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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Marcos Rodrigo Machado A FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA Curitiba 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Marcos Rodrigo Machado

A FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Curitiba 2011

A FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Curitiba 2011

Marcos Rodrigo Machado

A FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Elton Venturi.

Curitiba 2011

TERMO DE APROVAÇÃO Marcos Rodrigo Machado

A FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de título de graduação no curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2011.

___________________________________

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Dr. Elton Venturi

Universidade Tuiuti do Paraná - Faculdade de Ciências Jurídicas

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Dedico o presente trabalho a minha querida mãe, Aparecida da

Silva Castilho, bem como ao meu irmão Ricardo da Silva

Castilho, pessoas que lutaram e acreditaram cada dia para que

esse sonho se realizasse. Newton uma vez disse “Se pude ver

tão longe, é porque gigantes me transportaram em seus

ombros.”, posso afirmar que não há frase melhor para

descrever esse momento, pois se aqui cheguei e se sou quem

sou, é graças a vocês dois. A vocês meu eterno amor e

carinho, obrigado!

Agradeço a minha família e meus por caminharem comigo

durante todos os anos de minha vida. Agradeço ao Escritório

Forti & Valdivieso Advogados, e em especial a Dra. Patrícia

Valdivieso, Dra. Márjorie Ruela de Azevedo Forti e Dr. Fábio

Forti, pela oportunidade de crescimento profissional, bem como

pela disponibilzação de várias horas para realização do

presente trabalho.

“A força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável.” Mahatma Gandhi.

RESUMO

O objetivo do presente estudo é, em um primeiro momento, estabelecer uma análise acerca da tutela cautelar e antecipada, integrantes do sistema conhecido como tutelas de urgência, delimitando a forma e razão pela qual cada um dos institutos ingressou no ordenamento jurídico. Em um segundo plano, pretende-se analisar a fungibilidade entre essas medidas, faculdade prevista no § 7º do art. 273. Por fim, pretende-se demonstrar em linhas gerais como ficará a configuração da tutela de urgência, bem como a sua fungibilidade, a luz do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.

PALAVRAS-CHAVE:

Fungibilidade, Tutela, Urgência, Antecipada, Cautelar.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10 1 – TUTELA CAUTELAR ...................................................................................................... 12 1.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................... 12 1.2 – CARACTERÍSTICAS E CONCEITO ............................................................................ 14 1.3 – DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO ..................................................................... 15 1.4 – DO FUMUS BONI IURIS .............................................................................................. 16 1.5 – DO PERICULUM IN MORA ......................................................................................... 17 2 – TUTELA ANTECIPADA ................................................................................................... 18 2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................... 18 2.2 – CARACTERÍSTICAS E CONCEITO ............................................................................ 22 2.3 – DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO ..................................................................... 24 2.4 – DA PROVA INEQUÍVOCA............................................................................................ 25 2.5 – DA VERROSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES........................................................... 26 2.6 – FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO E ABUSO DO DIREITO DE DEFESA ...................................................................................... 27 2.7 - DO PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO .................................... 28 2.8 – DA CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA COM BASE EM PEDIDOS INCONTROVERSOS .............................................................................................................. 29 3 – DISTINÇÕES ENTRE A TUTELA CAUTELAR E ANTECIPATÓRIA ......................... 30 3.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................... 30 3.2 – DA DIFERENÇA ENTRE OS EFEITOS DA TUTELA CAUTELAR E ANTECIPATÓRIA ................................................................................................................... 31 3.3 – DA DIFERENÇA ENTRE OS REQUISITOS AUTORIZADORES DE CADA MEDIDA .................................................................................................................................. 32 3.4 – DA DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AO PODER DISCRICIONÁRIO DO JUIZ ............ 33 3.5 – DA DISTINÇÃO EM RAZÃO DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPATÓRI INDEPENDENTEMENTE DE RISCO IMEDIATO ................................. 34 4 – DA FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA .................................... 35 4.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................... 35 4.2 – O PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA ................... 38 4.3 – A “MÃO DUPLA” DA FUNGIBILIDADE NAS TUTELAS DE URGÊNCIA ............ 41 4.4 – A JURISPRUDÊNCIA E A FUNGIBILIDADE DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA ..... 47 5. AS TUTELAS DE URGÊNCIA E A SUA FUNGIBILIDADE A LUZ DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ....................................................................... 50 5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .......................................................................................... 50 5.2 – A TUTELA DE URGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO E O FORTALECIMENTO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE ........................................................................................ 51 5.3 – DA TUTELA DE EVIDÊNCIA ...................................................................................... 55 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 62

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INTRODUÇÃO

Vivemos sob a égide de uma constituição que confere ao estado o

monopólio da jurisdição, de modo que nos dias atuais a denominada auto-tutela,

consubstanciada na idéia de cada indivíduo fazer “justiça” com as próprias mãos, já

está expurgada da legislação brasileira.

Nessa linha, a partir do momento em que dois ou mais indivíduos entrem em

conflito de interesses, e não consigam uma auto composição, terão de se valer do

estado Juiz que, por sua vez, apreciará o caso concreto e emitirá um

pronunciamento jurisdicional, dando fim à tensão pré-existente.

No entanto, a morosidade estatal na resolução dos conflitos supracitados,

bem como a longa duração dos ritos processuais, acabam atuando como fatores

desestimulantes para as partes, as quais muitas vezes acabam desistindo do

processo, ou até mesmo renunciando ao próprio direito.

Outrossim, em algumas ocasiões a lentidão no desfecho da lide acaba

gerando prejuízos irreversíveis que, por si só, acabam tornando o processo inefetivo.

Diante dessa situação de inefetividade na prestação jurisdicional, na qual as

partes não podem aguardar o deslinde do feito sem prejuízo ao direito pleiteado, é

que o legislador criou a tutela de urgência.

Hoje nossa legislação processual guarda dois grandes sistemas de medidas

emergenciais, quais sejam, a Tutela Cautelar, disposta nos artigos 796 ao 889 do

Código de Processo civil, e a Tutela Antecipada, inserida no mencionado Codex pela

lei 8.952 de 13 de dezembro de 1994. O primeiro com caráter nitidamente

assecuratório, tornando possível o resguardo da eficácia do provimento jurisdicional

que se pretende, enquanto que segundo busca o adiantamento dos efeitos que

seriam obtidos em um futuro pronunciamento.

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No entanto, não obstante cada um dos sistemas possuírem características e

requisitos próprios, a existência concomitante das referidas medidas na legislação

gerou, e ainda gera, grande polêmica e dúvida na doutrina e jurisprudência no

sentido de delimitar a natureza e cabimento de cada um dos institutos.

Em resposta ao dilema, sobreveio a lei 10.444, de 7 de maio de 2002, que

acrescentou o § 7º ao art. 273 do CPC e tornou possível o pleito de providências

cautelares a título de antecipação de tutela, instituindo uma verdadeira fungibilidade

entre as medidas.

No entanto, o novo texto legal trouxe novos questionamentos, alguns em

pauta até os dias atuais, notadamente acerca da aplicabilidade e extensão do

princípio da fungibilidade entre as tutelas de urgência.

O presente estudo visa abordar tais indagações, fazendo uma análise

acerca da tutela cautelar e antecipatória, tratando de suas peculiaridades e

aplicação, bem como a possibilidade da utilizar a fungibilidade entre as medidas,

inclusive pela denominada “via de mão dupla”.

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1 – TUTELA CAUTELAR

1.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O direito processual brasileiro funda-se sobre três espécies de processo1,

quais sejam, conhecimento, execução e cautelar, sendo este último um dos focos do

presente estudo.

O processo de conhecimento é aquele caracterizado pela produção

probatória, instauração de amplo contraditório, seja em relação aos fatos ou

argumentação jurídica, cuja vocação é gerar uma sentença de mérito (WAMBIER;

TALAMINI, 2010).

Por sua vez, o processo de execução consubstancia-se na efetivação de

ordem contida em documento dotado legalmente de força executiva.

Cumpre ressaltar que, ao menos no plano teórico, as atividades de cognição

e execução já deveriam dar cabo da missão constitucional conferida ao processo.

No entanto, é de notório conhecimento que a o provimento jurisdicional não

se obtém imediatamente, de modo que o direito material pleiteado só será atingido

após toda marcha processual, afinal, como Leciona Humberto Theodoro Júnior:

A composição do conflito de interesses (lide), através do processo, só é atingida mediante seqüência de vários atos essenciais que ensejam a plena defesa dos interesses antagônicos das partes e propiciam ao julgador a formação do convencimento acerca da melhor solução da lide, extraído do contrato com as partes e com os demais elementos do processo. (2010, p.489).

Ocorre que, não raro, a demora decorrente dos diversos atos processuais

acaba colocando em risco o resultado útil da demanda, podendo inclusive gerar o

1 É importante ressaltar que lei 11.232/05 alterou substancialmente o Código de Processo Civil e concretizou a

idéia de processo sincrético, trazida anteriormente pelas leis 8.952/1994 e 10.444/2002. Com a alteração, a execução dos títulos executivos judiciais passou a integrar uma fase subsequente do próprio processo de conhecimento denominada de Cumprimento de Sentença.

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perecimento do direito que seria declarado futuramente na sentença, tornando

ineficaz a prestação jurisdicional.

Foi levando em conta esse cenário que o legislador trouxe a tutela cautelar

como o terceiro instrumento a serviço do jurisdicionado para a consecução de seus

direitos e, conseqüentemente, o atingimento da paz social, função última do

processo.

As medidas cautelares, que já estavam presentes na Codificação de 1939

no Livro V, foram ampliadas e melhor sistematizadas no Código de Processo Civil de

1973 através do livro III, denominado “Do Processo Cautelar”, que, entre cautelares

típicas e atípicas, possui um total de 93 artigos.

A função precípua da Tutela Cautelar é justamente assegurar o resultado

prático das tutelas cognitiva e executória, servindo de instrumento processual para

estas. Nessa linha o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini2:

O processo cautelar é aquele por meio do qual se obtém meios de garantir a eficácia plena – toma esta expressão no sentido de produção efetiva de efeitos no mundo empírico – do provimento jurisdicional, a ser obtido por meio de futuro (ou concomitante) processo de conhecimento, ou da própria execução (seja esta desenvolvida em processo autônomo ou não).(2010, p.41/42).

Assim, a cautelar se mostra como a mais relevante das tutelas, pois será

utilizada “toda vez que uma situação de periclitação sinaliza para a frustração da

tutela principal em razão da impossibilidade de prestação da justiça imediata.” (FUX,

2004, p. 1549), tendo como finalidade precípua a segurança do provimento final.

2 A concepção clássica de processo cautelar como instrumento do processo principal foi difundida

mundialmente pelo jurista italiano Piero Calamandrei. Essa ideia encontra posicionamento contrário no direito processual brasileiro na pessoa do doutrinador Ovídio A. Baptista da Silva que concebe a existência de um Direito Substancial de Cautela, entendendo que as cautelares também possuem um caráter satisfativo, de modo que, em alguns casos, sequer seria necessário a instauração de um processo principal.

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1.2 – CARACTERÍSTICAS E CONCEITO

A tutela cautelar é revestida por quatro fundamentos principais, quais sejam,

autonomia, instrumentalidade, temporariedade e seguridade, cuja análise faz

emergir o conceito dessa modalidade de tutela jurisdicional.

