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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS MUSICAIS A GAITA-DE-FOLES EM MIRANDA DO DOURO E NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (1999-2004): Uma perspectiva etnomusicológica Carla Maria Passinhas Santos Dissertação apresentada à Universidade Nova de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em Ciências Musicais (Etnomusicologia) Orientação científica: Professora Doutora Salwa El-Shawan Castelo-Branco Dezembro de 2005

A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

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Dissertação de Mestrado no âmbito do Mestrado em Ciências Musicais - Etnomusicologia, na Universidade Nova de Lisboa (F.C.S.H.)por Carla Passinhas

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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS MUSICAIS

A GAITA-DE-FOLES EM MIRANDA DO DOURO E NA

ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (1999-2004):

Uma perspectiva etnomusicológica

Carla Maria Passinhas Santos

Dissertação apresentada à

Universidade Nova de Lisboa

para obtenção do grau de

Mestre em Ciências Musicais (Etnomusicologia)

Orientação científica: Professora Doutora Salwa El-Shawan Castelo-Branco

Dezembro de 2005

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ÍNDICE

Agradecimentos ……………………………………………………….................... 5

Prefácio...................................................................................................................... 7

I. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 9

1. Objectivos...........…….……………………...................................................9

2. Enquadramento teórico …………………………………………............... 10

3. Modelo de pesquisa …………………………………….............................12

4. Metodologia …………………………………………………….................13

II. FOLCLORISMO E FOLCLORIZAÇÃO..........................................................16

1. Perspectiva histórica....................................................................................16

2. Primeiras representações dos Pauliteiros de Miranda................................ 20

3. O papel de António Maria Mourinho (1917-1996).................................... 22

III. A (RE)FOLCLORIZAÇÃO DAS PRÁTICAS PERFORMATIVAS DA

GAITA-DE-FOLES: O PAPEL DA GALIZA E DOS AGENTES EM

MIRANDA DO DOURO E LISBOA..............................................................28

1. A folclorização em Espanha e o seu impacte sobre a prática

performativa da gaita-de-foles em Miranda do Douro e Lisboa............... 28

2. Agentes (re)folclorizadores em Miranda o Douro e Lisboa...................... 35

Mário Correia ........................................................................................ 36

O departamento Cultural da Câmara Municipal de Miranda do Douro..41

Associação Cultural Galandum Galundaina .......................................... 42

Associação Juvenil Mirai Qu‟ Alforjas ................................................. 45

Paulo Marinho e a Associação Portuguesa para o Estudo e

Divulgação da Gaita de Foles [A.P.E.D.G.F.]................................... 46

3. Conclusão.................................................................................................. 49

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IV. DOIS CONTEXTOS DE DESEMPENHO

1. Música Celta ...............................................................................................51

2. O Festival Intercéltico de Sendim ............................................................. 53

3. Encontro Nacional de Gaiteiros ................................................................ 60

V. TRÊS OCASIÕES PERFORMATIVAS .........................................................65

1. O grupo Galandum Galundaina nas Festas de Santa Bárbara em Sendim

(6 de Agosto de 2003) ...............................................................................66

2. O grupo Som das Arribas na Biblioteca Municipal da Moita

(19 de Novembro de 2004) ...................................................................... 70

3. O grupo Gaitafolia na Associação Ponto de Encontro

em Cacilhas (22 de Abril de 2005)............................................................76

4. Conclusão ...................................................................................................80

VI. REPERTÓRIO ................................................................................................82

1. Géneros instrumentais ................................................................................83

2. Géneros coreográficos ................................................................................84

3. Géneros vocais ...........................................................................................86

4. Conclusão ...................................................................................................87

VII. NOVAS VIAS: Mudanças no ensino da gaita-de-foles...................................89

1. Miranda do Douro........................................................................................89

2. Lisboa...........................................................................................................92

Paulo Marinho...................................................................................... 92

A Escola da Associação Portuguesa Para o Estudo e Divulgação

da Gaita-de-foles.................................................................................93

3. Conclusão.....................................................................................................96

VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................97

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BIBLIOGRAFIA CITADA

DISCOGRAFIA CITADA

ENTREVISTAS CITADAS

ANEXOS:

1. Programação do Festival Intercéltico de Sendim entre 2000 e

2005

2. Grupos participantes no Encontro Nacional de Gaiteiros entre

2001 e 2004

3. Transcrições musicais

Conteúdo do DVD

Filme 1 - Dérvish no IV Festival Intercéltico de Sendim (02/08/2003)

Filme 2 - Encontro de tamborileiros no III Festival Intercéltico de Sendim

(03/08/2002)

Filme 3 - Missa Intercéltica (Sendim, 3/8/2003)

Filme 4 - Espaços sociais não programados: Café Passareiro (Sendim, 03/08/2002

e 02/08/2003)

Filme 5 - III Encontro Nacional de Gaiteiros: recepção (Santa Maria da Feira,

09/08/2003)

Filme 6 - IV Encontro Nacional de Gaiteiros: espectáculo de palco (Fundão,

18/09/2004)

Filme 7 - III Encontro Nacional de Gaiteiros: desfile (Santa Maria da Feira,

09/08/2003)

Filme 8 - IV Encontro Nacional de Gaiteiros: espaços sociais não programados

(Fundão, 19/9/2004)

Filme 9 - Actuação de Ângelo Arribas na Moita (18/11/2004)

Filme 10 - Actuação de Gaitafolia em Almada (22/04/2005)

Filme 11 - Actuação de Galandum Galundaina em Sendim (10/08/2003)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Professora Doutora Salwa Castelo-Branco a orientação, a

disponibilidade, a paciência e compreensão, sem as quais não seria possível a

realização deste trabalho.

A todos os meus colaboradores de Miranda do Douro e na Área Metropolitana de

Lisboa, agradeço por me terem acolhido e partilhado comigo as suas vivências,

experiência decisiva para a elaboração deste estudo.

Sinceros agradecimentos a José Gomes que, indirectamente, foi responsável pela

escolha da temática da gaita-de-foles e pela minha integração na Associação para o

Estudo e Divulgação da Gaita-de-foles (A.P.E.D.G.F.), ao Vítor Félix e Mário

Estanislau pela disponibilidade, simpatia, partilha de ideias e experiências

fundamentais ao desenvolvimento do estudo, a todos os membros da A.P.E.D.G.F.

que incansavelmente se mostraram dispostos a partilhar as suas vivências, em

especial ao Miguel Mimoso, Jorge Santos, Francisco Pimenta, Henrique Oliveira,

Miguel Costa, Gonçalo do Carmo, André Ventura. Estou ainda particularmente

agradecida a Paulo Marinho, por ter partilhado a sua experiência profissional e as

suas ideias.

Agradecimentos muito especiais ao Dr. Mário Correia, pelas informações e acesso

ao seu espólio pessoal e ao Centro de Música Tradicional Sons da Terra, à D. Maria

Fernanda, ao Dr. Manuel Martins, presidente da Câmara Municipal de Miranda do

Douro, ao Dr. António Carção, vereador do pelouro da cultura, pela disponibilidade

e acesso ao espólio pessoal do Padre António Maria Mourinho, ao Dr. Mourinho,

director do Museu das Terras de Miranda, ao maestro da banda e ao presidente da

direcção, Justeniano Augusto Ribeiro e José Augusto Raposo, respectivamente.

Agradeço ainda à D. Nazaré e D. Teresa, membros do grupo de cantares L‟alma, a

Belmiro Carção, ensaiador do grupo de pauliteiros de Sendim, e Telmo Ramos,

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presidente da Associação Juvenil Mirai Q‟Alforjas. Um especial agradecimento

também a todos os gaiteiros, a notar: Ângelo Arribas, Desidério Afonso, Henrique

Fernandes, Célio Pires, Paulo Preto, Paulo Meirinhos, Abílio Topa, António Alves,

Manuel Martins, Ernesto Martins Lhano, Adérito Augusto Vicente, Álvaro Xavier,

Zéfiro Galvão, Domingos João, Paulo Gonçalves e Alexandre Vicente Pires.

A minha consideração ao Tiago e Ana que me acolheram em sua casa, numa das

minhas estadias em Sendim e a todos os meus colegas de mestrado.

Finalmente, e sem nunca descurar, ao Elso e à Joana, devo a força e

acompanhamento em todo o processo exploratório ao terreno, a paciência pelas

férias perdidas, os atrasos nas refeições e as dormidas no carro quando o trabalho se

prolongava. E sobretudo à Margarida, minha filha mais nova, pela força com que

lutou pela vida, sem a qual não teria sido possível a concretização deste trabalho.

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PREFÁCIO

Esta dissertação de mestrado constitui um estudo etnomusicológico sobre a

(re)folclorização das práticas musicais associadas à gaita-de-foles, em Miranda do

Douro e na Área Metropolitana de Lisboa1, no período que se estende entre 1999 e

2004. Com o presente estudo pretendo analisar os factores que contribuíram para

este processo, focando sobretudo o papel dos agentes envolvidos e as suas

motivações.

A inexistência de estudos etnomusicológicos sobre a (re)folclorização das práticas

musicais em torno gaita-de-foles foi uma das motivações que me levou à escolha

do presente objecto de estudo. Por outro lado, o meu fascínio pelas práticas

performativas associadas ao instrumento foi também decisivo.

O primeiro capítulo apresenta o objecto de estudo e a perspectiva teórico-

metodológica utilizada na organização, análise e tratamento dos dados.

O segundo capítulo inicia-se com uma perspectiva histórica sobre o folclorismo e a

folclorização em Portugal e, em seguida, procuro situar o início da

institucionalização das práticas performativas tidas por tradicionais em Miranda do

Douro, através de uma reflexão acerca das primeiras representações dos Pauliteiros

de Miranda e do papel do Padre António Mourinho.

O terceiro capítulo aborda a (re)folclorização das práticas performativas da gaita-

de-foles em Miranda do Douro e Lisboa, partindo de uma análise acerca da

folclorização em Espanha e o seu posterior impacte em Portugal. São identificados

os principais agentes envolvidos neste processo, bem como a sua acção em ambos

1 A Área Metropolitana de Lisboa engloba dezoito municípios: Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro,

Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Sesimbra, Setúbal, Seixal, Sintra

e Vila Franca de Xira. Todavia, esta investigação incidiu sobre os concelhos de Lisboa, Almada e Moita,

pelo que me irei referir em concreto a estas localidades.

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os contextos, no período entre 1999 e 2004, altura em que começaram a actuar de

forma proeminente e sistemática.

No quarto capítulo são analisados dois eventos que desempenharam um papel

central na implementação do processo ainda em curso: o Festival Intercéltico de

Sendim e o Encontro Nacional de Gaiteiros.

O quinto capítulo aborda a performance em torno da gaita-de-foles, a partir da

análise de três “ocasiões performativas”: Ângelo Arribas no auditório da Biblioteca

Municipal da Moita, Galandum Galundaina nas Festas de Santa Bárbara, em

Sendim e Gaitafolia na Associação Ponto de Encontro, em Cacilhas.

No sexto capítulo, tecem-se algumas considerações sobre os géneros e categorias

musicais centrais no repertório da gaita-de-foles, no contexto de Miranda do Douro

e na área Metropolitana de Lisboa.

O sétimo capítulo aborda a institucionalização do ensino da gaita-de-foles e as

mudanças que resultaram da acção dos principais agentes, no repertório, no estilo

performativo e na morfologia do instrumento.

O último capítulo apresenta algumas considerações gerais sobre o desenrolar de

todo o processo em estudo.

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I. INTRODUÇÃO

1. Objectivos

Este estudo propõe analisar o início do processo de (re)folclorização das práticas

musicais associadas à gaita-de-foles que decorre simultaneamente, e de modo

interligado, em Miranda do Douro e na área metropolitana de Lisboa, no período

que se estende entre 1999 e 2004. Pretende, igualmente, analisar e reflectir os

factores que estão na sua origem, as motivações dos agentes envolvidos, bem

como, os mecanismos económicos, culturais, sociais e políticos accionados por

eles. Visa também, analisar a adopção da gaita-de-foles como símbolo identitário

no concelho de Miranda do Douro.

Serão abordados processos como: a acção dos agentes, a performance, a

aprendizagem, a configuração do repertório e as mudanças na morfologia do

instrumento. As balizas cronológicas justificam-se pelo papel central

desempenhado por duas instituições locais: a Associação para o Estudo e

Divulgação da Gaita-de-foles (A.P.E.D.G.F.), fundada em 1999 em Lisboa, e o

Centro de Música Tradicional Sons da Terra, sedeado em Sendim desde 2000,

oficializado em 2002.

A dissertação abordará as seguintes questões específicas:

1- Quais os factores que estimularam a (re)folclorização das práticas

coreográficas e musicais ligadas à gaita-de-foles em Miranda do Douro e

na área metropolitana de Lisboa?

2- Quem são os agentes envolvidos e quais as suas motivações?

3- Qual a influência da Galiza no processo em estudo?

4- Qual o impacte da cultura celta e da “música celta”?

5- Como é constituído o repertório e em que contextos e ocasiões é

desempenhado?

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6- Quem são os performadores e construtores da gaita-de-foles?

7- Quais são as funções musicais e sociais do instrumento?

8- Quais as mudanças no estilo performativo, na morfologia do instrumento

e qual o seu impacte?

9- Como se processa o ensino da gaita-de-foles?

2. Enquadramento teórico

A folclorização apresenta-se como o processo central em estudo. Para o efeito, e

em primazia, adoptarei a definição de folclorismo e folclorização proposta pelos

investigadores Salwa Castelo-Branco e Jorge Freitas Branco: “O folclorismo

engloba ideias, atitudes e valores que enaltecem a cultura popular e manifestações

nela inspiradas, por folclorização entende-se o processo de construção e de

institucionalização de práticas performativas tidas por tradicionais, construídas por

fragmentos retirados da cultura popular, em regra, rural” (Castelo-Branco e Branco

2003:1). Estes autores consideram a existência de dois períodos marcantes no

processo de folclorização em Portugal – o primeiro ocorreu durante o Estado Novo

e o segundo teve início com o estabelecimento do Regime Democrático – e

reconhecem determinadas características que marcam a folclorização em cada um

desses momentos. Os autores propõem o seguinte modelo para o processo de

folclorização durante o regime democrático, que pretendo testar no presente estudo:

a) “Ideologia ruralista que serve de matriz à identidade local, centrada na

preservação da tradição.

b) Regulação feita por entidades, tanto do estado, como privadas. Prevalência

dos mecanismos de auto-regulação: a participação em encontros e

festivais, aceitação pelas rádios locais, a inserção comercial (espectáculos

no circuito turístico, edição de fonogramas).

c) Indivíduos como ensaiadores, directores dos agrupamentos a quem

compete dirigir o repertório e promover os grupos no mercado cultural.

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d) Património constituído por repertórios autenticados, tanto por recolhas

actuais, como pela revisitação a repertório gravado ou escrito.

Permanência do ideal de recolha junto das pessoas mais idosas. O

repertório constitui o património essencial na negociação da posição

artística de mercado do grupo.

e) Espaços adequados, constituídos por instalações próprias.

f) Representação. Alteração na criação e gestão do espaço simbólico.

Diversificam-se os tipos de grupos que integram a música tradicional nas

suas actuações. Surgem os Grupos Urbanos de Recriação [GUR]. Torna-se

difícil para o grupo ser o único a invocar o seu espaço, em referência a um

território. Negoceiam-se os espaços a representar. A componente

nacionalista, anteriormente assumida e representada, deixa de ter um papel

normalizador, dando lugar à criação das identidades locais, através da

cultura expressiva.

g) Indústrias do património, mercados culturais e turísticos. As

manifestações do que se designa por folclore ou música tradicional

transitam por circuitos de eventos diversos, nos âmbitos nacional,

migratório, diaspórico, internacional.

h) Uma prática urbana. A maioria dos grupos já se encontram em áreas

urbanas, os protagonistas não são “gente do campo”, porque se tornaram

operários ou empregados no sector terciário” (Castelo-Branco e Branco

2003: 15-17).

Decorrente da folclorização emerge a (re)folclorização, definida por Freitas

Branco, em 1995, como o processo de construção de memórias, baseado em

“elaborações cénicas sistemáticas de aspectos do passado, entretanto, desprovidos

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de base de legitimação no vivo” (Branco 1995: 170), conceito que considero

igualmente central neste estudo.

3. Modelo de pesquisa

Partindo da perspectiva de Castelo-Branco e Branco (2003) e de Branco (1995), e

tendo em conta os dados que constam do meu estudo, proponho o seguinte modelo

analítico que pretendo testar.

Grupos/Património

Agentes

Ideologia Mercados culturais

e turísticos

Fig. 1 – Modelo de pesquisa da (re)folclorização das práticas performativas

em torno da gaita-de-foles entre 1999 e 2004

Os agentes, motivados pela ideologia ruralista, transmitem-na aos grupos,

regulando as suas práticas, materializam-na através de eventos, organizados pelos

mercados culturais e turísticos, que estimulam e procuram nos agentes, conforme a

receptividade do público-alvo, a matriz ideológica das práticas performativas tidas

por tradicionais, como meio de prática cultural com fins políticos e emblemáticos

da entidade nacional. Estes, por sua vez, como indivíduos mobilizadores e

promotores dos repertórios, aprofundam o conhecimento do repertório, através da

sua revisitação, e actuam sobre os grupos protagonistas, dinamizadores das práticas

associadas ao contexto rural, influenciando a sua abordagem ao património

(repertórios autenticados).

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Os agentes encontram-se no centro do modelo, visto que a sua acção é fulcral para

o processo em análise. Estes são indivíduos (ensaiadores ou directores de

agrupamentos), ou entidades reguladoras do estado (INATEL, IPJ, IA,

IPAE/Ministério da Cultura), ou das autarquias (Câmaras Municipais e Juntas de

Freguesia; Região de Turismo do Nordeste Transmontano, Governo Civil de

Bragança), ou privadas (Associações; Sons da Terra - Edições Musicais;

A.P.E.D.G.F.), que exercem a sua influência aos níveis local e regional e

promovem os grupos no mercado cultural.

4. Metodologia

A estratégia de pesquisa centra-se no desenvolvimento de uma etnografia multi-

situada, conforme sugere Marcus (1999), na qual são exploradas as conexões,

paralelismos e contrastes do processo de (re)folclorização das práticas

performativas associadas à gaita-de-foles em Miranda do Douro e na área

metropolitana de Lisboa.

O primeiro contacto que tive com a prática, morfologia, estrutura e técnicas de

execução da gaita-de-foles foi em 2000, na Vila de Alhos Vedros (Concelho da

Moita, Distrito de Setúbal), num curso de iniciação ao estudo da gaita-de-foles,

ministrado por Paulo Marinho2 e Vítor Félix

3, membros fundadores da Associação

Para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-foles (A.P.E.D.G.F.). Tendo sido este

curso indicado por um colega de trabalho, José Gomes, professor de História na

Escola Básica 2/3 Ciclos da Quinta da Lomba, também ele, membro fundador da

A.P.E.D.G.F..

A investigação no terreno decorreu entre Fevereiro de 2002 e Agosto de 2004 em

Miranda do Douro e Lisboa. Nestes dois anos sucederam-se várias estadias em

2 Paulo Marinho, intérprete e músico urbano, pertencente aos grupos Sétima Legião, Anaquiños da Terra e

Gaiteiros de Lisboa, professor de gaita-de-foles. 3

Vítor Félix, intérprete de música popular em diversos agrupamentos nos anos oitenta e noventa,

actualmente membro do grupo Gaitafolia e construtor de instrumentos musicais, dedicando-se, sobretudo, à

construção de Gaita-de-foles.

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Miranda do Douro, intermitentemente, e em Lisboa, através de contactos semanais

com a A.P.E.D.G.F..

No trabalho de terreno foram realizadas entrevistas etnográficas, na sua maioria

semi-estruturadas, de modo a permitir compreender as perspectivas dos

intervenientes no processo em estudo. Além das entrevistas, as conversas informais

proporcionaram-me um conhecimento mais aprofundado das perspectivas dos

diversos actores.

A observação participante também foi uma técnica fulcral. Vivênciei experiências e

situações diferenciadas no âmbito da prática musical em torno da gaita-de-foles, a

partir da observação de aulas de gaita-de-foles em Miranda e Lisboa; ensaios do

grupo Gaitafolia; festivais, encontros de gaiteiros e outros eventos onde o

instrumento desempenhou um papel fundamental. A participação na organização do

IV Encontro Nacional de Gaiteiros permitiu-me analisar o evento segundo uma

perspectiva interpessoal, proporcionando-me laços de amizade e de proximidade

com os gaiteiros presentes. Frequentei aulas de iniciação à gaita-de-foles na escola

da A.P.E.D.G.F. orientadas por Gonçalo do Carmo, Miguel Costa e Francisco

Pimenta, ex-alunos de Paulo Marinho e membros da A.P.E.D.G.F. e, ainda,

algumas aulas no Centro Galego, com Paulo Marinho, tendo a aprendizagem da

gaita-de-foles possibilitado uma melhor compreensão das técnicas de execução do

instrumento, da terminologia utilizada e do repertório.

O registo fotográfico e audiovisual foi outra das técnicas utilizadas, tendo servido

para documentar e analisar eventos centrais nos contextos estudados. Para servir de

apoio à fundamentação teórica e reportagem de todo o processo inclui, também, um

DVD com excertos que ilustram alguns dos aspectos em estudo.

Durante toda a pesquisa, observei e documentei diversos eventos, designadamente:

o III, IV e V Festivais Intercélticos de Sendim (de 2 a 4 de Agosto de 2002, 1 a 3 de

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Agosto de 2003, de 30 de Julho a 1 de Agosto de 2004); o I, II, III e IV Encontros

Nacionais de Gaiteiros (8 de Julho de 2001, 8 e 9 de Junho de 2002, 9 e 10 de

Agosto de 2003, 18 e 19 de Setembro de 2004); a Famidouro 2002, Feira de

Artesanato e Multiactividades em Miranda do Douro (de 17 a 18 de Agosto de

2002); Romaria da Nossa senhora da Luz – Constantim, Miranda do Douro (28 de

Abril de 2002); II Encontro de Tocadores em Nisa (dias 9, 10 e 11 de Maio de

2003); Festas de Santa Bárbara, em Sendim (entre 3 e 7 de Agosto de 2003);

actuação de Ângelo Arribas na Biblioteca Municipal da Moita (dia 19 de

Novembro de 2004); Actuações do Grupo Gaitafolia (Quinta da Atalaia – Festa do

Avante, dia 7 de Setembro de 2003, Cacilhas, dia 22 de Abril de 2005); a actuação

do grupo Galandum Galundaina (Quinta da Atalaia – Festa do Avante, dia 4 de

Setembro de 2005), entre outros.

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II - FOLCLORISMO E FOLCLORIZAÇÃO

1. Perspectiva histórica

O interesse pela cultura popular em Portugal teve início na segunda metade do

século XIX. Partiu do empenho de grupos de intelectuais, através do enaltecimento

da cultura popular e manifestações nela inspiradas, que Castelo-Branco e Branco

designam por folclorismo (Castelo-Branco & Branco 2003). Com o concurso “A

Aldeia mais Portuguesa de Portugal”, organizado pelo SNI (Secretariado Nacional

de Informação) em 1938, inicia-se a institucionalização das práticas do folclore,

segundo um modelo instituído pelo certame que permanece até aos nossos dias. O

movimento folclórico, iniciado pelo Estado Novo, reforça-se e expande-se em

democracia com o grande incremento de grupos folclóricos por todo o país

(Castelo-Branco, Neves e Lima 2003).

O folclorismo desenvolveu-se ao longo da primeira metade do século XIX, como

símbolo de um patriotismo que animou o estado liberal, que tinha como objectivo a

construção de um “estado cívico” (Ramos 2003), governado por um conjunto de

cidadãos iguais entre si, dotados de uma “opinião pública” (idem 2003: 26). Esta

ideologia só seria possível através da criação de um certo estado de espírito

colectivo, traduzido pelo termo “patriotismo”, que invocava imagens heróicas

presentes na literatura grega e latina (idem). Por outro lado, era necessário que os

cidadãos sentissem por esse grande estado o afecto que os habitantes de uma aldeia

sentiam pela sua pequena terra. Para tal, era necessário incentivar o conhecimento

da sua história, costumes e paisagens, o que faria com que estes se sentissem um

mesmo grupo.

Na segunda metade do século XIX imperou o positivismo. A nova classe

intelectual emergente atribuía a indiferença cívica da maior parte da população ao

método seguido pelas gerações anteriores para definir uma cultura comum. A nova

geração queria-se “positiva”, isto é, “científica”, e a cultura comum deveria

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assentar na apreensão da “nação” como um facto científico (Ramos 2003: 25).

Nesta corrente encontramos Teófilo Braga, o qual levou a cabo uma vasta

investigação acerca das manifestações culturais do povo português, que

sistematizou na obra O povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições

(1885). Nas últimas décadas de oitocentos, intensificaram-se nos meios

aristocráticos e burgueses as manifestações culturais inspiradas no popular, que se

traduziram no organizar de divertimentos, tais como, bailes de máscaras e serões

musicais, tendo como fonte de inspiração o mundo rural, tornadas moda, tanto em

espectáculos teatrais, como na pintura, na arquitectura ou na criação musical

erudita (Castelo-Branco & Branco 2003: 4).

A partir dos anos 20, do século passado, multiplicam-se as iniciativas de

empresários, de políticos e de intelectuais, que se traduziram na criação de

marchas, desfiles, cortejos ou paradas nas cidades. Nestas manifestações incluem-

se eventos como, o Carnaval de Torres, que surge como uma performance urbana,

“inventada” na década de 20 por um conjunto de jovens burgueses, à luz dos

festejos carnavalescos Lisboetas (Raposo 2002:464) ou as marchas populares de

Lisboa, resultantes da iniciativa de José Leitão de Barros em 1932, promovidas

como tradição festiva local e marcadas pelo seu carácter genuíno e popular (Melo

2003: 307-8). Todos estes eventos revelam a transformação a que foi submetido o

folclorismo: abandonando o “elemento paródico, toma forma de uma prática

performativa onde está codificada uma gramática para a interpretação da nação”

(Castelo-Branco & Branco 2003: 6).

