Upload
mikefirmino
View
21
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
2013
N 19
O FUTUROENERGTICO EA GERAO NUCLEAR
CAPA_FINAL_1707.indd 1 17/07/13 12:04
2013
N 19
O FUTUROENERGTICO EA GERAO NUCLEAR
2 3FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
DiretorCesar Cunha Campos
Diretor TcnicoRicardo Simonsen
Diretor de ControleAntnio Carlos Kfouri Aidar
Diretor de QualidadeFrancisco Eduardo Torres de S
Diretor de MercadoSidnei Gonzalez
Diretores-Adjuntos de MercadoCarlos Augusto Lopes da CostaJos Bento Carlos Amaral
EQUIPE TCNICA
Autor e Coordenao EditorialOtavio Mielnik
Reviso TcnicaMargarete RochaCarlos Xavier
EQUIPE DE PRODUO
Coordenao de ComunicaoMelina BandeiraManuela Fantinato
Coordenao de Projeto GrficoMaria Joo Pessoa Macedo
ColaboraoPatricia Werner Camila Senna Mariana Bento de Paula Aila Martins FerreiraGabriela Costa
Fotoswww.shutterstock.com
Esta edio est disponvel paradownload no site da FGV Projetos:
www.fgv.br/fgvprojetos
Primeiro Presidente FundadorLuiz Simes Lopes
PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal
Vice-PresidentesSergio Franklin Quintella, Francisco Oswaldo Neves Dornelles eMarcos Cintra Cavalcante de Albuquerque
CONSELHO DIRETOR
PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal
Vice-PresidentesSergio Franklin Quintella, Francisco Oswaldo Neves Dornelles eMarcos Cintra Cavalcante de Albuquerque
VogaisArmando Klabin, Carlos Alberto Pires de Carvalho e Albuquerque, Ernane Galvas,Jos Luiz Miranda, Lindolpho de Carvalho Dias, Manoel Pio Corra Jnior,Marclio Marques Moreira and Roberto Paulo Cezar de Andrade
SuplentesAntonio Monteiro de Castro Filho, Cristiano Buarque Franco Neto,Eduardo Baptista Vianna, Gilberto Duarte Prado, Jacob Palis Jnior,Jos Ermrio de Moraes Neto, Marcelo Jos Baslio de Souza Marinho e Mauricio Matos Peixoto.
CONSELHO CURADOR
PresidenteCarlos Alberto Lenz Csar Protsio
Vice-PresidenteJoo Alfredo Dias Lins (Klabin Irmos e Cia)
VogaisAlexandre Koch Torres de Assis, Anglica Moreira da Silva (Federao Brasileira de Bancos), Ary Oswaldo Mattos Filho, Carlos Moacyr Gomes de Almeida, Andrea Martini (Souza Cruz S/A), Eduardo M. Krieger (Estado do Rio Grande do Sul), Heitor Chagas de Oliveira, Jaques Wagner (Estado da Bahia), Luiz Chor (Chozil Engenharia Ltda.), Marcelo Serfaty, Marcio Joo de Andrade Fortes, Pedro Henrique Mariani Bittencourt (Banco BBM S.A.)Orlando dos Santos Marques (Publicis Brasil Comunicao Ltda.), Raul Calfat (Votorantim Participaes S.A.), Leonardo Andr Paixo (IRB-Brasil Resseguros S.A), Ronaldo Vilela (Sindicato das Empresas de Seguros Privados, de Previdncia Complementar e de Capitalizao nos Estados do Rio de Janeiro e do Esprito Santo), e Sandoval Carneiro Junior.
SuplentesAldo Floris, Jos Carlos Schmidt Murta Ribeiro, Luiz Ildefonso Simes Lopes (Brookfield Brasil Ltda.), Luiz Roberto Nascimento Silva, Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Nilson Teixeira (Banco de Investimentos Crdit Suisse S.A.), Olavo Monteiro de Carvalho (Monteiro Aranha Participaes S.A.), Patrick de Larragoiti Lucas (Sul Amrica Companhia Nacional de Seguros), Roberto Castello Branco (VALE S.A.), Rui Barreto (Caf Solvel Braslia S.A), Sergio Lins Andrade (Andrade Gutierrez S.A.) e Victrio Carlos De Marchi
SedePraia de Botafogo, 190, Rio de Janeiro RJ, CEP 22250-900 ou Caixa Postal 62.591CEP 22257-970, Tel: (21) 3799-5498, www.fgv.br
Instituio de carter tcnico-cientfico, educativo e filantrpico, criada em 20 de dezembro de 1944 como pessoa jurdica de direito privado, tem por finalidade atuar, de forma ampla, em todas as matrias de carter cientfico, com nfase no campo das cincias sociais: administrao, direito e economia, contribuindo para o desenvolvimento econmico-social do pas.
04
06
08
13
18
48
58
74
88
94
SUMRIO
APRESENTAO.............................................................................................................................................
INTRODUO..................................................................................................................................................
1. EVOLUO DA POLTICA ENERGTICA: MUNDO E BRASIL, ASPECTOS CONVERGENTES..
2. EVOLUO E DESENVOLVIMENTO DA DEMANDA E DA OFERTA DE ENERGIA ELTRICA..
3. EVOLUO DA ENERGIA NUCLEAR NO PLANO INTERNACIONAL..........................................
4. CENRIOS PARA A ENERGIA ELTRICA PARA O PERODO 2013-2040.................................
5. OFERTA E CUSTOS DA EXPANSO DA GERAO DE ENERGIA ELTRICA NO BRASIL.....
6. UMA NOVA ABORDAGEM PARA A GERAO NUCLEAR NOS PLANOS REGULATRIO
E POLTICO INSTITUCIONAL.......................................................................................................................
7. RESULTADOS...............................................................................................................................................
8. RECOMENDAES.....................................................................................................................................
4 5FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
APRESENTAO
O tema energia um dos mais importantes da agenda nacional. A poltica energtica, a questo
tecnolgica envolvida e seus impactos na economia so temas suficientemente relevantes para
fomentar o debate e estimular discusses que contribuam para aprimoramento do setor, de
modo a preservar e consolidar a competitividade da economia do pas. Componente estratgico
no processo de desenvolvimento sustentvel, a expanso da gerao de energia eltrica deve
responder s necessidades energticas de modo econmico e eficiente, levando em considerao
a diversidade de recursos disponveis e seu aproveitamente a mdio e longo prazo.