A autonomia do processo cautelar fica evidente quando se observa que o

resultado deste nem sempre reflete o resultado do processo principal, de modo que

uma parte pode obter a procedência na ação cautelar mas não ter igual sorte no

feito principal, sendo que o inversa também é verdadeira. É justamente o que dispõe

o art. 810 no sentido de que “O indeferimento da medida não obsta a que a parte

intente a ação, nem influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento

cautelar, acolher a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor.”

O processo cautelar possui objeto e finalidade própria que não se

confundem com os do processo principal.

Diz-se, também, que tutela cautelar é instrumental, pois, ao revés da tutela

cognitiva e executória, esta tem como objetivo, na maioria das vezes, outro

processo, ao qual proporcionará segurança e efetividade. É o que se extrai da

própria redação do artigo 796 do Código de Processo Civil, o qual preceitua que “o

procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo

principal e deste é sempre dependente” Grifos nossos.

De outro giro, a tutela cautelar é temporária, tendo em vista que a sua

eficácia se estende enquanto durar o perigo de dano.

No tocante a seguridade, pode-se dizer que a tutela cautelar é

necessariamente preventiva, vez que consiste em evitar que o decurso de um

determinado lapso temporal ou atitudes do requerido possam acarretar no

perecimento do provimento final.

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Destarte, pode-se dizer que a tutela cautelar é o conjunto de medidas

autônomas de cunho eminentemente processual, cujo caráter instrumental e

transitório busca conservar uma situação de fato e/ou de direito, ou ainda uma

prova, sempre com o fito de assegurar o resultado prático da demanda principal,

tendo em vista o perigo de dano decorrente da demora na prestação jurisdicional.

1.3 – DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO

A tutela cautelar é um importante instrumento de consecução de justiça, vez

que impede o perecimento de direitos ante a impossibilidade de prestação

jurisdicional imediata. Ocorre que, todavia, nem toda situação é amparável por essa

espécie de tutela diferenciada, sendo certo que para se valer de tal procedimento o

jurisdicionado deverá demonstrar a existência de dois requisitos, o fumus boni iuris e

o periculum in mora.

Vale dizer, o autor terá que demonstrar objetivamente que o interesse que

pretende resguardar está sujeito a um possível dano derivado da demora no

processo principal (periculm in mora), bem como que o direito invocado é plausível,

consubstanciando-se aqui o fumus boni iuris.

Acerca do tema vale transcrever o ensinamento de José Frederico Marques:

No processo cautelar, dois são os pressupostos: a probabilidade de êxito da pretensão e o perigo de ficar comprometida, irremediavelmente, pela demora processual (periculum in mora). Tratando-se de garantia ao processo executivo, o primeiro dos pressupostos é inquestionável, porquanto existe pretensão processualmente liquida e certa. No caso de ter de garantir o processo cautelar, ao resultado do processo de conhecimento não basta uma pretensão possível e razoável: faz-se necessário o fumus boni iuris, a tornar provável o acolhimento da pretensão. Na conjugação do fumus boni iuris com o periculum in mora é que reside o pressuposto jurídico do processo cautelar. (2003, p.367).

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Como bem observado pelo autor, é a conjugação, ou seja, a presença

concomitante dos dois requisitos que autorizará o deferimento da medida cautelar,

sendo, por certo, inócua a demonstração de um sem a existência do outro.

1.4 – DO FUMUS BONI IURIS

A demonstração cabal do direito pretendido, com base em produção de

prova robusta e cognição exauriente, é própria do processo de conhecimento, onde

o juiz, após oportunizar o contraditório, e em juízo de certeza, irá declarar o direito.

É certo que tal concepção não se aplica à tutela cautelar que, por sua

própria natureza de urgência, não pode contar com grande dilação probatória.

Diante disso, é certo que no processo cautelar o juiz decidirá em sede de cognição

sumária, baseado tão somente em um juízo de aparência.

Assim, em se tratando de ação cautelar, não se faz necessário demonstrar

de forma incontroversa a existência do direito material que se encontra sob risco,

bastando que o autor demonstre que o direito que pleiteia é razoável.

Vale dizer, o fumus boni iuris, ou fumaça do bom direito, não consiste na

certeza acerca da existência do direito, mas na demonstração de forma razoável de

um direito que se pretende conservar. Em outras palavras, o direito em risco deve

ser plausível, não se exigindo prova exauriente a seu respeito.

O fumus exigido para a concessão da medida cautelar consiste no conjunto

mínimo de indícios que evidenciam o direito buscado, sendo que se o autor apenas

aduzir fatos não comprovados ou meras alegações este certamente não terá logrado

êxito em demonstrar a boa aparência de seu direito e, portanto, não fará jus à

concessão da tutela cautelar.

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Nessa linha Humberto Theodoro Júnior assevera que

“Não se pode, bem se vê, tutelar qualquer interesse, mas tão somente aqueles que, pela aparência, se mostram plausíveis de tutela no processo principal. Assim, se da própria narração do requerente da ação cautelar, ou da flagrante deficiência do título jurídico em que se apóia sua pretensão de mérito, conclui-se que não há possibilidade de êxito para ela na composição definitiva da lide, caso não lhe é de outorgar a proteção cautelar. (2010, p.500)

Destarte, fica claro que não basta demonstrar o direito aparente, essa

aparência tem que se mostrar boa (daí a expressão “fumaça do bom direito”), vale

dizer, a pretensão autoral deve ser pautada no mínimo de probabilidade de que o

direito que se pretende resguardar existe.

1.5 – DO PERICULUM IN MORA

O periculum in mora, ou risco da demora, consubstancia-se no fundado

receio da existência de um dano grave e de difícil reparação, decorrente da

morosidade processual ou de atos lesivos da parte ex adversa.

Nessa esteira, transcreve-se o artigo 798 do Código de Processo Civil:

Art 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. (Grifou-se)

Faz-se mister destacar a expressão “fundado receio”, vez que a pretensão

cautelar não pode estar amparada por uma mera hipótese de dano, devendo pautar-

se em uma situação objetiva, demonstrável através de algum fato concreto ou da

existência de uma lesão que provavelmente deva ocorrer ainda durante o curso do

processo principal, de difícil reparação ou irreparável.

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Quanto à necessidade de demonstrar a probabilidade do dano, vale trazer

ao estudo o entendimento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça João Otávio

de Noronha:

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. LESÃO AO ERÁRIO PÚBLICO. “(...) O periculum in mora significa o fundado temor de que, enquanto se aguarda a tutela definitiva, venham a ocorrer fatos que prejudiquem a apreciação da ação principal. A hipótese de dano deve ser provável, no sentido de caminhar em direção à certeza, não bastando eventual possibilidade, assentada em meras conjecturas da parte interessada. (...)” (REsp 821720/DF, 2ª Turma, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 30/11/2007, pág. 423.). (Grifou-se)

De outro giro, o risco de dano deve ter ligação com fatos ou atos que, se

consumados, efetivamente desequilibrem uma situação fática pré-existente entre as

partes, de tal sorte que o suposto evento danoso tem de ser considerável ao ponto

de justificar a utilização da tutela cautelar, daí a expressão “grave e de difícil

reparação”.

Em outras palavras, o dano deve ser efetivo ao ponto de não deixar brechas

ao julgador, restando evidente para este que a não concessão da tutela cautelar

certamente trará prejuízos consideráveis, e até irreversíveis, para a parte que a

pleiteia.

Em suma, “o risco da demora é o risco da ineficácia” (WAMBIER, 2008,

p.40).

2 – TUTELA ANTECIPADA

2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Não há dúvidas que inserção da tutela cautelar no ordenamento jurídico

brasileiro representou um grande passo para garantia de um processo socialmente

mais justo e, ao menos em primeira vista, mais capaz de atender sua missão

19

constitucional de garantir o acesso a uma justiça eficaz e útil.

Com o advento da referida medida, o poder geral de cautela previsto no

art.798 do CPC passou a constituir um verdadeiro pilar de salvação para o indivíduo

que precisava se socorrer da tutela jurisdicional, mas que não podia aguardar até a

execução de todos os atos processuais sem o perecimento do bem da vida

pretendido.

No entanto, esse instrumento processual prestava-se, como se presta até

hoje, unicamente para conservar o bem jurídico em litígio, o qual sofria uma

intervenção jurisdicional com o fito de garantir o resultado útil do processo, sem,

contudo, ingressar na esfera de direitos do autor até a prolação da sentença.

Assim, mesmo com a presença dessa modalidade de tutela preventiva, o

processo ainda se apresentava como uma longa e árdua marcha.

Face a inexistência de uma antecipação da tutela satisfativa (ou seja, a

realização do direito material no curso do processo), o autor tinha que percorrer todo

o processo de conhecimento, sujeitando-se aos seus recursos próprios, para

somente ao fim obter uma sentença que, por sua vez, seria submetida ao segundo

momento do caminhada, qual seja, o processo de execução, onde finalmente, após

os recursos cabíveis e o esgotamento do contraditório, a pretensão autoral seria

satisfeita.

Esse procedimento extremamente moroso acabava, em verdade,

representando um prêmio ao réu, que tinha a certeza que, por exemplo, seu

patrimônio só seria invadido após longos anos de tramitação do processo.

Nessa fase já era de notório conhecimento que somente a tutela preventiva

não mais dava cabo dos anseios da sociedade, de sorte que “o aumento da

população em escala geométrica e a falta de adequação do organismo judiciário à

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realidade das novas relações sociais acabaram gerando a demora na entrega da

tutela em favor de quem deve recebê-la” (BEDAQUE, 2006, p. 295/296), o que, não

raro, colocava em risco o próprio processo como instrumento de realização de

direitos, haja vista que as novas situações de conflituosas dessa sociedade

contemporânea já não podiam mais suportar o tempo necessário ao deslinde do

processo de conhecimento (MARINONI; ARENHART, 2007).

Como forma de minimizar os efeitos do tempo do processo passou-se a

utilizar indiscriminadamente a tutela cautelar para obter providências de natureza

satisfativa, o que se fazia com base no poder geral de cautela (art. 798 do CPC).

Ocorre que tal situação implicava numa desvirtuação do instituto, o qual certamente

não havia sido criado para tal finalidade.

É diante dessa nova realidade que se percebe que nosso modelo de

processo, cuja origem romana nos mantinha impregnados do conceito de que a

execução do direito material só poderia ocorrer após esgotamento de todo o

contraditório, estava caminhando no sentido oposto da sua razão de ser, qual seja,

realizar o direito material como vistas à pacificação social.

E isso porque, em razão das novas necessidades de tutela, a plenitude do

contraditório, fulcrado na certeza jurídica ou na coisa julgada, não podia mais ser um

pressuposto lógico-jurídico para se instaurar a execução, tampouco para a

concessão da tutela que satisfizesse o autor (MARINONI; ARENHART, 2007).

Tendo isso em mente, conforme leciona Humberto Theodoro Júnior:

Passou-se a defender algo mais efetivo que a medida cautelar, para antecipar, na medida do necessário à efetividade tutela jurisdicional, providências de mérito, sem as quais a tardia solução do processo acabaria por configurar indesejável quadro da “denegação de justiça”, sem embargo da vitória serodiamente alcançada no pretório. (2010, pg. 664).