O regime político instaurado com a Constituição de 1933 criou organismos de

propaganda para alcançar os seus objectivos: o Secretariado de Propaganda

Nacional [SPN], instituído em Outubro de 1933, liderado por António Ferro,

funcionava como um centro político orientador dos vários sectores da sociedade e

tinha como fim “encenar as grandes certezas e a sua tradução política, impô-las no

espírito de todos e de uma forma total: na família, nas escolas, nas aldeias, nas

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oficinas, nas ruas, no lazer, no quotidiano” (Rosas 1993: 292). A acção levada a

cabo pelo SPN era dirigida por um conjunto de instituições, como a Federação

Nacional para a Alegria no Trabalho [FNAT], as Casas do Povo, etc. Através do

SPN, o Estado Novo dá um impulso decisivo à sua política folclorista, promovendo

uma série de iniciativas na área da “etnografia e folclore”. Esta era uma política

eminentemente estetizante, que privilegiou aquilo a que se chama arte popular

(Alves 2003:191), contudo, as iniciativas do secretariado não constituíam formas de

incrementar o conhecimento das tradições populares, mas sim, tentativas de criação

de um quadro global e fixo, de uma cultura popular encenada. O objectivo era

seleccionar para exibir, transformando a cultura popular num cenário de agradável

contemplação e, por essa via, emblemático de Portugal (idem: 196).

Institucionalizava-se um modelo de grupos organizados que exibiam música, dança

e trajos associados a determinada localidade, região ou a todo o país. A delimitação

da área geográfica representada pelo repertório de cada grupo tornou-se uma

questão central para os organismos reguladores como a FNAT (Castelo-Branco &

Branco 2003: 97).

O concurso A Aldeia mais Portuguesa de Portugal pretendia celebrar a aldeia do

território continental que “maior resistência (tivesse) oferecido a decomposições e

influencias estranhas e apresentasse o mais elevado estado de conservação no mais

elevado grau de pureza (numa série de características) definidas por regulamento”,

(Félix 2003: 207), “no que respeita à habitação; mobiliário e alfaia doméstica; trajo;

artes e indústrias populares; formas de comércio; meios de transporte (terrestres,

marítimos e fluviais); poesia, contos, superstições, jogos, canto, música,

coreografia, teatro, festas e outras usanças; fisionomia topográfica e panorâmica”

(idem: 213). O concurso, inicialmente previsto como um evento bianual, apenas se

realizou uma vez. Como observa Félix, desta iniciativa ficaram a realização de

cancioneiros ao nível nacional e regional, o Museu de Arte Popular, a publicação

regular de roteiros turísticos, entre outros, materiais que apresentam um discurso

sistematizado de carácter etnográfico e folclórico, que se tornaram objecto de

consumo, sobretudo urbano.

Page 19: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

19

A institucionalização do folclore contribuiu, deste modo, para a difusão do canto,

da dança, e da prática instrumental, e os praticantes de folclore adoptaram uma

nova forma de cantar e de dançar: sobre um estrado, integrados num grupo misto,

acompanhados por tocadores e dançarinos fardados, perante uma assistência

passiva, que assumia o papel de ouvinte (Castelo-Branco & Branco 2003: 20).

Ao contrário do que se poderia supor, a transição do autoritarismo para o regime

democrático não correspondeu a uma ruptura ao nível dos conteúdos no que

concerne à prática folclórica, antes pelo contrário, o movimento folclórico

reforçou-se e expandiu-se (idem). Em 1977 é criada a Federação de Folclore

Português [FFP], com o objectivo de desenvolver toda uma acção pedagógica

através de colóquios, seminários, palestras e, até mesmo, o contacto directo com os

agrupamentos folclóricos (Seromenho 2003: 246). A Federação tornou-se a

entidade responsável pela prática do folclore, criando uma nova normalização,

cabendo-lhe o papel fiscalizador (Sousa 1996). Depois da revolução de Abril de

1974, surgiu um novo movimento que visava especialmente as áreas rurais, através

da intervenção de estudantes universitários e jovens profissionais, sobretudo de

Lisboa, Coimbra e Porto, fortemente inspirado pelos ideais de Fernando Lopes-

Graça e Michel Giacometti, acentuando o valor histórico e estético da música

tradicional e zelando pela sua preservação (Lima, 2000).

Como observa Jorge Freitas Branco, desde a década de 80 que se verifica a

transição para uma refolclorização (Branco 1995: 169), com o ano de 1985 a

assinalar o início deste processo, marcado pela entrada de Portugal na Comunidade

Europeia e, consequentemente, com a concertação da política agrícola. O fim dos

ciclos de produção agrícola provoca a escassez de referência material e ideal para a

maioria da população, dando lugar a elaborações cénicas baseadas em construções

de memória. Isto reflectiu-se no repertório dos agrupamentos, que deixa de ser

baseado em recolhas de primeira-mão, para se transformar em recriações inspiradas

em materiais submetidos a releitura (idem).

Page 20: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

20

A preservação, divulgação e transmissão da tradição para as gerações mais novas,

continuam a ser os principais objectivos que norteiam os grupos de música

tradicional no final do século XX e início do século XXI. Estes mobilizam milhares

de aderentes, perpetuam memórias, (re)criam repertórios, animam espaços

públicos, proporcionam sociabilidades, (re)constroem e negoceiam identidades e

incrementam as indústrias do património (Castelo-Branco, Neves & Lima 2003:

122).

2. Primeiras representações dos Pauliteiros de Miranda

A representação da dança dos paulitos e o interesse pela língua e culturas

mirandesas fora do seu contexto ocorreu durante as duas últimas décadas do século

XIX. Em 1886, a Revista de Educação e Ensino4, refere a “dança mirandesa dos

paulitos” associando-a à dança pyrrhica dos gregos. A partir de 1882, J. Leite de

Vasconcelos, que “apreciava as tradições e a lingoagem do povo” (1900: 3),

começa a publicar diversos textos sobre o mirandês, despertando o interesse de

outros intelectuais, como se pode observar nas palavras de Manuel António Ferreira

Deusdado, numa carta endereçada a Hysson:

«Meu Caro Ch.-A. Hysson:- Visto te occupares das nossas cousas

transmontanas, acho bom que não te esqueças das tradições mirandesas,

e principalmente da língua. O meu primo Bernardo Fernandes Monteiro,

por suggestão minha, começou a publicar em 1894 na Revista Educação

e Ensino, em versão mirandesa, a primeira epístola de São Paulo aos

Corínthios (...) Essa língua, como sabes, é fallada pela população

campesina do conselho de Miranda do Douro...»5

Em 1898, um grupo de mirandeses exibiu nas ruas de Lisboa a Dança dos Paulitos,

por ocasião das comemorações do IV Centenário da Descoberta do Caminho

Marítimo para a Índia (Deusdado 1898). Segundo Ferreira Deusdado, esta não foi a

primeira vez que estes se apresentaram fora do contexto mirandês: “... vieram

4 Citada por Ferreira Deusdado (1898: 314).

5 Carta datada de 29-12-1896, publicada no jornal O repórter, nºI: 509 de 1 de Janeiro de 1897.

Page 21: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

21

mirandezes para exibir nas ruas de Lisboa a dança dos paulitos. Há annos um

grupo d‟esses mesmos ingenuos camponeses também vieram ao Porto dançar

n‟uma festa e alguns jornaes classificaram desdenhosamente esses homens de

selvagens....” (idem).

Com a criação do SPN (Secretariado de Propaganda Nacional), em 1933, o folclore

passa a ser um instrumento importante para a mobilização política. O SNI defendia

uma ideia de tradição onde o popular estaria divorciado do erudito e desenvolvia

toda uma actividade de encenação da cultura popular, orientada para um público de

elite. A acção do secretariado assentava numa forma de transformar a cultura

popular em matéria passível de ser exibida e apresentada em espectáculo (Alves

2003:196). Por outro lado, a imagem de Portugal no estrangeiro era essencial em

todo o sistema, daí a sua acção, fazer uso da cultura popular como forma de

afirmação da identidade nacional, processo que visava a exaltação da pátria entre os

nacionais e pretender construir uma boa imagem de Portugal no estrangeiro (idem:

192).

Foi neste quadro político que, em 1933, um grupo de Pauliteiros de Miranda actuou

em Lisboa sob o patrocínio do SPN6, num espectáculo dedicado essencialmente a

artistas, escritores e alunos das escolas superiores e secundárias. Este grupo não se

dirigia à capital, estava de passagem para actuar num certame internacional de

danças regionais no Albert Hall, em Londres, organizado pelo English Folk Dance

Society. Este convite partiu do diplomata e folclorista Rodney Gallop, que na sua

estadia em Portugal entre 1931 e 1933 efectuou digressões a várias regiões,

incluindo Trás-os-Montes, onde assistiu em 1932 a uma exibição da dança dos

paulitos em Miranda. A viagem foi financiada pela Casa de Portugal em Londres,

pelo Secretariado de Propaganda Nacional, pelo Conselho Superior de Turismo,

pelo Instituto do Vinho do Porto e pelo próprio Rodney Gallop que, mais tarde,

viria a relatar: “Quando eu os vi, em 1932, os dançarinos vestiam camisa branca,

calças pretas, e colete com fitas coloridas nas costas (…) os chapéus eram

6 No subtítulo da notícia lê-se: “Foram recebidos no Secretariado de Propaganda Nacional. O quarto

espectáculo gratuito organizado por aquele organismo”, in “Os pauliteiros Mirandeses”, Diário da Manhã de

6/12/1933.

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22

enfeitados com flores artificiais. A geração anterior usava saias brancas, e eles

reviveram este costume quando vieram a Londres em Janeiro de 1934” (Gallop

1961: 170).

Relativamente ao trajo dos Pauliteiros, o Diário da Manhã, datado de 30 de

Dezembro de 1933, refere que os trajos que incluíam as saias foram mandados

fazer expressamente para que os Pauliteiros se apresentassem em Londres.

Acrescenta ainda, que a este trajo “serviu de modelo aquele que no Museu de

Bragança veste, na “Sala de Miranda do Douro”, um manequim que representa o

Pauliteiro, trajo este ao Museu oferecido por um mirandês ilustre e culto (…) o

Meretíssimo Desembargador da Relação do Porto, o Sr. Dr. A. Carlos Alves” (SA

1933). Estes dados permitem-nos supor que o trajo associado aos pauliteiros terá

sido introduzido em 1933, tornando-se num dos elementos identificadores dos

grupos de Pauliteiros de Miranda. A indumentária começa a ser tema relevante no

final dos anos vinte do século passado, enquadrando “gestualidades e posturas

corporais e evocando lugares e tempos passados” (Castelo-Branco & Branco

2003:20). O trajo dos pauliteiros de Miranda integra o processo de “objectivação da

cultura”, que também se manifesta na dança e na música, tal como o definiu

Richard Handler em 1988: “a cultura como coisa: um objecto ou uma entidade

natural feita de objectos e entidades (“traços”)”, semelhante à objectivação do trajo

“à vianense” (Vasconcelos 1997: 112). Em ambos os casos, a palavra objectivação

é “duplamente adequada, uma vez que nos encontramos perante uma fixação

ostensiva da cultura em objectos materiais” (idem).

3. O papel de António Maria Mourinho (1917-1996)

As práticas associadas ao folclore mirandês foram institucionalizadas através da

acção de António Mourinho, fundador e ensaiador do Grupo de Pauliteiros de Duas

Igrejas em 1945. Este idealizava a cultura como “objecto natural” ou “repositório

de tradições culturais arcaicas” (Castelo-Branco & Toscano 1988: 29).

Page 23: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

23

Padre António Mourinho, nas suas descrições de Trás-os-Montes patenteava os

ideais preconizados pelo Estado Novo, de um país rural, tranquilo e feliz, para o

qual Miranda do Douro era tida como um exemplo: “Somos mirandeses (…)

pastores solitários e alegres do planalto árido e frio, cantando as loas ou rimances

medievais ou tocando flautas bíblicas ou gaitas de fole, atrás do rebanho…”

(Mourinho 1961: V-VI).

Em 1942, A. Mourinho é nomeado pároco da freguesia de Duas Igrejas e, nesse

mesmo ano, apresenta-se na Sociedade de Geografia de Lisboa como poeta,

declamando poemas em mirandês, numa festa dedicada ao Dia de Miranda do

Douro, promovida pela Casa de Trás-os-Montes em Lisboa (idem 1995: 7). A

acompanhá-lo encontravam-se “três casais de mirandeses com os seus trajos

tradicionais a cantar e a dançar as “Girabolas” e outros bailados repasseados,

acompanhando os Pauliteiros de Miranda, perante cerca de 3.000 pessoas e o Chefe

de Estado” (idem 1983: 7). Este grupo parece ter-se reunido apenas para participar

neste evento. Contudo, os ideais que viriam a nortear a acção de A. Mourinho já

estavam aqui reflectidos.

É como mediador entre o Estado Novo e a população de Miranda do Douro que

Mourinho desenvolve a sua actividade (Brissos 2003: 484), através da criação e

orientação, a partir de 1945, do “Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas,

(pauliteiros de Miranda) com suas “três secções, de danças masculinas, mistas com

coros e instrumentos, para recolha, conservação e divulgação do folclore tradicional

mirandês” (Mourinho 1995: 25). Este grupo era constituído por trinta e dois

elementos, vinte e dois do sexo masculino e dez do sexo feminino (idem 1983:19).

As perspectivas de Mourinho pareciam articular-se com os propósitos do governo e

com a acção reguladora do SPN, quando refere em 1948: “Faz muita falta um

serviço nacional de correcção destas coisas, porque ajudaria a vincar mais a

personalidade das regiões e prendê-las à sua terra, no amor e admiração das suas

coisas” (idem 1991: 22).

Page 24: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

24

Valorizando o património local associado ao meio rural, Mourinho procura fontes

para a construção do folclore, através da recolha efectuada junto das pessoas mais

idosas da região. Parte destas recolhas foram coligidas no Cancioneiro Tradicional

e Danças Populares Mirandesas, no Cancioneiro Tradicional Mirandês de Serrano

Batista ou em outras publicações onde se apresentam desde lendas ao teatro

popular, romances e géneros associados à dança, como os lhaços. É com base

nestas recolhas que orienta o grupo, “sem perder a fidelidade e a tradição no Trajo,

na Dança e no Canto e nos instrumentos musicais...” (Mourinho 1983:8).

Apoiado pelos órgãos estatais e locais, Mourinho orienta festas, comemorações,

saídas do grupo fora do concelho e todas as manifestações objectiváveis da cultura

mirandesa, intervém na selecção e adaptação do repertório e na projecção da

localidade através do folclore. O grupo ficou conhecido a nível nacional como “Os

pauliteiros de Miranda”. E assim, sustentado pela imagem de uma nação pura e

ruralista, o folclore tomou um lugar de destaque, revelando-se não apenas a nível

nacional, como ao nível internacional, através de iniciativa inscrita no projecto

turístico promovido pelo Secretariado Nacional de Informação [SNI] (Sousa 2003:

570). Para as populações locais, o turismo era visto como um mercado para o

folclore, que poderia ser benéfico para as aldeias, como forma de obtenção de

melhoramentos públicos ou como possibilidade de escapar ao isolamento.

A acção de Mourinho iniciada durante o Estado Novo continua no Regime

Democrático. A partir do 25 de Abril de 1975, em Miranda do Douro, tal como no

resto do país, o que, até então, tinha sido “assunto de estado passa a matéria de

apropriação local: é ao nível autárquico que se geram os financiamentos

indispensáveis” (Castelo-Branco & Branco 2003: 15). Foi então, precisamente com

o apoio da autarquia, que em 1982 Mourinho fundou o Museu das Terras de

Miranda, exercendo o cargo de Director até 1995. A ideologia ruralista que

privilegia a preservação da tradição e da identidade locais está ainda hoje patente

na exposição permanente do Museu, que integra objectos recolhidos por A.

Page 25: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

25

Mourinho junto da população rural, tais como: trajos, máscaras, gaitas de fole,

alfaias agrícolas e diversos instrumentos de lavoura.

O discurso regionalista, iniciado por eruditos locais no princípio do século XX, foi

fortemente desenvolvido por António Mourinho na segunda metade desse século,

contribuindo para a delimitação de uma área associada à língua e cultura

mirandesas. Em toda a obra literária de A. Mourinho existem descrições de

determinados aspectos que retratam a identidade mirandesa, não só através da

língua como, também, através do trajo, da dança, da música e do teatro. A

importância dada à língua mirandesa enquanto representação da identidade local

contribuiu para que Júlio Meirinhos, então deputado na Assembleia da República

pelo Partido Socialista, conseguisse o reconhecimento oficial da língua mirandesa.

Os agentes envolvidos no processo de (re)folclorização da gaita-de-foles em

Miranda do Douro são fortemente influenciados pelo trabalho de A. Mourinho,

bem como os grupos de música tradicional mirandesa, gaiteiros e artesãos, para os

quais a figura de A. Mourinho ainda está bem presente. A gaita-de-foles assume-se

como um dos principais instrumentos musicais nas primeiras representações dos

pauliteiros de Miranda: “Os dois instrumentos musicaes de que se servem para

dançar são o tamboril e a gaita-de-foles” (Deusdado 1898) e Mourinho adopta para

o grupo que dirige “instrumentos simples e primitivos: gaita de fole, caixa e

bombo, flauta pastoril, ferrinhos, conchas, castanholas, pandeiros e pandeiretas”

(Mourinho 1983: 19). Na actualidade, a gaita-de-foles surge como património

autenticado, alvo de um processo de objectivação (Handler 1988) por parte dos

agentes e dos grupos locais.

A actividade de António Mourinho em torno das práticas folclóricas teve,

igualmente, impacte a nível da morfologia do instrumento: a “gaita-de-foles

mirandesa” de “aspecto rude e quase primitivo, uma das mais completas, pela sua

perfeição sonora, pela modulação musical, pelo acervo da ponteira7 com o bordão e

7 Ponteira – Designação em Miranda do Douro para o tubo melódico da gaita-de-foles.

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26

pela afinação” (Mourinho 1991: 165), foi apropriada, localmente, pelos artesãos,

nomeadamente, Ângelo Arribas, que no final dos anos 1980 começou a dedicar-se à

construção do instrumento e uma década depois era considerado um dos

construtores mais conceituados da região. Mourinho, numa tentativa de preservação

da tradição mirandesa, incentiva Arribas a manter as características do modelo da

gaita-de-foles transmontana (Oliveira 1966) e a afastar-se dos modelos galegos,

como refere Ângelo Arribas em entrevista:

“...a minha 1ª gaita-de-foles, isto já foi em 84, 85, (...) pus ali um Black and

Decker e saiu a primeira gaita-de-foles. Pus-lhe um fole galego e andava

com ela no carro. Um dia passo pelo P.e Mourinho em Miranda, que olhou

para mim e perguntou-me em Sendinês:

- O que tu trazes aí?

- É uma gaita-de-foles Sr. Doutor...

- Quem se la fêz?

- Fui eu

- Tira-me isso daí para fora!... Isso não é nosso!... Isso é galego... isso não

presta!

- Bás para casa... matas le um chibo, comes la carne, põe-lhe la pele... (...)

E, eu assim fiz, fui a Sendim, falei lá com o cortador, que me matasse um

cabrito e que me tirasse a pele. Pus-lhe a pele e continuei a trazer a gaita no

carro. Daí a uns dias viu-me, que me foi buscar para irmos actuar e…

perguntou-me pelo caminho:

- Então … fizes-te o que eu te mandei à gaita-de-foles?...

- Fiz Sr. Doutor.

- E ainda fazes mais?

- Faço…

- Sim senhor, fazes bem, se continuares não te falta emprego”. (Entrevista a

A. Arribas 5/8/2003)8.

8 A minha transcrição do sendinês pretende representar a fonética transmitida.

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27

Mais tarde, no final dos anos 1990, a Associação Galandum Galundaina procurou

desenvolver um modelo uniforme “da gaita-de-foles mirandesa (...), com o timbre e

a afinação que lhe é característico” (SA 1998: 79) (temática a abordar no próximo

capítulo). E, neste âmbito da genuinidade, a procura do “timbre mirandês” levou

outros gaiteiros a dedicarem-se à concepção de palhetas. Henrique Fernandes, por

exemplo, neto e bisneto de gaiteiros, iniciou a aprendizagem do instrumento com

A. Arribas, em 2000, contudo, descontente com o timbre e afinação adquiriu outro

instrumento à Associação Galandum Galundaina, e desde 2002/3 constrói palhetas

para a “gaita mirandesa”, numa tentativa de encontrar a sonoridade dos gaiteiros

mirandeses mais antigos, registados em fonogramas.

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III. A (RE)FOLCLORIZAÇÃO DAS PRÁTICAS PERFORMATIVAS DA

GAITA-DE-FOLES: O PAPEL DA GALIZA E DOS AGENTES EM

MIRANDA DO DOURO E LISBOA

No presente capítulo pretendo reflectir sobre o papel dos agentes no processo de

(re)folclorização das práticas performativas associadas à Gaita-de-foles em

Miranda do Douro e na área metropolitana de Lisboa, com especial destaque para:

instituições autárquicas (Departamento Cultural da Câmara Municipal de Miranda

do Douro), associações (Associação Cultural Galandum Galundaina; Associação

Juvenil Mirai Qu‟Alforjas; Associação Para o Estudo e Divulgação da Gaita de

Foles), e ainda indivíduos (Mário Correia e Paulo Marinho). Para além destes

agentes, a institucionalização do ensino da Gaita-de-foles na Galiza, a partir dos

anos 1980, teve um forte impacte no processo em análise.

1. A folclorização em Espanha e o seu impacte sobre a prática performativa

da gaita-de-foles em Miranda do Douro e Lisboa

Em Espanha, no início do século XX, configuraram-se uma série de narrativas em

torno de determinados géneros musicais e coreográficos, que foram utilizadas por

movimentos associativos que pretendiam revitalizar ou recuperar tradições perdidas

(Martí 1996, 1998), onde as características inerentes a cada um foram fortemente

potenciadas devido a razões de confrontação com o “outro”, numa tentativa de

definição de identidades (Costa 2000: 26). Como observa Josep Martí, a música e a

dança são áreas propícias para a definição destas identidades, pois são dotadas de

capital simbólico e veiculam mensagens e ideologias que têm como base

interpretações da cultura (1998). Estes movimentos foram apropriados e apoiados

pelas políticas regionais e transformaram-se em marcas da identidade regional, nas

quais a música ocupou um lugar central. Géneros musicais, categorias

coreográficas, instrumentos musicais e trajo, foram reconfigurados com base na

“autenticidade”, “especificidade” e “genuinidade” (Costa 2000: 26), dando origem

à associação da Jota a Aragão, a Muiñeira à Galiza, a Sardana à Catalunha, etc.

(Castilho 2000), ou a instrumentos musicais como a gaita-de-foles galega, gaita-de-

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foles asturiana, gaita-de-foles sanabresa, gaita-de-foles alisteana (instrumentos

semelhantes quanto à morfologia, distinguindo-se uns dos outros, sobretudo, pelo

timbre ou pela técnica interpretativa).

O regime político implementado pelo General Franco, à semelhança de outros

regimes políticos totalitários na Europa, promoveu as práticas folclóricas como um

dos meios para a construção da nação. Tal como em Portugal, a passagem para

regime democrático não significou uma ruptura com as práticas instituídas pelo

regime de Franco. Espanha transformou-se num estado constituído por regiões

autónomas que necessitavam de recuperar ou inventar a sua identidade regional.

Através das práticas folclóricas, reforçaram-se as fronteiras administrativas e

proliferaram os festivais e competições de música e danças tradicionais,

agrupamentos e associações recreativas. O apoio às práticas folclóricas partiu,

sobretudo, do governo central, como forma de promoção turística, sector muito

importante na económica do país (idem).

Tal como em Espanha, Portugal foi governado por um regime ditatorial que se

apropriou das práticas folclóricas. A criação da imagem idílica, transmitida pelo

Estado Novo, de que Trás-os-Montes era uma “relíquia e mostruário do que mais

antigo ainda restava” (Leça 1942), viria a perdurar até bem recentemente9. Em

1938, organizado pelo SPN e enquadrado num movimento mais vasto de acção em

torno do folclore nacional, surge o concurso “A Aldeia Mais Portuguesa de

Portugal”, do qual Trás-os-Montes foi afastado devido a obstáculos colocados pelo

Júri Provincial que praticamente se opôs a participar no concurso (Félix 2003: 216).

Na verdade, a região sempre esteve muito ligada a Espanha. As fronteiras políticas

não impediram os contactos culturais e comerciais entre ambos os países, nem

durante o Estado Novo, nem após a instauração do Regime Democrático, até

porque, muitas vezes, a fronteira política atravessa a mesma aldeia, mas esta

funciona como um todo. Veja-se os casos de Rio D‟Onor (Brito 1991, 1996), a

Aldeia de Fontelas (O‟Neill 1991) e da Romaria da Senhora da Luz (Ribeiro 1967),

9 Veja-se a título de exemplo o estudo de A. Caufriez de 1997.

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30

entre outros. É neste contexto que se insere Miranda do Douro, cidade fronteiriça

que sempre estabeleceu laços culturais e comerciais com o país vizinho, com

reflexos aos níveis da língua, da música, da dança e do trajo.

Como afirmam os redactores da Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa (um

grupo de especialistas locais, linguistas do Centro de Linguística da Universidade

de Lisboa e da Universidade de Coimbra), o mirandês tem paralelismos com o

leonês, mas para “poder ser reconhecido como um código de identificação colectiva

pela população a que se destina” nunca poderia ter uma “unidade de escrita

transfronteiriça” (Ferreira & Raposo 1999: 10). Falado, sobretudo, nos meios

rurais, a sua oficialização pelos órgãos estatais centrais, permitiu a sua preservação

e divulgação através da introdução desta língua como disciplina no ensino básico e

secundário na região de Miranda, bem como, a edição de um crescente número de

obras literárias em Mirandês.

De entre os géneros coreográficos associados à dança tradicional, existentes nos

dois lados da fronteira, encontram-se as “danças de espadas”, ou “danças de

bastones”, ou “danças dos paulitos”, que estão documentadas desde o século XV.

Estas são dançadas por oito homens, que percutem paus, acompanhados pela gaita-

de-foles, bombo e caixa (Recasens 2000), e existem, sobretudo, em Miranda do

Douro, Zamora, Leão, Salamanca e Valladoilid, com traços estilísticos comuns que

se reflectem a nível das coreografias, trajo, repertório e instrumentos usados. No

que concerne aos lhaços10

, dos vinte cinco existentes em Miranda, 15 são comuns a

Zamora, 6 são comuns a Zamora e a outras localidades circundantes e outros 4

encontram-se nas províncias vizinhas, mas não em Zamora (Mourinho 1953, 1957,

1980; Matellán 1987). A utilização das saias na indumentária, também, é comum

em regiões dos dois países vizinhos, assim, Matellán refere que esta se manteve em

Miranda, Lobznos (Zamora), Laguna de Negrillos (Léon), Sarinena, Serra Graus y

10

Género musical associado à coreografia da “dança dos paulitos” (ver capítulo VI).