Cada opo apresenta caractersticas fsicas, possibilidades tecnolgicas e condies econmicas
prprias que devem ser consideradas para que se obtenha o melhor conjunto e a melhor
alocao dos recursos disponveis. A sustentabilidade um aspecto fundamental na gesto do
sistema energtico, tornando necessrio que sejam levados em conta o desempenho e os riscos
apresentados por cada uma das fontes que compem a matriz eltrica. Valorizando a diversidade
ser possvel estabelecer a melhor proporo de cada fonte energtica e sua contribuio
expanso da gerao de energia eltrica do pas ao longo das prximas dcadas. A futura matriz
eltrica dever, portanto, minimizar os riscos de dependncia a uma fonte energtica ou a um
fornecedor e ampliar as vantagens e benefcios de uma oferta dinmica, que utilize plenamente
o potencial de recursos existentes.
A FGV Projetos tem se orientado criao de competncia e aplicao de novos conhecimentos
em reas relevantes ao desenvolvimento do pas. Com essa preocupao, o presente estudo,
coordenado por Otavio Mielnik, tem por objetivo estabelecer as condies de formao da matriz
eltrica brasileira em 2040. Isso foi possvel a partir de uma anlise e avaliao da evoluo
da demanda, assim como da formao da oferta de energia eltrica, permitindo atend-la nas
melhores condies de segurana econmica, energtica e ambiental. Em especial, a determinao
dos custos nivelados de energia eltrica para cada fonte energtica na composio da matriz
eltrica brasileira em 2040 uma contribuio inovadora para a tomada de deciso e escolha de
novos investimentos para a gerao de energia eltrica do pas.
O setor eltrico atravessa uma transio com a introduo de novas tecnologias de gerao, a
possvel aplicao de polticas de precificao de externalidades e a adoo de novos sistemas
de consumo. Os efeitos dessas novas condies foram incorporados neste estudo, que considera,
em particular, a utilizao da gerao nuclear no quadro de uma matriz eltrica diversificada,
que atenda futura demanda de energia e promova o desenvolvimento sustentvel do pas nas
melhores condies tcnicas, econmicas e sociais.
Boa leitura!
Cesar Cunha CamposDiretor
FGV Projetos
6 7FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
INTRODUO
A formao da oferta de energia eltrica um processo dinmico, vinculado ao desenvolvimento
da sociedade, que envolve escolhas de longo prazo e obedece a critrios econmicos, tcnicos,
sociais e ambientais. Ao longo dos ltimos anos, esse processo tem integrado novos conceitos
e mecanismos para promover a melhor alocao dos recursos disponveis e a eficincia no
desempenho operacional da gerao de energia eltrica. Novas abordagens contribuem
para aperfeioar o planejamento convencional do setor eltrico, introduzindo critrios para a
comparao entre as vrias fontes energticas utilizadas para a gerao de energia eltrica. O
estudo dos Custos Nivelados de Energia Eltrica, apresentado neste trabalho e aplicado ao Brasil
para o perodo 2013-2040, introduz novos elementos para a tomada de deciso, ao estabelecer um
mecanismo inovador para as escolhas dos novos investimentos, que considera a competitividade
de cada tecnologia de gerao de energia eltrica ao longo de sua vida til.
Entre os componentes fundamentais para a formao de uma oferta sustentvel de energia
eltrica enfatizados neste estudo, evidenciam-se:
(1) a reduo da dependncia, seja em relao a uma fonte energtica, seja em
relao a um fornecedor;
(2) o resultado econmico e social resultante do desempenho operacional na
escolha da tecnologia de gerao; e
(3) a contabilizao das externalidades provocadas por algumas tecnologias de gerao.
Nesse sentido, cabe salientar a importncia da diversificao das fontes energticas na formao
da matriz eltrica nas prximas duas dcadas, considerando as condies fsicas, tecnolgicas
e econmicas da expanso de cada uma das fontes disponveis. De modo complementar, o
desempenho operacional contribui para ampliar a confiabilidade da gerao, incidindo sobre seu
custo e a competitividade do sistema eltrico. Finalmente, a introduo de penalidades em razo
da emisso de gases de efeito estufa promove a inovao das tecnologias de gerao e fortalece
os parmetros que determinam a escolha de tecnologias limpas.
Mobilizadas pelo critrio de sustentabilidade e pelas escolhas de longo prazo que garantam sua
preservao, as polticas energticas em aplicao na maior parte dos pases tm por referncia
e orientao a segurana energtica, a segurana econmica e a segurana ambiental. Os trs
aspectos tm importncia estratgica na formao da oferta de energia eltrica e na determinao
das tecnologias que melhor atendam aos seus fundamentos. Nesse sentido, a gerao nuclear se
diferencia no plano econmico por seu desempenho operacional (funcionando 90% do ano), mas
tambm, no plano energtico, pelo acesso ao combustvel, e, no plano ambiental, por ser uma
energia limpa.
8 9FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
A gerao nuclear tem importante papel a cumprir no desenvolvimento da oferta de energia
eltrica nas prximas dcadas, no quadro de uma matriz eltrica diversificada, sustentvel e
eficiente. O desenvolvimento da gerao nuclear tem sido marcado pela importncia consagrada
segurana e ao desempenho operacional. Novas tecnologias esto sendo aplicadas e um
grande esforo tem sido dedicado reduo dos custos. No Brasil, a ampliao da gerao
nuclear tende a diversificar substancialmente a matriz eltrica. Como analisado nesse estudo,
um dos obstculos ao seu desenvolvimento, dado pelo custo de construo, tende a ser superado
com as orientaes que esto sendo adotadas na construo de novas unidades. Nesse sentido,
a participao do setor privado ser um componente decisivo no investimento, construo e
operao das centrais nucleares a serem implantadas no Brasil.