Com a entrada da Constituição de 1988 em vigor, a sociedade conclamava

21

pela criação de uma nova medida processual que fosse capaz de, ao lado das

medidas cautelares, constituir um verdadeiro sistema de tutela de urgência,

assegurando tanto a conservação dos bens juridicamente tutelados para garantir o

resultado final da lide, como a satisfazendo o direito material em si durante o curso

do processo, tudo com vistas ao atendimento do princípio do acesso à justiça,

insculpido no art. 5º, inciso XXXV da nova Carta Magna.

Foi com esse espírito, e com a intenção de “recolocar as coisas em seus

devidos lugares” (BEDAQUE, 2006, p.296) que o legislador inseriu a tutela

antecipatória no ordenamento jurídico brasileiro, o que fez através da lei 8.952, de

13 de dezembro de 1994 (cuja redação foi posteriormente modificada pela lei

10.444, de 7 de maio de 2002), alterando o artigo 273 do Código de Processo Civil

que passou a ter a seguinte redação:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. § 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos

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pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Grifou-se)

A inovação legislativa importou em verdadeira revolução no sistema

processual brasileiro, acabando com o mito da nulla executio sine titulo de modo que

“o procedimento, até então informado pela cognição exauriente e com decisão sobre

o mérito apenas a final, passa a admitir, de forma genérica, soluções antecipadas e

provisórias, fundadas em cognição sumária” (BEDAQUE, 2006, p.299).

Desse modo, e desde que preenchidos os requisitos, tornou-se possível

antecipar provisoriamente os efeitos da sentença para o curso do processo naquelas

situações em que a demora na entrega do bem da vida pretendido, bem como nos

casos de evidente propósito protelatório do réu, importavam em inutilidade do

próprio provimento jurisdicional.

2.2 – CARACTERÍSTICAS E CONCEITO

Assim como a tutela cautelar, a tutela antecipada possui características

próprias, sendo as mais marcantes a dependência, satisfatividade, provisoriedade.

Diz-se que a tutela antecipada é dependente, ou não autônoma, pois esta

será sempre pleiteada na própria demanda principal, o que pode ser feito na exordial

ou no curso do processo através de petitório próprio.

Aliás, cogitar a idéia e que a tutela antecipada, onde se pretende um

adiantamento dos efeitos que se obteria na sentença, pressupõe a instauração de

processo autônomo é contrária ao próprio espírito do instituto que busca economia

processual, maior celeridade e efetividade de tal sorte que é “desnecessária a

instauração de processo antecedente para obtenção de medida prévia antes da

instauração do feito principal” (FUX, 2006, p. 58).

23

No tocante a satisfatividade, pode-se afirmar que, diversamente da tutela

cautelar, onde se pretende, na maioria das vezes, simplesmente resguardar o objeto

do litígio, a antecipação de tutela tem por objetivo a realização, em sede de cognição

sumária, da pretensão afirmado na inicial, ou seja, o juiz satisfaz o direito material do

autor, entregando-lhe desde logo o bem da vida pretendido, visto que a espera pela

sentença acarretaria no perecimento deste.

Outrossim, a tutela antecipada é provisória porque a decisão que lhe

concede irá operar seus efeitos até que ocorra sua substituição pela sentença, a

qual proporcionará a satisfação do direito material fundada em juízo definitivo, ou

seja, com base em cognição exauriente pautada em amplo contraditório e produção

probatória.

Essa provisoriedade também se justifica pelo fato de que a decisão que

concede a antecipação de tutela pode ser revogada a qualquer tempo no curso do

processo, caso o magistrado verifique que, ao revés do afirmado no petitório inicial,

o autor não possui direito à utilização do instituto.

Feitas essas considerações, a tutela antecipada pode ser conceituada como

instituto de direito processual que permite, nas situações descritas no art. 273 do

CPC, que o magistrado conceda a parte, em caráter de provisoriedade, a

antecipação, no todo ou em parte, dos futuros efeitos que se pretende obter na

sentença.

Nesses casos o magistrado se antecipa para, anteriormente ao momento em

que se normalmente julga o mérito, conceder à parte determinado provimento que,

de regra, só poderia ser entregue após o exaurimento e apreciação de toda a

controvérsia e prolatada a sentença definitiva.(THEODORO JÚNIOR, 2010).

De forma objetiva, pode-se afirmar que a tutela antecipatória é a técnica

24

processual que busca a distribuição do ônus do tempo no processo (MARINONI;

ARENHART, 2007).

2.3 – DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO

A tutela antecipada foi inserta no ordenamento jurídico com a intenção de

diminuir os reflexos do tempo do processo em relação ao direito material do autor, o

qual muitas vezes era concedido mas já não possuía qualquer utilidade, haja vista o

grande lapso temporal entre o pleito inicial e a concessão definitiva do bem da vida

pretendido.

São essas situações, tidas como urgentes, que autorizam a antecipação dos

efeitos da sentença durante o curso do processo, evitando com isso a ineficácia do

provimento jurisdicional.

Diante disso é certo que o legislador não deixaria a utilização desse

poderoso instrumento ao arbítrio do jurisdicionado, sendo que, com o fito de evitar

abusos e a desvirtuação do instituto, foram criados requisitos para a concessão.

Tais requisitos estão dispostos claramente no art. 273 caput, inciso I e II,

bem como nos parágrafos 2º e 6º.

Os pressupostos concessivos previstos no art. 273 caput e incisos I e II são

doutrinariamente classificados em necessários e cumulativos – alternativos.

São cumulativos-alternativos o receio de dano irreparável ou de difícil

reparação, presentes nos incisos I e II do artigo 273. Diz-se “alternativos”, pois não é

preciso que as situações sejam verificadas simultaneamente, o que fica evidente

pela utilização da partícula “ou”. Por outro lado, diz-se cumulativos, pois qualquer

uma das situações (seja do inciso I ou II) deverá obrigatoriamente se apresentar de

25

forma concomitante que a prova inequívoca que convença da verossimilhança das

alegações que, nessa medida, denomina-se de pressuposto necessário.

Daí se diz que os pressupostos dos incisos I e II são alternativos entre sí,

mas cumulativos com os pressupostos contidos no caput que, por sua vez, são

necessários para a concessão da tutela antecipada. (BUENO, 2007).

Já o requisito contido § 2, o qual estabelece que “Não se concederá a

antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento

antecipado”, pode ser definido como pressuposto negativo, pois para a concessão

da tutela antecipada, faz-se mister a sua ausência.

Por fim, o § 6º, que estabelece que “A tutela antecipada também poderá ser

concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se

incontroverso”, traz hipótese em que concessão de tutela antecipatória pode ser

deferida sem a existência do perigo de dano.

2.4 – DA PROVA INEQUÍVOCA

A prova inequívoca é aquela acerca da qual não cabe discussão, que não

deixa espaço para dúvidas. Em outras palavras, é a prova suficientemente robusta e

capaz de dar, per si, uma considerável margem de segurança ao juiz acerca da

existência ou da inexistência de um fato ou de uma relação jurídica.

É importante destacar que essa prova não é apenas a documental, pois, por

óbvio, a “prova inequívoca” segue a regra geral da teoria das provas, de modo que

“quaisquer meios de prova – respeitado, apenas, o limite constitucional do art. 5º,

LVI (provas obtidas por meio lícitos, portanto) – podem, no particular, conduzir o

magistrado à antecipação da tutela jurisdicional” (BUENO, 2007, P.37), afinal, se a

26

modalidade documental fosse a única forma de possibilitar o instituto “o legislador

não teria falado em prova inequívoca”, mas teria logo digo, para encerrar o assunto,

que somente a “prova documental” pode permitir a concessão da tutela

antecipatória” (MARINONI; ARENHART, 2007, p.209).

2.5 – DA VERROSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES

A verossimilhança das alegações corresponde ao juízo de convencimento

realizado em torno dos fatos narrados pela parte que requer a antecipação dos

efeitos da tutela, que deve se ater não somente em relação a existência do direito

material, mas também quanto ao perigo de dano irreparável ou ao abuso dos atos

de defesa e protelatórios do réu.

Pode-se dizer que há verossimilhança em toda a alegação que possua uma

aparência de verdadeira.

Esse requisito é indissociável daquele que o precede, afinal é justamente a

prova inequívoca, aquela da qual não cabe questionamento, que conduzirá o juiz a

entender por verossímeis as alegações trazidas aos autos.

Destarte, e para fins de concessão do pleito antecipatório, a verossimilhança

consiste na demonstração, com base probatória, de que a relação jurídica em litígio

“conduz à solução e aos efeitos que o autor pretende alcançar na sua investida

jurisdicional” (BUENO, 2007, p.38) ou, em outras palavras, é a “forte probabilidade

de que os fatos sejam verdadeiros e o requerente tenha razão”.(BEDAQUE, 2006, p.

344).

27

2.6 – FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO E ABUSO DO DIREITO DE DEFESA

Como já demonstrado, para a concessão da tutela antecipada é

imprescindível que o requerente traga ao processo uma prova forte o suficiente para

formar o convencimento do juiz no sentido de que suas alegações possuem

aparência de verdade.

No entanto, só a presença destes elementos é não insuficiente para pleitear

que os efeitos da sentença sejam antecipados. É preciso mais.

É o que se percebe na própria leitura do art. 273, inciso I e II do CPC onde,

logo após a exigência de prova inequívoca que convença da verossimilhança das

alegações, o legislador trouxe como conditio sine qua non para a concessão da

tutela antecipada a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação ou, ainda, a caracterização do abuso de direito de defesa ou o manifesto

propósito protelatório do réu.

Essas exigências decorrem da própria razão que fez o legislador inserir a

tutela antecipatória no ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, garantir a utilidade

do processo em face do tempo necessário à realização do contraditório e ampla

defesa.

O requisito do inciso primeiro representa o fundado temor da ocorrência de

graves prejuízos caso os efeitos do provimento final não se operem imediatamente.

Esse temor deve ser concretamente demonstrável através de dados seguros,

baseados em prova idônea, que façam o magistrado visualizar que ou concede a

tutela ou o provimento final será de todo inútil ao requerente.

Frise-se que o legislador pretendeu tão somente proteger a possibilidade de

dano real em face da morosidade processual, sendo certo que o simples fato de ter

28

que percorrer o contraditório (cujos atos notadamente demandam um tempo

elevado) não dá azo à concessão da tutela antecipada.

Destarte, é preciso que haja um “risco de dano anormal, cuja consumação

possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte”

(THEODORO JÚNIOR, 2010, P.675).

Por outro lado, o requisito presente no inciso segundo representa a

possibilidade de antecipar a tutela pretendida na inicial nos casos em que o réu

abusa do seu direito de defesa através da utilização de argumentos inconsistentes,

interposição de recursos infundados e de caráter eminentemente procrastinatório,

enfim deixa de agir com boa-fé na relação processual com o único intuito de

“retardar” o andamento do feito e a conseqüente satisfação do direito do autor.

