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XVII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino
FORTALEZA – 11 a 14/11/2014
Simpósio
Eixo – A Didática e a Prática de Ensino em relação com a Formação de
Professores
Subeixo – Escola como espaço de formação docente
Tema – A função formativa da coordenação pedagógica na escola básica.
Vera Maria Nigro de Souza Placco1
Trabalhar junto a escolas e educadores, na escola básica, é viver continuamente
a experiência de olhar a realidade educacional brasileira, com seus sucessos, insucessos,
seus desafios e obstáculos. Enquanto formadora de professores, enquanto estudiosa da
educação, enquanto pessoa comprometida com o avanço da educação brasileira, esse
olhar em direção à escola, à educação e aos educadores me leva a refletir sobre como
responder aos desafios cotidianamente postos aos educadores, como possibilitar a estes
intervir na realidade educacional, tendo em vista a melhoria da aprendizagem dos
alunos.
Muitos recortes podem ser realizados em relação a essa busca por respostas.
Nossa escolha, neste texto, é olhar para a formação de professores na escola pelo
Coordenador Pedagógico e para a própria formação deste, dado que consideramos este
profissional como um dos responsáveis, na escola, pela formação de professores, pela
articulação das práticas pedagógicas, e pela transformação e melhoria dessas práticas
(ALMEIDA e PLACCO, 2009, p.39).
O que temos observado é que, em sua atuação, na escola, o coordenador
pedagógico tem encontrado dificuldades em realizar a tarefa de formação de
professores, seja pelo acúmulo de funções que desempenha, seja pela sua limitação ou
impossibilidade em realizar ações que fomentem as interações entre os educadores, seja
por deficiências de sua própria formação enquanto formador.
Assim, esse profissional não ocupa os espaços devidos
para desenvolver a ação de coordenar, que, como o próprio nome diz, implicaarticular vários pontos de vista ou atividades em direção a um objetivo comum,que, neste caso, equivale a práticas mais efetivas e melhor qualidade do ensinoe aprendizagem. (PLACCO; SOUZA, 2010, p. 48).
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400530
Não ocupar espaços significa: não se organizar para ter tempo para as
formações; não planejar sua atuação de modo a prever temas, material e fundamentação
teórico-prática para esses momentos, não apresentar, enfim, disponibilidade interna e
motivação para isso (predisposição, competência, confiança, desejo, etc) (PLACCO;
SOUZA, 2010).
Neste texto, ao olhar para a formação de professores na escola pelo Coordenador
Pedagógico e a própria formação deste, escolhemos alguns eixos a respeito dos quais
discorrer: 1) Função/funções do coordenador pedagógico como mediação das
interações na escola; 2) A formação centrada na escola, a rotina escolar e o projeto
político pedagógico da escola; 3) Estratégias e dimensões da formação e a
formação em rede e o envolvimento das políticas educacionais, tendo em vista
oferecer alguns caminhos possíveis para avançar na reflexão e prática da formação de
professores.
1) Função/funções do coordenador pedagógico como mediação das interações na
escola
Com temos dito em outras publicações (PLACCO; SOUZA, 2010, p. 48), “a
impossibilidade de o coordenador fazer a mediação2 dos diversos processos que se
encadeiam na escola constitui-se como mais um elemento dificultador da
implementação de relações e práticas de melhor qualidade”, na escola, “podendo ser,
também, uma das causas da aparente falta de avanço dos processos de ensino e
aprendizagem. Ou seja, falta mediação nas escolas.”
Como poderia o coordenador pedagógico ser mediador, no sentido proposto por
Vygotsky, e quais as aprendizagens necessárias para que ele o seja? É fundamental que
ele tenha clareza de quais devam ser suas funções, quais habilidades precisa
desenvolver, quais atitudes deve tomar. E essa construção implica em sua própria
formação como profissional (autoformação), que conhece as expectativas e atribuições
2 “Segundo Vygotsky (1996), mediação é o processo que caracteriza a relação do homem com o mundo e com outros. [...] É centralno processo de desenvolvimento do sujeito, visto ser por meio dela que as funções psicológicas elementares (que dizem respeito aoque é biológico) se transformam em funções psicológicas superiores, que se relacionam com ações intencionais, como:planejamento, memória voluntária, imaginação, consciência, pensamento, etc., ou seja, funções tipicamente humanas, que só sedevolvem pela mediação da cultura.” PLACCO e SOUZA, 2009, P. 49-50)
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400531
existentes em torno de seu desempenho, expectativas e atribuições essas provenientes de
alunos, professores, pais e comunidade, direção da escola e sistema de ensino.
Essa autoformação envolve o domínio do conhecimento produzido na área de
educação, mas também na área da cultura, da arte, da filosofia e da política, de modo
que, em suas interações com os professores, possa ampliar as experiências e atitudes dos
professores, não somente em relação à educação e as demais áreas em discussão, mas
também em relação à sua própria prática pedagógica e maneira de ver o mundo e
apresentá-lo a seus alunos. Assim,
a forma de funcionar dos professores, entendida como memória, pensamento,consciência, imaginação, criatividade, linguagem, etc, transforma-se, por meioda intervenção do coordenador, em novos modos de funcionar, ampliados pelaexperiência mediada. (PLACCO; SOUZA, 2009, p.51)
Nessa interação qualificada junto aos professores, o coordenador pedagógico
promove não só a formação dos professores, mas também a própria formação.
É nessa interação que o coordenador pedagógico pode articular os educadores da
escola em redes de aprendizagem, em que o projeto político pedagógico emerja dessas
relações e dos objetivos estabelecidos.