1. EVOLUO DA POLTICA ENERGTICA:MUNDO E BRASIL, ASPECTOS CONVERGENTES
Investimentos energticos mobilizam recursos econmicos, tecnolgicos e financeiros cujos
efeitos e consequncias se fazem sentir durante um longo perodo de tempo. A mobilizao
desses recursos deve obedecer a critrios rigorosos, abrangentes e dinmicos, que atendam a
evoluo previsvel das necessidades energticas no quadro da melhor utilizao possvel dos
recursos disponveis. De fato, embora determinem as condies e o perfil da oferta no longo
prazo (entre 10 e 40 anos), os investimentos energticos so decididos no quadro da poltica
energtica de governos que, em princpio, duram quatro anos, sendo sensveis s consequncias
de curto prazo resultantes de suas escolhas. Ainda assim, a popularizao do conceito de
sustentabilidade, acabou dando uma dimenso poltica aos efeitos de longo prazo, que passaram
a balizar as escolhas energticas ao longo da dcada de 2000.
A poltica energtica vem ganhando uma determinao comum a todos os pases, tanto pelo
fato de os fluxos energticos no se restringirem s fronteiras nacionais, quanto, principalmente,
porque os mercados energticos so globalizados e, por conta de seus impactos, a utilizao
dos recursos energticos obedece, gradualmente, a critrios mundiais e intergeracionais. Desse
modo, a poltica energtica que orienta as aes e decises de governos e empresas, em escala
local e internacional, est centrada em torno dos conceitos de:
Segurana econmica
Segurana energtica
Segurana ambiental
10 11FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 1
SEGURANA ECONMICA,ENERGTICA E AMBIENTAL
Segurana econmica diz respeito s condies que garantem viabilidade e competitividade
economia de um pas. Por exemplo, a concorrncia entre fontes energticas promove a
reduo gradual dos custos de gerao de energia eltrica, o que contribui para (1) melhorar as
condies de acesso da populao energia, (2) a atrao de novos investimentos ao pas, (3) a
competitividade da economia no plano internacional, e (4) o crescimento econmico.
Segurana energtica se refere ao fornecimento de energia, determinado pelas condies
de acesso fsicas, geopolticas e tecnolgicas aos recursos energticos. Nesse sentido, a
diversificao da matriz energtica e a diversidade na origem das fontes de aprovisionamento
so dois aspectos cruciais para garantir a segurana energtica. A confiabilidade na oferta de
energia eltrica, seja pela tecnologia utilizada, seja por sua proximidade dos centros de carga,
refora a segurana energtica.
No entanto, no basta ter a posse jurdica dos recursos quando no se dispe das tecnologias
que permitam a sua explorao. Por exemplo, so necessrias tecnologias sofisticadas e caras
para extrair e valorizar o petrleo e o gs natural que se encontra em guas ultraprofundas. A
experincia do Japo nessa matria relevante. O pas depende da importao de 84% dos
recursos energticos necessrios ao seu desenvolvimento e aplica uma estratgia de negociao
que diversifica fontes energticas e fornecedores, de modo a minimizar riscos e garantir o
fornecimento de energia. Essa condio caracteriza um quadro realista no comrcio de energia
que o de autonomia energtica, em uma dinmica mais adequada aos fluxos globalizados.
Segurana ambiental diz respeito reduo de impactos ambientais e ao controle de emisso
de gases de efeito estufa (GHGs, na sigla em ingls). A produo e o consumo de combustveis
fsseis tem dimenso local e regional, podendo superar os limites territoriais de um pas e
alcanar escala global, resultando em nveis de emisso que se ampliam ao longo do tempo.
No perodo 2013-2040, a aplicao dos critrios de segurana energtica, segurana econmica
e segurana ambiental ter lugar em um quadro de evoluo dos sistemas de oferta e demanda
de energia que apresenta as seguintes caractersticas:
1) Aumento nos custos de produo do petrleo e derivados com necessidade de expandir as
fronteiras de produo para guas ultraprofundas (entre 1.500 e 3.000 metros de lmina dgua
e profundidade total de at 10.000 metros) em reas de produo mais caras, como a camada
pr-sal do Brasil, o Golfo do Mxico e o Golfo da Guin (na frica Ocidental);
2) Aumento da demanda de combustveis pelo setor de transportes (estima-se que o nmero
de carros duplique em 2035, atingindo 1,7 bilho), especialmente nos pases emergentes, nos
quais os subsdios devem ser preservados por razes de ordem poltica e social, aumentando a
demanda e exercendo presso para o aumento dos preos do petrleo no mercado internacional;
3) Aumento da oferta de petrleo no-convencional (10 milhes de barris/dia, especialmente de
Alberta, Canad) e de petrleo de xisto (tight oil) em diversos pases;
4) Aumento da oferta e do consumo de gs natural e de lquidos de gs natural em 2035 (acima
de 18 milhes de barris/dia), especialmente como resultado da explorao de gs de xisto, rico
em lquidos de gs natural, cuja oferta deve atingir 20% da oferta mundial total de gs natural.
Alm disso, aumento substancial da oferta de gs natural da camada pr-sal do Brasil, onde se
estima que a maior parte do gs natural seja associado (i.e., produzido conjuntamente com o
petrleo), que no pode ser queimado alm de 3% por regulamentao da Agncia Nacional
de Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP) (com margem de tolerncia para 5% at
2015) e deve, portanto, ser reinjetado ou liquefeito (por exemplo, em unidade de liquefao
embarcada) ou, ainda, transportado por gasoduto de transferncia at o continente, quando
houver essa alternativa;
5) O uso do gs natural para gerao eltrica pode ser beneficiado com a reduo de seu preo,
que tende a se desvincular do preo do petrleo desde que a valorizao do gs de xisto no
reflita seu custo de produo, mas tenha por base a comercializao dos lquidos de gs natural;
6) Maior utilizao de fontes renovveis no-hidreltricas para gerao eltrica (de 3% em 2010
para 15% em 2035), especialmente pela China e Estados Unidos (com metade do crescimento),
suportados por subsdios anuais estimados em US$ 180 bilhes e exigindo novos investimentos
em transmisso;
7) Capacidade adicional de 680.000 MW em hidreletricidade, mantendo-se em 15% do total,
sendo mais de 50% do crescimento provenientes da China, ndia e Brasil; e
12 13FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
8) H uma incgnita em torno do consumo de carvo, que contou por quase metade da demanda
global de energia no perodo 2000-2010. No cenrio de referncia da Agncia Internacional de
Energia, o carvo crescer 65% at 2035, ocupando a maior parcela da combinao energtica
global. O consumo da China (quase 50% da demanda global) ser determinante para a demanda
global de carvo, seguido pela ndia, que no caso de um cenrio pessimista se tornar o segundo
maior importador mundial de carvo. O principal mercado de comercializao do carvo est se
deslocando do Atlntico ao Pacfico. Com o aumento dos preos e a perspectiva de introduo de
tecnologias de captura e armazenagem de carbono (CCS, na sigla em ingls), novos investimentos
foram realizados em pases exportadores, como Austrlia, Indonsia, Rssia e Monglia.
