidade que regista a marca e aquela que a utiliza deve ser desvalorizada,

porquanto é manifesta a unidade económica destas, que fará supor uma coerência organizativa e

directiva, mantendo imaculada a visão tradicionalista da indicação de origem das marcas. Assim,

202 Citando LUNSFORD, CORTE-REAL CRUZ escreve que “o comprador confia que a marca pertence em exclusivo a uma pessoa “porque uma marca não pode ter duas origens do mesmo modo que um ser humano não pode ter duas mães.” (O conteúdo e a extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio, AA.VV. Direito Industrial, Vol. I, p. 82) No mesmo registo pronuncia-se FERNÁNDEZ-NÓVOA que esclarece que ser desconhecido não significa que seja indiferente, enfatizando desta forma a pertinência da marca que garante a origem unitária dos produtos ou serviços nos quais é aposta (Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 37). Ainda neste sentido vide McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, 3:02 e NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 9. 203 Esta factualidade, como bem recorda GIUSEPPE CELONA, é um retorno ao sistema pré-industrial onde a manufactura se encontrava descentralizada, existindo uma separação física e jurídica “tra cervello organizzativo dell`impresa e braccio produttivo”. Agora, como no passado, este é o meio encontrado pelo empresário para reduzir quer os investimentos, quer os custos de produção. (L`identità del prodotto e i suoi effetti sulla validità e la tutela del marchio, RDI, a. 1988, parte I, p. 375). Com base nas duas premissas analisadas, STEPHEN LADAS, escreve: “It is now generally recognized today that the old theory that a trademark represents to the consumer the source of origin of the products to which it is affixed is wholly without basic in fact. This is so not only because such source is often unknown to the consumer but also because the source is uncertain, varied, or fluid”. (Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975. p. 1128). 204 Refira-se neste sentido as regras relativas à responsabilidade do produtor; com efeito, nos termos do Decreto-Lei Nº 383/1989 o produtor é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo. (para mais desenvolvimentos sobre o tema no direito português vide CALVÃO DA SILVA, Responsabilidade civil do produtor, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, passim). 205 Sobre os grupos vide em português, por todos, ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária, 2.ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2002, passim. Sobre a querela da marca de grupo vide GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, pp. 61 e ss.

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72 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

na esteia de GALGANO sustentamos que “no âmbito dos sistemas integrados de produção perde

relevância a identidade do empresário que exerce a execução material dos produtos […e] ganha

relevo […] aquele que dá as instruções sobre a forma de produzir ou que exerce o controlo sobre a

qualidade dos produtos”.206 Alude-se ao facto de a função originária da marca não perder a sua

identidade própria, verificando-se tão somente uma deslocação do produtor, para a entidade

incumbida de gerir o sistema produtivo a qual fica adstrita a garantir a constância qualitativa, bem

como a desejada homogeneidade dos produtos ou serviços.207

No caso particular das marcas de grupo, “nenhum consumidor se sentirá enganado se descobre que

o produto no qual foi aposta uma marca conhecida, não provém da empresa titular da marca, mas

de uma sociedade que esta controla ou por uma sociedade controlada por uma holding comum”.208

Bem mais pertinentes são as críticas que concernem às marcas colectivas de certificação, nas quais

a função distintiva é omissa em respostas fiáveis, porquanto as mesmas são usadas por uma

pluralidade de empresários, sendo, por isso mesmo, insusceptíveis de se reportarem ao produtor,

em concreto, dos bens.

Ainda mais premente, é a dificuldade de articular a visão tradicionalista da marca com a

possibilidade de transmissão isolada da marca. Historicamente, as legislações que se debruçaram

sobre o Direito das Marcas condicionavam a validade da sua transmissão à circunstância de

estarem acopladas aos estabelecimentos de que faziam parte.209 Num contexto como o definido,

parece-nos evidente que as marcas teriam uma importante função identificadora da fonte

produtiva;210 mas, nos nossos dias, a licitude da transmissão autónoma da marca é um dado

adquirido na esmagadora maioria dos ordenamentos europeus.

206 FRANCESCO GALGANO (Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 174. [Tradução nossa] 207 Posição similar é defendida na doutrina alemã por BEIER y KRIEGER que propõem um alargamento da função distintiva da marca de forma a incluir o circunstancialismo de a marca provir de um conjunto de empresas que se associam para usar uma marca em comum. (GRUR Int. 1976, pp. 125 e ss., apud. FERNÁNDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 38). 208 FRANCESCO GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 192. [Tradução nossa] 209 Importa neste contexto recordar as motivações que justificam a proibição da livre transmissão da marca; mais do que a consideração de que a marca não é um bem jurídico autónoma e como tal passível de circulação isolada, argumentava-se que a transmissão da marca sem o estabelecimento contrariaria a sua função indicadora de origem, porquanto iludiria os consumidores sobre a proveniência dos produtos ou serviços. (assim, ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, cit. p. 352 e RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, p. 41). 210 Incisivas são as palavras de FERRER CORREIA, (Lições de Direito Comercial, cit. p. 180) quando sustenta que apenas “perante as legislações que só admitem a transmissão em conjunto com o estabelecimento […] pode dizer-se que a marca […] assegura provirem estas [as mercadorias] de certa empresa – sempre a mesma”. Com a proibição de transmissibilidade isolada da marca, sublinha-se a incindibilidade entre a marca e os produtos que assinala. Neste sentido uma marca “is a very peculiar kind of property. For it has no existence apart from de good will of the business it represents. Good will of a business and its symbol, a trademark, are na inseparable as Siameses twins” J. THOMAS McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973, § 2:7; no mesmo sentido, alicerçada na mais tradicionalista doutrina italiana, NADIA ZORZI, La circolazione vincolata del marchio: il segno come indicatore di provenienza?, Contratto e Impresa, CEDAM, Padova, 1992, p. 371 e ss.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 73

Por transmissão da marca devemos entender um conjunto de actos que tenham por efeito a

transferência da propriedade da marca, sendo que, a mais das vezes, esta se realiza mediante um

contrato de compra e venda.

O actual CPI, nomeadamente pelo preceituado nos artigos 29º, n.º 1211 e 211º212 – à imagem da

legislação antecessora – consagra a possibilidade de transmissão da marca isoladamente, i e, sem

dependência da alienação do estabelecimento a que se encontra adstrita.213 Do que fica dito, no

entanto, não se depreenda que estamos perante uma transmissão inteiramente livre, porquanto, esta

apenas é admissível quando não resulte para os consumidores a indução errónea relativa à

proveniência do produto.214 Este preceito merece uma nota explicativa! Qual o seu significado?

Existirá, por base nesta norma, um ónus para o adquirente da marca de manter as características e

qualidades dos produtos ou serviços imutáveis? Inequivocamente que não! Desde logo, é-lhe

absolutamente lícito aumentar a qualidade dos produtos (posição contrária seria inaceitável); mas

também, nada o impede de diminuir essa mesma qualidade, desde que, desse facto não resulte

engano ou logro para o público consumidor.215 O que aqui fica escrito é mutatis mutandis o que se

defendeu para a proibição em geral da marca enganosa.216

Estamos perante uma solução eclética que tenta combinar o princípio da livre cessão da marca com

a defesa dos interesses dos consumidores. Assim, este é um sistema que se pode qualificar de

híbrido, procurando a síntese inatingível entre duas teses em confronto: a tese que postula o direito

à transmissão isolada da marca e aquela que o nega.217

211Artigo 29 – Transmissão 1 – Os direitos emergentes de patentes, modelos de utilidade, registos de modelos e desenhos industriais e registos de marcas podem ser transmitidos a título gratuito ou oneroso, total ou parcialmente, por todo o tempo da sua duração ou por prazo inferior, para serem utilizados em toda a parte ou em determinados locais. (art. 31.º do CPI de 2003). 212Artigo 211 – Transmissão 1 – O trespasse do estabelecimento faz presumir a transmissão do pedido de registo ou da propriedade da marca, salvo estipulação em contrário. 2 - O pedido de registo ou a propriedade da marca registada são transmissíveis, independentemente do estabelecimento, se isso não puder induzir o público em erro quanto à proveniência do produto ou do serviço ou dos caracteres essenciais para a sua apreciação. 3 - Quando a transmissão for parcial em relação aos produtos ou serviços deverá ser requerida cópia do processo, que servirá de base a registo autónomo, incluindo o direito ao título. (art. 262.º do CPI de 2003) 213 Não se pense que a admissibilidade da transmissão desvinculada na marca se fez sem celeuma; ferozmente contra OLIVEIRA ASCENSÃO escreve que “o legislador português manifestou-se sensível ao interesse financeiro do empresário, de ter a marca como um bem disponível, ou de lançar o seu produto sob marca conhecida de terceiro […] lesa gravemente o interesse do público permitir que a sua confiança numa marca seja aproveitada para o lançamento de produtos ou serviços que não têm as características a que se habituou […] A conexão da marca com o estabelecimento era a única defesa do consumidor, que se vê completamente entregue a manobras especulativas” (Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, cit. p. 159). Igualmente incisivo ISSAC, sustenta que permitir a livre transmissão da marca é autorizar o adquirente a “tell the buying public a lie about the origin of his goods”. (Traffic in Trade-Symbols, Harvard Law Review, Volume XLIV, Ano 1931, p. 1210). 214 Caustico na sua análise, OLIVEIRA ASCENSÃO sustenta ser “a ressalva ridícula, pois o fundamento de um sistema de não conexão está justamente em permitir que o público seja induzido em erro” (Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, cit. p. 160). 215 No mesmo sentido NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 101. 216 Supra Capítulo I, ponto 2.2.1. 217 Próxima desta posição é a sustentada por CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 80.

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74 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Alguns autores diferentemente consideram dever-se refutar a transmissão, quando o adquirente

utilize a marca para assinalar produtos ou serviços de qualidade consideravelmente inferior.218 Não

podemos sufragar.

Em nossa opinião, são casos especiais os que a transmissão da marca é susceptível de induzir o

publico em erro; conforme referimos quando abordamos a problemática das marcas enganosas,

estas apenas o são, quando da marca façam parte elementos descritivos; sobretudo, o engano do

público pode ocorrer nos casos em “que a marca está, por circunstâncias especiais, de tal modo

vinculada a um produtor que não possa dele dissociar-se, como sucede quando a própria marca

indique a respectiva proveniência, ou reproduza o nome ou a firma do empresário a quem pertence,

ou contenha referências a distinções honoríficas conferidas ao seu originário titular”.219

Por tudo, a proibição não poderá ser absoluta, mas entendida cum grano salis, apenas se

justificando inquinar a transmissão quando a menção à qualidade do produto (ou serviço) decorra

da própria marca e a mesma se torne deceptiva.

Pelo exposto, é lícita a conclusão de que o legislador impôs à validade da transmissão a

necessidade de respeitar o princípio da verdade das marcas, já anteriormente definido como a regra

que postula a necessidade de as marcas não serem deceptivas ou enganosas, i e, insusceptíveis de

induzir os consumidores em erro sobre as características fundamentais dos produtos ou serviços.

No entanto, esta é uma protecção pueril e demasiado tímida,220 não acrescentando quaisquer

especificidades ao princípio geral de caducidade da marca.221

No que concerne à possibilidade de transmissão da marca, sublinhe-se que se encontra abrangido,

não apenas a cedência do registo da marca, mas também o pedido de registo; “no caso da

transmissão da marca, transmite-se a propriedade sobre um bem imaterial; no caso da transmissão

do pedido, transmite-se uma posição jurídica no processo de obtenção do registo de um bem

imaterial”.222

Verificada a admissibilidade da transmissão isolada da marca, importa compreender a sua

pertinência para a determinação da função jurídica da marca. Quando a transmissão é conjunta com

o estabelecimento não subsistem especificidades que justifiquem a preocupação do intérprete; neste

218 Assim, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, cit. p. 354 e PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial…, cit. p. 161-162. 219 CARLOS OLAVO, O Contrato de licença de exploração de Marca, ROA, cit. p. 88. Nesta mesma linha, afirma-se ainda que “quando a marca, pela sua própria composição, exprime uma relação ou ligação do produto (se, por exemplo, a marca contém a indicação do nome do estabelecimento e reprodução do seu emblema ou a firma do respectivo proprietário) não será possível a sua transmissão isolada” (FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. I, F.D.C., Coimbra, 1973, p. 348) 220 No mesmo sentido FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, pp. 423 e ss. 221 Contra COUTO GONÇALVES, sustenta que “ o adquirente da marca está obrigado a aplicar a marca a produtos ou serviços cujos caracteres sejam essencialmente idênticos [...] por forma a prevenir o engano do público consumidor e a respeitar o princípio da verdade da marca”. Não sufragamos a posição. (Função Distintiva da Marca..., cit. p. 180) 222 COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca..., cit. p. 193.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 75

caso, a marca continua a assinalar determinados produtos ou serviços, provenientes de determinado

estabelecimento, verificando-se, apenas, uma descontinuidade na titularidade do mesmo, incapaz

de beliscar a teoria tradicional da função da marca.

Para a economia deste trabalho o que mais importa é sublinhar que a possibilidade de transmissão

autónoma da marca – entenda-se a transmissão da marca sem o estabelecimento – opera uma cisão

entre os produtos ou serviços e a marca, que urge evidenciar. Com efeito, existindo transmissão, a

marca torna-se inidónea para identificar a fonte produtiva; se a marca apenas é susceptível de se

transmitir em conjunto com o estabelecimento é entendida como um elemento integrante daquele;

se transmitida isoladamente “a marca é um bem a se, que não necessita de acompanhar o

estabelecimento nas suas vicissitudes, [é] um direito autónomo”.223 Dito de outra forma, a

possibilidade de transmissão isolada da marca incorpora clara e definitivamente a cisão entre a

marca e a empresa.224

Esta opção, deliberada, do legislador, não pode ser destituída de consequências; salvo melhor

opinião, sustentamos estar perante uma cisão entre uma visão tradicional e uma visão actualística

da marca, que, corta o “cordão umbilical” que a ligava à sua fonte produtiva.225 Com efeito,

existindo uma transmissão desvinculada da marca, a marca passará a designar produtos

provenientes de uma diferente unidade empresarial.

Por maioria de razão, na transmissão parcial da marca, ou seja, quando se verifica uma divisão ou

fragmentação da marca, apenas se cedendo uma parte desta para produtos ou serviços

determinados, conservando o cessionário a sua propriedade para os restantes produtos ou serviços

que a marca está registada, redobram-se as dificuldades de conciliação com a tese tradicionalista.

Refira-se que, neste caso, uma marca pertencente a uma empresa e utilizada para assinalar diversos

produtos ou serviços, perde a conexão com a entidade produtiva, para continuar a ser usada,

cumulativamente, por aquele e por uma outra entidade autónoma.226

223 OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, cit. p. 157. Reflexão análoga é elaborada por RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, p. 46. 224 Assim, ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 40. 225 A solução tradicional de a marca apenas se poder transmitir conjuntamente com o estabelecimento cujos produtos visava identificar articulava-se de forma perfeita com a defesa da função indicadora de origem; ainda que existisse uma modificação subjectiva, os produtos continuavam a emanar de uma fonte que se mantinha constante, pelo que se garantia a unidade da sua origem. A dificuldade de conciliação da tese tradicional com um sistema de transmissão desvinculada da marca é assumida mesmo pelos maiores acérrimos defensores desta função, cfm COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pp. 40/41. Sobre as consequências da livre transmissão da marca para a definição clássica da função da marca vide FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 225 e ss., GIORGIO FLORIDIA, Il marchio e le sue funzioni nella legge di riforma, Il Diritto Industriale, n.º4/1994, pp. 326 e ss., RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, p. 335, SENA, Brevi note sulla funzione del marchio, RDI, 1989, parte I, pp. 5 e ss., e VANZETTI, La nuova Legge Marchi, 2ª Edizione, Giuffrè Editore, pp. 3 e ss. 226 Cáustico TULLIO ASCARELLI duvidava da admissibilidade legal de atribuir-se a mesma marca a distintos titulares através do fraccionamento de uma empresa em várias, separadas, e pertencentes a diferentes empresários. (Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, pp. 327/328).

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76 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

A fissão entre marca e empresa é reforçada pelo novo CPI, que revogou a disposição legal contida

no n.º 1 do art. 211º, segundo a qual o trespasse do estabelecimento faz presumir a transmissão da

propriedade da marca (ou do pedido de registo). Não sendo uma posição expressa, indicia

inequivocamente uma rotura (ainda maior) entre estabelecimento e marca, o reconhecimento de

que são institutos autónomos com diferentes causas-função e com diferentes conteúdos; a marca

não é entendida como um simples valor daquele, mas como uma bem jurídico próprio, sujeito a

vicissitudes autónomas.

O intérprete não pode ficar insensível à posição supra referida assumida no novo CPI; num

momento dogmaticamente delicado, no que concerne à função da marca, não é despicienda a opção

de deixar de presumir a transmissão conjunta da marca com o estabelecimento. O que fica escrito

conquista redobrada relevância quando se realiza uma interpretação histórica deste princípio, em

concreto, a sua evolução desde um primeiro momento em que a transmissão da marca estava

vinculada ao estabelecimento,227 para um momento posterior em que se admite a transmissão

isolada, embora se presuma que a marca se transfira, para o estádio inaugurado com o novo

diploma: é axiomática a existência de um padrão tendente a cindir, cada vez mais, a marca do

estabelecimento ao qual está, ou esteve, adstrita. Pode mesmo afirmar-se que se cortou o débil

vínculo de união entre marca e empresa.228

Para rebater algumas das aludidas criticas e na defesa intransigente da função indicadora de origem

sustenta-se que, cumulativamente, à transmissão ou autorização de uso da marca também se

transmite o know-how da produção ou prestação de serviços, o que permite ao

adquirente/licenciador obter um bem com características substancialmente similares aos bens

originários, fazendo-se, por este meio, repercutir no transmitente/licenciador o trabalho do

adquirente/licenciado.229 O argumento, com o maior respeito, afigura-se-nos falacioso, porquanto,

tomando como válido o princípio, tal permitiria que outros empresários, que demonstrassem a

mesma apetência para desenvolver bens com características análogas, pudessem

independentemente de autorização, utilizar a mesma marca, pela simples razão que os bens

detinham as mesmas características. Sublinhe-se que a exigência de que o licenciador transmita o

know-how e controlo qualitativamente os produtos baseia-se na alegada necessidade de não induzir

em erro o consumidor; desde que um terceiro empresário alegasse e provasse dispor das

227 Lei portuguesa de 1986, que disponha no seu artigo 86.º que “uma marca pode ser transferida a outros proprietários, com o estabelecimento cujos produtos distingue.” Desde já se referida que o preceito não era original na lei lusa, sendo ordinário no direito comparado com o beneplácito da esmagadora maioria da doutrina. Por todos vide VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, cit. pp. 23 e ss. Com efeito, o sistema da transmissão vinculada da marca apenas era estranho para o Direito Francês que desde sempre foi muito permissivo na livre transmissão da Marca; como sublinha ROUBIER, mesmo perante o silêncio da lei de 1857 jurisprudência e doutrina faziam coro na admissibilidade do comércio da marca. 228 Em sentido semelhante RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, p. 47. 229 Neste sentido FRANCESCO GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze merchandising, in Contrato e impresa, 1987. p. 177, e doutrina e jurisprudência citada pelo A.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 77

capacidades técnicas e humanas para disponibilizar bens com a mesmíssima qualidade comercial,

não se vislumbrariam motivações que obstassem a esta susceptibilidade.230

Também se erguem criticas à função distintiva das marcas, resultantes da possibilidade de

existência de licenças de marcas.231 Com o risco de ser pleonástico, ab initio se afirme que o

contrato de licença de exploração de marca implica a utilização da marca por parte de um sujeito

diferente do titular do registo, o que, desde logo, indicia alguma complexidade para a

compatibilização deste instituto com a função indicadora de origem.

A licença de marca na sua génese232 funcionava como um meio mais eficaz e económico para o

empresário alargar o âmbito da sua actividade empresarial, funcionando como uma licença de

produção: tendo na base a identidade merceológica entre os produtos fabricados por licenciador e

licenciado, este, segundo as instruções daquele, produzia bens idênticos, que seriam

disponibilizados no mercado sob a mesma designação comercial. Na actualidade, a visão é exposta

é amplamente redutora, tendo o contrato de licença alcançado enorme preponderância, sendo

utilizado para colmatar diversas necessidades e funções económicas. Sobre estas, deixamos a nossa

análise para momento posterior.

O reconhecimento jurídico da possibilidade da conceder licenças de exploração de marca traz

consequências para a teoria da função da marca que não se podem escamotear; desde logo, colide

ferozmente com o entendimento de que a função jurídica protegida da marca é a de identificação da

origem dos produtos, porquanto se assiste a uma cisão entre o produtor e o produto assinalado pela

marca. Não falta quem sustente que da desadequação da função tradicional da marca para explicar

a licença da marca, emerge o protagonismo da função de garantia da qualidade.233

De crucial importância para a defesa da função indicadora de origem é a putativa necessidade de

contratualizar uma cláusula de controlo por parte do licenciante, à actividade do licenciado, que

seria condição sine qua non para a validade do contrato. Explica-se! Para que seja possível avocar

230 Não obstante a concepção que se defende, reconhecemos que o empresário adquirente tem interesse em manter constante a qualidade dos produtos para conservar a clientela. (neste sentido NADIA ZORZI, La circolazione vincolata del marchio: il segno come indicatore di provenienza?, Contratto e Impresa, CEDAM, Padova, 1992, p. 383 e VANZETTI, Cessione del Marchio, RDC, 1959, I, pp. 418 e ss. 231 Lineares são as palavras de FERNÁNDEZ-NÓVOA ao concluir “que en una grand mayoría de casos de licenca de marca desaparece la función indicadora de la procedencia para abrir paso a la función indicadora de la calidad de los productos o servicios de marca” (Las funciones de la Marca, ADl, 1978, p. 39. Também THOMAS McCARTHY, sustenta que “today, it is clear that trademark law permits the licensing of a trademark under any circumstances where the licensor exercises quality control over goods and services that reach the consumer under the licensed mark. […]Under the quality theory of trademark function, which is the law today, the consumer is entitled to assume an equal level of quality of goods and services soll through many franchised outlets using a single trademark” (Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973, §3:4, p. 94). Ainda neste sentido CASADO CERVIÑO, La Licencia de la Marca Comunitaria, ADI, 1994-95, p. 190, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 597 e RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, p. 53. 232 Sobre a trajectória histórica da licença vide NADIA ZORZI, Il Marchio come valore di scambio, Contratto e Impresa, CEDAM, Padova, 1995, pp. 161 e ss. 233 Neste sentido face ao Direito Americano, McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. III §18.40. Também no direito espanhol FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 437, adere a esta posição.

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78 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

que a marca continua a realizar uma função indicadora de origem, a despeito da possibilidade de

licença, deve garantir-se a uniformidade dos produtos colocados no mercado com a mesma marca:

para garantir a unidade da produção seria essencial que o licenciante, não apenas fornecesse o

know-how ao licenciado, com controlasse de modo efectivo a produção.

Importa, neste momento, referir o facto de o reconhecimento da pertinência de o licenciante exercer

um controlo efectivo sobre a natureza e qualidade dos produtos ou serviços produzidos ao abrigo

deste contrato, deve-se ao labor da doutrina e jurisprudência americana, sendo que a obrigação de

exercer o controlo está estatuída na Lanham Act de 1946. No que concerne ao controlo, importa

identificar a existência de dois níveis: o controlo da qualidade dos produtos (ou serviços) e o

controlo da natureza dos produtos (ou serviços).234 Num primeiro momento, deverá o licenciante

controlar a actividade do licenciado com o intuito de se manter uma constância qualitativa dos bens

por este elaborados; a homogeneidade dos bens apenas poderá verificar-se no caso de o primeiro,

cumulativamente com a licença de exploração de marca e de forma contemporânea ao controlo, lhe

transmitir o know how relativo à fabricação dos produtos. Num segundo momento, incumbe ao

licenciante fiscalizar a natureza dos produtos com o intuito de garantir que o licenciado modifique

as características essenciais dos produtos ou serviços.

Quem defende a obrigatoriedade do controlo da actividade do licenciado concebe a prossecução de

duas finalidades; por um lado, impedir que o contrato de licença seja um meio de engano do

público;235 por outro, permitir ao titular da marca conservar o goodwill da marca, a sua capacidade

apelativa.236 Mas serão estes fundamentos decisivos para a consideração de que a admissibilidade

do contrato de licença de exploração de marca fica dependente da existência do controlo por parte

do titular? Analisemos os pressupostos supra mencionados.

Uma primeira inquietação retroage-nos à obrigatoriedade de o licenciante garantir que o licenciado

coloca no mercado produtos e serviços de similar natureza e qualidade. A nossa interrogação reside

no facto de, se face ao Direito das Marcas inexiste qualquer obrigação em o titular da marca

garantir a constância dos seus produtos (ou serviços), sendo comummente reconhecida a

disponibilidade em modificar os produtos,237 que justifica que fique legalmente obrigado a garantir

que o licenciado a mantenha? Acresce que esta seria uma proibição utópica e facilmente

234 Conforme CASADO CERVIÑO, Relieve del control en la licencia de marca, ADI-9, pp. 128 e ss. 235 Assim, CALLMANN, The Law of Unfair Competition, trademarks and monopolies, 1981, Vol. III, p. 11, CASADO CERVIÑO, Relieve del control en la licencia de marca, ADI-9, p. 139 e LADAS, Patens, Trademarks, and Related Rights, National and International Protection, Harvard University Press, 1975, Vol. II, p. 1141. 236 CALLMANN, The Law of Unfair Competition, trademarks and monopolies, 1981, Vol. III, p. 11 e CASADO CERVIÑO, Relieve del control en la licencia de marca, ADI-9, p. 139. 237 Plagiamos OLIVEIRA ASCENSÃO quando sustenta que “se alguém adquirir marca de renome e fizer o cálculo de a aplicar a produtos ruins, escoando-os rapidamente graças ao apelo da marca e amortizando o investimento feito, não violou qualquer preceito jurídico”. Ao que fica escrito excepcione-se o caso das marcas enganosas, supra referidas (As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 9). Mitigadamente neste sentido McCARTHY, sustenta que a marca apenas se transforma em fraudulenta quando se fizer uma alteração substancial no produto ou serviço. (Trademarks and Unfair Competition… cit. Vol I, pp. 599/600) Sobre o tema, em momento posterior, explanaremos as nossas convicções.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 79

“contornável”, bastando que o licenciante modificasse os produtos ou serviços e apenas depois

celebrasse o contrato de licença, evitando desta forma a impossibilidade de alterar as características

dos bens.

Recorde-se que o Direito das Marcas não está dirigido para a protecção dos interesses dos

consumidores – embora algumas vezes estes sejam reflexamente protegidos, porquanto, não raras

vezes, são coincidentes com os dos empresários – mas antes para a defesa dos legítimos interesses

dos empresários.

E o que dizer da obrigação de controlo como forma de perpetuar o goodwill? Sendo insofismável

que para a manutenção da capacidade atractiva da marca é pertinente um controlo eficaz da

qualidade dos produtos e serviços nos quais a marca é aposta, será legítimo castrar o direito à

concessão de licenças (que são um meio de explorar economicamente a marca) com o fundamento

que o contrato colide com a capacidade sugestiva da marca? Parece-nos um óbvio contra-senso.

Uma derradeira dúvida emerge do facto de, podendo faze-lo, a lei nada dispor sobre a existência de

um controlo efectivo a realizar pelo licenciante; claro que nos termos do princípio da autonomia da

vontade as partes o podem estipular: mais complexo é a sustentação de que, independentemente de

cláusula contratual nesse sentido, é imperativo a existência do controlo.

Por tudo, tendo presente a omissão da lei e de acordo com os fundamentos referidos, embora sem

escamotear o interesse prático desta cláusula, urge considerar que a mesma deverá ser

expressamente prevista no contrato de licença, sendo que ex silentio, esta obrigatoriedade não

existe,238 não sendo a preterição susceptível de inquinar a validade do contrato de licença de

exploração de marca.

Por tudo e como escrevemos, o controlo da qualidade por parte do licenciante, sendo possível e

desejado, não é vinculativo, pelo que não deve entender-se como um elemento normativo do

contrato, pelo que a argumentação de que o contrato de licença de marca é realizado mediante a

tutela da função indicadora de origem, ao abrigo da necessidade da existência de um controlo pelo

licenciante, se desmorona. Saber se este contrato importa o reconhecimento e tutela de uma função

238 No mesmo sentido COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, p. 329, COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, cit. p. 196 e GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 134 (embora a sua análise se relacione com a Directiva, a solução tem cabimento no Direito das Marcas Português). Acresce que de uma interpretação histórica no direito comunitário (que, recorde-se, pela Directiva influenciou decisivamente o legislador nacional) retiram-se argumentos conducentes à não obrigatoriedade da existência de controlo. (cfm, ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, pp. 41 e ss.) Contra CARLOS OLAVO, Contratos de licença de exploração de marca, AAVV, Direito Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, Vol. I, p. 367 sustenta ser este controlo de qualidade um poder dever, pelo que “apesar da inexistência de cláusula contratual nesse sentido, o licenciante tem o sempre o poder de controlar a qualidade dos produtos a que a marca se destina, à semelhança do que se verifica quanto ao locador”. A posição do A. é influenciada pelo facto de, este contrato de origem anglo-saxónica, na sua génese histórica prever a existência de um controlo efectivo pelo por parte do titular da marca, sendo este um requisito para a validade do contrato. (sobre o tema vide CASADO CERVIÑO, Relieve del control en la licencia de marca, ADI-9, p. 125 e ss.)

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80 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

publicitária da marca é uma resposta ainda prematura, exigindo-se um aprofundamento às

motivações subjacentes ao contrato de licença, o que se fará no adequado momento.

4.4. As mais coerentes posições, no ensejo de defender que a função indicadora de origem continua

a ser a principal função jurídica da marca, fazem-se com apelo a um redimensionamento da função

distintiva, passando a ser entendida num contexto mais amplo. Defende-se que a função jurídica da

marca significa, além de que os produtos (ou serviços) provêm sempre da mesma empresa, também

“significa que os produtos provêm de uma empresa que mantém com a empresa originária relações

de natureza contratual ou económica”.239 Desta forma entra no léxico do Direito das Marcas a

noção de procedência empresarial, querendo significar a existência de identidade entre a produção

própria do titular da marca e da terceiros a que este esteja contratualmente ligado. Na feliz parábola

de SOUSA E SILVA “será como dizer-se que uma marca aponta para o respectivo titular, não

apenas numa relação de paternidade, como também de adopção”.240

Sobre este redimensionamento da função jurídica protegida da marca importa deter-nos nas

posições defendidas por VANZETTI, inegavelmente, um dos grandes paladinos na defesa desta

função, bem como percursor do alargamento do seu âmbito. Num primeiro momento, sustentava o

A. que a existência de uma função indicadora de origem pressupõe, desde logo, uma “concessão

incindível entre a marca e a fonte de origem”; exigir-se-ia ainda que quem regista a marca seja

titular de uma empresa, que a transmissão da marca acarrete a transmissão da empresa e que a

extinção da empresa, acarretasse, a extinção da marca.241

239 ANTÓNIO FERRER CORREIA e MANUEL NOGUEIRA SERENS, A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 87, que alicerçam a sua posição na doutrina alemã, nomeadamente em BEIER/KRIEGER. No mesmo sentido PEDRO SOUSA E SILVA fala em procedência empresarial como “todos os produtos que hajam sido fabricados sob o controle comum de uma mesma entidade, ainda que no âmbito de um grupo de empresas ou ao abrigo de contratos de licença” (O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998. p. 385). Este mesmo A. partindo do exemplo da marca OMEGA afirma que “para o consumidor…interessa pouco saber onde foram fabricados os componentes do maquinismo [… sendo] o que importa, basicamente, é que se trate de um relógio que ostente legitimamente aquela marca…” (Direito Comunitário e Propriedade Industrial, O princípio do esgotamento dos direitos, BFDUC, Coimbra Editora, 1996, p. 71). Pensamos que, pela importância da afirmação, a mesma não pode prosseguir sem ressalvas. Sendo inequívoco que para a esmagadora maioria dos consumidores a premissa é válida, mas, questiona-se: deverá o interprete conformar-se? Será que um dever de cidadania que deve nortear os comportamentos do consumidor médio não deve conduzi-lo a inquietar-se sobre a origem dos produtos que elege? Pensamos em situações em que a produção assenta na exploração dos trabalhadores e no abuso do trabalho dos menores; nestes casos ou em análogos, será despiciendo para quem consome, identificar a produção? Gostamos de crer que não! Mas, as condições de produção dos bens não são sinónimas da função indicadora de origem. Explicamos. O que deve incomodar o consumidor, não é a proveniência do produto mas, antes, se a marca que se ostenta pertence a uma qualquer entidade que, não obstante procurar o lucro, realiza a sua actividade dentro de parâmetros socialmente aceites e no escrupuloso respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos. 240 PEDRO SOUSA e SILVA, Direito Comunitário e Propriedade Industrial, O princípio do esgotamento dos direitos, BFDUC, Coimbra Editora, 1996, p. 71. Em sentido similar, COUTO GONÇALVES escreve que “a marca, para além de indicar, em grande parte dos casos, que os produtos provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso da transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e económica (nas hipóteses da licença de marca registada usada ou da marca de grupo, respectivamente), também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus do uso não enganoso” (Função Distintiva da Marca, cit. pp. 267-268). 241 ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, pp. 33 a 35.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 81

As premissas de VANZETTI foram defraudadas pela Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho

de 21 de Dezembro de 1988, que determinou a nova lei italiana sobre o Direito da Marca. Não

estranha ao intérprete que a sua primeira reacção tenha sido de profunda decepção, sustentando que

face ao novo quadro legislativo continuar a defender a função de indicadora de origem da marca

seria “più che arduo, temo, impossible”.242

O Autor começa por afirmar que entende ser impossível a defesa da função distintiva da marca face

ao actual quadro legislativo,243 nomeadamente devido à sua livre transmissão e ao facto de não se

exigir a qualidade de empresário para registar uma marca.

Posteriormente, assiste-se a uma regressão da sua posição à tese tradicionalista, da qual emerge o

pensamento de que a função distintiva continua a ser valorada decisivamente pelo legislador,

segundo o qual “a marca é, antes de tudo um sinal distintivo, que deverá ser idóneo para permitir

que o público distinga os produtos ou serviços de um empresário, dos sinais utilizados por outros

empresários”.244 A marca comunica uma mensagem sobre as características do bem assinalado, que

permite a sua distinção de outros do mesmo género. Continua o Autor afirmando que só é licito

reconhecer que a função distintiva é juridicamente protegida no circunstancialismo de o legislador

assegure a veracidade da mensagem comunicada pela marca, porque se tal garantia não for

conseguida a marca não será um instrumento de identificação, mas de engano.245 A sustentação

teórica da tese de VANZETTI baseia-se no regime de proibição de uso enganoso da marca que, na

sua óptica, permite a veracidade da informação veiculado para a marca na sua comunicação para

com o consumidor.246

Decisivamente influenciado pela mais tradicional doutrina italiana, COUTO GONÇALVES,

aproxima-se de VANZETTI, sustentado que a função distintiva já não garante uma origem

242 ADRIANO VANZETTI E CESARE GALLI, La nuova Legge Marchi, 1ª Edizione, Giuffrè Editore, p. 3. Neste mesmo sentido ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 15. 243 ADRIANO VANZETTI E CESARE GALLI, La nuova Legge Marchi, 1ª Edizione, Giuffrè Editore, p. 3. [Tradução nossa] 244 ADRIANO VANZETTI E VICENTO DI CATALDO, Manuale di Diritto Industriale, 3ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 2000, p. 122. [Tradução nossa] 245 ADRIANO VANZETTI E VICENTO DI CATALDO, Manuale di Diritto Industriale, 3ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 2000, p. 122. No mesmo sentido, COUTO GONÇALVES, defende a “ manutenção da função distintiva como a função jurídica principal da marca […] a função distintiva representa a estrutura do edifício normativo. A função publicitária representa um melhor acabamento do edifício […] a função garantia representa o direito dos interessados à informação não enganosa sobre a qualidade dos materiais usados no edifício”. (Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 218). 246 ADRIANO VANZETTI E VICENTO DI CATALDO, Manuale di Diritto Industriale, 3ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 2000, p. 126. Em sentido consentâneo escreve MASSA “che il prodotto proviene in maniera diretta o, in minore o maggior misura, mediata del titolare del marchio, al quale dovrà atribuirse, per cose dire, la paternità del prodotto e consequentemente i risultati, siano essi positivi o negativi, della scleta commerciale effettuata con l`apposizione del segno” ( GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 148). Num sentido próximo, mas com nuances pessoais, NADIA ZORZI, alarga o conceito de proveniência empresarial de molde a incluir as manifestações da autonomia da vontade do titular, tendentes a permitir a terceiros o uso da marca. (La circolazione vincolata del marchio: il segno come indicatore di provenienza?, Contratto e Impresa, CEDAM, Padova, 1992, p. 462).

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82 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

empresarial mas antes a “garantia de uma origem pessoal (pessoa a quem se atribui o ónus pelo uso

não enganoso dos produtos ou serviços marcados) ”.247

4.5 Não obstante reconhecermos o mérito da posição, sustentamos ser incongruente, mesmo com o

redimensionamento efectuado pela melhor doutrina, para oferecer uma explicação plena e global

para o Instituto das Marcas.

No que concerne ao redimensionamento da marca com alusão a uma unidade de origem pessoal “é

não dizer nada: exprime-se apenas que a marca tem um titular, e que esse titular, como todos tem

poderes e deveres. Nada diz ao público sobre a origem de produtos ou serviços”.248

A defesa da função distintiva da marca, com alusão à unidade de procedência empresarial, é omissa

em respostas convincentes no caso de duas diferentes entidades, destituídas de quaisquer vínculos

jurídicos e/ou económicos disponibilizarem sob a mesma marca, produtos idênticos ou afins,

susceptibilidade possível na circunstância de, ou por a coexistência da marca ter por base a

preclusão por tolerância ou a autorização de registo de marca confundível,249 ou ainda quando duas

empresas que originalmente que registaram uma marca comum para diferentes áreas

merceológicas, alargarem a sua actividade em sentido convergente, de forma a que, as marcas

sejam apostas em produtos afins.250

Com efeito, nestas factualidades, expressamente previstas na lei das marcas, coexistem duas

marcas iguais ou confundíveis para assinalarem produtos ou serviços iguais ou afins, pertencentes a

distintos titulares: no caso em análise é objectivamente impossível sustentar que as marcas realizam

uma função indicadora de proveniência, por mais ampla que seja a sua definição.

Para adensar as dificuldades em sustentar esta tese, urge fazer uma referência ao fenómeno do

branding,251 que ganha acuidade e importância na vida empresarial. Estamos perante um novo

247 COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 224. Adere a esta tese SILVA CARVALHO, Usos Atípicos das Marcas (Função da Marca), Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 96. A posição de COUTO GONÇALVES tem ainda reflexos na jurisprudência, nomeadamente, Sentença do Tribunal Judicial de Lisboa de 19/12/96, Vida Judiciária, n.º 32, p. 31. 248 OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, pp. 7/8. 249 Sobre a possibilidade de existir consentimento do titular da marca, já o referimos, permite, com violação do princípio da especialidade, a co-existência de duas marcas confundíveis, usadas por distintos empresários; o consentimento do titular de uma marca para o registo da mesma por um seu concorrente é realizado a latere da sua função distintiva. Sem dúvida que, não apenas, constitui um indicio evidente carácter privatístico atribuído ao direito da marca pelo actual ordenamento legislativo, como consagra o reconhecimento que a marca é um valor económico, propriedade exclusiva de um titular, que a pode utilizar como mais lhe aprouver. 250 Um caso análogo foi julgado nos Tribunais Portugueses, tendo o Supremo entendido que face à co-existência de dois registos válidos “as prerrogativas concedidas aos respectivos titulares (recorrente e recorrida) não se podem impor reciprocamente, neutralizam-se […] Tudo isto se passa por serem titulares de marcas de produtos com certa semelhança ou afinidade. Se assim é, não se vê razões para que qualquer um destes titulares (recorrente e recorrido) não possa registar a marca de produtos afins ou semelhantes aos da marca já registada: as prerrogativas de cada um dos titulares das marcas já registadas ficaram neutralizadas, na medida em que se terá consumado a possibilidade de confusão dos respectivos produtos. (Ac. STJ de 12/01/99, www.dgsi.pt/). Concordamos. 251 Não obstante ser uma prática que retroage aos anos 20, conheceu excepcional desenvolvimento nos últimos anos com o advento dos grandes grupos económicos multinacionais. Esta estratégia de marketing permite não apenas salvaguardar

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 83

instrumento do mundo concorrencial que consiste na criação pela mesma empresa – ou conjunto de

empresas relacionadas – de diversas marcas, para identificar diferentes produtos, no mesmo ou em

diferentes segmentos de mercado, com o intuito de o insucesso comercial de uma marca, não

prejudicar as demais. Neste caso específico não apenas existe uma impossibilidade acrescida na

identificação da procedência empresarial, como esta insusceptibilidade de identificação é querida e

promovida pelas empresas produtoras.252 Explicamos. No caso em apreço – cuja admissibilidade

legal é inquestionável - as empresas procuram escudar-se no anonimato, de molde a que as

putativas vicissitudes negativas de determinada marca, não se alarguem às restantes marcas da

empresa.

E como relacionar as marcas de grande prestígio253 com a função indicadora de origem? No que a

estas concerne, é inegável que se reconhece a marca como um valor em si mesmo a latere da

função distintiva. A protecção ultramerceológica que se lhe dedica, não se relaciona com a sua

capacidade distintiva, mas com a sua apetência sugestiva. Sem tomar posição firme sobre a função

das marcas célebres – deixando esta indagação para um momento que nos parece estruturalmente

mais indicado – sempre se diz que, como toda a certeza, não é a função indicadora da origem dos

bens.254

Por fim, refira-se a figura do logótipo que, em nossa opinião, tem sido injustamente escamoteada

pelos Autores que se debruçam sobre a função da marca, nomeadamente aqueles que encontram na

função indicadora de proveniência a sua justificação. Com efeito e como se deixou escrito, o

logótipo é o sinal distintivo da empresa in totem, sendo o sinal distintivo que demonstra maior

aptidão para identificar a origem dos produtos ou serviços nos quais é aposto: conferir à marca a

mesma função jurídica seria desvirtuar a coerência do Direito Industrial e aniquilar a premência e

pertinência dos logótipos.