Sua atuação é de mediador, portanto, entre os sujeitos e os conhecimentos
pedagógicos e das disciplinas, entre os educadores e educandos, entre escola e
comunidade.
Em análise da legislação das cinco regiões do país (PLACCO, ALMEIDA;
SOUZA, 2011b, p. 31/32), identifica-se que estas estabelecem, como funções do
coordenador,
atividades como avaliação dos resultados dos alunos da escola, diagnóstico da situação deensino e aprendizagem, supervisão e organização das ações pedagógicas cotidianas(frequência de alunos e professores, andamento do planejamento de aulas, planejamento dasavaliações, organização de conselhos de classe, organização das avaliações feitas pelossistemas de ensino – municipal, estadual ou nacional, material necessário para as aulas ereuniões pedagógicas, atendimento de pais, etc.), além da formação continuada dosprofessores.
Estudos têm mostrado que o CP é um profissional que integra a gestão,
tendo participação nas decisões da escola: é responsável pelo pedagógico e também
participa das questões organizacionais e administrativas da escola. Cabe a ele, na visão
de diretores e professores – e na sua própria –, cuidar de professores e alunos,
acompanhar a rotina dos professores, responder às urgências do cotidiano e,
frequentemente, é-lhe solicitado organizar o horário escolar e auxiliar em tarefas da
secretaria. Isto envolve também, com frequência, fiscalização e controle do
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400532
comportamento de professores e alunos, do planejamento do professor e
implementação do mesmo, assim como das rotinas do cotidiano escolar. (entradas e
saídas de alunos, controle e supervisão da movimentação de corredores, uso das
quadras etc.).
Como se vê, as funções desse profissional são múltiplas, diversificadas, nos
âmbitos pedagógico e administrativo. Essa multiplicidade, simultaneamente, possibilita
e dificulta suas ações de mediação: facilita, enquanto aproxima o coordenador
pedagógico das rotinas da escola, dos alunos, pais, professores e funcionários, enquanto
amplia seu conhecimento desses seus parceiros; dificulta, enquanto desvia sua atenção
das prioridades estabelecidas no projeto político pedagógico e das atividades
formativas necessárias ao desenvolvimento profissional dos professores e enquanto
limita sua disponibilidade de tempo para realização dessas funções.
Com afirmam Campos e Aragão (2012, p. 41), “cabe ao coordenador a função
de priorizar o tempo de seu trabalho na escola para o desenvolvimento de ações
pedagógicas planejadas intencionalmente com vistas à formação docente.”
2) A formação centrada na escola, a rotina escolar e o projeto político pedagógico
da escola
A rotina e o trabalho do coordenador pedagógico
É necessário, no cotidiano escolar, um planejamento prévio que produza uma
rotina, isto é, um funcionamento conhecido por todos e que possibilite o desenrolar
eficiente das atividades pedagógicas. Assim, na organização dos tempos escolares,
prevê-se horário de aulas, intervalos, momentos de avaliação e de reunião de
professores e pais, e outras situações em que ocorram as atividades pedagógicas, o
compartilhamento de experiências entre professores, entre estes e o coordenador
pedagógico, entre estes e os alunos. “Professores e também o coordenador aprendem e
se formam quando planejam suas ações, quando propõem alternativas para o trabalho,
quando avaliam suas interlocuções com vistas a redimensioná-las”. (CAMPOS;
ARAGÃO, 2012, p. 54)
No entanto, o cotidiano escolar traz consigo também eventos e experiências que
exigem respostas imediatas e adequadas do coordenador pedagógico. Em função disso,
muitas das ações planejadas previamente são subsumidas por questões emergentes desse
mesmo cotidiano. Neste caso, é preciso que o coordenador pedagógico cuide para não
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400533
ser ultrapassado pelas urgências e para conseguir manter as prioridades e importâncias
(PLACCO, 2012) definidas pelo projeto político pedagógico da escola.
A rotina é instrumento fundamental ao funcionamento da escola, pois, na medida
em que a estrutura da escola se apoia em um planejamento, um projeto político
pedagógico baseado em objetivos definidos coletivamente, há necessidade de medidas,
normas e diretrizes que possibilitem a adequada consecução desses objetivos. Se
eventuais rupturas nessas rotinas ocorrem – e elas seguramente ocorrerão, em qualquer
escola – será a clareza dessas diretrizes que permitirão a continuidade das metas
estabelecidas no projeto político pedagógico da escola.
Assim, o planejamento da escola deve prever ações e atividades que possibilitem
o rápido encaminhamento dos imprevistos que podem assolar o cotidiano, gerando um
trabalho fragmentado do coordenador pedagógico, que interferirá no trabalho dos
demais educadores. Um planejamento que envolva a previsão de atendimento a
urgências e imprevistos facilitará o trabalho do coordenador, impedindo as frequentes
interrupções ao seu trabalho. Planejar para as urgências, para evitar a ruptura das rotinas
– esta tem sido uma das minhas defesas para um trabalho integrado e formativo do
coordenador pedagógico.
Cada escola estabelece suas rotinas em função de seu projeto político
pedagógico e das prioridades que nele são postas. Assim, é fundamental a compreensão
desse projeto, para que se possa nele basear nossas reflexões sobre o que se faz
necessário para o trabalho formativo do coordenador pedagógico.