PRINCIPAIS TENDNCIAS DAPOLTICA ENERGTICA DO BRASIL
No h documento especfico que estabelea as orientaes da poltica
energtica recente do Brasil. O Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, que
data de 2007, poderia ser a referncia para a poltica energtica de longo
prazo do pas, mas no integra a evoluo energtica e as novas prioridades
determinadas desde aquela data. Para o setor eltrico, o Plano Decenal de
Expanso de Energia (PDE), produzido anualmente, apresenta as orientaes
do governo para o curto e mdio prazo. Alm disso, o Ministrio de Minas e
Energia define e aplica medidas de curto e mdio prazo que tambm compem
a poltica energtica. As decises do Conselho Nacional de Poltica Energtica
(CNPE), formado por vrios ministrios, definem diretrizes de curto prazo com
impacto sobre a poltica energtica, seja porque determinam alterao nas
tendncias em curso, seja porque ampliam o alcance das medidas existentes.
Por fim, as decises tomadas pelas empresas energticas administradas pelo
governo federal (especialmente, Petrobras e Eletrobras) so parte da poltica
energtica adotada pelo pas. Nesse sentido, a poltica energtica deveria ter
aspectos fundamentais (relacionados a estratgias gerais de mdio e longo
prazo) e aspectos de gesto imediata (relacionados com a conduo da
poltica econmica e da poltica social do governo).
Nesse contexto, os critrios da poltica energtica do Brasil esto sendo determinados por trs
prioridades: (1) desenvolvimento da produo de petrleo e gs natural da camada pr-sal, (2)
preservao da modicidade nas tarifas de energia eltrica e na precificao dos derivados de
petrleo que possam ter efeito sobre a inflao, e (3) estruturao de uma matriz energtica com
baixo teor de carbono. Esses aspectos envolvem, no entanto, uma dinmica prpria, porque a
modicidade nas tarifas de energia eltrica e na precificao de certos derivados de petrleo afeta
a receita das empresas e tem impacto sobre sua capacidade de investimento. Alm disso, para
ser sustentvel, a estruturao da matriz energtica com baixo teor de carbono deve privilegiar a
diversidade na oferta de energia, equilibrando a participao de fontes energticas com reduzido
nvel de emisso de carbono, de modo a atenuar os riscos de dependncia e garantir a segurana
de fornecimento. Embora a matriz eltrica do Brasil seja considerada limpa, concentrada na
gerao hidreltrica (75%), apresentando os riscos que se apresentam, em algum momento, em
um sistema pouco diversificado.
Segurana econmica, energtica e ambiental so relevantes, mas sob prioridades distintas. A
segurana econmica no Brasil, praticada menos pelo aumento da oferta e concorrncia entre
fornecedores e mais pela modicidade tarifria, pode restringir a remunerao das empresas
energticas e pode comprometer a qualidade do servio. A segurana energtica (i.e., segurana
de fornecimento) depende:
(1) das condies pluviomtricas;
(2) das fontes que geram continuamente, com fator de capacidade elevado, como a gerao nuclear;
(3) da gerao complementar; e
(4) da evoluo da demanda de energia eltrica.
Os quatro fatores interagem de modo dinmico para assegurar a segurana de fornecimento. Uma
articulao de dois ou mais fatores possvel e torna ainda mais relevante o papel dos demais.
Por exemplo, uma reduo no regime pluviomtrico associado a uma elevao da demanda a
um ritmo superior ao previsto, evidencia o papel da energia nuclear e da gerao complementar
para a segurana de fornecimento. No entanto, a energia nuclear (1,7% da capacidade instalada)
e o conjunto da gerao trmica (28% da capacidade instalada em 2011) no tm participao
compatvel com sua importncia na segurana de fornecimento.
Deve-se buscar, dentro de uma viso integrada de poltica energtica, um equilbrio entre as
aes de sustentabilidade relacionadas segurana econmica, segurana energtica e
segurana ambiental.
2. EVOLUO E DESENVOLVIMENTO DADEMANDA E DA OFERTA DE ENERGIA ELTRICA
Em seu Plano Decenal de Expanso de Energia (PDE) 2021, a Empresa de Pesquisa Energtica
indica a evoluo estimada da oferta e demanda de energia eltrica no perodo 2012-2021.
1 1 TWh equivale a 1 milho de MWh.
(...) que a poltica energtica brasileira
tenha uma estratgia de longo prazo, com
objetivos explicitados em matria de
oferta e demanda de energia eltrica,
que sirvam como referncia e indicao
das oportunidades de investimento, permitindo que
investidores privados possam planejar com
maior segurana o desenvolvimento de projetos de mdio e
longo prazo.
recomendamos que:
14 15FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
O crescimento estimado da demanda de energia eltrica, no perodo 2012-2021, ser de 4,9%
ao ano, passando de 500 TWh para 774 TWh1, o que corresponde a um aumento total de 55%.
Para uma anlise mais consistente, esse crescimento deve ser considerado em funo de sua
evoluo por setor consumidor. Entre 2002 e 2011, o crescimento da demanda foi de 4,5% ao ano
e o principal setor consumidor foi o setor industrial (44% do total em 2011). Vale lembrar que o
crescimento mais pronunciado tem sido o do setor residencial (4.9% ao ano no perodo 2002-
2011). O consumo na faixa de 201-300 kWh (com maior quantidade de consumidores) cresceu 17%
ao ano, especialmente na regio Sudeste com 22% ao ano2.