Face ao rol de criticas aduzidas, não faltam aqueles que sustentam a irrelevância da função

indicadora de origem no actual Direito das Marcas, sendo que “a marca se transforma num mero

símbolo de identificação do produto ou serviço in se e per si e que, enfim, tenha perdido parte da a empresa da sorte das suas marcas, como permite estabelecer uma segmentarização do mercado, funcionando ainda como estímulo à concorrência interna. 252 Num sentido próximo, GUGLIELMETTI oferece o exemplo de uma empresa ao colocar no mercado um novo produto ter o interesse de não revelar a fonte produtiva, optando por aguardar pela reacção do público, apenas relevando a sua identidade quando exista empatia entre o produto e os consumidores. (Il Marchio: Oggetto e Contenuto, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1968, pp. 8/9) Também PINTO COELHO nos oferece exemplos de situações em que a omissão da procedência empresarial dos produtos é um desejo legítimo e lícito do empresário. (Lições de Direito Comercial, cit. pp. 361 e ss.). 253 Com uma lógica semelhante, refira-se o alargamento da protecção das marcas ordinárias com a ampliação do princípio da especialidade, inegável quer na teoria quer na praxis. (assim, RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, p. 46). 254 Neste exacto sentido ASCARELLI, Teoría de la concurrencia y de los bienes inmateriales, Trd. E. Verdera y Suaréz-Llanos, Barcelona, Bosch, pp. 207 e ss. e pp. 396 e ss. FLORIDIA, La Directiva sul ravvicinamento delle legislazioni nazionali in materia di marchi nelle prospettiva del mercato europeu, RDI, 1990, pp. 365 e ss., FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 167 e ss. e GUGLIELMETTI, Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, pp. 390 e ss.

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84 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

sua função jurídica de garantir a sua origem ou proveniência.255 De acordo com esta visão a marca

não visa estabelecer qualquer indicação entre os produtos e serviços e uma dada empresa, mas tão

somente identificar os produtos (e serviços), diferenciando-os de outros do mesmo género.

55.. FFUUNNÇÇÃÃOO DDEE GGAARRAANNTTIIAA DDAA QQUUAALLIIDDAADDEE

5.1 - Sustentam os apologistas desta tese que a marca garante a origem não enganosa de dados

produtos ou serviços: a colocação no mercado de um produto com determinada marca obrigaria o

seu produtor a manter a qualidade do produto, sendo-lhe vedado qualquer depreciação arbitrária da

mesma, garantindo-se deste modo a tutela da confiança do consumidor, porquanto, não restam

dúvidas que, em regra, o consumidor supõe terem a mesma qualidade, todos os produtos em que a

mesma marca é aposta. É de acordo com esta premissa que usa afirmar-se que a marca proporciona

ao consumidor informação sobre a qualidade relativamente constante do produto. (ou serviço)256

Sublinhe-se ab initio que a defesa da função de garantia da marca não implica a consideração de

que a marca garante, de forma absoluta, a imutabilidade dos produtos ou serviços “o que até não

seria desejável atento o interesse geral em toda a alteração que represente uma melhoria da

qualidade”.257

A realidade que se observa quando nos debruçamos sobre esta função, resulta da experiência

ordinária de um qualquer consumidor que pressupõe que todos os produtos ou serviços que

255 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 597/598. Em sentido análogo OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 7; no direito comparado mas passível de reputar-se ao ordenamento português, FERDINANDO CIONTI sustenta que “il marchio di prodotto non da più la garanzia di uniformità/fungibilità di tutti i prodotti del medesimo produttore, anzi neppure distingue più necessariamente tutti i prodotti dello stesso produttore, e quindi cessa la sua funzione di incicatore di provenienza” (La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, p. 146). Também GIUSEPPE SENA sustenta que “si potrà quindi dire che il marchio identifica i prodotti ed i servizi dell`imprenditore, ma non ha di per sé alcun altro significato: non contiene alcuna informazione, né sulla qualità, né sulla fonte di origine del prodotto o del servizio contrassegnato” (Brevi note sulla funzione del marchio, RDI, 1989, parte I, p. 8). 256 Assim, FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 66. No mesmo sentido pronunciam-se ANSELM KAMPERMAN SANDER e SPYROS MANIATIS sustentando que “the only thing he can rely on, apart from the personal contact, is his previous experience with the product […] He hopes that the goods of each maker will be of consistent quality, similar to the one previously experienced, or portrayed” (A consumer Trade Mark: Protection Based on Origin and Quality, EIPR, 1993, p. 407). É indiscutivelmente que, a marca influencia o comportamento futuro do consumidor: a satisfação, ou não, de determinado consumo vai influenciar na posterior decisão de compra, sendo através da memorização da marca (as mais das vezes) que este vai avaliar a capacidade do produto ou serviço para saciar as suas necessidades de consumo. Com uma reflexão análoga vide NOGUEIRA SERENS, A proibição da Publicidade Enganosa: defesa dos consumidores ou protecção (de alguns) concorrentes, Comunicação e Defesa do Consumidor, Coimbra, 1996, p. 240. Por fim e ainda no mesmo sentido ANTOINE BRAUN, sustenta que ”l´apposition de telle marque sur tel produit, le public peut raisonnablement s`attendre á retrouver les mêmes qualités du produit que celles qu`il avait précédemment appréciées. Cette constance qualitative que garantit au public la présence de la marque est devenue une des fonctions de celle-ci et en accroît la valeur” (Précis des marques de produits et de service, Deuxième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, p. 94). 257 COUTO GONÇALVES, Direito das Marcas, 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p. 25. Estamos na presença da liberdade de actuação da empresa, sendo esta livre de realizar modificações nos seus produtos, seja por mutação de gosto ou estilo, seja para corresponder ao desejo da procura. (assim, GHIDINI Decadenza del marchio per decettività sopravvenuta, RDI, 1993, parte I, 211, pp. 214/215 e FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 139 e ss.).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 85

ostentam a mesma marca apresentam níveis qualitativos homogéneos, independentemente de os

mesmos serem bons, maus, medíocres ou excepcionais. A aposição da marca por um empresário

indica ao consumidor a presença das características próprias de todos os produtos daquela marca,

sendo, neste sentido, uma garantia de idoneidade e constância da qualidade dos mesmos.

O que fica escrito é evidente, pelo que não padece de ulteriores explicações; o que deve inquietar o

jurista é descortinar se uma verdade incontestável no plano sócio-económico merece, ou não, tutela

jurídica.

5.2 - A defesa da relevância jurídica da função garantística da marca, que foi uma tentativa de

resposta a algumas fragilidades da função distintiva, deve-se fundamentalmente ao labor da

jurisprudência e doutrina norte americana,258 ao sustentar que a verdadeira função da marca é

indicar a qualidade dos produtos ou serviços e, desta forma, tornar-se um referencial para os

consumidores.

No mesmo sentido FERNÁNDEZ-NÓVOA entende que a esfera jurídica não fica imune à

relevância sócio-económica da função de garantia da marca. Para o referido Autor, as regras da

economia de mercado impõem aos empresários, não apenas a manutenção da qualidade dos seus

produtos ou serviços, como a superação dos mesmos, de modo a manter uma auréola de confiança

sobre estes, e, por este meio, assegurar a preferência da sua clientela. Esta manutenção da

qualidade dos produtos e serviços é uma verdadeira regra implícita da economia de mercado, cujo

inadimplemento se traduz na destruição da marca. Sustenta-se que um dos corolários do sistema de

mercado é a liberdade aquisitiva do consumidor, pelo que “os interesses do público consumidor e

os interesses dos empresários são paralelos […o que] torna possível que exista uma auto-

regulamentação da função da marca, que consiste em indicar a qualidade dos produtos ou

serviços”.259

5.3 - Com o devido respeito, e não descurando que, reflexamente, esta protecção seja passível de

ser obtida através do regime jurídico das marcas, é inadmissível a eleição da garantia da qualidade

como função primeira da marca, uma vez que tal consideração consubstanciava uma abordagem

errónea à problemática, por tentar apreender o fenómeno da perspectiva do consumidor e não, da 258 Pela sua pertinência, refira-se a posição de SCHECHTER que sustenta ser a função de garantia de qualidade a verdadeira função da marca, indicando ao público uma fonte constante e uniforme na satisfação conseguida por o produto “marcado” (The Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, pp. 813 e ss.). Também CALLMANN sustenta que a marca contém a promessa por parte do empresário de que todos os produtos por este disponibilizados mantêm as mesmas características, natureza e qualidade, proporcionando desta forma ao consumidor uma segurança ou garantia de qualidade relativa. (The Law of Unfair Competition, Trademarks and Monopolies, Volumen 3, Mundelein, 1967, apud. FERNÁNDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, pp. 41/42). 259 FERNÁNDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 46. [Tradução nossa]. Também COUTINHO de ABREU defende que face ao ordenamento jurídico português as marcas desempenham uma função de garantia da qualidade. (Curso de Direito Comercial…, cit. p. 328). Ainda neste sentido MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 89 e RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Ano 2000, Madrid, p. 1659.

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86 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

perspectiva do empresário, que indubitavelmente, representa a ratio essendi do regime jurídico da

marca. A marca não é um direito que a lei reserva ao consumidor, mas uma prorrogativa atribuída

aos empresários de assinalarem os seus produtos e serviços.260

Como exemplo do que fica escrito, encontramos o princípio da facultatividade da marca: sendo

generalizada a desnecessidade de uso de uma marca, nada obsta a que um titular de uma marca que,

por qualquer razão, viu a sua reputação denegrida, deixe de a utilizar para assinalar os seus

produtos (ou serviços) e disponibilize-os através de uma outra marca constituída para o efeito:

nestes casos, absolutamente lícitos, repete-se, a marca não desempenha qualquer função

garantística,261 porquanto os mesmíssimos produtos (ou serviços) com similar nível qualitativo,

continuam a ser disponibilizados sem aquela marca.

Uma outra critica é formulada por VANZETTI, que recorda que a pretensa função de garantia de

qualidade, sendo verídica, a sua assunção teria de traduzir-se na possibilidade de um terceiro que

produza produtos de idêntica qualidade aos de um dado empresário, poder usar a marca deste na

identificação dos seus produtos.262 Com efeito, a visão que ficou exposta, sendo coerente, deverá

supor que dois produtos intrinsecamente equivalentes, e como tal de idênticas características e nível

qualitativo, deveriam apresentar-se no mercado sob a mesma marca, não obstante provirem de

diferentes empresários! Nesta acepção, que consideramos errónea e redutora, a marca mais não

seria que a designação de uma determinada realidade que patenteasse determinadas características.

Em outra perspectiva a adopção desta tese imporia sobre o empresário a obrigatoriedade de manter

imaculadas as características dos seus produtos, o que, a médio-longo prazo, contribuiria para

atrofiar os mesmos,263 sendo que qualquer alteração significativa nas características dos produtos,

deveria acarretar a proibição de aposição da marca que, face à alteração, seria inidónea para

designar aquele produto. Também esta solução nos parece inaceitável.

Num sentido aproximado pronuncia-se uma parte marcante da doutrina, que não escamoteando a

pertinência da função de garantia da qualidade na marca, não lhe reconhece autonomia enquanto

função jurídica protegida. Para esta tendência, esta função não goza de uma tutela autónoma, mas

pelo contrário, e na melhor das hipóteses, a função jurídica de protecção da qualidade apenas releva

260 Em sentido similar, por todos, VANZETTI, Equilibrio d`Interessi e diritto al marchio, RDC, Padova, a. 1960, parte I, p. 255 e p. 258. 261 Exemplo semelhante é oferecido por ROTONDI, Diritto Industriale, Pádua, 1965, pp. 109/110. 262 VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, 1961, I, p. 40. Em sentido análogo pronunciam-se ANTOINE BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuxième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp.15 e ss. e pp. 94 e ss., BEIER, Marque et droit économiqueles foctions de la marque, (AAVV), 1975, pp. 100/101 1995, pp. 15 e ss. apud. COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 29). Contra FERNÁNDEZ-NÓVOA sustenta que é altamente improvável que um outro empresário possa fabricar produtos que sejam substancialmente iguais aos produzidos pelo titular do direito à marca. (Las funciones de la Marca, ADI, 1978, pp. 52/53). Refutamos em absoluto. 263 Esta crítica é usualmente refutada com o argumento de que nada impede que o empresário aumente a qualidade dos seus produtos ou serviços, ou, inclusive, baixe superficialmente a qualidade dos mesmos. Mesmo as alterações das características dos produtos ou serviços não estão liminarmente afastadas, embora, neste caso, urja informar os consumidores.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 87

de forma derivada, não sendo mais que resquícios da função distintiva, sendo, portanto, uma função

derivada da daquela.264 Assim, a desejada constância qualitativa dos bens não se alcança com

fundamento numa pretensa função garantística, antes consegue-se fazendo apelo ao facto de os

produtos ou serviços resultarem de uma única fonte produtiva, ou de várias fontes produtivas

conexionadas entre si.

5.4. - Perante a querela, impõe-se agora a questão: o ordenamento jurídico português actual protege

a função de garantia da marca, ainda que enquanto função derivada?

Uma leitura apressada do disposto na alínea b) do n.º 2 art. 216.º (al. b) do n.º 2 do art. 269.º do CPI

2003) que prescreve a caducidade da marca que se tornar susceptível de induzir o público em erro,

nomeadamente acerca da natureza, qualidade265 e origem geográfica desses produtos ou serviços,

poderia fazer cair por terra as premissas anteriores.266 No entanto, tal como outros,267 não

sustentamos que o preceito em análise tutele uma função de garantia qualitativa.

A correcta interpretação deste preceito impele à conclusão de que o mesmo nos traz à coacção a

problemática do uso enganosos da marca; a melhor doutrina identifica aqui um reforço do princípio

da verdade da marca que, não se limitando a proibir a marca enganosa ab initio, estende esta

proibição às situações em que, não obstante, não existirem vícios originários, os mesmos verificam-

264 Neste sentido ANTÓNIO FERRER CORREIA e MANUEL NOGUEIRA SERENS, A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 91. Com efeito, a imagem de qualidade de uma marca junto dos consumidores, cria nos compradores uma idealização de confiança, mesmo sem conhecer em concreto aquele produto; indubitavelmente sempre que uma marca que consegue granjear no público uma imagem de qualidade, sempre que coloca um novo produto no mercado, este apresenta-se aos consumidores com uma álea de confiança. Entre os defensores desta posição destacam-se BEIER, GRUR Int. 1968, pp. 8 e ss.; também REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 599 sublinha a potencialidade da “função de qualidade (ou garantia de qualidade) deriva tão só da função indicadora de proveniência: para os consumidores uma mesma proveniência implica uma qualidade constante do produto marcado, que o mesmo é dizer uma garantia (de qualidade) de facto. É, pois, prima facie uma função derivada, de jaez sócio-económico”. Também neste sentido ANTOINE BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuxième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, p. 15, CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. pp. 39/40, MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 79, NOGUEIRA SERENS, A proibição da Publicidade Enganosa: defesa dos consumidores ou protecção (de alguns) concorrentes, Comunicação e Defesa do Consumidor, Coimbra, 1996, pp. 239/240, PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, p. 385 e THOMAS McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973, § 3:10. 265 Importa neste contexto definir qualidade: carácter ou propriedade dos objectos ou seres que permite distingui-los uns dos outros; característica que constitui o modo de ser que determina a natureza, a essência. (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, Lisboa, 2001, p. 3019). 266 Ainda que de acordo com a Directiva Comunitária, é esta a posição de GHIDINI, Decadenza del marchio per decettività sopravvenuta, RDI, 1993, parte I, 211 e ss. 267 O que se pretende com a proibição em análise é impedir a validade do registo na marca nos casos em que a marca é descritiva e deceptiva; com efeito, se “il marchio è significativo, non deve contenere indicazioni non veritiere, atte a trarre in inganno il pubblico” (GIUSEPPE SENA, Brevi note sulla funzione del marchio, RDI, 1989, parte I, p. 13). No mesmo sentido CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. p. 22, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 92 e ss., PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 387 e PINTO COELHO, Marcas Comerciais e Industriais, cit. p. 29.

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88 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

se à posterior.268 O princípio da verdade não se esgota na “apreciação estática da ligação do sinal

distintivo ao produto ou serviço a que se destina, mas abrange ainda a apreciação dinâmica da

marca no seu modo e contexto de utilização. No primeiro caso, o engano resulta da marca em si

mesma; no segundo, o engano do uso que é feito da marca”.269

Pergunta-se como funciona este mecanismo de protecção da veracidade das marcas; pugnamos pela

consideração de que a valia do mesmo se resume aos casos em que na composição da marca

encontramos alusões qualitativas; estas quando deixam de estar representadas nas características

dos produtos ou serviços tornam a utilização da marca ilegítima, por enganosa.270 Se ab initio a

marca é susceptível de induzir o consumidor em erro, o registo deverá ser recusado nos termos da

al. l) do n.1 do art. 189; (al. l) do n.º 1 do art. 239.º do CPI 2003) se o logro existe num momento

posterior, há lugar à caducidade do registo, nos termos do art. 216, (art. 269.º do CPI 2003) ambos

do CPI.

A ratio legis do preceito não é garantir a qualidade dos produtos mas, tão-somente impedir que o

empresário utilize a marca para sugerir qualidades ou características que inexistem nos seus

produtos (ou serviços). Desta feita, se a marca é absolutamente fantasiosa, sem quaisquer alusões

às qualidades do produto ou serviço, a caducidade por uso enganoso da marca ser-lhe-à inaplicável,

ainda que existam patentes oscilações na sua natureza, qualidade ou procedência geográfica.

Acresce que o preceito em análise mais não é que a transposição para o Direito Interno da Directiva

de Harmonização que, no seu décimo considerando sustenta que a função do Direito das Marcas é a

defesa da função de indicação de origem dos produtos e serviços marcados.

268 Incisivas são as palavras de FERDINANDO CIONTI ao sustentar que “la verità è che il marchio non solo non ha garantito mai nessuna “qualità propria” del prodotto ma neppure ha garantito mai che il prodotto fosse in qualsiasi modo, per sostanza o per forma, differente da un altro nom narchiato o marchiato diversamente” (La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, p. 85). Em sentido análogo pronunciam-se CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, cit. p. 39, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, cit. pp. 614 e ss. e pp. 823 e ss., PEDRO SOUSA e SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, pp. 387 e ss. e OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, pp. 9/10. 269 COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca.., cit. p. 107. O A. retoma o tema e subscreve que o uso enganoso da marca poderá resultar do uso publicitário da marca, i e, quando a publicidade feita aos produtos ou serviços nos quais a marca é aposta seja susceptível de enganar os consumidores, imputando com logro características aos bens que estes não possuem. Em sentido similar, num ordenamento jurídico análogo, GUSTAVO GHIDINI, Decadenza del marchio per decettività sopravvenuta, RDI, 1993, parte I, p. 212. Questão colateral é a determinação das pessoas ou entidades com legitimidade para interpor acção judicial para inquinar o registo das marcas enganosas. (no sentido de que as associações de consumidores têm esta prerrogativa pronuncia-se BACHARACH DE VALERA, Legitimacion active de asociaciones de consumidores para entablar la accion de cesacion, ADI, 1983, pp. 161 e ss., COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pp. 222/223 e GHIDINI, ult. ob. cit.; numa diferente visão pronuncia-se NOGUEIRA SERENS, A proibição da Publicidade Enganosa: defesa dos consumidores ou protecção (de alguns) concorrentes, Comunicação e Defesa do Consumidor, Coimbra, 1996, pp. 249/250). 270 Recorremos aos exemplos avançados por PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade... cit., pp. 389-390: uma marca de sobretudos “Rei da Cachemira” quando esta matéria-prima não entre na composição dos produtos, a marca “cristalex” para produtos em vidro, etc... No mesmo sentido GIUSEPPE SENA, Veridicità e decettività del marchio, RDI, 1993, parte I, pp. 331 e ss., REMÈDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 823/824 e RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, BFDC, 1999, Coimbra Editora, p. 336.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 89

Não obstante a posição que sufragamos, pensamos merecer um tratamento autónomo, o caso

específico das marcas colectivas de certificação, 271 para as quais, não vemos como se pode não

reconhecer uma função garantística no seu regime jurídico.

Pelo que fica exposto, sustentamos que o preceito legal em análise, sendo um corolário do princípio

da verdade das marcas, tem a finalidade, dentro da unidade da Lei das Marcas, de impedir situações

de concorrência desleal, impedindo-se que um empresário utilize um signo enganoso, o que lhe

permitiria, por esta forma, alcançar uma vantagem competitiva inaceitável, uma vez que tinha

como base o logro do consumidor, cuja vontade era susceptível de ser determinada com alusão a

elementos incorrectos.

Esta tese mostra-se apta para garantir a coerência do sistema, continuando as marcas a serem

elementos colocados à disposição dos empresários para tutelarem os seus legítimos interesses272 e

não sinais de interesse público que visam directamente a protecção dos consumidores.

271 Tudo o que fica escrito deve ser excepcionado no caso das marcas colectivas de certificação, definíveis como sinais pertencentes a uma pessoa colectiva que tem como finalidade controlar produtos e serviços ou estabelecer normas obrigatórias para a utilização destes signos como marcas, quando cumpram os requisitos exigidos. Da análise do preceito legal retira-se a ilação de que estas marcas podem certificar a origem geográfica de dados produtos (marcas de origem) ou um cumprimento de determinados requisitos de qualidade (marcas de qualidade). Refira-se que a noção de marca colectiva surge na doutrina internacional na Convenção de Washington de 1931, que reviu a Convenção de Paris de 1883. Mas como distinguir a marca colectiva da marca de empresa? Desde logo as primeiras visam ser usadas por uma pluralidade de entidades, para assinalarem os seus produtos ou serviços. Depois no que concerne à titularidade do direito, as marcas colectivas, em regra, pertencem a Associações ou entidades com fins de fiscalização e certificação; por outro lado, em princípio, as marcas colectivas não são transmissíveis. Por fim, “a marca colectiva […] está ligada a um regulamento que rege a sua utilização” (BESSA MONTEIRO, Marca de base e marca colectiva, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, p. 341). “A função certificadora e indiciadora da qualidade é a função principal destas marcas. Função exercida em nome do interesse geral e não no interesse de uma empresa. (ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, BFDC, Coimbra Editora, 1999, p. 365). Assim, nas marcas de certificação a função de garantia é a ratio legis da sua existência, a motivação que subjaz ao seu surgimento. Sublinhe-se, no entanto, que na sua origem as marcas de certificação visavam sobretudo a protecção dos interesses das empresas, que viam nestas, o meio de promover os interesses conjecturais e comuns, nomeadamente, a falsificação de produtos. No sentido que nas marcas colectivas a sua função principal é a função garantística pronunciam-se ALBERTO RIBEIRO de ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, Boletim da BFDC, STVDIA IVRIDICA 39, Coimbra Editora, 1999, p. 335, BESSA MONTEIRO, Marca de base e marca colectiva, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, p. 341, CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, p. 145, COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial…, cit. pp. 317 e 327/328, FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 228, GUGLIELMETTI, Il Marchio: Oggetto e Contenuto, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1968, p. 13, MONTE GIL, Las Marcas Colectivas, ADI, 1994-95, pp. 213 e ss., NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, pp. 19 e ss., PEDRO SOUSA e SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 386, PRISCILLA PETTITI, Il Marchio Collettivo. Commento alla nuova legge sui marchi, RDC, Ano 1994, pp. 631 e ss., REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 599 e 604/605, RENATO CORRADO, Segni Distintivi, Ditta- Insegna- Marchio, Trattado di Diritto Civile, diretto da Giuseppe Grosso e Santoro-Passarelli, Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, pp. 205 e ss., TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, pp. 355 e ss. e VINCENZO DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, pp. 171 e ss. 272 Semelhantemente, COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, cit. p. 329 e PINTO COELHO, A protecção da marca notoriamente conhecida, cit. p. 211. É axiomático que o Direito das Marcas não foi concebido para a protecção do consumidor mas, antes, direccionado para proteger os interesses dos empresários. (Esta ilação é sublinhada por NOGUEIRA SERENS, A proibição da Publicidade Enganosa: defesa dos consumidores ou protecção (de alguns) concorrentes, Comunicação e Defesa do Consumidor, Coimbra, 1996, pp. 247 e ss., SILVEIRA RODRIGUES, Defesa do Consumidor e Direito Industrial, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 263, e FERREIRA de ALMEIDA, Os Direitos dos Consumidores, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, p. 72 e ss.; numa posição

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90 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Por tudo, plagiam-se as palavras de COUTO GONÇALVES quando ensina que “não se encontra

nenhuma imposição legal dirigida ao titular da marca individual para observar o mesmo nível de

qualidade específica dos produtos ou serviços”.273 A garantia de qualidade não é mais que uma

expectativa do consumidor que procura e deseja reencontrar em cada produto ou serviço os níveis

qualitativos a que se habituou, sendo, por tudo, apenas uma garantia meramente de facto, destituída

protecção jurídica.274

5.5. Mas o que fica escrito deve ser entendido cum grano salis; a aposição de uma marca em dado

produto não é despicienda para a qualidade dos produtos, devendo considerar-se que a marca

garante a qualidade de um produto, mas num plano sociológico; com efeito, um empresário ao apor

a sua marca, ao investir recursos económicos na promoção de uma marca tem redobrado interesse

em incrementar a qualidade dos seus produtos, conhecedor que a insatisfação da clientela se vai

repercutir na valia da marca, uma vez que, ninguém questiona o facto de um decréscimo de

não totalmente coincidente vide PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 383 e JUSTINO CRUZ, CPI Anotado, Coimbra, 1983, p. 140). 273 COUTO GONÇALVES, Direito das Marcas, cit. pp. 109-110. No mesmo sentido pronunciam-se FERRER CORREIA e NOGUEIRA SERENS, ao sustentarem que “se a marca protegesse directamente a constância qualitativa dos produtos, qualquer alteração da sua qualidade e nas suas características, porque redundaria num engano dos consumidores, deveria necessariamente ser interdita”. (A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 91) Lapidares neste sentido são as palavras de BEIER ao afirmar é certo que “para os consumidores, uma mesma proveniência implica frequentemente uma qualidade constante dos produtos daquela marca. Contudo, esta expectativa do consumidor não é protegida pelo direito das marcas” (apud. PEDRO SOUSA E SILVA, Direito Comunitário e Propriedade Industrial, O princípio do esgotamento dos direitos, BFDUC, Coimbra Editora, 1996, p. 51). Também VANZETTI sustenta “che da punto di vista giuridico è del tutto impossible parlare di una funzione di garantia del marchio , fintato che la legge non preveda […] un obligo di uniformare tutta la produzione” (ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, p. 32). No mesmo sentido é taxativo ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA (Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 21) ao afirmar que “a marca não garante que o produto tenha sempre as mesmas características nem a mesma qualidade. A marca é um instrumento adequado a vincular o seu titular a garantir ao consumidor a constância qualitativa do produto, não pode ser exigido da marca uma função de garantia de qualidade. A função de garantia de qualidade do produto deve polarizar-se num outro sinal distintivo.” Ainda para confirmar as ideias expostas, refira-se que uma análise ao actual quadro legislativo nacional permite concluir pela inexistência de normas que visem assegurar um padrão equitativo de qualidade dos produtos. Ainda neste sentido BEIER, Territorialité du droit des marques et les echanges internationaux, Clunet, 1971, p. 22, DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 27, FRANCESCELLI, Sui Marchi di Impresa, cit. pp. 32 e ss., GUGLIELMETTI, Il marchio celebre o “de haute renoméé, Milano, Giuffrè, 1977, p. 187, MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 24, MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, pp. 73 e ss., NICCOLÒ ABRIANI, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 29, PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 388, PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, p. 385, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 598/599 e TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 435. 274 Assim, BUENAVENTURA PELLISÉ PRATS, Marca, Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo XV, Editorial Francisco Seix, S.A., Barcelona, 1974, pp. 885 e ss., GUGLIELMETTI, Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, p. 384, OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 9 e REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 599. Ainda neste sentido pronuncia-se BEIER ao afirmar que para “os consumidores, uma mesma proveniência implica frequentemente uma qualidade constante dos produtos de marca. Contudo, esta expectativa do consumidor não é protegida pelo Direito das Mascas” (apud. PEDRO SOUSA E SILVA (O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 387).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 91

qualidade da marca vai promover uma perda de confiança dos consumidores.275 É indubitável que o

público almeja que todos os produtos que apresentam a mesma marca tenham características

homogéneas, uma determinada qualidade, em suma, garantam iguais níveis de satisfação.276 Este

entendido é sufragado pelo Tribunal Judicial das Comunidades Europeias que no caso “HAG-II”

que alerta que apesar de a marca não proporcionar nenhuma garantia legal de qualidade – cuja

inexistência pode ter levado alguns a subestimar a importância das marcas – num plano

económicos oferece esta garantia que quotidianamente o consumidor toma em consideração.”277

66.. CCOONNCCLLUUSSÃÃOO IINNTTEERRCCAALLAARR

Exposta a problemática é chegado o momento, sempre complexo, de assumir uma posição para a

querela, esboçando uma conclusão intercalar.

No que concerne à primeira perspectiva da função distintiva, ou seja, o entendimento da marca

como um sinal distintivo dos diversos produtos ou serviços disponibilizados no mercado, mantêm-

se actuais as premissas tradicionais.278 Sem duvida que a marca é um sinal identificador de

produtos e serviços, permitindo a sua escolha pelo consumidor, funcionando como a denominação

daqueles em que é aposta.279

Quid Juris em relação à função indicadora de origem?

É axiomático que num primeiro momento histórico a marca prosseguia uma função distintiva. A

sua função essencial seria a de diferenciar os produtos e serviços de um determinado empresário

dos disponibilizados pelos seus concorrentes. Pelo exposto era lícito ao consumidor concluir que

todos os produtos ou serviços que ostentavam a mesma marca, dentro de um determinado sector

merceológico, provinham de uma mesma, única e constante procedência empresarial; o

275Contra sustenta-se que da inexistência de protecção decorre que, demasiadas vezes, a prática ensina que “não adianta dizer que o empresário não diminuirá a qualidade, sob pena de ver o público afastar-se da marca que adquiriu. Terá a tentação de proceder assim sempre que a venda sob a marca, enquanto o público estiver iludido, compensar o preço que pagou por ela.” (OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, cit. pp. 159/160). No mesmo sentido ANSELM KAMPERMAN SANDER e SPYROS MANIATIS, escrevem que “the market is not place for angels and the consumer demand for legislative supra-market intervention may be desirable”. (A consumer Trade Mark: Protection Based on Origin and Quality, EIPR, 1993, pp. 407/408). 276 De certo modo “il titolare del marchio non promete prodotti identici, ma prodotti che egli si riserva di cambiare, sia in meglio che in peggio, ma nei limiti dell`equivalenza” (FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 135/136). 277Ac. TLCE de 17/10/90, Proc. C-10/89, Caso HAG II http://curia.eu.int/pt/jurisp/index.htm. 278 Referimo-nos ao pensamento de FRANCESCHELLI que entende que “il marchio, sai registrato o no, distingue il prodotto, la mercê o il servizio, e non l`azienda o l`impresa, o l`azienda attraverso i suoi prodotti o, come da qualduno è stato detto, la font produttrice o, peggio, la fonte d`origine” (Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 247). 279 Em sentido análogo OLIVEIRA ASCENSÃO, escreve que a marca “é um sinal distintivo de uma série” que visa caracterizar uma série de produtos ou serviços, não individualmente considerados, mas enquanto integrados naquele conjunto. (As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 8).

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92 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

desconhecimento pelo consumidor da origem em concreto dos (produtos) ou serviços, o facto de

actualmente se assistir a uma produção descentralizada e assente em subcontratação e a

possibilidade das marcas de grupo, por si só, são insuficientes para “abalar” os alicerces da teoria

tradicional da função da marca.

Mais complexa é a possibilidade de transmissão não acoplada da marca, da permissão em conceder

licenças de exploração da marca, circunstâncias em que se assiste a uma cisão entre o produtor e os

produtos (ou serviços), passando a marca a assinalar os bens originários de diferente procedência

empresarial. Mesmo com o redimensionamento da marca realizado por alguma doutrina, a

explicação da marca enquanto indicador da origem dos produtos mostra-se inábil para explicar

fenómenos como a possibilidade de coexistência de duas marcas iguais para assinalar produtos ou

serviços semelhantes, pelo que se exige uma resposta diferente ao quesito formulado.

Concorda-se assim com a primeira reacção de VANZETTI no seguimento da Primeira Directiva:

continuar a entender a marca como um sinal indicador da proveniência de produtos ou serviços é

uma tarefa não apenas mais difícil, mas impossível.

Ao que fica escrito, acresce o facto de o anonimato da origem empresarial dos produtos ou serviços

ser um efeito desejado pelos (alguns) empresários,280 que utilizam a marca como um escudo

protector para apaziguar eventuais fracassos empresariais.

O entendimento tradicional da marca enquanto sinal colocado pelo produtor para promover ou

recomendar os seus melhores produtos, credibilizando-os com a aposição de um sinal distintivo que

o identificasse, esvaneceu-se com o devir da economia para um mercado de tipo capitalista.

No que concerne à função de garantia da qualidade, sustentamos que a mesma não pode ser eleita

como uma função juridicamente protegida. Não escamoteamos o facto de a marca ser uma garantia

de facto de constância qualitativa de produtos ou serviços: o que condenamos é que a expectativa

do consumidor seja protegida pela actual lei das marcas.

O legislador limita-se a impedir a existência de marcas enganosas, independentemente do logro se

verificar no momento do registo ou decorrer da utilização da marca. Um Direito das Marcas

vocacionado para a protecção da função de garantia teria de ser dirigido primeiro para a protecção

dos consumidores e, apenas depois, para fazer face aos interesses privatísticos dos empresários. Por

outro lado, exigir-se-ia que os níveis qualitativos dos produtos ou serviços se mantivessem

constantes, sendo ilícita qualquer alteração significativa destes, o que não se verifica. O que se

prevê é a possibilidade de caducidade da marca por uso enganoso, ou seja, no caso e só neste caso,

280 Neste contexto ganham pertinência as palavras de BEYERLE quando sustenta que “o objectivo da lei das marcas não é estorvar os interesses económicos do empresário, mas sim promove-los, assim se favorecendo o interesse geral” (apud. por NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 37).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 93

de na composição das marcas se fazerem alusões qualitativas, ser ilícita a sua utilização, quando as

qualidades ou características sugeridas na marca, não existirem nos produtos ou serviços.

O entendimento da marca enquanto um sinal diferenciador de produtos e serviços e não

identificador da sua origem é a solução que maior coerência confere ao Instituto dos Sinais

Distintivos. Com efeito, este desenlace é o que permite a complementaridade dos signos, atentos os

interesses da actividade empresarial, possibilitando de forma congruente conciliar a firma, marca,

nome e insígnia do estabelecimento e logótipo.

De acordo com a nossa percepção, vislumbramos a possibilidade de, quer os produtos e serviços

serem identificados por sinais nominativos ou figurativos (as marcas que podem apresentar ambas

as formas) como também o estabelecimento comercial (pelo nome e pela insígnia) e, finalmente o

empresário: a firma, enquanto sinal obrigatoriamente nominativo, o logótipo como sinal

necessariamente figurativo.

Mas será esta constatação bastante para justificar o Direito das Marcas? Será que todo este Instituto

se poderá basear na defesa da marca enquanto designação específica de produtos, enquanto

denominação genérica de um produto?

Sendo verdade que justiça a transmissão desvinculada da marca e a sua licença? E como explicar as

marcas de grande prestígio?

Sufragamos que não! Sendo esta uma função do sistema, não se pode elevar a ser a função do

sistema pelo que, incumbe ao intérprete indagar sobre a existência de uma outra função autónoma e

directamente protegida. Ao intérprete compete a procura, descomplexada, de uma nova explicação

para o Direito das Marcas.

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94 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

CAPITULO III

A PROCURA DA ACTUAL FUNÇÃO JURÍDICA DA MARCA

7. Caracterização da Publicitária da Marca da Marca de Empresa;

7.1 Considerações sócio-económicas;

7.2 A problemática da Admissibilidade da Função Jurídica;

8. Análise de Institutos com relevância para a Função Publicitária

8.1 Marca de Grande Prestígio;

8.2 Legitimidade para o registo;

8.3 Direitos conferidos pelo Registo da Marca;

8.4 Transmissão de Marca;

8.5 Contrato de Licença de Exploração de Marca;

8.6 Contrato de Franquia;

8.7 Contrato de Merchandising;

77.. FFUUNNÇÇÃÃOO PPUUBBLLIICCIITTÁÁRRIIAA DDAA MMAARRCCAA DDEE EEMMPPRREESSAA228811

7.1. Considerações sócio-económicas

Quando centramos a nossa atenção na função que a marca desempenha no mercado, a sua função

económica, é axiomático que esta extravasou os limites de uma função indicadora da proveniência

do produto ou de serviço, para desempenhar uma nova e crucial função: a função publicitária ou

sugestiva.

É através do marketing que reveste a marca que o empresário entra no jogo concorrencial,

instalando-se no mercado, de forma a incrementar e perpetuar a sua actividade; é na exploração da

marca que se alicerça a sua actuação, não apenas do que concerne à apresentação dos seus produtos

(ou serviços), bem como na promoção dos produtos e serviços em si mesmo considerados, como

281 Uma tese que se aproxima desta é a da função condensadora do goodwill; para esta corrente a marca é um mecanismo apto para condensar a “fama” ou boa reputação que os produtos ou serviços granjearam junto dos consumidores, uma vez que é através da marca que o público reconhece os produtos (ou serviços) que merecem a sua preferência, facilitando a sua decisão aquisitiva. Não é fácil definir o que é o goodwill ou aquilatar de como se forjou, uma vez que pode dimanar de uma heterogeneidade de motivações, tais como a qualidade dos produtos, a publicidade, o efeito psicológico dos produtos ou serviços, etc. Não obstante sufragarmos tudo o que fica escrito, não aprovamos a defesa desta função; entendemos que a mesma é redutora e portanto inapta para explicar a complexidade das funções desempenhadas pela marca; sobretudo, achamos que a função condensadora do goodwill se dilui na função publicitária da marca. Sobre o tema, por todos, FERNÁNDEZ NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, pp. 54 e ss.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 95

pelo recurso a todas as novas técnicas publicitárias profícuas à conquista e expansão de uma quota

de mercado.282

Os actos de publicidade realizam ainda a função de “informar”, para identificar o consumidor sobre

os novos produtos ou serviços disponibilizados no mercado por um dado empresário, realçando as

suas qualidades no confronto com os disponibilizados por outros empreendedores.283

O que vai sendo escrito é especialmente válido numa época em que se de gladiam no mercado uma

multiplicidade de empresários que oferecem com simétricos custos, com igualitários níveis

qualitativos, um amplo conjunto de produtos e serviços susceptíveis de proporcionar idêntica

satisfação das necessidades individuais; perante este paradigma as empresas foram coagidas a

descobrir novos meios de diferenciar os seus produtos (e serviços) dos disponibilizados pela

concorrência com o intuito de captarem a atenção e a estima do público: a marca de empresa

insere-se neste novo contexto macroeconómico.

Algumas vezes o magnetismo da marca baseia-se na excelência dos produtos ou serviços que

assinala; outras vezes, assenta no sinal distintivo em si mesmo, na sua especial potencialidade para

atrair o consumidor; outras vezes, a capacidade atractiva encontra sustentação na associação da

marca a pessoas, personagens, símbolos famosos ou outras marcas de excepcional reputação,

pretendendo canalizar-se para os produtos ou serviços nos quais a marca é aposta, o prestígio social

daqueles. Finalmente, urge salientar a proeminência do fenómeno da publicidade na expansão do

conteúdo da marca.

Mas como podemos encarar a publicidade nos dias de hoje? Um mero reclame aos produtos ou

serviços de dado empresário, enaltecendo as suas características?284 Discordamos. Tendencialmente

a publicidade perdeu a sua original “pureza” informativa, para se tornar num veículo de sugestão,

criando no imaginário colectivo uma heterogeneidade de sensações e imagens.

À pergunta de onde emerge esta vis attractiva da marca, ou seja, de como uma marca adquire esta

capacidade de em si mesma atrair a clientela, tradicionalmente dava-se uma resposta linear e

incontestada: pela qualidade dos seus produtos, pela sua susceptibilidade intrínseca de colmatar

com eficácia as necessidades dos consumidores, capitalizava uma auréola de confiança

conseguindo inculcar nos consumidores uma imagem de credibilidade e satisfação. No sentido

denunciado a marca teria a susceptibilidade de garantir a qualidade dos produtos, porque

282 Reflexão análoga é elaborada por ASCARELLI, Teoría de la concurrencia y de los bienes inmateriales, Trd. E. Verdera y Suaréz-Llanos, Barcelona, Bosch, pp. 399 e ss. e RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1645. 283 Assim, TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, pp. 304 e ss. 284 De certo modo era a visão traçada por FERRER CORREIA ao sustentar que “a marca desempenha, no jogo da concorrência uma função muito importante [...] pode o empresário acreditar perante a clientela os seus melhores produtos [...] e facilitar a sua procura no mercado. Vai contribuir, por outras palavras, para que aumente o consumo dessas mercadorias concorrer, portanto, para o maior lucro da empresa” (Lições de Direito Comercial, cit. p. 180).

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96 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

funcionava como penhor da estabilidade qualitativa dos produtos, exercendo ainda a prerrogativa

de permitir condensar na marca a mais valia da empresa.

Mas será a resposta tradicional aceitável hoje? Sustentamos que não! Por mais criticável que a

realidade se apresente, não deixa de ser real. Cada vez mais o marketing publicitário tende a criar

uma imagem subjectiva dos produtos ou serviços que se projecta na mente dos consumidores:285 a

escolha do público é cada vez menos alicerçada em conceitos objectivos (tais como o preço, a

qualidade, o nível de satisfação) mas por um conjunto intangível de motivações decorrentes do

labor publicitário, sendo o acto aquisitivo motivado por decisões de diminuta racionabilidade; cada

vez mais, não compramos um produto (ou serviço) de marca, compramos a marca que está num

produto (ou serviço).