Page 31: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

31

Allora (Aragon), enquanto nos outros lugares foi substituída pelo calção branco ou

negro (Matellán 1987: 47-48).

Nas danças mistas encontram-se, igualmente, paralelismos com Espanha. O

repertório mirandês integra modas11

como a Cerigoça que, também, foi

documentada em Espanha com a designação de jerigonza, jeringonza, ou jeringosa

(Recasens 2000), ou o Pingacho, provavelmente, de origem espanhola, que acabou

por se fixar na região de Miranda. Este bailado reflecte, segundo António

Mourinho, a influência espanhola na letra, e na música, através dos ritmos usados

(Mourinho 1957:18). São, também, partilhados traços estilísticos aos níveis rítmico

e melódico, sobretudo, entre as regiões de Zamora e Miranda do Douro12

.

As relações culturais entre a região de Trás-os-Montes e as províncias espanholas

contíguas fazem-se sentir igualmente no canto. Caufriez, a partir de um estudo

realizado em Trás-os-Montes sobre o romance, considera que o romanceiro

português tem origem no romanceiro espanhol e constata que algumas versões que

se cantam nas comunidades rurais actualmente são idênticas às dos cancioneiros

ibéricos do século XVI (Caufriez 1997).

O intercâmbio entre Portugal e Espanha no final do século XIX e durante o século

XX era uma constante, veja-se a título de exemplo um estudo sobre “A gaita galega

em Tui”, no qual Ernesto Almeida verifica que na última década do século XIX

existiam concursos de gaiteiros, como o certame de gaitas que ocorreu em Tui a 23

de Junho de 1891, integrado nas Festas em Honra de S. Telmo (Oliveira 2001: 31).

Neste concurso participaram inúmeros gaiteiros, avaliados por um júri, cuja

constituição integrava um elemento português (idem).

A actividade gaiteiristica na Galiza foi-se intensificando na primeira metade do

século XX, dando origem ao aparecimento de oficinas de construção, entre elas, a 11

Conceito émico para composição cantada ou tocada. 12

Gallop considerava que esta influência se fazia sentir sobretudo ao nível rítmico (nos compassos usados:

6/8 e 3/4) e melódico (nomeadamente no uso da “escala andaluza”, com a cadência lá, sol, fa, mi) (Gallop

1937: 33).

Page 32: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

32

mais próspera foi fundada em 1939, por Xosé Manuel Seivane Rivas, na província

de Lugo. De referir que, este é um dos construtores mais conceituados da Galiza na

actualidade.

Nos anos 1980, houve um boom de grupos de gaitas de fole formalmente

organizados,13

e em Setembro de 1984, a Universidade Popular de Vigo integra no

seu ensino a gaita-de-foles galega, para além de iniciar, também, cursos de

construção de instrumentos populares galegos, entre os quais a Gaita-de-foles.

A criação de oficinas de construção na Galiza, bem como os movimentos

regionalistas tiveram impacte na (re)construção do instrumento em outras regiões

de Espanha, nomeadamente, nas Astúrias, Sanábria e Aliste, e, ainda, em Portugal,

em Miranda do Douro e Lisboa.

No final dos anos 1990 e início do século XXI começaram a surgir alguns gaiteiros

em Miranda do Douro que se dedicaram à construção da Gaita-de-foles. O modelo

galego serviu de base, mas a influência fronteiriça deu lugar a “especificidades”

que associam cada instrumento a dada região. Célio Pires construiu a primeira

Gaita-de-foles há cerca de uma década, a partir de um modelo de Ângelo Arribas.

Descontente com a afinação procurou estudar ponteiros galegos, construindo

actualmente “gaitas galegas (em Dó e Si b), gaitas sanabresas, gaitas marciais,

escocesas e “gaitas mirandesas” (Entrevista a Célio Pires 4/8/2004). Outro gaiteiro,

Desidério Afonso, que toca gaita-de-foles desde 2000, começou a construir a partir

de 2002, com base num modelo da gaita-de-foles do gaiteiro que acompanhava os

Pauliteiros de S. Martinho em meados do século XX, freguesia onde reside.

Actualmente, constrói gaitas sanabresas, baseando-se nos modelos de Célio Pires e

tem vindo a desenvolver a construção de palhetas, processo que iniciou através da

13 As “bandas de gaitas” já existiam anteriormente, sendo referidas por Ernesto Veiga Oliveira em 1966, o

qual afirma que se viam “bandas compostas unicamente por gaiteiros, em número muito avultado” (Oliveira

2000: 223).

Page 33: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

33

partilha de experiências com os construtores da Associação para o Estudo e

Divulgação da Gaita de Foles e com artesãos espanhóis.

A construção do instrumento em Lisboa foi influenciada pela Galiza, como foi

referido. Abordarei este processo com maior detalhe, no ponto dedicado a Paulo

Marinho e à Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-foles.

Com a integração de Portugal e Espanha na Comunidade Europeia e a consequente

abolição das fronteiras intensificaram-se os contactos entre as povoações

pertencentes ao concelho de Miranda e as províncias espanholas limítrofes. A

televisão espanhola, captada na região fronteiriça chega também ao resto do país

através da televisão por cabo, tornando-se um meio difusor da cultura em todas as

classes sociais. Ambos os factores se reflectiram na construção e aprendizagem da

gaita-de-foles na última década do século XX.

A maioria dos gaiteiros mirandeses refere que fez a aprendizagem do instrumento

de modo auto-didacta. Contudo, constatei através de conversas com outros gaiteiros

ou pessoas ligadas à região que alguns fizeram parte da sua aprendizagem em

Travanca, vila Espanhola próxima da fronteira de Bemposta, onde existe uma

escola dedicada ao ensino do instrumento. Outros aperfeiçoaram a técnica em

escolas na zona da Galiza, nomeadamente, na Escola Provincial de Gaitas de

Ourense.

A introdução do ensino da gaita-de-foles nos conservatórios na Galiza contribuiu

para a disseminação do instrumento em zonas urbanas.

O estatuto do gaiteiro alterou-se, começando a surgir a separação entre intérprete e

compositor, este último passa a ser identificado, o que até então só se verificava na

música erudita. Por outro lado, a abordagem ao instrumento também sofreu

transformações. A gaita-de-foles deixa de ser acompanhada apenas por

instrumentos de percussão e começa a integrar formações instrumentais diversas,

Page 34: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

34

como por exemplo as bandas de rock ou a acompanhar instrumentos de afinação

fixa, como o piano. Surge o gaiteiro virtuoso, o qual adquiriu um estatuto

importante no meio devido às qualidades artísticas e técnicas que lhe são

reconhecidas e não à funcionalidade da música que desempenha. Associada ao

virtuosismo, assiste-se a uma crescente complexidade das melodias. O capital

social ganho pelos gaiteiros estimula os jovens a aprender o instrumento.

As alterações na prática e nos contextos performativos da gaita-de-foles na Galiza

geraram alguma polémica por parte das facções mais puristas. As divergências

entre conservadores e agentes abertos à mudança surgiram com a formação de

bandas de gaitas na Galiza, as quais são consideradas pelos conservadores o

resultado da influência da Escócia, por isso, não autênticas e desvirtuadas da

performance tradicional14

. De facto, estes agrupamentos passaram a estar

associados às bandas marciais escocesas, tendo como expoente máximo a Real

Banda de Gaitas de Ourense (R.B.G.O.), cujo director, Xosé Lois Foxo, é

subsidiado pela Diputación Provincial de Ourense. Este grupo proeminente, logo

passa a ser contestado devido “às suas opções estéticas, não só musicais como

visuais” (www.realbanda.com). A polémica em seu redor intensifica-se devido aos

subsídios provinciais e ao apoio mediático de que a R.B.G.O. beneficia. Contudo,

continuam a surgir cada vez mais bandas de gaitas por toda a Espanha, com maior

incidência na Galiza, onde o processo de folclorização das práticas associadas ao

instrumento teve início.

A institucionalização do ensino da gaita-de-foles na Galiza foi seguida por alguns

jovens portugueses, os quais tinham como referência o GAC (Grupo de Acção

Cultural)15

. Entre estes jovens encontrava-se Paulo Marinho, de ascendência

14

Sobre esta questão ver a edição especial da revista DO brilhante, nº 1 de 1995, editada pela Asociación de

Gaiteiros Galegos. 15

Fundado em 1 de Maio de 1974 por José Mário Branco, organizou-se segundo uma estrutura político-

cultural a qual utilizava a música como meio de propaganda ideológica. O primeiro LP A cantiga é uma

arma (1975), utilizava, na maioria das composições, violas e baixos eléctricos. O segundo, Pois Canté!

(1976), é marcado pela influência dos instrumentos tradicionais, como a gaita-de-foles, o bombo e o adufe.

A partir deste LP, o GAC canaliza as suas preocupações políticas para o “povo” e sua representação musical,

invocando recolhas, instrumentos tradicionais, canções de trabalho, etc. Esta abordagem da música

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35

minhota, que começou a visitar a Galiza com regularidade a partir dos anos oitenta

do século passado e a interessar-se pelo estilo performativo da gaita-de-foles galega

(ver capítulo III). Nos anos noventa muitos outros jovens começaram a demonstrar

interesse pela aprendizagem do instrumento e, posteriormente, iniciam-se no

instrumento em Lisboa, com Paulo Marinho.

No início do século XXI, as bandas de gaitas começam a surgir em Portugal,

sobretudo na região fronteiriça com a Galiza e na zona litoral acima do Rio Tejo,

onde a influência da Real Banda de Gaitas e de Xosé Lois Foxo é notória. Em

Setembro de 2004, decorreu em Coimbra o I Festival Internacional de Gaiteiros. O

encontro teve o apoio da Câmara Municipal de Coimbra e a participação de mais de

duas centenas de gaiteiros provenientes da Bretanha, Astúrias, Galiza, Catalunha e

Portugal (Valpaços, Condeixa, Coimbra, Soure, Miranda do Douro, Porto, Lisboa).

Este foi o primeiro evento do género em Portugal, não obstante, outros semelhantes

serem frequentes em Espanha e noutras regiões da Europa.

Em Março de 2005, Aveiro assistiu ao XV Campeonato da Liga Galega de Bandas

de Gaitas, promovido pelo Ayuntamento de Ourense, Galiza, e pela Associação

Cultural de São Bernardo, de Aveiro, um evento que juntou quatro mil gaiteiros,

provenientes de Portugal e Espanha. Tratava-se de um concurso entre as bandas de

gaitas, as quais eram avalizadas por um júri, que através de uma classificação elege

a “melhor” banda. Estes e outros eventos vieram contribuir para o processo de

(re)folclorização da gaita-de-foles em Portugal.

2. Agentes (re)folclorizadores em Miranda do Douro e Lisboa

O movimento associativo, folcloristas, e outros estudiosos, tiveram um papel

decisivo no processo de (re)folclorização das práticas musicais associadas à gaita-

de-foles. Detentores de um capital cultural ou capital escolar, que possibilita a

validação de determinada cultura expressiva, a posição social destes agentes e os

tradicional constituiu uma referência para os grupos de recriação da música tradicional que surgiriam

posteriormente (Correia 1984: 201).

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36

discursos ou representações por si produzidos sobre as tradições locais são

correlatos do poder de “autenticação” (Vasconcelos 1997: 232).

As tradições não se reproduzem de forma independente e apenas são conhecidas

através dos desejos humanos, sendo apenas o ser humano que as pode recriar e

modificar (Shils 1981:14). A “emancipação das tradições” é uma característica

presente na nossa civilização (idem 1981: 324), e no contexto em estudo essa

emancipação esteve relacionada com o papel desempenhado pelas associações, ou

por indivíduos que mobilizaram apoios em torno de actividades que motivaram a

(re)folclorização, como festivais, encontros e competições. Em Miranda do Douro,

destacam-se Mário Correia e o Centro de Música Tradicional Sons da Terra, a

Associação Cultural Galandum Galundaina, a Associação Juvenil Mirai Qu‟

Alforjas, e em Lisboa, Paulo Marinho e a Associação para o Estudo e Divulgação

da Gaita de Foles (A.P.E.D.G.F.).

Mário Correia

Mário Correia surge em todo o processo de (re)folclorização das práticas

performativas associadas à gaita-de-foles, como agente mediador entre a população

rural, os eruditos e notáveis locais, as associações, os grupos organizados de defesa

ou promoção do património cultural, a imprensa escrita, radiofónica e audiovisual,

e os políticos responsáveis por instituições de âmbito local, regional e nacional.

Iniciou o seu percurso jornalístico em 1970, na revista Mundo da Canção,

colaborando com outros jornais, nomeadamente o Diário de Notícias, 1º de Janeiro,

Notícias e Musicalices, com artigos centrados sobretudo na temática da música

tradicional. Licenciado em Economia, pela Faculdade de Economia do Porto,

começou a interessar-se pela música tradicional desde cedo. Em 1984, escreveu

Música popular portuguesa: um ponto de partida, obra pioneira na historiografia

da “música popular portuguesa”. Marcada por uma ideologia centrada na

preservação da tradição, esta obra pretendia “traçar uma panorâmica global de todo

o percurso da música popular portuguesa” (Correia 1984: 8), desde as Canções

Page 37: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

37

Heróicas de Fernando Lopes Graça, à chamada “música de intervenção”, baseando-

se, sobretudo, nas entrevistas dos vários intervenientes publicadas em jornais e na

investigação sistematizada que levou a cabo. A obra contribuiu efectivamente para

a divulgação da “música popular portuguesa” e, ao mesmo tempo, para uma crítica

da política cultural do país pela negligência da música popular portuguesa, em

especial, nos meios de comunicação social, como a rádio ou a televisão (idem:

343).

Em 1987, Mário Correia traduz para português o libreto do LP Música Tradicional

Zamorana, um volume sobre a Terra de Miranda, editado pela Tecnosaga, obra

importada e distribuída pela Mundo da Canção, empresa de que viria a fazer parte

entre 1991 e 1998, exercendo funções na direcção administrativa e financeira. Esta

empresa funcionava como uma indústria do património, divulgadora dos mercados

culturais e turísticos, promovendo iniciativas associadas à “música tradicional”, à

“world music”, à “música folk”, à “música celta”. Associada ao Mundo da Canção,

foi criada empresa Discantus, Sociedade Portuguesa de Música, que se dedicava à

“importação e distribuição nacional de catálogos estrangeiros de músicas folk,

tradicional e étnica, clássica e contemporânea, jazz e blues, ligeira e pop/rock”

(www.discantus.pt) e, ao mesmo tempo, a produção e divulgação do Festival

Intercéltico do Porto.

Motivado por uma ideologia centrada na preservação das tradições do meio rural,

começou a realizar recolhas em Trás-os-Montes a partir do final da década de 1990.

Em 1997, convidou o Grupo Galandum Galundaina, de Fonte da Aldeia, para

actuar no Festival Intercéltico do Porto, grupo que ocupa um lugar importante na

produção da identidade local mirandesa.

“Saturado” da vida urbana, Correia abandona o Mundo da Canção em 1998, para se

dedicar em exclusivo à recolha do património tradicional, sobretudo na região de

Miranda (Entrevista a Mário Correia em 30/4/2002). Fixa residência em Sendim,

onde funda o Centro de Musica Tradicional Sons da Terra, dando início à

Page 38: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

38

constituição de um acervo de gravações musicais, provérbios, orações, contos,

versos, etc., obtidos através de recolhas nas zonas rurais junto da população mais

idosa. Neste centro, coloca à disposição do público interessado diversos

fonogramas e literatura relacionada com a música tradicional de várias regiões do

globo, para além do acervo musical constituído pelos documentários televisivos de

autoria de Michel Giacometti, Povo que Canta, constituídos por “fragmentos de

inquéritos musicais (...) realizados entre os anos 1970 e 1972” (Wefford 2004: 29).

De referir, que esta obra apenas se encontra disponível ao público neste local e no

Museu Verdades Faria, em Cascais. No Centro, Mário Correia também promove

exposições e conferências e, desde 2002, cursos de gaita-de-foles, pois este espaço

pretende incentivar as práticas musicais associadas ao instrumento e desenvolver

todo um conjunto de actividades que estimulem a sociabilidade entre várias

gerações, neste caso, entre os gaiteiros que ensinam e os que aprendem (Entrevista

a Mário Correia em 30/4/2002).

Verificam-se algumas mudanças inerentes ao processo de ensino que decorre neste

espaço, resultantes de decisões tomadas por Mário Correia, acerca do modo de

fazer música e sobre práticas sociais e culturais que reflectem a sua experiência. A

gaita-de-foles utilizada para promover o ensino, é um modelo de gaita galega

afinada em Sib, que permite aulas em conjunto, estimulando o aparecimento de

grupos de diversos gaiteiros a tocarem em simultâneo, fenómeno pouco comum até

então na região (Oliveira 2000: 105).

Para além deste centro, Mário Correia criou a empresa Sons da Terra – Edições e

Produções Musicais, oficializada em 2002, fazendo a sua gestão no mercado

cultural e turístico, no âmbito nacional, migratório, diaspórico e internacional. A

Sons da Terra serve de suporte para a edição de fonogramas baseados sobretudo

nas recolhas realizadas por Mário Correia, algumas das quais em colaboração com

outras entidades. A gestão e distribuição é feita através da Internet, venda em

museus (Museu de Etnologia em Lisboa, Museu das Terras de Miranda, etc.),

associações (Associação José Afonso) ou através da venda directa, quer no Festival

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39

Intercéltico, quer noutros eventos semelhantes. Em média a tiragem de cada

fonograma é de 600 exemplares, o que a classifica como uma pequena empresa.

Apesar de ser apoiada por capitais próprios, depende ainda dos apoios de diversas

entidades oficiais, como as Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, Região de

Turismo do Nordeste Transmontano, IPAE, Ministério da Cultura, INATEL, entre

outros. O apoio destas entidades é determinante para o seu funcionamento.

As publicações literárias que edita incidem em temáticas relacionadas com as

tradições rurais, ou com obras que privilegiam a língua mirandesa. Em 2001,

Correia publica Raízes Musicais da Terra de Miranda, obra que apresenta uma

amostragem das edições discográficas já editadas pela Sons da Terra. Organizada

sob a forma de catálogo discográfico, reflectindo determinadas opções do editor,

nomeadamente a edição em fonograma do repertório de um gaiteiro, grupo de

cantores ou de “cantadeiras16

”, associados a uma aldeia ou lugar.

No ano de 2003, escreve Bi Benir la gaita!... Contributo para a História dos

Gaiteiros Mirandeses, onde apresenta perfis de vida de dezanove gaiteiros

mirandeses. Até à data editara cerca de trinta fonogramas com recolhas por si

efectuadas, sobretudo em Trás-os-Montes, dezasseis dos quais de gaiteiros

mirandeses.

A atenção dada aos gaiteiros por parte de Mário Correia, quer através da gravação

de fonogramas, quer através de promoção em espectáculos, contribuiu para a

valorização da gaita-de-foles e do seu repertório. Os fonogramas tornam-se numa

fonte de património constituído por repertórios autenticados, essenciais na

negociação da posição da música mirandesa no mercado de música e danças

tradicionais.

“Descobriram-se novas funções e contextos para os gaiteiros. O facto da

região de turismo convidar gaiteiros para as mostras gastronómicas veio

16

Termo émico referente a grupo de cantoras.

Page 40: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

40

arranjar trabalho e estimulo. Reivindico ter sido a pessoa que introduziu o

pagamento aos gaiteiros. Fui acusado na 1ª festa da gaita-de-foles de dizerem

que eu tinha prejudicado isto, porque a partir da altura em que comecei a pagar

aos gaiteiros, não há nenhum que toque de graça. Eu pago-lhes 7 a 10 contos

por dia…” (Entrevista a Mário Correia 30 de Abril de 2002).

Além das actividades acima mencionadas, Mário Correia organiza desde 2000 o

Festival Intercéltico de Sendim, em colaboração com a Associação Mirai

Q‟Alforjas, sedeada na vila. O festival insere-se num conjunto de mercados

culturais e turísticos que promovem a “música tradicional”, a “world music”, a

“música folk” e “música celta”. A realização deste evento produziu efeitos a nível

da economia local, nomeadamente a criação de algumas infra-estruturas na região e

o desenvolvimento de áreas como o artesanato. Para além deste evento, dinamiza

desde 2003 o concurso “Arribas Folk”, que decorre em Sendim. Trata-se de um

concurso para “bandas Folk portuguesas” que surgiu como meio de estimular o

aparecimento de novos agrupamentos. Com este concurso, Mário Correia detém

alguns mecanismos de auto-regulação dos grupos participantes, ao eleger o melhor

grupo, ao qual é facultada a participação na abertura do Festival Intercéltico de

Sendim, favorecendo a aceitação pelas rádios locais ou ainda a inserção comercial

nos espectáculos do circuito turístico.

Em resumo, Mário Correia criou um novo espaço simbólico, estimulando a

diversificação dos grupos locais e as suas actuações. O folclore mirandês constitui

assim uma mercadoria turística centrada em dois modos de representação

folclórica: por um lado a busca da autenticidade, por outro, a procura de elementos

que satisfaçam o público turista (Kirshenblatt-Gimblett 1995). É o caso dos grupos

de gaiteiros cuja formação segue o modelo implementado no final do século XIX17

e ao longo de todo o século XX, constituídos por um gaiteiro, um tocador de caixa

e um tocador de bombo, bem como os grupos de vários tocadores de gaita-de-foles

17

O Jornal o Século, datado de 21 de Maio de 1898, refere a presença em Lisboa de um grupo de pauliteiros

de Miranda, por ocasião das Comemorações do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a

Índia, cuja orquestra era composta por “um tocador de gaita-de-foles, de um exímio tocador de pífaro, que os

dirige, e um tambor e um bombo”.

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41

acompanhados por instrumentos de percussão, como a caixa e o bombo, ou ainda,

formações que utilizam o material folclórico como fonte de inspiração, mas que

incorporam novos elementos, melódicos, rítmicos ou timbricos, como o Grupo

Galandum Galundaina.

O Departamento Cultural da Câmara Municipal de Miranda do Douro

Em 2002, no III Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro, realizado em

Bragança, António Jorge Nunes, presidente da comissão executiva, reconhecia a

“existência de uma identidade cultural transmontana de matriz rural”, que deveria

ser “preservada através de projectos de recolha, estudo e consequente publicação e

divulgação, para dessa forma ajudar a fixar a memória de vivências cuja

sobrevivência estaria ameaçada” (Nunes 2002: 80). Para isso considerava

fundamental o “incentivo e apoio à actividade das colectividades e agentes culturais

individuais, bem como a criação de equipamentos e infra-estruturas para a

realização de tais projectos”, e ainda “o aparecimento de indústrias da cultura,

geradoras não só de valorização cultural, mas também de emprego e

desenvolvimento” (idem: 81). Neste discurso, existe um apelo à construção de

património como meio de criação de identidade e de indústrias que permitam a

circulação do património nos mercados culturais e turísticos. A “cultura” é vista

como um “objecto” capaz de se tornar numa forma de troca, possibilitando a

criação de empregos, fixação das populações à região e o desenvolvimento da

actividade turística.

A política cultural da Câmara Municipal de Miranda Douro (C.M.M.D.) baseia-se

na ideologia evidenciada no discurso regionalista acima referido. A “tradição surge

como forma de promoção da localidade” (entrevista ao Vereador da Cultura,

António Carção, 2/10/2004), daí o apoio a todas iniciativas relacionadas com as

práticas performativas tradicionais baseadas na cultura local. Língua mirandesa,

música, dança e trajo são expressões que a autarquia privilegia como incentivo “às

actividades directamente ligadas ao turismo” (idem) e, por outro lado, pretendem

criar na população local um sentido de pertença.

Page 42: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

42

Foi com base nesta política que a autarquia criou a Casa da Música Mirandesa (ver

capítulo VII), que representa um espaço onde se desenvolve a sociabilidade gerada

pela prática da música tradicional mirandesa.

O aparecimento da gaita-de-foles nos meios de comunicação e folhetos de

divulgação do turismo local em Miranda do Douro está a transformar este

instrumento num objecto etnográfico, semelhante a outros que têm ocorrido no

nosso país, como “Os Caretos”, que foram também objecto deste processo (Raposo

2002: 134).

Associação Cultural Galandum Galundaina

Foi oficialmente criada em 1996, por um grupo de jovens estudantes de música,

com o objectivo de “recolher, investigar e divulgar o património musical, as danças

e a língua das Terras de Miranda” (www.galandum.co.pt). Motivados por uma

ideologia ruralista centrada na preservação da tradição mirandesa, como forma de

representação da identidade local, a sua acção incide sobretudo na música, dança,

trajo e língua. De entre as actividades promovidas, registam-se a edição de

fonogramas, a organização de festivais (o 1º Festival Intercéltico de Sendim, no

Festival da Rezosa) e a revivificação de práticas como o “baile tradicional que se

fazia há cinquenta anos no terreiro” (entrevista a Paulo Preto, em 2/08/2004).

Actualmente a associação promove uma iniciativa "L burro i l gueiteiro", em

colaboração com a Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino

(AEPGA), que consiste num passeio de burro pelas terras de Miranda

acompanhado pela gaita-de-foles, actividade que a associação integra no âmbito do

ecoturismo. Esta actividade surge como forma de protecção da espécie, mas

sobretudo como promoção turística do concelho, dando destaque aos jogos

tradicionais, gastronomia, música, dança, flora, fauna e ainda uma visita histórica

aos “castros celtas”.

Ligado a esta associação encontra-se o grupo Galandum Galundaina, reconhecido

na região como detentor de um capital cultural importante, devido à formação

Page 43: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

43

musical dos seus elementos. Inicialmente formado por Abílio Topa, Alexandre

Meirinhos e Paulo Meirinhos, em 2000 integra um quarto membro, Paulo Preto.

Actualmente é constituído por quatro elementos: Paulo Preto (professor de

Educação Musical) voz, gaita-de-foles mirandesa, sanfona, flauta pastoril e

tamboril; Paulo Meirinhos (professor de Educação Musical) voz, bombo, gaita-de-

foles galega, percussões; Alexandre Meirinhos (professor de Educação Musical)

voz, caixa de guerra18

, percussões e Manuel Meirinhos (estudante de engenharia

geográfica) voz, percussões, flauta pastoril e tamboril. Constituído com base numa

estrutura familiar, todos os elementos têm um percurso musical similar, com a

frequência de conservatórios de música ou instituições semelhantes. O grupo tem

dois discos editados em CD: L’ Purmeiro e Modas i Anzonas.