Projeto político pedagógico
Entende-se o projeto político da escola não como um documento oficial da
escola a ser encaminhado para os órgãos superiores do sistema ou como intenções de
atividades pedagógicas da escola, mas como um guia, um conjunto de diretrizes que
traduza o trabalho pedagógico coletivo dos educadores da escola, que seja fruto de um
processo de elaboração resultado de um cuidadoso estudo reflexivo da realidade da
escola e sua comunidade de entorno, resultado de estudo e posicionamento em relação
às teorias pedagógicas, resultado da compreensão coletiva do significado de “educar”,
“formar” os alunos, resultado de um compromisso com propósitos e objetivos claros em
relação a essa formação. Tudo isso se traduz em uma atitude reveladora da
compreensão, pelos educadores, de seu papel formador e da função social da escola.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400534
Conforme muito bem apresentam Saul e Saul (2013, p. 109 – 120), o projeto
político pedagógico da escola visa à construção de uma escola democrática e envolve
uma lógica no processo de construção curricular: a participação dos professores na
construção e reconstrução de um currículo crítico, a clareza de todos em relação a “para
que” e “para quem” esse currículo é construído, o trabalho coletivo dos educadores
decorrente dessa construção, a objetivação de uma política que se traduza nas ações
educativas no espaço escolar, as decisões propostas que se concretizam em uma escola
de qualidade, expressando essa qualidade ética e esteticamente. E reafirmam os autores
(SAUL; SAUL, 2013) a importância da leitura da realidade, do diálogo, da participação
coletiva, da avaliação para essa construção e desenvolvimento do projeto político-
pedagógico que possa “desembutir teorias e desinstalar práticas” (SAUL; SAUL, 2013,
p. 117), por meio de processos formativos de professores.
Formação centrada na escola
A formação centrada na escola se dá no âmbito das interações estabelecidas no
cotidiano escolar, no contexto da organização escolar, que prevê momentos para a troca
de experiências e saberes, em decorrência de relações de confiança, compromisso,
desejo de aprofundamento de conhecimentos e responsabilidade mútua pelos processos
e resultados alcançados.
Entende-se formação como um
processo complexo e multideterminado, que ganha materialidade emmúltiplos espaços/atividades, não se restringindo a cursos e/ou treinamentos,e que favorece a apropriação de conhecimentos, estimula a busca de outrossaberes e introduz uma fecunda inquietação contínua com o já conhecido,motivando viver a docência em toda a sua imponderabilidade, surpresa,criação e dialética com o novo (PLACCO; SILVA, 2003, p. 26-27).
Esse processo, ocorrendo no âmbito da escola, tem sido denominado formação
centrada na escola ou formação em serviço. A formação centrada na escola é “aquela
que parte de suas demandas, mas não acontece só e necessariamente em seu interior.”
(SOUZA; PLACCO, 2013, p. 26)
Assim, não só a escola em sua complexidade, derivada de suas práticas
específicas, deve ser considerada, mas também
todas as relações que profissionais e alunos estabelecem entre si, com aSecretaria da Educação, com o sistema de ensino, com as políticas públicas,com a literatura, com as famílias e comunidade. Deste modo, a escola sofreinfluências de muitos aspectos que estão fora dela e que precisam serconsiderados nos processos de formação. (SOUZA; PLACCO, 2013, p. 26)
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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A formação centrada na escola, portanto, foca em dois eixos: a geração de
demandas de formação, pela análise de suas necessidades e de sua realidade político-
pedagógica, e a implementação de ações formadoras que respondam, simultaneamente,
a esses diferentes alvos: escola, comunidade, sistema de ensino.
Não se pode perder de vista que o processo de formação centrada na escola
acontece em contexto e desse contexto de trabalho devem surgir alternativas de ação
decorrentes das interações estabelecidas.
Para configurar a formação, o conhecimento da realidade educacional é o
primeiro passo. Além disso, faz-se necessário o levantamento das demandas formativas
do corpo docente, a partir das prioridades e objetivos traçados no projeto político-
pedagógico da escola. Só então será possível traçar as linhas básicas do planejamento
das ações formadoras, seus conteúdos e estratégias, identificando e hipotetizando sobre
eventuais dificuldades ou limitações a serem enfrentadas na consecução do
planejamento.
O planejamento das ações formadoras tem um papel crucial no desenvolvimento
da formação centrada na escola. Em nossas experiências com esse tipo de formação,
ficam claras algumas ações preparatórias para esse planejamento, conforme indicadas
acima, ressaltando a identificação das dificuldades atuais enfrentadas pelo grupo de
professores, na escola. Estas – sejam ligadas ao cotidiano da escola, sejam ligadas às
expectativas, atribuições, demandas ou exigências do sistema de ensino ou da gestão
escolar, sejam decorrentes das carências de formação dos professores – se tornam o
ponto de partida para o planejamento das ações formadoras.
Nesse planejamento, os aspectos a serem considerados envolvem: conteúdos ou
temas escolhidos, com recortes específicos em relação às demandas identificadas,
tempos, horários, locais, participantes, e, finalmente, estratégias de formação. O recorte
relativo aos participantes deve levar em consideração o envolvimento e compromisso
dos mesmos, tendo em vista garantir a constituição de um grupo de trabalho, com
disposição para um trabalho coletivo, de parceria, colaboração e corresponsabilidade.
O que se deve visar, neste momento, é a criação de um espaço de diálogo, em
que todos os participantes possam exprimir suas ideias, suas dúvidas, seus sentimentos,
seguranças e mesmo inseguranças. Não se pode perder de vista que, em muitos grupos,
sentimentos de competição, rivalidade, incompreensões e animosidades não são
incomuns e precisam ser levados em conta, nos momentos de formação. Por outro lado,
disputas de poder, expressas ou implícitas, são seguramente fontes de dificuldades e
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entraves para o bom funcionamento/constituição de grupos – e são também presentes,
frequentemente, nos ambientes escolares.