Ao mesmo tempo, os investimentos em expanso da capacidade industrial, no perodo 2010-
2020, so estimados em cerca de R$ 730 bilhes. Os grandes consumidores industriais de energia
eltrica so os setores de alumnio, qumica, alimentos e bebidas, papel e celulose, ferro-gusa e
ao, cujo consumo em 2011 atingiu 128 TWh ou 61% do total consumido pelo setor industrial.
Setores energo-intensivos (como os produtores de alumnio) esto negociando preos de
venda junto ao governo brasileiro diante de oportunidades mais competitivas em outros pases
intensivos em hidreletricidade. Caso se decidam por aplicar no Brasil os investimentos destinados
ampliao de capacidade produtiva, haver um volume substancial de energia eltrica a ser
gerado para atender essa demanda adicional.
Ao longo do perodo 2012-2021, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) estima
que o crescimento demogrfico do pas ser de 0,6% ao ano, passando de 194 milhes (2012)
para 208 milhes de habitantes (2021), sendo previsto um aumento de 13 milhes de domiclios
(passando de 63 milhes em 2012 para 76 milhes em 2021), mantendo a mesma distribuio
regional, com 45% do total (34 milhes de residncias) situado na regio Sudeste.
H dois aspectos questionveis nas estimativas de consumo do setor residencial apresentadas no
PDE 2021. Em primeiro lugar, as estimativas quanto evoluo da posse de equipamentos so
conservadoras, especialmente aparelhos de ar condicionado (3,4% ao ano), passando de 22% (13,9
milhes de residncias em 2012) para 28% (21,3 milhes de residncias em 2021) dos domiclios do
pas, e mquinas de lavar roupas (1,6% ao ano), passando de 65% (2012) para 75% (2021) do total
de residncias, itens que devem ter seu consumo ampliado em estados como So Paulo e Rio de
Janeiro, onde se concentram 20 milhes (35% do total do pas) dos consumidores residenciais em
2010 (aumento estimado de 4 milhes de consumidores em 2020) com as facilidades de acesso ao
crdito aos novos contingentes de consumidores. De fato, o consumo realizado pela classe C (51
milhes de habitantes) passou de 25% a 40% do total consumido nas cidades, no perodo 2002-
2010, sendo aceitvel prever que haja, ao longo do perodo 2012-2021, uma ampliao na aquisio
de aparelhos de ar condicionado, item de elevado consumo de energia eltrica. O segundo aspecto
discutvel a premissa de que a venda de equipamentos novos e a troca dos usados sero realizadas
com equipamentos mais eficientes. Para que essa premissa se verifique, ser necessrio que haja
incentivos ou interdio de venda dos equipamentos menos eficientes. Como os equipamentos mais
eficientes so mais caros, mesmo considerando melhores condies de financiamento, isso restringir
seu acesso aos consumidores com maior poder de compra, criando um impasse e desconforto com
os novos contingentes de consumidores que emergem ao mercado de eletrodomsticos. Como
opo, poderia haver um subsdio para que o acesso a esses eletrodomsticos seja financiado pelo
conjunto dos contribuintes, o que seria uma alternativa questionvel.
Cabe assinalar que o consumo de energia eltrica per capita do Brasil (2.206 kWh/ano)
inferior ao do Chile (3.280 kWh/ano), Argentina (2.759 kWh/ano) e Uruguai (2.671 kWh/ano). O
consumo atual de energia eltrica no Sul da Europa (cerca de 5.000 kWh/ano per capita) pode
ser considerado um padro aceitvel, mas, em 2021, o consumo de energia eltrica no Brasil ainda
estar a um nvel 25% inferior a esse volume. Esses indicadores, associados ao efeito limitado
das medidas de eficincia energtica, evidenciam a necessidade de uma ampliao substancial
da gerao de energia eltrica ao longo das prximas duas dcadas, a taxas superiores quelas
planejadas. Considerando o consumo de energia em relao ao ndice de Desenvolvimento
Humano (IDH), o Brasil est no grupo de pases que inclui Argentina, Mxico, China, ndia e frica
do Sul. A passagem ao grupo de pases com mais elevado IDH implica um consumo de energia
eltrica per capita superior a 5.000 kWh/ano.
A introduo de inovaes energticas, como os veculos eltricos, ter efeitos incertos sobre o
consumo de energia, o que requer estudos prospectivos apurados para dimensionar as medidas
compatveis a serem tomadas no mbito da gerao e da distribuio de energia eltrica. O tema
vem sendo minimizado com base na premissa de que o carregamento das baterias ocorrer
apenas noite, quando o sistema eltrico conta com capacidade ociosa. De fato, a velocidade de
penetrao do carro eltrico ser dada pelo tempo necessrio para que os investimentos atuais,
da ordem de bilhes de dlares, que esto sendo realizados pela indstria automobilstica e pelos
fabricantes de baterias revertam em (1) reduo do custo da bateria do carro eltrico para
US$ 250/kWh, e (2) uma autonomia aceitvel para seu uso nas grandes cidades. A evoluo
dessa varivel, cuja iminncia no est sendo devidamente considerada, dever precipitar
necessidades de investimento ao longo da cadeia de valor da energia eltrica no pas.
PLANEJAMENTO CONVENCIONAL
O critrio utilizado pelo planejamento convencional, determinados pelo Conselho Nacional de
Poltica Energtica (CNPE), para a expanso da capacidade de gerao dado pela igualdade
entre o custo marginal de operao e o custo marginal de expanso, em uma situao na qual o
2 Anurio Estatstico de Energia Eltrica, EPE, 2012.
16 17FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
risco de insuficincia na oferta de energia eltrica no supere 5% no Sistema Interligado Nacional
(SIN). Esta situao constitui o nvel timo de confiabilidade do sistema.
O custo marginal de operao o custo para atender um aumento da demanda de energia
eltrica, em um dado perodo de tempo, sem que haja expanso do sistema eltrico. Para isso,
utiliza-se a reserva existente ou pode haver degradao na qualidade do servio.