Como forma de dinamizar as suas apresentações em público, o grupo Galandum

Galundaina começou por incluir nas suas actuações duas gaitas de fole em

simultâneo com o objectivo de realizar polifonias. Tal só seria possível de

concretizar se estes adoptassem um modelo galego, ou construíssem gaitas com a

mesma afinação, visto que a construção da gaita-de-foles na região de Miranda do

Douro se baseava em processos artesanais (Oliveira 2000), produzindo oscilações

que não constituíam qualquer problema, uma vez que os agrupamentos usavam

apenas uma gaita-de-foles.

Das diversas recolhas realizadas junto dos construtores (activos e inactivos) de

gaitas de fole na região, a associação (re)construiu um modelo de “gaita-de-foles

mirandesa”, que sendo semelhante à Gaita galega, se distingue desta pelo timbre,

volume e afinação do tubo melódico, afinado na escala temperada de Si19

. Este

modelo de Gaita é usado pelo grupo Galandum Galundaina nas suas actuações, e

por alguns dos grupos de gaiteiros da região, que o adoptaram como referência, nos

quais se incluem os Lenga Lenga. As características do instrumento colocam-no no

18

Instrumento popular português (Oliveira 2000. 255), bimembranofone de percussão indirecta, que tem um

ou mais bordões na parte inferior. 19

De referir que a construção deste instrumento foi concebida por José Preto, professor de História, em

conjunto com os elementos do grupo Galandum Galundaina.

Page 44: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

44

espaço de representação da cultura mirandesa, e por outro lado, transformam-no

numa fonte de capital artístico, importante na negociação da posição de mercado da

música tradicional mirandesa.

Com o aparecimento deste grupo deram-se alterações na criação e gestão do espaço

simbólico. O “estatuto do gaiteiro deixou de ser pejorativo” (entrevista a Paulo

Preto em 2/08/2004), estimulando assim as práticas associadas ao instrumento. O

grupo Galandum Galundaina enquadra-se no âmbito dos Grupos Urbanos de

Recriação [GUR] (Castelo-Branco e Branco 2003: 1), pela sua abordagem à cultura

expressiva tradicional. Os instrumentos que usa inclui instrumentos populares

portugueses20

, contudo nem todos são considerados instrumentos tradicionais

mirandeses, como a sanfona, usada porque “acompanha o canto dando o padrão de

afinação..., e ao mesmo tempo é um instrumento tradicional que não teve

implementação nas terras de Miranda,” (entrevista a Paulo Preto em 2/08/2004). A

sanfona, apesar de não ser reconhecida como um instrumento mirandês, adquire

legitimidade, pelo facto de ser considerada um instrumento tradicional. De referir

que este faz também parte dos “instrumentos populares galegos” (AA.VV. 1987),

(re)folclorizado pela Universidade Popular de Vigo a partir de 1984 (idem).

Como meio de criação de património associado à cultura mirandesa, os elementos

da associação realizaram diversas recolhas de repertório junto de pessoas idosas da

região, para além da (re)revisitação do legado escrito (cancioneiro mirandês) ou

gravado. Nas suas actuações, apresentam composições baseadas em temas

mirandeses, que recriam e transformam, através de secções improvisatórias, por

vezes evocativas de épocas remotas, sobretudo o período medieval, ou como refere

Paulo Preto em entrevista, com base em “melodias galegas ou asturianas, como

forma de diversificar o espectáculo” (31 de Julho de 2004). Esta ideologia está

presente no segundo disco, onde não só a influência de Espanha é sentida, como

também a Escócia aparece representada através da Gaita escocesa, numa das

composições apresentadas, em que esta toca em simultâneo com a Gaita mirandesa:

20

Cf. Oliveira, Ernesto Veiga de

Page 45: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

45

“... ponendo um cachico de I que mos bai ne I coraçon, de maneira a amanhá-las

más fermosas i cumpuné-las cun sonidos, ritmos i harmonies que séian capazes

de criar bun gusto, eimoçon i purque nó, algua modernidade” (CD Modas i

Anzonas 2005).

Associação Juvenil Mirai Qu’ Alforjas

Fundada em Março de 1998, por um grupo de jovens naturais de Sendim, a sua

acção baseia-se numa ideologia ruralista de preservação e valorização do

património local. Promove várias actividades em conjunto com o Centro de Música

Tradicional Sons da Terra.

O evento de maior porte no qual a associação está envolvida é o Festival

Intercéltico de Sendim. Segundo Telmo Ramos, presidente da associação, este

evento promoveu uma série de actividades de enriquecimento do concelho, como o

artesanato, hotelaria e restauração, bem como toda a actividade turística da região.

A associação promove ainda o “Arribas Folk”, um “concurso para bandas Folk

portuguesas” que surgiu como forma de “estimular este estilo de música”

(Entrevista a Telmo Ramos, 2/8/2004).

A associação apoia ainda iniciativas dos vários membros que lhe estão filiados,

como o grupo Os Lenga Lenga, ou Os Picatumilho, bem como, edições de livros de

sócios da associação.

Contando com o apoio de várias entidades (Junta de Freguesia de Sendim, Câmara

Municipal de Miranda do Douro, Instituto Português da Juventude, região de

turismo do Nordeste Transmontano, Governo Civil de Bragança, Ministério da

Cultura, Instituto das Artes, Delegação da Cultura do Norte), criou dinâmicas que

permitiram revivificar agrupamentos como o grupo de pauliteiros de Sendim,

inactivo há cerca de oito anos, actualmente afecto à associação, com um número de

vários elementos fixos. Estas acções fomentaram ainda o aparecimento de outros

agrupamentos de revivificação da música tradicional.

Page 46: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

46

Para além destas actividades, a associação promove sociabilidades geradas pela

prática da música e danças tradicionais, levando a cabo outras iniciativas

recreativas que envolvem a comunidade local, como passeios ciclo turísticos e

concertos de música erudita.

Paulo Marinho e a Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da

Gaita-de-foles [A.P.E.D.G.F.]

Paulo Marinho assume uma função importante enquanto músico urbano. O seu

desempenho foi decisivo para a (re)folclorização da gaita-de-foles na área

metropolitana de Lisboa.

Marinho teve o primeiro contacto com o instrumento nos anos oitenta do século

XX. Em 1982, com dezoito anos, ingressou no Sétima Legião como gaiteiro, um

grupo de pop-rock, formado em Lisboa por jovens. Este apresentava uma

interpretação vocal influenciada pela pop britânica dos finais da década de setenta,

acompanhada por instrumentos musicais conotados com a música tradicional, como

a gaita-de-foles, flauta e acordeão. O grupo teve bastante êxito nos anos oitenta e

início dos anos noventa do século passado, tendo gravado oito fonogramas. Um ano

depois, Paulo Marinho associa-se ao Centro Galego em Lisboa e a partir de 1984

começa a fazer parte dos Anaquiños da Terra, grupo afecto a este centro.

Em 1991, surgiu o grupo Gaiteiros de Lisboa. Paulo Marinho, um dos seus

fundadores, foi o único que se manteve após a reformulação do mesmo em 1994. O

grupo recorre frequentemente a sons provenientes ou conotados com a tradição

rural portuguesa, bem como de outras tradições musicais, e originais do grupo.

Gravou até à data quatro fonogramas e apresenta espectáculos regularmente. As

indústrias do património, mercados culturais e turísticos e a world music

influenciam o estilo composicional e performativo do grupo, que deixou de invocar

apenas referências ao território português, criando sonoridades que remetem para

várias regiões do globo.

Page 47: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

47

Em 1992, Paulo Marinho começou a ensinar gaita-de-foles no Centro Galego em

Lisboa e a fomentar alguns “workshops de gaita-de-foles”. O ensino surgiu como

meio que visava a promoção da gaita-de-foles no contexto urbano, iniciativa que

estimulou o aparecimento de um grande número de interessados pelas práticas

performativas associadas ao instrumento.

No ano de 1998 formou-se o grupo Gaitafolia, dirigido por Paulo Marino e

composto por cerca de catorze gaiteiros inscritos no Centro Galego. Marinho,

detentor de capital cultural conferido por todo o seu percurso artístico ao longo dos

anos, escolheu o repertório e promoveu o grupo no mercado cultural. Foi neste

contexto que Gaitafolia se apresentou, em conjunto com os Gaiteiros de Lisboa, na

Exposição Mundial de Lisboa em 1998 [Expo 98]. Gaitafolia, representativo de

uma prática urbana, resultou de alterações na criação e gestão do espaço simbólico

associado à prática folclórica, apresentando-se como um Grupo Urbano de

Recriação. A formação do grupo foi sofrendo alterações ao longo do tempo, com a

saída e entrada de vários elementos. Actualmente, deixou de estar a cargo de Paulo

Marinho, sendo dirigido por Vítor Félix.

A A.P.E.D.G.F. foi oficializada a 24 de Março de 1999. Paulo Marinho, um dos

dezoito fundadores, tornou-se então presidente desta associação, cargo que viria a

exercer entre 1999 e 2003, a que se seguiu Vítor Félix, entre 2003 e 2005 e

actualmente Francisco Pimenta (membro da primeira formação do grupo

Gaitafolia). A associação tinha por objecto “o estudo e divulgação do instrumento

gaita-de-foles” (Artigo 3º dos estatutos da A.P.E.D.G.F.) e Paulo Marinho, em

conjunto com os associados, procurou aprofundar o estudo de toda a cultura

expressiva associada ao instrumento em Portugal, revisitando o legado escrito e

gravado. Partindo deste estudo preliminar, deu-se início à construção de um

património constituído por recolhas junto de pessoas idosas, sobretudo nos locais

anteriormente alvo de recolhas por parte dos folcloristas. Parte deste trabalho foi

publicado em 2001, na revista Gaita de foles, numa edição inteiramente dedicada

ao instrumento, onde se “divulgam os resultados provenientes da investigação

Page 48: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

48

realizada, no âmbito da Associação, acerca do instrumento gaita-de-foles e da

música tradicional” (Marinho 2001: 3).

A ideologia de base, presente nos objectivos da associação, centra-se na

preservação da tradição, através do incentivo às práticas musicais associadas à

gaita-de-foles. Pondo em prática os objectivos referidos nos estatutos, de contribuir

para a divulgação do instrumento, a associação organiza, desde 2001, o Encontro

Nacional de Gaiteiros [E.N.G.], iniciativa que reúne gaiteiros de várias zonas do

país, que a associação regista através de gravações, com vista à constituição de

património.

Ainda no âmbito das actividades da associação, Paulo Marinho e Vítor Félix

iniciaram-se na construção da gaita-de-foles galega, desenvolvendo este trabalho

com base na Escola de Gaitas e Sanfonas da Universidade Popular de Vigo, que

visitaram no início dos anos 2000, discutindo algumas técnicas de construção com

Antón Corral, director da instituição. Posteriormente, Mário Estanislau, torneiro

mecânico de profissão, passa a fazer parte da oficina de construção, reparação e

venda de gaitas de fole, actividade a que se dedica actualmente a tempo inteiro em

conjunto com Vítor Félix. Foi ainda com base na ideologia patente nos objectivos

da associação que Paulo Marinho, Vítor Félix e Mário Estanislau procuraram

desenvolver um modelo de “Gaita transmontana” (Oliveira 2000: 105), criado a

partir de instrumentos preservados em museus, bem como da análise da escala e

características tímbricas de gaitas de fole construídas por gaiteiros ou artesãos

transmontanos, ou dos registos áudio disponíveis. Com base nestas fontes,

configurou-se um modelo uniforme, que foi adoptado pela associação como a

“Gaita transmontana”, cujo ponteiro está afinado na escala temperada de Si b

menor.

Actualmente, Paulo Marinho encontra-se afastado da associação por questões

pessoais e profissionais. Contudo, esta mantém os objectivos inicialmente previstos

e continua a desenvolver actividades como o ensino, a construção do instrumento, a

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49

organização de encontros de gaiteiros, a divulgação do instrumento e de informação

sobre actividades associadas à cultura expressiva tradicional, através do seu site na

Internet, actualizado quase diariamente.

No domínio da construção, a associação promove a “Gaita transmontana” nos

mercados culturais e turísticos como símbolo de identidade regional, autenticado

através das “especificidades” que o instrumento apresenta em relação a outros

modelos de gaitas de fole existentes no mundo: a afinação do ponteiro, o timbre e a

potência sonora. A concepção do instrumento, apesar de poder ser inserido no

conceito de “invenção da tradição”, não deixa de ser uma tradição reconfigurada

com claros propósitos, que só podem funcionar se encontrarem eco nas

experiências dos sujeitos que nelas participam (Friedman 1994: 13).

Em 2003, Jorge Santos, engenheiro electrónico, torna-se sócio da associação. Este

apresenta um projecto de uma “Gaita midi” inédito em Portugal até então, com

algumas inovações em relação a outros existentes no mercado internacional,

sobretudo no norte da Europa. O projecto, em fase de conclusão, deverá ser

comercializado em breve com a colaboração com a A.P.E.D.G.F..

3. Conclusão

Na acção de todos os agentes aqui referidos existe uma ideologia centrada na

preservação da tradição que é transversal a todos eles. A ideia de “tradição” está

associada a um “passado”, consolidado secularmente, que confere e garante a

“autenticidade” e “legitimidade” às práticas revivificadas (Kirshenblatt-Gimblett

1995: 371). Os agentes envolvidos no processo de (re)folclorização das práticas

musicais associadas à gaita-de-foles detêm mecanismos que controlam os mercados

culturais e turísticos, produzem alterações nos espaços simbólicos de representação

da prática folclórica, e na diversificação dos agrupamentos. O repertório e

construção do instrumento transformam-se em capital artístico, herança a partir da

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50

qual são produzidas exibições para turistas, transformando a cultura num produto

de exportação.

Page 51: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

51

IV. DOIS CONTEXTOS DE DESEMPENHO

Neste capítulo pretendo analisar dois eventos centrais no processo de

(re)folclorização em estudo: o Festival Intercéltico de Sendim, inserido no contexto

europeu do “celtismo” e o Encontro Nacional de Gaiteiros, que contribuiu para a

criação de um espaço nacional para os gaiteiros tradicionais no contexto português.

1. Música Celta

O fenómeno do celtismo teve impacte importante na indústria musical nos anos

1990. O celtismo refere-se a um movimento que surgiu nas últimas décadas do

século XX, como resposta ao capitalismo, e reflectiu-se nas artes, artesanato,

literatura, política, aprendizagem de línguas arcaicas, estudos académicos,

migrações para o meio rural, etc. (Chapman 1992: 219). O termo “música celta”,

como categoria internacionalmente reconhecida (Chapman 1992, 1994, Reiss 2003,

Stokes & Bohlman 2003), surgiu nos anos 1970 a partir do interesse de alguns

antropólogos pelas questões relacionadas com a etnicidade dos países de línguas

associadas à “cultura celta”, nomeadamente o gaélico e o bretão (Chapman 1992:

207; 1994: 29 e 32).

A etnicidade celta define-se, entre outros factores, pela língua. A dificuldade de

aprendizagem das línguas celtas faz com que estas sejam faladas por um número

restrito de entusiastas, alguns nativos e uma elite associada à definição da

etnicidade celta (Chapman 1994: 34-35). A música apresenta-se como um meio

acessível, que movimenta um maior número de indivíduos (idem: 35), tornando-se

no veículo difusor de maior expressão. Estas manifestações deram lugar ao

aparecimento de festivais de “música celta” e a uma imagem visual e sonora,

exposta e explorada através de diversas técnicas de marketing.

A definição e fronteiras da “música celta” são vagas. Podemos dizer que ela existe

apenas como comunidade imaginada (Anderson 1983), que nasce no estúdio, e

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52

sobrevive nos CDs e cassetes, na rádio e na TV, nos filmes, na Internet e em palco

(Reiss 2003: 158). Trata-se de uma tradição inventada (Hobsbawm 1997) pela

indústria musical (Reiss 2003: 160), tal como a categoria world music, criada em

1987 por executivos ligados à indústria musical, como forma de desenvolver o

interesse pela música africana (Taylor 1997:2).

Estes fenómenos podem ser explicados através daquilo que Appadurai identifica

como landscapes, “paisagem identitária dos grupos”, característica do pós-

modernismo, que incorpora cinco categorias:

1) ethnoscapes: as movimentações populacionais, como o turismo, imigração,

exílios...

2) tecnoscapes: as configurações globais da tecnologia e a rapidez e facilidade com

que esta circula.

3) finanscapes: motivadas pela facilidade de movimentação do capital financeiro.

4) mediascapes: a circulação da informação pelos média, bem como, a criação de

imagens por estes meios.

5) ideoscapes: imagens políticas, criadoras de ideologias com vista à obtenção de

poder estatal (Appadurai 1996).

Através destas características, Reiss localiza a “música celta” enquanto

“comunidade virtual”. A música irlandesa, escocesa e a das regiões migratórias a

estas associadas, passaram a integrar a categoria “celta”, e rapidamente foram

seguidas pelos músicos bretões e pelos galegos. O desenvolvimento tecnológico e

recursos financeiros, permitiram uma rápida produção e distribuição de CDs e

vídeos, capazes de exceder em larga escala as performances ao vivo. A partir da

segunda metade do século XX, os músicos irlandeses, escoceses bretões e galegos

reconfiguraram a sua música, partilhando e combinando linguagens musicais,

através dos meios tecnológicos ao seu dispor, dando lugar a esta comunidade

virtual (Reiss 2003: 162).

Page 53: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

53

2. O Festival Intercéltico de Sendim

Como forma de promoção, divulgação e preservação da “música celta”, surgem

uma série de eventos, como concursos e festivais. O Festival Intercéltico de

Lorient, realizado na Bretanha desde 1970, é considerado o maior festival de

“música celta” (Wilkinsos 2003: 228). A participação dos grupos nos festivais dá-

lhes visibilidade e uma certa notoriedade, permitindo que estes entrem no circuito

comercial e profissional.

O Festival Intercéltico de Sendim teve um impacte importante no processo de

(re)folclorização das práticas coreográficas e musicais ligadas à gaita-de-foles em

Miranda do Douro e na área metropolitana de Lisboa. De referir, que a gaita-de-

foles não é o único instrumento que se pretende promover, mas sim todo um

conjunto de tradições associadas ao meio rural. Este festival celebra, em primeiro

lugar, a identidade local mirandesa, expressa através da língua, dança e música, e

em segundo, apresenta-se como promotor e divulgador da “música celta” em

Portugal.

Desde 2000, o Festival Intercéltico de Sendim realiza-se anualmente, no primeiro

fim-de-semana de Agosto. A vila de Sendim é uma das dezasseis freguesias do

concelho de Miranda do Douro, distrito de Bragança. Segundo a tipologia de áreas

urbanas do INE, Sendim está descrita como área predominantemente rural, sendo a

segunda freguesia, a seguir a Miranda, com maior densidade populacional, onde

estão concentrados diversos tipos de pequenas indústrias: artesanato, vestuário,

restauração e hotelaria, produção de vinho, etc. (INE 2003). A organização,

produção e divulgação do Festival está a cargo do Centro de Música Tradicional

Sons da Terra e Mirai Qu‟Alforjas – Associação de Juventude de Sendim, com o

patrocínio de diversas entidades: Câmara Municipal de Miranda do Douro, Junta de

Freguesia de Sendim, Região de Turismo do Nordeste Transmontano, Governo

civil de Bragança, Instituto Português da Juventude, Ministério da Cultura, entre

outros. Segundo os organizadores, no primeiro ano foram vendidas cerca de 2400

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54

entradas para o festival, número que sofreu um incremento nos anos seguintes,

passando para 4150 entradas vendidas no ano de 200421

.

Na programação do festival, existem vários espaços onde decorrem as actividades:

o Recinto do Festival ou Recinto Principal, a Taberna dos Celtas, Animação de

Rua, a Missa Intercéltica e Outras Actividades ou Actividades Paralelas. A

celebração da identidade local mirandesa surge em todos estes espaços.

Na abertura do 1º Festival Intercéltico de Sendim, actuou no recinto principal o

grupo Galandum Galundaina, e em 2003, o grupo Lenga Lenga (ver anexo 1,

quadro 1). Estes grupos mirandeses desenvolvem a sua actividade em torno da

(re)folclorização das tradições locais associadas ao meio rural, através dos vectores

visual, verbal e auditivo. Como observa Maria do Rosário Pestana, num estudo

sobre a folclorização em Manhouce, o trajo é a primeira forma de comunicação

com o público, e para além de reforçar a ideia de antiguidade contribui, juntamente

com o uso de instrumentos populares portugueses, para veicular a ideia de

autenticidade (Pestana 2000: 120).

Ao observamos a programação do palco principal no quadro 1, anexo 1,

verificamos que o país com maior representação em termos de grupos participantes

no festival é Espanha, nomeadamente as regiões da Galiza, Astúrias, Castela e

Leão, Catalunha e Madrid. Nos critérios que presidiram à escolha destes grupos

estão, em primeiro lugar, questões económicas, relacionadas com a proximidade de

Espanha. Em segundo lugar, o conhecimento e envolvimento de Mário Correia (a

quem compete a programação artística) com esse país, como a participação em

concursos como membro do júri e outros eventos relacionadas com a música folk

ou celta, que lhe permitem conhecer in loco os diversos agrupamentos e avaliar a

sua posição e aceitação no mercado. A Escócia esteve representada três vezes,

enquanto a Inglaterra, a Irlanda e a Suécia estiveram representadas apenas uma. Os

grupos que encerraram as actuações no palco principal foram referidos pela

21

(Entrevista a Mário Correia em 7 de Agosto de 2003 e Agosto de 2004)

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55

organização como os mais conceituados no mercado da música “folk” ou “celta”. O

público, proveniente das povoações próximas de Sendim, de outras regiões do país

e de Espanha, dança e aplaude todas as apresentações que ocorrem no palco. É

notória a presença de um maior número de pessoas quando actua a última banda

(ver DVD filme 1). Em alguns casos, o repertório tradicional de cada país é

completamente transformado, dando lugar a combinações próximas do jazz, da

música de dança, música latino americana ou africana, constituindo por vezes

completas secções de improviso sobre a chamada “world music”. Como observa

Reiss, a inclusão da música tradicional irlandesa na categoria de world music,

poderá ter sido uma das razões que levou alguns agrupamentos a incluírem nas suas

formações instrumentos como djembe, congas, didjeridu, bouzuki e outros, que não

deixando de ser comuns na “música celta”, produzem sonoridades que a colocam

num imaginário exótico (Reiss 2003: 161). As configurações globais da tecnologia,

e a facilidade com que esta circula através dos meios de informação, levam a

configurações que tornam a identidade dos grupos cada vez mais ténue.

A participação dos grupos no palco principal é determinada pelo poder de

regulação dos organizadores do evento. Assim, só os grupos inseridos num

determinado circuito comercial actuam neste palco. Por outro lado, a organização

do evento, promove iniciativas que visam estimular o aparecimento em Portugal de

agrupamentos que possam ser inseridos na categoria de música “folk” ou “celta”.

De entre estas iniciativas encontra-se o concurso Arribas Folk, em que o vencedor

participa na abertura do festival que tem lugar no palco principal. Esta participação

favorece a sua aceitação pelas rádios locais, a sua integração no circuito de

espectáculos para turistas, bem como a edição de fonogramas. Em suma, contribui

para a aquisição de um capital simbólico que pode trazer vantagens económicas

com a entrada no grupo no meio “profissional”. Neste caso inclui-se a participação

dos grupos Marenostrum (2004) e Mu (2005), como se pode observar no quadro 1

do anexo 1. Sobre este concurso, Mário Correia, um dos seus dinamizadores, refere

que:

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56

“ (...) faço parte do júri de um concurso que se faz nas Astúrias e pareceu-me

uma excelente ideia para Portugal fazer um concurso e dar prémios aliciantes,

como seja o 1º prémio actua na abertura do festival em Sendim, o 2º prémio na

abertura do festival em Vizela, para além de um CD editado sem fins comerciais

para ser distribuído pela vária imprensa, concertos em Espanha e em festivais.

Portanto a ideia surgiu, essencialmente como forma de criar um espaço para

divulgar e dar visibilidade. O concurso chama-se “Concurso Nacional de música

folk” e destina-se apenas a grupos nacionais porque tem uma estrutura de apoio

do Ministério da Cultura (...)” (Entrevista a Mário Correia a 7/8/2003)

Na taberna dos celtas, apresentaram-se em 2000, os grupos recentemente formados

(1998 e 1999) Pica Tumilho e Sangrisulta, ambos de Sendim. Estes grupos, com

influências do rock e pop, pretendem igualmente representar as tradições

associadas ao meio rural, em particular a língua mirandesa, que usam nas canções

da autoria do grupo. Pica Tumilho, utiliza em palco objectos relacionados com a

lavoura, para produzir diferentes sonoridades, representando ao longo de toda a

actuação cenas relacionadas com lendas da região ou com histórias inventadas pelo

grupo. Entre 2002 e 2005, a organização conferiu um lugar de destaque na

programação aos grupos de gaiteiros e tamborileiros do concelho de Miranda do

Douro e concelhos limítrofes. Em 2002 actuou o grupo Lenga Lenga e nos três

anos seguintes é anunciada a “animação espontânea por gaiteiros e tamborileiros”.

A acção dos agentes, evidenciada no capítulo III, estimulou o interesse pelas

práticas em torno da gaita-de-foles que se traduziu no aparecimento de um número

cada vez maior de indivíduos a tocarem o instrumento. Como resultado, estimulou-

se esta animação espontânea, marcada pela partilha de experiências e repertório

entre os gaiteiros, não só do resto do país, como também de Espanha.

Os grupos de Gaitas dominaram a programação do festival na taberna dos celtas e

na animação de rua como se pode observar no anexo 2. A gaita-de-foles é o

instrumento mais representado, não apenas nestes dois espaços criados pela

organização do festival, como ainda nos cafés da vila, onde o convívio entre

gaiteiros galegos e portugueses é frequente e espontâneo. São estes os espaços que

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57

mais contribuem para a (re)folclorização das práticas musicais associadas à gaita-

de-foles, uma vez que a interacção entre as pessoas é muito maior. Nos cafés e

esplanadas é frequente juntarem-se vários grupos de espanhóis (sobretudo galegos)

e portugueses a cantarem e a tocar gaita-de-foles, tamboril, caixa, tinwistle,

pandeireta e todo um conjunto de objectos utilitários que permitem obter som

através da percussão, como garrafas de plástico ou vidro, colheres, ou

simplesmente o percutir das mãos na mesa ou no corpo. As melodias sucedem-se

umas às outras e o repertório integra a Dança dos Paus, o Pingacho, a Murinheira

de Chau, A Saia da Carolina, comum a várias regiões de Espanha e Portugal (Trás-

os-Montes, Galiza Leão e Castela) (ver DVD filme 4).