7.2. A problemática da admissibilidade da função publicitária286

7.2.1. Iniciamos a nossa indagação sobre a função publicitária da marca com uma delimitação

negativa: como se supra referiu é incontestável que a marca é um excelente meio para os

empresários tornarem cognoscíveis os seus produtos e para procederem à sua promoção, sobretudo

num mundo dominado pelos meios de comunicação em massa, num mundo cada vez mais global.

Parece-nos incontestável a impossibilidade de conceber um mundo sem marcas, tal a premência

que exercem na vida comercial, sendo, as mais das vezes, um referencial único do consumidor para

a determinação da sua opção aquisitiva. Mas por função publicitária não se entenda o facto de a

marca ser usada na publicidade. Mais. Da conclusão que a marca é um instrumento publicitário, de

crucial importância, não se pode, sem mais, concluir que esta é a sua função jurídica. Recordando o

exemplo exposto por CONTI: do facto de um livro poder ser utilizado para decorar uma sala, não é

licito inferir-se que essa é a sua função; do facto de as marcas serem um veículo de publicidade,

não se pode concluir que esta é a sua função jurídica.

Posto isto, podemos, numa primeira aproximação, definir a função publicitária como a influência

exercida pela marca na mente dos consumidores, de molde a que a escolha dos produtos ou 285 É axiomático que na actualidade as marcas são dotadas de atributos emocionais, conceptualizando estilos de vida; as novas marcas dirigem-se tanto ao coração como ao cérebro e exercem uma influência física e psíquica nos consumidores que os impele no mercado. (assim, RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, pp. 1652/1653). 286 Um dos autores pioneiros na eleição desta função foi SCHECHTER, (The Rational Basis for a Trademark, Harvard Law Review, 40, 1927, pp. 813 e ss.). Para este A. “to describe a trademark merely as a symbol of good will, without recognizing it as and agency for actual creation and perpetuation of good will, ignores the most potent aspect of the nature of a trademark and that phase most in need of protection” (ibidem, p. 818). Sobre o tema vide AREAN LALÍN, En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 8, 1982, pp. 57 e ss., COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial…, cit. pp. 325 e ss., COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, cit. p. 115 e ss. e Direito das Marcas., 2ª Edição, Livraria Almedina, 2003, p. 27 e ss., DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, pp. 30 e ss., FERDINANDO CIONTI, La funzione del Marchio, Milano, Dott.A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 152 e ss., FERNANDÉZ-NÓVOA, Fundamentos de Derecho de Marcas, Madrid, 1984, pp. 56 e ss., e Las funciones de la Marca, Actas de Derecho Industrial, 1978, pp. 33 e ss., THOMAS McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973, § 2:7.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 97

serviços não se faça considerando as qualidades intrínsecas dos produtos (ou serviços) que a marca

identifica, mas, pelo poder de atracção ou sugestão da marca em si mesma, ou seja, tendo em

atenção a influência da “imagem” da marca sobre os consumidores. Com a exploração desta

apetência, a marca deixou de ser um mero signo distintivo de produtos ou serviços, para se tornar

um valor em si mesmo, dotado de um selling power,287 que extravasa notoriamente a mera função

identificadora de produtos e serviços. Neste contexto a marca não é mero sinal extrínseco e

identificador dos produtos ou serviços, tornando-se numa verdadeira qualidade ou característica do

bem em que é aposta, não raras vezes mais apetecível que o produto ou serviço de per si.288

Como frisámos, o reconhecimento de que a marca desempenha no actual estádio da economia uma

incontestada função publicitária, não responde de forma elucidativa às nossas inquietações! Aquilo

que é uma evidência para os economistas causou, e ainda causa, constrangimentos e celeumas entre

os juristas mais tradicionalistas. Urge questionar-nos sobre se a relevância económica da marca foi

recebida pelo ordenamento jurídico, de molde a podermos concluir se o Direito das Marcas tutela

esta função publicitária.

A doutrina mais tradicionalista, arreigada de algum puritanismo dogmático tem dificuldade em

adoptar uma visão pragmática sobre o Instituto das Marcas, recusando-se a acatar na Ordem

Jurídica os imperativos ditados pelos circunstanciais interesses económicos. As múltiplas aversões

ao reconhecimento da protecção jurídica da função publicitária da marca são passíveis de se

sintetizarem em três premissas fundamentais.

Desde logo, sublinha-se que a tutela desta função representaria um factor de desigualdade entre os

concorrentes, sendo um instrumento de inequívoca protecção dos interesses económicos das

grandes empresas, aquelas que são proprietárias das grandes marcas, não apenas se

consubstanciando numa intolerável diferenciação entre as marcas,289 como numa ainda menos

tolerável diferenciação de tutela jurídica com base na dimensão das empresas. Ainda neste sentido,

refere-se que se privilegia a capacidade de investimento em detrimento da capacidade técnica ou

eficiência das empresas, porquanto se valoriza a capacidade de sugestionar o consumidor em

287 Concordamos com SCHECHTER, quando sustenta ser a marca mais que um mero símbolo do goodwill, mas o mais eficaz meio para criar o goodwill de uma dada empresa, criando num espírito humano uma imperfeita garantia de satisfação, bem como o desejo de novas aquisições. (Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, Vol. XL, 1927, p. 819). 288 No mesmo sentido, ANDREA MARIANI, L`analisi económica del marchio che godé di rinomanza, Il Diritto Industriale, n.º4/1996, p. 292 e FRIGNANI, I problemi giuridici del merchandising, RDI, 1988, pp. 40 e ss. 289 Neste sentido é curiosa a expressão de NOGUEIRA SERENS, quando criticamente sustenta que “perante a lei, as marcas, “nascendo” iguais não se poderiam tornar desiguais”. (Da tutela da Marca Célebre à Tutela da Marca de Grande Prestígio, Um caminho que deveria ter sido percorrido?, Seminário de Propriedade Industrial, Lisboa, 1995, p. 17). No sentido desta premissa, MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 73 e OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, pp. 12/13.

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98 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

detrimento da capacidade técnica e humana das empresas em oferecer, pela competência, produtos

de boa qualidade.290

É ainda recorrente a consideração de que esta protecção colide com os interesses do mercado por as

aquisições não se basearem na qualidade dos produtos, mas num dado absolutamente irracional, o

poder de sugestão da marca em si mesma;291 neste sentido, prejudica-se a concorrência assente na

liberdade de escolha baseada em factores racionais e, promoveria-se o concurso baseado no engano

e na sugestão.292 No que concerne ao mercado, não faltam as vozes que sublinham o facto de os

produtos “marcados” serem bem mais dispendiosos que produtos similares, do que resulta um

óbvio prejuízo para o consumidor.293

Por fim, e numa perspectiva formalista, usa referir-se que a defesa desta função colocaria graves

problemas à subsistência do direito das marcas “fazendo destas quase uma obra de engenho

protegida de forma independente da sua referência a um género de produtos (ou de serviços).”294

Em suma, a sustentação dogmática desta tese reside no entendimento de que não se pode admitir no

direito das marcas esta função, porquanto a marca seria entendida como um valor em si, o que não

seria conciliável com um sistema de liberdade na concorrência.295 Alude-se ao entendimento de que

a existência desta tutela teria efeitos perniciosos sobre o mercado, desvirtuando a sã concorrência:

290 Assim, MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 12. 291 Assim, DI CATALDO , Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985. A comum sustentação de que as marcas são a prova da irracionalidade ou futilidade dos consumidores, símbolo de uma economia consumista destituída de valores é refutada com o argumento de que o prestígio da marca relaciona-se com a excelência dos produtos (ou serviços) da entidade proprietária da marca. (assim, JOÃO BORGES de ASSUNÇÃO no prefácio de ELISABETE SERRA/JOSÉ GONZALEZ, A Marca. Avaliação e Gestão Estratégica, Editorial Verbo, p. 9). 292 Incisivo na sua análise VANZETTI é um acérrimo crítico da tutela jurídica da função publicitária uma vez que promoveria a arte de enganar o consumidor, atirando-lhe fumo para os olhos de molde a que as suas escolhas seriam motivadas por elementos irracionais e, em regra, deseducativos. (Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, cit. p. 44). 293 É recorrente ilustrar-se o que fica escrito com os produtos farmacêuticos, em que os “com marca” são mais dispendiosos que os “genéricos”. Com base nestas premissas já se defendeu a abolição da protecção do direito de uso exclusivo da marca. (cfm. MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 92, que refere o exemplo indiano). Não podemos sufragar. A marca (independentemente da concepção jurídica adoptada) é um importante activo de uma empresa; esbulhar-lhe esse direito, se num primeiro momento poderia apresentar vantagens conjecturais, a médio e longo prazo seria desastroso para a economia. No caso específico da indústria farmacêutica, a abolição da tutela da marca traduzir-se-ia, inevitavelmente, num decréscimo de investimento neste importante sector, com nefastas consequências para a população. 294 TULLIO ASCARELLI, Teoría de la concurrencia y de los bienes inmateriales, Trd. E. Verdera y Suaréz-Llanos, Barcelona, Bosch, p. 398 [Tradução nossa]; posição similar é sustentada por MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 9. 295 Assim, ORLANDO CARVALHO, Critério e estrutura do estabelecimento comercial, Atlântida, Coimbra, 1967, p. 82. Sobre a relação entre o Direito das Marcas e o Direito da Concorrência vide RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, pp. 1654 e ss.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 99

as escolhas de consumo individuais não se justificariam em factores objectivos, mas antes, seriam

determinadas pelo magnetismo do marketing e da publicidade.296

Aceitando como boa a argumentação aduzida, não apenas não existiria uma protecção jurídica à

função publicitária da marca de empresa, como esta, não seria nem desejada nem querida, porque

contrária tanto aos interesses dos empresários, como contrária aos interesses dos consumidores.

Explicamos. No que concerne ao público, a consagração desta protecção conferiria sustentabilidade

legal ao engodo do consumidor pela publicidade sugestiva,297 conduzindo-o a adquirir o que não

necessita, ou produtos ou serviços de qualidade inferior ou preço superior aos que adquiriria se

motivado por razões objectivas. No que diz respeito à concorrência298 a protecção da função

publicitária das marcas serviria para a desvirtualizar, funcionado como um propulsor de

desigualdades entre as pequenas e grandes empresas; sustenta-se que estas, pela sua esmagadora

capacidade financeira, face àquelas, encontrariam neste instituto um meio privilegiado para

agudizar as discrepâncias já existentes, desempenhado a função sugestiva um instrumento

aniquilador da pequena empresa, que assistiria impotente à consagração das mais importantes

marcas.

Por outro lado, qual seria o efeito útil de proteger juridicamente esta valência da marca? Para os

detractores desta tese, nada.299

7.2.2. Numa acepção menos radical, que podemos qualificar de intermédia ou conciliadora,

sustenta alguma doutrina de alto coturno que do facto notório de a marca ser um meio

indispensável na publicidade para a promoção de bens ou serviços, não pode concluir-se pela

296 Neste sentido, por todos, VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, Vol. I, 1961, p. 44. Há um aspecto que merece ser ponderado neste contexto; não suscita dúvidas que o incremento de disponibilidades financeiras no marketing e publicidade empresarial, é a resposta dos mais “atentos” empresários à problemática da cada vez maior homogeneidade dos produtos, decorrência lógica e necessária de uma concorrência mais audaz, que as mais das vezes, se traduzem numa maior identidade ou afinidade entre os diversos bens oferecidos pelos diversos empresários; a criação de uma imagem comercial, nomeadamente através da marca, tem muitas vezes o escopo de individualizar, o que de outra forma seria genérico. Em sentido conciliável NOGUEIRA SERENS, sustenta que o recurso à publicidade emerge como um meio de concorrência de forma a combater o carácter oligopolista dos mercados, pela criação de um efeito psicológico sobre o público (A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 123/124). 297 Impõe-se neste contexto uma nota reflexiva sobre a relação entre a publicidade e a marca. Na sua génese a função da publicidade, fruto da revolução industrial e a consequente proliferação de produtos no mercado realizava uma função informativa; nesta acepção era reconhecida como um meio essencial para o tráfego comercial, porquanto permitia ao consumidor conhecer as características essenciais dos produtos e, por este meio, realizarem plena liberdade a sua escolha aquisitiva; para os detractores da nova publicidade, esta hodiernamente e sobretudo face à homogeneização crescente dos diversos produtos e serviços que se gladiam no mercado, a publicidade perdeu a sua pureza informativa, para se centrar na função de influenciar as escolhas individuais: a publicidade sugestiva não se destina ao intelecto do consumidor, mas preferencialmente ao seu inconsciente pretendendo que a determinação da escolha se faça com apelo a elementos irracionais. (nesse sentido, VANZETTI, Equilibrio d`Interessi e diritto al marchio, RDC, Padova, a. 1960, parte I, pp. 267 e ss.). Não podemos partilhar esta visão apocalíptica da publicidade sugestiva. 298 Neste sentido escreve VANZETTI que “un tale elemento è causa dell`affermarsi sul mercato di formazioni monopolistiche, come dell`allontanarsi della totta concorrenziale dale armi tradizionali” com prejuízo dos consumidores. (ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, p. 44). 299 Por todos, ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, pp. 25 e ss., especialmente pp. 43/44.

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100 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

existência de uma função jurídica directamente prosseguida, mas antes, a função publicitária da

marca deriva da sua função distintiva, não configurando, portanto, qualquer protecção específica.300

A tese a que se alude deriva da constatação de que a visão publicitária da marca, na sua génese,

está intrinsecamente ligada à função distintiva: com o desiderato de promoverem os seus melhores

produtos (ou serviços), os empresários centravam a sua acção na propaganda da marca, sendo que o

prestígio dos produtos se condensava na marca; por este facto a marca ganha um determinado

simbolismo para o público, uma dimensão própria, de molde a conceptualizar um quadro de

referências, alicerçado na satisfação sentida na aquisição daqueles bens, que imbuía os

consumidores a desejarem os produtos (ou serviços) em que aquela marca fosse aposta.301

Sucessivamente a marca adquire um intrínseco poder sugestivo, um magnetismo face ao

consumidor, que se tornou susceptível de se estender a diferentes produtos (e/ou serviços) dos

quais na sua origem marcava. Mas a veracidade da possibilidade de a marca alargar a sua

capacidade de sugestão para diferentes áreas merceológicas, assentava na sua ligação incindível a

uma fonte unitária de produção.

7.2.3. Um ponto parece incontornável: a eleição subjectiva de determinados produtos ou serviços

pelos consumidores, não tem por base critérios objectivos de apreciação, mas antes, resulta da

imagem de mercado, quantas vezes artificialmente forjada pelo magnetismo da publicidade: nestes

casos a marca deixa de ser definível como uma mero sinal distintivo para se tornar uma verdadeira

força de venda (selling power).302 É insofismável que a marca cria um “fenómeno psicológico pelo

300 Lapidares, neste sentido, são as palavras de DEMARET quando afirma que “a utilização da marca constitui em si mesma uma publicidade, porquanto ela chama a tenção do público para um produto. A marca recordará o produto aos consumidores e constituirá uma recomendação para aqueles que tenham ficado satisfeitos. No entanto, este efeito de publicidade é uma consequência da função de indicação de proveniência” (apud. SILVA CARVALHO, Marca Comunitária, Coimbra Editora, 1999, p. 51. Também ANSELM KAMPERMAN SANDER e SPYROS MANIATIS, refere o facto de “the advertising function of trade mark can be seen as a cumulative result of its origin and quality connotations in all of their guises” (A consumer Trade Mark: Protection Based on Origin and Quality, EIPR, 1993, p. 408). No mesmo sentido BRAUN, Précis des marques de produits et de service, Deuzième Édition, Maison Ferdinand LARCIER, 1997, pp. 10 e ss., COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pp. 151 e ss., FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, pp. 229 e ss., GIORGIO OPPO, Dirrito al Marchio e divieto di propaganda del prodotto, Diritto dell`Impresa, Scritti Giuridici I, CEDAM, 1992, p. 424 e GUGLIELMETTI, Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, pp. 387 e ss. (embora com algumas variantes). 301 Neste mesmo sentido, mas numa perspectiva económica, vide ELISABETE SERRA/JOSÉ GONZALEZ, A Marca. Avaliação e Gestão Estratégica, Editorial Verbo, pp. 22 e ss. e KAPFERER, Marcas, Capital da Empresa, Edições CETOP, pp. 13 e ss. 302 O que aqui se enfatiza é a susceptibilidade da marca, através do efeito psicológico sobre o seu público, se traduzir num selling power relacionado, não com a qualidade dos produtos ou serviços oferecidos, mas como resultado da própria força da marca, que funciona como um íman de consumos. Mas como um sinal anónimo consegue adquirir este valor intrínseco? A resposta a este quesito é publicidade. Com efeito, vai ser o labor dos publicitários, que centrando na marca todo o seu saber e ciência, vai permitir que esta adquira uma excepcional capacidade atractiva pelos consumidores; sublinhe-se que não raras vezes o selling power que as marcas adquirem se forja em aspectos meramente acidentais, não existindo uma relação directa entre a qualidade intrínseca dos produtos e o valor intrínseco das marcas. Prova provada do que fica dito é o facto de milhares de testes comprovarem que a cola “Royal Crown” tem melhor sabor que a “Cola-cola” e a Pepsi”, sem que essa maior qualidade tenha reflexo nas vendas. (cfm. AL RIES, em entrevista para a Exame Executive Digest, Outubro de 1994, p. 64). No mesmo sentido REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 600 e NOGUEIRA SERENS, Da tutela da Marca Célebre à Tutela da Marca de Grande Prestígio, Um caminho que deveria ter sido percorrido?, Seminário de Propriedade Industrial, p. 17.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 101

qual o consumidor liga – ou é induzido a faze-lo – um produto ou serviço ao seu sinal, à marca que

o designa, em termos de ela compartilhar o nosso subconsciente e existência quotidiana”.303

O carácter sugestivo ou atractivo da marca pode resultar de um, de dois factores; por um lado, o

selling power da marca pode encontrar justificação no reconhecimento pelos consumidores da

qualidade intrínseca dos produtos nos quais determinada marca é aposta ou, por outro lado, a

explicação daquele valor pode basear-se nas características intrínsecas da marca,304 nomeadamente

da associação mental daquela marca com fenómenos de atracção pelo consumidor.305 Como

salienta AREÁN LALÍN o comprador de um artigo de marca compra algo mais que um produto

alimentar, vestuário ou produtos domésticos: compra uma pausa refrescante, uma auréola de

mistério e romantismo, o status e prestígio social inerentes aos produtos. “Com certeza que se pode

considerar irracional comprar ilusões, mas é indiscutível que no homo oeconomicus existe um grau

de irracionalidade”.306 É nesta acepção que ganha relevância a temática em análise.

Mas pergunta-se: não será que subjaz a todos os actos aquisitivos um grau de irracionalidade? Será

que as motivações, os gostos e as opções se devem confinar a padrões de racionabilidade e

objectividade ou, pelo inverso, é admissível, desejado e querido libertar o consumidor para uma

livre actuação dentro dos seus parâmetros subjectivos? Será pernicioso permitir que um

consumidor adquira, por um valor maior um bem de inferior qualidade, se esta aquisição for livre e

lhe proporcionar um maior prazer, avaliado pelos seus próprios critérios? Sustentamos que não!

7.2.4. O reconhecimento de que a marca desempenha uma função publicitária e que essa função

goza de protecção legal pelo Direito das Marcas é, na Europa, atribuída a ISAY, para quem existem

três funções jurídicas de igual dimensão e importância. Alude o autor às: a) função indicadora de

proveniência; b) função de garantia de qualidade; c) função publicitária. Para justificar esta ultima 303 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 601. No mesmo sentido McCARTHY refere que cada produto invade o mercado com uma carga psíquica de factores intangíveis, psicológicos e utilitários: para os consumidores a marca simboliza não apenas o goodwill decorrente do produto no qual é aposta, mas também os condicionalismos psicológicos que rodeiam os produtos (Trademarks and Unfair Competition, Volume I, § 3.1 p. 86). Ainda neste sentido AREÁN LALIN, En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 1982, p. 60, ASCARELLI, Teoría de la concurrencia y de los bienes inmateriales, Trd. E. Verdera y Suaréz-Llanos, Barcelona, Bosch, p. 397 e PICKERING, Trade Marks in Theory and Pratice, Hart Publishing, Oxford, 1998, p. 59. 304 Esta potencialidade é sublinhada por ISSAC, Traffic in Trade-Symbols, Harvard Law Review, Volume XLIV, Ano 1931, p. 1212. Ainda sobre o tema, embora que numa visão que não sufragamos, VANZETTI, Equilibrio d`Interessi e diritto al marchio, RDC, Padova, a. 1960, parte I, pp. 269 e ss. 305 No mesmo sentido vide NOGUEIRA SERENS, A proibição da Publicidade Enganosa: defesa dos consumidores ou protecção (de alguns) concorrentes, Comunicação e Defesa do Consumidor, Coimbra, 1996, p. 240. 306 AREÁN LALIN, En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 1982, p. 81. [Tradução nossa] Como veremos uma das mais criticas posições ao reconhecimento de uma função publicitária ou sugestiva é VANZETTI, pelo que se justifica compreender como o A. entende esta função. Para este o que está em causa é aferir-se se “nell`ambito della tutela del diritto al marchio l`eventuale valore intinseco di suggestione che il signo presenta vuol a causa dei suoi caratteri ieali o figurativi, vuol a causa della publicità persuasiva” (ADRIANO VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, a. 1961, parte I, p. 18). A marca seria portanto um signo “dotado di intrinseca utilità e valore economico” (Ibidem, p. 26). A estes argumentos opõem-se os daqueles que sustentam a insusceptibilidade de discernir entre uma escolha racional e irracional. Por exemplo a rapariga que adquire um caríssimo perfume, pela auréola de romance e mistério criada pela publicidade em redor do perfume, de forma que, ao usa-lo, se sente misteriosa e romântica, faz ou não uma aquisição racional? (Neste sentido, THOMAS McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, Vol. I, The lawyers Co-operative Publishing Co., 1973, § 2.14).

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102 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

função ISAY sustenta que a marca é um bem jurídico independente, devendo por isso reconhecer-

se-lhe um valor jurídico autónomo.307

Em sintonia com o pensamento do citado autor, registe-se, no Direito Americano, o contributo de

SCHECHTER, ao sustentar ser a marca não apenas um símbolo do goodwill de uma empresa mas,

de per si, é um mecanismo susceptível de constituir e garantir o aviamento da empresa, sendo que o

valor da marca relaciona-se com a sua capacidade de venda.308

Mas no que consiste o reconhecimento da função publicitária da marca? Pode afirmar-se que este

se traduz na assunção de que a marca exerce, por si mesma ou devido à influência das técnicas de

publicidade, uma ascendência no consumidor que o conduz a eleger os produtos ou serviços mais

em função de uma imagem subjectivamente criada do baseando-se em critérios objectivos de

apreciação – e a consequente protecção pela lei desta potencialidade da marca –.

A tutela da função publicitária da marca sustenta que o Direito Industrial entende a marca de

empresa, não como um mero sinal distintivo do produto, mas uma qualidade do produto (ou

serviço) que pode ser mais valiosa que o bem no qual é aposta. Cumulativamente, o

reconhecimento da função publicitária da marca deverá ainda encerrar o desiderato de permitir ao

seu titular recuperar do investimento realizado na difusão da sua marca, ou seja, obter o retorno dos

custos económicos com a publicitação do seu sinal distintivo, o que apenas será possível se se lhe

permitir a negociação autónoma do sinal distintivo.

A defesa da função publicitária da marca não se faz sem um conjunto de interrogações e críticas.

Sobre esta diz COUTO GONÇALVES que representa uma função do sistema, mas não a função do

sistema”,309 sustentando a sua posição em quatro premissas: a) a legitimidade para o registo, que

deveria fazer-se mediante a força publicitária do sinal e não mediante o desenvolvimento

empresarial de uma actividade económica; b) o direito das marcas deveria atender ao direito de

“comercializar o valor publicitário da marca, fora dos limites do princípio da especialidade”;310 c) o

conceito de contrafacção deveria ser modificado, apenas sendo de perseguir a contrafacção da qual

resulte prejuízo para a função publicitária da marca; d) a transmissão da marca deveria ser

absolutamente livre, sem a existência de sanções para o uso enganoso da marca.

Não obstante a importância das vozes que se erguem contra a existência de uma função publicitária

da marca, entendemos que à medida em que se desenvolveu a pertinência desta função no quadro

307 ISAY, apud. AREÁN LALIN, En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 1982, pp. 62/63. A tese de ISAY foi reconhecida por AREAN LALÍN, En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 8, 1982, pp. 63 e ss., ASCARELLI, Teoría de la concurrencia y de los bienes inmateriales, Trd. E. Verdera y Suaréz-Llanos, Barcelona, Bosch, pp. 397 e ss., CASANOVA, Impresa e Azienda, cit. pp. 458/459, FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 227 e ss. (ainda que timidamente) e McCARTHY, Trademarks and Unfair Competition, 3ª Ed., New York, 1992, Vol. I, §3:5. 308 SCHECHTER, Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, Vol. XL, 1927, p. 831. 309 COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 215. 310 COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 216.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 103

económico-social, o legislador deu indícios claros de que se desenrolou uma crescente, e

irreversível, tendência para entender a marca de uma forma diferente da sua visão tradicionalista,

reconhecendo a sua potencialidade como valor autónomo, dotado de uma faculdade publicitária.

Para indagar se no estádio actual do Direito das Marca se pode defender a existência de uma função

publicitária juridicamente protegida, urge dissecar o regime jurídico da marca de grande prestígio,

o instituto da legitimidade para requerer o registo da marca, o princípio da livre cessão da marca, a

licença de exploração da marca, o contrato de franquia e o contrato de merchandising. Só após a

dissecação destas matérias – no que concerne à possibilidade de potenciar a dimensão publicitária

da marca – é possível a adopção fundamentada de uma conclusão, pelo que reservamos a nossa

posição para um momento posterior deste estudo.311

88.. AANNÁÁLLIISSEE DDEE AALLGGUUNNSS IINNSSTTIITTUUTTOOSS CCOOMM RREELLEEVVÂÂNNCCIIAA PPAARRAA AA FFUUNNÇÇÃÃOO PPUUBBLLIICCIITTÁÁRRIIAA DDAA

MMAARRCCAA DDEE EEMMPPRREESSAA

8.1. Marca de grande prestígio

8.1.1. Sobre a marca de grande prestígio, já antes afirmamos que, não obstante ser uma figura

híbrida cuja determinação em concreto, apenas se pode fazer casuisticamente, se pode qualificar

como a marca que goza de grande notoriedade entre os consumidores, não apenas os específicos

dos produtos ou serviços nos quais a marca é aposta, mas também o público em geral, acrescida de

uma enorme individualidade e beneficiando de especial estima ou prestígio entre os consumidores,

o que se traduz numa especial apetência atractiva ou sugestiva.

A estatuição legal da marca de grande prestígio propugna o reconhecimento de que a marca é um

valor em si,312 livremente passível de negociação autónoma, dependendo a sua valoração da

apetência sugestiva que encerra, ou seja, da sua capacidade apelativa no mercado, permitindo ao

titular da marca beneficiar do sucesso comercial da sua marca e, cumulativamente, impedir que

terceiros usufruam ilegitimamente das suas potencialidades económicas.313

311 Analisando alguns destes institutos AREAN LALÍN sustenta ser innegable a protecção jurídica da função publicitária da marca (En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 8, 1982, pp. 27 e ss., especialmente p. 82). 312 No sentido que a marca de grande prestígio encerra o reconhecimento da função publicitária da marca vide ALDO FRIGNANI, Factoring, Leasing, Franchising, Venture capital, Leveraged buy-out, Hardship clause, Countertrade, Cash and carry, Merchandising, Know-how, 5ª Edizione, G. Giappichelli Editore – Torino, 1993, p. 472, AREAN LALÍN, En torno a la Función Publicitaria de la Marca, ADI, 8, 1982, p. 67, COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 174 e p. 217, MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994, p. 138, PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, pp. 390 e ss. e VANZETTI/ DI CATALDO, Manuale di Diritto Industriale, 3ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 2000, p. 129. 313 No mesmo sentido, escreve PINTO COELHO que “transpondo-se a barreira da especialidade, a marca como que passa a ser considerada em si mesma, objectivamente, como um ente autónomo, desligada da função de identificação de certo produto. Apresenta-se como uma criação do espírito…valendo pela sua capacidade ou poder de atracção”. (PINTO COELHO, O problema da conversão da marca em denominação genérica, RLJ, 93º, n.º 3181, p. 247).

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104 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Sublinhe-se que, por óbvias razões, é uma tentação de alguns empresários tentar beneficiar do

magnetismo das marcas célebres, nomeadamente do prestígio granjeado junto dos consumidores,

sem que de forma alguma hajam contribuído para a consolidação do mesmo. Ab initio se sublinhe

que esta actuação não é apenas lesiva dos direitos privativos do titular da marca (na dupla

perspectiva de impedi-lo de fruir livremente da potencialidade económica da marca, bem como do

prejuízo decorrente do perigo de banalização da marca314) mas de todos os concorrentes do terceiro

não titular, uma vez que, pela ilegítima apropriação deste signo, o empresário apareceria no jogo da

concorrência com uma vantagem injustificada.315

314 Neste contexto alude-se à diluição da marca. Segundo SCHECHTER – considerado o pai desta teoria – o único fundamento para a protecção da marca é a possibilidade de manter a sua singularidade. Num importante estudo sobre o tema o autor chega a algumas conclusões que, pela sua pertinência se expõem: 1) para a determinação do valor da marca é determinante o seu selling power; 2) o poder de venda da marca está dependente do efeito psicológico da marca sobre os consumidores, sendo que o efeito psicológico está dependente da singularidade da marca; 3) a singularidade da marca é, ou pode ser, atingida sempre que a mesma é utilizada por terceiros, ainda que para produtos díspares daqueles que o titular do registo a utiliza; 4) assim, o âmbito de protecção da marca ficaria dependente da habilidade demonstrada pelo titular para manter a singularidade da marca. (SCHECHTER, Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, Vol. XL, 1927, p. 831. Em sentido similar MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, pp. 7 e ss. Para uma visão actual da teoria da diluição vide SWANN, Dilution redefined for the year 2002, The Trademark Reporter, Vol. 92, n.º 3, pp. 585 e ss. 315 Lineares são as palavras de FRANCESCHELLI: “uma marca célebre que se transformou num status symbol não pode degradar-se e desqualificar-se contra a vontade, o esforço e as despesas do seu titular […] para beneficiar um terceiro sem nenhum direito sobre a marca”. (Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 177). [Tradução nossa] A tutela jurídica das marcas de grande prestígio é o culminar de um longo percurso, muitas das vezes, através de caminhos complexos e sinuosos. Sumariamente realizamos uma sinopse sobre as diversas tentativas de proteger as marcas célebres, no período anterior à sua estatuição legal. Num primeiro momento, e ainda em homenagem à função indicadora de origem das marcas, alegava-se que, pelo facto de existir um maior risco de confusão, o empresário titular de uma marca célebre assistiria a um alargamento do seu direito, pela extensão do conceito de afinidade de produtos. (Assim, GUGLIELMETTI apud. PEDRO SOUSA E SILVA (O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 411. Esta posição teve algum eco na jurisprudência nacional, nomeadamente no Processo Malboro (BPI n.º 10/1981, pp. 1980 e ss.), no Processo Coca-Cola (Ac. RLx, 3/07/1990, CJ 1990, Tomo IV, pp. 119 e ss.) e Processo Persil (BPI – 7/63, p. 6254). A base de sustentação desta teoria seria o reconhecimento de que a notoriedade da marca faria aumentar o perigo de confusão, porquanto o consumidor seria intuído a considerar que os produtos, ainda que dissemelhantes, teriam uma unidade empresarial. Para obviar ao perigo de confusão sobre a origem dos produtos, o círculo de proibição da marca seria aumentado, impedindo-se desta forma a utilização da marca por terceiro. Não deve proceder o mérito desta teoria, porque conduz a respostas equivocas e parciais. Equivocas, porquanto na prática se assistiria à consideração de produtos ou serviços afins, sem que patenteassem a mínima semelhança, com base no critério falível, de o registo da marca ser passível de gerar confusão sobre a origem do produto; respostas parciais porque objecta à possibilidade de impedir o uso da marca por terceiro, mas é insensível à potencialidade de ser utilizada pelo seu titular, directa ou indirectamente, em produtos diferentes dos quais para que a marca foi registada. Uma outra proposta foi a protecção da marca de grande prestígio nos cânones dos princípios relativos à concorrência desleal; mas estes demonstraram-se impotentes para contrariar a utilização indevida da marca fora dos parâmetros do princípio da especialidade, pela inexistência de uma relação de concorrência; (Não obstante a opinião expressa, esta teoria teve acolhimento na jurisprudência lusa, nomeadamente, 16º Juízo Cível de Lisboa, 5/03/81 in BPI n.º 10-81, p. 1980 e Ac. RLx de 15-11-90 in CJ 1990, Tomo IV, p. 119 e ss.) No mesmo sentido pronunciou-se CARLOS OLAVO, Subsídio para a Noção de Acto de Concorrência, e Propriedade Industrial, Tomo II, p. 25 e Tomo IV, pp. 15 a 19 e, até dado momento, foi a tese sustentada por PINTO COELHO, A protecção da marca notória e o congresso de Bruxelas de 1954 da AIPPI, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 1956. Ainda neste sentido TROLLER sustenta “celui qui tire profit de la renommée d`une marque réputée, même s`il n`est pas un concurrent du titulaire de cette marque, commet quelque chose d`illicite, que son procédé constitue un acte de nature parasitaire “ (apud. CARLOS OLAVO, Subsídio para a Noção de Acto de Concorrência, e Propriedade Industrial, ibidem). Vide ainda ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 40 e MICHAEL LEHMANN, Rafforzamento della Tutela del Marchio attraverso le norme sulla concorrenza sleale, RDI, 1988, parte I, pp. 19 e ss.) Com efeito, ou existe uma relação concorrencial e a marca é insusceptível de ser usada por terceiro por violar o direito de uso exclusivo, decorrente do princípio da especialidade ou esta relação não existe e, em principio, não é lícita a alegação de existência de uma

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 105

8.1.2. A consagração de uma tutela específica para a marca de grande prestígio obriga a uma

cuidada análise, sendo susceptível de ser catalogada como um ponto decisivo no ordenamento, por

operar uma verdadeira cisão, com o entendimento tradicional deste instituto. Com efeito, a recusa

em admitir a existência de uma função publicitária juridicamente protegida no Direito das Marcas,

torna-se mais complexa, após o advento e consagração legal316 da noção de marca célebre, ou,

concorrência desleal, porquanto, ensina a melhor doutrina, que apenas existe concorrência “quando os dois sujeitos produzem ou comercializam produtos iguais, fungíveis ou simplesmente afins, dirigidos a satisfazer necessidades análogas ou complementares, de modo que, entre do dois sujeitos, exista uma clientela comum”. (GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 79. [Tradução nossa]. Linear é a expressão usada no direito americano “if there is no competition, there can be unfair competition” (referida por SCHECHTER, Rational Basis of Trademark Protection, Harvard Law Review, Vol. XL, 1927, p. 824); ainda neste sentido REMO FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 168). Para contrariar esta premissa, não falta quem apele a um alargamento do “âmbito da concorrência desleal sob pena de haver um desajustamento da lei em face da nova realidade económica”. (CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, Almedina, Coimbra, 1997, p. 61 e ainda os AA citados na nota 97). Uma outra solução, seria fazer apelo aos princípios da responsabilidade civil extra-contratual, com base na violação dos direitos da empresa à livre fruição económica da sua marca, que seria afectada pelo uso de terceiros. (Assim, GUGLIELMETTI, Il marchio celebre o “de haute renoméé, Milano, Giuffrè, 1977, pp. 288 e ss.). Desta proposta emerge a crítica, incontornável, da dificuldade/impossibilidade de aferir quantitativamente o prejuízo efectivo decorrente da actuação de terceiro. Com efeito, a inexistência de uma relação de concorrência torna complexo aferir o quantum do prejuízo sofrido, porquanto apenas sofisticamente o mesmo poderá ser convenientemente quantificado; as mais das vezes o prejuízo protela-se no tempo, sendo a utilização da marca por um terceiro não autorizado causa de diluição da marca, pelo esfumar da sua capacidade apelativa: mas como valorizar o contributo do terceiro para a diluição da marca? Em que medida se poderá estabelecer um nexo de causalidade directo entre a conduta do terceiro e o resultado? Para muitos estamos perante uma prova “veramente diabolica". (GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 84 (vide AA. Citados). Por outro lado, emerge nova dificuldade? Qual o facto ilícito? O registo da marca? Sendo este o facto, estaríamos perante a situação paradigmática de considerar ilícita e culposa a conduta de um empresário que cumpriu escrupulosamente a lei vigente, em concreto, o preceituado no princípio da especialidade, do qual, decorre a licitude de registar a marca para produtos ou serviços não confundíveis. Pelas motivações supra aduzidas também não convence a teoria de proteger a marca de grande prestígio pelo instituto do enriquecimento sem causa. (Dissertando sobre o tema PINTO COELHO de modo peculiar alude à possibilidade de obrigar o terceiro que utiliza a marca a quinhoar dos encargos com a difusão da marca, equitativamente ao seu benefício. (O problema da protecção da Marca quando usada por terceiros para produtos não identificados nem similares, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 28 e ss.). Também a doutrina do abuso de direito encontra barreiras difíceis de transpor, demonstrando as mesmas fragilidades patenteadas pelas doutrinas anteriores, sobretudo a quantificação do prejuízo sofrido pelo titular da marca de grande prestígio e, não justificando, como poderá o titular da marca usufruir das suas potencialidades, para sectores diferentes dos que a marca foi registada. (A apetência por esta teoria teve especial premência na jurisprudência francesa, conforme CHAVANNE-AZEMA, Propriétés incorporelles, Propriété industrielle, Ver. Trim. Droit Commum, 1988, pp. 87 e ss.). Em diferente perspectiva urge louvar a pertinência desta teoria na consagração do princípio da protecção da marca de grande prestígio, mostrando-se hábil na explicar a sua necessidade e, concomitantemente, a ilegitimidade da apropriação daquela por terceiro, ainda que para produtos ou serviços dissemelhantes. Uma via, que podemos reputar de mais radical, procura pela tutela do direito ao nome impedir o uso da marca célebre por terceiros não autorizados fora do cânone do princípio da especialidade. Também neste caso as respostas oferecidas não são satisfatórias; a tutela do direito ao nome, decorre da protecção do direito geral de personalidade, sendo inadequado para dirimir o conflito entre dos empresários que utilizam o mesmo signo para a identificação dos seus produtos, querela especifica do direito industrial. (Sobre o tema vide GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. pp. 86 e ss.). Foram os resultados medíocres alcançadas na prática das teses anteriores que inculcaram no legislador, doutrina e jurisprudência a necessidade de prescrever um tratamento específico para as marcas de grande prestígio, a montante do princípio da especialidade. 316 Art. 191º CPI (art. 242º do CPI 2003) – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços não semelhantes, for gráfica ou foneticamente idêntica ou semelhante a uma marca anterior que goze de grande prestígio em Portugal ou na Comunidade e sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los. Não foi feliz o legislador na redacção deste artigo. Numa leitura apressada, poderia o intérprete considerar que as marcas figurativas e as ideográficas escapavam à proibição dedicada às marcas de grande prestígio. Obviamente que não,

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106 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

como impropriamente aparece designada no nosso ordenamento legislativo, marca de grande

prestígio.

Nas marcas de excepcional notoriedade assistimos a uma inversão face ao modelo tradicional de

aquisição de bens.317 Explicando. No modelo originário de consumo, o mote do consumidor era

adquirir os bens de que necessitava para fazer face às suas necessidades aquisitivas, norteando a

sua eleição por um quadro mental puramente racional; nos tempos hodiernos, nomeadamente, com

o advento de determinadas marcas com simbologia social, o que determina a aquisição não são os

produtos ou serviços, mas as suas marcas, que não raras vezes funcionam como veículo de

demonstração de estatuto social e, concomitantemente, como elemento de integração na sociedade.

Se até dado momento histórico foi consensual que a marca teria como função única a identificação

de produtos e a consequente diferenciação dos bens colocados no mercado por outros concorrentes,

pelo que o princípio da especialidade satisfazia as necessidades da vida empresarial, o advento das

marcas de excepcional notoriedade, colocou em cima da mesa a necessidade de a valia e a função

desempenhada pelas marcas poderem ser colocadas em causa, ainda que utilizados para produtos

(ou serviços) dissemelhantes.

Uma primeira causa justificativa para a adopção desta protecção excepcional relaciona-se com a

circunstância de a utilização da marca de grande prestígio, não obstante ser usada por terceiro para

produtos ou serviços dissemelhantes, daqueles para os quais o seu titular a criara, poder gerar

prejuízos e inconvenientes para este. O público, ao confrontar-se com a marca “acreditaria

naturalmente na existência de quaisquer relações ou ligações entre esses novos produtos e o titular

da marca [...] e se esses produtos fossem de inferior qualidade, daí poderia decorrer o desprestígio

da marca e sem dúvida prejuízos materiais para o verdadeiro dono e criador da mesma,”318

porquanto, o selo de qualidade que contribuíra para a imagem da marca se desanuviaria pela sua

aposição em produtos sem o mesmo carisma.