Esse comportamento temerário constitui ofensa aos princípios

constitucionais que amparam a legislação processual, afinal o contraditório e a

ampla defesa se prestam a aproximar o julgador da verdade efetiva com o fito de

evitar injustiças, e não como prêmio ao réu que encara o processo como mero

instrumento de protelação ao adimplemento de uma obrigação pré-existente.

Diante destas situações, e desde que se demonstre através de prova

contundente (inequívoca, diga-se que o réu muito provavelmente está abusando de

seu direito de defesa com intuito protelatório, a concessão da tutela antecipada é

medida de direito que se impõe “não se justificando seja o autor apenado com

retardamento indevido do provimento jurisdicional” (BEDAQUE, 2006,p. 331).

2.7 - DO PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO

Muito embora a tutela antecipada proteja situações de urgência e que

29

demandam de proteção especial, para que sejam antecipados os efeitos do futuro

pronunciamento jurisdicional é preciso se observar se a medida imposta não trará

prejuízos graves ou insuportáveis ao réu.

Para tanto, o § 2º do art. 273 traz consigo um verdadeiro pressuposto

negativo, cuja presença desautoriza a concessão da tutela antecipatória. Vale dizer,

toda vez que houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, deverá o

magistrado negar a sua concessão.

Traçadas essas linhas, se faz oportuno a transcrever a lição do célebre

processualista José Miguel Garcia Medina:

O § 2º do art. 273 dispõe acerca de um requisito negativo: não poderá ser concedida a antecipação dos efeitos da tutela se irreversíveis os seus efeitos. Ao examinar o requisito, deverá o juiz verificar se se encontra presente o periculum in mora inverso, isto é, se, com a concessão da medida, causar-se-á dano irreparável ao réu. (2011, p.261)

Há que se destacar que não se trata de pressuposto absoluto, pois, em

determinados casos, a não concessão da liminar pode implicar em irreversibilidade

dos danos que poderá ser sofridos pelo autor da demanda (MEDINA, 2011).

Nessa linha, a medida só não deve ser concedida quando houver real perigo

de irreversibilidade ao estado pretérito (NERY JÚNIOR; NERY, 2008).

2.8 – DA CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA COM BASE EM PEDIDOS INCONTROVERSOS

A Lei 10.444/2002, dentre outras providências, inseriu o § 6º no art. 273,

estabelecendo que “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um

ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Da simples leitura do texto legal é possível se extrair algumas questões

30

“chaves” do instituto, como por exemplo a necessária instauração de contraditório

para sua aplicação, haja vista que só é possível tornar tal fato incontroverso após a

parte adversa tomar conhecimento do mesmo e deixar de contestá-lo.

Além disso, assim como vários pedidos podem ser considerados

incontroversos, pode ocorrer de apenas um acabar sendo reconhecido como tal,

nesse caso pode o juiz julgá-lo desde já e determinar que o feito tenha

prosseguimento normal em relação aos demais (MEDINA, 2011).

É importante frisar também que o referido parágrafo não se configura como

uma tutela de urgência, haja vista a ausência de perigo de dano. Aliás o texto em

questão apresenta diversas diferenças em relação a tutela antecipada do caput e

inciso I do mesmo artigo. Tais diferenças são bem explanadas pelo já citada José

Miguel Garcia Medina:

Não se trata de instituto igual ao referido no caput do art. 273. No caso do § 6º, proferirá o juiz decisão fundada em cognição exauriente, e não sumária (como ocorre no caso do caput do mesmo artigo), e, julgando pedido em relação ao qual os fatos são incontroversos, estará, na verdade, a realizar o julgamento antecipado da lide. (2011, p.263).

O que parece, é que a hipótese em questão esta mal sistematizada no atual

CPC, haja vista que possui muito mais aparência de julgamento antecipada do lide,

nos termos do art. 330, do que de tutela antecipada propriamente dita.

3 – DISTINÇÕES ENTRE A TUTELA CAUTELAR E ANTECIPATÓRIA

3.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É inegável que tanto a tutela cautelar como a tutela antecipatória destinam-

se ao fim comum de garantir uma tutela jurisdicional útil e justa. No entanto, há de se

ter parâmetros de diferença acerca de cada um desses institutos, pois, em que pese

31

partilharem da mesma missão, não há dúvidas que possuem pressupostos e,

principalmente, aspectos e efeitos práticos bem distintos.

Destarte, e até mesmo como uma forma de visualizar na prática como cada

técnica deve ser utilizada, faz-se mister uma distinção, ainda que perfunctória,

acerca das duas espécies do gênero tutela de urgência.

3.2 – DA DIFERENÇA ENTRE OS EFEITOS DA TUTELA CAUTELAR E ANTECIPATÓRIA

A primeira, e talvez a mais evidente, das diferenças entre a antecipação de

tutela e a tutela cautelar são os efeitos de ambas e a forma como influem na esfera

do direito material de quem as pleiteia.

Ao passo que a tutela cautelar é meramente preventiva, tendo como

preocupação única a garantia de que o processo seja útil, conferindo efetividade e

segurança ao provimento futuro sem, contudo, satisfazer o direito material da parte,

a tutela antecipatória do art. 273, ao arrepio, possui notadamente efeito satisfativo,

pois repercute diretamente na esfera do direito material da parte, antecipando,

desde logo, os efeitos da sentença final de procedência, pois “não se limita a

assegurar o resultado útil procurado pelo autor, mas a ele confere imediatamente

esse resultado ou um resultado prático satisfativo (e não meramente acautelatório)”

(MARINONI; ARENHART, 2007, p. 223).

Para evidenciar essa distinção vale destacar o exemplo dos doutrinadores

supracitados que afirmam que diante do inadimplemento contratual “é visível a

diferença entre a tutela que dá ao autor desde logo o resultado do adimplemento e a

tutela que apenas assegura que tal resultado posso ser obtido” (MARINONI;

32

ARENHART, 2007, p.224).

Nessa linha, há uma drástica diferença entre compelir que a parte faça,

deixe de fazer, ou entregue alguma coisa imediatamente (satisfação sumária da

pretensão), e criar condições para que futuramente, essa mesma parte venha a

fazer, deixar de fazer, ou entregar alguma coisa sem, contudo, comprometer sua

utilidade (prevenção sumária).

3.3 – DA DIFERENÇA ENTRE OS REQUISITOS AUTORIZADORES DE CADA MEDIDA

A distinção entre a tutela antecipada e cautelar não se restringe, por certo,

ao campo dos efeitos, sendo que cada uma das técnicas processuais possui

pressupostos concessivos próprios.

Como já dito, a tutela antecipada, ao revés da cautelar, acarreta verdadeira

antecipação dos efeitos do provimento final, importando na relativização da regra de

que nulla executio sine titulo, o que implica em exigências e requisitos muito maiores

do que os inerentes a concessão da tutela cautelar.

Enquanto que a tutela cautelar exige o “fumus boni iuris”, que nada mais é

que a aparência que determinado seja “bom”, situação onde há um indício probatório

mínimo que faz o magistrado vislumbrar tão somente um tímido contorno do direito

pretendido pelo autor, a tutela antecipada exige “prova inequívoca” (e aqui veja-se a

força probatória muito mais intensa), “que convença acerca da verossimilhança das

alegações”, situação onde o magistrado deve enxergar quase que com perfeição

(jamais com absoluta certeza, posto que se trata de cognição sumária) o direito

pleiteado pela parte, bem como a possibilidade de inutilidade do processo caso esse

direito não seja concedido imediatamente.

33

Note-se que os requisitos para a concessão da tutela antecipada são muito

mais rígidos que os da tutela cautelar, pois ao passo que nesta é admissível a

concessão até mesmo em leve estado de dúvida quanto ao perigo de aguardar a

sentença final, naquela é necessário que se traga uma prova robusta, contundente,

forte o suficiente para conduzir o magistrado a um juízo de quase certeza no sentido

de que a não concessão da medida, efetivamente, maculará de forma irremediável,

no todo ou em parte, o provimento final.

Por outro lado, e para aproximar um pouco os requisitos das duas espécies

de tutela de urgência, há que se destacar que, em se tratando de tutela antecipada,

“o pressuposto do inciso I do art. 273, o “dano irreparável ou de difícil reparação”

pode, com perfeição, ser assimilado ao periculum in mora” (BUENO, 2007, p. 42)

que é classicamente concebido como um requisito da tutela cautelar.

3.4 – DA DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AO PODER DISCRICIONÁRIO DO JUIZ

Outra diferença relevante entre a tutela cautelar e a tutela antecipada é o

campo de atuação do magistrado, que acabou se tornando muito mais restrito nessa

do que naquela.

A tutela cautelar é norteada, dentre outros, pelo princípio da fungibilidade

das medidas cautelares, forte no art. 804 do CPC, que autoriza que o magistrado,

com a finalidade de assegurar o resultado útil do processo, defira providência de

natureza cautelar totalmente diversa da postulada pela parte.

Note-se o elevado poder discricionário que o legislador conferiu ao juiz, o

qual, ainda que não requerido pela parte, pode determinar a antecipação na

produção de uma prova, ou então que a parte ex adversa se abstenha de alienar

34

bens, quer seja para apurar a verdade dos fatos, quer seja para assegurar a

solvabilidade do devedor ao final da lide (THEODORO JÚNIOR, 2010), tudo de

acordo com as necessidades do caso concreto e com o fito de conferir utilidade ao

provimento final.

De outro vértice, em sede de antecipação de tutela, a discricionariedade do

juiz é praticamente nenhuma, sendo que este ficará sempre adstrito ao que for

postulado na inicial, é o que se extrai da própria leitura do art. 273, nos trechos em

que estabelece “a requerimento da parte” e “os efeitos da tutela pretendida no

pedido inicial”.

Aqui não há espaço para interpretação judicial, a medida a ser concedida,

caso fiquem comprovados os requisitos autorizadores, é justamente e a que for

especificada na exordial.

Destarte, mesmo que a parte busque direito que se encontra em estado de

periclitação, se formular, por falta de técnica ou por simples equívoco, antecipação

de providência que não satisfaça o direito material e que lhe seja de todo inútil, o

magistrado não poderá conceder medida diversa e mais adequada, ainda que

resulte em perecimento do direito pretendido (FUX, 2006).

A parcela do dispositivo em comento vem sofrendo grandes críticas por parte

da doutrina especializada, posto que representaria um retrocesso ao moderno

processo civil, que visa justamente a potencialização da finalidade do processo em

detrimento do rigor formal.

3.5 – DA DISTINÇÃO EM RAZÃO DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPATÓRI INDEPENDENTEMENTE DE RISCO IMEDIATO

Outra diferença substancial entre a tutela cautelar e antecipada são as

35

hipóteses em que o juiz tem o poder de antecipar os efeitos da sentença ao autor,

sem que haja a presença do risco de dano imediato e de difícil reparação.

Trata-se dos casos em que fique evidenciado o “abuso do direito de defesa

ou manifesto propósito protelatório do réu” e da hipótese onde “um ou mais dos

pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Na primeira hipótese é nítida a intenção do legislador ao tentar evitar que a

postura desrespeitosa do réu comprometa o resultado prático do processo, vez que,

como sabido, através da utilização de recursos infundados e artimanhas pouco

diplomáticas (por exemplo, retirar o processo em carga e devolver meses depois,

enviar os autos para cópia a cada momento, peticionar por qualquer motivo no

intuito de deixar o processo sempre aguardando juntada, etc.) é possível

procrastinar significativamente o andamento do feito.