Pensar o planejamento implica em atentar para questões do coletivo de
educadores, que tem papel preponderante na própria construção desse planejamento. A
interação entre os educadores possibilita a troca de saberes entre eles, o que é
fundamental para a ação formadora desencadeada pelo coordenador pedagógico.
A formação centrada na escola implica responsabilidade do professor nosâmbitos individual e coletivo. Quando se trata do coletivo, a escola entra emcena e, juntamente com os demais docentes, o coordenador pedagógico, quetem suas funções voltadas para o entrelaçar de questões do cotidiano escolarcom o processo de formação continuada docente. (CAMPOS; ARAGÃO,2012, p. 40)
Ao trabalhar a formação centrada no coletivo da escola, o coordenador
pedagógico encontra nele sua sustentação para concretizar sua ação formadora e a
possibilidade de transformação da escola e das práticas docentes.
3) Estratégias e dimensões de formação
Um dos aspectos fundamentais para definir a ação formadora do coordenador
pedagógico é o estabelecimento dos conteúdos e estratégias da formação.
Como já mencionado, os conteúdos da formação têm íntima relação com
‘aquela’ escola, ‘aqueles’ professores, ‘aquele’ momento vivido por aquela escola: são
definidos, escolhidos, recortados pelos participantes da formação, sob a coordenação e o
olhar cuidadoso do coordenador pedagógico. É uma obra coletiva, de responsabilidade
de todos. Não pode nem deve ser definida a priori por formadores estrangeiros à
realidade da escola (não necessariamente externos), que não conhecem e não
acompanham o cotidiano da mesma, não conhecem as demandas da escola e dos
professores, suas dificuldades e lacunas de formação, as dinâmicas relacionais
estabelecidas na escola, as relações de poder. Assim, um plano de formação define seus
conteúdos a partir e ancorado nesses aspectos citados.
No entanto, o diferencial que possibilitará que os conteúdos escolhidos façam
realmente a ponte entre seus aspectos teóricos e a prática cotidiana dos professores está
centrado nas estratégias formativas escolhidas e nelas, ao nosso ver, encontra-se um
foco essencial da ação do coordenador pedagógico.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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As escolhas realizadas possibilitarão ou não que as experiências pessoais e
profissionais vividas no cotidiano por cada um dos educadores se articulem umas às
outras e aos fundamentos teóricos que lhes darão o lastro e significado fundantes de um
novo e diferenciado olhar para suas próprias práticas pedagógicas, para suas relações
com seus alunos, com a escola, com a educação.
Essas escolhas serão – ou não – desencadeadoras de novos processos reflexivos;
serão – ou não – convites a novas experiências pedagógicas, que conduzirão a um novo
modo de olhar à docência – uma docência mais pessoal e, ao mesmo tempo, mais
coletiva, mais fundada em conhecimentos disponíveis e, ao mesmo tempo, mais aberta à
pesquisa, à inovação, à descoberta, ao novo, ao desconhecido. Nessa simbiose, a
identidade do professor se constitui e reconstitui, o grupo de professores se estabelece,
em novos formatos, em novas dinâmicas – e novas aprendizagens se tornam possíveis;
uma nova escola se organiza.
Alguns princípios, no entanto, precisam ser atendidos. Assim, a definição das
estratégias formativas, foco de atenção do coordenador pedagógico, não é, no entanto,
sua exclusiva responsabilidade: precisa ser também uma construção coletiva e seu êxito
depende da corresponsabilização, pelos educadores, do trabalho coletivo, da reflexão
sobre a prática, da disponibilidade do grupo para o estudo e a reflexão requeridos.
Sem que sejam trazidos para o momento de formação os momentos de estudo e
reflexão, as mudanças na prática serão pequenas e esparsas; sem que os momentos
vividos no cotidiano sejam trazidos para o momento de formação, as mudanças na
prática serão nulas. Com isto, quer-se chamar a atenção para a importância da reflexão
sobre a prática, reflexão essa fundamentada e crítica, compartilhada com os pares que
participam do mesmo contexto escolar.
Temos enfatizado, em nossos escritos, que,
Para que ocorram transformações na prática docente, é fundamental aparticipação do professor e a intencionalidade de sua ação pedagógica. Seessa intencionalidade for engendrada junto às intencionalidades de outroseducadores, será possível se pensar na efetivação de um projeto políticopedagógico da escola. Isso implica que a reflexão de cada professor sobre suaprópria prática docente está na base das transformações das relações entre asdimensões integrantes da docência, e na base da definição coletiva de umprojeto de escola. (SOUZA; PLACCO, 2012b, p. 27).
A possibilidade de reflexão e compromisso de cada professor com sua prática
docente se concretiza, como afirmam Campos e Aragão (2008, p. 48), por meio de
algumas ações do formador, nas diversas reuniões que ocorrem na escola:
- Promoção do trabalho coletivo;
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400538
- Organização dos tempos e espaços escolares de maneira que as professoraspossam se encontrar para discutir o pedagógico da escola;- Abertura de espaço nas reuniões de Trabalho Docente Coletivo (TDC) e deConselho de Classe para que as professoras apresentem o trabalho que realizamem sala de aula;- Incentivo à reflexão das professoras a respeito de seu próprio trabalho, apartir da análise e do registro dos saberes apresentados pelos alunos;- Apreciação do trabalho do outro;- Partilha de opiniões sobre o trabalho do outro;- Promoção de confiança na professora ao reafirmar que o trabalho dacoordenadora pedagógica ganha sentido quando é desenvolvido com asprofessoras. (CAMPOS; ARAGÃO, 2008, p. 48)
Nesse contexto, faz-se necessária a instalação de um clima de confiança, que
possibilite que sejam compartilhadas responsabilidades, ideias e sentimentos, em que o
trabalho de cada um seja analisado pelo outro e este possa emitir sua opinião, sem
desconfianças e sem reservas, de modo que novos conhecimentos e atitudes possam ser
integrados. Essa cumplicidade e confiança são fundamentais para que esses processos
formativos e de trabalho possam ser implementados.