A programação da “animação de rua” revela mudanças, sobretudo ao nível da

constituição dos agrupamentos. Enquanto que em 2000 os grupos de gaiteiros eram

constituídos por gaita-de-foles, caixa e bombo, a partir de 2003, passam a ser

constituídos por vários gaiteiros (entre cinco e quinze) acompanhados por caixa e

bombo. Para além das transformações operadas a nível da constituição dos

agrupamentos de gaitas de fole, o Encontro de Tamborileiros, em 2002 (ver DVD

filme 2), e a Fiesta de Los Rigaleijos, em 2005, revelam a revivificação de outras

práticas performativas: a flauta e tamboril e a harmónica, localmente designada

rigalejo.

A maioria da população local associa a criação do festival intercéltico em Sendim à

presença da “cultura celta” na região.

“Miranda do Douro tem uma série de cultura aqui enraizada: os celtas, os pauliteiros,

as gaitas” (Entrevista a António Carção, 2/8/2004, vereador da cultura da CM.M.D.).

A presença dos celtas na região começa a ser um dado adquirido para a população

local, que procura um fundamento nas fontes históricas. Monumentos como os

“castros celtas” (ver Associação Galandum Galundaina, no capítulo III) fazem

parte dos roteiros turísticos da região, bem como a gaita-de-foles, podendo

Page 58: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

58

encontrar-se em folhetos de promoção turística da região expressões como: “Os

celtas (...) terão começado a aportar a estas paragens por volta do século VIII (...)

crê-se que estes povos celtas também se apresentaram com gaita-de-foles”22

.

Evidentemente que esta afirmação não tem fundamento histórico, contudo, esta

imagem começa a ser aceite pela população em geral sem qualquer

questionamento. O seu autor, tem publicadas algumas obras em mirandês, que são

apoiadas por organismos como o INATEL, Ministério da Cultura, IPJ, para além

dos apoios locais de Juntas de Freguesia, Governo Civil de Bragança ou C.M.M.D.

Como observa Morgan, ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, foram criadas

várias sociedades que se dedicavam à promoção dos hábitos e costumes gauleses,

através do convívio social entre os membros, cujos passatempos passavam pelos

concursos de poesia, literatura e música, dando origem à competição em festivais,

nos quais a música parecia ter uma maior influência, sobretudo a harpa. Edward

Williams, membro de uma destas sociedades, era obcecado pelos mitos e pela

história, e a partir do interesse pelo druidismo no século XVIII, inventou que

bardos e gauleses eram herdeiros dos antigos druidas e deles tinham herdado os

rituais, a religião e a mitologia. Na verdade, não fundamentando as suas ideias em

factos históricos mas apenas nas suas obsessões, Williams acabou por criar novas

tradições que foram decisivas para a história, como por exemplo a restauração do

druidismo (Morgan 1984: 71).

A partir de 2001 passou a fazer parte da programação musical do festival a Missa

Intercéltica, designação adoptada pelos promotores do festival, para a missa

existente. Nesse mesmo ano, a gaita-de-foles foi usada no interior da igreja para

acompanhar o canto em certos momentos da liturgia e, em 2003, viria a

acompanhar as danças dos pauliteiros (ver DVD filme 3). Mário Correia,

organizador do evento, fundamenta esta opção nos relatos do P. Francisco Manuel

Alves, que menciona uma carta pastoral do Bispo de Bragança, documento datado

de 1755, proibindo o toque de gaita-de-foles dentro da igreja (Alves 1934: 325), ou

22

Fernandes, José Francisco (S.d.) in Folclore Mirandês. Pauliteiros e outras expressões folclóricas.

Associação para o Desenvolvimento Integrado de Palaçoulo.

Page 59: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

59

Ernesto Veiga de Oliveira (11966,

32000: 105). Mário Correia pretendeu, deste

modo, integrar esta prática no Festival Intercéltico, o que incentivou a sua

continuidade em outras ocasiões litúrgicas. As primeiras reacções por parte das

senhoras mais idosas quanto à opção da gaita-de-foles no decurso da missa foram

negativas, não a considerando adequada, contudo, o discurso do Padre Silva viria a

justificar a opção tomada:

“Nesta igreja, desejamos as boas vindas aos que hoje nos visitaram, movidos

pelo Festival Intercéltico, na sua IV Edição, bem-vindo sejais e que tudo sirva

para o reconhecimento integral da nossa terra. Estamos em festa (...) Deus é o pai

de todas as músicas, toda a música canta a música de Deus... a música é a

colectânea de Deus sempre actualizada... Deus canta com todos os sons da

terra...”(Agosto de 2003)

O património cultural é reconhecido como factor de desenvolvimento local (Neves

2000), e pode justificar perante a população local as decisões de Mário Correia,

baseadas em fontes históricas, que legitimam as suas decisões, e por isso apoiada

pelo pároco da vila:

Carla- Alguma vez tinha celebrado uma missa assim deste género? Com gaita-

de-foles... os pauliteiros...

Padre Silva- Foi um pouco diferente... Nós tínhamos... projectado... planeado...

eee... e executámos... como tínhamos pretendido... Quisemos foi dar..., e a

comunidade estava... preparada para isso..., dar um sentido..., um pouco... que...,

tudo pode entrar na eucaristia..., e a eucaristia tem que ir a tudo..., tudo aquilo

que seja... para valorização do homem... nós temos que levar a eucaristia a isso...

Portanto, esta foi a finalidade..., com que nós organizamos uma missa destas....

Quando soube da festa... imediatamente... combinámos... os organizadores

comigo, e eu com eles... e fomos... orientando as coisas para que hoje

acontecesse...

Carla- Porque é que se chama missa intercéltica?

Padre Silva - Não sei! A missa é sempre só missa. Aquilo foi o que puseram nos

cartazes. Já sabe, as pessoas às vezes... usam palavras... não é tanto com o rigor

da... dos termos... mas é mais às vezes com o cartaz. A missa é uma missa cristã,

Page 60: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

60

uma missa católica..., aaa... puseram lá o nome missa celta ou intercéltica,

precisamente por estar inserida nas festas... no festival... (Entrevista ao Padre

Silva a 3 de Agosto de 2003)

A organização do Festival Intercéltico de Sendim veio trazer benefícios,

económicos tanto para Sendim, como para todo o concelho de Miranda do Douro.

A noção de “música celta” atrai as pessoas ano após ano. Durante o fim-de-semana

do festival, Sendim transforma-se numa vila onde são criados momentos místicos

em torno da “cultura celta”. O meio rural onde se insere Sendim, a procissão celta

(desfile à noite iluminado por archotes e velas), a taberna dos celtas, o licor celta, a

missa intercéltica, a água dos celtas (água ardente) contribuem para a construção de

uma “comunidade imaginada” (Anderson 1983).

3. O Encontro Nacional de Gaiteiros

O Encontro Nacional de Gaiteiros foi dinamizado pela A.P.E.D.G.F., sendo no

início uma co-organização com a Associação Lelia Doura – Gaitas da Gallaecia,

sedeada no Porto. Com uma periodicidade anual, teve a sua primeira edição em

2001, não existindo um local fixo para a sua realização, uma vez que está

dependente do patrocínio de uma autarquia e das instituições que apoiam a

A.P.E.D.G.F.: Ministério da Cultura ou Instituto das Artes. O Encontro Nacional de

Gaiteiros pretende juntar os gaiteiros detentores da tradição, e inclui desfiles de rua

e actuações em palco. O seu programa proporciona igualmente o convívio entre

várias gerações de gaiteiros, onde se partilha repertório, técnicas de execução e de

construção do instrumento.

Este evento teve impacte no processo de (re)folclorização, estimulando a prática do

instrumento no contexto rural, motivando o aparecimento de novos agrupamentos,

sobretudo nos meios urbanos.

A criação do evento tinha como objectivos primordiais a procura dos detentores da

tradição associada à gaita-de-foles no contexto rural, para que esta prática se

mantivesse activa, procurando ao mesmo tempo estimular os jovens para

Page 61: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

61

aprenderem o instrumento. A construção de património, constituído por repertórios

autenticados, através da recolha junto dos gaiteiros mais idosos que participavam

no encontro, também integrava as motivações iniciais do evento. A valorização do

património (repertório) e a atenção dada aos gaiteiros por parte das camadas mais

jovens (membros das associações organizadoras e público) concedeu aos gaiteiros

“capital artístico”, essencial na negociação da sua posição no mercado de música e

dança tradicionais.

Como se pode observar no anexo 2, a maioria de gaiteiros que participaram nos

E.N.G. (entre 2001 e 2004) são provenientes do distrito de Bragança, seguido de

Coimbra, Lisboa e Setúbal. A região a sul do rio Tejo apenas está representada pelo

distrito de Setúbal, não existindo qualquer representação da Beira Baixa, do

Alentejo ou do Algarve. O número de gaiteiros jovens, com idades compreendidas

entre os 15 e 30 anos, tem vindo a aumentar desde a primeira edição do Encontro.

Estes produzem alterações no repertório, nomeadamente a introdução de

composições mediatizadas. Evidenciam-se assim, alterações a nível da

representação, motivadas pela gestão do espaço simbólico derivado da prática

folclórica. A harmonização à escala nacional ou regional deixou de ser a principal

referência na composição de territorialidades folclóricas, tornando-se difícil para o

grupo invocar o seu espaço em referência a um território. Composições como

Sebastião Come Tudo, Aldeia da roupa branca, Zumba na Caneca, Bailinho da

Madeira, Apaga a Luz, Lisboa Menina e Moça, Senhor Polícia, são alguns

exemplos de repertório que passou a fazer parte do património dos grupos, baseado

em cancioneiros infantis, em géneros como o fado ou a música ligeira.

O E.N.G. constitui ainda um espaço de desenvolvimento da sociabilidade gerada

pela prática da música tradicional, onde os laços de parentesco, apesar de não

prevalecerem, se verificam em alguns casos. As relações de parentesco ao nível dos

ranchos folclóricos (Holton 2003), motivadas pela dificuldade de recrutamento de

raparigas nos anos iniciais (Castelo-Branco & Branco 2003:19), reflexo da ordem

social estabelecida, não se colocam neste caso. Ao longo de todo o século XX os

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62

agrupamentos centrados na gaita-de-foles eram constituídos por elementos do sexo

masculino. As transformações sociais ocorridas em Portugal nas últimas décadas do

século XX produziram alterações a nível das mentalidades, dando lugar à

integração de elementos femininos nestes agrupamentos, sem que para tal existam

quaisquer relações de parentesco.

O desfile pelas ruas surge como uma “elaboração cénica” (Branco 1995: 170) das

arruadas e dos peditórios, frequentes ao longo do século XX nas festas no contexto

rural (ver DVD filme 7). O espectáculo em palco no período da noite dá

continuidade à institucionalização do folclore que ocorreu no período do Estado

Novo, onde os grupos adoptaram uma nova forma de cantar e de dançar: sobre um

estrado, integrados num grupo misto, acompanhados por tocadores e dançarinos

fardados, perante uma assistência passiva, que assumia o papel de ouvinte (Castelo-

Branco & Branco 2003: 20). A apresentação em palco, apesar de remeter para uma

esfera rural, indicia uma prática urbana, na qual os seus protagonistas já não são só

gente do campo, mas sim operários, empregados no sector terciário ou estudantes,

no caso dos mais jovens (ver DVD filme 6).

O desfile pelas ruas e o espectáculo em palco estão previstos no E.N.G., contudo,

existem outros momentos no decurso do encontro que ocorrem de forma

espontânea, para os quais não há um espaço nem tempo definidos. São sobretudo os

mais jovens que têm a iniciativa, desvalorizando rivalidades locais e regionais,

partilhando repertórios, motivando o convívio entre todos os gaiteiros,

independentemente da idade ou região a que pertencem. Estes têm lugar no período

que precede o espectáculo de palco, e que só terminam no momento da despedida

(ver DVD filme 8). Os gaiteiros partilham repertório dos cancioneiros locais,

composições mediatizadas ou de outras culturas musicais, sobretudo de Espanha,

repertório que circula entre os vários agrupamentos, é assimilado, reproduzido

noutros eventos e por vezes começa a fazer parte do património do grupo (ver

capítulo V, Actuação do grupo Gaitafolia). Na partilha de conhecimentos

Page 63: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

63

encontram-se determinadas opções quanto aos instrumentos usados, afinação,

concepção de palhetas ou técnicas de construção da gaita-de-foles.

O vector visual surge como o primeiro meio de comunicação com o público. Este

manifesta-se através do trajo com que se apresentam a maioria dos grupos. O trajo,

que no início do século XX reflectia o elemento paródico equivalente à inversão de

papeis, onde as filhas da burguesia se transformavam em camponesas, com a

institucionalização do folclore perde o significado de representação invertida, para

dar lugar a exibições evocativas de lugares, tempos passados, papeis e estatutos

sociais (Castelo-Branco & Branco 2003). São sobretudo estes últimos que estão

representados nos trajos com que se apresentam os gaiteiros neste encontro. A

título de exemplo, o trajo dos gaiteiros mirandeses, poderá evocar Trás-os-Montes

num tempo passado (primeira metade do século XX), associado a pessoas de

condição social desfavorecida, isolados do resto do mundo, ou o trajo dos Gaiteiros

do Espírito Santo do Carregueiro, do distrito de Santarém, cuja indumentária

representa o fato domingueiro do campino ribatejano do século XX, ou ainda a

inspiração nas bandas filarmónicas ou militares.

O E.N.G. funciona como uma indústria de património, inserindo os gaiteiros no

mercado cultural e turístico, através da circulação das manifestações relacionadas

com as práticas performativas associadas à gaita-de-foles no contexto nacional e

internacional. A presença de gaiteiros espanhóis convidados pela organização,

favorece a circulação fora do âmbito nacional, facilitando contactos e a influência

de Espanha no contexto Português. Estes introduzem composições, que passam a

fazer parte do repertório da gaita-de-foles, partilham práticas performativas e

técnicas de construção do instrumento.

As entidades organizadoras do E.N.G. assumem uma função reguladora, visto que

determinam os grupos de gaiteiros que participam no encontro. Estas condicionam

a participação dos grupos de gaiteiros que não se enquadram na tradição Portuguesa

e que são uma importação da Galiza e da Escócia. Os agrupamentos “banidos”

Page 64: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

64

seguem o modelo implementado na Galiza por Xosé Lois Foxo, cujas opções

estéticas os distingue dos demais pelo trajo, inspirado em iconografia do século

XVIII ou da idade média, pela postura em desfile, que apresenta uma coreografia

própria com base no compasso, pelo uso de gaitas de fole semelhantes às Gaitas

escocesas, pelo repertório, baseado sobretudo em composições galegas, escocesas,

irlandesas e de outras culturas musicais. Para além destas características, estas

bandas procuram uma qualidade técnica a nível da afinação, do rigor na execução,

etc., condições que lhes são “impostas”, para serem aceites em campeonatos de

bandas de Gaitas na Galiza ou em outras regiões.

De entre as bandas que começam a surgir em Portugal, encontra-se a Banda de

Gaitas S. Bernardo (Aveiro), a única que apresentou requisitos que lhe permitiram

participar no XV Campeonato da Liga Galega de Bandas de Gaitas, que decorreu

em Aveiro em Março de 2005, ou a Banda de Gaiteiros de Lebução (Concelho de

Valpaços – Trás-os-Montes), dirigida por um galego, José M. Mojón, tida como

seguidora da corrente de X. L. Foxo. As práticas performativas adoptadas por estes

grupos são fortemente contestadas por alguns membros da A.P.E.D.G.F., e

determinam a restrição à participação no E.N.G., por se considerarem que

desvirtuam a tradição da gaita-de-foles em Portugal. Esta posição também é

seguida por uma corrente nacionalista na Galiza, como refiro no capítulo III, que

não reconhece como “tradicionais” as bandas de gaitas de fole que seguem o

modelo de X. L. Foxo e que proliferam em Espanha na transição do século XX para

o século XXI.

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65

V. TRÊS OCASIÕES PERFORMATIVAS

Neste capítulo pretendo analisar três “ocasiões performativas”, tendo em conta as

perspectivas sobre a performance de Marcia Herndon (1971), Gerard Béhague

(1984) e Antonny Seeger (1987). O conceito analítico de “ocasião performativa” é

usado para demonstrar a relação entre o produto musical e os comportamentos

(individuais, sociais, culturais, etc.) que ocorrem em cada “ocasião”. Este conceito

tem por base a definição proposta por Marcia Herndon, na qual “a ocasião

performativa” deve ser vista como uma expressão encerrada de formas cognitivas e

valores partilhados de uma sociedade, o que inclui não só a música em si, mas

igualmente a totalidade de comportamentos associados e conceitos subjacentes”

(Herndon 1971: 340). A partir da observação de diversas ocasiões performativas

surgiu a reflexão acerca da importância do estudo da performação musical

enquanto evento e enquanto processo, discutido por Béhague, que considera não só

o comportamento musical dos participantes, como também os comportamentos

extra-musicais e regras ou códigos da performação definidos pela comunidade, para

cada contexto ou ocasião específica (Bèhague 1984: 7).

As ocasiões performativas em análise, referem-se às actuações de três grupos:

Galandum Galundaina nas Festas de Santa Bárbara em Sendim, no dia 6 de Agosto

de 2003, Grupo Sons das Arribas, no auditório da Biblioteca Municipal Bento de

Jesus Caraça na Moita, a 19 de Novembro de 2004, e Gaitafolia na Associação

Ponto de Encontro, em Cacilhas, no dia 22 de Abril de 2005. A formação destes

agrupamentos decorreu da acção dos agentes que interagiram no processo de

(re)folclorização das práticas associadas ao contexto rural, em particular em torno

da gaita-de-foles (ver capítulo III).

Page 66: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

66

1. O grupo Galandum Galundaina23

nas Festas de Santa Bárbara em

Sendim (6 de Agosto de 2003)

O palco encontrava-se às escuras começando a ouvir-se o som de um

membranofone, que pouco a pouco se tornará visível. Alexandre Meirinhos sentado

numa cadeira ao centro do palco, segurava tal instrumento que se fazia ouvir,

percutindo-o com as mãos. Os elementos do grupo foram-se aproximando. Todos

se encontravam trajados: calça de burel24

, colete de cor castanha, camisa branca.

Uma melodia tocada na flauta de tamborileiro, por Alexandre Meirinhos, fazia a

transição para a gaita-de-foles mirandesa, tocada por Paulo Preto, acompanhada

pelo bombo, caixa, tamboril e castanholas. Diversas variações, bastante

ornamentadas, sobre o tema da Bitcha, introduzem o lhaço Campanitas de Toledo

(ver anexo 3 e DVD filme 11). Sendo a primeira alocução oportunamente proferida

por Paulo Meirinhos, em mirandês:

“Deus vos dê Buenas noites. Bom então, nós vamos a tocar e vós a ver se bailais, porque

também estar assim… nós a tocar aqui com tanto esforço e a asudar com estes casacos e

com estas calças que até picam, se vós não bailardes nós aqui estamos a perder el tiempo.

A ver se bailais que é para vos animardes e nos animaresde-nos a nós.” 25

Os objectivos que regem os ideais do grupo (referidos na página 42), são

apresentados no início da actuação: divulgação e valorização da língua mirandesa,

música, dança e trajo. Estes evidenciam a (re)folclorização de práticas que eram

centrais na vida social mirandesa, na primeira metade do século XX, que se

alteraram ao longo dos tempos, e que o grupo pretende revivificar. O trajo com que

se apresentam parece estar desadequado à temperatura que se faz sentir nesta altura

do ano, contudo, é importante para o grupo, como forma de divulgação da tradição

local. O desconforto que este produz, poderia ser justificado, se o público

(constituído maioritariamente pela população local e emigrantes) contribuísse para

23

Ver referências acerca da constituição e formação do grupo na página 43. 24

Burel – tecido de lã simples e grosseiro. 25

A transcrição do mirandês é de minha autoria e não obedece a qualquer regra de escrita formal da língua,

mas apenas pretende representar a fonética apresentada.

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67

a performance musical, o que só veio a acontecer no final da actuação, após

diversas solicitações por parte do grupo.

O repertório, património do grupo (ver página 44), incide sobretudo em géneros

associados à dança: Campanitas de Toledo é um lhaço, evocativo de um espaço

geográfico (Mourinho 1984: 497), dançado regularmente pelos grupos de

pauliteiros da região. As duas composições apresentadas em seguida, Nós Tenemos

Muitos Nabos e Pingacho (ver anexo 3), são bailes paralelos (Mourinho 1984: 540

e 533), que fizeram parte do contexto festivo e lúdico até por volta dos anos 1960.

Como observa E. V. Oliveira em 1966: “são também os gaiteiros quem

acompanham as Danças dos Velhos da região mirandesa, em Dia de Santa Catarina

– que em Ifanes levam o nome de Redondo, em Paradela o Pingacho, e em Duas

Igrejas a Bicha ou Fandango – os quais se realizam nos largos das aldeias, em volta

do fogueira” (2000: 106).

Nós Tenemos Muitos Nabos, foi cantado em uníssono e acompanhado pelo

tamboril, pandeireta, garrafa com garfo26

e caixa. Pingacho, igualmente em

uníssono, apresenta o refrão a duas vozes, à distância de terceiras, em que a parte

vocal e instrumental alternaram segundo a estrutura bipartida (como se pode

observar no anexo 3).

O público mantém-se passivo e não reage perante as alocuções de Paulo Meirinhos:

“Pois vós parece que estão algo parados. A vós o que se passa? Estais com calor?...

Que é? Não estais habituados a bailar com lo bombo e la gaita?... Isso é porque vos

desabutaás-tes, porque dantes bailava-se mais do que hoje, digo eu vá!...”

Seguiu-se Passa calhes27

, interpretado na gaita-de-foles, na caixa, no bombo e na

pandeireta. Género musical associado às rondas, com uma estrutura melódica

composta por duas frases musicais, numa métrica regular de 4/4 (ver anexo 3). A

26

Espécie de reco-reco constituído por uma garrafa ondulada a qual é friccionada com um garfo. Este

instrumento está descrito no livro Instrumentos Populares Portugueses, de E.V. Oliveira, classificado como

instrumento avulso (Oliveira 2000: 308). 27

Optei por Passa calhes porque esta é a grafia que o grupo adopta no CD L Purmeiro.

Page 68: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

68

esta sucedeu Redondo, igualmente na gaita-de-foles mirandesa e instrumentos de

percussão. Recursos estilísticos como o vibrato e ornamentação são bastante

explorados na gaita-de-foles em todos os temas apresentados.

La lhoba Parda foi o primeiro romance incluído na actuação. Segundo a proposta de

António Mourinho (1984: 147-151), este integra-se na categoria de romance

pastoril. A sanfona acompanhou o canto, em mirandês, numa melodia silábica no

modo menor, em andamento lento. Quando termina o canto, a gaita-de-foles galega

introduz uma melodia improvisada, que contrasta com o romance em termos de

andamento. Composta por duas frases repetidas diversas vezes na gaita-de-foles,

flauta tamborileiro e sanfona (ver anexo 3 La Lhoba Parda compassos 15 a 23 e

DVD filme 11), esta última secção conduz a sonoridades que evocam a época

medieval. De salientar, que no contexto rural, o romance é cantado sem

acompanhamento instrumental.

A moda Redondo, ou, Nós daqui e vós dali, apresentada anteriormente na versão

instrumental, surge na versão cantada, acompanhada pela Gaita galega, sanfona,

garrafa com garfo e cântaro28

. A estrutura melódica foi AB, em que A foi cantado

por todos os elementos do grupo, em uníssono, e B correspondente ao refrão,

cantado a duas vozes à distância de terceiras. A recriação desta composição denota

alguma influência da interpretação deste tema pelo grupo Gaiteiros de Lisboa, cujos

materiais musicais parecem estar submetidos à mesma leitura.

Cerigoça faz parte do repertório de baile circular (Mourinho 1984: 555), e foi a

composição seguinte. Após uma secção improvisada, a flauta tamborileiro

introduziu o tema, cuja melodia silábica, foi cantada em terceiras e acompanhada

pelos instrumentos de percussão. A esta seguiu-se outro romance, Chin- Glin-Din,

numa tonalidade menor. O canto foi acompanhado pela sanfona, caixa, triângulo e

bombo, enquanto a gaita-de-foles galega intervinha nos interlúdios instrumentais.

No final, e pela primeira vez, a gaita-de-foles acompanhou em simultâneo o canto.

28

(Oliveira 2000: 309).

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69

Apesar dos constantes apelos do grupo, o público revelava-se pouco participativo,

limitando-se a aplaudir no final de cada composição apresentada. Na alocução que

seguiu Paulo Preto evidencia, mais uma vez, a necessidade de manutenção da

língua mirandesa, música e dança:

“Agora faço-vos um desafio. Eu falo mal Sendinense, ou Mirandês, mas fago um

esforço, e toda la gente havia de fazer como eu, mas [aplausos] tengo uma cousa

muito importante. Ai que bailar as modas que nós tocamos, porque as modas são

nossas, são nossas! E agora vamos a tocar uma moda que é a mais conhecida nel

baile e nel terreiro, sempre foi…, e eu já a vi a dançar a muita gente, que é o

Repasseado, por esso, é um desafio. Juntai-vos quatro pares, dös a dös, quatro a

quatro, oito a oito, dezasseis a dezasseis, mas eu quero ver esta gente toda a dançar

o Repasseado que eu vou a tocar. Vamos a lhá. Mas é a sério. Nem parece que

estou em Sendim. Não há ninguém para dançar o Repasseado. Ah valente! Já temos

dois pelo menos.”

As “modas são nossas” evoca o espaço de referência do património que, estando

sujeito a diversas formas de circulação, é apresentado pelo grupo como o seu bem

mais valioso.

Repasseado foi a última composição da actuação. Trata-se de um baile repasseado

(ver capítulo seguinte). A performance foi interrompida ao primeiro minuto, uma

vez que a participação do público não estava a corresponder aos objectivos do

grupo:

“Isto é pedagógico. Desculpem lhá mas tenhemos que parar porque só vemos os

novos a bailar, e aos bilhos é que saibam, porque não ensinais aos vossos filhos a

dançar o Repasseado? Porque não agarrais num filho vosso e dizeis: «anda cá que

havemos de bailar o Repaseado». Mas tenemos que ser muitos se não paramos outra

vez.”