Já na segunda situação, onde se tem pedidos incontroversos, gravitaria em

torno destes uma presunção de veracidade, não havendo motivos para fazer o autor

aguardar até o provimento final. Essa hipótese em muito se assemelha ao

julgamento antecipado da lide previsto no art. 330 do CPC.

De toda sorte, o que se percebe nessas duas hipóteses de antecipação de

tutela é que não há uma situação de risco imediato, inexistindo correspondência

normativa nesse sentido em relação a tutela cautelar que sempre exigirá, a rigor do

artigo 798 do CPC, a existência do perigo de dano grave e de difícil reparação ou,

em outras palavras, o periculum in mora.

4 – DA FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

4.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Após o advento da Constituição Federal de 1988 se iniciou o período de

36

reforma da legislação processual civil brasileira, sendo que a primeira grande “onda”

reformatória veio com a lei 8.952/94, que alterou o art. 273 do CPC e inseriu o

instituto da Tutela Antecipada.

Ocorre que, com a inserção do novo instituto, passaram a existir duas

espécies de provimentos urgentes no diploma processual (cautelares e satisfativos),

o que gerou uma grande polêmica e dúvida, tanto na doutrina como na

jurisprudência, acerca da aplicabilidade de cada uma dessas técnicas processuais.

Em um primeiro momento essa dúvida pode parecer um tanto quanto

infundada, afinal se tomarmos por base uma análise puramente teórica é possível

estabelecer alguns parâmetros de distinção que podem auxiliar no momento da

aplicação das medidas, o que, em princípio, resolveria o problema.

Pois bem, se no plano da teoria a questão parece muito simples, quando

transposta para a prática e perante o subjetivismo dos operadores do direito, a

matéria ganha contornos especiais e uma elevada dificuldade no estabelecimento de

critérios seguros para classificação e distinção do que seria provimento satisfativo

(caso de tutela antecipada) e o que seria provimento de caráter puramente

conservatório (caso de tutela cautelar).

Diz-se que distinção entre os institutos tornou-se uma tarefa difícil, pois “o

que é “antecipar” para muitos não passa de mero “acautelamento” para outros e

vice-versa”(BUENO, 2007, p. 140).

Com efeito, essa incerteza na doutrina e jurisprudência passou a trazer

graves prejuízos aos jurisdicionados, que por diversas vezes tinham seus pedidos

indeferidos por questões puramente formais, sendo que o judiciário mostrava-se de

todo insensível ao fato de que tais medidas tratavam de questões urgentes, bem

como às possíveis lesões a que o requerente era exposto em razão do

37

indeferimento.

Apenas para se ter uma dimensão do problema, tomemos como parâmetro o

exemplo mais marcante da doutrina, a sustação de protesto, situação clássica onde

a incerteza quanto à natureza da providência pairava sobre a cabeça dos

magistrados. Muitas vezes movia-se ação anulatória de título e pedia a antecipação

dos efeitos da tutela para que o protesto fosse sustado, como resultado tinha-se o

indeferimento da medica sob a fundamentação de que a sustação de protesto

constituía providência de caráter cautelar. Por outro lado, e em tantas outras

oportunidades, formulava-se a mesma pretensão, mas dessa vez sob a roupagem

de medida cautelar preparatória, e novamente o indeferimento era a resposta

judicial, mas dessa vez sob o argumento de que o ato de sustar um protesto tornou-

se providência de natureza antecipatória, haja vista seu elevado grau de

satisfatividade decorrente do advento da lei 8.952/94 (BUENO, 2007).

Independentemente do meio utilizado, o fato é que, não raro, o protesto de

uma dívida que sequer existia era realizado e o dano, muitas vezes irreversível, se

consumava. Com isso, em princípio, a técnica era preservada, mas a utilidade do

processo como instrumento de justiça acabava sendo totalmente desconsiderada.

Sensível ao rumo que a aplicação dos institutos estava tomando (totalmente

destoante da missão constitucional atribuída ao processo, diga-se), e com o fito de

evitar situações desse gênero, foi que o legislador impulsionou a segunda grande

reforma do direito processual civil. Assim, através da lei 10.444/02, acrescentou-se o

§ 7º ao art. 273 do CPC, o qual passou a estabelecer que “Se o autor, a título de

antecipação de tutela requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz,

quando presentes os respectivos pressupostos deferir a medida cautelar em caráter

incidental do processo ajuizado.”

38

Com isso insere-se expressamente no ordenamento jurídico o que já era

denominado e aceito pela melhor doutrina como princípio da fungibilidade entre as

tutelas de urgência, trazendo consigo “a possibilidade de substituição dos

procedimentos sem prejuízo ao oferecimento da tutela pretendida” (DIAS, 2003, p.

176).

4.2 – O PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Com a nova redação do § 7º do art. 273 do CPC, o autor passa a ter a

faculdade de pleitear, no bojo do processo principal, providência de natureza

puramente cautelar a título de antecipação de tutela, desde que, por óbvio, consiga

demonstrar os requisitos autorizadores da tutela conservativa, quais sejam, o fumus

boni iuris e o periculum in mora.

Diante disso, é forçoso reconhecer a evolução trazida pela reforma, haja

vista que tornou possível a concessão de tutela de urgência em situações que

outrora o indeferimento, sob o argumento de eleição de via inadequada, era

resposta praticamente certa.

O princípio da fungibilidade entre as tutelas de urgência representa uma

tentativa do legislador em se adequar a uma realidade do direito brasileiro onde

cada vez mais se considera o processo na sua finalidade e não na sua forma.

Para essa concepção, pouco importa que haja dificuldade no campo prático

acerca de qual é a natureza da providência que precisa ser tomada, se satisfativa ou

acautelatória, o que se deve ter em mente é que ambas as tutelas fazem parte de

um só gênero, concebido como tutela de urgência, e que existem justamente para

afastar o perigo de dano decorrente da demora na prestação jurisdicional.

Com efeito, o magistrado que se prende ao rigorismo tecnicista corre sério

39

risco negar providências urgentes por questões de ordem puramente formal,

privando com isso o jurisdicionado de uma tutela efetiva e célere, o que constitui

afronta aos princípios constitucionais insculpidos no art. 5º, inciso XXXV e LXXVIII

da Carta Magna, e que servem de base interpretativa de toda legislação processual.

Nessa esteira, é dever do juiz aplicar o princípio da instrumentalidade das

formas, forte nos arts. 244 e 250 do CPC, cujo cerne é de que a forma do ato

processual não pode frustrar o atingimento de sua finalidade substancial. Assim,

torna-se irrelevante que o ato não tenha seguido a forma prescrita em lei, desde que

se mostre apto a realizar a finalidade para qual foi proposto.

Em relação a tutela de urgência, como bem assevera Humberto Theodoro

Júnior “não é pelo rótulo, mas pelo pedido de tutela formulado, que se deve admitir

ou não seu processamento em juízo; assim como é pacífico que não se anula

procedimento algum simplesmente por escolha errônea de forma” (THEODORO

JÚNIOR, 2010, p. 661).

Nessa linha, há que se destacar que tanto na tutela cautelar como na

antecipatória, o que se pede é uma providência de caráter urgente para afastar o

perigo de dano enquanto o processo aguarda uma sentença de mérito. Ressalte-se,

também, que a distinção de procedimento entre ambos reside simplesmente no fato

de que a tutela cautelar deve ser processada em autos apartados, enquanto que a

tutela antecipada ocorre no próprio processo principal.

Destarte, formular pretensão de natureza cautelar ou antecipatória de forma

diversa do que a lei processual preceitua (manejando uma no lugar da outra, por

exemplo) não constitui nada além de mero equívoca de ordem formal, sendo certo

que questões desse tipo não podem desviar o foco atribuído constitucionalmente ao

processo, consistente em servir de forma efetiva o direito material.

40

Levando isso em consideração, o princípio da fungibilidade entre a tutela

antecipada e cautelar representa um verdadeiro fator de erradicação de injustiça,

pois foi inserido com a intenção precípua de que “ninguém mais se visse barrado de

litigar no Estado-juiz em função de uma discussão, utilíssima e importantíssima no

plano teórico, mas que não faz nenhuma diferença no foro, no dia a dia forense.”

(BUENO, 2007, p. 142).

Além disso, a inserção trouxe consigo outras conseqüências que também

representam avanços para ciência processual, uma delas é um considerável

fortalecimento da tutela antecipada que “agora pode tanto adiantar efeitos da

decisão definitiva de mérito quanto oferecer tutelas de natureza cautelar” (DIAS,

2003, p.181).

Esse fortalecimento, por sua vez, implica numa desnecessária duplicação de

processo, dispensando a cautelar preparatória (que caiu em severo desuso) para

pleitear a providência na própria petição inicial do processo principal,

homenageando o princípio da economia processual.

Enfim, a alteração trazida pela lei 10.444/2002 trouxe consigo mudanças

significativas para o tratamento das tutelas antecipada e cautelar, de modo que

deveria ter encerrado a discussão acerca da fungibilidade entre essas das espécies

de tutela de urgência.

Ocorre que o legislador, nem sempre técnico, como sói acontecer, falou

menos do que deveria, pois deixou claro no texto do § 7º do art. 273 a possibilidade,

desde que preenchidos os requisitos, de requerer providências de natureza cautelar

a título de antecipação de tutela, no entanto, não fez qualquer referência acerca da

possibilidade de manobra no sentido inverso.

41

4.3 – A “MÃO DUPLA” DA FUNGIBILIDADE NAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Como já mencionado, a lei 10.444/2002 trouxe claramente a possibilidade

de se pleitear providências eminentemente cautelares a título de antecipação de

tutela, no entanto o §7º do Art. 273 nada dispôs acerca da possibilidade de executar

o caminho contrário, consistente em pleitear providência antecipatória no bojo do

processo cautelar, dando a entender, através de uma interpretação literal, que a

referida fungibilidade ocorreria somente no sentido vetorial da tutela cautelar para a

antecipada.

Diante dessa questão, decorrente de pura imprecisão legislativa, nova

polêmica foi instaurada no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Afinal, seria mesmo

possível aplicar o princípio da fungibilidade nos dois sentidos? Ou então teria sido

realmente a intenção do legislador restringir a aplicação de tal princípio à hipótese

prevista no § 7º do art. 273 do CPC?

Com o passar do tempo, e como forma de solucionar o dilema, a doutrina

formou três correntes bem definidas acerca do tema. A primeira se mostra

totalmente contrária a ampliação da hipótese expressa no texto legal, a segunda

favorável, mas de forma moderada e a terceira, a qual parece ser a mais acertada,

sustenta a fungibilidade entre as medidas sem qualquer restrição, tanto no sentido

de pleitear providências cautelares a título de antecipação de tutela como requerer

medidas antecipatórias em sede de processo cautelar. Vejamos cada uma delas.