As autoras Campos e Aragão (2008, p. 51) oferecem ainda “outras estratégias
importantes de trabalho”:
- a promoção da autonomia no grupo para que as professoras assumam aautoria do trabalho que realizam;- a promoção do compromisso de cada profissional com o coletivo deeducadores e gestores;- a congregação de diferentes intencionalidades para promover transformaçõesno projeto pedagógico da escola. (CAMPOS; ARAGÃO, 2008, p. 51)
As dimensões da formação de professores3.
Quando me propus, neste artigo, a discorrer sobre alguns eixos, mencionei as
dimensões da formação como um desses aspectos. Isto porque tenho me dedicado a essa
reflexão, enquanto pilar da formação: dimensões do professor – melhor dizendo –
dimensões do ser humano que, sincronicamente4, se encontram nesse humano, e, como
tal, precisam ser atendidas e cuidadas, quando da formação da pessoa e do profissional.
Por outro lado, se, desde meu doutorado, tenho proposto e discutido algumas
dimensões desse ser humano/professor, meus contatos com professores e formadores de
professores, ao longo dos anos, têm ampliado a gama de dimensões que precisam ser
atendidas/cuidadas nos processos formativos. Em artigo de 2008 (PLACCO, 2008),
discorri sobre algumas delas, mas, após esse momento, muitas outras dimensões foram
3 Este subitem é parte de meu artigo “Processos Multidimensionais na formação de professores”. In ARAUJO, M.I.O. e OLIVEIRA,L.. E. (orgs), Desafios da Formação de Professores para o século XXI, Aracaju, Edit. Universidade Federal de Sergipe, 2008
4 O conceito de sincronicidade é tratado em outras obras da autora (PLACCO, 2002, 2008).
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400539
incluídas em nossas reflexões: se, em 2008, eu me referia às dimensões técnico-
científica, humano-interacional, da formação continuada, do trabalho coletivo e da
construção coletiva do projeto político-pedagógico, dos saberes para ensinar, da
dimensão crítico-reflexiva, avaliativa, ético-política, estética e cultural, hoje acrescento
as dimensões comunicacional, transcendental, saberes para viver em sociedade, do
corpo e movimento, da experiência, da formação identitária.
Neste subitem, serão apresentadas as considerações anteriormente feitas no
artigo de 2008 (PLACCO), já citado (com eventuais cortes, dentro da amplitude deste
artigo), após o que serão feitas as observações referentes às novas dimensões propostas
para a formação de professores.
“Inicialmente, em minha tese de doutorado, propus, como características do
professor e, concomitantemente, da docência e da formação, três dimensões (técnica,
humano-–interacional, política), que, ao longo dos anos, foram muito ampliadas: técnica
ou técnico–científica, humano–interacional, política, da formação continuada, do
trabalho coletivo, dos saberes para ensinar, crítico–reflexiva, avaliativa, estética,
cultural e ética. Uma delas – a dimensão ética – nos leva a questões de volição, desejos
e compromissos, atitudes, valores, intencionalidades e ações consequentes e, portanto,
atravessa todas as outras.
É importante chamar a atenção para as dimensões humano-interacionais
(interpessoais), políticas e éticas, cuja valorização se originou de nossa observação e
experiência, vivida junto às escolas: o que se vive lá só ocorre pela intermediação do
afetivo em relação ao cognitivo, ancorado no ético–político. Só quando há uma real
comunicação e integração entre os atores do processo educativo da escola pode haver a
possibilidade de emergência de uma nova prática docente, em que movimentos de
consciência e de compromisso se instalam e se ampliam, e uma nova forma de gestão e
uma nova prática docente podem ser implementadas.
Todas essas dimensões não são, comumente, pensadas como áreas de formação
nas quais devamos interferir, mas o são, na realidade, pois fazem parte da totalidade do
ser humano e do profissional. E mais: são áreas de formação extremamente delicadas e
difíceis para um trabalho formativo.
Não se pode perder de vista que lidar com o desenvolvimento profissional e a
formação do educador é lidar com a complexidade do humano, com a formação de um
ser humano que pode ser sujeito da transformação de si e da realidade, realizando, ele
mesmo, essa formação como resultado de sua intencionalidade.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400540
Faz-se mister chamar a atenção para algumas das características das dimensões
apontadas, embora também não se possa perder de vista que sua ocorrência é sempre
simultânea, mesmo com eventuais relevos de uma em relação à outra, em determinados
momentos da prática.
Figura 1 - Esquema das Dimensões atualmente propostas, em torno do conceito de sincronicidade
(2014)5
a) Dimensão técnico-científica
Não há controvérsia sobre a necessidade de formar-se o professor do ponto de
vista dos conhecimentos técnico-científicos relacionados à sua área. No entanto, há
controvérsias, quando se considera o atual progresso científico e a rapidez com que as
mudanças ocorrem nos diferentes campos. Revê-se a ideia de formação específica
universal e amplia-se a ideia de formação básica e sistematizada na área de
conhecimento, de modo a garantir que garanta a flexibilidade para mudanças e
ampliações do campo conceitual. Além disso, destaca-se a importância da articulação
com outros saberes, criando espaços para a produção inter e transdisciplinar. [...]