O custo marginal de expanso o custo para atender um aumento da demanda de energia eltrica,
em um dado perodo de tempo, por meio da ampliao da capacidade instalada do sistema.
Em uma situao de expanso tima (i.e., equilibrada, eficiente), o custo marginal de expanso
igual ao custo marginal de operao, sendo indiferente construir uma nova usina ou operar o
sistema para atender demanda de uma unidade adicional de energia eltrica. Quando o custo
marginal de operao excede o custo marginal de expanso, fica mais caro operar o sistema do
que ampliar a capacidade instalada, e isso justifica construir novas usinas.
Na prtica, o custo marginal de expanso tem sido estabelecido com base nos preos negociados
nos diversos leiles de energia para instalao ao longo da dcada 2012-2021. O custo marginal
de expanso adotado pela Empresa de Pesquisa Energtica (EPE) no PDE 2021 de R$ 102,00/
MWh, correspondendo ao preo do empreendimento mais caro aceito dentro do leilo. Cabe
salientar que no h neutralidade nesta matria e que a metodologia utilizada para a definio
do custo marginal de expanso condiciona, de fato, as escolhas a serem feitas.
CUSTOS NIVELADOS DE ENERGIA ELTRICA
Uma abordagem alternativa para a escolha dos investimentos entre diversas fontes energticas
dada pelo nivelamento dos custos de gerao. A aplicao desta abordagem, que no praticada
no Brasil, envolve novos critrios para estabelecer a competitividade real de cada fonte e tecnologia
de gerao de energia eltrica e para a elaborao da poltica energtica do pas. Mtrica mais
objetiva por refletir a dinmica dos custos de gerao ao longo do tempo, os custos nivelados de
energia eltrica so amplamente aplicados por empresas de energia eltrica e governos no plano
internacional para comparar os custos de diferentes tecnologias de gerao.
A metodologia para a estimao dos custos nivelados de energia eltrica (LCOE, na sigla em
ingls) consiste na distribuio, ao longo de sua vida operacional, do conjunto de custos que
contribuem ao funcionamento de uma usina que utiliza determinada tecnologia de gerao
eltrica. Circunstncias especficas a cada pas tm impacto sobre o custo nivelado de energia
eltrica, o que valoriza a incluso de aspectos tecnolgicos, regulatrios e poltico-institucionais
no dimensionamento dos riscos considerados na metodologia dos LCOEs. De fato, h grandes
diferenas de custo em funo de condies locais (como acesso a combustveis, disponibilidade
de recursos renovveis e regulaes de mercado).
Custos de investimento se beneficiam de economias de escala tanto no tamanho de cada unidade
individual, quanto no nmero de unidades a serem construdas. Como a metodologia dos LCOEs
considera: (1) tempos de construo de projetos especficos, (2) custos de construo, e (3)
riscos relativos primeira unidade de uma srie (first-of-a-kind ou FOAK, na sigla em ingls), ela
pode ser uma ferramenta prtica para a anlise dos custos de gerao eltrica, alm de facilitar
a avaliao de investimentos e a formulao de polticas.
Os leiles de comercializao de energia eltrica no Brasil no so nivelados entre as diversas
fontes. A hidreltrica tem custos escondidos ou externos, que no entram na tarifa (e.g., grande
parte de seus custos de transmisso socializados por meio da equalizao dos consumidores
de energia eltrica). Os combustveis fsseis tm grande parte dos custos em combustvel
socializados, o que reduz a tarifa. Quanto energia elica, apresenta assimetria na qualidade de
eletricidade e tem tarifas subsidiadas.
Cabe assinalar alguns custos escondidos, no explcitos, de outras fontes energticas, como rea
ocupada (e.g., a Central Nuclear de Angra, com 2.007 MW, ocupa 3,3 km2, enquanto a Usina
Hidreltrica de Furnas, com 1.132 MW, ocupa 1.442 km2 e a de Sobradinho, com 1.050 MW, ocupa
4,214 km2). Alm disso, no caso do sistema eltrico brasileiro, as linhas de transmisso conectando
hidreltricas aos centros de carga podem chegar a mais de 2.000 km de distncia, enquanto a
Central Nuclear de Angra est situada a cerca de 60 km do Rio de Janeiro.
18 19FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
3. EVOLUO DA ENERGIA NUCLEAR NO PLANO INTERNACIONAL
O desenvolvimento da energia nuclear pode ser analisado em trs fases, relacionadas evoluo
de suas condies tecnolgicas e de segurana de suas operaes. A primeira fase (de 1970 a
1986) pode ser considerada a fase de primeira expanso, relacionada ao grande potencial da
energia nuclear para superar (1) as restries apresentadas pela reestruturao das matrizes
energticas para enfrentar a dependncia em relao ao petrleo, e (2) a necessidade de atender
ao crescimento da demanda de energia eltrica em uma dinmica de sustentabilidade. Essas
condies, que foram crticas para os pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento
Econmico (OCDE) e determinantes para a criao, em 1974, da International Energy Agency
(IEA), tambm foram relevantes em outros pases, como o Brasil, que trataram de reduzir sua
dependncia em relao ao petrleo importado.
A segunda fase (de 1986 a 2000) foi uma fase de reviso para a indstria nuclear, diante dos
efeitos polticos e sociais dos acidentes de Chernobyl (na Ucrnia) e de Three Mile Island (nos
Estados Unidos). A expanso dos programas nucleares foi interrompida na maior parte dos pases,
exceto na sia (Japo e Coreia do Sul), enquanto a indstria nuclear procedia a uma avaliao
detalhada e profunda dos processos tcnicos, econmicos e de segurana envolvidos na gerao
eltrica a partir das usinas nucleares.