A primeira corrente, que conta como o apoio do Ministro do STF, Luiz Fux,

nega a aplicação da manobra inversa do princípio da fungibilidade sob duas

premissas principais. Inicialmente o caminho inverso seria incabível haja vista que

os requisitos da tutela antecipada são muito mais rígidos e numerosos que o da

tutela cautelar, de modo que pleitear providência de caráter satisfativo pautado em

42

mera plausibilidade (fumus boni iuris) iria contra o próprio instituto da tutela

antecipada, que exige prova inequívoca capaz de convencer da verossimilhança

(juízo próximo da certeza).

Afirma, ainda, que o caminho inverso é inadmissível haja vista a existência

de previsão expressa no texto legal admitindo unicamente o pleito de medidas

cautelares no processo principal e a título de antecipação de tutela sendo que “o

deferimento de tutela satisfativa no bojo do processo cautelar violaria frontalmente o

devido processo legal” (FUX, 2006, p.74).

Nesse ponto temos que pedir vênia para discordar dessa corrente

doutrinária, pois em que pese a inegável disparidade de requisitos entre tutela

antecipada e cautelar, o que se vê na prática é que muitos magistrados sequer

observam as provas acostadas aos autos para verificar se alguma delas não se

mostra inequívoca o suficiente para demonstrar a verossimilhança das alegações do

autor. Simplesmente se indefere a medida sob o cômodo argumento de que não

cabe pedido de tutela antecipada em procedimento cautelar.

Por outro lado, o devido processo legal não pode ser visto como uma

seqüência de atos estanques que precisam seguir rigorosamente a forma

estabelecida em lei sob pena de nulidade.

Deve-se, sempre que possível, observar o já mencionado princípio da

instrumentalidade das formas, bem como o princípio “pas de nullitè sans grief”,

aplicável ao âmbito do processo civil, segundo o qual não se decreta a nulidade de

ato processual sem que haja prejuízo.

Já a segunda corrente, um pouco mais moderada e contanto com o apoio de

processualistas ilustres como Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,

admite a aplicação do princípio da fungibilidade nos dois sentidos, ressalvando, no

43

entanto, que, mesmo nas hipóteses autorizadas expressamente em lei, para a

aplicação de tal princípio faz-se mister que haja dúvida razoável.

Diante disso, asseveram os doutrinadores supra que “é correto admitir a

concessão de tutela de natureza antecipatória ainda que ela tenha sido postula com

nome da cautelar” (MARINONI; ARENHART, 2007, p.224) e continuam “Nesse caso,

não existindo erro grosseiro do requerente, ou em outras palavras, havendo dúvida

fundada e razoável quanto à natureza da tutela aplica-se a idéia de fungibilidade”

(MARINONI; ARENHART, 2007, p. 224).

Para essa corrente doutrinária, existe uma limitação na incidência do

princípio da fungibilidade mesmo no caso da aplicação expressamente autorizada

pelo art. 273, §7º, vez que a intenção do legislador seria evitar prejuízos quando

houvesse nebulosidade em relação à natureza da tutela pleiteada, ou seja, quando

existisse um equívoco fundado e razoável por parte do jurisdicionado.

Nessa linha de pensamento, não seria admissível a incidência da norma

supracitada em casos de medidas cautelares típicas, como é o caso do arresto ou

sequestro, pois nesses casos, diante da clareza do texto legislativo, a escolha da via

incorreta revelaria um erro crasso, impondo-se o indeferimento da medida.

Tal posicionamento também não parece ser o mais adequado,

primeiramente porque a expressão “equívoco razoável” traz consigo uma carga

extremamente elevada de subjetivismo, de modo que o erro fundado de alguns pode

parecer crasso aos olhos de outros, o que novamente instalaria uma situação de

insegurança ao jurisdicionado. Não vale a pena sacrificar direitos por estima elevada

à argumentação teórica.

Por outro lado, e aqui sim é preciso se fixar na interpretação literal, o texto

legal faz menção tão somente a expressão “requerer providência de natureza

44

cautelar”, sem fazer qualquer restrição no sentido da providência se tratar de

cautelar típica ou atípica, valendo aqui o velho brocardo que diz “onde o legislador

não restringiu, não cabe ao intérprete fazê-lo”.

Ademais, a bem da verdade é que se elevarmos a análise para um grau de

abstração um pouco maior, os requisitos essenciais para a concessão de medidas

cautelares típicas são basicamente o fumus boni iuris e o periculim in mora, e

presentes estes requisitos, a concessão de providência cautelar requerida a título de

antecipação de tutela é medida impositiva ao magistrado.

Por fim, a terceira corrente, que entendemos possuir o posicionamento mais

adequado ao processo civil contemporâneo, prima pela aplicação ampla do princípio

da fungibilidade nas tutelas de urgência, consagrando, inclusive, a expressão

“fungibilidade de mão dupla” que admite tanto o requerimento de providências de

natureza cautelar a título de antecipação de tutela, tal como expresso no art.273, §7º

do CPC, como a postulação de providência antecipatória em sede de processo

cautelar.

Nessa seara, vale a transcrição da lição de Cândido Rangel Dinamarco:

O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida a antecipação de tutela. Também o contrário, está autorizado, insto é: também quando feito um pedido a título de medica cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela. (2002, p.92).

Ora, como já salientado, está claro que a insuficiência textual do § 7º do art.

273 do CPC foi uma deficiência legislativa, uma limitação redacional, que

certamente não pode comprometer a missão que se prestou a dita reforma, qual

seja a de trazer um processo mais justo e que atenda os postulados de eficiência e

razoável duração do processo legal.

Nessa medida, e como bem salienta Bedaque, “Embora o legislador refira-se

45

somente à possibilidade de substituição da tutela antecipada por cautelar, não pode

haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível

conceder a tutela antecipada em lugar da cautelar” (BEDAQUE, 2006, p. 388).

Essa premissa decorre da própria lógica vivenciada pela ciência jurídica

atualmente, no sentido de que a Constituição Federal, nossa lei suprema, serve

como prisma para interpretação de todos os “ramos” do direito, sendo que, por

óbvio, o direito processual civil não escapa a regra.

Com efeito, os valores que norteiam a aplicação do princípio da fungibilidade

estão presentes no art. 5º, XXXV, que a segura que a lei não excluirá do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Logo, se um direito está em risco, e para que este seja afastado seu titular

pede providência satisfativa por meio de processo cautelar, é certo que tal pleito não

pode ser indeferido sob o argumento de que o texto legal não prevê essa

possibilidade expressamente.

Quando se fala em tutela de urgência, o que menos importa é se consta ou

não redação expressa na lei, pois “A “fungibilidade” ou a conversão de um

requerimento no outro é providência impositiva ao magistrado e deriva não da lei,

mas do sistema processual constitucional” (BUENO, 2007, p.144).

De outro giro, a mesma lei que inseriu o princípio da fungibilidade no art. 273

(lei 10.444/2002), introduziu na CF o inciso LXXVIII, estabelecendo que “a todos, no

âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e

os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, de modo que não parece

crível que haja um retardamento na prestação jurisdicional em decorrência de

indeferimentos realizados com base em uma imprecisão legislativa.

Para se ter uma ideia dos males que uma aplicação inflexível do princípio da

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fungibilidade pode causar, basta que tomemos como exemplo o indivíduo que sofre

de uma doença rara e que se não tratada pode levá-lo a óbito em poucos meses,

sendo que o medicamento necessário o tratamento da enfermidade possui um valor

exorbitante e não é fornecido pelo sistema único de saúde.

Com base nisso, o jurisdicionado ingressa com demanda em face do estado

para que antecipe os efeitos da sentença e lhe entregue imediatamente o

medicamento, mas o faz através de processo cautelar preparatório juntando,

contudo, vasta documentação comprovando efetivamente que o que está sendo

alegado é verdade e que a não concessão dessa tutela satisfativa implicará no

perecimento do bem jurídico mais preciso para o ordenamento, a vida.

Não obstante a urgência da medida e a necessidade de realização do direito

material, o autor obtém como resposta o indeferimento de sua medida sob o

fundamento de que “o texto do art. 273, §7º, não autoriza o deferimento de medida

de natureza antecipatória pleiteada em processo cautelar”.

Ora, não parece que uma decisão nesse sentido vai de encontro com a

concepção constitucional do processo civil, onde este é visto como um instrumento

de justiça apto a realizar o direito material de forma efetiva. O que se vê não é um

julgamento tendo o processo como meio (instrumento), mas sim um fim em si

mesmo, o processo pelo processo, independentemente do resultado que este venha

a produzir.

Certamente não é esse o pensamento que deve nortear o processo civil

moderno, sendo que a melhor e mais especializada doutrina segue o entendimento

de que “questões meramente formais não podem obstar à realização de valores

constitucionalmente garantidos” (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 662).

É importante frisar que não se pretende com essa interpretação privilegiar o

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litigante que tenta no bojo do processo cautelar obter providência satisfativa com

base no art. 798, ou seja, em mera plausibilidade do direito, sendo que a tutela

antecipada só poderá ser deferida em sede de procedimento cautelar se

concorrerem os pressupostos do art. 273 que, por óbvio, são mais robustos e

numerosos.

4.4 – A JURISPRUDÊNCIA E A FUNGIBILIDADE DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA

Até certo ponto a novidade instituída pela lei 10.444/2002 foi bem recebida

pela jurisprudência, o que revela que a inserção do princípio da fungibilidade no

campo das tutelas de urgência era realmente uma medida que já não mais podia

esperar.

Com efeito, a questão já foi até mesmo apreciada pelo Superior Tribunal de

Justiça que vem aplicando largamente o § 7º do art. 273 do CPC, inclusive

admitindo a possibilidade da fungibilidade pela via de “mão dupla”, entendendo

como legítima a formulação de pedido antecipatório no processo cautelar:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA - PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - CARÁTER SATISFATIVO - TUTELAS DE URGÊNCIA - FUNGIBILIDADE - POSSIBILIDADE - ART. 273, PAR. 7º, DO CPC - INTERESSE DE AGIR - EXISTÊNCIA, IN CASU - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, PARA PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO - NECESSIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - Nos termos do art. 273, § 7º, do CPC, admite-se a fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias da tutela, sendo possível, portanto, o recebimento do pedido cautelar como antecipação da tutela; II - O entendimento do Tribunal de origem, no sentido de que carece interesse de agir a parte que apresenta medida cautelar com pedido de antecipação de tutela, não se coaduna com a jurisprudência do STJ sobre a matéria; III - Recurso especial provido. (STJ - RESP. 2009/0142390-3, 3ª Turma, Ministro MASSAMI UYEDA, Dje 11/11/2010) – Grifamos.

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No mesmo Sentido:

PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - TUTELAS DE URGÊNCIA - FUNGIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 273, § 7º, CPC – MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMO MEIO ADEQUADO - INTERESSE DE AGIR - RECONHECIMENTO. 1. "O art. 273, § 7º, do CPC, abarca o princípio da fungibilidade entre as medidas cautelares e as antecipatórias da tutela e reconhece o interesse processual para se postular providência de caráter cautelar, a título de antecipação de tutela. Precedentes do STJ". (REsp 1011061 / BA, Relator(a) Ministra ELIANA CALMON, Dje 23/04/2009) 2. A interpretação da Corte de origem, de que carece interesse de agir a parte que apresenta pleito cautelar quando o correto é antecipatório, distancia-se da interpretação que o STJ confere à matéria. 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp. 2007/0295663-2, 2ª Turma, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 15/10/2009) – Grifamos.