Esquema produzido pela autora para aulas nos cursos dos Programas de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia daEducação e Educação: Formação de Formadores (2014)
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400541
Essa dimensão precisa ser considerada em sua valorização inconteste dos
conhecimentos técnico-científicos da área e sua contínua ampliação e diversificação, em
uma sociedade que tem neles um eixo fundamental.
b) Dimensão da formação continuada
Se o profissional ‘formado’, na prática ou na teoria, [...] não tiver possibilidade
de continuar pesquisando, questionando sua área de conhecimento, buscando novas
informações, analisando-as e incorporando-as à sua formação básica, [...] numa
sociedade [...] que tem um forte eixo no conhecimento, em sua diversificação e
constante desenvolvimento, [...], se esse profissional não se encontre conectado a esse
desenvolvimento, rapidamente estará superado, desatualizado, sem condições de
dialogar com sua própria área, com seus pares e com seus próprios alunos. Para evitar
isso, precisa estar continuamente estudando, se formando. Esta flexibilidade, a
habilidade de busca, o interesse e motivação para prosseguir deverão ser, assim, objeto
de formação continuada. Esta deve ser entendida como processo que ocorre a partir da
formação inicial, e se estende para além de cursos e treinamentos, sendo provocadora de
inquietação contínua com o já conhecido. Nesse processo, um contínuo movimento da
teoria à prática, e vice-versa, possibilita o envolvimento do profissional inteiro no seu
próprio processo de construção e reconstrução. No entanto, esse é um movimento que
exige uma outra dimensão de formação:
c) Dimensão do trabalho coletivo e da construção coletiva do projeto pedagógico
Ficam cada dia mais evidentes a dificuldade e a ineficácia do trabalho isolado. É
em torno de um projeto de escola, com claros objetivos de formação do aluno e do
cidadão, que professores, dirigentes e outros profissionais da educação se devem
congregar para um trabalho significativo junto aos alunos. E trabalhar em cooperação,
integradamente e considerando as possibilidades e necessidades da
transdisciplinaridade, não é uma ação espontânea, mas nasce de processos de formação
intencionalmente desenvolvidos. É nesse processo que o compromisso com a formação
do aluno se funde com o processo de autoformação do professor.
Do ponto de vista da dimensão coletiva do e no trabalho docente, há necessidade
da explicitação do pedagógico e construção de espaços alternativos para que a interação
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400542
dos professores se concretize enquanto projeto pessoal e institucional. Não deve ser
fruto de iniciativas individualizadas, mas de um projeto político–pedagógico-
institucional.
d) Dimensão dos saberes para ensinar
Esta dimensão abrange: o conhecimento que os professores têm sobre seus
alunos, sobre sua origem social, sobre suas experiências prévias, sobre seus
conhecimentos anteriores, sobre sua capacidade de aprender, sobre sua inserção na
sociedade, suas expectativas e necessidades. Abrange ainda o conhecimento sobre as
finalidades e utilização dos procedimentos didáticos que sejam os mais úteis e eficazes
para a realização da tarefa didática que devem desempenhar. Há que se mencionar os
aspectos afetivo-emocionais, estreitamente ligados aos cognitivos e aos quais as ações
de formação raramente ou nunca se referem. [...]
[As representações que têm os professores sobre sua docência] se imbricam com
as relações entre a formação recebida pelo professor na universidade e as necessidades
educacionais da escola e da sociedade, as políticas públicas, o mercado e o mundo do
trabalho.
e) Dimensão crítico-reflexiva
Envolve “o desenvolvimento de reflexão meta-cognitiva, que implica
conhecimento sobre o próprio funcionamento cognitivo pessoal, e habilidade de auto-
regulação deste funcionamento.” (GATTI, 2000), fundamental para e em qualquer
processo formativo. Pensar não apenas sobre o nosso agir, mas pensar sobre o nosso
pensar e sentir. Pensar crítico, que envolve questionar as origens e os significados de
nossos princípios e valores, de nossas certezas e confianças, de nossos saberes e
conhecimentos, que envolve projetar as consequências de nossas ações e de nossas
opções, em um amplo espectro de dimensões de nossa vida profissional e pessoal.
f) Dimensão avaliativa
Interpenetrando todas essas dimensões da formação, e inerente a cada uma delas,
uma dimensão se impõe: a que se refere à capacidade avaliativa do professor em relação
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a aspectos específicos de sua prática pedagógica ou a aspectos específicos estabelecidos
ou valorizados pelo sistema ou pela escola em que trabalha. Assim, é fundamental que o
professor desenvolva habilidades de pesquisa, que envolvam coletar, trabalhar e analisar
dados, levantar hipóteses a respeito dos mesmos, propor encaminhamentos, propostas e
soluções para as questões encontradas e avaliá-las, a partir de um conjunto de critérios e
valores oriundos de suas escolhas e compromissos político-pedagógicos. No entanto,
todas essas dimensões serão inúteis se não forem vazadas, interpenetradas pelas
dimensões ética e política.
g) Dimensões ética e política
A formação do professor quanto à ciência da educação, quanto aos objetivos do
processo educacional, aos compromissos éticos e políticos com uma determinada visão
de educação, com determinados objetivos da educação, com a formação de um
determinado tipo de homem, tendo em vista um determinado e desejado tipo de
sociedade. Na sociedade atual, se esses compromissos não estão claros e bem
estabelecidos, torna-se muito difícil propor e manter projetos político-pedagógicos
consistentes.
h) Dimensões estética e cultural
Temos nos proposto a pensar sobre essas dimensões, assim como alguns outros
autores o fazem, dado que, na formação de professores, não se tem considerado o fato
de que o professor que não vive experiências culturais e estéticas dificilmente poderá
provocá-las em seus alunos.