Apelando ao poder de síntese, é ainda possível enumerar outros factores que possam justificar uma

proibição de utilização da marca de outrem, ainda que para produtos (ou serviços) dissemelhantes.

tratando-se de um caso típico em que o legislador minus dixit quam voluit; a menção redutora do legislador nacional, face à directiva comunitária, não é mais “que um assomo de criatividade dispensável” (PEDRO SOUSA e SILVA, O Princípio da especialidade da Marca... cit. p. 426) não sendo uma posição dogmática, o que, sublinhe-se, seria incompreensível. Para um estudo mais desenvolvido sobre a problemática da marca de grande prestígio no direito português vide CORTE-REAL CRUZ, “O conteúdo e a extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio, AA.VV. Direito Industrial, Vol. I, pp. 79 e ss., COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca..., cit. pp. 124 e ss. e pp. 166 e ss., PEDRO SOUSA e SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, pp. 409 e ss. e PINTO COELHO, A protecção da marca notória e o congresso de Bruxelas de 1954 da AIPPI, BFDC, Coimbra Editora, Coimbra, 1956. 317 Em sentido análogo pronuncia-se REMÉDIO MARQUES, quando afirma ser “a marca, com o seu valor simbólico, que dá valor ao produto e não a inversa, pois que, em muitos domínios da contratação, o consumidor já não adquire um bem ou serviço pela sua capacidade de satisfazer necessidades […] outrossim pelo sinal que o identifica […] se diferencia dos outros consumidores. (Direito Comercial, Coimbra, 1995, p. 625). 318 PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial…, cit. p. 412.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 107

Vamos admitir como exemplo que uma conceituada marca de bebidas não alcoólicas, passa a

identificar vestuário! Este facto pode ou não gerar ambiguidades ao consumidor médio, hesitante

em saber se o vestuário e as bebidas têm a mesma origem empresarial ou se a sua produção se deve

imputar a diferentes empresários? Ou, para usar o exemplo de PEDRO SOUSA e SILVA que nos

parece lapidar, uma agência funerária passa a usar a marca valium?319 Obviamente que o

consumidor médio entende que em caso algum uma empresa farmacêutica enveredava pela

actividade funerária; mas será que este facto exime o legítimo proprietário da marca valium de

prejuízos, ou, pelo contrário, este terá legítimo interesse em impedir o uso da sua marca para estes

fins? Parece-nos que é axiomático que sim!

E que dizer na circunstância de o titular de uma marca reputada assistir ao aparecimento da sua

marca para identificar outros produtos, ainda que não concorrentes, nem desprestigiantes? Será que

o seu direito fica incólume ou existe a possibilidade da sua marca perder capacidade atractiva pela

multiplicação exponencial de produtos nos quais é aposta?

Pensamos que o prestígio de uma marca é afectado sempre que começa a ser usada para identificar

uma multiplicidade de produtos, de uma multiplicidade de produtores.320 Estamos perante o

fenómeno da possibilidade de diluição da marca.

Por esta entenda-se o enfraquecimento da capacidade sugestiva da marca pela sua banalização; uma

mesma marca quando se torna sinal distintivo de uma multiplicidade de produtos e serviços, de

diferentes tipos e qualidades,321 disponibilizados por heterogéneos empresários imbuídos de

diferentes estilos e estratégias comerciais, pode perder a sua auréola de charme perante os

consumidores, o seu poder atractivo perante o público.

Apressadamente, poderia o intérprete ser tentado a levar esta premissa às suas ulteriores

consequências, impedindo-se qualquer utilização sucessiva da marca em distintos produtos (ou

serviços) porquanto, também nestes casos, as mesmas motivações são pertinentes. Mas seria errado

este raciocínio. Se a multiplicação dos bens distinguidos pela marca resultar de uma opção do

titular, subjacente à sua eleição estará uma filosofia empresarial que dirigirá a concessão de

licenças de marca para sectores da actividade económica susceptíveis de promover a marca; por

exemplo, um empresário do sector do vestuário procurará direccionar a marca para outras

actividades confinantes, alargando a gama de produtos oferecidos podendo, desta forma,

319 PEDRO SOUSA E SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 379. 320 No mesmo sentido escreve PEDRO SOUSA e SILVA: “o uso da mesma marca em sectores muito diversos, com titulares distintos, teria efeito por efeito banalizá-la, vulgarizá-la ou, como dizem certos autores estrangeiros, dilui-la”, gerando desta forma um enfraquecimento do poder atractivo da marca, com consequente prejuízo para o seu titular. (O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, p. 380) 321 O que fica escrito ganha redobrada acuidade se os produtos oferecidos por um segundo empresário forem de diminuta qualidade; após esta aquisição, mesmo que a dicotomia das fontes produtivas seja do conhecimento do consumidor, o poder de sugestão da marca fica inquinado porquanto o consumidor perpetuará uma ligação psicológica nefasta entre este e todos os outros produtos e serviços oferecidos no mercado sob a mesma marca.

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108 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

incrementar o poder sugestivo da marca. Se, por seu turno, o seu comportamento for

empresarialmente irresponsável e conducente à banalização da marca, esta verificar-se-à por acção

ou omissão do seu legítimo proprietário e não por um aproveitamento ilícito de terceiros, pelo que

se dispensa a tutela do legislador.

Deve ainda inquietar o intérprete o facto de, em outros casos a utilização por terceiro não

autorizado de uma marca de grande prestígio, ser um atalho para a fama,322 com o intuito de,

parasitariamente, conseguir o reconhecimento público, fácil, dos seus produtos, alicerçado na

promoção financiada pelo titular da marca de prestígio.323

A utilização da marca por um terceiro deve considerar-se uma ingerência injustificada de um

empresário no direito de um outro – aquele que, pelo investimento na marca, a tornou de grande

prestígio – que, cumulativamente, não apenas “colhe” os benefícios do uso desta, mas pode fazer

perigar o valor patrimonial da marca, pela banalização decorrente do seu uso desmedido324 e o

consequente prejuízo da sua excepcional capacidade sugestiva ou publicitária.325

Como se frisou, não colhe o argumento – não raramente usado – que muitas das vezes a

proliferação da marca resulta de um acto de vontade do empresário titular do registo da marca que

directamente, ou através de licenças de marcas, admite a aposição das marcas em distintos

produtos; não colhe, porque neste caso, é o empresário que tornou a marca conhecida ou reputada

que aproveita da sua capacidade atractiva e não empresários parasitários. É exacto que, também

nestes casos, com o impulso egoísta de um maior lucro a curto prazo o empresário pode inquinar a

produtividade futura da marca; mas fê-lo porque o quis, porque essa foi a sua decisão empresarial:

é importante nunca esquecer que nada obsta a que o proprietário da galinha de ovos de ouro faça …

uma boa cabidela.326 Acresce que, determinadas marcas, por definição, têm uma duração muito

reduzida: pensemos no exemplo do merchandising de eventos desportivos ou culturais

temporalmente delimitados ou na promoção de personagens de ficção; em ambos os casos, o

322 A expressão deve atribuir-se a STEPHEN LADAS, Patents, Trademarks, and related Rights – National and International Protection, Vol. II, Massachusetts, 1975, p. 1092. No mesmo sentido pronuncia-se LEHMAN, Rafforzamento della Tutela del Marchio attraverso le norme sulla concorrenza sleale, RDI, 1988, parte I, p. 30, qualificando de “free rider” o concorrente parasitário. 323 No mesmo sentido escreve TROLLER que “celui qui tire profit de la renommée d`une marque reputée, même s`il n`est pas un concurrent du titulaire de cette marque, commet quelque chose d`illicite, que son procédé constitue un acte de nature parasitaire “ (La marque de haute-renommée, La Propriété Industrielle, pp. 73 e ss.) Posição análoga é referida por TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 303. 324 Em sentido análogo pronunciava-se o BGH, com o apoio da doutrina mais relevante, cfm. NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 130. 325 Também FRANCESCHELLI sustenta que o perigo de diluição da marca, ou mais concretamente, a sua protecção se faz a montante da função identificativa, mas para proteger a função sugestiva ou publicitária da marca. (Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 167). 326 Um caso clássico, recorrentemente citado na doutrina, é o da marca CARDIN, utilizado para assinalar mais de 800 produtos, o que se consubstanciou numa assinalável perda do seu prestígio e magnetismo, uma vez que o seu titular foi impotente para conseguir manter um nível equitativo de qualidade. Cáustico SWANN, sustenta que se as marcas de grande reputação – como a Kodak e a Coca-Cola – permitirem a sua proliferação para assinalar múltiplos produtos ou serviços, num curto espaço de tempo o prestígio gigante destas marcas será “reduced to pigmy size”. (Dilution redefined for the year 2002, The Trademark Reporter, Vol. 92. n.º 3, pp. 590/591).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 109

período de tempo em que a marca pode ter pertinência económica é diminuto pelo que, com lógica,

os empresários pretendem absorver um máximo de benefícios económicos no menor espaço

temporal, pelo que quase indistintamente são motivados a conceder licenças.

Alguns autores identificam, ainda, na protecção da marca de grande prestígio, uma tutela do

interesse público; sustentam que a protecção ultramerceológica deste tipo de marcas, visa, entre

outras razões, cautelar os legítimos interesses dos consumidores que ficariam expostos e incautos

ao logro de um terceiro que assinalasse os seus produtos ou serviços com a marca de grande

prestígio de outrem, por interiorizarem que estes eram disponibilizados pelo titular (legítimo) da

marca de grande prestígio.327 Sem escamotear que seria nefasto que as escolhas dos consumidores

sejam influenciadas pela exploração ilegítima de uma marca alheia, é nossa convicção, como já

antes o frisámos, que esta construção incorpora um erro de perspectiva ao deslocar o cerne da

problemática do empresário para o consumidor. Pelo exposto, já seria passível do nosso aplauso a

sustentação que esta exploração de marca alheia, quando influencia a decisão volitiva do

consumidor se pode traduzir na assunção de uma vantagem injustifica de um empresário em

detrimento dos seus concorrentes.

Sublinhe-se ainda, que da inexistência de uma protecção excepcional para as marcas de grande

prestígio decorria para o titular a impossibilidade “desfrutar da sua marca, directamente ou pela

concessão de licenças a outros empresários, para os sectores de mercado para os quais os terceiro já

registara a marca”,328 porquanto a marca não lhe pertenceria o que, obviamente, obstaria à

realização de negócios jurídicos sobre a mesma.

8.1.3. Por tudo, parece que o quesito deve ser colocado como, excepcionalmente bem, o fez

FERRER CORREIA/NOGUEIRA SERENS: para as marcas de grande prestígio “já não basta uma

tutela orientada pela função distintiva; postulam, acima de tudo, uma defesa das suas capacidades

atractiva e sugestiva”.329

A circunstância de toda a actividade de divulgação da actividade do empresário – maxime a

publicidade – se centrar na marca não deve passar imune à doutrina, porquanto não é incólume nos

seus efeitos. O “respeito” pelo investimento financeiro e humano do empresário na credibilização 327 Neste sentido, SCHRICKER, Protection of Famous Trademarks Against Dilution in Germany, 11 IIC, 1980, p. 173. 328 GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 77. [Tradução nossa] 329 ANTÓNIO FERRER CORREIA e MANUEL NOGUEIRA SERENS, A composição das marcas e o requisito do corpo do artigo 78.º e do § único do art.º 201.º do Código de Propriedade Industrial, RDE, Anos XVI a XIX 1990 a 1993, Coimbra, p. 90. O reconhecimento de que a protecção das marcas de grande prestígio se relaciona com a função publicitária da marca é assumido por COUTINHO de ABREU, Curso de Direito Comercial, cit. p. 325, COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, pp. 166 e ss., GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, p. 138, NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 138 e PEDRO SOUSA e SILVA, O princípio da especialidade das marcas, a regra e a excepção, ROA, Ano 58, Janeiro 1998, pp. 391/392 e O “Esgotamento” de Direitos Industriais, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, p. 458. Ainda neste sentido reportando-se à Directiva FLORIDIA, La Directiva sul ravvicinamento delle legislazioni nazionali in materia di marchi nelle prospettiva del mercato europeu, RDI, 1990, p. 365 e GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, pp. 138 e ss..

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110 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

da sua marca obriga a uma valoração jurídica; nada justifica amputar ao empresário a possibilidade

de usufruir do retorno económico do investimento na valorização da sua marca e, sobretudo, tudo

exige que se impeça que um terceiro menos escrupuloso queira chamar a si o prestígio alcançado

por outro. No actual quadro empresarial, no advento da economia concorrencial, a marca não se

limita a identificar e distinguir os diversos produtos ou serviços disponibilizados no mercado,

funcionando como um instrumento de afirmação de um empresário. Com limitações, impõe-se ao

quadro legal, que preserve a capacidade sugestiva da marca enquanto signo, reconhecendo a sua

capacidade de influir na decisão aquisitiva, protegendo-o de quaisquer condutas ilícitas perpetradas

por quaisquer terceiros; do elenco destas condutas, pelo seu interesse na análise in casu, sublinha-

se a utilização ilegítima da marca da marca célebre.

Fundamentalmente, o conteúdo da protecção alargada da marca de grande prestígio visa, no que

concerne ao titular, proteger a sua dimensão publicitária ou sugestiva contra o perigo de diluição e,

cumulativamente, o reconhecimento de que o titular da marca tem o legítimo interesse em ficar

com o monopólio da exploração comercial do signo, beneficiando exclusivamente das suas

prerrogativas.

8.2. Legitimidade para o registo

8.2.1. Sobre o registo da marca, impõe-se a análise da legitimidade para proceder ao registo da

marca,330 ou seja, as condições subjectivas para requerer o registo de uma marca.

O que, neste contexto, mais problemas inspira ao intérprete é a faculdade de se registar uma marca

com o desiderato único de ceder a propriedade ou conceder licenças de exploração de marca; a

admissibilidade desta conduta é decisiva para que a marca seja entendida “não como um sinal

distintivo em acto, mas como um valor distintivo em potência”.331

A solução defendida para esta problemática é preponderante para a solução a encontrar para a

função jurídica protegida da marca, nomeadamente, determinar se a função publicitária da marca

foi recebida pelo ordenamento jurídico e, consequentemente, protegida. Do que fica escrito intui-se

que o conceito de legitimidade é controvertido.

330 Artigo 168 - Direito ao registo” O direito ao registo da marca cabe a quem nisso tiver legítimo interesse, designadamente: a) Aos industriais ou fabricantes, para assinalar os produtos do seu fabrico; b) Aos comerciantes, para assinalar os produtos do seu comércio; c) Aos agricultores e produtores, para assinalar os produtos da agricultura, da pecuária e, em geral, de qualquer exploração agrícola, zootécnica, florestal ou extractiva; d) Aos artífices, para assinalar os produtos da sua arte, ofício ou profissão; e) Aos que prestem serviços, para assinalar a respectiva actividade. A dissecação da legitimidade para proceder ao registo da marca é determinante para a problemática em análise; recorde-se que, para ampla doutrina, deverá inferir-se do facto de apenas os empresários terem legitimidade para o registo da marca, um pujante argumento para a defesa da função indicadora de origem como a única juridicamente protegida. (assim, CASANOVA, Impresa e Azienda, cit. pp. 458, DI CATALDO, I Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 26, NADIA ZORZI, La circolazione vincolata del marchio: il segno come indicatore di provenienza?, Contratto e Impresa, CEDAM, Padova, 1992, p. 404, VANZETTI, Natura e Funzione del Marchio, RDC, cit. pp. 33 e ss. 331 COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, cit. p. 121.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 111

Do exame ao texto legal emerge a existência de uma cláusula geral (o conceito de legítimo

interesse e uma enumeração exemplificativa (designadamente) de situações em que se presume a

existência de legítimo interesse. Assim, é incontroverso que os industriais, os comerciantes, os

agricultores, os artesãos332 e prestadores de serviço preenchem o requisito subjectivo para o registo

de uma marca. Deste cotejo resulta a preocupação do legislador em abarcar a plenitude das

actividades económicas, expondo de forma exaustiva os diferentes tipos de actuações empresariais;

assim, importa compreender a pertinência da enumeração não ser taxativa. Fundamentalmente, o

que nos ocupa, é a possibilidade de não empresários terem acesso ao registo das marcas e, sendo

este lícito, o que a justifica e que conclusões retirar dessa possibilidade.

Do facto de esta enumeração ser exemplificativa deve depreender-se que são admissíveis registos

de marcas em diferentes situações das referidas, sendo desta premissa exemplo, incontestado, a

possibilidade do pedido de uma marca para ser usada no futuro, desde que, o diferimento não

exceda os cinco anos, após o registo, de acordo com o estatuído no artigo 216, n.º 1 alínea a).333

Nem se admitiria uma solução diferente: seria abusivo e irracional onerar o empresário com a

obrigatoriedade de colocar os seus bens no mercado para, apenas posteriormente, requerer o registo

da marca.334

Pelo exposto, no que concerne ao conceito de legítimo interesse para requerer o registo de uma

marca, devem subsumir-se à categoria das pessoas com legitimidade, as entidades, individuais ou

colectivas que, não obstante ainda não realizarem uma actividade económica, estejam a realizar

preparativos sérios para iniciar uma organização empresarial e a marca requerida a esta se destine.

Mas será susceptível de ser alargado a outras situações a noção de legítimo interesse?

Restritivamente pronuncia-se COUTO GONÇALVES, sustentando que “o conteúdo de legítimo

interesse, por referência à ligação imediata ou mediata da marca a uma actividade do titular,

implica [...] que não tem legítimo interesse todo aquele que não exerça, nem demonstre vir a

exercer, qualquer actividade económica e apenas tenha a intenção de se servir do registo com

finalidade exclusivamente especulativa”.335

332 A expressa consagração da marca de artificie, faz ruir o argumento da necessidade de o requerente exercer a sua actividade de forma empresarial. Sobre o tema vide COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade. As Empresas no Direito, Livraria Almedina, Coimbra, 1996, pp. 303 e ss. e PINTO COELHO, Lições de Direito Comercial, cit. pp. 343 e ss. 333 No mesmo sentido, num ordenamento jurídico similar, FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 290, GIOVANNI MASSA, Funzione Attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Ed., 1994, pp. 29 e ss. e MANGINI, Il marchio e gli altri segni distintivi, Trattado di Dirrito Comerciale e di Diritto Pubblico dell`Economia, Diretto Francesco GALGANO, V Volume, Padova, CEDAM, p. 130. 334 Restritivamente, alguns autores, sustentam que só se admite o pedido de registo para uso diferido no circunstancialismo de o requerente se encontrar na fase preparatória da constituição de uma empresa; assim, DI CATALDO, Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 36. 335 Função Distintiva da Marca..., cit. p. 160. Contínua o A. afirmando que não “pode configurar uma situação de legítimo interesse quem, não tendo outra legitimidade, apenas possa invocar o interesse em vender (ou traficar) a marca a terceiro”. (ibidem).

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112 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

A posição supra referida não encontra o consenso da melhor doutrina. Com efeito, COUTINHO de

ABREU sustenta que “nada impede que, por exemplo, os inventores não empresários adoptem

marcas para assinalar os produtos das suas patentes (a fim de depois as transmitirem ou cederem

em licença) as holdings puras (que não exploram empresas) tenham marcas, as estrelas de cinema

ou da moda constituírem marcas com os seus nomes para as transmitirem ou cederem em

licença”.336 Tomando por boa esta posição, parece-nos a desmistificação da necessidade de o

requerente da marca ser, sempre, um empresário, alargando-se desta forma a noção de legítimo

interesse.

Importa-nos particularmente, no âmbito deste estudo, aflorar a hipótese referido na parte final,

porque determinante para aquilatar das valias da marca, uma vez que, naquele caso a marca

persegue uma finalidade sugestiva ou publicitária e encontra-se ao serviço indirecto da actividade

económica.

Sustenta COUTO GONÇALVES que o CPI parece querer excluir essa possibilidade de utilização

indirecta, nomeadamente, pela letra da lei, em relação à qual se deve inferir que o requerente

deverá, ele próprio, exercer uma actividade económica.337 Com data venia a solução não é

simplista.

Desde logo urge questionar! Qual o efeito útil da utilização de uma enumeração exemplificativa?

Depois, que mecanismos a lei prescreve para obstar ao registo de uma marca com o intuito único de

ceder a sua licença? Por fim, que interesses se visam proteger pela proibição desta conduta?

Sobre a primeira questão, já antes ficou escrito que no cotejo legal se abarcam as actividades

económicas que justificam a utilização directa e imediata da marca, pelo que deverá o intérprete

concluir da existência de legitimidade para o registo fora do quadro do exercício de uma actividade

empresarial.

No que concerne à segunda questão, apenas se vislumbra um meio de impedir o registo de uma

marca que não vai ser usada, directa ou indirectamente: a sua caducidade quando inexista uso sério

durante cinco anos.338 Com efeito, inexiste no actual Direito das Marcas qualquer mecanismo de

controlo da efectiva utilização da marca, com a excepção supra referida, bem como quaisquer

instrumentos de prévia fiscalização do móbil dos pedidos de registo.339 Daqui pode coligir-se que,

336 Curso de Direito Comercial, cit. p. 316. Em sentido aproximado CARLOS OLAVO, Contrato de licença de exploração de marca, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, p. 361. 337 Função Distintiva da Marca..., cit. pp. 159-160. 338 Contra, COUTO GONÇALVES, sustenta a possibilidade de invalidar o registo por má fé, por violação do art. 6 do Código de Procedimento Administrativo. (Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pp. 157/158). Não sufragamos! 339 Acresce que, como escrevia OLIVEIRA ASCENSÂO em 1994 nenhuma marca foi oficiosamente declarada caduca com alusão à falta de uso, facto que se mantém até aos dias de hoje. (Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1994, p. 182).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 113

durante este período, nada obsta a que a marca permaneça inutilizada, não se conjecturando

qualquer outro meio de inquinar a validade do registo.

E que dizer dos interesses a tutelar? Poderá argumentar-se que a proibição do registo visa impedir a

apropriação exclusiva de sinais por pessoas que os não pretendem utilizar e, por esse motivo, que

permitiria uma injustificada situação de monopólio e a consequente limitação geral da escolha de

sinais distintivos. Mas será esta uma causa bastante? Pensemos no exemplo antes exposto, do

registo como marca de o nome de um artista ou desportista. Neste caso, a argumentação

anteriormente aduzida é incongruente, pelo facto de estes signos exigirem o consentimento do

titular para o seu registo, pelo que a efectuação do registo por aqueles é perfeitamente inócua, no

que respeita à disponibilidade dos signos.

Também no que concerne a esta problemática, urge tecer alguns comentários à marca de grupo,

nomeadamente aquilatar da possibilidade de a sociedade-mãe requerer o registo de uma marca,

(uma vez que esta não exerce, nem pretende exercer o comércio) para ser usada no comércio de

uma, ou várias, sociedades-filhas. No passado, questão bastante controvertida, é hoje pacífico a

licitude da conduta,340 configurando mais um exemplo em que um não empresário tem legítimo

interesse em requerer o registo de uma marca.341

E o que dizer da possibilidade de um empresário titular de uma marca pedir o registo desta, para

outra actividade merceológica, com o desiderato exclusivo de ceder o seu uso? Até a mais

tradicionalista doutrina não lhe negará legitimidade para o pedido, porquanto, não apenas preenche

os requisitos expressos do conceito de legitimidade (está a exercer uma das actividades previstas no

art. 168.º do CPI (art. 225.º do CPI 2003)), como a licitude do contrato de licença de exploração de

marca tendo por objecto o pedido de registo de uma marca está expressamente consagrada na lei

actual. (n.º 2 do art. 30 do CPI (n.º 2 do art. 31.º do CPI 2003)). Pelo exposto, a inadmissibilidade

do registo de marca com a finalidade de ceder o seu uso, poderá ser interpretado como um convite

formal à fraude à lei. Passamos a explicar. Existindo interesse na transmissão, o interessado poderá

sempre realizar o registo, sob o falso argumento de pretender iniciar uma actividade económica,

para posteriormente cede-lo.

Um outro argumento que pode aduzir-se na sustentação da licitude de um não empresário registar

uma marca é a inexistência de mecanismos de fiscalização prévia, nomeadamente a necessidade de

340 Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca..., cit. pp. 47 e ss. Vide ainda a bibliografia referida pelo A. 341 A legitimidade para o registo em Portugal das marcas de grupo encontra sustentação normativa nas marcas de base, solução pioneira e equivocada. Por marcas de base entende-se aquela marca que identifica a origem comercial ou industrial de uma série de produtos ou serviços produzidos por uma empresa de actividades múltiplas ou por um grupo de empresas cabendo o direito ao registo da marca de base compete à empresa de actividades múltiplas ou ao grupo de empresas que a usam ou têm intenção de a usar nos seus produtos ou serviços. A marca de base aproxima-se, talvez excessivamente, da do tipo industrial de Logótipo colocando-se mesmo em dúvida se estamos perante uma verdadeira marca. (no mesmo sentido, CÉSAR BESSA MONTEIRO, Marca de base e marca colectiva, AAVV, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, p. 345). Em boa hora o CPI de 2003 aboliu este tipo inócuo de marcas.

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114 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

enviar um espécime dos produtos para os quais se pretende o uso da marca, o que permite

conseguir o direito à marca sem necessidade de exercer uma actividade económica.342

8.2.2. Exposta a querela e identificadas as teses em confronto, impõe-se a adopção de uma posição.

Defendemos que o conceito de legitimidade é, no actual Direito das Marcas, uma concepção ampla,

suficiente para abarcar, não apenas todos os que exercem actividades económicas, e os que

pretendem exerce-las no futuro, bem como qualquer outra pessoa individual ou colectiva que

pretenda utilizar uma marca directa ou indirectamente. À noção de utilização indirecta subsumem-

se as situações em que alguém regista a marca com o objectivo de ceder a sua titularidade ou o seu

uso.

8.3. Direitos conferidos pelo registo da Marca de Empresa

Depois das considerações anteriormente expostas, exige-se uma análise critica aos direitos

atribuídos ao titular de uma marca registada.343

342 No mesmo sentido NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 61. 343 O registo de uma marca é conseguido após aturados procedimentos administrativos, estatuídos no CPI, iniciados pelos interessados junto de uma autoridade administrativa, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A decisão final, seja de admissibilidade ou de recusa, será, portanto, um acto administrativo. Como ficou implícito, os direitos concedidos ao titular da marca dependem do registo da marca, ou seja, estabelece-se o princípio da eficácia constitutiva do registo. Entre nós, para a realização deste acto não se exige o uso prévio da marca, sendo este lícito sempre que um empresário pretenda iniciar a sua actividade. Um sistema formalista, sendo verdade que pode estar mais afastado dos interesses dos concorrentes e consumidores, favorece a certeza e segurança jurídica, valores que são indispensáveis para os interesses da vida empresarial. Concretizando o que fica escrito, parece-nos axiomático que a certeza e segurança jurídica ficam melhor concretizadas com o registo da marca, porquanto, o direito à marca apenas é atribuído após um processo administrativo que se deseja profícuo, no qual podem colaborar os interessados, que vise averiguar a admissibilidade da marca; um incremento da qualidade deste processo consubstancia-se, necessariamente, numa maior garantia de que as marcas registadas reúnem os pressupostos subjectivos e objectivos requeridos. (embora um sistema que condiciona a atribuição do direito ao registo, “pode ser fonte de injustiças”; assim, FERRER CORREIA e NOGUEIRA SERENS, A tutela dos títulos de obras de engenho, RDE, Ano XIII, 1987, p. 84). Sublinhe-se, conforme o art. 204º do CPI, que o registo da marca implica mera presunção jurídica de novidade ou distinção de outra anteriormente registada; presunção essa susceptível de ser ilídida pela demonstração de que não se verificaram a totalidade dos requisitos exigíveis à concessão ou ao registo; esta pode ser afastada através de duas diferentes formas: através de recurso do acto de atribuição do titulo de propriedade industrial (art. 38.º e ss.)( (art. 39.º e ss. do CPI 2003) e através da declaração de nulidade ou anulação do título (art. 32 e ss.) (art. 33.º do CPI 2003). Importa enaltecer que o Estado “reconhece que os seus serviços não estão nem podem estar organizados em termos de o autorizarem a garantir a novidade ou especialidade das marcas (ou de outros tipos de propriedade industrial). Por isso se limita a proclamar honestamente que a concessão do registo importa apenas a presunção jurídica de que não existe registrada para os mesmos produtos outra marca (ou outro tipo de direito industrial) com a qual possa confundir-se aquela que acaba de ser registada. (PINTO COELHO, A novidade da marca, RLJ, n.º 2994, p. 339). Por outro lado, o preceito legal também parece indiciar uma desresponsabilização do Estado, que desta forma se exime das consequências de conceder um registo de uma marca, quando esta não preenche os requisitos para esta atribuição. Na sequência da análise sumária aos direitos concedidos pelo registo da marca, poderíamos ser tentados a concluir que a inexistência de registo deixa o empresário absolutamente desprotegido de protecção legal. Não é verdade. Não obstante o registo ser condição sine qua non para a validade da marca, apesar de o regime do registo ter eficácia constitutiva do direito, a utilização da marca não é inócua nos seus efeitos, não é irrelevante na vida jurídica.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 115

8.3.1. Desde logo, dá-se ênfase ao facto de a lei atribuir ao proprietário da marca um direito de uso

exclusivo, que se consubstancia no reconhecimento de um monopólio na fruição daquela e,

concomitantemente, na impossibilidade de um outro empresário a adoptar, para a mesma actividade

comercial ou para uma actividade afim, uma marca igual, de acordo com o primado do princípio da

especialidade; com também ficou expresso, sendo esta a regra, existe na actualidade um regime

especial, para as marcas de excepcional notoriedade, que beneficiam de uma protecção

ultramerceológica, i e, um direito de uso exclusivo para quaisquer produtos ou serviços.

Refira-se que, subjacente ao direito de uso exclusivo, urge identificar dois níveis: um, mais restrito,

corresponde ao direito de o titular da marca a utilizar para o exercício da sua actividade mercantil,

que podemos designar como conteúdo de permissão; outro, que denominamos de conteúdo de

proibição ou jus prohibendi e corresponde ao poder do titular de impedir que outros empresários

utilize um sinal confundível com a sua.

Talvez se exija algumas considerações adicionais relativas ao uso exclusivo da marca. Para tanto,

recorremos ao ensinamento de FERRER CORREIA que ao dissertar sobre o uso exclusivo

explicava ser ilícito qualquer utilização da marca na actividade mercantil: assim, a marca não pode

ser aposta nos produtos [ou serviços] a que se destina, “como reproduzida em anúncios luminosos,

Umas das consequências legais já anteriormente afloramos, relacionando-se com a protecção legal conferida às marcas notórias; recorde-se que incumbe ao INPI recusar o registo de marca que, no todo ou em parte essencial, constitua reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Portugal como pertencente nacional de qualquer país da União, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou semelhantes e com ela possa confundir-se.” Esta protecção à marca notória, não funciona apenas preventivamente, mas poderá funcionar sucessivamente, permitindo-se ao titular desta marca, nos termos do n.º 2 do art. 214º do CPI, (art. 265.º do CPI 2003) requerer a anulação da marca que seja confundível com a sua. Uma segunda e influente protecção da marca não registada, tem sede legal no art. 171º, (art. 227.º do CPI 2003) que consagra um direito de prioridade do registo, de seis meses, para o empresário que utilize na sua actividade uma marca livre. Uma outra protecção à marca não registada decorre do direito de prioridade unionista; segundo a Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial e conforme está plasmado no art. 170º do CPI, aquele que tiver apresentado regularmente, em qualquer dos países da União, ou em qualquer organismo intergovernamental com competência para registar marcar que produzam efeitos em qualquer dos países da União, pedido de registo de marca gozará, para apresentar o mesmo pedido em Portugal, do direito de prioridade de seis meses, a contar da data da apresentação do pedido. E passados esses seis meses? Será que o empresário incauto fica absolutamente desprotegido? Sustentamos que não. Como já antes afirmamos, existe uma proibição atípica, que impede o registo de uma marca quando se pretenda com esta fazer concorrência desleal. Desenvolvendo este raciocínio, podemos referir que o que aqui se contempla não é qualquer direito privativo do utilizador da marca livre, mas tão somente a prerrogativa que a lei lhe consagra de se opor à pretensão de um concorrente menos escrupuloso que, aproveitando-se da imprudência daquele que não realizou o registo, tenta apropriar-se da marca, conseguindo o direito ao seu uso exclusivo. Mas pelo que fica escrito não é lícito inferir-se que a protecção da marca não registada está imune a condicionalismos; certamente que todos os requisitos de validade substancial que pressupõe o registo devem estar presentes nesta, sendo que a violação de um qualquer princípio constitutivo das marcas (com a óbvia excepção da necessidade do registo) será condição bastante para se retirar qualquer tutela a estas marcas; solução inversa seria insustentável, porquanto, se traduziria em premiar o infractor, no sentido em que os requisitos legalmente prescritos apenas se exigiram aos empresários diligentes, os quais estariam sujeitos a um quadro legal mais rígido. Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide VITO MANGINI, Il marchio non registrato, Padova, CEDAM, 1964.

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116 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

filmes publicitários, jornais, circulares, listas de preços, facturas…”,344 uma vez que qualquer

destas utilizações, quando não consentida, é susceptível de fazer perigar o direito atribuído àquela

que regista a sua marca.345

Na perspectiva do empresário titular da marca, esta permite-lhe “construir um mecanismo apto para

condensar o eventual goodwill ou boa fama que beneficiem entre o público consumidor os produtos

ou serviços em que a marca é aposta”,346 porquanto todo o seu esforço de promoção da empresa se

centra na marca, realidade externa do escopo mercantil e, como tal, o meio utilizado para

comunicar ao consumidor um conjunto heterogéneo de informações atinentes aos produtos (ou

serviços). Assim e para que esta susceptibilidade se possa verificar, enfatiza-se, a necessidade que

do leque dos direitos atribuídos ao titular, deve constar a possibilidade de publicitar isolada e

livremente a sua marca, constituindo como lhe aprouver o estado «psíquico» do produto ou serviço,

isto é, a eventuais aparências atractivas aos produtos e serviços, a imagens que procure comunicar

ao público, bem como a sensação de satisfação, prazer ou luxo que pretende emanar daqueles, pelo

seu modo de apresentação e pela publicidade escolhida pelo proprietário da marca.

Sublinhe-se que o elenco das actuações concedidas ao titular da marca não se esgota na

possibilidade de a usar para assinalar os seus produtos ou serviços ou com finalidade reclamística,

sendo-lhe ainda atribuída a possibilidade de ceder a sua utilização, auferindo, por este meio, da

capacidade atractiva do sinal distintivo.347

Como se supra indiciou o direito de uso exclusivo, não se limita às marcas iguais, estendendo-se às

marcas que possam, na perspectiva de um consumidor médio, ser confundíveis com aquela.348 Para

garantir as prerrogativas decorrentes do direito de uso exclusivo, o proprietário da marca pode

opor-se ao registo de uma marca que reproduza ou se confunda com a sua; caso não tenha

conhecimento em tempo útil, permite-se-lhe que judicialmente requeira acção de anulação contra

as marcas ilegitimamente registadas, ou seja, com preterição do direito de uso exclusivo.349

344 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, cit. p. 352. Em sentido muito próximo vide RAVÀ, Diritto Industriale, Vol. I, Azienda, Segni distinivi-concorrenza, Seconda Edizione, UTET, Torino, p. 314. 345 Um problema específico que recentemente ganhou dimensão na doutrina nacional prende-se com os “meta-tags” que, podem definir-se, como as palavras-chave que permitem aos motores de busca catalogar os conteúdos dos sítios da Internet. O que nos ocupa neste momento é a licitude de um comerciante utilizar como “meta-tags” a marca de um seu concorrente de forma a direccionar os internáutas para o seu sítio. Neste caso em concreto sustentamos que estamos perante uma violação do direito à marca, uma vez que se trata de uma utilização indevida de cariz publicitária, subsumível ao Direito das Marcas. (neste sentido DIAS PEREIRA, “Meta-Tags”, Marca e Concorrência Desleal, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 249 e p. 253. Contra OLIVEIRA ASCENSÃO, As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, pp. 19 e ss.). 346 FERNÁNDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 54. [Tradução nossa] 347 Sobre este ponto reservamos a nossa argumentação para momento posterior, quando dissecarmos as vicissitudes da marca. 348 Sobre o tema vide a nossa posição supra Capitulo I, ponto 2.5. 349Artigo 214 – Anulação -1. Além de nos casos do artigo 33º, o registo é anulável quando o beneficiário não tiver direito ao registo e, nomeadamente: a) Se na concessão se houver infringido disposições que exigem autorização ou consentimento, sem que tal tenha sido concedido; b) Se tiver sido concedido ao agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União sem autorização do mesmo titular.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 117

8.3.2. Analisado o conteúdo positivo do direito de exploração ou utilização da marca registada,

importa estabelecer quais as utilizações que não ofendem o direito de uso exclusivo.

Fundamentalmente vislumbram-se as utilizações destituídas de finalidade económica, ou seja,

quando a marca é utilizada por terceiros que não tencionam fazer qualquer aproveitamento das

potencialidades económicas da marca:350 a título meramente exemplificativo, afiguram-se como

possibilidades a utilização artística da marca ou a sua inclusão em estudos científicos, artísticos351

ou económicos. Nestes casos a marca é usada num ambiente informativo ou no desenvolvimento de

uma actividade científica ou cultural, sem intuito de apropriação ou benefício próprio, pelo que fica

imune às prerrogativas exclusivistas do seu titular. Posição antagónica seria incompreensível; para

demonstrar, parta-se da premissa de uma empresa do ramo alimentar utilizar substâncias ilícitas na

elaboração dos seus produtos; seria legítimo impedir os meios de comunicação de divulgar a marca

através da qual os consumidores adquirem os produtos? Parece-nos óbvio que não! Como,

igualmente, deverão ter-se por legítimos os estudos comparativos efectuados por uma associação

de consumidores ou por peritos do ramo, com finalidade meramente informativa, ainda que, estes

possam no caso concreto e atento aos resultados, ser prejudiciais para determinada marca de

empresa.

Não se infira da possibilidade estatuída no art. 10 do RMC, que prevê a faculdade de o titular da

marca obstar à sua reprodução em dicionário ou enciclopédia, qualquer incongruência com o que

fica escrito; o que se deve depreender da faculdade supra referida, não é a assunção de uma posição

em relação à querela em análise, mas, antes, o reconhecimento da possibilidade de o titular da

marca obstar à aposição da marca em livros técnicos ou científicos, sem a menção expressa de que

se trata de uma marca registada, o que, seria susceptível para contribuir para vulgarização da marca

e a consequente perda da capacidade distintiva e atractiva.

Um outro caso em que resulta admissível a utilização de marca alheia, é a possibilidade de um

empresário recorrer à marca de um concorrente na publicidade comparativa, questão delicada na

legislação anterior, hoje, admitida e regulada, no art. 16º do Código da Publicidade.

350 Neste sentido escreve CORTE-REAL CRUZ, sustenta não existirem motivos para “impedir a reprodução da marca quando a actuação visada não compreende uma exploração económica da marca” (O conteúdo e a extensão do direito à marca: a marca de grande prestígio, AA.VV., Direito Industrial, Vol. I, p. 9). Paradigmático OLIVEIRA ASCENSÃO traz à colação o exemplo de decorar uma casa com a marca McDonalds ou chamar Coca-Cola a uma cadela. (As Funções da Marca e os descritores (metatags) na Internet, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 14). Contra pronuncia-se DELIÈGE-SEQUARIS, para quem “qualquer menção de uma marca na imprensa escrita, num dicionário ou numa enciclopédia, num romance ou num filme, tornar-se-á assim num uso na vida comercial, submetido, em princípio, à autorização do titular, pois estes instrumentos de informação ou de cultura são difundidos por empresas de carácter comercial. (apud. NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, pp. 44/45). 351 É recorrente dar-se como exemplo uma decisão da jurisprudência francesa que proibiu um escritor de utilizar a palavra “bic”; mas, no caso em apreço, urge compreender que a ratio desta decisão não se coaduna com o direito de exclusivo de exploração económica, mas, antes, se relaciona com a temática da vulgarização da marca. Igualmente é inadequado chamar à colação o litígio que envolveu uma reputada marca de refrigerante utilizada num filme pornográfico; neste caso a querela relacionava-se com o prejuízo para a imagem da marca, problema que vamos encarar em momento posterior.

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118 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Um ponto que merece alguma reflexão é a compatibilidade das marcas com os nomes de

domínio.352 Sendo ambos sinais distintivos desempenham diferentes funções: se as primeiras

identificam produtos ou serviços, os segundos constituem o “elemento individualizador de uma

realidade, a saber, o domínio da Internet,353 possibilitando por esta forma o acesso do internáuta ao

seu destinatário. Não obstante a destrinça, estes sinais têm um campo comum de actuação, pelo que

urge averiguar da sua compatibilidade.

Num primeiro momento – até à maioridade da Internet – vigorava o princípio da livre atribuição de

nomes de domínio, facto esse que foi susceptível de inúmeros abusos, por parte de pessoas que

registavam nomes de domínios coincidentes com marcas de renome de outrem, com o intuito de,

posteriormente, as alienarem aos seus legítimos titulares, algumas vezes por valores muito

elevados. Como resposta a esta prática os Estados procuraram regular o acesso aos nomes de

domínio.354

Em Portugal, a FCCN impede o registo de um domínio coincidente com uma marca registada para

quem não tenha legitimidade para a sua utilização, pelo que, os problemas supra referidos têm

menos acuidade. Mas impõe-se a questão: que justifica esta proibição? Que justifica que o direito à

marca extravase os limites do Direito Industrial e ocupe esta primazia no Direito do Ciberespaço.

Neste caso não se pode dizer que se defenda a função distintiva da marca: o que se visa é permitir

ao titular da marca a sua livre fruição e o seu aproveitamento económico, não enquanto sinal

identificador de produtos ou serviços, mas enquanto potência publicitária.355 O que se defende

relaciona-se com o reconhecimento da Internet como meio exponencial para a divulgação das

empresas e das suas marcas, para a perpetuação da sua capacidade atractiva ou sugestiva.