Em que pese a ampla aplicação da fungibilidade pelo Superior Tribunal de

Justiça, os Tribunais de Justiça Estaduais ainda divergem muito em relação a

aplicação da norma em comento, notadamente quando se fala na aplicação pela já

mencionada via inversa.

No julgamento do recurso de apelação colacionado abaixo, por exemplo, o

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu como possível o deferimento

de providência de natureza antecipatória pleiteada como medica cautelar, usando

como fundamento principal a identidade entre as medidas:

MEDIDA CAUTELAR- Banco de dados - Pretensão à exclusão do nome dos demandantes dos órgãos de proteção ao crédito - Reversibilidade da medida verificada - Re-inserção possível a qualquer tempo - Possibilidade, ademais, de propositura das ações pertinentes pela credora para recebimento de seu crédito - Possibilidade de levantamento a qualquer tempo da suspensão dos efeitos publicísticos, de caráter precário- Irrelevância da natureza jurídica do provimento liminar - Fungibilidade de mão dupla do art. 273, § 7º, do CPC - Adequação do pedido reconhecida - Extinção sem resolução do mérito afastada - Apelação provida para esse fim BANCO DE DADOS - Órgãos de proteção ao crédito - Informação de futuro ajuizamento de ação revisional de contrato - Plausibilidade no objeto perseguido - Possibilidade de lesão irreparável ou dano de difícil reparação - Suspensão dos efeitos publicísticos dos registros efetivados, mediante caução em dinheiro - Orientação do STJ nesse sentido - liminar concedida.273§ 7ºCPC. (…) Quanto à distinção do objeto da medida proposta – tutela antecipada ou medida cautelar – nota-se uma quase inexistente linha divisória a distingui-las, na hipótese ventilada dos autos. A revisão dos contratos não

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acarretará, necessariamente, a declaração de inexistência de débito, não se constatando, nesse raciocínio, a índole satisfativa. Contudo, verifica-se a existência de plausibilidade no objeto perseguido: evitar lesão irreparável ou dano de difícil reparação, sabendo-se que a permanência do nome dos autores no rol dos devedores inadimplentes pode acarretar à atividade econômica que os autores desenvolvem prejuízos de grande monta que, invariavelmente, podem não ser adequadamente mensurados em período posterior à sua ocorrência. A fungibilidade prevista no § 7º, do art. 273 é via de mão dupla, isto é, permite ao Magistrado tanto converter pedido antecipatório em medida cautelar, como igualmente, trilhar o caminho inverso. (…) (TJ/SP – AP. Nº7278443900 - Relator: Ricardo Negrão, 19ª Câmara de Direito Privado, Dje 10/12/2008). Grifamos.

Como já ressaltado, a tese da fungibilidade pela “via de mão dupla”, ainda

não é amplamente aceita. Um exemplo disso é o julgado destacado abaixo, onde o

Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em interpretação mais formalista, decidiu pela

não aplicação do mencionado princípio. Veja-se:

PROCESSO CIVIL. CAUTELAR INCIDENTAL. NATUREZA DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. 1.A fungibilidade prevista pelo artigo 273, § 7º, do cpc, alcança, para parte da doutrina, a possibilidade de se conceder pedido de antecipação de tutela formulado como se cautelar fosse, consubstanciando a chamada fungibilidade de mão dupla.273§ 7ºcpc2.Contudo, mesmo para os adeptos desse entendimento, exige-se, sempre, que o pedido de natureza antecipatória tenha sido formulado no bojo do processo principal.3.Assim, revela-se inviável a concessão de pedido com natureza de antecipação de tutela, apesar de nomeado de cautelar, formulado em processo cautelar incidental autônomo, na medida em que se verifica, aí, a inadequação da via eleita, caracterizando a ausência de uma das condições da ação, qual seja o interesse de agir.4.Apelo conhecido e não provido. (TJ/DF – AP. 20050111173267, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: DJu 01/08/2006).

Como visto, o tema enseja entendimentos diversos, de modo que doutrina e

jurisprudência ainda estão longe de chegar a um consenso, isso porque as duas

espécies de tutela de urgência apresentam alguns traços fáceis de distinguir no

plano teórico, mas não tão perceptíveis no campo prático.

Há que se levar em conta também o subjetivismo inerente ao ser humano do

qual, por certo, o magistrado não consegue fugir, de sorte que, como já dito, o que

para uns é antecipatório para outros não passa de mero acautelamento.

50

Por fim, há esperança de que com a aprovação do Novo Código de

Processo Civil e suas mudanças concernentes a tutela de urgência (tema que será

abordado a seguir), tal discussão ganhe finalmente um termo.

5. AS TUTELAS DE URGÊNCIA E A SUA FUNGIBILIDADE A LUZ DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O projeto de lei 166/2010, que dispõe sobre o Novo Código de Processo

Civil Brasileiro foi elaborado pela comissão de juristas instituída pelo ato nº 379 de

2009 do Presidente do Senado.

A referida comissão foi presidida pelo atual Ministro do Supremo Tribunal

Federal, Luiz Fux e contou com a presença dos mais ilustres processualistas

brasileiros, dentre eles Teresa Arruda Alvim Wambier, como relatora, Humberto

Theodoro Júnior e José Roberto do Santos Bedaque.

O ponto central da comissão foi conduzir os trabalhos no sentido de elaborar

um projeto cuja marca principal fosse conferir maior celeridade e efetividade à

prestação jurisdicional, buscando colocar o processo civil em perfeita sintonia com

os preceitos constitucionais vigentes.

Nesse sentido, e com o fito de potencializar o processo como instrumento de

efetivação do direito, foram criados institutos novos e extintos outros que não se

mostravam mais eficazes.

Por óbvio as tutela cautelar e antecipatória foram objetivos do anteprojeto,

pois na fase instrumental do processo em que vivemos não há como falar em

efetividade e celeridade sem obrigatoriamente enfrentar a questão concernente a

tutela de urgência.

51

Aliás, como será visto a seguir, o anteprojeto deixa claro que, mais do que

nunca, a concepção doutrinária e jurisprudencial pátria vislumbram as tutelas

conservativas e satisfativas como elementos de um mesmo sistema de urgência. Um

sistema onde mais importante do que a diferença entre as espécies de tutela, é a

missão que estas possuem, que é justamente a assegurar que o jurisdicionado

possa valer-se do estado juiz sem temor de que os males do tempo venham a

acarretar o perecimento do direito pretendido.

O Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil foi entregue em 08/06/2010

ao Presidente do Senado José Sarney, já tendo inclusive sido aprovado pela casa e,

atualmente, encontra-se aguardando a análise da Câmara dos Deputados.

5.2 – A TUTELA DE URGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO E O FORTALECIMENTO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE

Com o advento da lei 8.952 de 13 de dezembro de 1994 e a inserção da

tutela antecipada no ordenamento jurídico brasileiro, houve uma grande confusão de

quais seriam os limites para a utilização da tutela cautelar e antecipatória, o que

gerou um receio muito grande nos profissionais do foro no sentido de, diante de uma

situação de urgência, manejar a medida processual inadequada e acabar tendo o

processo extinto e, por conseqüência, agravando ainda mais a situação do

jurisdicionado.

Em resposta ao dilema da existência concomitante de duas tutelas voltadas

para situações de perigo sobreveio a lei 10.444, de 7 de maio de 2002, que

acrescentou o § 7º ao art. 273 do CPC e tornou possível o pleito de providências

cautelares a título de antecipação de tutela, criando a fungibilidade entre as

medidas.

Com isso, cada vez mais a doutrina e os tribunais pátrios passaram a

52

encarar as tutelas conservativas e satisfativas como verdadeiras espécies do gênero

tutela de urgência, de modo que a doutrina especializada deixou de lado a

interminável discussão de quais seriam as distinções entre as duas espécies e

passou a se a debruçar na idéia de como fazer com que elas pudessem existir de

forma pacífica no mesmo ordenamento. Tudo com base na premissa de que a tutela

antecipada veio interagir com a tutela cautelar.

Esse pensamento influenciou diretamente na elaboração do Anteprojeto do

Novo Código de Processo Civil, onde se operou uma verdadeira revolução no

tocante as tutelas de urgência através da criação de um espaço próprio para o tema

que agora se encontra disposto integralmente no Livro I referente a parte geral do

código, mais especificamente no Título IX, denominado de “Tutela de Urgência e

Tutela de Evidência” que vai do artigo 277 ao 296 do novo diploma.

Com isso, finalmente organizou-se um verdadeiro sistema de tutela de

urgência, medida que ganhou a aprovação dos célebres processualistas Luiz

Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero

Reconheceu-se, na esteira do que sustentamos há muito tempo, o fato da tutela antecipatória fundada no perigo e de a tutela cautelar constituírem espécies do mesmo gênero: tutela de urgência. Seguindo esta linha, o Projeto propôs a disciplina conjunta do tema.(2011, p.106).

A nova sistemática implicou no banimento das medidas cautelares

nominadas com a supressão de 93 artigos e, por conseqüência, a extinção do Livro

III que tratava do processo cautelar. No novel digesto passa valer a regra de que

basta a parte demonstrar a plausibilidade do direito e o perigo de ineficácia da

prestação jurisdicional para que a providência pleiteada seja deferida, independente

do nome atribuído à ação, de modo que “Conclui-se, assim, que tende a perder

importância a particularização, pelo legislador, de situações merecedoras de tutela

53

cautelar específica, tendo sido esta a opção escolhida no NCPC” (MEDINA, 2011, p.

920).

Aliás, esses dois requisitos (plausibilidade do direito e perigo de ineficácia da

prestação jurisdicional) também passaram a constituir os pressupostos da tutela

antecipada.

Com tais modificações, o tratamento que outrora era dado aos institutos

somente pela doutrina, no sentido de que estes constituiriam elementos de um todo

chamado de tutela de urgência, agora passa a integrar o texto legal. Essa visão

unitária fica clara quando combinados os artigos 277 e 283 do Anteprojeto, veja-se:

Art. 277. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa. Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. (Grifou-se).

Para os autores supracitados o texto legislativo merece reparos, pois

“confunde tutela antecipatória com tutela cautelar, na medida que submete ambas à

demonstração do risco de dano irreparável ou de difícil reparação” (MARINONI;

MITIDIERO, 2011, P.106).

Em que pese o verdadeiro e profundo respeito aos doutrinadores, nos

parece que, em verdade, operou-se um avanço, pois ao sistematizar o gênero tutela

urgência (do qual fazem parte as espécies tutela cautelar e antecipada), igualar os

requisitos para concessão, bem como admitir que ambas as providências possam

ser requeridas antes ou no curso do procedimento, o diploma processual pretende

operar uma verdadeira e significativa potencialização do princípio da fungibilidade.

Por sinal, a fungibilidade das tutelas de urgência nunca esteve tão em voga,

pois se de um lado a lei 10.444/2002 buscou resolver o problema na escolha errada

54

do procedimento de urgência a ser utilizado, o que fez em nítido favorecimento da

finalidade em detrimento da forma, de outro, o Anteprojeto do Novo Código criou

uma sistemática tão harmônica que elimina quase que totalmente qualquer

possibilidade de confusão ainda possível.