Em nossas escolas, desde a Educação Infantil, as crianças e jovens não são
postas em contato com formas mais elaboradas da própria cultura e da cultura humana,
tais como: obras de arte (letras ou artes plásticas), música, etc. No máximo, são
apresentadas situações que envolvem o folclore nacional, músicas e lendas, quase
sempre pelo seu teor de exotismo, mais do que pelo seu significado constituidor de
identidades e cidadania. Sem elementos identitários coletivos, a experiência dessas
crianças e jovens é limitada. Assim, no círculo vicioso que se instala, os professores
formadores não são capazes de instaurar essas experiências em seus formandos.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400544
São essas perspectivas que a formação de professores precisa incluir, de modo
sistemático e intencional, proporcionando experiências pelas quais o formando se
aproxima de sua cultura, desenvolve o senso estético, apura sua capacidade de
observação e identifica componentes importantes para sua formação identitária, como
pessoa e profissional.” (PLACCO, 2008)
Nos últimos anos, novas dimensões se somaram a estas, seja devido a nossas
reflexões e experiências profissionais de formação, seja pela intervenção – e mesmo
interpelação – de nossos interlocutores, professores, formandos, alunos, colegas, que
nos levaram a incluir outras dimensões, em nosso olhar para o professor e sua formação.
Isso não significa que sejam dimensões inusitadas ou particulares, mas modos de olhar
o ser humano, explorando facetas que nos trazem sobre ele uma nova e maior
compreensão.
Assim, vejamos as dimensões do corpo e movimento, da experiência, dos
saberes para viver em sociedade, da transcendentalidade, comunicacional, da formação
identitária, retomando inicialmente uma delas, cujo teor não foi desenvolvido no artigo
de 2008: a dimensão humano-interacional.
i) Dimensão humano-interacional
Esta dimensão envolve a percepção e valorização dos aspectos socioafetivos, nas
relações estabelecidas pelo professor com seus alunos e demais educadores da escola,
na direção do desenvolvimento do aluno e da articulação das relações pedagógicas e
interpessoais entre os educadores, de modo a alcançar os objetivos propostos pela
escola.
Esta dimensão
revela-se pela relação socioafetiva e cognitiva que o educador busca construirentre ele e o aluno e entre aluno-aluno, pela observação e busca deconhecimento da vida, do desenvolvimento, da aprendizagem do mesmo, pelapreocupação em construir o grupo de educadores e educandos, garantindo umtrabalho integrado e cooperativo na escola. (PLACCO, 2002, p. 20)
j) Dimensão do corpo e do movimento.
Nem sempre o professor está a vontade em seu corpo e em seus movimentos. E
sua dificuldade se torna fator também de limitação em suas relações com seus alunos e
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ao seu desempenho profissional. Sua espontaneidade ocorre na medida do crescimento
de suas relações de confiança em relação a si mesmo, aos alunos, ao seu trabalho. Esta é
uma dimensão negligenciada e até mesmo ignorada, nas ações formativas empreendidas
nas escolas e nos sistemas de ensino.
k) Dimensão da Experiência.
Experiência é tudo aquilo que, ao acontecer, toca em algum aspecto do
indivíduo, o faz pensar, sentir diferentemente. Fundamentalmente, a experiência
acontece quando o indivíduo se sente mobilizado a agir, a buscar compreender melhor
sua vida, sua prática, os outros. São situações para as quais os formadores devem
chamar a atenção dos formandos, para que a leitura que façam de suas experiências lhes
possibilitem ter um outro olhar para a profissão, para sua prática, para os outros, para si
mesmos. Esta dimensão surgiu dos estudos de uma mestranda, cujo trabalho revelou a
grande importância atribuída pelos professores à sua experiência profissional, seja no
campo da educação, seja em outras áreas do conhecimento. Em decorrência dessa
discussão, descrevi a dimensão da experiência como a necessidade do resgate, a
valorização e a reflexão sobre as experiências docentes, para a própria formação
profissional do professor e mesmo para sua formação identitária (tomada de consciência
dos próprios processos experienciais).
l) Dimensão da transcendentalidade.
Esta dimensão surgiu dos estudos de uma aluna, doutoranda, cujo trabalho dizia
respeito à influência da confessionalidade religiosa da escola na atuação e atitudes de
seus professores e outros profissionais. No âmbito desse estudo, verificou-se o valor do
transcendental, na vida das pessoas, na importância de se considerar o sentido da vida
para cada pessoa, de maneira que se identificasse seu compromisso com o trabalho, com
a educação, com os alunos, com a escola. Essa valorização conduziu a doutoranda a
propor que se considerasse, no conjunto das dimensões por mim propostas, a inclusão
deste aspecto, para a formação mais completa dos educadores. Sem ligar essa dimensão
a qualquer corrente religiosa, passamos a considerar a necessidade de que ela estivesse
presente nos momentos de formação, destacando a necessidade de se ter consciência do
sentido da vida para si e para sua realidade, como constituintes do ser professor.
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m) Dimensão comunicacional.
Também esta dimensão nasceu dos estudos de um mestrando, cuja pesquisa
mostrou a necessidade de atentarmos, especificamente, para as habilidades
comunicacionais do professor, não apenas em relação aos conteúdos da área em estudo,
mas também em relação aos aspectos interpessoais e sociais dessa comunicação. Assim,
precisamos e podemos aprender a nos comunicar com o outro, o que implica saberes,
conhecimento, respeito mútuo.
n) Dimensão dos saberes para viver em sociedade.