A terceira fase, que teve incio em 2000 e prevalece atualmente, considerada a fase de
consolidao da energia nuclear, tem sido marcada pelo desenvolvimento de nova gerao
de reatores (Gerao III+), com recursos que melhoram substancialmente o desempenho
tecnolgico, econmico (com a construo modular e padronizada dos reatores nucleares) e
as condies de segurana (implantao de sistemas passivos)3. A consolidao da energia
nuclear se refere oportunidade para a indstria nuclear de, aps um perodo de duas dcadas
orientadas ao aperfeioamento do desempenho tcnico e econmico das tecnologias de gerao
nuclear, atender ao crescimento da demanda de energia eltrica, reduzindo simultaneamente
as emisses de gases de efeito estufa. O acidente de Fukushima (Japo) se insere nesta fase,
tendo acentuado seus aspectos relevantes envolvendo a renovao de conceitos, processos e
equipamentos, de modo a melhorar o desempenho econmico e energtico, incorporando os
avanos obtidos em relao s medidas de segurana.
Em maio de 2013, a capacidade instalada mundial de gerao nuclear era de 374.524 MWe (13,5%
da capacidade instalada de gerao eltrica) a partir de 435 reatores, dos quais 67% (251.764
MW) eram do tipo PWR. Esta linha de reatores, da Gerao III, foi a mais empregada durante a
primeira fase do desenvolvimento da energia nuclear. Alm disso, havia 66 reatores em construo
(68.309 MW) em 13 pases, principalmente China, Rssia, ndia e Coreia do Sul, correspondendo a
uma expanso de 18% da capacidade em operao4.
ESTADOS UNIDOS
Os Estados Unidos tm 103 usinas nucleares, das quais 102 pertencem ao setor privado. A gerao
nuclear no pas teve incio em meados da dcada de 1950. A participao do setor privado
substancial na indstria nuclear, mas a poltica do governo orientada para a independncia
energtica e o controle das emisses de carbono fundamental tanto na gerao nuclear, quanto
na proposio de regulaes ambientais e de segurana, envolvendo construo e operao de
usinas, e o ciclo do combustvel5. O licenciamento das usinas nucleares planejadas e em operao
a principal responsabilidade da Nuclear Regulatory Commission (NRC), agncia independente,
criada em 1974, que regula todos os aspectos da energia nuclear, inclusive a gerao eltrica e a
ampliao em mais 20 anos de licenas de reatores em operao h 40 anos.6
A preparao de licenas em processo rpido pela NRC, como a Licena Combinada de Construo
e Operao (COL, na sigla em ingls)7, deu lugar criao de vrios consrcios de empresas.
Uma consolidao da indstria nuclear est em curso em razo de economias de escala, da
liberao dos preos de energia eltrica e do interesse crescente da energia nuclear em relao
aos combustveis fsseis. Exelon a maior empresa geradora de energia nuclear dos Estados
Unidos (21.000 MWe bruto) e a terceira maior empresa mundial.
FRANA
A gerao nuclear na Frana teve incio em 1974 com o objetivo de consolidar a segurana
energtica do pas, que tem 58 usinas nucleares, todas pertencentes empresa Electricit
3 Sistemas passivos de segurana no necessitam de controle de operadores, contando apenas com a fora da gravidade ou conveco natural para enfrentar situaes excepcionais.
4 World Nuclear Association, World Nuclear Power Reactor & Uranium Requirements, Maio 2013.
5 Nos Estados Unidos, o governo a principal fonte de financiamento para reatores avanados e para pesquisa relativa ao ciclo do combustvel, alm de prover incentivos para a construo de novas usinas por meio de garantias de emprstimo e iseno de impostos.
6 O licenciamento uma autorizao dada por rgo pblico independente do governo (normalmente uma agncia reguladora) para a construo e a operao de uma usina nuclear. A concepo (desenho) do reator tambm aprovado por agncia reguladora e dispor de um desenho certificado pela NRC representa uma economia de tempo e de recursos substancial para a implantao de uma nova usina nuclear, j que a maior parte dos pases consideram exaustiva e suficiente a avaliao realizada pela agncia reguladora dos Estados Unidos.
7 Estabelecida em 1989, mas no utilizada at 2007.
20 21FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
de France - EdF (85% estatal, maior operadora de energia nuclear do mundo) e utilizando a
tecnologia PWR da Westinghouse. A Frana tornou-se, com essa capacidade, o maior exportador
lquido de energia eltrica do mundo, exportando a pases da Unio Europeia e auferindo cerca
de 3 bilhes de euros por ano. A AIEA (Agncia Internacional de Energia Atmica) entende que
a Frana deveria ter um papel estratgico na gerao de base da Europa como fornecedor de
energia barata e de baixo teor de carbono.
A deciso da EdF de substituir suas 58 usinas por unidades EPR em 2020 (a um ritmo de 1.650
MWe por ano) ser confirmada em 2015, em funo da experincia com a unidade EPR em
Flamanville, sendo ainda cogitada a utilizao de outros desenhos, como Westinghouse AP1000
ou GE Hitachi ABWR. A criao do Conselho de Poltica Nuclear (CPN), em 2008, reforou
a importncia das tecnologias nucleares para o fortalecimento econmico, especialmente no
quadro do fornecimento de energia eltrica. Areva (90% estatal) a maior fabricante de usinas
nucleares do mundo.
REINO UNIDO
O Reino Unido tem 16 usinas nucleares. O Office for Nuclear Regulation, agente regulador de
energia nuclear, implementou um processo de avaliao para o desenho e escolha do stio de
novas usinas. EdF Energy controla e opera 8 unidades, pretende construir quatro usinas EPR
no pas e ter a primeira em operao em 2017. Desde 2006, a poltica de governo tem apoiado
a implantao de novas usinas nucleares, que devero ser financiadas e construdas pelo setor
privado, internalizando os custos de disposio de rejeitos e de desmantelamento.
CANAD
A gerao nuclear no Canad est vinculada tecnologia PHWR, mais conhecida como CANDU
(Canada Deuterium Uranium), desenvolvida ao final da dcada de 1950 pela empresa estatal
Atomic Energy of Canada Ltd (AECL), em cooperao com a indstria do pas, e comercializada a
partir de 1971, tendo exportado 31 reatores para 7 pases. H 19 reatores utilizando essa tecnologia
no pas, a maior parte operada pela Ontario Power Generation.