Diz-se que a possibilidade de confusão no manejo dos institutos foi

praticamente eliminada, pois, se o anteprojeto for aprovado nos moldes em que foi

apresentado, mesmo o grande dilema da fungibilidade de mão dupla está com seus

dias contados, haja vista que a maior divergência acerca dessa técnica consistia no

fato de que os requisitos da tutela antecipada eram muito mais rígidos e numerosos

que o da tutela cautelar, de modo que não seria possível pleitear medidas de

natureza antecipatórias em sede de medida cautelar. Usava-se a lógica que de

quem pode o mais pode o menos, mas nunca o contrário. Contudo, a partir do

momento em que a tutela cautelar e antecipada passam a ter requisitos idênticos

não há mais como sustentar a impossibilidade de utilização da fungibilidade pela via

inversa, encerrando de uma vez por todas uma discussão que se arrasta há quase

dez anos.

Por outro lado, ainda que ocorra algum equívoco no pleito de medidas

urgentes, mesmo que puramente satisfativas, o anteprojeto traz outra inovação que

impede que qualquer erro formal afaste a realização do direito pretendido, trata-se

do art. 278, no qual se estendeu o poder geral de cautela, antes aplicável somente

às medidas cautelares, aos pleitos antecipatórios, o que para Rezende (2010), em

Tutela Antecipada e Medida Cautelar no Novo CPC, “se pode denominar de poder

geral de urgência conferido aos magistrados, permitindo-lhes o deferimento de

medidas emergenciais conservativas ou satisfativas”.

O que se percebe é um verdadeiro aprimoramento do princípio da

55

fungibilidade das tutelas de urgência, norma atualmente disposta no §7º do art. 273

do atual diploma processual civil. Além disso, fica claro o desejo cada vez mais

crescente de romper com o passado imbuído de rigorismo formal e abraçar um

presente e futuro onde a forma deixa de ser o centro do processo para dar vez ao

jurisdicionado e sua necessidade de ter uma tutela célere e eficaz.

5.3 – DA TUTELA DE EVIDÊNCIA

O anteprojeto do novo CPC também instituiu uma seção própria para os

casos de tutela antecipatória em que inexiste perigo de dano, denominando-a de

tutela de evidência, que ficou disposta da seguinte maneira:

Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando: I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido; II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva; III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou IV - a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante. Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

Aqui se percebe que o projeto quis trazer maior sistematicidade. Afinal as

disposições do inciso I e II já existem no código atual e correspondem,

respectivamente, as disposições do inciso II e do parágrafo 6º do art. 273 do codex

atual, que se encontravam, de certa forma, deslocadas do contexto da norma.

Por outro lado, a parte restante da nova redação corresponde à regra de

sentença liminar, positivada no art. 285-A, que ganhou contornos mais expressivos

(e aqui sim uma novidade) passando a compreender o entendimento jurisprudencial

56

consolidado no julgamento de demandas repetitivas ou de súmula vinculante.

Os dois primeiros incisos já receberam críticas por parte da doutrina, vez

que não constituiriam verdadeiras hipóteses de tutela de evidência.

Em relação ao inciso I, José Miguel Garcia Medina esclarece que:

A hipótese está prevista no NCPC como modalidade de tutela de evidência (art.278,I). No caso, no entanto, não se está propriamente diante de “tutela de evidência”, já que a concessão da liminar, nesta hipótese, deve depender de demonstração de aparência – ainda que veemente, mas não necessariamente evidente – da existência do direito.(2011, p.261).

Já em relação ao inciso II, Marinoni e Mitidiero asseveraram que “Como na

hipótese do art. 285, II, constitui tutela fundada em cognição exauriente, o ideal é

que a sua disciplina se dê no art.353, Projeto, que trata do julgamento imediato do

pedido (MARINONI; MITIDIERO, 2011, p. 108)”

Ao que tudo indica, a denominada “tutela de evidência” não agradou aos

principais processualistas e ainda vai gerar muito debate. O diploma não é perfeito,

no entanto, incongruências como as apontadas pelos autores supracitados

certamente não afastam o avanço que o novo CPC representará para a jurisdição e

jurisdicionados brasileiros.

57

CONCLUSÃO

A necessidade cada vez mais crescente de uma sociedade em

desenvolvimento fez o legislador perceber que as atividades cognitivas e

executórias, por si só, já não mais asseguravam o direito material do jurisdicionado,

o qual, em decorrência da morosidade procedimental, por diversas vezes sofria com

o perecimento do bem jurídico postulado em juízo.

Como forma de minimizar os efeitos do tempo e assegurar o resultado útil do

processo, o legislador criou as medidas cautelares, presentes desde a codificação

de 1939, e que foram ampliadas e melhor sistematizada no Codex de 1973, cuja

função precípua era justamente assegurar o resultado prático das tutelas cognitivas

e executória, servindo como instrumento para conservação do bem jurídico em litígio

até a prolação de sentença no processo principal.

A partir de então, toda vez que o jurisdicionado estivesse em situação de

urgência, e fosse capaz de demonstrar em juízo a plausibilidade do seu direito

(fumus boni iuris) e que a demora no processo poderia importar na sua inutilidade

como um todo (periculum in mora) poderia o juiz deferir medidas acautelatórias no

sentido de preservar o bem em litígio até o provimento final.

No entanto, como se pode perceber, essa modalidade de tutela tinha como

finalidade única de resguardar o bem litigioso, garantindo a utilidade futura do

processo principal, sem, contudo, integrar a esfera de direitos do autor até prolação

de decisão final.

Com efeito, mesmo com a presença da tutela cautelar, o processo ainda se

mostrava como um verdadeiro desestímulo ao jurisdicionado na busca de seus

direitos perante o poder judiciário, haja vista a longa marcha que teria de enfrentar

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até a obtenção do bem da vida pretendido.

Por outro lado, em muitas situações a simples conservação do direito não se

mostrava útil ao postulante que necessitava de efeitos práticos imediatos e que,

invariavelmente, acabava sofrendo com o perecimento do seu direito.

Em face da nova realidade e o dinamismo social, bem como o advento da

constituição de 1988 que trouxe consigo os postulados de prestação jurisdicional

efetiva, o legislador viu-se obrigado a criar um mecanismo capaz de atender

pretensões urgentes de forma imediata e no curso do próprio processo, o que fez

através da lei 8952 de 13 de dezembro de 1994, que alterou o art.273 do CPC e

institui a tutela antecipada.

O novo instituto representou uma verdadeira revolução no sistema

processual, pois quebrando com o princípio nulla executio sine titulo, tornou possível

a antecipação dos pedidos formulados na inicial, satisfazendo desde logo o direito

material do autor, o que sem dúvida conferiu enorme efetividade ao processo como

instrumento de realização de justiça.

Assim, desde que o autor trouxesse aos autos prova cabal (inequívoca)

capaz de convencer o magistrado da veracidade de suas alegações

(verossimilhança) e que a espera pelo provimento lhe acarretaria prejuízos graves

(dano irreparável ou de difícil reparação), passou-se a admitir que o provimento que

antes só era concedido após anos de procedimentos e dilação probatória lhe fosse

antecipado imediatamente e, em algumas situações, até sem a oitiva do réu.

Com isso, criou-se um verdadeiro sistema de Tutela de Urgência, no qual as

medidas cautelares desempenhavam o papel de preservar o direito garantindo a

utilidade do processo futuro e a tutela antecipada satisfazia precocemente o direito

material do autor.

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Aliás, essa constitui a principal diferença entre os institutos, pois, ao passo

que a cautelar é meramente conservativa, a antecipação de tutela é eminentemente

satisfatória, realizando sumariamente, no todo ou em parte, a antecipação dos

efeitos da sentença.

Ocorre que a existência concomitante dessas duas espécies de tutela de

urgência passou a gerar uma grande confusão na doutrina e na jurisprudência no

sentido de quais seriam os casos de aplicação de uma e de outra. Afinal, no plano

teórico as medidas são facilmente separadas, mas no campo prático os institutos

apresentam uma inegável identidade.

Com efeito, essa insegurança acerca da natureza de cada instituto passou a

trazer prejuízo aos jurisdicionados que tinham seus pedidos de urgência indeferidos,

pois estariam pleiteando providência cautelar a título de antecipação de tutela e vice-

versa.

Como forma de acabar com celeuma, o legislador impulsionou a segunda

grande reforma processual civil, e através da lei 10.444/2002 inseriu o §7º no art.273

que passou a autorizar que o juiz deferisse providência de natureza cautelar

requerida a título de antecipação de tutela, criando uma verdadeira fungibilidade

entre as medidas de urgência.

Desse modo, além de evitar frustrações aos jurisdicionados em decorrência

de questões puramente formais, o legislador também homenageou o princípio da

economia processual, pois dispensou a instauração de cautelar preventiva evitando

a duplicação de procedimentos.

Mas nem só de perfeição vive o legislador. Pois, em que pese a inegável

colaboração para a efetividade do processo, o novo texto também trouxe consigo

novas indagações acerca da extensão e aplicabilidade do princípio da fungibilidade,

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pois a redação limitada do §7º do art.273 consignou expressamente a possibilidade

de pleitear medidas de natureza cautelar no processo principal, deixando em branco

a possibilidade realizar o caminho inverso.

Por óbvio essa restrição textual gerou interpretações mais rigorosas no

sentido de que a autorização seria em vetorial único, não se admitindo o pleito

antecipatório no processo cautelar, posto que afrontaria o princípio do devido

processo legal. Em suma, um favorecimento da forma em detrimento do conteúdo,

que por vezes acaba permitindo que o jurisdicionado sofra lesões graves em sua

esfera de direito por puro preciosismo formal de nossos julgadores.

O princípio da fungibilidade deve ser interpretado sempre como uma “mão

dupla”, de modo que se o postulante foi capaz de preencher os requisitos da medida

(seja ela cautelar ou antecipatória) a concessão dos efeitos pretendidos é medida de

direito que se impõe ao julgador, sendo irrelevante o procedimento eleito.

No moderno processo civil constitucional não se pode mais admitir que

questões puramente formais e discussões que na prática só prejudicam o

jurisdicionado se sobreponham a realização do direito material com eficiência e de

forma célere.

Assim, por mais que o legislador tenha dito menos do que deveria, o que

não é nenhuma surpresa, é certo que o princípio da fungibilidade não pode

encontrar limitação decorrente de um texto legislativo falho, pois tal princípio acima

de tudo emana da própria Constituição que é a lei maior de nosso estado de direito.

Por fim, a tendência de um processo civil constitucional, onde o que vale é

prestar uma tutela efetiva e célere ao jurisdicionado, cada vez mais toma conta dos

operadores do direito, sendo que a mais recente expressão dessa tendência se

mostra no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.

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A proposta do projeto de lei 166/2010, aprovado pelo senado e agora em

trâmite perante a câmara dos deputados, é a criação de um verdadeiro sistema de

tutela de urgência (nome que inclusive foi dado ao capítulo que contém as

disposições acerca da matéria).

Esse sistema, por sua vez, iguala os requisitos da tutela cautelar e

antecipada (que passa a ser chamada de satisfativa), tornando irrestrita sua

fungibilidade confirmando com isso que, no fim, o que vale não é a forma, mas sim o

direito postulado.

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