Embora esta dimensão esteja implícita (assim como várias outras) em dimensões
já estabelecidas por nós, sua explicitação responde a uma necessidade de enfatizarmos a
relação do educador/professor com a realidade sócio-econômica e política que o cerca,
de maneira que se amplie sua compreensão da própria historicidade e da historicidade
que caracteriza nossa sociedade, nossa escola, nossos alunos e, compreendendo essa
historicidade, se comprometa na melhoria e transformação social.
o) Dimensão da formação identitária.
Essa é quase uma síntese das demais, pois, na verdade, refere-se à constituição
do ser humano, quando há um processo formativo em andamento. A formação
identitária se traduz na constituição do profissional, por meio das identificações que ele
assume, a partir das atribuições que lhe são imputadas, pelo sistema, pela escola, pela
gestão, pelos pares, por pais e alunos e por si mesmo. Muito frequentemente, o
professor busca responder a atribuições diversas, originadas de fontes diversas, sem a
devida reflexão e escolha de sua parte. Assim, o processo formativo pode ser o
instrumento a partir do qual esses processos de identificação e não-identificação se
tornam conscientes e possibilitam escolhas reais e fundamentadas.
A formação em rede e os compromissos das políticas educacionais.
Entende-se por formação em rede
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uma estrutura de formação balizada por uma cadeia colaborativa, em que todosos sujeitos envolvidos, desde as Secretarias Municipais até as escolas, secorresponsabilizam pela qualidade dos resultados da aprendizagem dos alunose apoiam-se para a realização da formação. A presença da rede contribui para aescola se tornar um espaço de formação permanente para os seus professores epara o coordenador assumir a formação como sua principal função nas escolas.(GOUVEIA; PLACCO, 2013, p. 69-70)
Entendendo o coordenador pedagógico como responsável pela formação
continuada ou em serviço, na escola, ele assume papel fundamental na perspectiva
colaborativa de formação. Assim, a parceria que ele estabelece com o professor – nos
horários de trabalho coletivo ou em momentos específicos de contato com o professor
ou com o grupo de professores – lhe permite organizar a formação, por meio de
orientações por séries ou área de conhecimento, grupos de estudos, planejamento
conjunto (CP-professor) de ações didáticas, exercitando, ao formar, o papel de um
articulador de aprendizagens e transformador das práticas docentes. A parceria
possibilita ainda que ambos, CP e professores, se corresponsabilizem pela
aprendizagem dos alunos e pela qualidade do ensino, na escola.
A formação de uma rede colaborativa implica em que a gestão garanta um espaço real
de interlocução, em que as condições do coletivo de professores – “o potencial
intelectual [do] grupo, suas representações” (GOUVEIA; PLACCO, 2013, p. 70), ao lado das
relações de confiança e autenticidade, de parte a parte, possibilite o enfrentamento dos
desafios da prática cotidiana.
Na perspectiva da formação em rede, há necessidade que existam
equipes técnicas (constituídas por formadores mais experientes) [que] sãoresponsáveis pela formação dos coordenadores e diretores escolares e estes, porsua vez, são responsáveis pela formação dos professores. E todos sãocorresponsáveis pela qualidade da aprendizagem dos alunos. (GOUVEIA;PLACCO, 2013, p. 72)
Isto é, pressupõe-se que a formação em rede ative
um conjunto de ações interligadas, envolvendo os diversos atores quecompõem o cenário educativo. Os coordenadores são responsáveis pelaformação, porém não podem assumir esta tarefa, sozinhos. Todos os sujeitosenvolvidos nessa cadeia de formação se corresponsabilizam e oferecem o apoiotécnico e formativo ao sujeito da formação a ele interligado. (GOUVEIA;PLACCO, 2013, p. 72)
A rede colaborativa, então, possibilita que todos “sintam-se um entre todos e
com todos” (GOUVEIA; PLACCO, 2013, p. 72), sendo
concebida como baliza para as ações formativas e como espaços departicipação democrática, de relações horizontais e muita parceria. Ela trazuma abertura de possibilidades: é o olhar do outro, validando o que de melhortem a diversidade. Não há dúvidas do poder decisivo que a engrenagem dessa
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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rede tem para o êxito da estrutura de formação. (GOUVEIA; PLACCO, 2013,p. 72-73)
Se as escolas se tornarem espaços de formação continuada, se for estabelecida
real parceria entre CP, direção e professores, se o CP assumir seu papel de liderança
pedagógica na escola, então a formação de redes colaborativas se torna possível.
Adicione-se a isso o papel fundamental das políticas educacionais locais, regionais e
nacionais, que podem garantir o contexto a partir do qual possa ocorrer uma gestão da
formação que privilegie a aprendizagem dos alunos.
Considerações para a formação
A discussão que apresentamos precisa ser posta aos nossos professores,
convidando-os a terem ou ampliarem sua consciência de suas necessidades formativas e
das possibilidades oferecidas – ou passíveis de serem oferecidas, em suas escolas, de
modo que se responsabilizem pela sua própria formação, tomem iniciativas em relação a
essa formação e se engajem em redes colaborativas de formação. Quando formamos
professores, nós, formadores, temos que provocar as situações em que conflitos e
contradições sejam postos para que ele se posicione, e compreenda a necessidade de
abertura para expressão de suas dúvidas, suas necessidades, suas práticas, suas
dificuldades, compartilhando-as com o coletivo dos professores e possibilitando, com
isso, seu desenvolvimento profissional e o desenvolvimento do grupo.
Por outro lado, sem uma adesão significativa e consequente dos responsáveis
pelas políticas públicas, torna-se muito difícil oportunizar mudanças na escola, nas
práticas dos professores e na aprendizagem dos alunos.
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