Questão complexa e crucial para a economia deste trabalho consiste em aquilatar se o direito de uso

exclusivo contempla a possibilidade de obstar a que terceiros usem a marca registada para fins

exclusivamente publicitários ou promocionais, sem o consentimento do titular, para assinalar os

produtos genuínos deste. Dito de outra forma, o que neste contexto nos preocupa, é a possibilidade

de o titular de uma marca registada impedir que terceiros a utilizem para outras finalidades, que

não assinalarem ou distinguirem produtos (ou serviços), nomeadamente para publicidade dos 352 O nome de domínio pode definir-se como o endereço através do qual se acede a um servidor de Internet individual (IP). A competência para aquilatar do acesso aos nomes de domínio foi entregue, na ausência de regulamentação específica, e por razões históricas, à Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN), que tem vindo a proceder, a nível nacional, ao registo e gestão dos nomes de domínios da Internet para Portugal. (cfm. Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio). Sem problematizar, sempre se refere que nos nomes de domínio, por razões mais técnicas que programáticas, ensaia-se uma nova abordagem aos sinais distintivos a latere do princípio da especialidade. Com efeito, a atribuição de um nome de domínio é monopolista, no sentido que inexistem dois iguais, independentemente dos conteúdos. O tempo dirá se esta nova visão não servirá de inspiração para o legislador do Direito das Marcas… 353 CARLOS OLAVO, Nomes de Domínio e Marcas, Jornal do INPI, Ano XV, n.º 5, Outubro de 2000, p. 8. 354 O legislador americano foi pioneiro na assunção de medidas contra esta prática, alterando o Lanham Act de 1946, sustentando ser ilícita a actuação daquele que de má fé regista ou negoceia um nome de domínio que corresponde à marca de outrem (referimo-nos ao Anticyberquatting Consumer Protection Act de 1999). 355 Em sentido similar CARLOS OLAVO, Nomes de Domínio e Marcas, Jornal do INPI, Ano XV, n.º 5, Outubro de 2000, p. 9.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 119

distribuidores ou em casos de “importação paralela”. Refira-se que, nestes casos, não se coloca a

problemática da indução em erro do consumidor, porquanto, a marca, não apenas, é utilizada a

montante da sua função distintiva, como se refere aos produtos genuínos do titular da marca

registada.

A querela é menos controvertida no caso das marcas de grande prestígio. Nestas, porque a

existência de função publicitária da marca é menos controvertida e contestada na doutrina, admite-

se sem contradita que o conteúdo negativo do direito de uso exclusivo se estenda a qualquer

utilização que seja susceptível de benefício ilegítimo para o empresário destituído de legitimidade

para o uso da marca.356

Para a correcta apreensão desta problemática exige-se a análise do regime legal vigente,

nomeadamente do art. 209º do CPI (art. 260.º do CPI 2003), que dispõe que “o direito conferido

pelo registo da marca não permite ao seu titular impedir a terceiros o uso na sua actividade

económica… da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou

serviço…”

A ratio legis do artigo é claramente delimitadora, explicitando, taxativamente, as situações em que

se admite o uso da marca na actividade económica de um terceiro, sem depender de consentimento.

Obviamente que poderá existir sempre a possibilidade de, pela utilização da marca para identificar

um produto ou serviço, o empresário não titular seja reflexamente beneficiado pela projecção da

marca, mas esta situação de vantagem é sempre mediata face ao titular da marca. Sustentamos,

perante o actual quadro legal e atentas às funções da marca, pela ilegitimidade da utilização da

marca de terceiros com finalidade publicitária imediata, a montante dos legítimos interesses do

titular da marca.

Sobre esta problemática assume excepcional relevo o Caso ÉVORA357 no qual o TJCE considerou

ser ilegítima a publicidade realizado por um revendedor que possa afectar a reputação de uma

marca. Pela pertinência do fundamento, sublinhe-se, que o caso sub judice é incontestável que a

marca não desempenha uma função distintiva, nem é esta que se protege: o que se enfatiza, no

referido exemplo, é o direito do titular da marca beneficiar do exclusivo da reputação da marca,

356 Assim, REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, cit. p. 627. 357 Ac. TJCE de 4/11/97 proc C – 337/95 in http://curia.eu.int/pt/jurisp/index.htm. Questão similar foi colocada a este tribunal no caso Bayerische Motorenwerke AG (BMW) e BMW Nederland BV in http://curia.eu.int/pt/content/juris/index.htm, embora neste a resposta não tenha sido muito esclarecedora. No caso Évora um importador paralelo criou e disponibilizou prospectos publicitários, nos quais reproduzia as embalagens e frascos de alguns produtos da DIOR. Esta sustentou que a publicidade realizada não correspondia à imagem de luxo e de prestígio das marcas DIOR, pelo que tentou obstar àquela divulgação. Colocada a questão o TJCE entendeu que quando existindo “produtos de marca que são comercializados no mercado comunitário pelo titular da marca ou com o seu consentimento, um revendedor tem a faculdade, além da revenda desses produtos, de utilizar a marca para anunciar ao publico a comercialização posterior desses produtos […] salvo se se provar que, tendo em consideração as circunstâncias específicas de cada caso, o uso da marca na publicidade do revendedor afecta seriamente a reputação da marca”. Uma posição mais restritiva foi assumida pelo RP, que sustenta ser ilegítima a utilização da marca por importadores paralelos. (20/01/99, CJ, Ano XXIV, Tomo I, p. 233).

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120 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

impedindo que a mesma seja desvirtualizada por terceiros, de moldo a manter o seu efeito

psicológico sobre o público.

Do que fica escrito não deve inferir-se que será abusiva qualquer utilização da marca por terceiros

não autorizados; será lícito o recurso a esta quando tal se demonstre necessário ou conveniente para

estes, quando o uso da marca seja feita de acordo com os usos honestos da actividade

empresarial358 e no estrito respeito da situação jurídica do proprietário do registo da marca,

nomeadamente o perfil psicológico dos produtos ou serviços. Assim, deverá optar-se pela

inadmissibilidade de usar a marca de terceiro, quando não autorizada, sempre que desta utilização

resulte prejuízo para a “imagem” da marca registada: pensemos no exemplo de uma conhecida

garrafa de refrigerante ser utilizada num filme pornográfico ou uma marca de automóvel ser usada

de forma desprestigiante ou ainda o conceito publicitário de uma marca ser usado com menoscabo.

A posição que se defende é passível de adequação com o princípio da liberdade de referências, que

sustenta deverem ser lícitas todas as alusões verdadeiras e harmoniza-se com os legítimos

interesses dos titulares da marca em controlarem a sua imagem e a comunicação da marca com o

público.

Alguma doutrina argumenta a necessidade de prescrever um tratamento diferenciado para a marca

tradicional ou ordinária e a marca de grande prestígio; para as ultimas, devido ao teor do art. 191º

do CPI (art. 242.º do CPI 2003), são protegidas nos casos supra descritos; no que concerne às

marcas tradicionais, sustenta-se a inexistência de tutela. Não podemos concordar com esta posição!

Com efeito, a propriedade industrial, em geral, e as marcas em particular, goza das garantias

estabelecidas por lei para a propriedade em geral359 e é especialmente protegida nos termos do

358 Um exemplo facilmente apreensível é a licitude de um Hipermercado publicitar a venda de determinados produtos no seu catálogo designando a sua marca ou um comerciante anunciar num placar de publicidade vender no seu estabelecimento produtos de determinadas marcas. Diferentemente, foi o caso apreciado pela BGH em que a marca Rolls-Royce era usada, sem consentimento, na publicidade de whisky; o referido Tribunal julgou, de forma que considero acertada, que o comportamento do réu era contrário aos bons costumes. 359 Brevitatis causa, uma vez que esta querela se situa a latere do âmbito deste estudo, não podemos deixar de nos questionar sobre a natureza jurídica do direito à marca. Esta problemática tem sido largamente controvertida no seio da melhor doutrina, sendo inegavelmente uma vexata quætio onde se dirimem astutos argumentos e posições conflituantes: de forma sumária, e sem preocupações de exaustividade, expomos algumas das mais pertinentes teorias sobre esta querela. A Teoria dos Direitos de Personalidade baseia-se na premissa, que integralmente sufragamos, de que toda a propriedade intelectual tem na sua génese a capacidade criadora do Homem. “A criação intelectual é a exteriorização e a projecção da personalidade do autor, da sua forma de ser, da sua visão do mundo” (ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, p. 70.), revelando a própria idiossincrasia, de modo a que, entre o criador e a criação se estabeleçam laços incindíveis. A obra é um meio de o criador expressar a sua atitude perante o mundo a sua visão da realidade, confessando as suas características intrínsecas, funcionando a obra como a realização externa do criador. A tutela jurídica justificar-se-ia com a necessidade de proteger a obra, enquanto objecto que emana da personalidade do criador. Esta teoria, que se desenvolveu conexionada com a problemática dos direitos de autor, caracteriza-se para enfatizar o cariz pessoal da propriedade intelectual, subalternizando o cariz patrimonial subjacente a este instituto. Neste sentido, entendia-se que o cerne da protecção seria o de garantir o livre acesso à criação intelectual, enquanto emanação da honra e da personalidade, funcionando a componente económica decorrente do monopólio de exploração como um meio para garantir a ressarcibilidade do esforço do criador. Não escamoteando as suas potencialidades para responder a determinadas aspectos relacionados como o direito do titular às suas criações, parece ser esta visão demasiado redutora para nos conceder uma resposta cabal. Estas dificuldades tornam-se intransponíveis quando existe uma cisão entre o criador e a sua obra, nomeadamente em caso de transmissão para terceiros da susceptibilidade de exploração das criações. Um outro argumento crítico normalmente imputado a esta teoria

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 121

prescreve que a defesa de um entendimento monista do direito de propriedade industrial é exíguo para apresentar uma explicação global do fenómeno. O ponto fulcral da Teoria dos Direitos sobre Bens Imateriais é o reconhecimento e protecção jurídica das coisas incorpóreas, fenómeno que não é recente, podendo encontrar-se mesmo no direito romano resquícios destas preocupações; do que aqui se trata é de adaptar esta visão aos direitos que incidem sobre bem imateriais. Entende-se por bem imaterial em sentido amplo, toda a entidade incorpórea e imperceptível pelos sentidos e, em sentido restrito, numa acepção que podemos designar de jurídica, as exteriorizações do espírito humano que são objecto de uma protecção particular pelo ordenamento jurídico. Estes são hoje uma realidade indiscutível e correspondem a realidades sociais que são separadas dos seus criadores, com efeito, ao contrário “do acto da criação, que é pessoal – de quem o realiza – estas tornam-se objectivamente identificáveis na sua formulação, contrapondo-se à pessoa do seu criador” (PAULO SENDIM, Uma unidade do direito da Propriedade Industrial ?, Volume de Homenagem ao Prof. CAVALEIRO FERREIRA, Direito e Justiça, Universidade Católica Portuguesa, Vol. II, 1981/1986, pp. 165/166). Na génese desta teoria pode identificar-se a tentativa de contornar as objecções à catalogação dos direitos industriais como direitos de propriedade, nomeadamente nos domínios da posse, usucapião, meios e duração da protecção. O pensamento de KOHLER (percursor da teoria) alicerça-se na introdução de um novo tipo de direito – que se pode reputar de sui generis - a introduzir na clássica distinção dos Direitos Patrimoniais entre direitos reais e direitos de crédito, tipo esse designado de direitos sobre bens imateriais. Sublinham os percursores desta tese que das características decorrentes dos direitos reais apenas se verifica a sua aplicabilidade erga omnes, o que desaconselha a sua inclusão nesta tipologia. A ratio desta nova categoria de direitos patrimoniais reside nas especificidades dos direitos sobre as criações intelectuais, que justificariam um regime autónomo pela sua incompatibilidade com os tipos tradicionais, embora, sem abdicar da ideia de um poder autónomo sobre um bem, ainda que imaterial. Uma outra explicação é a Teoria dos Direitos de Clientela, cuja paternidade é atribuída a ROUBIER. Esta teoria, tal como a que anteriormente observamos, sustenta a inaplicabilidade do regime dos direitos reais e de crédito à realidade sub judice, distinguindo-se daquela, pelas soluções preconizadas; como se depreende do seu próprio nome, centra na clientela as explicações para o regime jurídico da propriedade industrial. Assim, alicerça-se na tese de que todos estes direitos concedem ao seu titular uma posição privilegiada na captação e manutenção de clientela, sendo, sobretudo, elementos da concorrência empresarial. Estaríamos assim perante direitos cuja causa-função seriam a defesa da posição jurídica alcançada perante a clientela, garantindo-se a estabilidade desta ou, para ser exacto, impedindo que a mesma fosse ilicitamente desviada por concorrentes menos escrupulosos. Sublinhe-se que os percursores desta teoria não visam a criação de um qualquer novo tipo de direitos subjectivos, nomeadamente um qualquer direito à clientela, uma vez que esta não pode ser objecto de um direito, sendo apenas uma realidade com pertinência económica. Sustenta os seus apologistas a criação intelectual releva pelo seu conteúdo, que se traduz na atribuição a um sujeito económico o direito privativo de exploração de uma criação e a correspectiva proibição a todos os concorrentes de a utilizarem; “ou seja, é-lhe reconhecido juridicamente uma certa posição em face da clientela, um meio de conquista e fixação da clientela” (PAULO SENDIM, Uma unidade do direito da Propriedade Industrial ?, Volume de Homenagem ao Prof. CAVALEIRO FERREIRA, Direito e Justiça, Universidade Católica Portuguesa, Vol. II, 1981/1986, p. 174), uma fonte provável de lucros no jogo da concorrência. É inquestionável que os direitos de monopólio concedidos aos titulares de um qualquer direito industrial favorecem a aquisição e manutenção da clientela; é também axiomático que a conquista e defesa da clientela são cruciais no mercado concorrencial; mas, será esta uma solução bastante para aquilatar da natureza jurídica destes direitos? Claramente não. A teoria de ROUBIER tem na sua origem um erro de perspectiva, porquanto se “pode atribuir-se a estes direitos, na sua ligação à concorrência, uma função de assegurar a clientela …[mas] não nos adianta nada quanto ao conteúdo destes direitos” (OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, Lisboa, cit. 1994, p. 391). A Teoria do Monopólio assenta no fundamento histórico de que os direitos de propriedade intelectual, na sua génese, baseavam-se em privilégios concedidos pelos governantes ao criador, como meio de reconhecer o seu trabalho e concomitantemente fomentar o seu desenvolvimento. A diferença fundamental reside de estes na actualidade não resultarem da arbitrariedade do governante, mas decorrerem do regime jurídico previsto na lei. Agora, como antes, o efeito útil destes direitos é permitir de forma exclusiva a determinada pessoa a fruição do bem “monopolizado”. Dá-se ênfase nesta teoria à criação de um regime excepcional derrogatório da livre iniciativa no mercado, consistente na criação de um poder exclusivo de exploração económica de um determinado direito de propriedade industrial, embora sem impedir a livre concorrência. Com efeito, sustenta FRANCESCHELLI (Tratado…, cit. pp. 511 e ss.) que monopólio e concorrência não são dois valores intrinsecamente antagónicos, sendo susceptíveis de co-existirem na dinâmica da economia de mercado. Parte-se da premissa de que, contrariamente aos direitos reais, o direito de monopólio não incide directamente sobre um bem, mas num conjunto de faculdades, atribuídas a dado sujeito, por referência àquele bem; pelo exposto, o regime dos direitos de propriedade industrial não seriam passíveis com uma catalogação como direitos absolutos, porquanto as suas especificidades não se subsumem àquele tipo: o elemento decisivo nestes direitos, não se coaduna com um dever geral de abstenção, mas, diferentemente, proclama o dever de respeito pela exploração económica exclusiva concedido ao titular do direito protegido. Em suma, estes direitos não visam impedir terceiros do gozo e disposição da coisa objecto de um direito de propriedade industrial mas, tão somente, a sua introdução por estes no mercado em concorrência com o titular do direito protegido. Por outro lado é dogmaticamente inadmissível configurar um direito subjectivo construído com base numa exclusão, ou seja, com apelo a elementos negativos; por outras palavras, não é suficiente explicar a motivação de terceiros estarem impedidos de usar o sinal, importando construir uma justificação plausível para os direitos conferidos ao seu titular. Curiosamente é no tocante à marca que esta teoria denota mais dificuldades em construir uma explicação plausível porquanto estas “se não podem dizer objecto de um monopólio de produção ou venda, posto que não são produzidas nem vendidas, constituindo-se sim em sinais distintivos destinados a

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122 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

diferenciar produtos ou serviços no mercado” (OHEN MENDES, Direito Industrial – I, Livraria Almedina, Coimbra, 1983/84, p. 171). Uma outra explicação, não muito diferente da anterior, é a Teoria dos Direitos de Exclusivo. A fundamentação básica desta tese reside na análise das faculdades conferidas aos titulares dos direitos de propriedade intelectual. Enfatiza-se o facto destes direitos, não se caracterizarem pelo seu conteúdo positivo, mas ao invés pelo seu conteúdo negativo que se consubstancia na proibição de todos com excepção do titular de usufruir do bem protegido, “a demarcação de actividades que são exclusivamente reservadas àquele sujeito” (OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, cit., p. 404). Acresce que estes direitos não são susceptíveis de apropriação exclusiva, não podendo originar uma propriedade, uma vez que quando divulgadas, não são passíveis de domínio exclusivo de um só. Como conclui DIAS PEREIRA a “a insusceptibilidade de apropriação resultaria da própria natureza da obra” (ALEXANDRE DIAS PEREIRA, Informática, Direito de Autor e Propriedade Tecnodigital, BFDC, Coimbra Editora, 2001, p. 121). Pelo que ficou exposto, merece ser sublinhada a perspectiva em torno da qual se constrói esta teoria; desvaloriza-se a possibilidade de estes direitos recaírem sobre uma coisa, que como tal seria susceptível de direitos absolutos, mas, ao invés, centra-se na proibição de todos os restantes agentes económicos estarem impedidos de explorar o bem protegido. Esta teoria tem como defensor, em Portugal, OLIVEIRA ASCENSÃO para quem a lei que estabelece o direito sobre o bem imaterial não dá ao titular faculdades que ele anteriormente não tivesse; o seu sentido é privar os terceiros do exercício dessas faculdades. Esta posição não diverge substancialmente da tese dos direitos de monopólio, tentando através de uma formulação mais ampla contornar as críticas que são imputadas àquela. Mas também esta tese não está imune a criticas. Desde logo causa complexidade o facto desta teoria se desinteressar do objecto, para se centrar unicamente nos direitos conferidos, mais concretamente, nos direitos de monopólio atribuídos ao titular. A Teoria de Rotondi tem como elemento mais interessante dissociar as criações novas dos sinais distintivos, centrando-se nestes, ou melhor, sendo o seu tratamento específico dos sinais distintivos o elemento mais pertinente desta teoria. O centro da teoria de Rotondi é a “azienda”, sendo que a locução estabelecimento é usada na sua mais ampla acepção, querendo definir todos os meios a que recorre o comerciante para desempenhar a sua actividade económica. Para este autor “questo diritto all`uso esclusivo del marchio nón è per noi un diritto autónomo… Si tratta invece per noi di un diritto accessorio al diritto del titolare dell`azienda, quindi, come per il diritto alla ditta e allo emblema, di un diritto che ne segue naturalmente – anche se non necessariamente – le sorti venendo in considerazione solo come un particolare coefficiente del valore dell`azienda, o una qualità di essa”( MARIO ROTONDI, Diritto Industriale, Padova, 1965, pp. 113/114). A defesa desta teoria equivale retirar autonomia aos sinais distintivos do comércio, que mais não seriam que elementos da universalidade que é o estabelecimento comercial; conclui-se que estamos perante um verdadeiro direito de propriedade mas, que não recai sobre os direitos industriais, mas sobre o estabelecimento comercial enquanto um todo. Estes direitos perdem desta forma autonomia, sendo meios de individualizarem e distinguirem a azienda ou para indicarem a proveniência subjectiva de produtos ou serviços. É comum atribui-se a LEHMANN a paternidade da Teoria dos “property rights”, que mereceu enorme destaque na doutrina e jurisprudência norte-americana. Esta teoria inclui-se num contexto mais amplo da “análise económica do direito”, que grosso modo, qualifica-se por pretender proceder a uma análise interdisciplinar do direito, nomeadamente com a enfatização dos aspectos de índole económica em detrimento dos intrinsecamente jurídicos, de molde a permitir a mais ampla fruição económica dos bens. A característica mais imponente desta teoria é a superação do conceito tradicional do direito de propriedade e a sua superação por uma noção de “property rights” que podem ser definidos como “diritti personali, assoluti ed esclusivi, che esprimoro il rapporto tra un soggetto ed un bene in relazione a terzi: essi attribuiscono, definiscono e limitano, dunque, un certo potere econonimo”, (MICHAEL LEHMANN, La teoria dei property rights e la protezione della proprietà intellectuale e comerciale: una analisi giuridica ed economica, RDI, 1984, parte I, p. 32). Esta teoria mostra que “através da propriedade privada sobre determinados bens económicos se pode conseguir que estes últimos sejam adstritos à sua melhor utilização económica possível, que também é útil para o bem comum. (LEHMANN, Direito de patentes e teoria dos “property rights” – uma análise jurídico-económica, RDE, Ano 1983, pp. 159 e ss., tradução de OHEN MENDES, p. 177). Estes direitos conferem aos seus titulares um conjunto de poderes ou faculdades nas suas relações com terceiros, relativamente à usufruição e utilização económica desses direitos, tendentes a permitir o mais amplo aproveitamento económico do direito. Paradoxalmente ao que se poderia supor, os property rights são entendidos como estimuladores da concorrência, embora através da criação de mecanismos que a priori a parecem excluir; os monopólios que se alcançam com a protecção dos direitos industriais são apenas um incentivo para estimular a concorrência, no sentido de que esta protecção será propensa ao desenvolvimento da actividade concorrencial, uma vez que procura conseguir o aproveitamento mais eficaz dos recursos que, por definição, são escassos. Finalmente a Teoria do Direito de Propriedade, claramente dominadora na doutrina lusa. Esta tese centra-se numa problemática que ultrapassa os limites do Direito Industrial, concretamente a celeuma sobre a possibilidade do direito de propriedade incidir sobre bens imateriais. Antes de enfrentar as diversas posições que antagonizam posso afirmar ser esta a teoria clássica, tendo-se desenvolvido no pós revolução francesa, vulgarizando-se a expressão de “propriedade industrial” que se enraizou na doutrina e instituições internacionais. Historicamente esta construção é conceptualmente dominada pela idealização do indivíduo e pela indissociável ligação entre o Homem e todas as suas exteriorizações. Quem preconiza esta tese, sustenta que os direitos emergentes da propriedade industrial são direitos de propriedade, admitindo-se que esta categoria de direitos é suficientemente ampla para abarcar a designada propriedade incorpórea. Mas também esta teoria não fica imune a criticas; sucintamente podemos observar dois tipos mais pertinentes de críticas; por um lado, o facto de os direitos sobre bens imateriais apresentarem características sui generis em face do tipo tradicional de propriedade, nomeadamente a sua inadequação com os institutos da posse, usucapião e a sua duração limitada; por outro, os aspectos pessoais prementes aos bens intelectuais são de difícil absorção pelos canônes do direito da propriedade de tipo tradicional. Cingindo a análise à doutrina lusa, pode-se afirmar desde já que sobejam dúvidas,

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 123

presente diploma e demais leis e convenções em vigor, conforme dispõe o art. 257º do CPI (art.

316.º do CPI 2003). Foca-se esta prerrogativa de modo a sublinhar o preceituado no art. 1305º do

Código Civil360 que confere ao proprietário um direito de gozo pleno e exclusivo; no que diz

respeito à marca, o gozo do direito só se mantém imaculado,361 quando se reprimem todas as

formas abusivas susceptíveis de fazerem desvalorizar o sinal distintivo, sendo despiciendo a marca

ser, ou não, de grande prestígio.362

O que separa as marcas tradicionais das de grande prestígio é o âmbito do seu direito de

exclusividade, limitado nas primeiras e pleno nas segundas; posto isto, o seu regime legal é análogo

estando ambas abrangidas por simétricas prerrogativas e vinculações.

8.3.3.1. Ainda que sem quaisquer preocupações de exaustividade, importa tecer algumas

considerações adicionais relativas ao âmbito e alcance dos direitos concedidos ao titular da marca

registada, concretamente o princípio do esgotamento do direito sobre a marca.363

confrontando-se argumentos. Um primeiro argumento é literal e resulta da sistematização do Código Civil, nomeadamente na inclusão no elenco dos direitos de propriedade, do direito intelectual. É intelectualmente desleal a alegação de que o legislador não pretendeu contribuir para a adopção de uma solução para a querela relativa à natureza jurídica dos direitos intelectuais; o código civil é posterior ao CPI e a inserção sistemática realça a inequívoca assunção de uma posição. Sendo certo que a intromissão do legislador na dogmática jurídica é, as mais das vezes atacável e que não obriga o intérprete, também é certo que a mesma não pode ser ignorada, especialmente quando a querela é anterior, o que, neste caso, é incontestável. Também ORLANDO CARVALHO pugna pela qualificação dos direitos industriais como verdadeiros direitos de propriedade, sustentando que as coisas imateriais são verdadeiras coisas, passíveis “de um estatuto permanente de objecto de domínio e como tal qualificáveis”. Continua o Autor sustentado que a locação propriedade está arreigado no Direito industrial beneficiando de uma indiscutível revivescência. (ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, pp. 189/190) Também é esta a nossa convicção e não apenas pelo conforto de apoiar a doutrina maioritária. Com efeito, pensamos ser esta a construção que mais se adapta ao jure constituto. Sendo axiomático que a posição do legislador não deve determinar o pensamento do intérprete, sendo indiscutível que não pode o leitor ficar vinculado pela opção legislativa, não é menos verdade que a mesma não pode ser encarada com indiferença. Sobre a receptividade desta teoria na doutrina interna vide ANTUNES VARELA/PIRES DE LIMA/HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, 2º Ed., Vol III, p. 86, COUTO GONÇALVES, Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, pp. 176 e ss., CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, Vol, XIV, pp. 596 e ss., FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, cit. p. 203, ORLANDO de CARVALHO, Direito das Coisas, cit. pp. 190 e ss., OSÓRIO DE CASTRO, Os efeitos da nulidade da patente sobre o contrato de licença da invenção patenteada, 1994, p. 68 e ss. e REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, Coimbra, 1995, pp. 555/556. Sobre a natureza jurídica em geral vide ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, 1999, BFDC, Coimbra Editora, pp. 69 e ss., MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994, pp. 149 e ss., OHEN MENDES, Direito Industrial – I, Livraria Almedina, Coimbra, 1983/84, pp. 90 e ss., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Direito Industrial, Vol. II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1986/87, pp. 389 e ss., PUPO CORREIA, Direito Comercial, EDIFORUM, 8ª Edição, Lisboa, 2003, pp. 339 e ss., RENATO CORRADO, Segni Distintivi, Ditta- Insegna- Marchio, Trattado di Diritto Civile, diretto da Giuseppe Grosso e Santoro-Passarelli, Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, pp. 28 e ss. e VANZETTI, Funzione e Natura Giuridica del Marchio, RDC, Padova, a. 1961, parte I, pp. 52 e ss. 360 Artigo 1305º – O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. 361 Sobre o tema vide JULIO GOMES, O dano da Privação do uso, RDE, ano XII, pp. 169 e ss. 362 Em sentido análogo CARLOS OLAVO, Violação do Direito à Marca (em face do actual Código da Propriedade Industrial, O Direito, Ano 127, 1995, I-II, p. 69) entende considerar-se lesiva do direito à marca qualquer actuação susceptível de afectar o seu uso e fruição por parte do respectivo titular, mormente o seu valor económico. 363 Esta problemática retroage ao início do século XX, devendo imputar-se à doutrina alemã o desenvolvimento teórico desta temática, nomeadamente às premissas desenvolvidas por KOELER. (no entanto, parece dever reconhecer-se à jurisprudência francesa quem originalmente detectou este princípio). “A expressão esgotamento de direito é uma metáfora, que não destina com rigor a realidade que visa exprimir. A doutrina do esgotamento dos direitos de propriedade industrial assenta na ideia, simples, de que o monopólio legalmente atribuído ao titular do direito, até por consistir uma excepção à regra da liberdade do comércio, deve confinar-se ao desempenho da

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124 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Não se considere que estamos perante um sucumbir ou desaparecer do direito à marca, mas, antes,

deve entender-se por este princípio que os direitos que o proprietário detém sobre a

comercialização dos seus produtos cessam (se esgotam) quando voluntariamente364 os colocou no

mercado.365 Concretizando, refere-se que após a comercialização, pelo proprietário da marca, dos

seus produtos ou serviços, a sua vontade torna-se impotente para contrariar novos negócios

jurídicos relativos a estes bens,366 não se justificando que o titular continue a utilizar o seu direito

para controlar a circulação dos bens disponibilizados no mercado.

Tornando claro o que aqui se discute, esclarece-se que estamos perante situações de vendas (e

muitas vezes de importações) paralelas, ou seja, por empresários a latere dos meios oficias de

distribuição do proprietário da marca, actuando fora da sua tutela e sem qualquer relação contratual

directa com este.

Destas primeiras ilações conclui-se o reconhecimento que o direito de impedir terceiros de usarem

a marca não é um princípio incondicional ou absoluto, mas tão-somente deve ser evocada quando

existam causas justificativas. Subjacente a esta premissa descortina-se o entendimento de que os

direitos concedidos ao proprietário da marca devem limitar-se ao mínimo necessário para o

exercício da sua função, porquanto a atribuição de um qualquer direito de uso exclusivo é,

invariavelmente, um constrangimento à liberdade de concorrência. É indigno escamotear que, a

mais das vezes, o móbil dos proprietários das marcas para obstarem à utilização destas para

designarem os produtos ou serviços genuínos do titular do registo, consiste na compreensível – na

sua óptica – tentação de controlar exaustivamente a colocação e escoamento dos seus bens, através

do meios e canais por eles eleitos, castrando a faculdade de entidades independentes

disponibilizarem de forma concorrencial os seus produtos. Embora se compreenda as vantagens

respectiva função” (SOUSA E SILVA, O Esgotamento de direitos industriais, Direito Industrial, Volume I, Coimbra, Livraria Almedina, 2001, pp. 453-454). Estamos assim, perante a confrontação entre os interesses do titular de uma marca em monopolizar a distribuição dos seus produtos e o primado da livre circulação de mercadorias, sendo que a regra do esgotamento visa evitar que seja permitido aos titulares da marca a compartimentação dos mercados nacionais e, desse modo, o favorecimento da manutenção das diferenças de preços que possam existir entre os Estados-Membros. Podemos listar três níveis de esgotamento, cujo regime legal poderá não ser absolutamente coincidente; assim podemos falar em a) esgotamento nacional, quando a primeira comercialização dos produtos têm lugar no mercado nacional; b) esgotamento comunitário, que como se depreende da nomenclatura adoptada, representa uma comercialização no espaço da União Europeia, e, c) esgotamento internacional, onde a colocação dos produtos ou serviços se fizeram no mercado internacional, ou seja, nos limites extrínsecos da Comunidade. Sublinhe-se que esta teoria não é privativa do Direito das Marcas, mas antes um princípio comum a todos os direitos de propriedade industrial. Sobre o tema, no direito português, vide PEDRO SOUSA E SILVA, Direito Comunitário e Propriedade Industrial, O princípio do esgotamento dos direitos, BFDUC, Coimbra Editora, 1996, passim; 364 Para a licitude do acto exige-se que a colocação no mercado do produto ou serviço se possa imputar ao titular, directa ou indirectamente. No caso da colocação indirecta do produto no mercado, chama-se à colação situações de actuação do mandatário ou ao abrigo de um contrato de licença. 365 Sobre esta noção CALVÃO da SILVA, Responsabilidade Civil Produtor, cit., pp. 247 e ss. 366 Este entendimento encontra eco na jurisprudência do TJCE, cfm. Ac. De31/10/1974, Proc. 16/74, in http://curia.eu.int/pt/jurisp/index.htm ao sustentar que “in relation to trade marks, the specific subject-matter of the industrial property is the guarantee that the owner of the trade mark has the exclusive right to use that trade mark, for the purpose of putting products protected by the trade mark into circulation for the first time, and is therefore intended to protect him against competitors wishing to take advantage of the status and reputation of the trade mark by selling products illegally bearing that trade mark”.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 125

decorrentes para o empresário de monopolizar a circulação e venda dos seus produtos, esta

pretensão colide frontalmente contra o primado da liberdade de concorrência.367 Por tudo, nada

pode obstar à faculdade de o revendedor de produtos originais do titular do direito à marca, o

recurso a este sinal como forma de informar os interessados, desde que, da sua publicidade não

resulte um prejuízo para a “imagem da marca” nos termos da doutrina da liberdade de utilização

das marcas protegidas, de boa fé e ao abrigo de interesses informativos”.368

Mas é licito inferir-se que os direitos concedidos ao titular da marca cessam aquando da colocação

no mercado destes produtos? Não! Para esquema de raciocínio vamos supor que um revendedor

destes produtos, por mote próprio, opta por manipular os produtos, ou, por maioria de razão,

adultera-los? Seria lógica castrar o legítimo proprietário da marca de exercer as suas prerrogativas?

Obviamente que não.

Ensina a melhor doutrina que, não obstante a colocação no mercado dos seus produtos e o

consequente esgotamento de direitos, reserva-se ao titular a faculdade de exercer um espécie de

direito residual, com a motivação de defender a sua marca de actuações potencialmente lesivas.369

Mas que situações de facto podem subsumir-se aos motivos legítimos que permitem ao titular

exercer este direito residual: questão premente relaciona-se com a publicidade efectuada pelo

distribuidor dos bens ou serviços. Uma nova abordagem a esta problemática foi inaugurada pelo

TJCE, no já referido caso ÉVORA,370 onde se reconhece ao titular da marca o direito de impedir

aquela prática quando a mesma seja susceptível de prejudicar a imagem da marca, i e, a imagem

conceptualizada pelo proprietário da marca, através da qual pretende atingir a mente do

consumidor.

Por tudo, urge questionar: o que se tutela in casu? Indubitavelmente que não se trata da função

distintiva! A marca é usada legitimamente para assinalar os produtos ou serviços para os quais o

seu registo foi requerido e concedido e desta utilização não periga a sua capacidade de identificar o

produto ou a sua origem. O que aqui nos ocupa funda-se na interferência de um terceiro na

dimensão sugestiva ou publicitária da marca, sempre que esta possa colidir com os legítimos

interesses do titular do direito.

8.3.3.2. Os direitos conferidos ao titular da marca, não apenas sofrem as limitações materiais supra

mencionadas, como encontram limitações de âmbito temporal; por um lado, a duração do registo é

367 Sobre o tema vide VITO MANGINI, Il Marchio fra concorrenza e monopolio, (un`introduzione allo studio dei marchi d`impresa) RDC, Ano 1977, pp. 277 e ss. 368 Ainda que em relação aos “meta-tags”, posição análoga é sustentada por DIAS PEREIRA, “Meta-Tags”, Marca e Concorrência Desleal, Direito Industrial, Volume III, Coimbra, Livraria Almedina, 2002, p. 250. 369 No cotejo das actuações lesivas, adicionando às que já referi, acresça-se a violação do direito exclusivo para a caracterização dos produtos (Para usar a expressão de BIEIER, Evolução e características do Direito Europeu das Marcas; Revista de Assuntos Europeus, 1982, p. 27) que se traduz no reconhecimento ao titular da marca do monopólio para determinar a apresentação ou caracterização externa dos produtos. 370 Ac. TJCE de 4.11.97, proc. C-337/95, http://curia.eu.int/pt/jurisp/index.htm. Vide a nossa posição supra, sobre este esta temática.

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126 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

de 10 anos, ainda que indefinidamente renovável; por outro, a manutenção dos direitos concedidos

pela marca, pressupõe a obrigatoriedade do seu uso.

8.3.4. Como foi afirmado no início deste estudo, a regra do Direito das Mascas, é o princípio do

uso facultativo da marca, sendo a utilização da marca um direito do empresário, não uma sua

obrigação. Por isso, poderá ser com alguma estranheza que importa mencionar neste contexto o uso

obrigatório da marca.371 Desde já se refere que a expressão uso obrigatório da marca, não obstante

recorrente, não é tecnicamente correcta, porquanto, não se trata de uma obrigação stricto sensu,

devendo-se, de preferência, falar do ónus do uso da marca.

Urge fazer-se aqui a conciliação entre duas figuras que à primeira vista pode parecer inconciliáveis;

não existe qualquer incompatibilidade entre as premissas da facultatividade da marca e o uso

obrigatório da marca. Concretizando. É licito ao empresário disponibilizar os seus produtos ou

serviços no mercado sem a aposição de qualquer marca (marca branca) ou utilizando uma qualquer

marca sem o cuidado de a registar (desde que esta utilização não ofenda os legítimos interesses de

outro empresário); esta conduta é inatacável e corresponde ao princípio da facultatividade da

marca; diferente será a circunstância de este empresário ser titular de uma marca, devidamente

registada para determinados produtos ou serviços, circunstância esta que lhe confere o ónus, não o

dever, da sua utilização.

A obrigatoriedade de usar a marca registada decorre do facto de o registo da marca caducar se “não

tiver sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos, salvo justo motivo” (al. a), nº 1 do

art. 216º) (n.º 1 do art. 269.º do CPI 2003).

Usa dizer-se que esta obrigação visa impedir que o registo das marcas se transforme num cemitério

de marcas,372 ou seja, que reúna uma infinidade de marcas que deixaram de ser utilizadas pelos seus

titulares, funcionando o seu registo como um entrave, intolerável, à sua livre utilização por outros

empresários373. Mas, mais motivações se podem enumerar: desde logo, permitir, obrigando, que as

marcas exercem a sua causa/função; aumentar a quantidade de signos disponíveis, permitindo que

permaneçam disponíveis aqueles que, apesar do registo, não têm utilização de facto; depois,

confere funcionalidade ao instituto impedindo-se a multiplicação de registos desadequados.

Importa consolidar dois conceitos utilizados pelo legislador; o que devemos entender por uso sério

e o que deve considerar-se um justo motivo para a não utilização da marca.

Iniciando a análise pela noção de uso sério da marca, este deve ser considerado como a utilização

pública, efectiva, notória, inequívoca, habitual na prestação de serviços ou na comercialização de

371 Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide FERNANDÉZ NÓVOA, El uso obrigatorio de la Marca Registrada, ADI, 3, 1976, pp. 13 e ss. 372 A expressão deve imputar-se a FRANCESCHELLI, Cimiteri e fantasmi di marchi, RDI, 1974, I, pp. 5 e ss. 373 O que fica escrito é particularmente pertinente em sectores delimitados da actividade económica em que a escolha de uma marca “nova” é demasiado complexa; as marcas de fármacos são disso um excelente exemplo.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 127

produtos,374 bem como em qualquer outro substrato material relacionados com a actividade

empresarial. Mas será suficiente o que fica escrito? Não! Também a comercialização de produtos

ou a prestação de serviços não pode ser esporádica, devendo também a actividade ser desenvolvida

de modo constante e notório. Dito isto, afirma-se que, existem um amplo conjunto de variáveis, que

influenciam na consideração do que devemos entender por actividade constante da empresa: esta

variará consoante a sua dimensão, a sua implantação no mercado, os produtos ou serviços que

oferece, o consumidor-tipo a que se destina, o local onde exerce a sua actividade, dirigir-se a

consumidores finais ou intermediários, etc.

Termina-se por frisar que o uso sério pode não exigir a comercialização de produtos ou serviços; o

que se afirma, pode parecer contraditório com o que ficou escrito, mas justifica-se pela

possibilidade de a marca ser usada, exclusivamente, em campanhas publicitárias.375 Para ilustrar a

nossa opinião, oferecemos como exemplo, um produto de difícil implementação no mercado ou,

que apenas esteja disponibilizado com um diferido espaço temporal: deverá recusar-se que o

empreendedor inicie, alicerçado numa marca registada, uma campanha publicitária que incida

sobre um produto que apenas algum tempo depois esteja ao alcance dos consumidores? Que

fundamentaria esta recusa? Em nossa opinião, nada!

No que concerne às legítimas motivações para não usar a marca, são susceptíveis de serem

enquadradas nesta figura causas de força maior, não imputáveis ao titular da marca. Averiguemos

quais serão estas circunstâncias!

São subsumíveis à noção de justo motivo, não apenas causas subjectivas como objectivas e, dentro

destas, quer de facto, quer de direito. No primeiro caso podemos enunciar como exemplos a morte

do titular (no caso dos seus herdeiros não continuarem de imediato a actividade) doença

prolongada, dificuldades de mercado,376 etc.; circunstâncias objectivas, de facto, que impediriam a

caducidade da marca seriam uma guerra, uma catástrofe natural que impedisse ou tornasse

extremamente difícil a utilização efectiva da marca; por fim, podemos apontar como causas

objectivas, de direito, que legitimem o não uso da marca, constrangimentos de nível legal,

administrativo ou judicial que impeçam a comercialização dos produtos ou a prestação dos

serviços, para os quais a marca foi requerida.

374 De modo similar TULLIO ASCARELLI, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, p. 321 e FERNANDÉZ NÓVOA, El uso obrigatorio de la Marca Registrada, ADI, 3, 1976, pp. 21 e ss. 375 REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, cit. pp. 709 e ss. Timidamente neste sentido FERNANDÉZ NÓVOA, El uso obrigatorio de la Marca Registrada, ADI, 3, 1976, pp. 28 e ss. que cita doutrina alemã em sentido coincidente. 376 Esta condição não faz o pleno da melhor doutrina; alguns Autores sustentam que as causas relativas às condições de mercado deve ser objecto de um exame casuístico, de molde a averiguar em concreto se estamos perante uma verdadeira razão excepcional que justifique o não uso da marca ou, tão somente, perante o normal risco empresarial que não deve funcionar como razão de exculpação. (Neste sentido REMÉDIO MARQUES, Direito Comercial, cit. pp. 721/722)

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128 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

8.3.5. É com alusão ao que fica escrito que devemos abordar a temática da preclusão por

tolerância.377 A ratio legis deste princípio consiste em penalizar o empresário inerte, impedindo-o

de esbulhar, com base no registo da marca, outro empresário do uso da mesma; a verificação da

preclusão por tolerância exige a verificação cumulativa de alguns requisitos, que enumeramos: a) o

uso da marca registada por um período de cinco anos; b) ter o legítimo titular da marca anterior

conhecimento deste facto c) ter o registo posterior sido efectuado de boa fé, ou seja, requerido na

convicção de que seria lícito.

De certo modo, fica plasmada na lei a presunção de que a utilização pública e pacífica de uma

marca, por um período de cinco anos sem expressa oposição do titular do direito atingido,

consubstancia um consentimento tácito para a sua livre fruição ou o reconhecimento de que a

utilização conjunta não foi susceptível de gerar quaisquer prejuízos.