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70

Após este breve interregno, o público interagiu com o grupo dançando e cantando

ao longo da performance. Parte da assistência, que se encontrava na praça a assistir,

começou a dançar a pares, enquanto outra cantava ou acompanhava com aplausos.

2. Actuação do grupo Som das Arribas na Biblioteca Municipal da Moita

(19 de Novembro de 2004)

O Grupo Som das Arribas de Freixiosa - Miranda do Douro, liderado por Ângelo

Arribas, formou-se há cerca de dois anos. Dedicado à preservação das tradições

mirandesas, é constituído com base numa estrutura familiar onde estão

representadas duas gerações: o avô, Ângelo Arribas (gaita-de-foles, flauta e

tamboril, caixa e bombo), dois netos: Anita (caixa, bombo, conchas e voz) e Dinis

(gaita-de-foles, caixa, bombo e conchas) e sobrinha, Celine (pandeiro, conchas e

voz).

Cerca de quarenta pessoas preparavam-se para assistir à actuação no auditório da

biblioteca, na maioria população residente. No palco, elevado a um metro em

relação à plateia, encontravam-se alguns instrumentos dispostos no chão. Às 21.40

ouve-se o som da gaita-de-foles, seguido da caixa, por detrás das cortinas do palco.

Entra em cena Celine, a tocar pandeiro, Dinis a tocar gaita-de-foles, Ângelo Arribas

a tocar bombo e, por último, Anita, a tocar caixa. Todos os elementos do grupo se

encontravam trajados. O trajo masculino é constituído por camisa branca, calças e

colete castanhos, e chapéu em burel. O trajo feminino é composto por camisa

branca, colete e saia vermelha ou preta bordada a tecido, à semelhança das capas de

honra e meias de renda.

A escolaridade ou formação profissional de cada um dos elementos é colocada em

evidência na primeira alocução, revelando grandes sinais de mudança. No início do

século XX, este comportamento expressivo estava associado ao meio rural,

sobretudo aos pastores, enquanto que agora são pessoas letradas, provenientes dos

meios urbanos, que se dedicam a estas práticas. A primeira alocução é proferida por

Anita:

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71

“Muito boa noite a todos. Nós somos o grupo Ao Sons das Arribas, de Miranda do Douro

e é com muito gosto que estamos aqui para actuar com vocês. Vamos apresentar algumas

músicas tradicionais mirandesas. Para já começo a apresentar o grupo. Aquele senhor ali é

o nosso avô, que é o mestre e artesão de gaitas de fole, de bombos, de tamboris, de flautas

pastoris, de caixas de guerra29

, que é este instrumento que eu tenho estado a tocar, dos

pandeiros, ou adufes, como vocês lhes queiram chamar. De seguida passo a palavra ao

meu avô, que vai falar um bocadinho em mirandês… e espero que gostem… da nossa

actuação. Aaa… alem do mais, este é o meu irmão, o Dinis, que gosta de tocar gaita-de-

foles desde pequeno e que é estudante, depois, aqui ao meu lado esquerdo é a minha

prima, que é a Celine, que é fisioterapeuta e gosta também de nos acompanhar e de tocar

os nossos instrumentos tradicionais, eu chamo-me Anita, sou trabalhadora social, e

também adoro tocar os instrumentos tradicionais e também de manter a tradição. De

seguida passo a palavra, como eu já tinha dito, ao meu avô, que vai falar um bocadinho

em Mirandês.”

A “tradição mirandesa” é apresentada através da língua mirandesa, dos

instrumentos usados, das modas e do trajo. A língua mirandesa surge como o

principal factor de diferenciação, e como símbolo identitário, sendo utilizada, tanto

nas alocuções proferidas por Ângelo Arribas, como nas cantigas. Os instrumentos

usados são referenciados como “instrumentos tradicionais”, em que a construção

artesanal, e o uso destes instrumentos pelas gerações anteriores no contexto

mirandês são factores que legitimam a sua utilização.

Ângelo Arribas:

“Portanto, o que acabámos de tocar chama-se Alvorada, que é a música que se costuma

tocar no início das festas. De seguida vamos tocar o Passacalhes que é uma moda que

tocamos depois de tocar a Alvorada porque a Alvorada tem o nome con‟ elha, alvor do

dia, tocava-se às cinco da manhã ou cinco e meia para a seis da manhã para anunciar a

festa. Depois costumamos “matar o bitcho”, que nós dizemos: vamos a “ceionar”. Depois

tocamos então a Passacalhes, é a primeira moda que tocamos que é para tirar a esmola

pelas portas, que é para fazer a festa. Então vamos tocar o Passacalhes”.

29

Caixa de guerra é a designação émica para caixa de rufo. Optei pela designação de caixa, tal como E. V.

Oliveira (Oliveira 2000: 257).

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72

O programa evoca a sequência do repertório, apresentado no contexto festivo, com

a Alvorada a dar início à actuação, representando o anúncio da festa, seguida de

Passacalhes, que é uma moda tocada em arruadas e peditórios. As alocuções

pretendem informar o público acerca do repertório a apresentar:

“De seguida vamos tocar uma música que é dançada pelos pauliteiros, que é o grupo

tradicional de Miranda, que são rapazes, com saias que dançam com paus”.

Segue-se Campanitas de Toledo, um lhaço que foi tocado na gaita-de-foles por

Ângelo Arribas, na caixa, Anita, no bombo, Dinis e no pandeiro, Celine. O público

aplaude no final da moda e ouve atentamente as explicações que lhe vão sendo

transmitidas. Anita anuncia a composição seguinte:

“De seguida vamos cantar uma música que se chama O pandeiro, que vai ser tocada

com a flauta pastoril com três buracos e o tamboril, o bombo e as conchas… e o

pandeiro”

Ângelo Arribas:

“Vocês… ou vós… em mirandês, vós de certeza que não davas nada por este

palico, pois não? Este palico, não queria mentir…, tinha eu, oito, nove anos…,

andava com as ovelhas…, nas arribas do Douro! Não tenia com que me

entretener… fiz um tamborenico pequeno das lhatas das sardinhas de escabeche de

quilo e meio e fiz uma fraitita pequena e já tocava, já tocava… começava a tocar

três modas, três cantigas, e casa-se um rapaz vizinho, da minha terra, com uma

rapariga de Miranda, o que é que se havia de lembrar, de chamar-me a mim”.

A composição apresentada em seguida foi o Pandeiro, que se insere na categoria de

baile circular ou Jota (Mourinho 1984: 553) com texto associado. A uma

introdução instrumental seguiu-se uma estrutura melódica bipartida composta por

quatro frases, que alternou entre a secção instrumental e vocal, esta última, cantada

em uníssono e a duas vozes à distância de terceiras e quartas, como se pode

observar no anexo 3.

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73

Em seguida, outro género coreográfico associado à dança, Mira-me Miguel, uma

dança a pares (idem: 565), foi tocada por Ângelo Arribas na flauta e tamboril, e

cantada por Anita e Celine. A estrutura melódica apresentada foi AA BB (Ver

anexo 3), em que a parte A funcionou como refrão, cantada primeiro em uníssono e

repetida a duas vozes em terceiras, numa alternância entre parte instrumental e

vocal. De salientar, que esta dança é inserida na categoria de romance por Anne

Caufriez (1997: 48).

“De seguida vamos mudar outra vez para gaita-de-foles e vamos a mais uma que se

chama o Repasseado, que é uma dança… que é uma cantiga dançada pelos ranchos

folclóricos da nossa cidade, Miranda do Douro.”

Ângelo Arribas procura demonstrar como se dança, e incita o público a segui-lo,

contudo, este não reage, ficando sentado passivamente. O Repasseado foi tocado na

gaita-de-foles por Dinis. No final, Anita fez um gesto de ovação em direcção a

Dinis e o público aplaude.

Ângelo Arribas:

“De seguida vamos tocar outra que se intitula Oh Helena, que é tocada e cantada, mas

neste caso vai ser só tocada pela gaita-de-foles só. A Helena, sendo um baile muito

tradicional mesmo… mirandês, eu vou demonstrar com a minha neta como é que se

dança a Helena, e gostaria que… depois de lhes ensinar aqui, que dançasses ao toque

da gaita-de-foles”

O público reage rindo, contudo, não demonstra intenção de dançar, assistindo

passivo à exemplificação. Seguiu-se Oh Helena (ver filme 9) e depois uma

composição inédita, Sem Título, de autoria de Ângelo Arribas, tocada na ponteira

da gaita-de-foles.

A sequência apresenta um baile repasseado, Giriboilas, tocado na flauta e no

tamboril por Ângelo Arribas e cantado por Anita e Celine. A este sucedeu-se outra

categoria de baile: Pingacho, baile paralelo, igualmente cantado por Anita e Celine

Page 74: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

74

numa primeira intervenção à capela e depois na versão instrumental com a gaita-de-

foles, bombo, caixa e pandeiro.

Alocução de Ângelo Arribas:

“Obrigado. Agora vamos tocar uma que ele aprendeu não sei onde”. [refere-se ao neto.

O público ri]

A introdução de repertório por parte dos mais jovens começa a ser frequente.

Passeado, foi recolhida em Rio de Onor por J. A. Sardinha e registado em Portugal

Raízes Musicais - Trás-os-Montes (1996). Esta composição foi, ainda, recriada pelo

grupo Gaitafolia, e publicada em notação musical na revista da associação Gaita de

Foles. A circulação de informação pelos média e as configurações da tecnologia,

favorecem a integração de novo repertório, que é assimilado pelos grupos.

As composições associadas a géneros coreográficos continuam a prevalecer no

programa apresentado. Cerigoça, bailado circular (Mourinho 1984: 555), foi tocada

na flauta e tamboril por Ângelo Arribas, numa estrutura melódica que consistiu

numa única frase apresentada pela flauta e imitada pelas vozes (ver anexo 3).

Como forma de envolver o público, Arribas introduz uma composição mediatizada,

os Malmequeres:

“Vamos tocar uma muito conhecida. A ver se me lembro! Os Malmequeres, esta é

vossa não é?

A expressão usada por Arribas: “esta é vossa”, reflecte a noção de divisão do país

em regiões musicais, reflexo da folclorização instituída pelo Estado Novo.

Contudo, a facilidade de circulação de pessoas, bens e informação, faz com que

seja cada vez mais difícil aos grupos invocarem o seu espaço em referência a um

território. O público continua a assumir uma posição passiva.

Page 75: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

75

Ângelo Arribas tece algumas considerações acerca dos lhaços, contextualizando o

lhaço Vinte Cinco, o lhaço Balentina e algumas das melodias mediatizadas que se

transformaram em lhaços, isto é, que se converteram em melodias dançáveis pelos

grupos de pauliteiros:

“Os lhaços dos pauliteiros são vinte cinco. Hoje… já mudou muita cousa, há mais que

25 lhaços, dança-se nos pauliteiros o Fado, o Raspa, Maria Alice, as Pombas das

Catrininhas, e vários lhaços que não são lhaços. O 25 é um lhaço guerreiro… que todos

os lhaços eram lhaços guerreiros, a não ser o Padre António, o Padre António que é um

lhaço religioso, as campanitas, que foi a primeira que tocámos, são religiosas, o Acto

de contrição com Deus Miu, é um lhaço religioso, Carmelita, é um lhaço religioso,

pronto!… mas este não é religioso, o que vou tocar, também é um lhaço dos pauliteiros,

há quem lhe chame a Esmola, ou a Balentina. A Balentina era uma mulher de

Freixenosa, da mi tierra, e que era de “pelo na venta” como se costuma dizer, era assim

um bocado… terrível. E a dança dos pauliteiros, que são oito, mais os tocadores…

Gaita, caixa e bombo, andavam a dar a volta, mas quando chegaram a la porta dessa

senhora, ela disse ao gaiteiro… ao mordomo da festa: «Eu só te dou uma esmola se me

ajeitares um lhaço só para mim!» e o gaiteiro disse assim: «Nada mais. Está feita,

vamos embora.» Pronto não pegaram a esmola, ela não lha dava, queria um lhaço só

para ela sozinha, e deram a volta ao povo30

e quando chegaram novamente à porta

dessa mulher já levavam o lhaço estudado”.

Os dois lhaços que seguiram, Balentina, um lhaço de “motivo de maldizer”

(Mourinho 1984: 500), e Vinte Cinco, um lhaço sem texto associado. Foram

tocados na gaita-de-foles por Ângelo Arribas, segundo a estrutura melódica ABC,

em que a C corresponde à “Bicha” (ver capítulo seguinte relativamente à estrutura

dos lhaços).

A repetição do lhaço Vinte Cinco, seguido da composição religiosa Avé Maria

marcou o final da actuação.

30

Povo significa aldeia, povoado.

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76

As alocuções ocuparam cerca de 50% do tempo total da actuação. Termos como

“muito tradicional” ou “músicas tradicionais mirandesas” foram usados com

frequência para legitimar o repertório apresentado. Foi feita alusão a três contextos:

a festa, o trabalho e a devoção. O espaço da festa remete para questões temporais.

O anúncio da festa através da Alvorada às “cinco e meia para as seis da manhã”,

seguido do Passacalhes para “tirar a esmola pelas portas para fazer a festa” ou a

Balentina. O contexto do trabalho sugere um tempo passado e é colocado em

evidencia nas descrições de uma paisagem bucólica, ilustrada através da imagem do

pastor guardador de ovelhas que como “não tinha com que me entretener” fazia os

seus próprios instrumentos. A devoção é outro dos contextos apresentados

sobretudo, quando se faz a distinção entre lhaço religioso e guerreiro.

3. Actuação do grupo Gaitafolia na Associação Ponto de Encontro em

Cacilhas (22 de Abril de 2005)

Cerca das onze horas da noite apagaram-se as luzes da sala. Passados alguns

segundos, começaram a ouvir-se gaitas de fole à distância. O grupo Gaitafolia

iniciava a actuação descendo uma escada em direcção ao local onde esta iria

decorrer. À frente, Tiago a tocar bombo, seguido de Mário Estanislau, Vítor Félix,

André Ventura e João Ventura a tocarem gaita-de-foles.

O público reagiu com aplausos aos primeiros sons provenientes dos instrumentos,

continuando a manifestar-se durante todo o espectáculo de forma entusiasta.

Foram apresentadas catorze composições instrumentais, as primeiras quatro

tocadas em gaita-de-foles galega e as seguintes em gaita-de-foles transmontana.

Ao longo de toda a actuação a sala manteve-se às escuras, ficando os músicos

iluminados por holofotes que se encontravam colocados no chão.

A primeira composição foi Passodoble de Lalin, composição galega tocada em

gaita-de-foles galega pelos quatro gaiteiros que compõem o grupo, acompanhados

pelo bombo. A estrutura melódica é AABB‟, destacando-se o ritmo sincopado da

Page 77: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

77

segunda secção. A escolha de um tema galego para o início da actuação revela a

influência da região e a forma como esta se reflecte nas opções estéticas do grupo.

Seguiu-se A Minha Rosinha, uma valsa que faz parte do repertório dos ranchos

folclóricos da região de Torres Vedras. Nesta última, a introdução foi realizada por

Mário Estanislau, entrando os restantes elemento do grupo na parte B (ver anexo

3). A melodia, composta por duas frases curtas, caracteriza-se pelo movimento

ondulatório onde predominam os graus conjuntos, movendo-se num âmbito de

sétima. O grupo continua a actuação sem proferir qualquer alocução. O público

manifesta-se entusiasticamente trauteando a melodia.

A terceira composição, Pernas P‟ra Riba, de proveniência galega, apresentou a

estrutura melódica AABB‟, precedida de uma introdução realizada por Vítor Félix.

Esta estrutura foi repetida por todos os membros do grupo, em uníssono na parte A,

e a duas vozes na parte B, à distância de terceiras. A performance é marcada por

uma postura descontraída, por oposição à seguida pelo modelo das bandas de gaitas

implementado na Galiza por Xosé Lois Foxo, como descrevo na página 64.

A alternância entre composições galegas e portuguesas deu lugar a Muiñeira. Esta

foi recolhida por Michel Giacometti em Moimenta e registada na Antologia da

Música Regional Portuguesa (ver capítulo seguinte a estrutura da muiñeira,

também representada no anexo 3). As composições são reconhecidas

imediatamente pelo público, que interage com o grupo em todos os momentos.

Seguiu-se Maruja, de autoria de Zeca Afonso, a primeira composição tocada em

“gaita-de-foles transmontana” e interpretada por Vítor Félix, num andamento lento

e bastante livre, em que a primeira secção contrastou com a segunda, num

andamento mais rápido. Umas das técnicas muito exploradas neste tema foram os

vibratos, produzidos através do movimentar dos dedos sobre os orifícios sem nunca

os tapar. A escala produzida pela “gaita-de-foles transmontana” cria imagens de

exotismo nas novas recriações.

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78

Seguiram-se três composições recolhidas em Trás-os-Montes:

Mirandum/Carvalhesa e Carvalhesa de Vinhais. As duas primeiras foram tocadas

sem interrupção. André Ventura apresentou Mirandum num andamento lento, que

foi repetido pelos restantes elementos do grupo. A estrutura melódica, ABB‟

constrói-se sobre uma melodia onde se destacam os cromatismos e predomínio de

graus conjuntos. Carvalhesa, é uma dança recolhida em Trás-os-Montes, e registada

em fonograma por Anne Caufriez (1997: 286). Carvalhesa de Vinhais, registada

por E.V. Oliveira em 1960/3, faz parte da categoria de dança, encontra-se transcrita

em notação musical na Revista Gaita de Foles. Em ambas as composições, a

estrutura melódica repete diversas vezes em uníssono e a duas vozes à distância de

terceiras.

Por Entre Vales é uma composição inédita, de autoria de Mário Estanislau, que a

introduziu a solo na gaita-de-foles. É composta por três frases, repetidas duas

vezes cada uma, onde predominam os graus conjuntos numa melodia que vai

desenhando pequenos movimentos ondulatórios num âmbito de sexta. Esta

estrutura foi repetida por mais quatro vezes pelos restantes elementos do grupo

(anexo 3). A maioria das composições apresentadas é composta por duas frases

curtas que repetem diversas vezes, estrutura seguida por Mário Estanislau nesta

composição.

A composição galega Quero que... foi transmitida a Vítor Félix por um galego, num

dos E.N.G., e recriada pelo grupo, passando a fazer parte do seu repertório.

Composta por duas frases, repetidas duas vezes cada, foi repetida por todo o grupo

num total de cinco vezes (DVD filme 10). A introdução de repertório através da

forma directa num dos eventos promovidos pela A.P.E.D.G.F. vem corroborar a

ideia veiculada no capítulo anterior (ver página 62).

A Saia da Carolina, décima composição apresentada, é comum ao repertório da

Galiza e Trás-os-Montes e encontra-se registada no LP Folclore Português Trás-

os-Montes e Alto Douro grupo folclórico de Duas Igrejas. A estrutura melódica foi

Page 79: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

79

AABB, precedida de uma introdução realizada por André Ventura na gaita-de-

foles, num andamento moderado, culminando num movimento melódico

descendente por graus conjuntos, que conduziu ao tema principal (ver anexo 3),

repetida diversas vezes pelo grupo. O público começa por acompanhar a

performance de André com palmas e entra em êxtase quando os restantes elementos

do grupo começam a tocar. De súbito, o grupo circula pela sala enquanto toca,

misturando-se com o público que se manifesta dançando, cantando e aplaudindo de

forma efusiva (ver DVD filme 10).

A Passodoble Português, composição portuguesa, seguiu-se o Repasseado,

integrado na categoria de danças mistas, praticadas no distrito de Bragança. A

estrutura musical consistiu em duas frases, cada uma repetida duas vezes (ver

anexo 3). Esta foi a sexta composição apresentada pelo grupo recolhida na região

de Trás-os-Montes, repertório que ocupou quase 50% do total da actuação,

evidenciando desta forma a importância que o instrumento assumiu na região a

partir dos anos 1960, que se reflectiu nas opções tomadas pelos diferentes

folcloristas que realizaram recolhas na região.

O Fado Batido foi a penúltima composição. Esta foi recolhida por J. A. Sardinha

em Torres Vedras. A uma introdução lenta, realizada na gaita-de-foles

transmontana por Mário Estanislau, em que se fez uso de recursos estilísticos

como os vibratos e portamentos, seguiu-se a estrutura melódica AABB, tocada

alternadamente pelos vários elementos do grupo, repetida num total de doze vezes

num andamento cada vez mais acelerado.

O repertório apresentado pelo grupo ao longo da actuação reflecte revisitações ao

legado escrito e gravado, bem como a recolha junto de pessoas idosas (como refiro

na página 47). As recriações baseiam-se ainda em materiais sujeitos a releituras,

como no caso da última composição apresentada, Campanitas de Toledo, lhaço

dançado pelos grupos de pauliteiros mirandeses, recriada igualmente pelo Grupo

Galandum Galundaina e Grupo Som das Arribas.

Page 80: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

80

4. Conclusão

A ideologia ruralista centrada na preservação da tradição é princípio subjacente aos

grupos aqui apresentados. Em Galandum Galundaina e Som das Arribas, a prática

folclórica evidencia a necessidade de manutenção das tradições mirandesas. A

primeira forma de comunicação com o público ocorre quando estes se apresentam

em palco trajados, remetendo para a representação do espaço mirandês, evocando

um tempo passado e uma condição social. A “tradição mirandesa” apresentada

através da língua mirandesa, utilizada tanto nas alocuções proferidas, como nas

cantigas, reforça a diferença entre a população de Miranda e o resto do país e define

a identidade territorial de ambos os grupos. As duas actuações ocorreram em

espaços distintos e dirigiam-se a públicos diferenciados: Galandum Galundaina no

espaço mirandês, para um público conhecedor da língua e de todas as práticas

musicais associadas ao contexto, e Som das Arribas no distrito de Setúbal, perante

um grupo de cerca de quarenta pessoas com idades compreendidas entre os trinta e

sessenta anos, assistência pouco ou nada familiarizada com as tradições

mirandesas.

A reacção do público revelou-se passiva em ambos os casos. No grupo Galandum

Galundaina, das dez alocuções proferidas, oito apelam à dança, e no último tema o

público é quase forçado a dançar, pois o grupo pára a sua actuação. Apesar desta

actuação decorrer no espaço das tradições que se pretende representar, constata-se

que a maioria da população local pouco ou nada sabe sobre a sua música, ou não se

interessa por ela, à excepção de um pequeno grupo de entusiastas. Em Setembro de

2005, o grupo actuou no palco principal na Festa do Avante, no Seixal, perante uma

assistência superior em termos numéricos, onde a receptividade do público foi

bastante maior.

Na actuação do grupo Gaitafolia em Cacilhas, o público era composto por

entusiastas, conhecedores do grupo, e do seu repertório que interagiram com este ao

longo de toda a actuação, através de aplausos, da dança e do trautear da melodia. O

palco, quase invisível, estimulou a proximidade entre o público e grupo, anulando

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81

as fronteiras entre performadores e assistência. A (re)folclorização levada a cabo

pelo grupo inverte a relação distante entre performadores e público, geralmente

passivo, instituída no período do Estado Novo. O grupo estimula a participação de

todos e a performance envolve o grupo e toda a assistência.

A influência de Espanha, sobretudo da região da Galiza, é notória, e assumida por

todos os grupos. O grupo Gaitafolia apresenta na sua actuação composições da

região da Galiza e várias regiões de Portugal, entre as quais Miranda do Douro.

Galandum Galundaina e Som das Arribas baseiam o seu repertório em composições

mirandesas, que reflectem uma forte influência de Espanha, sobretudo da região de

Castela-Leão. Existem composições que são comuns às três actuações,

diferenciando-se pela abordagem feita por cada grupo. A abordagem feita pelo

grupo Gaitafolia é, por exemplo, resultado da negociação do espaço a representar, o

território português. As composições galegas interpretadas na “Gaita transmontana”

apresentam reconfigurações dessas melodias, transformando-as em novas

recriações.

O grupo Galandum Galundaina apresenta variações sobre temas mirandeses, ou

uma colagem de um desses temas com uma melodia galega ou asturiana

contrastante. Esta opção decorre da “necessidade” de diversificação, “imposta”

pelos mercados culturais e turísticos, bem como da partilha de linguagens musicais

com outros contextos.

A introdução de instrumentos como a sanfona ou a gaita-de-foles mirandesa por

parte do grupo Galandum Galundaina veio trazer à performance do grupo

“imagens” de exotismo que constituem capital artístico.

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VI. REPERTÓRIO

Neste capítulo pretendo reflectir acerca de alguns dos géneros musicais mais

significativos no repertório da gaita-de-foles, disseminados tanto em Miranda do

Douro como na área Metropolitana de Lisboa. O repertório da gaita-de-foles

reflecte, em primeiro lugar, a institucionalização do folclore no período do Estado

Novo, em segundo, a institucionalização da música instrumental associada ao

contexto rural, em terceiro lugar, as movimentações populacionais motivadas pela

migração e pelo turismo, e, por último, a circulação de informação pelos média,

bem como, a criação de imagens difundidas por estes meios.

Ao longo do século XX, estudiosos e colectores, convictos que a “tradição” estava

ameaçada pela modernização, entenderam que a melhor forma de contrariar as

tendências modernistas seria preservando-a através de recolhas de poesia, canções,

danças e diversos artefactos, dando origem ao aparecimento de cancioneiros e

romanceiros. As primeiras gravações resultantes de recolhas continuaram esta

tendência. Nos anos 1930, Schindler, procedeu à gravação e transcrição, nos

concelhos de Miranda do Douro e Vinhais, de romances e lhaços. Na mesma altura,

Gallop promovia a dança dos pauliteiros de Miranda do Douro na Inglaterra. Em

1959, Giacometti editava Chants et Danses du Portugal e a Antologia da Música

Popular Portuguesa, volume I, dedicado a Trás-os-Montes, dando especial atenção

ao canto e aos estilos musicais associados à dança, que continuaram a predominar

em trabalhos posteriores.

A importância dada à música instrumental no contexto rural português só se

manifestou a partir dos anos sessenta do século XX, com a publicação de

Instrumentos Populares Portugueses, obra pioneira neste domínio, e resultado de

um trabalho encomendado pelo serviço de música da Fundação Calouste

Gulbenkian a Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, onde estabeleceram

“uma divisão do país em correspondência com um determinado número de regiões

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83

músico-instrumentais, de acordo com as formas e manifestações musicais

características de cada uma, e o instrumento ou conjunto instrumental com que

estas eram realizadas” (Oliveira 11966

32000: 14).