Mas neste contexto merece ser frisado um aspecto que a priori poderia apresentar complexidades: a

inacção de um empresário em impedir que outro utilize uma marca similar confundível, não

inquina a legitimidade para opor o seu direito de uso exclusivo perante outros empresários que

utilizem signo equivalente. Dito de outra forma, existindo a preclusão por tolerância de uma marca,

não podem aproveitar-se desta outros empresários que a usem para, com base naquela, contrariar o

direito de uso exclusivo do proprietário da marca. Isto decorre do facto de ser legítimo a um

empresário não se opor ao uso de uma marca por um terceiro, mas obstar a que outro a utilize, sem

que a sua conduta se possa qualificar de abusiva: imagine-se o caso de um empresário de dimensão

insignificante que não é susceptível de perturbar o direito do titular da marca ou, a preclusão se ter

baseado na ignorância pelo titular da marca sobre a existência do vício, situações de inoportunidade

em proceder à anulação da marca ou, por fim, a existência de um elo contratual entre o titular do

registo e um terceiro que permite a este o uso da marca!

Mas, devemos questionar-nos, o que justifica este regime? Indubitavelmente a protecção do

terceiro de boa fé que regista e utiliza durante cinco anos uma marca. Sendo certo que o direito

deste é conflituante com o resultante do primeiro registo, reconhece-se que este registou uma marca

perante a autoridade administrativa competente, que não o advertiu da ilicitude de um registo que

só foi conseguido após um complexo processo e que inclui a publicidade da decisão,

desconhecendo o vício que o inquina, usa a marca para assinalar os seus produtos ou serviços; por

fim, decorreu um prazo mais que razoável – 5 anos – para que o titular do direito de uso exclusivo

ataque esta utilização.

Sendo certo que a coexistência de duas marcas para designar produtos ou serviços concorrentes não

é desejável, opta-se pela tutela do empresário que actuou honestamente e cuja anulação do registo 377 Art. 215 (art. 267.º do CPI 2003) que estatui que “o titular de uma marca registada que, tendo conhecimento do facto, tiver tolerado o uso de uma marca registada posterior durante um período de cinco anos consecutivos deixará de ter direito, com base na sua marca anterior, a requerer a anulação do registo da marca posterior ou a opor-se ao seu uso em relação aos produtos ou serviços para os quais a marca posterior tenha sido usada, salvo se o registo da marca posterior tiver sido efectuado de má fé.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 129

seria susceptível de causar efeitos económicos desastrosos, sendo mesmo lícita a ilação de que a

inacção do titular do primeiro registo fará presumir a inexistência de prejuízo significativo.

É axiomático estarmos perante três entidades de interesses controversos e inconciliáveis; o primeiro

titular do registo, cujo interesse baseia-se – regra geral – em manter o direito de uso exclusivo; um

pretenso interesse dos consumidores, que exigiria que a mesma marca não identificasse produtos

similares com diferentes origens; e, por fim, o interesse de um empresário que, de boa fé e, no

estrito cumprimento dos procedimentos legais, investiu “tempo e dinheiro” numa marca que usa

para assinalar os bens que disponibiliza no mercado.

A perante a conflituosidade de interesses, a opção tomada pelo legislador não é nem despicienda,

nem inocente: não protegeu os consumidores ao abrigo de uma putativa função de garantia da

marca; não protegeu o titular do primeiro registo ao abrigo da função distintiva da marca: protegeu

o titular do registo subsequente, garantindo-lhe que continue a usufruir das potencialidades que a

marca lhe oferece!

8.3.6. Exposto o conteúdo e limites dos direitos atribuídos ao titular de uma marca registada,

impõe-se uma síntese conclusiva sobre a relevância daqueles para este estudo. Frisámos que o

direito de uso exclusivo da marca não se limita ao monopólio da sua aposição nos produtos ou

serviços do titular; reconhecendo-se ainda ao titular o direito de impedir que outros empresários

utilizem marca igual ou confundível para identificar produtos iguais ou afins ou, como no caso das

marcas de grande prestígio, em quaisquer outros produtos (ou serviços). Mas não ficam aqui as

prorrogativas do titular da marca. É-lhe ainda lícito vedar a qualquer outra pessoa a exploração

económica da marca,378 ainda que utilizada ao abrigo de uma outra função, como será o exemplo

de, a impossibilidade de registar uma marca enquanto nome de estabelecimento, firma, logótipo ou

nome de domínio.

De crucial importância é o reconhecimento ao titular da possibilidade de estabelecer a filosofia

empresarial da marca, ou seja, gerir a publicidade realizada em torno da marca de molde a poder

construir a “imagem” que, na sua opinião, mais se adequa aos interesses que visa preconizar.

Termine-se por sublinhar que do elenco dos direitos atribuídos ao titular da marca, emerge a

possibilidade de a transmitir ou ceder a sua utilização.

8.4. Transmissão da Marca

8.4.1. Já antes abordamos a problemática da transmissão não vinculada da marca, que

consideramos como um dos aspectos fundamentais para contrariar a subsistência de uma função

378 No mesmo sentido sustenta-se que “ a faculdade de exploração económica exclusiva da marca abrange ainda qualquer modalidade de aproveitamento do valor económico do sinal, nomeadamente como meio publicitário e como elemento de atracção da clientela, ou através de autorização de terceiros a utilizá-la” (CARLOS OLAVO, Contrato de licença de exploração de marca, cit., p. 357).

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130 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

jurídica de indicação de origem dos bens. Importa, neste contexto, compreender a premência da

transmissão da marca na procura da existência de uma função publicitária, juridicamente protegida.

Desde logo importa questionar o que subjaz à transmissão isolada da marca; as motivações para a

transmissão da marca com o estabelecimento eram óbvias; adquirido o estabelecimento, importava

ao empresário manter a marca de modo a “garantir” a uniformidade da produção, permitindo-lhe

manter a clientela, que entendia a manutenção da marca como um símbolo de continuidade

empresarial e, consequentemente, da constância dos produtos e serviços; neste circunstancialismo o

que era adquirido era o estabelecimento comercial, sendo a transmissão da marca uma

consequência lógica e necessária da aquisição do estabelecimento. Sem dúvida, como ficou escrito,

a marca funcionava como um indicador de origem dos produtos.379

Mais complexa será a apreensão da justificação para a transmissão isolada de uma marca. Neste

contexto, a marca é negociada como um valor em si mesmo, pelas suas capacidades intrínsecas,

directamente consideradas. A marca vai ser transaccionada como um símbolo apto a ser aposto em

determinado produto ou serviço, conferindo-lhe uma mais valia; a marca ao ser transmitida

enquanto valor em si, está a ser transferida por transportar consigo uma apetência sugestiva ou

atractiva própria.380

Ainda mais premente para a economia deste estudo é observar a querela sobre a licitude de

transmissão de uma marca registada e não usada.381 No que a esta concerne, não se questiona que

“o objecto da negociação é o sinal distintivo em si mesmo naquilo que, na óptica do comprador,

representa a convicção de vir a ser uma boa marca”.382 Pelo exposto, esta transmissão não se

coaduna com a função distintiva;383 a marca vai ser aqui transaccionada apenas como um valor em

si, como um sinal que apenas é putativamente distintivo, valendo pela sua capacidade de sugestão

ou atracção. Reforce-se que in casu a marca apresenta-se imaculada, não tendo jamais sido usada

para identificar e distinguir quaisquer produtos (ou serviços), pelo que, será inadmissível, invocar,

que ainda aqui, a marca cumpre uma função eminentemente distintiva.

379 Sustentava-se que cumulativamente se protegia o interesse do consumidor em não ser enganado sobre a qualidade dos produtos; assim, MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994, pp. 42 e ss., especialmente p. 55 e VANZETTI, Cessione del Marchio, RDC, 1959, I, pp. 423 e ss. 380 No mesmo sentido ORLANDO de CARVALHO referia que a transmissão autónoma da marca lhe conferia o carácter de colector de clientela “uma verdadeira incorporação objectiva que permite que a marca, transitando sem a empresa, arraste consigo uma margem de acreditamento transferível para nova organização em que ela se introduza”. (Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, O problema da Empresa como objecto de negócios, Coimbra, 1967. Atlântica Editora, p. 711). 381 Contra esta possibilidade alega-se que se está na presença de um contrato nulo por falta de objecto, uma vez que, que a ligação entre a marca os produtos ou serviços e a empresa seria incindível, não sendo configurável como marca que signo que não identificasse produtos ou serviços. Assim, DI CATALDO , Segni Distintivi, Corso di Diritto Industriale, Diretto da Mario Libertini, Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1985, p. 140, ROTONDI, Diritto Industriale, 5ª Edition, Padova, 1965, p. 146 e VANZETTI, Cessione del Marchio, RDC, 1959, I, p. 400. 382 COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, cit. p. 183. 383 São taxativas as palavras de COUTO GONÇALVES ao enfrentar a problemática: “se o sistema proteger autonomamente a função publicitária, a resposta há-de ser positiva, mas, se a função autonomamente protegida for a função distintiva, a solução só será favorável se for compatível com o modo como é juridicamente entendida essa função” (Função Distintiva da Marca, cit. p. 187).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 131

Poderá o intérprete, menos atento para esta problemática, questionar-se sobre a motivação do

empresário para a aquisição de uma marca registada, não usada; configuram-se várias hipóteses em

que a obtenção desta pode representar uma mais-valia empresarial; assim, pensemos na aquisição

de uma marca, utilizada para um diferente sector merceológico com comprovado sucesso o que,

indiscutivelmente facilitaria a penetração de novos produtos no mercado ou no recurso a uma

qualquer denominação que goze de um carácter emblemático junto dos consumidores; por fim, é

ainda pensável a transmissão de uma marca que foi publicitada mas que, por uma qualquer

motivação, não chegou a ser, de facto, utilizada.

8.4.2. Exposta de forma suscita a querela, exige-se a procura de uma resposta sobre a licitude de

transmitir uma marca não usada, pelo confronto com o ordenamento legislativo lusitano. Sustenta

alguma doutrina,384 numa posição da qual fazemos eco, que este, por ser omisso sobre a questão,

não nos oferece uma resposta inequívoca para a problemática; ainda assim, um argumento

favorável à licitude da prática será a abstenção da lei, ou seja, da inexistência de quaisquer

proibições legais, pode inferir-se a sua admissibilidade de acordo com o princípio da liberdade de

iniciativa económica e o primado da autonomia privada.

Um outro considerando que pode ser aduzido, relaciona-se com a possibilidade de transmitir os

direitos emergentes do pedido de registo de uma marca. Estamos na presença de um cenário em

que a marca é negociada antes de o ser e, por maioria de razão, nunca foi utilizada; sublinhe-se que

esta aquisição será realizada com o beneplácito da lei que, não apenas a admite, como

expressamente a estatui. In casu, de forma inequívoca, o legislador assume uma posição favorável

à transmissibilidade da marca não usada. E se esta é admitida antes do registo a maiori ad minus,

nada deve obstar a que seja transmitida a marca registada, mas não usada.385

Argumenta-se ainda que, no nosso sistema legal, o registo da marca tem efeito constitutivo;

confrontado com a possibilidade de optar entre um regime em que o direito da marca depende do

uso386 ou um sistema que o direito resulta do registo, o legislador optou pelo primeiro. Esta sua

eleição não poderá ser destituída de consequências, sendo, uma delas, o facto de a marca, a partir

do registo definitivo e sem necessidade de quaisquer outros requisitos, ser um signo apto para

exercer todas as funções tipificadas na lei, nada justificando um regime excepcional para a sua

transmissibilidade.

Na sustentação de uma resposta afirmativa, acrescentem-se os argumentos esboçados no que

concerne à legitimidade para o registo.

384 Assim, COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, cit. p. 184. 385 Contra esta susceptibilidade pronunciavam-se AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM, Padova, p. 525, CASANOVA, Impresa e Azienda, cit. p. 564 e VANZETTI, Cessione del Marchio, RDC, 1959, I, p. 421 e ss. 386 A situação típica do Direito Anglo-Saxónico.

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132 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Por fim, impõe-se uma derradeira questão: que interesses se visam proteger alegando a

inadmissibilidade da conduta? Não se vislumbra como a liberdade de concorrência possa sair

beliscada com uma resposta afirmativa para o problema! No que concerne aos consumidores, em

abstracto, não se configura como a utilização da marca registada e não usada possa provocar erro

no público consumidor;387 se, num determinado caso concreto tal for possível, então, aplicam a

regra geral de impedir a transmissão da marca quando susceptível de indução em erro. O que se

prescreve parece a mais razoável das soluções: a regra será a da livre transmissão da marca, com

base na inexistência (em abstracto) de erro; se casuisticamente se entender que a alienação de uma

marca em concreto poderá induzir ao engano do consumidor, excepcionalmente, proíbe-se essa

transmissão, apelando à proibição genérica contida no n.º 2 do art. 211º (n.º 1 do art. 262.º do CPI

2003).

Em tom de conclusão sublinhe-se que a livre transmissão da marca e a acessoriedade da marca face

ao estabelecimento, permite a criação de um mercado de marcas.388 Com efeito, da conjugação da

desnecessidade do exercício da actividade empresarial para requerer o registo, com a possibilidade

de transmissão da marca – com ou sem estabelecimento, usada ou não – abre-se a porta para o

surgimento de empresas de publicidade que registem signos com o desiderato de os

disponibilizarem aos seus clientes389 ou para a proliferação do merchandising.

Para a economia deste estudo, importa sublinhar que a possibilidade de transmitir uma marca

desacoplada do estabelecimento e de uma marca não usada, incorpora o entendimento da marca

como valor em si, susceptível de ela própria “encantar” o consumidor pelas suas qualidades

intrínsecas. No que concerne ao seu titular do direito à marca a possibilidade da sua transmissão

encerra um meio de beneficiar economicamente da capacidade sugestiva do signo.

8.5. Contrato de licença de exploração de marca390

8.5.1 Perspectiva económica

Parece indubitável que, originalmente, o contrato de licença de exploração de marca apresentava a

valia de permitir ao empresário alargar o âmbito de territorialidade da sua actuação, desbravando

novos mercados geográficos, quer ao nível da fabricação, quer ao nível da distribuição.

387 Para quem sustenta que o quadro legislativo faz depender a licitude da transmissão, da insusceptibilidade de induzir em erro o consumidor, a transmissibilidade desta face ao direito interno será incondicional, porquanto, a inexistência de utilização pelo proprietário primogénito afasta a possibilidade de resultar algum engano da actuação do adquirente. 388 A expressão deve ser imputada a ROUBIER, Le droit de la propriété industrielle, Paris, 1952, p. 47. 389 No mesmo sentido RIVERO GONZÁLEZ, Los problemas que presentan en el mercado las nuevas marcas cromáticas y olfativas, RDM, Núm. 238, Ano 2000, Madrid, p. 1660 e RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, pp. 47/48 que refere múltipla doutrina alemã concordante. 390 Historicamente reconhece-se ao direito anglo-saxónico o desenvolvimento deste contrato, tendo posteriormente derivado para a Europa continental. Usa dizer-se que a protecção legal deste contrato aconteceu no tempo após a II Guerra Mundial.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 133

Mas, pergunta-se; que motivação assiste ao legítimo titular de uma marca para ceder a sua

exploração, para permitir que um terceiro usufrua das potencialidades da sua marca? Será, tão-

somente, a retribuição que lhe é devida, no caso desta ser onerosa? Cremos que não! Podemos

enumerar, de forma sumária e não exaustiva, algumas outras justificações para que o proprietário

da marca ceda a terceiros, o direito de usar a sua marca, no exercício do seu comércio.

Bem mais pertinente será a faculdade conferida por este instituto de estender a utilização da marca

a novos mercados391 que, doutro modo, por insuficiência de capital, não seriam abrangidos pela

actuação do licenciador, sendo este o mecanismo menos arriscado de expandir uma determinada

marca, quer nacional, quer internacionalmente. No que respeita à expansão internacional da marca,

reconhece-se neste contrato a susceptibilidade de contornar algumas proibições legais relativas à

importação de mercadorias, ou permitir a “fuga” a algumas taxas e impostos.

O contrato em análise apresenta ainda a potencialidade de permitir a produção em países onde a

mão-de-obra, a matéria-prima, as taxas e os impostos, são menos dispendiosos, o que permite aos

empresários um menor custo de produção; concordemos ou não com esta prática mercantil, é

insofismável a sua premência no actual estádio da economia.

O contrato de licença de marca pode ainda desempenhar a valia de transmitir o know-how ligado

aos produtos ou serviços do titular da marca para outros empresários, cedência esta, em regra,

onerosa.

Ainda no que concerne às vantagens, urge reconhecer que a celebração destes contratos constitui

“um mecanismo idóneo para ampliar o sector dos produtos (ou serviços) nos quais se aplica a

marca”.392 Assim, às motivações aduzidas, que podemos reputar de clássicas, acresce um novo

fundamento de crucial importância para a problemática em estudo: referimo-nos à valência do

contrato de licença de marca ser um meio idóneo para ampliar a circunscrição dos produtos ou

serviços a que a marca se aplica, especialmente nos casos da marca célebre. Quando no caso destas

se cede, por licença a sua utilização, permite-se ao seu titular explorar economicamente o prestígio

e potencial sugestivo ou atractivo da marca e, ao licenciado, experimentar a marca numa área

merceológica distinta da qual se “move” o titular do direito. Sobre esta querela, deixamos a nossa

opinião para o momento em que nos determos sobre o merchandising.

No que concerne ao licenciado, este contrato permite-lhe usufruir de todas as contrapartidas

expostas, do correlativo das vantagens atribuídas ao licenciador: beneficia dos “ensinamentos”

concedidos pelo licenciador, usufrui de uma marca prestigiada como se de uma marca própria se

391 FERNÁNDEZ NÓVOA, Fundamentos de Derecho de Marcas, Madrid, 1984, pp. 336 e ss., e RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, p. 113. 392 FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 431. [Tradução nossa] Reflexões similares sobre o tema são esboçadas por CARTELLA, Marchi celebri e comportamenti di mercado, RDI, a. 1983, pp. 308 e ss., GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, pp. 188 e ss. e RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, pp. 114 e ss.

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134 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

tratasse, mantendo imaculada uma autonomia jurídica – colocamos o ênfase na autonomia jurídica,

porquanto, muitas das vezes, não se faz acompanhar de uma autonomia económica ou financeira –

em relação à contraparte do contrato de licença.

8.5.2. Definição e regime legal

A problemática do contrato de licença de exploração de marca enquadra-se na licitude de

transmissão da marca, expressamente admitida face à legislação vigente, nomeadamente a

possibilidade de ceder o seu uso e fruição. Não obstante as similitudes, o contrato de transmissão

de direito de propriedade industrial distingue-se claramente do contrato de licença, porquanto, no

primeiro, mesmo quando tenha um carácter apenas temporário, implica, necessariamente, que o

transmitente se demita da própria titularidade do direito e, por conseguinte, da possibilidade de

explorar o respectivo objecto; de forma divergente, no contrato de licença, o licenciador conserva a

titularidade do direito de propriedade industrial e pode manter a faculdade de o explorar, e, nas

mais das vezes, de conceder novas licenças.393

Podemos definir o contrato de licença, como o faz PAUL ROUBIER, como aquele em que o titular

de um monopólio de exploração concede a uma pessoa, no todo ou em parte, o gozo do seu direito

de exploração.”394

Actualmente este é um contrato tipificado, tendo um nomem juris,395 sendo o seu regime jurídico

parcialmente estabelecido no CPI. Da análise sumária ao regime legal realça a existência de três

modelos de licenças: exclusiva, não exclusiva e simples. Por licença exclusiva entende-se a

atribuição, em forma de monopólio, ao licenciado da faculdade para a utilização da marca, com os

conteúdos e limites plasmados no contrato, consubstanciando a renúncia do titular da marca em

conceder novas licenças, dentro do período de vigência desta; a licença não exclusiva caracteriza-se

pelo facto de o licenciante reservar para si o direito de conceder novas licenças, dentro do mesmo

393 Próxima é a posição sustentada por CASADO CERVIÑO, La Licencia de la Marca Comunitaria, ADI, 1994-95, p. 189. Esta distinção apresenta consequências práticas pertinentes; assim, em caso de falência do transmissário falir, o direito de propriedade industrial faz parte da massa falida; no caso de falência do licenciado, este direito não integra a massa falida. 394 Le droit de la propriété industrielle, Paris, 1952, Tomo II, pp. 260/261. Por seu turno CARLOS OLAVO define-o como aquele “através do qual o titular de uma marca atribui a terceiro o direito de apor a marca nos seus próprios produtos e de a utilizar na sua actividade económica” (Contratos de licença de exploração de marca, AAVV, Direito Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, Vol. I, p. 354). Importará consolidar a definição, sublinhando a exigência de que a utilização económica da marca seja enquanto marca, e não uma qualquer utilização da marca, como seria exemplo a utilização na publicidade ou em cenários artísticos, académicos ou culturais. 395 A licitude do contrato de licença de exploração da marca era uma questão controvertida face ao CPI de 1940, não escasseado avisadas vozes a pugnar pela sua inadmissibilidade; pela sua importância refira-se a posição de PINTO COELHO que considerava que em atenção à marca ser um sinal identificar de produtos que “não se concebe que, mesmo com o consentimento do seu titular, a marca possa ser usada também por outro industrial ou comerciante, para designar produtos congéneres da sua industria ou do seu comércio” (RLJ, Ano 1994, p. 289). Sobre a natureza jurídica do contrato de licença de marca vide COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, cit. p. 197 e ss., OSÓRIO DE CASTRO, Os efeitos da nulidade da patente sobre o contrato de licença da invenção patenteada, 1994, pp. 16 e ss. e RONCERO SANCHEZ, El contrato de licencia de marca, Civitas, pp. 117 e ss.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 135

âmbito territorial e ainda a possibilidade de usar de per si a marca; por fim, qualifica-se como

simples aquela em que o licenciador mantém o poder de utilizar a marca, mas fica impedido de

conceder novas licenças.

Não obstante ser um contrato tipificado, o legislador foi extremamente permissivo – quase pueril –

na estatuição do regime legal deste contrato, pelo que a estipulação do seu conteúdo reside, em

larga medida, na autonomia privada.396

O objecto deste contrato coincide com os direitos concedidos ao titular da marca com vista a

distinguir e identificar os seus produtos, bem como a exploração económica deste sinal distintivo.

Em concreto, pelo contrato, o licenciador permite ao licenciado a aposição da marca nos seus

produtos, consente na exploração das potencialidades oferecidas pela marca, objecto deste contrato,

na sua actividade empresarial. Sublinhe-se que se autoriza aqui uma conduta que, sem este

contrato, seria um acto de usurpação de marca, previsto e punido, cível e criminalmente. Não se

depreenda, pelo que fica escrito, que estamos perante uma mera autorização para a utilização da

marca por outrem;397 efectivamente, a regra, consiste em o contrato de licença ser sinalagmático: ao

licenciante exige-se não apenas a permissão para a utilização da marca pelo licenciado,398 sendo-lhe

exigido não apenas permitir a fruição como ainda a manutenção da marca, impedindo a extinção do

direito; nos casos em que o contrato for oneroso (a esmagadora maioria, sublinhe-se) incumbe-lhe

ainda a obrigação de manter imaculadas as especificidades da marca, nomeadamente as suas

qualidades e características. Especial relevo merece a potencialidade de um terceiro, por qualquer

meio, impedir a livre fruição e pleno aproveitamento do direito do licenciado, exigindo-se ao

licenciante que impeça a produção do resultado, sob pena de o cumprimento do contrato se tornar

impossível, com todas as cominações legais.

Incumbe ainda ao licenciador demandar judicialmente qualquer terceiro que viole os direitos sobre

a marca registada, quando esta actuação seja passível de lesar os legítimos direitos ou expectativas

do licenciado.

Por seu turno, o licenciado fica obrigado ao escrupuloso cumprimento do contrato, conforme

estatui o art. 213º do CPI (art. 264.º do CPI 2003). Sublinhe-se que para o licenciante este contrato

396 Numa indagação pelo Código da Propriedade Industrial conclui-se que o contrato de licença de marca apenas é referenciado em dois momentos mais significativos. Na parte geral do Código estatui-se a possibilidade de celebrar o contrato, ainda que na pendência do pedido, impondo um requisito formal e regulando a possibilidade de ceder os direitos obtidos mediante o contrato de licença. (art. 29 CPI/32 do CPI de 2003). Num momento posterior, regula-se a possibilidade de o titular da marca poder invocar os seus direitos contra o licenciado que infrinja as cláusulas contratuais (art. 213 do CPI/264 do CPI de 2003); implicitamente o legislador consagra a pertinente regra de que o uso da marca realizado pelo licenciado é susceptível de conduzir à caducidade do direito à marca, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 215 do CPI (269 do CPI de 2003). 397 Com efeito, e numa perspectiva etimológica, o vocábulo licença significa autorização para fazer ou deixar de fazer qualquer coisa; sem escamotear que o conteúdo negativo para o licenciante é a permissão de um terceiro usar a sua marca, este contrato não se esgota nesta vinculação. 398 Uma corrente mais tradicionalista da doutrina sustenta que o conteúdo essencial deste contrato, do prisma do titular da marca, é uma obrigação negativa, ou seja, tolerar o uso da marca pelo licenciado, abstendo-se de exercitar o seu direito de uso exclusivo. (cfm. FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 444).

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136 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

consiste num meio para o aproveitamento económico da marca enquanto sinal, sendo a marca

utilizada como elemento de atracção de clientela, sendo o seu magnetismo o móbil da sua cobiça

pelo licenciado.

Refira-se ainda que, decorrente deste contrato e como correlativo do direito de gozo à marca de

outrem, incumbe ao licenciado a assunção de um conjunto de obrigações, das quais se destacam, a

necessidade de ressarcir o licenciador, através do pagamento da remuneração acordada (no caso do

contrato ser oneroso, o que indubitavelmente é a regra; sem dúvida que o caso típico em que este

contrato é gratuito, será resultante da circunstância de se realizar entre entidades inseridas numa

unidade jurídica ou económica). Além desta, saliente-se a obrigação de explorar a marca, que no

caso de licença exclusiva deverá ser incontestada. Mais uma vez, a inexistência de preceito legal

gera perplexidades na doutrina; perfilhamos a posição de que subjacente ao contrato de licença de

exploração da marca existe a motivação do licenciante na divulgação e expansão da sua marca; a

não exploração da marca, não apenas pode fazer perigar a vigência do registo, pela possibilidade de

caducidade da marca por não uso como colide com a finalidade económica do contrato. A

celebração deste contrato sem a posterior exploração económica da marca configura uma situação

de culpa in contrahendo, pelo que deverá ser punida com as legais consequências. Importa

sublinhar que a finalidade do contrato funda-se na concreta exploração económica da marca: “se o

licenciado não explora a marca, sem motivo justificado para tanto, está a exceder manifestamente

os limites impostos pelo fim económico desse direito, pelo que tal actuação é ilegítima”.399

Por tudo, subjacente a este contrato tem de existir uma relação de confiança entre as partes,

porquanto a conduta de cada uma delas de per si, é absolutamente determinante para o profícuo

exercício do direito pelo outro. A título exemplificativo, analise-se a possibilidade de caducidade

do registo por uso enganosos da marca, que nos parece paradigmático do que antes se afirmou:

neste caso, o uso enganoso não é unicamente imputável ao titular da marca, mas também ao que a

utiliza ao abrigo de um contrato de licença.400 Existe uma paradoxal paridade entre a situação

jurídica de ambos os contraentes, pelo que as acções ou omissões de cada um, serão passíveis de se

reflectirem no direito do outro. Do exposto, evoca-se o facto de este ser um contrato intuitu

personæ, querendo significar que a eleição do licenciado faz-se mediante aspectos relacionados

com a sua individualidade, características sine qua non para a consolidação do contrato.401

399 CARLOS OLAVO, Contratos de licença de exploração de marca, AAVV, Direito Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, Vol. I, p. 369. 400 Um outro exemplo será o relativo ao esgotamento da marca; como antes se afirmou, a colocação no comércio pode ser efectuada pelo titular da marca ou por um qualquer terceiro com o seu consentimento. 401 Em sentido análogo pronuncia-se CARLOS OLAVO que entende revelar-se “tanto mais justificado quanto a utilização da marca feita pelo licenciado é juridicamente atribuível ao licenciante” (Contratos de licença de exploração de marca, AAVV, Direito Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, Vol. I, p. 364). Mas obviamente que a teórica paridade de interesses entre licenciante e licenciado demasiadas vezes descamba em acesas querelas entre aqueles, decorrentes da execução continuada do contrato, sempre susceptível de gerar litígio; com efeito este é um contrato, quase sempre, oneroso, com múltiplas vinculações que se num primeiro momento se apresenta como mutuamente vantajoso, poderá na prática revelar pouca compatibilidade entre as recíprocas prestações. (no mesmo

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 137

Vexata quaestio no que concerne ao objecto do contrato consiste na necessidade, ou não, de prever

expressamente a existência de uma actividade de controlo da actividade do licenciado, por parte do

licenciador. Já antes frisámos que, entre outras motivações, o facto de a legislação que regula este

contrato ser omissa no que concerne à obrigatoriedade de controlo efectivo nos faz concluir pela

não obrigatoriedade deste controlo que, por isso mesmo, não pode elevar-se a condição vinculativa

do contrato de licença. Recorda-se que, não obstante a posição que defendemos, sustentamos a

conveniência desta cláusula – e do seu cumprimento – porquanto os legítimos interesses do

licenciador, quase sempre, nesse sentido indiciam.

Mas analise-se com mais detalhe o objecto do contrato; poderá pelo contrato de licença o

licenciador permitir a fruição económica da marca fora da área merceológica para a qual a marca se

encontra registada? A resposta só pode ser negativa. Explique-se. É axiomático a ilegitimidade para

dispor do que não se pertence; o conteúdo do direito a transmitir por este contrato, forçosamente,

têm como conteúdo e limite, os direitos que, o registo da marca, atribuem ao titular! E, sublinhe-se,

mais uma vez, que o direito de uso exclusivo não é ilimitado, mas devem conter-se nos limites do

princípio da especialidade.402 O que fica escrito é tão somente a enfatização do princípio básico que

impede a transmissão de mais poderes do que os detidos pelo transmitente.

Pelo exposto, pelo contrato de licença de marca permite-se a exploração da marca, para um

determinado ramo da actividade empresarial, aquele para a qual o titular efectuou o seu registo.

Mas será esta proibição intransponível? Por outras palavras, poderá o titular de uma marca

proceder a um novo registo como a desiderato único de ceder a sua utilização? Já defendemos neste

estudo que nada obsta a esta possibilidade, baseando-se a nossa posição no regime jurídico da

legitimidade para o registo da marca e na possibilidade de livre transmissão da marca não usada,

nada justificando um tratamento diferenciado para o contrato de licença de exploração de marca.

sentido FERNÁNDEZ-NÓVOA, Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 39, que baseia a sua posição na doutrina e jurisprudência americanas). 402 A defesa de posição contrária é dogmaticamente insustentável, porque subjacente a esta defesa estaria a perversão do instituto; assim, permitir que o licenciador a fruição da sua marca para actividade diferente daquela para o qual o registo da marca haveria sido feito, na prática, traduzir-se-ia em atribuir a este o direito de conceder o registo, prerrogativa exclusiva do INPI. Com efeito, o facto de alguém ser legítimo titular de uma marca para uma dada actividade económica, não significa que essa mesma marca possa ser utilizada numa diferente; a possibilidade ou não tem, forçosamente, de ser sujeita a uma apreciação, casuística, pela entidade administrativa competente.

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138 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

8.6. Contrato de franquia403 (franchising404)

8.6.1. Perspectiva económica do contrato de franquia

Não obstante o tema surja a latere deste trabalho, pensamos ser pertinente e profícuo analisar

superficialmente o contrato de franquia numa perspectiva económica, procurando aquilatar os

benefícios alcançados pelas partes integrantes no contrato.

No que concerne ao móbil do franquiador405 para a adesão ao contrato, enaltece-se o facto de, ab

initio, poder beneficiar financeiramente pela notoriedade da sua marca (ou outro sinal distintivo do

comércio), recebendo por parte do franquiado um prestação inicial, a contrapartida deste, para a sua

inserção no sistema criado e gerido por aquele. A esta prestação inicial (initial fee ou front-money),

acrescem prestações periódicas (royalties ou continuing fee), cujo montante fica em regra,

dependente do volume de negócios do franquiado, embora seja frequente a existência de cláusulas

de rentabilidade mínima (minimum royalty paymentes).

Este contrato encerra também a susceptibilidade de dinamizar e difundir a marca, sem carecer de

um investimento por parte do seu titular, através da actuação dos franquiados; com efeito, ao

celebrar diversos contratos de franquia, a marca torna-se conhecida de um cada vez maior número

de consumidores,406 o que se vai traduzir num enorme valor acrescentado para o seu titular,

facilitando a celebração de contratos futuros, o chamado efeito acelerador da franquia.

Merece ser sublinhado o facto de incumbir ao franquiado a realização do investimento subjacente

ao início da actividade, nomeadamente as instalações do estabelecimento, a decoração,407 as

existências, e os demais elementos necessários. Ainda no que concerne ao investimento, assiste-se 403 “A ideia de franquia anda em torno da de privilégio ou liberdade: há franquia quando a alguém seja concedida uma permissão de agir em área que, de outra forma, estaria vedada. (ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do contrato de franquia (franchising), ROA, Ano 48, Abril 1988, Lisboa, p. 66). 404 Não sem reservas, vamos usar neste trabalho a expressão franquia, que entrou no léxico nacional pela mão de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do contrato de franquia (franchising), ROA, Ano 48, Abril 1988, Lisboa; no entanto, desde já se sublinha, entender-mos ser preferível a utilização do termo franchising, expressão internacionalmente aceite na linguagem contratual. A Tradução da expressão para franquia, apenas realizada em Portugal e Espanha, tem a agravante de poder gerar confusão, subentendendo-se erroneamente tratar-se de diferente instituto. No mesmo sentido MANUEL PEREIRA BARROCAS, O contrato de Franchising, ROA, Ano 49, Abril 1989, p. 134. Em sentido aparentemente contrário encontramos implicitamente a esmagadora maioria da doutrina nacional e explicitamente MARIA de FÁTIMA RIBEIRO, O contrato de franquia, Franchising, noção, natureza jurídica e aspectos fundamentais de regime, Livraria Almedina, 2001, pp. 10-11. 405 A nomenclatura aplicada às partes deste contrato não encontra consenso na doutrina; assim, a par de franquiador/ franquiado, encontramos licenciador/licenciado (que entendemos refutar porquanto induz a confusão com o contrato de licença) fanchisor/franchisee e ainda franqueador/franqueado (neste ultimo sentido ANA PAULA RIBEIRO, O contrato de franquia (franchising), Tempus Editores). 406 Como salienta GLICKMAN, a franquia permitiu a um grande número de empresas conseguir o seu reconhecimento nacional e internacional das suas marcas e nomes num curto espaço de tempo e com pequena disposição do seu próprio capital. (apud. MARIA de FÁTIMA RIBEIRO, O contrato de franquia, Franchising, noção, natureza jurídica e aspectos fundamentais de regime, Livraria Almedina, 2001, p. 19). 407 Decoração que deverá fazer-se de acordo com o manual de decoração tipo, “que contém as normas relativas à decoração ou ao arranjo das instalações, nomeadamente sobre as decorações dos interiores e de vitrinas, as cores utilizáveis no estabelecimento, o modelo e as cores do vestuário do pessoal, mesmo por vezes a indicação da própria intensidade da luz a utilizar naquele” (MANUEL PEREIRA BARROCAS, O contrato de Franchising, ROA, Ano 49, Abril 1989, p. 149). Refira-se que este é um investimento perdido, uma vez que findo o contrato, fica impedido de utilizar esta estrutura no futuro.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 139

a uma deslocação do risco do franquiador para o franquiado, sendo este a assumir o risco da

actividade mercantil, a contratação de funcionários, o stock, etc. O franquiador fica, em regra,

imune à álea comercial, uma vez que vai ser ressarcido pela prestação inicial, bem como com a

cláusula de rentabilidade mínima. No pior dos cenários, existindo uma ruptura da actividade por

falta de sustentabilidade económica, o franquiador, apenas vai padecer de danos colaterais na sua

imagem, mas não suportará qualquer prejuízo económico directo e efectivo.

Daqui resulta para o franquiador uma maior disponibilidade para a aplicação dos seus recursos

financeiros, nomeadamente a susceptibilidade de canalizá-los para outras necessidades, como será

exemplo paradigmático a publicidade.408

No caso específico da franquia de distribuição assiste-se ao implementar, pelo devir deste contrato,

de uma rede de distribuição controlada e exclusiva, com pessoal qualificado e muitíssimo

motivado; acresce que o controle exercido pelo franquiador é determinante para manter a

homogeneização dos produtos, sendo este contrato um meio privilegiado para manter um certo

domínio sobre as vendas e um perfeito conhecimento de todo o trajecto dos produtos até ao

consumidor final.

Como qualquer contrato sinalagmático, também o de franquia apresenta um conjunto de vantagens

para o franquiado, de modo a torná-lo apelativo para estes e persuadi-los a aderir ao sistema,

suportando os encargos supra mencionados.

Um primeiro aspecto que merece referência baseia-se no facto deste manter a sua independência

jurídica, de se tornar empresário e não empregado. Mais. A integração de um empresário numa

rede de franquia proporciona a possibilidade de um pequeno empresário concorrer directamente e

em paridade de condições com as grandes empresas.409 Enfatiza-se este ponto, porquanto, como se

supra referiu, uma das mais frontais e incisivas críticas à tutela das marcas célebres é o facto de

poderem potenciar e agudizar as diferenças entre os pequenos e grandes empresários; no caso em

apreço, assistimos ao inverso do receado: a notoriedade da marca franquiada – porque o contrato de

franquia apenas será atractivo quando a marca o é – vai permitir aos pequenos empresários

aniquilarem a vantagem comercial dos grandes grupos económicos, porquanto também se

apresentam no mercado “escudados” por uma marca amplamente conhecida.

Verifica-se também uma vantagem competitiva que merece ser evidenciada, resultante do facto de

o franquiado ir comercializar uma marca conhecida pelos seus destinatários, permitindo-lhe poupar

408 Mais uma vez se patenteia aqui o efeito acelerador da franquia, uma vez que da possibilidade de uma maior investimento na publicidade, resultará um sobre valor para a marca, que mediatamente permitirá um incremento das franquias, bem como uma maior rentabilidade das futuras concessões de franquia. 409 Este valência merece um sublinhado especial, que não tem sido escamoteado pela doutrina; acresce que este contrato permite ainda a criação de emprego autónomo. (no mesmo sentido para ambas as premissas vide MARIA de FÁTIMA RIBEIRO, O contrato de franquia, Franchising, noção, natureza jurídica e aspectos fundamentais de regime, Livraria Almedina, 2001, p. 21, MIGUEL PESTANA VASCONCELOS, O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000, p. 127 e PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contratos em Especial, 2ª Edição, U.C.P., Lisboa, 1996, p. 315).

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140 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

investimento e esforço na divulgação da marca, bem como obter um retorno mais imediato; estas

vantagens verificam-se sobretudo no confronto directo com outros pequenos comerciantes, alheios

a um qualquer sistema integrado de produção, de distribuição de bens ou prestação de serviços,

uma vez que permite ao franquiado aceder a meios de comunicação de massa.

O franquiado vai ainda auferir dos conhecimentos, experiência e assistência técnica oferecida pelo

franquiador, ultrapassando o amadorismo inicial do comerciante tradicional,410 demasiadas vezes a

causa primeira do insucesso comercial. Frisa-se aqui o anteriormente exposto sobre a transmissão

de know how, condição sine qua non para o sucesso do contrato de franquia.

Mas esta potencialidade de auferir as vantagens de utilizar uma marca já conhecida do mercado,

não se verifica apenas no início da exploração comercial; com efeito, durante a execução do

contrato o franquiado vai beneficiar da publicidade realizada pelo franquiador, aumentando a

capacidade atractiva deste contrato. Decorrente desta premissa é usualmente reconhecido que a

actuação integrada numa rede de franquia, diminui claramente o risco comercial.

Não sendo parte no contrato de franquia, o consumidor beneficia reflexamente dos méritos da

proliferação deste tipo contratual. Num primeiro plano é inegável que a propagação da franquia fez,

de forma mais ou menos proporcional, aumentar a quantidade e qualidade dos bens produzidos e

serviços prestados, pelo incremento da concorrência.

O desenvolvimento deste contrato permitiu ainda uma democratização da oferta, pela tendência

patente de estender a actividade desenvolvidas pelos grandes franquiadores para fora dos grandes

centros urbanos e de consumo.

410 Entre muitíssimos exemplos possíveis, analisamos um oferecido por MARIA de FÁTIMA RIBEIRO: ”Um dos grandes atractivos da franquia [...] é que o franquiado não tem que efectuar a escolha dos produtos que vai vender, nem compor a sua variedade [...] a um comerciante não franquiado pode ter consequências desastrosas, se a escolha não se mostrar adequada ao mercado a que os bens se dirigem” (O contrato de franquia, Franchising, noção, natureza jurídica e aspectos fundamentais de regime, Livraria Almedina, p. 23).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 141

8.6.2. Modalidades do contrato de franquia411

411 Para a apreensão do contrato de franquia importa a sua diferenciação de contratos afins. Distingue-se do contrato de agência (actualmente tipificado no D/L 178/86 de 13/4 com as alterações do D/L 118/93 de 13/4) definido no art. 1.º como o “contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta de outra a celebração de contratos de modo autónomo e estável, mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída uma zona ou um determinado círculo de clientes”. Pela análise do artigo, depreende-se que estamos perante um contrato, em que, uma das partes se obriga a promover a celebração de contratos, actuando por conta de outra – o proponente ou principal – com autonomia, tendo as partes uma relação contratual estável. Acresce que este contrato é oneroso e, não obstante, ser consensual, qualquer das partes tem o direito de exigir que seja escrito. O contrato de agência deve caracterizar-se por ser um contrato de promoção de negócios, não actuando o agente em seu nome e por sua conta; “a função económica do agente é, frequentemente, a de representar os interesses de vários industriais ou comerciantes, numa determinada zona, permitindo-lhes a penetração nesses mercados de forma menos onerosa do que a que resultaria da distribuição directa. (Assim, MARIA de FÁTIMA RIBEIRO, O contrato de franquia, Franchising, noção, natureza jurídica e aspectos fundamentais de regime, Livraria Almedina, 2001, p. 58). Uma outra diferença crucial resulta da remuneração auferida; se o agente é retribuído tendo por base os contratos angariados, o franquiado vai auferir o lucro proporcionado pela sua própria actividade comercial. (para mais desenvolvimentos sobre o tema, no direito português, vide ANTONIO PINTO MONTEIRO, Contrato de agencia: anotação ao Decreto-Lei n.178/86, de 3 de Julho, Livraria Almedina Coimbra, 2000 e Contratos de agencia, de concessão e de franquia (franchising), Sep. Do BFDC, n.º especial, Estudo em homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia Coimbra, 1989, CARLOS LACERDA BARATA, Sobre o contrato de agência, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, MARIA HELENA BRITO, O contrato de agência, Novas perspectivas do Direito Comercial, Livraria Almedina, Lisboa, 1988, pp.105-135 e SEBASTIÃO NÓBREGA PIZARRO/MARGARIDA MENDES CALIXTO, Contratos Financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 1995). O contrato de franquia também se distingue do contrato de concessão comercial, que é um contrato atípico e inominado que vem sendo definido como aquele em que uma pessoa – o concedente – reserva a outra – o concessionário – a venda de um seu produto, para revenda, numa determinada circunscrição. Existe entre este contrato e o de franquia vários pontos de convergência; a aproxima-los, desde logo, existe o facto de em ambos uma parte (franquiado e concessionário) venderem os produtos em seu nome e por sua conta (o que os distingue inequivocamente do contrato de agência). Não sendo condição sine qua non, é usual que em ambos os contratos estar prevista uma cláusula de obrigação de abastecimento exclusivo. Ainda os aproxima o facto de em ambos, a contraparte, os sujeitar a um rigoroso controlo, impondo-lhes determinadas condições de venda (ainda que este controlo seja maior na franquia), exercendo um poder de direcção, nomeadamente na organização da sua empresa, transmitindo o seu know how, conhecimentos tecnológicos, meios publicitários, estabelecendo regras para a gestão, para a sua imagem, etc. (Neste sentido ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Contrato de agência, concessão e de franquia (franchising), cit. pp. 319-320, MARIA HELENA BRITO, O contrato de concessão comercial, cit. pp. 173 e ss., MIGUEL PESTANA VASCONCELOS, O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000, p. 41). Estas e outras semelhanças motivaram alguma doutrina a considerar a franquia uma variante da concessão comercial, numa fórmula mais recente e agressiva (Neste sentido PHILIPPE MALAURIE/ LAURENT AYNES, citado por MARIA de FÁTIMA RIBEIRO, O contrato de franquia, Franchising, noção, natureza jurídica e aspectos fundamentais de regime, Livraria Almedina, 2001, p. 57. Num sentido aproximado MIGUEL PESTANA VASCONCELOS sublinha que “na prática distinção entre estes dois contratos [... por] visarem realizar funções económico-sociais semelhantes, nem sempre é clara, caindo-se por vezes numa nebulosa zona de fronteira” (O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000, p. 42). Esta não é a nossa opinião! Assim, analisado sucintamente aquilo que une estes contratos, urge constatar o que os separa. Um ponto crucial distintivo resulta do concedente prosseguir “um projecto comercial no mercado relativamente autónomo em relação ao produtor, tendendo a realçar a sua insígnia, muitas vezes em detrimento dos bens com a marca do concessionário” (MIGUEL PESTANA VASCONCELOS, O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000. p. 12.), em contraponto ao contrato de franquia, no qual se gera aos olhos dos consumidores a opinião de que contrata com o próprio produtor, em virtude de o franquiado actuar no mercado com a imagem empresarial daquele. No que concerne ao objecto do contrato, saliente-se que a franquia é mais vasta, englobando a produção e prestação de serviços, estranhas ao contrato de concessão. (para mais desenvolvimentos sobre este contrato, no direito interno vide ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do contrato de concessão comercial, ROA, Ano 60 (Abr.2000), pp. 597-613 ANTONIO PINTO MONTEIRO, Contratos de agencia, de concessão e de franquia (franchising), Sep. do BFDC, n.º especial - Estudo em homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, Coimbra, 1989, JOSÉ ALBERTO COELHO VIEIRA, O contrato de concessão comercial, AAFDL, Lisboa, 1991 e MARIA HELENA BRITO, O contrato de concessão comercial, Livraria Almedina, Coimbra, 1990). No que concerne ao contrato de mandato, definido pelo art. 1157º do C.C. como aquele em que “uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem”, a simples análise à definição legal é suficiente para enumerar duas distinções crassas. Por um lado o franquiado actua por sua conta, e não por conta de outro; no que concerne ao âmbito do objecto há a salientar que este é mais vasto na franquia que no mandato, uma vez que neste contrato está limitado à prática de actos jurídicos.

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142 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Não é unívoca a doutrina na assunção de uma classificação de franquia; aquela que apresentamos

corresponde à mais usual entre a doutrina nacional, sendo que a esta eleição não deve ser alheio o

facto de o Tribunal Judicial das Comunidades Europeias, aquando do caso Pronuptia, ter adaptado

esta classificação tripartida.412

1. franquia de distribuição – por este contrato o franquiado vende determinados produtos do

franquiador, utilizando, não apenas a sua marca, mas todo um amplo conjunto de elementos por

este fornecidos, concomitantemente com a celebração do contrato e durante a sua execução;

2. franquia de serviços – este é o contrato pelo qual o franquiado presta um serviço sob a

insígnia ou denominação do franquiador, ou até marca, sob as directrizes deste e utilizando o know-

how desenvolvido pela contraparte.

3. franquia industrial ou produção – esta caracteriza-se por ser o contrato através do qual o

franquiado fabrica produtos que vende sob a marca do produtor, agindo de acordo com as

indicações e, muitas vezes, o controlo deste último. Sublinhe-se que este tipo de franquia permite

aproximar a produção do consumo, sem recorrer a avultados investimentos.

Merece uma palavra o contrato trabalho; a necessidade de traçar esta distinção, à primeira vista despicienda, resulta da atracção sentida por empresários menos escrupulosos camuflarem o contrato de trabalho como franquia, para subverterem o regime jurídico daquele. “Na Alemanha o Tribunal Regional de Trabalho [...] chegou à conclusão [...] que os contratos de franquia podiam conter disposições que criavam um laço pessoal entre o franquiador e franqueado de tal modo estreito que este deveria ser considerado como trabalhador assalariado e não como empresário independente.” (ANA PAULA RIBEIRO, O contrato de franquia (franchising), Tempus Editores, p. 26). Também CARLOS OLAVO, O contrato de franchising..., cit. p. 169 e PESTANA VASCONCELOS referenciam este aspecto. (O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000, p. 45). O contrato de trabalho aparece definido no art. 1152º do C.C., como aquele em que “uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra sob a autoridade e direcção desta”. Da definição, resultam óbvias as diferenças; não existe qualquer retribuição do franquiador para o franquiado (verificando-se o inverso), as duas partes são independentes e o poder de controlo por parte do franquiador não se confunde com o poder de direcção da entidade patronal (Assim, MENEZES CORDEIRO, O contrato de franquia..., cit. p. 71). No que concerne ao contrato de mediação, aquele “pelo qual uma pessoa – o mediador – se obriga a pôr em contacto duas ou mais pessoas, para a conclusão de um negócio, sem estar ligado a qualquer delas por um vínculo de colaboração, de dependência ou de representação”. (MANUEL SALVADOR, apud. António Menezes Cordeiro, Do contrato de franquia ..., cit. p. 72), a distinção entre estes dois contratos prende-se com o diferente objecto; se na mediação se aproximam os interessados, na franquia o franquiador não está incumbido de promover qualquer aproximação entre o franquiador e terceiro, sendo que estes nunca estabelecem negócios jurídicos. Por fim a franquia também se distingue do contrato de transmissão de saber-fazer (know-how); Este contrato pode ser definido como “todas as situações de transmissão de conhecimentos e experiências atinentes ao processo produtivo, não registados sob a forma de patente ou não susceptíveis de o serem, tecnológicos ou relativos à organização produtiva ou à comercialização de um produto [...] capazes de serem transmitidos e utilizados de forma autónoma” (GABRIELA FIGUEIREDO DIAS, A assistência técnica nos contratos de know-how, BFD, Studia Iuridica, 10, Coimbra, 1995, p. 35. (Estes conhecimentos podem ter a forma de planos, desenhos, fórmulas, dados, cálculos, receitas, informações, etc.) É insofismável que a transmissão de know-how é parte integrante do contrato de franquia, sendo, inclusive, um aspecto determinante neste contrato; mas, do que fica escrito, não pode inferir-se que o esgote, sendo apenas um dos seus múltiplos elementos. Sustenta MENEZES CORDEIRO que “a chave fundamental para a distinção do contrato de franquia [...] resulta da natureza essencial do seu conteúdo”. Sublinha o autor que no contrato de franquia encontramos uma obrigação de pati, “o franquiador obriga-se a suportar que o franquiado utilize o seu nome, a sua marca ou as suas insígnias: este núcleo essencial pode ser complementado com outros aspectos, mas é ele que, à franquia, dá uma particular consistência” (Do contrato de franquia (franchising), ROA, Ano 48, Abril 1988, Lisboa, p. 73). 412 Esta decisão é analisada proficuamente por ANA PAULA RIBEIRO, O contrato de franquia (franchising), Tempus Editores, pp. 72 e ss., especialmente p. 131, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do contrato de franquia (franchising), ROA, Ano 48, Abril 1988, Lisboa, p. 79 e ss., CARLOS OLAVO, contrato de franchising, Novas Perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, p. 173 e por MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000, p. 127 e ss.).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 143

8.6.3. Perspectiva jurídica do contrato de franquia

Analisado o conteúdo económico do contrato de franquia, importa compreender as implementações

jurídicas deste contrato, em concreto, no que concerne ao Direito das Marcas.

Não obstante este contrato ter origem medieval,413 conheceu uma maior expansão após a década de

30, primeiro nos EUA, aquando da popularização dos automóveis,414 tendo na sua génese o papel

relevantíssimo desempenhado pela publicidade na promoção das marcas.415 Como se referiu, este

contrato apresenta a susceptibilidade de permitir ao produtor, sem recorrer a um investimento

directo, controlar a venda dos seus produtos até ao consumidor final, sem prejuízo para a sua

imagem, garantindo desta forma a homogeneização dos produtos (ou serviços), condições de venda

e concepção estética.

É unânime a melhor doutrina em sublinhar a complexidade na definição do contrato de franquia,

dificuldade derivada da elasticidade do tipo contratual,416 susceptível de abarcar fenómenos

heterogéneos. Portanto, com reservas, plagiamos MENEZES CORDEIRO afirmando ser o contrato

de franquia “aquele em que uma pessoa – o franquiador – concede a outra – o franquiado – a

utilização dentro de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais,

processos de fabrico e técnicas empresarias e comerciais, mediante contrapartidas”.417

Este contrato, não obstante estar omisso no cotejo legal, deve ser considerado como socialmente

típico, uma vez que faz parte da “prática dos negócios” estando arraigado na prática do comércio

jurídico,418 despertando crescente interesse na doutrina e jurisprudência. Menciona-se que é

413 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do contrato de franquia (franchising), ROA, Ano 48, Abril 1988, Lisboa, p. 68. Sobre as origens históricas deste instituto vide na doutrina portuguesa ANA PAULA RIBEIRO, O contrato de franquia (franchising), Tempus Editores, p. 18 e ss. e MARIA de FÁTIMA RIBEIRO, O contrato de franquia, Franchising, noção, natureza jurídica e aspectos fundamentais de regime, Livraria Almedina, 2001, pp. 11 e ss. 414 Bem como no mercado dos óleos e lubrificantes e nos refrigerantes. 415 Neste sentido, crucial para a economia deste trabalho, MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000, p. 11. 416 Os contornos desta figura contratual não são coincidentes numa análise ao direito comparado, não faltando autores que sustentam a coexistência de uma franquia europeia diferente da franquia americana. Assim, CARLOS OLAVO, contrato de franchising, Novas Perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, p. 162. 417 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do contrato de franquia (franchising), ROA, Ano 48, Abril 1988, Lisboa, p. 67. Não muito diferente é a definição oferecida por PINTO MONTEIRO, , para quem a franquia é “o contrato mediante o qual o produtor de bens e/ou serviços concede a outrem, mediante contrapartidas, a comercialização dos seus bens, através da utilização da marca e demais distintivos do comércio do primeiro e segundo plano, métodos e directrizes prescritas por este, que lhe fornece conhecimentos tecnológicos e regular assistência”. (Contrato de agência, concessão, franquia (franchising), cit. p. 323). Uma outra definição importante é a oferecida pela International Franchise Association, que define o contrato como “O franchising constitui uma relação contratual entre o franchisor (franquiador) e o franchisee (franquiado), pela qual o primeiro proporciona e obriga-se a manter, por forma continuada, um determinado interesse negocial na actividade comercial ou industrial do segundo, tal como a concessão de conhecimentos (know how) e formação; e o franchisee (franquiado) utiliza uma marca comercial e/ou os conhecimentos e os métodos pertencentes ou controlados pelo franchisor (franquiador), efectuando de sua conta um investimento de capital no negócio” (Apud. MANUEL PEREIRA BARROCAS, O contrato de Franchising, ROA, Ano 49, Abril 1989, p. 130). 418 Neste sentido, MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, O contrato de franquia (franchising), Livraria Almedina, Coimbra, 2000, pp. 17-18. A natureza atípica deste contrato foi recentemente colocada em causa por ANA PAULA RIBEIRO, O contrato de franquia (franchising), Tempus Editores, pp. 65 e ss., pela existência de um regulamento

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144 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

incontestada a admissibilidade legal deste contrato, assente em dois pilares fundamentais: na

licitude de conceder licenças de exploração de marcas e pelo primado da autonomia privada.419

Já ficou escrito que por este contrato o titular da marca, mediante retribuição, vai permitir a outros

a utilização da sua marca, na sua actividade comercial. Também se disse que, no que concerne ao

franquiado este poderá usufruir da notoriedade de uma marca. Da conjugação destes elementos

conclui-se que a base deste contrato é a negociação da marca, não enquanto simples sinal

distintivo, mas pela apetência que sugere aos consumidores. Para o empresário titular da marca o

contrato de franquia funciona como um meio para de beneficiar patrimonialmente da capacidade

publicitária da marca, de forma mais profícua que no simples contrato de licença, porquanto neste

contrato é muito mais relevante a interacção entre as partes.

Para a economia deste estudo importa realçar que estamos na presença de mais um mecanismo que

permite ao titular da marca beneficiar da sua capacidade atractiva, realizando negócios jurídicos

sobre a marca. O que se refere parece evidente na franquia de distribuição: o móbil do franquiado

ao aderir ao sistema baseia-se na possibilidade de usufruir da notoriedade de uma marca, poder

utiliza-la no seu comércio e beneficiar de toda a sua dimensão publicitária; é axiomático que,

fundamentalmente, o objecto do contrato de franquia é a marca, enquanto signo íman de clientela.

8.7. Contrato de Merchandising

Esclarece-se que não é intuito de quem escreve estas linhas realizar um estudo aprofundado sobre o

contrato de merchandising, uma vez que, a complexidade desta nova figura contratual não se

compadece que um trabalho da natureza do que nos propomos. As considerações subsequentes vão

cingir-se aos aspectos pertinentes com o objecto desta monografia, salientando os aspectos

atinentes ao Direito das Marcas, com incidência nos que nos ajudam a perceber a função

desempenhada pelas marcas.

8.7.1. Definição420 e Modalidades

comunitário sobre este. (Regulamento CEE 4087/88 de 30 de Novembro; sobre o Regulamento vide RINALDI, Il franchising, RDI, Ano XXXVII, 1988, Milano, pp. 93 e ss.). 419 Apesar de omisso no Direito Interno este contrato está sujeito ao regime em geral dos contratos, pelo que se lhe aplica o instituto da boa fé, tanto na celebração, como na execução do contrato. (Assim, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Do contrato de franquia (franchising), ROA, Ano 48, Abril 1988, Lisboa, pp. 81 e ss.) Refere-se este facto porque aquelas regras serão úteis para dirimir os constantes litígios que derivam do contrato de franquia, nomeadamente a não renovação, a recusa das retomas e o não pagamento de uma indemnização pela clientela angariada. (no mesmo sentido, ROMANO MARTINEZ, Contratos em Especial, 2ª Edição, Universidade Católica, Lisboa, 1996, p. 321). 420 Para a profícua apreensão do complexo instituto do merchandising importa diferencia-lo de alguns contratos afins, nomeadamente o contrato de licença de marca de tipo clássico, o contrato de franquia e o contrato de patrocínio publicitário (sponsoring). No que concerne ao contrato de patrocínio publicitário é complexa a sua destrinça com o contrato de merchandising, nomeadamente personality merchandising. Por patrocínio publicitário, entende-se “uma série de contratos que tem por

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 145

Socialmente a ideia de merchandising conexiona-se com o conjunto de práticas de comercialização

tendentes à valoração de um qualquer produto, sendo, não raras vezes, utilizado em sinonímia com

a expressão marketing;421 numa primeira aproximação a uma acepção jurídica este instituto pode

definir-se como a exploração mercantil do valor publicitário de um bem imaterial ou de um direito

de personalidade, que consiste na autorização do seu titular para a sua utilização por terceiro como

sinal distintivo de produtos ou de serviços, com objectivo promocional.422

O contrato de merchandising parece ser originário da década de 30, embora só nos anos 70 tenha

começado a adquirir a reputação e dimensão económica que hoje se lhe reconhece. Na sua

evolução pode assinalar-se um primeiro período em que versava sobre produtos de menor

expressão económica, normalmente adquiridos por impulso, para, progressivamente, se disseminar

função sócio económica a realização de uma especial forma ou modelo de comunicação promocional” (ALEXANDRE DIAS PEREIRA, Contratos de Patrocínio Publicitário (Sponsoring), ROA, Ano 58, 1998, p. 317). Este contrato caracteriza-se por associar à notoriedade de uma pessoa ou prestígio de evento, de um sinal identificador do patrocinador, funcionando desta forma como um instrumento do marketing empresarial. As dificuldades de diferenciação agudizam-se nos casos de cooperação empresarial, especificamente, quando um titular de uma marca célebre permite a sua utilização na publicidade de um terceiro. Pensamos que, sem escamotear as similitudes patenteadas por estes tipos contratuais, são passíveis de serem identificadas diferenças no que concerne ao objecto destes contratos, porquanto no merchandising existe a autorização para utilizar a celebridade de alguém ou de um sinal para a venda de produtos ou serviços, no patrocínio publicitário, usufrui-se da fama como veículo para a promoção publicitária. Um exemplo do que fica escrito é oferecido por CARLOS OLAVO, ao afirmar que, “financiar um evento desportivo em que intervenha um conhecido desportista, é sponsorship; utilizar a imagem desse conhecido desportista para promover bebidas, é merchandising”. (Contratos de licença de exploração de marca, AAVV, Direito Industrial, Livraria Almedina, Coimbra, Vol. I, p. 380). Para mais desenvolvimentos deste contrato vide JOSÉ IGNACIO VIDAL PORTABALES, El contrato de patrocinio publicitario en el derecho español, Madrid, Marcial Pons, 1998 e JUAN ANTONIO LANDABEREA UNZUETA, El contrato de esponsorizacion deportiva: estudio sobre el regimen jurídico del patrocinio publicitario, Navarra, Aranzadi, 1992. No que respeita ao contrato de franquia a pedra de toque distintiva reside na utilização que se faz da marca; como deixamos escrito em local próprio, a franquia de marca é o contrato através do qual alguém cede a outrem o direito de utilizar a sua marca, na mesma área merceológica e de acordo com um conjunto de regras, mediante uma contrapartida económica. A distinção entre estes contratos é intuitiva; desde logo, na franquia, cumulativamente com o sinal distintivo transmitem-se outros tipos de Direitos Intelectuais (desenhos e modelos industriais, patentes de invenção, direitos de autor, know how, etc.); depois, a marca vai ser aposta nos mesmos produtos ou serviços dos desenvolvidos pelo titular da marca; no merchandising assiste-se a uma licença de marca colateral. Em comum patenteiam o facto de permitirem a titular da marca desfrutar das suas potencialidades económicas, bem como, possibilitar a expansão da marca o que se poderá traduzir num propulsor da sua capacidade sugestiva. Por fim, o contrato de merchandising distingue-se do contrato de licença clássico porque a marca cedida vai ser utilizada para identificar os mesmos produtos ou serviços, sendo o escopo deste contrato permitir a expansão da marca no mercado. (vide a nossa posição supra). 421 A ideia exposta encontra justificação num estudo etimológico da palavra: a expressão merchandising, deriva do verbo inglês “to merchandise” que se pode traduzir por “fazer marketing”. 422 Esta definição aproxima-se da oferecida por COUTO GONÇALVES, Função Distintiva da Marca, Livraria Almedina, Livraria Coimbra, 1999, pp. 231/232. Não foi inocentemente que partimos de uma definição próxima da oferecida pelo A., uma vez que esta é a mais crítica voz nacional à função publicitária da marca. Uma outra proposta é apresentada por GIOVANNI MASSA que define-o como “il negozio con qualle il titolare di un diritto della personalità, ovvero su un`opera dell`insegno o infire su un marchio, concede al altri, contro corrispettivo, la facoltà di utilizzarlo come marchio, como mezzo publicitario, o, più genericamente, come strumento di promozione delle vendite” (Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 99/100). Importante ainda é a definição proposta por PAOLO AUTERI, que entende que este “consiste nello sfuttamento del valore suggestivo acquisito da nomi, figure o segni o insieme di segni distintivi grazie alla loro utilizzazione nell`ambito di una certa attività consentodone l`utilizzatà nella quale il nome, figura o segno è stato originariamente e viene principalmente utilizzato” (Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 510).

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146 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

por todo o espectro empresarial, não sendo, nos dias de hoje, legítima a sua conexão com

específicos sectores da actividade mercantil.423

A compreensão da propagação deste modelo publicitário apenas será passível de ser apreendida em

consonância com a disseminação dos grandes meios de comunicação social e o crescente recurso a

estes pelos agentes publicitários.

A ratio essendi da disseminação e incremento deste tipo contratual, suportado nos meios de

comunicação massificados, justifica-se igualmente pelas indiscutíveis vantagens que encerra. De

certo modo, na sequência do que deixamos escrito relativamente ao contrato de franquia, o contrato

em análise caracteriza-se por ser uma forma revolucionária de apresentar um novo produto ao

mercado, de forma mais barata, rápida e segura. Explicando. Sendo certo que este é um contrato

oneroso (não por definição, mas pela prática) é indesmentível que os custos a este associados serão

infimamente inferiores ao investimento que se exigiria para criar e publicitar uma marca nova, cuja

dinamização seria bem mais dispendiosa e de sucesso mais incerto; por outro lado, o percurso em

direcção ao consumidor vai ser bem mais rápido,424 uma vez que, não se constrói uma marca

partindo do nada, mas aproveita-se um signo que já é conhecido do público e que demonstra

apetência para seduzir os consumidores; finalmente, a adesão dos consumidores aos produtos ou

serviços é mais segura, porquanto se utiliza como “engodo” o prestígio de um sinal, construindo,

por este meio, uma ponte sugestiva entre este e o produto.

No que concerne ao objecto do contrato de merchandising, podemos identificar quatro diferentes

tipos, que, não obstante as suas diferenças e particularidades, assumem o denominador comum de

se mostrarem idóneos para apresentarem, distinguirem e promoverem diversos produtos (ou

serviços).425 Os diferentes tipos são:

Personality merchandising426 – este tipo específico caracteriza-se pela cedência de direitos de

personalidade, nomeadamente o direito ao nome e à imagem. Cede-se a possibilidade de

exploração da notoriedade de determinada pessoa, notoriedade essa, as mais das vezes, emergentes

da sua actividade no mundo do espectáculo.427 Com efeito, são recorrentes na actualidade os

423 Uma reflexão análoga é realizada por GATTI, Il Merchandising e la sua Disciplina Giuridica, RDC, Ano 1989, Padova, pp. 121/122. 424 Merece ser sublinhado um curioso fenómeno subjacente às marcas constituídas pelo recurso ao merchandising no que concerne ao seu processo genitivo; com efeito, no modelo tradicional o empresário cria a sua própria marca, partindo de uma ideia mais ou menos original incumbindo-lhe a tarefa árdua e dispendiosa de a tornar conhecida dos seus consumidores como meio de identificação dos seus produtos; contrariamente, no caso de a marca recorrer ao merchandising, estamos perante a socialização do signo num momento anterior à sua aposição nos produtos ou serviços que visa distinguir, conhecimento esse que tenda a ser canalizado para o produto. (no mesmo sentido pronuncia-se ALBERTO MARTINS MUÑOZ, El merchandising. Contrato de Reclamo Mercantil, Editorial Aranzadi, Madrid, p. 34 e GATTI, Il merchandising e la sua disciplina Giuridica, RDC, Ano 1989, Padova, p. 122). 425 Assim, PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 517. 426 Para mais desenvolvimentos sobre o tema vide ALBERTO MARTINS MUÑOZ, El merchandising. Contrato de Reclamo Mercantil, Editorial Aranzadi, Madrid, pp. 64 e ss. 427 Alguns dos mais mediáticos exemplos de personality merchandising são o Elvis Presley, Michael Jackson, Michael Jordan.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 147

contratos em desportistas, actores, modelos, apresentadores e mesmo jornalistas, permitem que a

sua reputação entre na engrenagem empresarial, procurando-se associar a imagem de determinada

pessoa a determinados produtos ou serviços.

A protecção jurídica desta figura é uma problemática transversal a este estudo, porquanto encontra

abrigo legal no Código Civil no que concerne aos direitos de personalidade, sendo,

consequentemente, uma problemática que foge do âmbito da propriedade industrial.

Character merchandising428 – Arriscando uma tradução literal, poderiamos concretizar a

expressão classificando-a como o merchandising de personagens. Explorando a premissa, faz-se

alusão a figuras literárias, do cinema, da televisão, banda desenhada, entre outras, que engrandecem

o imaginário colectivo, com o intuito de uma imagem apetecível para os adquirentes ser canalizada

para os produtos (ou serviços) em que estas são apostas: as personagens concebidas para

determinada obra artística “ganham vida” num ambiente mercantil. Estamos perante uma

exploração secundária ou atípica destas personagens,429 que neste contexto funcionam como

veículos de comunicação entre os produtos e serviços e os seus consumidores. Tradicionalmente a

premência desta modalidade de merchandising tem uma reduzida acuidade temporal, extinguindo-

se com alguma exiguidade o seu valor comercial.

Aplica-se mutatis mutandis as conclusões apresentadas no ponto supra.

Corporate merchandising430 – Este tipo específico de merchandising está relacionado com os

sinais distintivos do comércio.

No que diz respeito à marca, estamos perante uma evolução do modelo tradicional da licença, no

qual se autoriza que se utilize a marca para distinguir produtos merceologicamente distintos dos

fabricados pelo titular da marca.431 Sobre este tipo de merchandising remetemos mais

considerações para momento posterior.

428 Este género de merchandising foi percursor deste tipo contratual. Assim, é genericamente aceite que a história deste instituto está umbilicalmente ligada ao Rato Mickey, no início da década de 30, quando a empresa Walt Disney Productions concedeu diversas licenças de merchandising. Outros exemplos emblemáticos desta figura são o Snoopy, Superman, Tartarugas Ninjas, Parque Jurássico e, recentemente, o Harry Potter. Para mais desenvolvimentos sobre o tema no Direito Português vide DIAS PEREIRA, Merchandising e Propriedade Intelectual: Sobre a exploração mercantil de personagens protegidas pelo direito de autor, RPI, n.º 20, pp. 11 e ss. 429 Justifica-se a expressão exploração secundária, de molde a distinguir, do seu sector originário de actividade, o meio onde se tornou reputada; não rara vezes, podem co-existir diferentes âmbitos de protecção, por distintos institutos jurídicos. 430 Também esta classificação se pode decompor; neste sentido propõe ALDO FRIGNANI, que se identifiquem três categorias: a) status properties, no qual se inserem as marcas que adquiriram um notável status symbol, como por exemplo a Rools Royce, Cartier, Gucci; b) personifacations properties, que se caracterizam por induzir o consumidor a identificar-se com um modelo ideal e c) popular properties, que serão as marcas que gozam de especial notoriedade. (Factoring, Leasing, Franchising, Venture capital, Leveraged buy-out, Hardship clause, Countertrade, Cash and carry, Merchandising, Know-how, 5ª Edizione, G. Giappichelli Editore – Torino, 1993, p. 467; também MAURO CAVADINI, Considerazioni sul contratto di merchandising de marchio, Rivista di Diritto Sportivo, pp. 353/354 a adopta). 431 No mesmo sentido FRANCESCO GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 188.

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148 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Residual merchandising – Finalmente, este ultimo género, traz a colação o aproveitamento como

marca de determinados eventos culturais ou desportivos, bem como de empresas não societárias.

Também neste caso, a duração temporal da capacidade apelativa da marca é, em regra, tímida no

tempo, extinguindo-se a sua valência com o término do evento.432

Identificados os diversos tipos de merchandising, podemos afirmar que estamos perante “um

contrato atípico que tem por objecto uma licença de uso da marca”,433 sendo susceptível de ser

definido como um contrato que permite desfrutar economicamente do valor sugestivo adquirido por

um direito de propriedade intelectual, resultante da sua utilização no âmbito de uma determinada

actividade, que, subsidiariamente, vai ser canalizado para promover a venda de produtos ou

serviços numa actividade diferente da que foi originalmente usada. No caso específico do

merchandising de marcas “o titular de uma marca reputada num determinado âmbito merceológico

procede à sua valorização em campos muito diversos da sua utilização primária, celebrando uma

pluralidade de contratos em que concede a outros empresários o direito de usar a marca”.434

Estamos, assim, perante uma licença colateral da marca, uma vez que, a sua utilização será

centrada em produtos dissemelhantes, face aqueles que tornaram reputada a marca; neste sentido a

utilização primária da marca far-se-à nos produtos que conferiram à marca a sua capacidade

atractiva e a sua utilização secundária coincide com a que se realizará nos novos produtos (ou

serviços) em que a mesma será aposta.

Do que fica escrito, sobressai a consideração que no contrato de merchandising a marca é valorada

de forma diferente e peculiar em relação ao contrato de licença clássico. Da particularidade da

marca ser cedida para utilização num diferente ramo de actividade infere-se que a marca será

negociada como um bem autónomo, ainda que imaterial, dissociada de quaisquer produtos ou

serviços, pelo seu valor intrínseco enquanto sinal distintivo do comércio.

432 Para uma abordagem aos valores monetários provenientes do contrato de merchandising vide os exemplos enunciados por PICKERING, Trade Marks in Theory and Pratice, Hart Publishing, Oxford, 1998, pp. 59 e ss. No elenco das entidades que podem recorrer ao residual merchandising encontramos as Universidades. Esta susceptibilidade que era típica das Universidades Americanas “globalizou-se”, estando previsto para muito breve o seu surgimento em Portugal, nomeadamente na Universidade do Porto (cfm, Jornal Expresso, Semana n.º 1598, 14 Junho de 03). 433 DI AMATO, Impresa e Nuovi Contratti, Materiali per un moderno Diritto Commerciale, Edizioni Scientifiche Italiane, Napoli, 1991, p. 180. [Tradução nossa] Tal como na licença o titular do direito cede a terceiro autorização para a utilização do sinal, mediante retribuição. 434 NICCOLÒ ABRIANI e GASTONE COTTINO, Trattado di Diritto Comerciale, Volume Secondo, Dirrito Industriale, diretto COTTINO, Cedam, 2001, p. 106. [Tradução nossa]. Por seu turno GIOVANNI MASSA define o merchandising de marcas como “il contratto col quale il titolare del marchio concede ad altri il diritto di usare il proprio segno per contraddistinguere prodotti di genere completamente diverso da quelli per il quali il marchio è sato da lui utilizzato...” (Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 100).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 149

8.7.2. Perspectiva económica

O contrato de merchandising enquadra-se no amplo conceito do marketing hodierno, sendo mais

um meio que visa combater a crescente homogeneidade dos produtos e serviços que litigam no

mercado. Subjacente a este contrato existe a tentativa de canalizar para os produtos (ou serviços) o

prestígio e aptidão persuasiva adquirida por determinadas pessoas, personagens, marcas ou eventos.

Como todos os novos tipos publicitários, também o merchandising é produto de um

desenvolvimento dos meios de comunicação e da sua capacidade de deslumbramento.

Para a economia deste trabalho importa que nos debrucemos fundamentalmente sobre

merchandising das marcas. Este apresenta algumas especificidades face ao tipo geral de licença de

utilização de marca, que urge referir. Em primeiro lugar existe uma diferença estrutural resultante

do facto de a marca ter uma utilização primária (para assinalar os produtos do licenciante) e uma

utilização secundária (para assinalar os produtos ou serviços do licenciado, de diferente área

merceológica, recorde-se). Um segundo ponto, que podemos designar de finalístico, merece ser

enfatizado: quem opta por utilizar o merchandising de marcas nos seus bens, pretende canalizar

para estes a sugestibilidade e poder de atracção que alcançou a marca na sua utilização original.435

Esta possibilidade tem especial acuidade e pertinência em produtos de consumo voluntário, tais

como a perfumaria, tabaco, vestuário, para os quais o acto aquisitivo é sempre mais determinado

por critérios irracionais ou de fantasia, do que numa perspectiva fria e racional.436

É intuitivo que o móbil do empresário titular da marca em celebrar este tipo de contratos funda-se

no desejo de explorar financeiramente a força distintiva e o prestígio de uma determinada marca

através da concessão de licenças colaterais de exploração de marca. Neste contexto o que está em

causa baseia-se na “exploração económica da força distintiva e, sobre tudo, o potencial publicitário

que per si possuem certas marcas”;437 pelo exposto, conclui-se que o escopo deste contrato consiste

em desfrutar da dimensão comercial da marca em si mesma, da capacidade sugestiva ou evocativa

que encerra.438 Acresce que o perigo de perda da vis atractiva do sinal é menor, porquanto o

mesmo está a ser utilizado numa área merceológica diferente sendo improvável que as vicissitudes

435 Em sentido similar, para ambas as premissas, GAGLIARDO e LECCE, Marchi, Marchi celebri ed affinità, con un occhio alle sponsorizzazioni e al merchandising, RDI, Ano 1990, p. 100 e MAURIZIO IRRERA, Concessione di venta, merchandising, catering, Il Diritto Privato Oggi, p. 124. 436 No mesmo sentido, GIUSEPPE CELONA, L`identità del prodotto e i suoi effetti sulla validità e la tutela del marchio, RDI, a. 1988, parte I, p. 376. 437 FERNANDEZ-NÓVOA, Tratado sobre Derecho de Marcas, Marcial Pons, Madrid, 2001, p. 432. [Tradução nossa] No meu registo escreve GALGANO que “Il contratto ha per oggetto il marchio celebre in sé considerato, quale puro e semplice valore di scambio, reso appetibile sul mercato dalla sua comprovata qualità di collettore di clientela” (Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze merchandising, in Contrato e impresa, 1987. p. 190). Ainda no mesmo sentido, ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 20, AUTERI, Lo sfruttamento del valore suggestivo dei marchi d`impresa mediante merchandising, in Contrato e impresa, 1989, pp. 510 e ss., DI CATALDO, Il segni distintivi, Giuffrè Milano, 1985, p. 146 e GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 101. 438 Reflexão similar é efectuada por MAURO CAVADINI, Considerazioni sul contratto di merchandising de marchio, Rivista di Diritto Sportivo, pp. 334/335.

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150 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

do sinal afectem de forma directa o titular do direito de uso exclusivo, nomeadamente nas vendas

dos seus produtos ou serviços.

É intuitivo que a maior pertinência do merchandising das marcas é contemporâneo da sua

progressiva emancipação da finalidade exclusiva de distinguir e identificar determinados produtos

ou serviços, para as marcas passarem, por si mesmas, a assumir uma dimensão sugestiva ou

atractiva a latere dos bens nos quais são apostas.

Numa perspectiva economicista avulta deste tipo contratual uma notória inversão das tradicionais

técnicas de promoção: usualmente a atractividade da marca era o resultado do esforço de dado

empresário na criação de uma imagem própria e sugestiva; com o recurso ao merchandising

assiste-se à adaptação de uma imagem conhecida pelo público às necessidades mercantis do

empresário.

A peculiar vantagem deste contrato, no quer concerne ao empresário que adopta uma marca de

merchandising funda-se na potencialidade de usufruir de forma imediata da notoriedade de um

sinal e, deste modo, se facilitar o seu “diálogo” com o consumidor.

Uma menção final, para sublinhar que é passível de ser encontrada no merchandising uma função

social: referimo-nos à potencialidade deste contrato permitir a um pequeno empresário de concorrer

em paridade de condições com os grandes grupos empresariais, uma vez que se apresenta no

mercado “escudado” por um símbolo de equivalente capacidade sugestiva,439 sem necessidade que

o empresário se insira num qualquer sistema de distribuição, mantendo, desta forma, imaculada a

sua independência económica e jurídica, bem como a sua individualidade empresarial.

Das nossas palavras não se infira que este tipo específico de marketing é imaculado. Desde logo,

nada garante que a desejada interacção sugestiva funcione na prática, nada obstando que em

concreto o consumidor não reconhece nos produtos ou serviços “merchandarizados” o prestígio

que atribui ao signo; por outro lado, existe o premente perigo de uma excessiva colagem entre os

produtos ou serviços e o signo de merchandising a que se recorreu, de molde que as vicissitudes

deste abarquem aqueles, nomeadamente uma qualquer abrupta perda de prestígio.440

8.7.3. Admissibilidade do contrato de merchandising face ao actual Direito das Marcas

8.7.3.1 Numa perspectiva jurídica importa aquilatar a compatibilidade deste instituto com as

disposições legais que regem o direito à marca. Mais em concreto, o que aqui nos preocupa,

consiste em inquirir sobre a licitude de se ceder a terceiro o direito de utilizar uma marca, para

439 Esta valência não foi esquecida por GATTI, Il Merchandising e la sua Disciplina Giuridica, RDC, Ano 1989, Padova, p. 123. 440 Não é inaudito, mesmo na economia portuguesa, uma empresa ver-se coagida a mudar a marca com que se apresenta no mercado, por esta estar muito conectada com uma pessoa, personagem ou evento, que, por qualquer motivo, perdeu a capacidade de seduzir os consumidores.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 151

produtos não afins ou semelhantes, àqueles em relação aos quais o registo foi originariamente

concedido e, sendo lícito, quais as consequências que advêm desse facto.441

Fundamentalmente o que se discute neste âmbito – sejamos claros – é adopção de uma função para

a marca; se esta se cinge a uma função indicadora da origem dos produtos ou serviços, urge gritar

pela ilicitude do contrato de merchandising; se numa diferente perspectiva sustentamos “que hoje a

marca constitui um valor em si, independente dos produtos e da empresa e, porque este valor foi

criado pelo titular, é justo que só ele possa beneficiar e dispor deste valor”,442 impõe-se o

reconhecimento da função publicitária da marca e a consequente licitude deste tipo contratual.

Sublinhe-se que a dicotomia supra exposta encontra detractores na doutrina, que pugnam pela

possibilidade de conciliação entre a função distintiva da marca e o contrato de merchandising,443

adoptando, para tanto, um conceito amplíssimo da função distintiva, na qual a marca seria um signo

que visava identificar os produtos e serviços disponibilizados no mercado por um determinado

empresário, ou por terceiros com os quais este empresário tenha relações contratuais de molde a

que os produtos (ou serviços) sejam produzidos segundo as instruções daquele, bem como nos

casos em que de alguma forma seja lícito ao titular da marca controlar a qualidade dos produtos

ou serviços em que a marca é utilizada.444

Não podemos sufragar a posição de que o contrato de merchandising seja conciliável com o

entendimento de que a marca existe para desempenhar uma função identificadora de origem: a

admissibilidade de a marca de um determinado empresário, que adquiriu prestígio social enquanto

elemento identificador de determinado produto ou serviço, possa ser utilizada por um distinto

empresário para identificar produtos ou serviços de áreas merceológicas opostas, é inconciliável

com a defesa de que a marca é um elemento de indicação de origem de quaisquer bens. Com efeito,

não obstante os produtos se apresentarem ao consumidor sob a mesma designação, emanam de

divergentes entidades empresariais, pelo que, no caso em apreço, não é verdadeira a afirmação de

que a marca desempenha uma função indicadora da proveniência dos produtos ou serviços.

441 Condição prejudicial para a exequibilidade deste contrato é a necessidade de assegurar ao titular da marca “merchandarizada” uma protecção jurídica que lhe conceda o poder de impedir terceiros não autorizados de fruírem da sua marca, nas áreas merceológicas que contratualmente pretende permitir a sua utilização. (no mesmo sentido pronuncia-se ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, p. 19). 442 FRIGNANI, I problemi giuridici del merchandising, RDI, 1988, I, p. 40. [Tradução nossa] No mesmo sentido AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 512 e GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 190. 443 Alguns autores sustentem que “il fatto che lo scopo perseguito col merchandising sai lo sfruttamento del valore suggestivo del segno non escludere naturalmente che il marchio possa essere usato dal licenziatario anche in fuzione distintiva dei suoi prodotti” (PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 514). 444 Neste sentido PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, pp. 514 e ss.; próximo, DI CATALDO, I segni distintivi, Milano, 1985, pp. 27 e ss. e pp. 146 e ss.

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152 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

8.7.3.2 Como se frisou, a admissibilidade deste contrato é uma magna quaestio com enorme

pertinência para determinar a função jurídica prosseguida pela marca de empresa.

Um primeiro fundamento para negar a possibilidade de conceder uma licença de exploração de

marca fora da actividade merceológica a que aquela está adstrita, parte da premissa da

indisponibilidade do titular. Defende-se que a transmissão apenas será lícita quando o licenciador

detém a posição jurídica de utilizar um determinado signo, excluindo todos os restantes de, sem o

seu consentimento, utilizarem sinal igual ou confundível para desempenhar a mesma função

jurídico-economica.