Esta publicação viria a tornar-se referência para músicos, artesãos, folcloristas e

investigadores e, consequentemente, a influenciar todo o processo de

(re)folclorização em torno das práticas associadas à música instrumental no

contexto tradicional português, na transição do século XX para o século XXI. A sua

publicação, em 1966, assiná-la o início da institucionalização da música

instrumental associada ao contexto rural. Enquanto que a institucionalização do

folclore promoveu determinados comportamentos expressivos e estabeleceu uma

normalização dessas práticas, esta obra produziu regras que delimitaram o espaço e

o contexto performativo de cada instrumento dentro do território nacional. Isto

reflectiu-se nas opões estéticas dos GUR, que passaram a associar determinado

instrumento a uma região e a seguir essa regra na concepção da instrumentação.

Neste processo, a gaita-de-foles é tida como “o principal dos grandes instrumentos”

em Trás-os-Montes (Oliveira 2000: 105). Tinha como função assinalar o início da

festa, com a alvorada, estava presente no peditório, com os passacalhes e lhaços,

acompanhava a procissão, com as “marchas de procissão”, e dentro da igreja

intervinha na Elevação da Hóstia, com Santos ou no Beijai o Menino, nas

representações do presépio natalício (idem). Para além da função cerimonial,

acompanhava a dança em diversas ocasiões, como nos bailes realizados aos

domingos, em casamentos, ou noutros eventos de carácter profano.

1. Géneros instrumentais

O Passacalhes é um género musical associado às rondas, alvoradas e marchas de

procissão, com uma estrutura melódica composta por duas frases musicais curtas,

repetidas duas ou três vezes cada uma, numa métrica regular de 2/4 ou 4/4. A

designação de Passacalhes parece ter sido importada do espanhol, uma vez que o

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termo significa literalmente ronda pelas ruas (calhes em castelhano), tendo sido

adoptado por Ernesto Veiga de Oliveira em 1966 (Oliveira 2000: 108).

2. Géneros coreográficos

O repertório da gaita-de-foles reflecte a apropriação de algumas das práticas

associadas à dança e ao canto, presentes na componente performativa dos ranchos

folclóricos. Daí a institucionalização do folclore mirandês através de géneros como

os lhaços, repasseados e jotas. Todavia, a influência de Espanha, resultante de

movimentações populacionais e da circulação de informação pelos média, dá

também lugar à introdução de géneros e categorias como as muiñeiras, valsas, entre

outros.

Os lhaços, constituem o género musical associado à coreografia da “dança dos

paulitos”, no Concelho de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso. A estrutura

melódica (ABC) e a métrica regular de 2/4, são elementos que identificam este

género, em particular, a terceira secção, “bicha”, que é comum a todos eles (ver

transcrição de Campanitas de Toledo no anexo 3). A maioria consiste numa

estilização instrumental de uma melodia associada a uma canção, dança popular, ou

melodia mediatizada, que serve de auxiliar de memória para a coreografia. As

temáticas abordadas relacionam-se com a religião, agricultura, caça e vida

sentimental. Contudo, existem também lhaços sem letra, como o 25 Aberto, 25 de

Roda, Rodrigo, Salto ao Castelo, A Bicha, As rosas e Taira Grande. No repertório

actual mais tocado encontram-se os lhaços: Ofícios, Salto ao Castelo, Mirandum,

25 aberto, 25 de roda, La Yerba, La Bicha, Campanitas de Toledo e Acto de

Contrição.

Associados ao contexto profano, os bailes “no terreiro” eram uma prática comum

no meio rural na primeira metade do século XX. Estes marcavam o final das

celebrações religiosas ou, fora do contexto festivo, tinham uma função lúdica. De

entre as categorias mais representativas encontra-se o Repasseado. Este faz parte da

categoria de danças mistas praticadas no distrito de Bragança, caracterizado pela

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coreografia, com letra e repertório associado. A estrutura musical consiste em duas

frases, cada uma repetida duas vezes (ver anexo 3: repaseado, passeado, giriboilas).

A referir ainda as Jotas, que constituem um género musical associado a uma

coreografia de dança mista em círculo, caracterizada pela métrica regular de 3/4,

3/8 ou 6/8. Esta dança, executada em festas locais em Trás-os-Montes, tem na

maioria das vezes uma letra associada. A estrutura musical consiste em duas frases,

cada uma repetida duas vezes, em geral, frases muito curtas, (ver anexo 3:

Pandeiro). Este género tem uma grande expressão em Espanha, sobretudo na região

de Aragão.

Como resultado do processo de folclorização no âmbito dos ranchos folclóricos e

institucionalização do folclore mirandês, descrita no segundo capítulo (página 22),

géneros como os lhaços, repasseados ou jotas, que faziam parte das festividades

religiosas ou do contexto lúdico na região transmontana, começam a ser difundidos

nos circuitos turísticos e meios de informação e a ser apresentados fora do contexto

festivo rural, nomeadamente no meio urbano, sobre um palco. Investigadores e

folcloristas começam a dar uma maior atenção a estes géneros, que passam a ser

alvo de recolhas, edições e interpretações por parte dos GUR, como a Brigada Vítor

Jara (1979 e 1994), entre outros.

No processo de folclorização focado no primeiro capítulo, os géneros musicais

continuam a remeter para o contexto das danças, todavia, emancipam-se destas

tornando-se autónomos, passando a ser performados em palco, sem a componente

coreográfica. Uma série de categorias associadas à dança, onde se assumem

composições relativas a bailes paralelos, danças a pares ou bailes repasseados, são

recriadas e submetidas a releituras (Branco 1995: 170), abandonando o papel

funcional que tinham anteriormente, e os géneros musicais passam a ser

performados perante uma assistência passiva (ver programa apresentado pelo grupo

Galandum Galundaina na página 68 e grupo Som das Arribas, na página 72).

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Verifica-se ainda a introdução de repertório associado a outros contextos, sobretudo

da região da Galiza. Assim como o folclorismo em Espanha promoveu o flamengo

para consumo turístico dando-lhe um grande protagonismo (Manuel 1989, Martí

1998), na Galiza promoveu-se a gaita-de-foles e todo um conjunto de práticas

associadas à dança, em particular a muiñeira, numa apresentação da tradição como

objecto estético, lúdico e de consumo (Martí 1998: 338). As movimentações

populacionais deram origem à introdução deste repertório no contexto português.

A Muiñeira, associada à coreografia de uma dança na região da Galiza, caracteriza-

se pela métrica regular de 6/8, podendo em alguns casos encontrar-se também 2/4.

A estrutura musical é composta por duas frases, cada uma repetida duas vezes.

Maioritariamente acompanhada pela gaita-de-foles e tambor, ou pelo canto (que

pode ser performado sem a dança) e cujo texto é em regra composto por versos

decassílabos de quatro estrofes. Em Portugal, este género já faz parte do repertório

da gaita-de-foles (ver actuação de Gaitafolia no capítulo anterior), sendo

reconfigurado conforme as abordagens realizadas pelos agrupamentos.

3. Géneros vocais

Como observa E. V. Oliveira, “em Portugal, as gaitas de fole só em casos raros

acompanhavam o canto” (1966: 176) à excepção de certas danças, como o

Pingacho, o Galandum, etc., que também tinham parte vocal (idem), facto que

podemos contactar a partir dos registos áudio disponíveis. A institucionalização do

folclore mirandês não parece ter alterado este facto, contudo, o romance

acompanhado por instrumentos começa a fazer parte do repertório dos GUR,

sobretudo a partir dos anos 1980, em grupos como a Brigada Vítor Jara (1981,

1989) ou Gaiteiros de Lisboa (1995).

O romanceiro português tem, segundo Anne Caufriez, origem no romanceiro

espanhol e, desde o séc. XV, cantado na corte e nos meios rurais. A partir dos

séculos XV e XVI, os romances foram compilados em colecções e

progressivamente abandonados pelas classes eruditas no século XVII, passando

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87

apenas a fazer parte da cultura rural (1997: 13). Através de um estudo sobre o

romance em Trás-os-Montes, Caufriez constata que algumas das versões que se

cantam nas comunidades rurais actualmente são idênticas às dos cancioneiros do

século XVI (idem). Encontramos nos romances mirandeses temáticas religiosas,

pastoris, amorosas, guerreiras, entre outras. Estes eram cantados nos serões ou nas

festas religiosas, no contexto rural, ao longo do século XX. Como resultado do

recente processo de (re)folclorização, o romance começa a fazer parte do repertório

da gaita-de-foles, como se pode observar na actuação do grupo Grupo Galandum

Galundaina, em que a gaita-de-foles galega acompanhou o canto no romance Chin-

glin-din (ver página 68-69).

Para além do romance, outras melodias associadas ao canto, que foram

mediatizadas, são incorporadas no repertório da gaita-de-foles. A título de exemplo,

veja-se a composição Malmequeres, na actuação de Som das Arribas (página 74),

Maruja ou Fado Batido na actuação do Grupo Gaitafolia (página 77 e 79) ou o

repertório apresentado no E.N.G., descrito na página 61. Estas composições

assumem reconfigurações constantes, dando origem ao aparecimento de repertórios

que incluem elementos melódicos e tímbricos presentes em outros contextos, desde

revisitações da música erudita, aos géneros como o fado, música ligeira, etc.

4. Conclusão

A institucionalização do folclore no período do Estado Novo veio dinamizar uma

série de actividades em torno da dança, à qual era associada uma coreografia e

melodia com letra específica. A dança transforma-se num acto social importante na

vida aldeã, assumindo uma vertente de exibição que se dissemina pelo mundo rural

(Castelo-Branco & Branco 2003: 19). A passagem para o regime democrático não

provocou uma ruptura com estas práticas, pelo contrário, estas reforçam-se e

expandem-se, dando lugar a processos de (re)folclorização das práticas associadas

ao meio rural. Sendo a dança uma arte de síntese (Roubaud 2003: 337) e a política

do Estado Novo eminentemente estetizante (Alves 2003: 191), os ranchos

folclóricos tornaram-se um veículo importante na acção do SPN/SNI, uma vez que

Page 88: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

88

constituíam uma encenação protagonizada por indivíduos do mundo rural, usando

vestes que vinham de tradições remotas e formas de dança e música igualmente

antigas (idem: 204). Por conseguinte, a acção de divulgação destas práticas levou à

difusão e apropriação deste repertório pelos GUR no regime democrático, que o

exibem fora do contexto da dança, reflectindo uma visão crítica que estimula a

diversificação das abordagens da música tradicional.

Page 89: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

89

VII. NOVAS VIAS: Mudanças no ensino da gaita-de-foles

“A coisa muito antiga torna-se moderna”

Ernesto Martins Lhano

(Gaiteiro em Duas Igrejas)

Os gaiteiros mais idosos do concelho de Miranda do Douro desempenharam um

papel importante no ensino da gaita-de-foles, em especial Ângelo Arribas, e

recentemente o ensino promovido na Casa da Música Mirandesa. Em Lisboa,

destaca-se Paulo Marinho, cuja acção se desenvolve no Centro Galego (sedeado em

Lisboa), e a Escola da A.P.E.D.G.F..

Os ideais que motivaram a aprendizagem da gaita-de-foles incluem a recuperação e

manutenção das tradições rurais bem como a originalidade do instrumento nos

meios urbanos, sobretudo a nível tímbrico.

1. Miranda do Douro

Tal como a construção, a aprendizagem da gaita-de-foles processava-se através da

observação e da audição. Apenas no final dos anos noventa é que começaram a

surgir incentivos por parte da administração local (C.M.M.D./Juntas de Freguesia),

ou através de iniciativas particulares (Centro de Música Tradicional Sons da Terra),

com vista à formalização do ensino.

A aprendizagem auto-didacta é valorizada na conceptualização dos gaiteiros, como

forma de legitimação da autenticidade da música tradicional, sendo frequentes

afirmações como “aprendi a tocar sozinho, logo em criança”, nas quais está

implícito o conceito romântico de que a música é uma aptidão com a qual se nasce.

Neste contexto, a tradição familiar é importante verificando-se que grande parte dos

gaiteiros era filho de outros gaiteiros ou tinham um familiar que o era.

Ângelo Arribas é uma das figuras centrais no ensino da gaita-de-foles em Miranda

do Douro. Começou a tocar e a construir gaita-de-foles no final dos anos oitenta do

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90

século passado. Uma década mais tarde foi convidado para ministrar um curso de

gaita-de-foles, apoiado pela Associação para o Desenvolvimento integrado de

Palaçoulo e pela Câmara Municipal de Miranda do Douro. Depois deste ministrou

outros cursos em Cércio e, posteriormente, em Sendim, este último gerido pelo

Centro de Música Tradicional de Sendim, liderado por Mário Correia. Actualmente

Ângelo Arribas continua a dedicar-se ao ensino em Miranda do Douro, agora de

modo independente, sendo as aulas remuneradas pelos alunos. A maioria dos

jovens gaiteiros em actividade em Miranda do Douro teve o seu primeiro contacto

com o instrumento através de Ângelo Arribas. Depois da iniciação ao instrumento,

muitos procuraram outras formas de aperfeiçoamento da sua técnica em Espanha

em escolas junto à fronteira, ou como auto didactas aprendendo novo repertório

através da audição dos fonogramas disponíveis.

O método de ensino baseia-se na aprendizagem directa (Castelo-Branco 1994:

128). As aulas, em conjunto (entre sete a vinte alunos), integram alunos de várias

faixas etárias. A maioria das modas tem um texto associado. O orientador canta a

melodia e toca na gaita-de-foles e, em seguida, os alunos imitam cantando o que

ouviram, para depois executarem no instrumento.

“... Isto é como tudo, o que interessa é aprenderam uma moda, chega! A partir

daí é, mete-las todas no ouvido. Um indivíduo que saiba tocar uma moda na

gaita-de-foles ou na flauta, de resto é só meter modas no ouvido. Eu faço assim,

começo o curso… eu tenho feito assim, meto a alvorada que é a mais custosa, a

Alvorada é a mais comprida delas todas, quando souberem tocar a alvorada é só

meter o disco na cabeça. Porque eu hoje... aparece uma moda nova e aprendo. Eu

ensinei-lhes! Três ou quatro, ficaram a tocar nove, mas não precisava ensinar-

lhes as nove, só precisava de lhes ensinar uma… Depois ele começa a descobrir

as outras, é ele a aprende-las, porque a mim ninguém mas ensinou. Eu aprendi a

tocar uma, na flauta de lata, depois eu sentia alguém a cantar e… que moda é

esta?…, à já sei… e aprendia-a e a partir daí tocava-a na flauta…” (Entrevista a

Ângelo Arribas 5/8/2003).

Page 91: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

91

A Alvorada poderá não ser a mais difícil em termos técnicos, mas “é a mais

comprida delas todas”, desenvolvendo por isso a memória auditiva. Como nem

todos os alunos têm o mesmo ritmo de aprendizagem, no final do curso alguns dos

alunos aprendem todas as modas ensinadas, enquanto outros apenas duas ou três.

Outros, ainda continuam a tocar apenas na ponteira31

, sobretudo por razões

económicas, porque uma gaita-de-foles pode custar entre 250 a 700 euros.

Parte do repertório ensinado encontra-se transcrito no Cancioneiro Tradicional e

Danças Populares Mirandesas, da autoria de António Mourinho, podendo incluir

ainda canções mediatizadas.

Um dos traços estilísticos da prática performativa da gaita-de-foles é a

ornamentação. No final do ano lectivo alguns alunos já dominam algumas técnicas

de ornamentação, como o vibrato, os mordentes e trilos.

O impacte da mudança no processo de aprendizagem reflectiu-se sobretudo a nível

da organização dos agrupamentos. O ensino em conjunto criou a necessidade de

construir Gaitas com a mesma afinação. Para tal foi necessário construir, importar

da Galiza ou de outra região de Espanha, instrumentos afinados entre si. O ensino

processa-se em conjunto, estimulando assim o gosto pela criação de grupos de

Gaitas, situação pouco ou nada comum na região de Miranda do Douro, mas

frequente noutras regiões do país onde se encontram grupos de dois ou mais

gaiteiros32

, por vezes em conjunto com o clarinete ou outros instrumentos de sopro.

As instituições locais, nomeadamente a Câmara Municipal de Miranda do Douro,

começaram a ver no ensino da gaita-de-foles uma forma de preservação do

património local. Considerando a necessidade de criar um espaço adequado, com

vista ao desenvolvimento do ensino e da sociabilização gerada por esta prática, a

C.M.M.D. criou a Casa da Música Mirandesa, situada na antiga escola primária,

31

Designação em Miranda do Douro para o tubo melódico da Gaita-de-foles. 32

E. V. Oliveira apresenta através de registo fotográfico gaiteiros a tocarem em simultâneo na zona de Viana

do Castelo e em Barcelos a gaita com o clarinete e saxofone soprano (Oliveira 2000: 49 e 56).

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92

inaugurada a 10 Julho de 2004, e adquirida pela C.M.M.D. à Direcção-Geral do

Património do Estado por 115 mil euros, tendo a sua recuperação custado cerca de

300 mil euros. No edifício foi projectado o funcionamento de vários gabinetes, um

auditório e uma sala de exposições permanentes que darão a conhecer a cultura e

música mirandesas.

Com a criação desta instituição altera-se o espaço simbólico do ensino do

instrumento, que passa a estar centralizado na cidade de Miranda. A maioria dos

alunos são estudantes que têm aderido com entusiasmo. Segundo Paulo Meirinhos,

director da Casa da Música Mirandesa, no ano lectivo de 2004/5 inscreveram-se

sessenta e cinco alunos, quarenta dos quais frequentaram as aulas de gaita-de-foles,

guitarra e percussões. O método de ensino consiste sobretudo na audição e

reprodução da melodia, começando a ser introduzidos alguns conceitos teóricos e

iniciação à música escrita.

2. Lisboa

Paulo Marinho

Seguindo a mesma linha de orientação do ensino da gaita-de-foles em Miranda, ou

seja, a transmissão directa, surge o ensino no Centro Galego de Lisboa, orientado

por Paulo Marinho, ligado a este centro desde os anos oitenta, como saliento na

página 46.

Em 1997, Paulo Marinho promoveu um “workshop de gaita-de-foles”33

, que teve a

duração de três dias. Esta iniciativa decorreu nas instalações do Centro Galego de

Lisboa e foi divulgada pelo INATEL. O interesse demonstrado pelos participantes

levou Paulo Marinho a organizar um curso de gaita-de-foles no local. Como se

refere no capítulo III, a maioria destes alunos formaram o grupo Gaitafolia, que se

apresentou em público pela primeira vez após seis meses de aulas, em Junho de

1998 na Feira do Livro de Lisboa e, logo depois, na Expo 98 no âmbito do

33

Este não foi o primeiro workshop do género, como refiro na página 47, contudo foi o que teve um maior

impacto ao nível do ensino do instrumento em Lisboa.

Page 93: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

93

espectáculo dos Gaiteiros de Lisboa. Os elementos deste grupo nunca tinham tido

contacto com este ou outro instrumento, à excepção de dois ou três elementos que

já tinham pertencido a grupos de Música Tradicional ou frequentado a Escola

Profissional de Música de Almada. Trata-se de uma decisão de um indivíduo, Paulo

Marinho, ao qual se associou um pequeno grupo de militantes, que passou a

organizar determinadas actividades para a promoção da prática da gaita-de-foles.

Em 2000, procurando alargar o ensino do instrumento a outras zonas da área

metropolitana de Lisboa, Paulo Marinho promoveu o ensino em Alhos Vedros e

Pinhal Novo, em conjunto com Vítor Félix. Foi no curso de Alhos Vedros que tive

o primeiro contacto com as aulas de gaita-de-foles e que conheci pessoalmente

Paulo Marinho e Vítor Félix. Na forma de ensino e nas expressões dos seus

dirigentes já estava patente a vontade de institucionalização do ensino do

instrumento, “oficialização e reconhecimento por parte das entidades oficiais

competentes” (Marinho, Março de 2002 - brochura distribuída no 2º E. N. G.).

Quando em 2003 os sócios da Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação

da gaita-de-foles elegeram novos órgãos de direcção, surgiram dois espaços de

ensino: o Centro Galego, onde Paulo Marinho continua a leccionar, em conjunto

com um antigo aluno, Gonçalo Marques, e a escola da A.P.E.D.G.F., que funciona

em Almada, num espaço cedido pela Sociedade Filarmónica Incrível Almadense.

A maioria dos alunos orientados por Paulo Marinho continuou ligado a actividades

relacionadas com a gaita-de-foles, quer através da participação nas actividades da

A.P.E.D.G.F., quer no aprofundar de conhecimentos em outros contextos, como a

Galiza, nomeadamente na Universidade Popular de Vigo, ou mesmo a Escócia.

A Escola da Associação Portuguesa Para o Estudo e Divulgação da gaita-de-

foles

Na escola da A.P.E.D.G.F. manifesta-se a vontade de tornar oficial o curso de

gaita-de-foles. Seguindo o modelo de ensino da Universidade Popular de Vigo, na

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94

divulgação da escola refere-se que o curso, “para além de se destinar a ensinar a

tocar gaita-de-foles, inclui noções teóricas e práticas de afinação, solfejo, técnicas

de execução e adornos, conceitos fundamentais de história do instrumento,

etnomusicologia e contextos culturais, etc, com os quais se procura formar não

apenas simples músicos ou gaiteiros, mas também pessoas atentas, capazes de

interpretar e avaliar a riqueza do instrumento e o contributo português para a sua

diversidade mundial” (http://www.gaitadefoles.net).

A introdução do termo Etnomusicologia nos objectivos da escola funciona como

validação do ensino, no sentido em que este domínio de investigação, segundo a

visão émica dos dirigentes da escola, se ocupa do estudo da “música étnica”,

conceito que para o senso comum, corresponde à música tradicional de cada país,

que permanece sobretudo nos meios rurais e que conseguiu, de alguma forma,

resistir às mudanças provocadas por influências externas. Esta visão não

corresponde totalmente ao âmbito de estudo da disciplina, para a qual toda a cultura

expressiva musical é étnica, e por isso passível de se enquadrar nos objectivos da

disciplina. Deste modo, a Etnomusicologia pode debruçar-se sobre questões

relacionadas com culturas musicais que poderão ir desde Bach até ao grupo

Gaitafolia, que podem ser analisadas segundo uma perspectiva etnomusicológica.

Nos cursos de iniciação à gaita-de-foles é feita uma abordagem à morfologia e

história do instrumento e os alunos recebem uma flauta de bisel, onde são alteradas

as dimensões do primeiro e terceiro orifícios, correspondentes às notas “dó” e “mi”,

respectivamente. Esta alteração tem como objectivo aproximar a escala da flauta à

escala produzida pela gaita-de-foles.

A aprendizagem da execução do instrumento baseia-se na reprodução de um som

contínuo, como o que é produzido pela gaita-de-foles. Aprendem-se pequenas

melodias que fazem parte do repertório tradicional português e galego. As aulas são

na maioria práticas e alguns alunos gravam as melodias como auxílio à

memorização. A passagem para a gaita-de-foles faz-se ao fim de algumas aulas,

Page 95: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

95

com instrumentos que pertencem à A.P.E.D.G.F. e que esta disponibiliza a todos os

alunos.

No curso de iniciação à gaita-de-foles da A.P.E.D.G.F. para o ano lectivo de

2003/434

já existia um manual, onde estavam representadas em notação

convencional, a maioria das melodias ensinadas no curso (três portuguesas e três

galegas). Este manual foi redigido por Miguel Costa (discente no curso de

Antropologia); Gonçalo do Carmo (discente no curso de Ciências Musicais e do

Curso de Guitarra na Academia de Amadores de Música); Francisco Pimenta

(Arqueólogo), todos eles membros da A.P.E.D.G.F. e ex-alunos de Paulo Marinho.

O manual apresentava alguma informação a nível histórico e morfológico do

instrumento, bem como noções elementares de afinação e manutenção. Na parte

final do manual um esquema sobre a digitação da gaita-de-foles galega e

transmontana construída pelos artesãos afectos à associação.

Relativamente à minha experiência pessoal, a afinação foi uma questão

problemática na aprendizagem da gaita-de-foles. A minha formação anterior

desenvolveu a minha audição segundo a escala temperada. Quando iniciei as aulas

de gaita-de-foles, em Alhos Vedros com Paulo Marinho, tive alguma dificuldade

em adaptar-me à escala ensinada, a qual não correspondia à que o meu ouvido

estava habituado. Foi necessário algum treino para me adaptar aquilo que o meu

cérebro entendia por “completas desafinações”. Para alguém que tem o primeiro

contacto com música através do ensino da gaita-de-foles, estas são questões que

não se colocam.

Encontramos alguma relação na terminologia usada na Galiza e na música erudita.

Por exemplo, um dos ornamentos usado o trino, não é mais do que o

correspondente ao trilo. Quando questionei os orientadores do curso relativamente

a estas designações, obtive a resposta de que a escolha desta terminologia e não a

34

Os cursos da A.P.P.E.D.G.F. decorreram na Sede da Sociedade Incrível Almadense, em Almada.

Frequentei este curso entre Janeiro e Maio de 2004.

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96

usada na música erudita, se devia ao facto do instrumento pertencer aos

instrumentos tradicionais e por isso não se usar esse tipo de terminologia.

3. Conclusão

A aprendizagem directa, a criação de espaços específicos nos meios urbanos, a

introdução de conceitos teóricos e iniciação à música escrita constituem as

principais alterações no ensino da gaita-de-foles. Estas representam um modelo de

ensino implementado na Galiza nos anos 1980, que começa a ser seguido em

Portugal, contribuindo para a diversificação dos agrupamentos que integram o

instrumento nas suas actuações e despertando o interesse por outros contextos

musicais onde este assume uma posição de destaque na cultura local.

A institucionalização do ensino teve impacte na prática performativa da gaita-de-

foles. O ensino ministrado em conjunto (com diversas gaitas de fole em

simultâneo) deu lugar a uma maior exigência relativamente à afinação e às técnicas

de execução do instrumento, conduzindo a uma maior complexidade nas melodias e

introdução de composições a duas ou três vozes. O gaiteiro deixou de estar

associado apenas ao meio rural, para adquirir o estatuto de músico urbano.

Page 97: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

97

VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste estudo pretendi analisar o processo de (re)folclorização das práticas

musicais associadas à gaita-de-foles em Miranda do Douro e na área metropolitana

de Lisboa, no período entre 1999 e 2004. Como observa o Professor Jorge de

Freitas Branco, “processos deste tipo só podem ser idealmente periodizados por

datas ou acontecimentos” (1995: 169). Para a (re)folclorização das práticas

associadas à gaita-de-foles sugiro o ano de 1998, com a última exposição Mundial

do século XX que decorreu em Lisboa, a Expo 98. Este acontecimento, pela sua

dimensão e multiplicidade de iniciativas nele compreendidas, fez-se de

cruzamentos vários (Santos 1999: 20). Muito notório no momento do evento, foi o

que se poderá chamar de “interiorização de uma nova imagem das artes em

Portugal, tecida no equilíbrio tenso entre a revisitação de patrimónios culturais e a

expectativa de propostas culturais actuais e futuras” (Idem: 118).

A institucionalização do folclore durante o período do estado Novo teve impacte

nos processos de construção das práticas performativas tidas por tradicionais, que

se viria a repercutir até aos dias de hoje. A intervenção da FNAT no processo de

folclorização organizou-se, essencialmente, em torno de um conjunto restrito de

práticas culturais, destacando-se as festas do trabalho, os festivais e sobretudo as

intervenções dos ranchos folclóricos (Melo 2003: 50).

Actualmente assiste-se um pouco por todo o país a acções que visam preservar a

música instrumental associada ao contexto rural, através de processos de

(re)folclorização de instrumentos tais como: a concertina, a rabeca, a viola

braguesa, no Minho; a palheta, o bombo, o adufe, na Beira Baixa; a flauta de

tamborileiro, a gaita-de-foles em Trás-os-Montes; a viola campaniça, no Alentejo,

etc. Motivados por uma ideologia centrada na preservação da tradição, mediadores,

agentes e entusiastas promovem encontros, festivais, seminários e workshops onde

se identifica a tradição e se produzem “objectivações” (Handler 1988).

Page 98: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

98

Como observa Vasconcelos, através da objectivação da cultura e da invenção das

tradições, os movimentos que pretendem ver reconhecida a autonomia política de

um grupo humano ou território, tendem a acentuar a regionalidade, a nacionalidade

ou a etnicidade como elemento essencial. Existe uma notória continuidade entre as

práticas e os artefactos que foram monumentalizados pelos primeiros descobridores

da “cultura popular” e daqueles que se dedicam a mantê-los vivos (Vasconcelos

1997), como se faz notar na acção dos agentes envolvidos no processo de

(re)folclorização associado à gaita-de-foles. Fortemente influenciados pelas

recolhas dos folcloristas e etnógrafos ao longo do século XX e, principalmente,

pelo trabalho de E. V. Oliveira, estes agentes actuam sobretudo nas zonas onde

Oliveira encontrou uma maior representatividade do instrumento: “no Alto Trás-os-

Montes, de Chaves a Freixo de Espada a Cinta, e mormente nas zonas fronteiriças,

norte e leste; e nas terras baixas ocidentais do Minho ao Tejo (Alto Minho, região

de Coimbra e Estremadura) ” (1966: 171), recuperando práticas instituídas pelo

processo de folclorização da música instrumental.

Com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia e a consequente concertação

da política agrícola, o meio unificador da ruralidade orientado para os ciclos de

produção agrícola deixou de ser referência para a maioria da população.

Confrontados com as sucessivas deteriorações das suas condições de vida, grandes

franjas da população rural saíram em busca de melhores oportunidades, provocando

a erosão demográfica de vastas zonas do interior. Como consequência desse

abandono, o meio rural despovoou-se. Estando as práticas performativas da gaita-

de-foles associadas sobretudo ao contexto rural festivo, com este despovoamento

entram em desuso, e passam a fazer parte do contexto urbano, através de

elaborações cénicas de aspectos do passado recriados pelos GUR. A maior parte

destes grupos não baseiam o seu repertório em recolhas de primeira-mão, mas sim

em recriações submetidas a releituras (Branco 1995: 170), em que o estilo

interpretativo pretende representar ou construir algo a partir da reflexão, marcada

pela diferença. Os grupos (re)inventam o que afirmam ser o passado e as tradições,

mobilizando sentimentos, (re)pensando os eixos e os fluxos centro/periferia,

Page 99: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

99

envolvendo-se num diálogo com a nação e os diversos poderes (locais, regionais)

(Raposo 2002:110).

O despovoamento do meio rural cria a necessidade de inverter esta tendência

através da criação de actividades geradoras de emprego, revitalização da vida

social, criação de condições necessárias à fixação das pessoas de forma integrada,

sustentada e global. A música tradicional pode, no âmbito do desenvolvimento

regional (Neves 2000: 31), desempenhar um papel relevante, não apenas na

valorização da tradição e na fixação de pessoas à terra, como também na criação de

outras fontes de rendimento, para além da agricultura. Esta actividade pode

justificar a recuperação de outras em vias de extinção, nomeadamente as que se

relacionam com a manufacturação de instrumentos tradicionais, como acontece, de

resto, em algumas regiões da vizinha Espanha e, que entraram em declínio face à

padronização da fabricação artesanal. O caso espanhol serve de modelo e influencia

a acção dos agentes em ambos os contextos. Como observa Martí, o nacionalismo é

um recurso cultural que permite aglutinar indivíduos através da manipulação de

sentimentos de etnicidade, através da criação de laços internos de solidariedade,

assim como, o estabelecimento de fronteiras que são justificadas ideologicamente

(1996: 38). A gaita-de-foles na Galiza tem essa função. É comum encontrarem-se

grupos de gaiteiros em todas as festas na Galiza, apesar de nem sempre se dançar

ao som da sua música. Neste contexto, os grupos de gaiteiros têm uma função não

só ornamental, como também ideológica, que representa uma interpretação da

história galega (1998: 326). A interpretação da história galega conduziu à

mistificação das origens celtas na cultura galega, e a partir do uso manipulador das

fontes, alguns investigadores teimam em provar que a música popular galega é

pentatónica, dada a associação que se faz do pentatonismo à “música celta”. O

celtismo manifesta-se na Galiza através dos castros, da criação de pubs, de festivais

de “música celta” e a inclusão de composições irlandesas por parte dos

agrupamentos. Todas estas manifestações são muito bem recebidas pelo público

(idem: 331).

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100

Em Portugal este fenómeno começa a manifestar-se através da acção dos agentes

envolvidos na (re)folclorização das práticas musicais associadas ao contexto rural:

as visitas turísticas aos castros celtas em Miranda do Douro, o Festival Intercéltico

de Sendim, bem como a influência da música irlandesa com a introdução de

composições irlandesas, evidenciam esta tendência.

A recriação do sistema musical do passado foi definida por Rosenberg como

“agregados contextuais de partilha de repertório, instrumentação e estilo

performativo, geralmente entendido como sendo histórica e culturalmente limitado

por factores de classe, etnicidade, raça, religião, comércio e arte” (Rosenberg

1993). Os significados através dos quais as etnicidades se definem na música estão

relacionados com as relações de poder que existem entre os grupos (Stokes 1995),

nomeadamente dos agentes, enquanto criadores de identidades locais. Deste modo,

o interesse pela preservação do património tradicional musical deixou de ser alvo

exclusivo de estudiosos, para fundamentalmente ter por base as associações e os

próprios grupos, ou seja, a preservação e a recolha musical deixou de ser realizada

de fora para dentro da comunidade, para ser feita pela própria comunidade, e a

partir desta o mundo exterior tomar conhecimento. Em Miranda do Douro, a

autarquia tem desempenhado um papel importante nesta acção de recolha e

divulgação da música tradicional, tanto ao nível do apoio financeiro, logístico e

técnico aos grupos, como às associações. Estas últimas incluem nas suas funções,

não só a divulgação, como também a preservação do ensino, contribuindo deste

modo para a construção da identidade local. A escolarização dos jovens, ao faze-los

sair das suas terras para prosseguirem os seus estudos, coloca-os no papel de jovens

urbanos, com gostos e preferências diferentes das locais, que produzem alterações e

diferentes abordagens à música tradicional (Grupo Galandum Galundaina).

A alteração dos métodos de ensino da gaita-de-foles produziu efeitos sobre a

prática musical, nomeadamente, o surgimento de mais jovens interessados em

aprender a tocar; o desenvolvimento da técnica de execução do instrumento, em

Page 101: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

101

busca de virtuosismo; uma maior exigência ao nível da apresentação em público,

em virtude da criação de um público cada vez mais conhecedor e exigente;

alterações em termos de conteúdo de repertório, com a introdução de composições

da música erudita, ou outros contextos musicais, sobretudo contextos onde o

instrumento tem bastante representatividade, como a Galiza, Irlanda ou Escócia.

Esta alteração reflecte a institucionalização do ensino na Galiza, derivada da

criação de escolas como a Universidade Popular de Vigo, a Escola Provincial de

Gaitas de Ourense e muitas outras. O ensino, dinamizado pelos vários agentes,

produziu alterações no estilo interpretativo, influenciadas pelas diferentes

ideologias subjacentes. Estas manifestam-se não só em termos de postura em palco,

desfile e repertório, como também através da afinação e timbre do instrumento. As

diferentes abordagens conduziram a formações instrumentais diversas, que incluem

não só instrumentos de percussão, o que levou, por um lado, a alterações na escala

e um maior rigor na afinação do instrumento, e por outro, a mudanças na sua

morfologia, com a criação da “Gaita transmontana” e/ou “Gaita mirandesa”. “O

fabrico artesanal, aspecto rude, pesada e grossa, de boa sonoridade plena e forte”

(Oliveira 1966: 176) são recuperados por artesãos que pretendem (re)inventar a

tradição (Hobsbawm 1997: 12). Em 1966 Oliveira encontrou “o fabrico (...) em

total decadência, a maioria dos gaiteiros aspirava apenas possuir uma vistosa e fina

Gaita galega, os instrumentos que vemos nas suas mãos são praticamente todos

dessa proveniência e os velhos tipos nacionais perderam-se completamente”

(Oliveira 1966: 176). Em torno da recuperação dos “velhos tipos nacionais”,

inventam-se tradições, que afirmam ser o seu passado e tradições, dando origem ao

aparecimento de uma comunidade cada vez menos “imaginada” (Anderson 1983).

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102

BIBLIOGRAFIA CITADA

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Fiêsta de la Gaita de Fuôlhes: Pruôba Miranda de L Douro, rec. 1999, Sons da

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Gaiteiros de Lisboa. Bocas Do Inferno. Farol FAR (1997)

Gaiteiros de Lisboa. Novas vos Trago. Tradison TRA (1998)

Gaiteiros de Lisboa. Dançachamas. Farol FAR (2000)

Galandum Galundaina. Modas i anzonas. EMTCD 088/05 (2005)

Galandum Galundaina. I Purmeiro. EMTCD 055/02 (2002)

Gueiteiros de L Praino Mirandés, Rezosa 98, Fuônte Aldé - Miranda de L Douro,

rec. 1998, Sons da Terra, STMC 9904 (1999)

José Francisco Rodrigues, Gaiteiro de Serapicos, Vimioso, rec. 1999, Sons da

Terra, STMC 9909 (1999)

José Maria Fernandes, rec. 1999, Sons da Terra, STMC 0014 (2000)

Lenga Lenga: Gaiteiros de Sendim. Ao vivo no IV Festival Intercéltico de Sendim.

rec. 2003, Sons da Terra (2004)

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Pica Tumilho, Agricola Rock Band, Sons da Terra (2000)

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Songs and Dances of Portugal, rec. 1929-1990, Portugalsom-Stauss (1991)

ENTREVISTAS CITADAS

Ângelo Arribas - 31/03/2002, 05/08/2003

António Carção – 2/08/2004

A. Mourinho – 29/04/2002

Belmiro Carção – 7/08/2003

Célio Pires – 4/08/2004

Desidério Afonso – 2/05/2002

Henrique Fernandes – 3/05/2002

José Gomes – 19/11/2004

Manuel Martins – 6/08/2004

Mário Correia – 30/04/2002, 7/08/2003

Mário Estanislau – 8/06/2003

Paulo Preto – 31/07/2004

Telmo Ramos – 2/08/2004

Vítor Félix - 10 e 11/06/2003

Page 112: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

112

ANEXOS

Page 113: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

113

1. Programação do Festival Intercéltico de Sendim entre 2000 e 2005

2000 2001 2002 2003 2004 2005

Portugal

♫ Galandum

Galundaina

(Miranda do

Douro)

♫ Realejo

Coimbra

♫ Gaiteiros de

Lisboa

(Lisboa)

♫ Portal Vótis

(Porto/Miranda)

♫ Lenga-

Lenga

(Sendim)

♫ Marenostrum

(Tavira)

♫ Mu

(Porto)

Espanha

♫ Camerata

Meiga

(Galiza)

♫ Asturiana

Mining

Company

(Asturias)

♫ Na lua

(Galiza)

♫Felpeyu

(Asturias)

♫ Os

Xarelos

(Galiza)

♫ Antubel

(Castela e Leão)

♫ Xuaco

Amieva

(Asturias)

♫ Liorna

(Galiza)

♫ Leilía

(Galiza)

♫ Tejedor

(Asturias)

♫ Balbarda

(Castela e

Leão)

♫ Luétiga

(Galiza)

♫ Milladoiro

(Galiza)

♫ Llangres

(Asturias)

♫ La Musgaña

(Castela/Leão)

♫ Xosé

Manuel

Budiño

(Galiza)

♫ La Bruja

Gata

(Madrid)

♫ Les

Violines

(Catalunha)

♫ N'Arba

(Astúrias)

♫ Eliseo

Parra +

Tactequete

(Castela,

Leão

Escócia ♫ Bùrach ♫ Wolfstone ♫ Fred

Morrison e

Jamie

McManemy

Inglaterra ♫Oysterband

Irlanda ♫ Dérvish

Suécia ♫ Hedningarna

Quadro 1 – Programa do recinto principal

Page 114: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

114

2000 2001 2002 2003 2004 2005

Portugal

♫ Pïca

Tumilho

(Sendin)

♫ SangriSulta

(Sendim)

♫*Mandrágor

a (Porto) 35

♫* Comvinha

Tradicional

(Porto)

♫* Lelia

Doura

(Porto)

♫* Lenga

Lenga

(Sendin)

♫* Animação

espontânea

por gaiteiros e

tamborileiros

♫* Pauliteiras

de Valcerto

(Mogadouro)

♫* Animação

espontânea

por gaiteiros e

tamborileiros

♫* Gaiteiros

de Moimenta

(Vinhais)

♫* Animação

espontânea

por gaiteiros e

tamborileiros

Espanha ♫* Os

Xarelos

(Galiza)

♫* Ultreia

(Galiza)

♫* Gaiteiros

Los Yerbatos

(Galiza)

Canadá ♫ Judith

Cohen -

Tamar Adams

Quadro 2 – Programa da “Taberna dos Celtas”

2000 2001 2002 2003 2004 2005

Portugal

♫ Gaiteiros

tradicionais

♫ Gaiteiros

Mirandeses

♫ Gaiteiros

do Centro de

Música

Tradicional

Sons da Terra

♫ Encontro

de

musiqueiros:

concertinas do

Minho.

♫ Pauliteiras

De Valcerto

(Mogadouro)

►Teatro

Peripécia

♫ Fiesta de

Los Rigaleijos

(Tierra de

Miranda)

♫ Gaiteiros

de Moimenta

(Vinhais)

Espanha

♫ Bandas de

Gaitas da

Galiza

♫ Bandas

de Gaitas de

Verin

(Galiza)

♫1º Encontro

de

Tamborileiros

das Terras de

Sayago e

Miranda

♫ Grupo de

Bombos de

Terruel

(Aragão)

♫ Los

Yerbatos

(Astúrias)

♫ La Bandina

'l Tombo

(Astúrias) –

►Teatro -

Ritual

Mágico-

Céltico

(Astúrias)

Quadro 3 – Programa da animação de rua

35

* Os grupos marcados com este sinal usam Gaita-de-foles nas suas performances.

Page 115: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

115

2. Grupos participantes no Encontro Nacional de Gaiteiros entre 2001 e 200436

Dis

trit

os

I E.N.G.

Pinhal Novo- 2001

II E.N.G.

Stª Mª da Feira-2002

III E.N.G.

Stª Mª da Feira- 2003

IV E.N.G.

Fundão – 2004

BR

AG

AN

ÇA

► Ângelo Arribas,

“Gaiteiros da

Freixiosa” –

Miranda do Douro

► Desidério

Afonso “Os

gaiteiros dos

Pauliteiros e São

Martinho” –

Miranda do Douro

► José Maria

Fernandes,

“Gaiteiros de

Urrós” –

Mogadouro

►Henrique

Fernandes,

“Gaiteiros de

Sendim” - Sendim

► Desidério Afonso

“Os gaiteiros dos

Pauliteiros e São

Martinho” – Miranda

do Douro.

►Abílio Topa,

"Gaiteiros de Bila

Tchana de

Barcenosa" - Miranda

do Douro

►Célio Pires,

Aureliano Ribeiro,

David Domingos,

Sérgio, “Gaiteiros de

Constantim” –

Miranda do Douro

►José Maria

Fernandes – “Gaiteiro

de Urrós”,

Mogadouro

►José Francisco

Rodrigues, “Gaiteiros

de Serapicos” –

Vimioso

►Xavier Rodrigues,

Gaiteiro de Palaçoulo

- Miranda do Douro

►Henrique

Fernandes, "Lenga

Lenga" - Sendim

►José Maria

Fernandes, "Gaiteiro

de Urrós" -

Mogadouro

►Aureliano Ribeiro,

Célio Pires e

Desidério Afonso,

"Gaiteiros de La

Raia" - Constantim

►Abílio Topa,

"Gaiteiros de Bila

Tchana de

Barcenosa" - Miranda

do Douro

►Eduardo veiga

“Gaiteiro Dias” -

Deilão – Bragança

►Ricardo Cavaleiro

& Bruno Berça,

“Gaiteiros Tíbia” -

Bragança

► Ângelo Arribas,

“Gaiteiros da

Freixiosa” - Miranda

do Douro

►Zéfiro Galvão –

Miranda do Douro

►Gaiteiros de La

Raia – Constantim (só

no domingo)

►José Francisco

Rodrigues & André

Rodilhão, “Gaiteiros

de Serapicos” –

Vimioso

►José Maria

Fernandes – “Gaiteiro

de Urrós”,

Mogadouro

►Henrique

Fernandes, “Lenga-

Lenga” - Sendim(só

no domingo)

VIL

A R

EA

L ► Manuel, Luis,

Fábio Machado,

Horácio Rodrigues,

"Grupo de Gaiteiros

de Sanfins do Douro”

- Alijó

36

Os gaiteiros estão agrupados por distrito. As cores servem para uma melhor visualização dos mesmos ao

longo dos vários E.N.G..

Page 116: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

116

BR

AG

A

►Constantino

Teixeira & Fausto

Gonçalves, “Grupo

de Zés Pereiras Ida

e Volta” - Braga

►Constantino

Teixeira & Fausto

Gonçalves, “Grupo

de Zés Pereiras Ida e

Volta” - Braga

► Aníbal Santos,

António Anibal,

Bruno, Adelino, José

Silva, Grupo de Zés-

Pereiras "Os

Cartolas" -

Barcelinhos –

Barcelos

PO

RT

O

►António Ribeiro,

“Toni das Gaitas” –

Porto

►António Rangel;

Filipa Santos &

Paulo Marcelo,

“Lélia Doura” –

Porto.

►António Rangel;

Filipa Santos, José

Luís & Paulo

Marcelo, “Lélia

Doura” – Porto.

►António Ribeiro,

“Toni das Gaitas”

"Gaiteiros Nacionais"

– Porto

►Toni das Gaitas,

"Gaiteiros Nacionais"

- Porto

► Grupo de gaitas

"Lélia Doura" – Porto

►Toni das Gaitas,

"Gaiteiros Nacionais"

– Porto (só no

domingo)

AV

EIR

O

►Hélio Sequeira

do Passo “Os cinco

unidos”–

Albergaria a Velha

►Joaquim Torres

“Os amigos da

Rambóia” –

Mealhada

►José

Albuquerque, ”Os

três unidos” –

Mealhada

►Carlos Alberto

Carvalho, “Grupo

Raimundo” – Luso

►José Albuquerque,

”Os três unidos” –

Mealhada

►Joaquim Pereira,

“Os Carriços” –

Mealhada.

►Raul Pires, "Os

Reis da Farra" –

Anadia

►Joaquim Torres,

"Os amigos da

Rambóia" –

Mealhada

►Fabiano, “Grupo de

Gaiteiros “Os Reis da

Farra” - Anadia

►Fernando

Guerreiro, Natanael,

Marta Alexandra,

“Popularis” – Anadia

►Joaquiam Torres,

“Os amigos da

ramboia” – Mealhada

►Fábio João37

, “Os

três unidos” –

Mealhada

GU

AR

DA

►Manuel Lima,

Armindo Azevedo,

Ricardo Lima, Jorge

Gonçalves, Grupo de

Zés-Pereiras "Os

Divertidos" - Delães,

Famalicão

►Alberto Lima &

José Cunha, “Grupo

de Zés-Pereiras "Os

Delaenses" - Delães,

Famalicão

37

Fábio João é neto de José Albuquerque que era o gaiteiro do grupo e faleceu.

Page 117: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

117

CO

IMB

RA

►Eduardo

Carvalho “Os

Carvalhos” –

Ribeira de Frades

►Flamínio

Rodrigues “Os

Heróis do

Mondego” – Torres

do Mondego

► Mário Manuel

Antunes “Os três

Unidos” – Ceira.

► Eduardo Paiva

“Gaiteiros do Céu”

– Miranda do

Corvo

►José Monteiro

Machado “Os

primos” - Coimbra

►José Neves Simão,

“ Gaiteiros do

Mondego” – Ribeira

de Frades.

►Manuel Marques

Figueira, Condeixa a

Nova.

►João Santos

Pereira, “O Três de

Portugal” -

Cantanhede

►Flamínio

Ridrigues, "Os Heróis

do Mondego" –

Torres do Mondego

►Eduardo Carvalho

“Os Carvalhos” –

Ribeira de Frades

►José Maria

Craveiro, “Gaiteiro

de Chelo” – Luso.

► Mário Manuel

Antunes “Os três

Unidos” – Ceira.

►Fausto Rosa, "Os

Três Amigos" –

Coimbra

►"Os Dinâmicos",

Gaiteiros de Paleão -

Soure

►Flamínio de

Almeida, "Os Heróis

do Mondego" –

Torres do Mondego

►António Cupido,

“Os Gaiteiros da

Alegria” –Soure

►Carlos Martins,

“Os Dinâmicos” –

Soure

►João Santos

Pereira, “O Três de

Portugal” -

Cantanhede

LE

IRIA

►Joaquim António

Silva & Sérgio

Fialho Pereira –

Caldas da Rainha

►Júlio Ferreira –

Pombal

►"Os Novos

Gaiteiros"

►Silvino, Os

"Barulhentos de

Charneca" - Pombal

►Sérgio Fialho

Pereira & João Faria,

“Gaiteiros das Caldas

da Rainha” – Caldas

da Rainha

►Mário Neto,

Moisés & Júlio Orfão,

“Gaitilena - Gaiteiros

da Batalha” - Batalha

SA

NT

AR

ÉM

►Júio Ferreira

Oliveira “Gaiteiros

do Espírito Santo

do Carregueiro” –

Tomar

►Júlio Ferreira

Oliveira, Joel Batista,

hugo Santos,

“Gaiteiros do Espírito

Santo do

Carregueiro” –

Tomar

►José Salvado, “Os

Amigos de

Lamarosa” - Torres

Novas

►Júlio Ferreira

Oliveira, Joel Batista,

hugo Santos,

“Gaiteiros do Espírito

Santo do

Carregueiro” – Tomar

Page 118: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

118

LIS

BO

A

►Emídio José

Gomes – Lourinhã

►Joaquim Roque -

Torres Vedras

►Mário Estanislau

– Torres Vedras

►Banda de Gaitas

Gaitafolia - Lisboa

►Mário Estanislau –

Torres Vedras

► Paulo Marinho,

Francisco Pimenta,

Gonçálo Marques,

Ricardo Garcia, João

Ventura, Miguel

Mimoso, José

Gomes, Miguel

Pedreira & Vitor

Félix, “Grupo de

Gaiteiros "Gaitafolia"

– Lisboa

►Joaquim Roque -

Torres Vedras

►Emídio João

Gomes, “Gaiteiro de

Casalinho das

Oliveiras” - Lourinhã

► Grupo de

Gaiteiros "Gaitafolia"

– Lisboa

►Joaquim Roque -

Torres Vedras

►Emidio Gomes,

"Gaiteiro de

Casalinho das

Oliveiras" – Lourinhã

►Joaquim Roque -

Torres Vedras

►Gaitafolia

(Associação Gaita de

Foles) – Lisboa

►Emídio João

Gomes, “Gaiteiro de

Casalinho das

Oliveiras” – Lourinhã

►Paulo Marinho,

“Os anaquinos da

Terra”, Lisboa (só no

domingo)

SE

BA

L

►António dos

Santos Costa &

Manuel dos Santos

Costa “Gaiteiros

dos Olhos de Água

– Pinhal Novo

►António

Bernardo

“Toniber”

“Gaiteiros da Fonte

da Vaca”– Pinhal

Novo

►Porfírio

“Gaiteiros da

Carregueira” –

Pinhal Novo

►António dos Santos

Costa & Manuel dos

Santos Costa

“Gaiteiros dos Olhos

de Água – Pinhal

Novo

►António Bernardo

“Toniber” “Gaiteiros

de Fonte da Vaca”–

Pinhal Novo

►Porfírio Cardoso

Almeida, "Gaiteiros

da Carregueira" –

Palmela

►José Negreiros,

Ana Pereira,

“Gaiteiros do Grupo

Bardoada” - Pinhal

Novo

►Porfirio Cardoso

Almeida, “Gaiteiros

da Carregueira” -

Pinhal Novo

►Manuel Jones,

“Gaiteiros de

Palmela” – Olhos de

Água, Pinhal Novo.

Quadro 4 – Grupos de gaiteiros que participaram no E.N.G. entre 2001 e 2004

Page 119: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

119

3. Transcrições musicais

Page 120: A Gaita de Foles Em Miranda Do Douro e Lisboa - Carla Passinhas

120

Nota explicativa:

As transcrições em notação musical convencional que seguem referem-se a

algumas das composições apresentadas pelos três grupos descritos no capítulo V.

Estas pretendem representar de forma aproximada a melodia tocada na gaita-de-

foles, e têm apenas como objectivo servir de apoio à análise da melodia. Assim, são

omitidas oscilações na afinação, bem como a ornamentação. A tonalidade

apresentada não corresponde necessariamente à que foi executada.