A indisponibilidade do direito ao uso exclusivo da marca será condição de nulidade do contrato de

merchandising, por falta do objecto deste contrato.445 Acresce que, posição inversa, violaria os

princípios fundamentais do Direito das Marcas, no que concerne à sua constituição. Esta posição

tem sido veiculada por alguma doutrina, sustentando que o registo concedido não pode ser um

“cheque em branco”, mas um direito concedido para um determinado fim, pelo que o titular da

marca não pode fruir desta fora do âmbito de exclusividade, para o qual a marca foi registada.446

O que aqui fica escrito exige explicações adicionais, nomeadamente, considerar se o âmbito de

protecção do direito ao uso exclusivo da marca coincide com o âmbito de disponibilidade. Com

efeito, o que nos ocupa neste passo consiste em determinar se o alargamento da protecção do

direito de uso exclusivo de uma marca, fora das classes para que a mesma havia sido registada,

corresponde a um alargamento do direito do titular, naquela que é a sua vertente positiva, i e, a

possibilidade de utilizar a marca em diferente sector de actividade ou, mediante licença,

disponibilizar a terceiro a utilização da sua marca para diferentes actividades económicas.

Em concreto, pergunta-se: pode o titular da marca conceder licenças de utilização da marca para

área merceológica diferentes das quais o registo foi requerido? Em princípio não!447

Os argumentos aduzidos são irrefutáveis. A atribuição de um registo de uma marca é uma

competência exclusiva do INPI, sendo vedado aos titulares dispor desta fora dos limites do seu

direito. Mas terá esta premissa uma validade absoluta? Sustentamos que não. Defende-se a licitude

do titular da marca conceder licenças de utilização da marca para produtos afins ou confundíveis no

445 Assim, PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 518, que cita jurisprudência no mesmo sentido. Acresce que numa perspectiva económica perde premência a realização do contrato, porquanto o terceiro que pretende utilizar o sinal poderá registá-lo como marca, independentemente da vontade da pessoa que utiliza o sinal. 446 Neste sentido pronuncia-se ALBERTO MARTINS MUÑOZ, para quem a licença tem carácter limitado “que está fuertemente delimitada en cuanto a sus condiciones de aplicación, y especialmente, en lo que respecta a los productos o servicios concretamente promocionados” (El merchandising. Contrato de Reclamo Mercantil, Editorial Aranzadi, Madrid, pp. 42/43), bem como PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, pp. 512 e ss. 447 Assim PAOLO AUTERI que sustenta que a extensão para efeitos de confundibilidade a produtos distintos dos que para os quais a marca foi registada é apenas “in funzione di una piú efficace protezione dell`interesse dell`imprenditore a distinguere i suoi prodotti e non per consentirgli di disporre autonomamente del marchio in relazione a prodotti diversi da quelli contraddistinti” (Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 528).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 153

âmbito do jus excludendi, sendo esta uma factualidade que decorre do texto legal, nomeadamente

do estatuído no art. 207.º (art. 258 do CPI 2003).448

Retomamos aqui a problemática do consentimento para o uso de marca confundível. In casu a lei

expressamente admite que o titular da marca autorize terceiros a utiliza-la para diferentes áreas

merceológicas; sem duvida que se reconhece uma extensão do direito de disposição da marca, que

extravasa o âmbito do pedido de registo.

Uma pergunta ficou sem resposta: o que se tutela com esta possibilidade? Sobre o tema já

sustentamos que é o reconhecimento pelo ordenamento jurídico da marca enquanto valor

económico, propriedade exclusiva de um titular, que a pode utilizar como mais lhe aprouver,

constituindo um ponto de emersão de um cada vez mais evidente carácter privatístico atribuído ao

direito à marca, pela actual lei; a utilização da marca num contrato de merchandising é uma destas

potencialidades.

Por outro lado, a argumentação exposta para inquinar a possibilidade de conceder licenças

colaterais da marca fora do jus excluendi alios do titular do direito, ainda que pertinente, não é

decisiva para a formulação de um princípio tendente à proibição do contrato de merchandising. O

que se diz, comprova-se pelo facto de um registo prévio à transmissão da marca para as classes de

produtos ou serviços que serão objecto de um contrato de merchandising, fazer ruir as objecções

anteriores; com este registo afastam-se as premissas expostas, sendo o objecto do contrato, um

direito industrial legalmente prescrito, constituído especificamente para o efeito.

Sendo inequívoca a bondade da reflexão, nova questão invade o pensamento do intérprete: existe

legitimidade para registar uma marca em classes diferentes das quais a mesma é utilizada por dado

empresário, com a exclusiva intenção de ceder o direito decorrente do registo? A resposta a este

quesito deve alicerçar-se nas normas legais vigentes, nomeadamente o art. 168.º (art. 225.º do CPI

2003) que prescreve que o direito ao registo da marca cabe a quem nisso tiver legítimo interesse.

Porquanto impõe-se a questão: existe legítimo interesse para o registo, no caso de o titular da marca

pretender realiza-lo com o único objectivo de ceder a sua utilização, através de um contrato de

merchandising? Sobre o tema, já antes escrevemos que a legitimidade para o registo da marca não

é prorrogativa exclusiva dos empresários; no actual ordenamento jurídico um conceito amplo, ao

448 Assim o reconhece COUTO GONÇALVES, embora condicione esta susceptibilidade à inexistência de erro para o público sobre a proveniência do produto. (Função distintiva da Marca, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 189). Partindo de um ordenamento jurídico similar ao português, a jurisprudência alemã, alarga a admissibilidade do merchandising, recusando o registo de uma marca sempre que este seja susceptível de constringir o titular da marca a conceder licenças de exploração. Concordamos, entendendo que esta premissa também é verdadeira no direito português, cfm supra 2.5.1. (sobre o tema LEHMANN Rafforzamento della Tutela del Marchio attraverso le norme sulla concorrenza sleale, RDI, 1988, parte I, pp. 19 e ss. e PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, pp. 519 e ss.). Timidamente neste sentido, encontramos algumas decisões jurisprudenciais italianas, referidas por DI CATALDO, I segni Distintivi, Milano, 1985, pp. 115 e ss., FRANCESCHELLI, Sui Marchi di Impresa, Milano, Giuffrè Editore, 1988, pp. 161 e ss., GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, pp. 188 e ss. e PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, pp. 521 e ss.

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154 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

qual se subsumem todos em empresários que exercem, ou pretendem vir a exercer, uma actividade

económica, bem como qualquer outra pessoa individual ou colectiva que pretenda utilizar a marca

indirectamente. Assim, à noção de utilização indirecta subsumem-se as situações em que alguém

regista a marca com o objectivo de a transmitir a terceiro, ou, com o desiderato exclusivo de

conceder licenças de exploração da marca.449

Ainda que a reflexão anterior não procedesse, não estava inquinada a validade do contrato de

merchandising; no caso específico das marcas de grande prestígio, são lícitas as licenças de

exploração de marca, para utilização em actividade merceológica distinta daquela para o qual se

requereu o registo. No caso específico destas, as preocupações anteriormente expostas são prolixas,

uma vez que gozam de uma protecção em toda a extensão da actividade económica. Com efeito,

sendo a ratio essendi das marcas de grande prestígio habilitar o seu titular a impedir quaisquer

terceiros a utilização deste sinal, ou similar, em quaisquer áreas de actividade económica, não se

concebe, como não detentoras da susceptibilidade de permitir esta conduta.450

E o que dizer das marcas tradicionais? Será que estas são insusceptíveis de um contrato de

merchandising? Pensamos que não.451

Ponto prévio à exposição da posição perfilhada, consiste na desvalorização prática da querela,

porquanto a premência do contrato de merchandising pressupõe a grande notoriedade da marca,

esvaziando-se a sua acuidade sempre que a marca é pouco conhecida pelo público ou, sendo-o, não

patenteia apetência sugestiva.

Desde logo, como já se frisou, não se encontram justificações que obstem ao registo de uma marca

com a finalidade exclusiva de ceder a sua utilização.452 Por maioria de razão, nada obsta, a que o

titular de uma marca registada para determinadas classes de produtos ou serviços, estenda este

registo, com o desiderato de contratualizar o seu merchandising, independentemente de a marca ser

ou não de grande prestígio.

449 Exemplos paradigmáticos do que fica escrito serão os casos dos inventores adoptem marcas para assinalar os produtos das suas patentes, as holdings puras, as estrelas de cinema ou da moda constituírem marcas com os seus nomes para as transmitirem ou as cederem em licença, bem como as agências de publicidade registarem marcas para posteriormente as disponibilizarem aos seus clientes. 450 No mesmo sentido REMÉDIO MARQUES escreve “é razoável que, no contraponto daquele círculo de proibição mais vasto, o licere do titular inclua, na vertente positiva, o direito de, contratualmente, convencionar a utilização dessa marca, por terceiros, em produtos e serviços não semelhantes” (Direito Comercial, cit. p. 801). Ainda neste sentido, FRANCESCHELLI, Il marchio del creatori del gusto e della moda, Contratto e impresa, 3, 1988, CEDAM, Padova, p. 789 e GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, pp. 188/189. Contra COUTO GONÇALVES, Merchandising de Marcas, ADI, 1999, p. 102. 451 Semelhantemente AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM, Padova, p. 512, baseando-se nas mais recentes posições jurisprudenciais italianas. Contra ALBERTO MARTINS MUÑOZ, El merchandising. Contrato de Reclamo Mercantil, Editorial Aranzadi, Madrid, p. 94 e FERNÁNDEZ-NÓVOA, Derecho de Marcas, Ed. Montecorvo, Madrid, 1990, p. 116. 452 Neste sentido, CARLOS OLAVO, Contratos de licença de exploração de marca, AAVV, Direito Industrial, Coimbra, Livraria Almedina, Vol. I, p. 361.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 155

Uma outra critica apontada à licitude do instituto em análise, prende-se com a susceptibilidade de

através do contrato de merchandising, os empresários envolvidos induzirem o público em erro, não

directamente sobre a origem do produto,453 mas sobre as qualidades do produto em si;454 em

concreto, alega-se que existindo um contrato de merchandising e se os diversos produtos (ou

serviços) apresentarem desiguais níveis qualitativos, tal facto poderá ser susceptível de induzir o

consumidor em erro.

No que concerne a esta preocupação, a tese mais simples para suprir a pertinência da

argumentação, consiste na imposição de uma cláusula no contrato de merchandising – que seria

condição sine qua non para sua a admissibilidade455 – através da qual o licenciador exercesse

prerrogativas de controlo da actividade do licenciado.

Com o cumprimento da cláusula o licenciador manteria um poder efectivo de controlo sobre os

produtos e serviços nos quais a sua marca é aposta, de forma a garantir “que se tratam de produtos

seleccionados segundo os critérios (de estilo, de gosto refinado, de elevada tecnologia, segundo os

casos) que tornarem prestigiada a marca, que agora se utiliza no merchandising”.456 Desta forma,

poder-se-ia garantir que, não obstante a diversidade de produtos (ou serviços) em que a mesma

marca é usada, não existiria uma perda da identidade da marca (referenciando-se por esta forma a

sua origem), porquanto se mantinha “a intervenção criativa do titular da marca, do seu gosto

pessoal, da sua capacidade de adequar-se às exigências de elegância que os produtos se destinaram

a satisfazer”.457

Em concreto, o que neste contexto se sufraga baseia-se na putativa necessidade de, no contrato que

se está a dissecar existir um efectivo controlo por parte do titular da marca sobre a natureza e

qualidade dos produtos ou serviços para os quais o signo será utilizado.

453 Numa posição que não refutamos, sustentam alguns autores que no contrato de merchandising o risco de engano sobre a proveniência do produto é menor que no contrato clássico de licença, porquanto, o consumidor tem consciência que, pela diversidade merceológica, os produtos não emanam da empresa titular da marca. (assim, ALDO FRIGNANI, Factoring, Leasing, Franchising, Venture capital, Leveraged buy-out, Hardship clause, Countertrade, Cash and carry, Merchandising, Know-how, 5ª Edizione, G. Giappichelli Editore – Torino, 1993, p. 471 e GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 190). 454 Esta objecção é salientada, entre outros, por GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. pp. 107 e ss. e PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 535. 455 Neste sentido CARLOS FERNÁNDEZ-NÓVOA, sustenta que “el ordinamiento juridico debe obligar al licenciante de la marca a insertar en el contrato de licencia y a poner en práctica escrupulosamente las oportunas medidas de control sobre la calidad de los productos o servicios que bajo la marca licenciada distribuya el licenciatario” (Las funciones de la Marca, ADI, 1978, p. 49). Também neste sentido PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 514 e pp. 537 e ss., CASADO CERVIÑO, Relieve del control en la licencia de marca, ADI, 1983, pp. 125 e ss. e ALBERTO MARTINS MUÑOZ, El merchandising. Contrato de Reclamo Mercantil, Editorial Aranzadi, Madrid, p. 79. 456 FRANCESCO GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 190. [Tradução nossa] 457 REMO FRANCESCHELLI, Il marchio dei creatori del gusto e della moda, Contratto e impresa, 3, 1988, CEDAM, Padova, p. 784. [Tradução nossa]

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156 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Já antes escrevemos que a obrigação de controlo, sendo desejada, não é imperativa, sendo a sua

adopção, ou não, um ónus do titular da marca. A nossa posição decorre do facto de a necessidade

da marca não induzir em erro o consumidor sobre os produtos ou serviços, não funcionar como

condição positiva para a admissibilidade de um registo da marca, mas como condição negativa para

a legalidade do registo; a marca não precisa para se ser verdadeira para se constituir validamente,

antes, a possibilidade de induzir o público em erro é justificação bastante para a recusa de um

registo, bem como para a caducidade da mesma.

A distinção supra realizada, aparentemente sendo subtil, será determinante para a correcta

compreensão deste instituto. Tomemos o dado exemplo: se um determinado empresário optar por

diversificar a sua actividade, alargando-a a diferentes produtos, exige-se-lhe a manutenção da

qualidade dos seus produtos? Não! No ordenamento legal vigente não existe uma função de

garantia da qualidade458 que penda sobre este, apenas lhe sendo vedada a alteração da qualidade dos

produtos, na factualidade desta tornar a marca susceptível de induzir o público em erro,

nomeadamente acerca da natureza, qualidade e origem geográfica desses produtos ou serviços.

Assim, não se verificando as condições expostas, nada obsta a que os novos produtos não

apresentem o nível de qualidade originária daquele empresário; mantendo o princípio, urge

reconhecer que, se a diminuição da qualidade não se dever a acto próprio, mas a de um terceiro

com o qual existe uma relação contratual de merchandising, os mesmos factos exigem a mesma

resposta jurídica.

Acresce que neste contrato avultam especificidades quase intransponíveis no que concerne ao

controlo de qualidade dos produtos ou serviços. Dissemos antes que, o elemento unificador e

caracterizador, dos diversos tipos de merchandising, é a utilização secundária de um signo

prestigiado na actividade mercantil; sublinhe-se que o signo é utilizado como marca, de forma

colateral à sua génese: serve a ideia exposta para documentar a inexistência de termo de

comparação que permite aferir o nível qualitativo dos produtos ou serviços em que a marca vai ser

utilizada. Com efeito, num contrato de licença ou de franquia em que a marca vai ser usada para

identificar os mesmos bens é fácil apreciar a qualidade dos bens, por confrontação com os produtos

ou serviços do titular da marca; no contrato de merchandising, pela diversidade dos produtos (ou

serviços) face aos disponibilizados pelo titular da marca, é impossível um controlo técnico profícuo

sobre a natureza dos produtos, pela inexistência de um parâmetro comparativo válido.459

458 Sobre o tema vide a nossa posição supra Capitulo II, ponto 5. 459 Mesmo os Autores que sustentam a necessidade de um controlo por parte do titular, reconhecem que este seria necessariamente mais débil e frágil que no contrato de licença; assim, ALBERTO MARTINS MUÑOZ, El merchandising. Contrato de Reclamo Mercantil, Editorial Aranzadi, Madrid, p. 81, FRANCESCHELLI, Il marchio del creatori del gusto e della moda, Contratto e impresa, 3, 1988, CEDAM, Padova, p. 789, GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, p. 189.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 157

Não se conclua pela nossa posição que desvalorizamos a possibilidade e pertinência de o

licenciante estatuir contratualmente a existência deste controlo de molde a garantir a perpetuidade

da capacidade sugestiva da sua marca. Pelo contrário. Reconhecemos a premência da existência de

algum tipo de controlo de modo a garantir a manutenção da capacidade atractiva da marca: o que se

defende é que a inexistência de um controlo não inquina a validade deste contrato.460

Acresce que sustentar a inadmissibilidade do contrato de merchandising com alusão a um perigo de

indução em erro pelo consumidor sobre a origem e qualidade dos produtos (ou serviços) colide

com um dos princípios fundamentais do Direito das Marcas, o princípio da especialidade.

Explicando. A suposição de que dois divergentes produtos, por terem a mesma marca, devem

patentear igualitários níveis qualitativos é absolutamente incongruente face ao ordenamento

jurídico português. Com efeito, a coexistência de marcas iguais em áreas merceológicas distintas é,

não apenas um efeito possível, como um efeito querido e desejado, pelo Direito das Marcas.

Justificar que a existência cumulativa de marcas iguais para diferentes e heterogéneos produtos

ilude o consumidor, consiste em rejeitar liminarmente o princípio da especialidade, exigindo-se,

consequentemente, uma novidade absoluta no Direito das Marcas. O que fica escrito afigura-se

evidente, porquanto não se detecta a defesa doutrinária de uma tese que condicione a

admissibilidade de uma marca nova, à manutenção das características qualitativas dos produtos já

existentes no mercado com uma marca congénere disponibilizada por outro empresário, ou, a

validade da mesma condicionar-se a um controlo por este.

8.7.3.3 Identificada a problemática, urge a assunção de uma posição. Por nós, a licitude deste

contrato afigura-se insofismável. Um primeiro argumento pertinente, resulta da licitude do contrato

de licença de marca, com o qual, este, denota impressionantes similitudes e cuja admissibilidade

está expressamente prevista na lei.

Não se vislumbram justificações que possam obstar a consentir ao titular de uma marca a

possibilidade de a valorizar, através da celebração deste tipo contratual, como motivações bastantes

para que, liminarmente, este seja espoliado da faculdade de beneficiar economicamente pela sua

cedência a terceiros. Recorde-se que “o objectivo da lei das marcas não é estorvar os interesses

económicos do empresário, mas sim promove-los, assim se favorecendo o interesse geral”;461 no

FRANCESCHELLI retoma o tema e considera que o controlo não reside na qualidade dos bens, mas apenas para impedir os produtos ou serviços de qualidade decadente, susceptíveis de fazer perigar o prestígio da marca (Sui Marchi di Impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 175). 460 Ressalva-se deste a importância económica do titular da marca controlar a qualidade dos produtos para os quais a sua vai ser utilizada, de molde a que estes mantenham o padrão de qualidade que os consumidores reconhecem naquela marca. Sublinhe-se que a propagação da marca e a sua aposição em bens de qualidade mediana ou suspeita, pode a médio longo prazo ter efeitos indesejados na capacidade publicitária da marca, anestesiando ou aniquilando o seu selling power, pelo desgaste da capacidade atractiva da marca; mas esta preocupação, cuja premência se reconhece e enaltece, repercute-se nas funções económicas da marca, cuja coincidência com as funções jurídicas não se exige nem se presume, sendo que, como supra afirmei, inexistente. 461 BEYERLE, apud. NOGUEIRA SERENS, A vulgarização da marca na directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Ferrer Correia, Coimbra, 1995, p. 37.

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158 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

que concerne ao contrato de merchandising este, nas palavras de RICOLFI, “assume o sabor de

uma inevitabilidade histórica”.462

Mas outros argumentos, de cariz económico, se podem aditar aos formulados. Com efeito” no

domínio do direito comercial, dada a sua especial relação com a economia, deve o intérprete

atender aos efeitos práticos das soluções que propõe, averiguar se elas são susceptíveis de

promover o progresso, a dinamização e a circulação da riqueza”,463 pelo que se exige que a questão

se formule: o contrato de merchandising desempenha, ou não, uma função jurídico-económica que

justifica a sua protecção?

Sendo evidente a proficuidade deste instituto, que desempenha nos nossos dias um papel

económico crucial, nova questão se pode formular: que posição deve nortear a conduta do jurista:

ou acatar o fenómeno como irreversível e dogmatizar sobre ele, ou servir de contrapeso, de travão à

descaracterização da pureza conceptual, uma vez que aqui não se deixa de reconhecer que adopção

deste tipo contratual contrarie frontalmente uma visão tradicionalista do Direito das Marcas,

nomeadamente no que concerne à função jurídica protegida. Mais uma vez pugnamos pela

afirmativa: a imaculabilidade dos princípio não pode ser um fim em si mesmo, devendo deter-se a

sua intransigente defesa quando a mesma emperra o desenvolvimento económico, não sendo o

jurista um entrave ao desenvolvimento dos institutos empresariais em si mesmo, não obstante a

ponderação que a este se exige.464

Parece-nos axiomático que o contrato de merchandising tem como objecto o valor publicitário das

marcas, enquanto uma realidade de per si, a latere da sua função distintiva. Trata-se do

reconhecimento da marca, enquanto conjunto de referências, da sua susceptibilidade para constituir

um elemento independente de atracção de clientela e, nesse sentido, representar um valor

autónomo.465

É insofismável que, se no contrato de franquia o objecto consiste na produção/distribuição por

terceiros dos produtos e serviços oferecidos pelo titular da marca, no contrato de merchandising, o

462 Apud. GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 110. [Tradução nossa] Reflexão similar é efectuada por ANNA MARIA TONI, Merchandising e marchio celebre in Italia: affievolimento della funzione distintiva?, Contrato e impresa, Ano 1990, CEDAM, Padova, pp. 33 e ss. 463 ANTÓNIO CAEIRO e ÂNGELA COELHO, “Proibição de cessão de quotas sem consentimento da sociedade e constituição de usufruto sobre a quota”, RDE, Ano VIII n.º 1 Jan/Jun 1982. 464 Obviamente que a posição defendida não é imune a criticas. Nem todas as realidades economicamente importantes merecem a tutela do direito, desde logo, porque algumas afrontam com uma ideia de Direito. Parafraseamos VILARI quando refere que “os erros da prática não devem perturbar a limpidez da doutrina”. (apud. FRANCISCO JOSÉ CAEIRO, Do nome Comercial e Industrial, Tipografia Universal, Lisboa, p. 16). No que concerne ao contrato de merchandising, exige-se uma terceira pergunta: a licitude deste contrato encerra em si mesmo motivações que obstem à sua validade? Pelo que fica escrito e pelas conclusões infra, entendemos que não! 465 Em sentido próximo, CARLOS OLAVO, Contratos de licença de exploração de marca, AAVV, Direito Industrial, Coimbra, Livraria Almedina, Vol. I, p. 383.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 159

móbil será desfrutar da capacidade atractiva da marca, a capacidade de esta em si mesma suscitar a

cobiça do consumidor; a marca é usada apenas pela sua capacidade sugestiva ou publicitária.”466

No caso específico do personal merchandising, o quadro legal toma posição firme sobre a sua

admissibilidade: referimo-nos à possibilidade de as marcas serem compostas por nomes individuais

ou retratos, do próprio, ou de terceiro, mediante autorização; neste ultimo caso, alude-se ao

merchandising, expressamente o admitindo.467

Um último argumento conducente à defesa da admissibilidade do contrato de merchandising resulta

do espírito da lei; a possibilidade da transmissão da marca desacoplada do estabelecimento e a

liberdade na concessão de licenças de exploração de marca evidencia uma tendência para permitir

desfrutar da capacidade atractiva ou sugestiva da marca; seria ilógico que o ordenamento jurídico

demonstrasse uma enorme abertura para a exploração da potencialidade publicitária da marca,

nestes institutos e castrasse os empresários da possibilidade de utilizar a marca através do contrato

de merchandising.

466 PAOLO AUTERI, Lo sfuttamento del valore suggestivo dei marchi d´impresa mediante merchandising, Contratto e impresa, 2, 5 anno, 1989, CEDAM; Padova, p. 529. [Tradução nossa]. No mesmo sentido GALGANO, Il marchio nei sistemi produttivi integrati: sub-forniture, gruppi di società, licenze, merchandising, Contratto e impresa, 1987, Cedam, Padova, pp. 188 e ss. e GIOVANNI MASSA, Funzione attrattiva e autonomia del marchio, Jovene Editore, 1994. p. 101. 467 Argumentos vocacionados com a praxis também pode aduzir-se no elenco das motivações para a licitude do contrato de merchandising; a par da referida possibilidade de registar a marca fora do âmbito das classes em que a mesma tenciona ser usada directamente de molde a permitir a sua transmissão, pode ainda este contrato desenrolar-se a latere do Direito das Marcas. Efectivamente o titular de uma marca registada pode, contratualmente obrigar-se a não invocar o seu direito de uso exclusivo perante determinado terceiro que use este signo como marca não registada, o que, na prática, denúncia a existência deste tipo contratual. A desconsideração desta premissa coincide numa politica proteccionista em relação as marcas não registadas que poderiam desempenhar livremente a sua função, fora dos constrangimentos do regime jurídico da marca, o que, na nossa opinião, se afigura de insustentável.

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160 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

CAPITULO IV

BALANÇO E CONCLUSÃO

99.. CCOONNSSOOLLIIDDAAÇÇÃÃOO DDOO RREESSUULLTTAADDOO

Depois de escalpelizados os conteúdos essenciais para a monografia, impõe-se, num momento

imediatamente anterior ao desfilar das conclusões, a consolidação de algumas premissas que

servirão de base para a assunção de uma posição.

& 1 Sustentámos que no actual Direito das Marcas não é possível continuar a defender que as

marcas identificam a procedência dos produtos ou serviços.468

& 2 Defendemos que o ordenamento legislativo português não se compadece com a atribuição à

marca de uma função de garantia da qualidade dos produtos (ou serviços).469

& 3 Reconhecemos que uma primeira função jurídica protegida é a função diferenciadora de

produtos, sendo a marca um sinal identificador de produtos e serviços, permitindo a sua escolha

pelo consumidor, funcionando como a denominação daqueles em que é aposta; mais; a marca é o

único meio que o consumidor dispõe para identificar o produto desejado e diferencia-lo dos

restantes do mesmo género.470

468 Se até determinado momento histórico a marca tinha uma função indicadora de origem, permitindo diferenciar os produtos e serviços de um determinado empresário dos disponibilizados pelos seus concorrentes, as mutações económicas e jurídicas, tornam inadmissível a manutenção deste entendimento: as novas técnicas de produção industrial ameaçaram a ligação incindível entre as marcas e as empresas; as alterações do regime jurídico das marcas – tais como a transmissão da marca e a licença de exploração e o surgimento do logótipo – tornaram extremamente difícil reconhecer na marca uma função indicadora de proveniência; as novas técnicas de marketing – o branding, desde logo, em que o anonimato da origem empresarial dos produtos ou serviços é um efeito desejado pelos empresários – e as novas potencialidades económicas oferecidas pela marca – marcas de grande prestígio – cortaram o cordão umbilical entre a marca e a origem dos produtos, tornando impossível defender as premissas tradicionais da função das marcas. 469 Sem esquecer que a marca é uma garantia de facto de constância qualitativa de produtos ou serviços, sustentámos que esta expectativa do consumidor não é protegida pelo actual Direito das Marcas. O legislador limita-se a impedir a existência de marcas deceptivas ou enganosas, independentemente do logro se verificar no momento do registo ou decorrer da utilização da marca; inexiste no nosso ordenamento jurídico uma qualquer obrigação, dirigida ao empresário, para a manutenção das características fundamentais dos bens ou serviços, nomeadamente garantir a qualidade constante dos bens. 470 Aderimos desta forma à tese de FRANCESCHELLI para quem “Il marchio, sai esso registrato o no, distingue il prodotto, la mercê o il servizio, e non l`azienda o l`impresa, o l`azienda attraverso i suoi prodotti o, come da qualduno è stato detto, la fonte produttrice o, peggio, la fonte d`origine”. (REMO FRANCESCHELLI, Sui marchi di impresa, 4ª Edizione, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1988, p. 247)

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 161

& 4 Definimos função publicitária da marca como a influência exercida pela marca na mente dos

consumidores, de molde a que a escolha dos produtos ou serviços não se faça considerando as suas

qualidades intrínsecas, mas tendo em mente a “imagem” da marca. A marca, sem perder a sua

apetência para identificar produtos (e serviços) e diferenciá-los de outros do mesmo género,

desempenha cumulativamente uma valência atractiva ou sugestiva nos consumidores, de molde a

que a escolha aquisitiva não seja determinada pelas características que o produto (ou serviço) de

determinada marca tem, mas pela marca que determinado produto ou serviço tem. Em suma, a

marca vende.

& 5 A apetência sugestiva da marca é especialmente visível nas marcas célebres, cuja tutela legal

se fez acompanhar de uma tutela ultramerceológica. A marca de grande prestígio não visa proteger

o público, evitando a associação de ideias entre a marca conflituante e a célebre; se assim fosse

seria, suficiente alargar o âmbito do princípio da especialidade! Ao conceder-se a este tipo de

marcas uma protecção ultramerceológica, visa-se proteger a capacidade atractiva da marca; a

estatuição legal deste novo tipo de marcas encerra o reconhecimento da marca como um valor em

si, susceptível de influenciar determinantemente as escolhas aquisitivas dos consumidores.

Mas a protecção da capacidade atractiva da marca não é um exclusivo das marcas de grande

prestígio; também nas marcas tradicionais se protege a capacidade de sugestionamento de algumas

marcas, impedindo-se o registo de marca conflituante que procura associar-se a uma marca

registada.471

& 6 No que concerne à legitimidade para requerer o registo de uma marca defendemos um conceito

amplo, ao qual não se subsumem apenas os empresários, actuais ou potenciais (aqueles que se

preparam para exercer uma actividade económica).

A base da nossa argumentação resulta do facto de o CPI realizar uma enumeração, que não

obstante englobar a totalidade das actividades económicas, é meramente exemplificativa,

permitindo, deste modo, a terceiros não empresários o registo de uma marca.

471 Sobre o tema escrevemos que o registo de uma marca deve ser recusado, não apenas quando a marca seja confundível com uma registada para a mesma actividade ou para uma actividade afim, existindo afinidade sempre que os produtos ou serviços visam satisfazer as mesmas necessidades, seja de modo subsidiário ou complementar. Mas a recusa do registo de marca conflituante não se resume a estas situações; não deve proceder o registo sempre que a marca seja aposta em produtos ou serviços passíveis de criarem a errónea ilusão de terem uma origem empresarial comum, sempre que o público possa, razoavelmente, pensar que os produtos provêem da mesma empresa ou de outra que com ela mantém relações jurídicas ou económicas. O que se tutela in casu é afastar a possibilidade de um empresário aproveitar-se da notoriedade de uma marca, para promover os seus produtos (ou serviços), nomeadamente quando o registo se requer para actividades merceológicas para as quais, tradicionalmente, se assiste a um alargamento da actividade do titular da marca e, por isso mesmo, se incrementa o risco de associação entre os signos.

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162 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

Têm capacidade para requerer o registo de uma marca, desde logo, os grupos de empresas que não

exercem directamente uma actividade mercantil, mas que solicitem o registo com a finalidade de

permitirem a sociedades associadas a utilização da marca. Mais. O facto de o actual Direito das

Marcas não fazer depender da qualificação de empresário a legitimidade para requerer o registo de

uma marca, permite que um não empresário consiga este registo, desde que tenha legítimo

interesse. E, sustentámos, terem, desde logo, legítimo interesse, os inventores que pretendam

registar uma marca para ceder os seus direitos de patente, bem como as pessoas, “personagens” ou

instituições, que pretendam registar o seu nome como marca, para posteriormente cederem a sua

fruição.

A inexistência de quaisquer mecanismos de controlo prévio ao registo, a faculdade expressa na lei

de se registar uma marca para uso futuro, bem como a admissibilidade de transmissão de um

pedido de marca, torna ainda admissível que uma qualquer pessoa registe uma marca, com o

desiderato exclusivo de a transmitir ou ceder a sua exploração.

& 7 Do cotejo dos direitos conferidos pela marca – nomeadamente o direito de uso exclusivo –

resulta que o titular da marca pode impedir a sua utilização, mesmo quando a mesma não é

utilizada como sinal distintivo. Deste facto emerge a preocupação em, não apenas garantir a

subsistência da marca enquanto sinal distintivo, mas o reconhecimento da sua valência

promocional, cuja protecção se consagra.

Acresce que, mesmo a utilização promocional da marca por terceiro não autorizado para referir os

produtos genuínos do titular da marca é ilegítima, quando coloque em causa o efeito psicológico do

produto sobre o público. Neste caso, parece-nos insofismável que entramos no âmbito da função

publicitária da marca; o que indigna o intérprete funda-se na possibilidade de um terceiro não

autorizado colocar em causa a capacidade apelativa ou sugestiva da marca, denegrindo a imagem

gerado pela ciência publicitária. Estamos na presença do reconhecimento, ao titular da marca, do

monopólio da gestão e utilização da marca enquanto símbolo, susceptível de condensar o goodwill

de uma instituição. A marca não é mais entendida como um sinal que serve o desiderato de

distinguir produtos ou serviços, mas é assumida como uma realidade autónoma, um bem com uma

dimensão económica, não desconhecida no plano jurídico, que encarna (ou pode encarnar) uma

mais valia decorrente dos méritos exercidos no elemento volitivo do consumidor.

Sobre este ponto urge concluir que a faculdade de explorar a marca, não se limita à sua utilização

para identificar produtos ou serviços, abrangendo qualquer aproveitamento do valor económico do

sinal, nomeadamente a exploração da sua apetência publicitária, a sua capacidade de fidelização de

clientes ou a possibilidade de permitir a terceiros a sua utilização.

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 163

§ 8 Sobre a transmissão da marca, observámos a licitude da transmissão desacoplada da marca, i e,

desligada da empresa à qual estava adstrita, sendo que, de acordo com o CPI de 2003, já nem se

presume a transmissão conjunta, o que faz evidenciar uma indesmentível tendência para cindir a

marca do estabelecimento.

A transmissão da marca poderá fazer-se independentemente da a mesma ter, ou não, sido usada; a

querela da permissão da transmissão da marca registada e não usada, cuja admissibilidade deve ser

actualmente incontestada, reforça o reconhecimento da marca enquanto valor em si mesma, i e,

negociável objectivamente destacada de quaisquer produtos ou serviços.

Enfatiza-se que a possibilidade de transmitir uma marca desacoplada do estabelecimento ou de uma

marca não usada, incorpora o entendimento da marca como valor em si dotada de selling power,

susceptível de, pela sua capacidade intrínseca, sugerir consumos; a licitude desta transmissão

encerra o desiderato de permitir ao seu titular dispor de um seu bem jurídico, beneficiando

patrimonialmente da capacidade sugestiva do sinal distintivo.

& 9 Definimos o contrato de licença de exploração de marca como aquele em que o titular de uma

marca registada concede a uma pessoa, no todo ou em parte, o gozo do seu direito de exploração. A

pertinência deste contrato é fulcral para este estudo; não apenas foi uma das motivações para

inquinar a defesa de que a marca continua a desempenhar uma função indicadora de origem – uma

vez que vários empresários utilizam a mesma marca, sem necessidade de um qualquer controlo

sobre a uniformidade dos bens – como nos fez questionar sobre o que justificaria a legitimidade de

o titular de uma marca ceder o seu direito.

Sublinhamos que o contrato de licença encerra a valência de permitir ao empresário, não apenas

alargar a sua actividade, mas, cumulativamente, faculta-lhe explorar economicamente a

sugestividade da sua marca, conseguindo um retorno do investimento realizado na promoção da

mesma.

& 10 O contrato de franquia, nomeadamente a franquia de distribuição, que definimos como aquele

em que o franquiado vende determinados produtos do franquiador, apresenta a possibilidade de o

titular da marca beneficiar patrimonialmente da capacidade atractiva do signo. Aludimos ao facto

de o contrato de franquia ser, via de regra, oneroso, permitindo ao titular do direito industrial, não

apenas o recebimento de um valor pecuniário inicial, bem como, de percentagens sobre as vendas

durante a execução do contrato. Por outro lado, este contrato realiza uma importante função social:

permite que empresários de média dimensão se tornem grandes empresários, porquanto a franquia

permite, de uma forma pouco dispendiosa, a expansão da marca; por fim, apresenta ainda o

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164 : A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA VERBOJURIDICO

desiderato de possibilitar a pequenos empresários concorrer com os grandes grupos económicos,

em igualdade de armas.

Enfatizamos este ponto de molde a desmistificar a ideia pré-concebida de que a protecção da

função publicitária da marca seria uma concessão injustificada às grandes empresas, que

encontrariam nesta potencialidade um terreno fértil para aniquilar os pequenos empreendedores.

&11 O contrato de merchandising de marcas é susceptível de ser definido como aquele em que o

titular de uma marca reputada num determinado âmbito de actividade económica – utilização

primária – celebra uma pluralidade de contratos, através dos quais concede a outros empresários o

direito de usar a marca em diferentes actividades económicas – utilização secundária –.

É axiomático que a motivação primeira do titular da marca funda-se no desejo de proceder à

valorização da marca, desfrutar da sua apetência sugestiva; como deixámos escrito, trata-se do

reconhecimento da marca enquanto conjunto de referências, da sua susceptibilidade para constituir

um elemento independente de atracção de clientela e, nesse sentido, representar um valor

autónomo.

A admissibilidade deste contrato é crucial para a sustentação da existência de uma função

publicitária da marca, porquanto, o objecto deste contrato é a capacidade da marca de per se, a sua

susceptibilidade de gerar consumos. Defendemos que a possibilidade de ceder licenças colaterais

da marca é irrefutável no caso das marcas de grande prestígio, sendo ainda lícito nas marcas

tradicionais, ainda que com alguns condicionalismos472.

& 12 Na exposição que fizemos sobre o reconhecimento da função publicitária da marca pelo

Direito Industrial vigente, citamos COUTO GONÇALVES que, num profundo estudo sobre o

assunto, sintetizou em quatro premissas as motivações para que esta não seja uma função jurídica

protegida. Repete-se a argumentação: a) a legitimidade para o registo, que deveria fazer-se

mediante a força publicitária do sinal e não mediante o desenvolvimento empresarial de uma

actividade económica; b) o direito das marcas deveria atender ao direito de “comercializar o valor

publicitário da marca, fora dos limites do princípio da especialidade”; c) o conceito de contrafacção

deveria ser modificado, apenas sendo de perseguir a contrafacção da qual resulte prejuízo para a

472 Sem escamotear que a temática do merchandising é menos premente nas marcas tradicionais porquanto o facto de não serem sobejamente conhecidas do público torna-as menos apelativas para a celebração deste tipo contratual, sustentámos que, em determinados casos, este contrato pode ter por objecto marcas ordinárias. Assim, não se encontram justificações que impossibilitem o registo de uma marca com a finalidade exclusiva de ceder a sua utilização; por outro lado o alargamento da protecção do direito de uso exclusivo de uma marca, fora das classes para que a mesma havia sido registada, permite ao seu titular desfrutar da marca mais amplamente, sendo-lhe lícito ceder a terceiros a sua utilização no âmbito do jus excluendi alios, de acordo com o, expressamente, preceituado no art. 207.º (art. 258 do CPI 2003).

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HUGO LANÇA SILVA A FUNÇÃO PUBLICITÁRIA DA MARCA DE EMPRESA : 165

função publicitária da marca; d) a transmissão da marca deveria ser absolutamente livre, sem a

existência de sanções para o uso enganoso da marca.

Concordamos com a pertinência das premissas mas, para todas, oferecemos um diferente

entendimento. No que concerne à legitimidade, justificamos a desnecessidade de exercer uma

actividade empresarial; sustentamos a possibilidade de negociar a marca fora dos limites do

princípio da especialidade; sublinhamos que o conceito de usurpação de marca, não se detém nos

bens iguais, mas estende-se aos bens afins e ao risco de associação473; defendemos que o actual

Direito das Marcas consagra de forma absoluta a possibilidade de transmitir a marca, apenas

existindo uma proibição geral e residual.

1100.. CCOONNCCLLUUSSÃÃOO

13& Para se aferir da existência de uma função publicitária da Marca de Empresa juridicamente

protegida, impõe-se que o ordenamento jurídico tutele dois interesses dos titulares da marca:

impossibilite a terceiros, não autorizados, que desfrutem da capacidade sugestiva da marca e

permita, ao seu legítimo titular, beneficiar economicamente da atractividade do sinal.

Como tentamos demonstrar ao longo desta monografia, o actual Direito das Marcas, impede que

terceiros usufruam ilegitimamente da capacidade atractiva ou sugestiva da marca – as marcas de

grande prestígio, as marcas notórias, o alargamento do direito de uso exclusivo com a proibição de

registar uma marca em que existe um perigo de associação – e permite ao titular ressarcir-se

patrimonialmente do magnetismo da sua marca, realizando diversos negócios jurídicos (onerosos),

tendo a marca como objecto – transmissão da marca, licença de exploração, franquia e

merchandising –.

Por tudo e sendo a marca valorada como um bem jurídico autónomo, concluímos que a função

publicitária da marca é uma das funções do sistema, de crucial importância.

A função publicitária comporta ainda o desiderato de garantir a constância qualitativa dos bens,

bem como a sua superação. O que se defende encontra sustentação na premissa de, o titular da

marca, para manter imaculada a sua capacidade sugestiva ser instado a conservar as características

essenciais dos seus produtos ou serviços, de molde a manter a preferência dos consumidores.474

473 No que concerne à contrafacção, existe sempre um prejuízo para a capacidade publicitária ou sugestiva da marca; ainda que o consumidor não desconhece a ilegitimidade do produto ou serviço, a vulgarização dos bens disponibilizados no mercado, afecta a imagem da marca. 474 Sublinhe-se que “il consumatore finale dei beni, o l`utente dei servizi, rappresenta un obiettivo economico da ricercare, stimolare e coltivare” (VITO MANGINI, Il Marchio fra concorrenza e monopolio, (un`introduzione allo studio dei marchi d`impresa, RDC, Ano 1977, p. 229). Ainda neste sentido, GUGLIELMETTI, Marchi Ordinari, notoriamente conosciuti e celebri: differenze tra le tre figure e portata della loro protezione, secondo l`ordinamento giuridico italiano, RDC, Ano 1977, p. 392.

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