A gerao nuclear corresponde a 14% da matriz eltrica, cuja evoluo guarda interessante
semelhana com a matriz eltrica do Brasil pela evoluo da gerao hidreltrica. No Canad,
depois de corresponder a mais de 80% da gerao eltrica no perodo 1960-1970, a hidreletricidade
iniciou nova trajetria a partir de 1975, passando de 70% para 60% do total da gerao eltrica
do pas, mantendo-se estvel em 350 TWh/ano, no quadro de um processo de diversificao das
fontes de gerao eltrica. Ao mesmo tempo, ampliou-se a participao do carvo e da energia
nuclear, cada uma com 15% da matriz eltrica do pas, ficando o gs natural com 6% e as novas
renovveis com 3% da gerao total.
SIA
H 117 reatores de energia nuclear em operao na regio, 44 em construo e 90 planejados.
Entre 1990 e 2002, a Coreia do Sul adicionou 9 novos reatores (mais do que duplicando sua
gerao nuclear) e o Japo acrescentou 16 novos reatores (a maior parte com capacidade acima
de 1.000 MW). No perodo 2010-2020, a sia ter cerca de 36% da nova capacidade de gerao
nuclear mundial, localizada principalmente na China, Japo, ndia e Coreia do Sul.
A Coreia do Sul dever se tornar um exportador relevante de tecnologia para gerao nuclear. O pas
dever ter 35 usinas nucleares at 2030, incluindo reatores de desenho avanado, e gerar 59% de
sua energia eltrica. O reator OPR-1000 (Optimized Power Reactor), de 1.000 MWe, desenvolvido
em colaborao com a Westinghouse e produzido em sua quase totalidade localmente, poder
ser exportado para a Indonsia e o Vietnam. Usinas APR-1400 sero exportadas para a Unio dos
Emirados rabes em um negcio de US$ 20 bilhes, vencido sob acirrada concorrncia.
CHINA
A China tem 15 reatores nucleares em operao. Cerca de 80% (700.000 MWe) de sua energia
eltrica gerada a partir do carvo. A demanda de energia eltrica no pas deve crescer cerca
de 80% ao longo da dcada 2011-2020, e para atender a essa demanda adicional torna-se crucial
ao pas a ampliao da oferta de energia nuclear. A capacidade instalada da China deve atingir
60.000 a 70.000 MW em 2020. Ao mesmo tempo em que procura se beneficiar da escala e
consequente reduo de custos, a ampliao da gerao nuclear garante China empregos e uma
condio globalmente competitiva para desenvolver negcios com governos de diversos pases.
A China tem capacidade para desenhar e construir reatores, tendo 14 centrais nucleares em
operao, 25 em construo e 51 planejadas. Algumas das usinas planejadas disporo de tecnologias
avanadas, em um plano para aumentar a capacidade de gerao nuclear e atingir 200.000 MWe
em 2030 e 400.000 MWe em 2050. O AP1000 da Westinghouse a base tecnolgica que ser
utilizada para essa evoluo da poltica do pas, qualificada pelo governo, em 2011-2012, como
desenvolvimento estvel com segurana, que pretende tornar a energia nuclear a fundao do
sistema de gerao eltrica no perodo 2020-2030.
22 23FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
Tabela 1: Gerao Nuclear em Pases Selecionados
PASCAPACIDADE INSTALADA
(MWe)
GERAO NUCLEAR
2011(MWh)
PARCELA DA GERAO ELTRICA
2011(%)
USINAS EM OPERAO
(n)
CAPACIDADE EM
CONSTRUO (MWe)
CAPACIDADE PLANEJADA
(MWe)
DEMANDA DE URNIO
2013(toneladas)
ESTADOS UNIDOS
374.524 790.400.000 19,2 103 3.618 10.860 18.983
FRANA 63.130 423.500.000 77,7 58 1.720 1.720 9.254
REINOUNIDO
10.038 62.700.000 17,8 16 0 6.680 1.775
JAPO 44.396 156.200.000 18,1 50 3.036 12.947 4.425
COREIA DO SUL
20.787 147.800.000 34,6 23 5.415 8.730 3.769
CANAD 13.553 88.300.000 15,3 19 0 1.500 1.906
CHINA 13.955 82.600.000 1,8 17 30.550 56.020 5.999
RSSIA 24.164 162.000.000 17,6 33 9.160 24.180 5.073
NDIA 4.385 28.900.000 3,7 20 5.300 15.100 1.261
BRASIL 1.901 14.800.000 3,2 2 1.405 0 325
A Westinghouse concordou em transferir tecnologia das primeiras quatro unidades do AP1000
para a State Nuclear Power Technology Corporation (SNPTC), que pretende construir as unidades
seguintes, no quadro do desenvolvimento de um grande PWR de Gerao III. O tempo de
construo ser de 50 meses, devendo ser menor nas unidades seguintes. Estima-se que o custo
de investimento das quatro primeiras unidades ser inferior a US$ 2,000/kW, passando
a US$ 1,600/kW nas unidades seguintes. Areva tem dois reatores EPR sendo construdos em
Taishan (1.660 MWe).
24 25FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 2
8 Istopos so variantes do mesmo elemento qumico.
Tabela 2: Principais Tipos de Usinas Nucleares em Operao
ALGUNS FUNDAMENTOSDA GERAO NUCLEAR
A gerao eltrica com base na energia nuclear resulta do aproveitamento de uma propriedade
(a fisso ou diviso) que pode ser obtida a partir de certos materiais que so relativamente
instveis, como o urnio e o plutnio. Quando o ncleo desses elementos sofre o impacto de um
nutron e o absorve, ele fissionado (dividido) em dois fragmentos, liberando, ao mesmo tempo,
2 ou 3 neutrons e energia. Esse processo se reproduz quando outros nutrons, liberados no
processo de fisso, so absorvidos por outros tomos fissionveis que, por sua vez, se dividem,
liberam mais nutrons, e assim sucessivamente, em um processo de reao em cadeia. Quando
esse processo se torna auto-sustentvel, o sistema atinge criticalidade.
Nutrons com energia cintica (i.e. energia relacionada ao movimento) relativamente baixa so
chamados de nutrons trmicos e so os mais eficientes para fissionar o urnio e o plutnio. Os
nutrons com energia cintica mais elevada, chamados de nutrons rpidos, so menos eficientes
para produzir fisso em urnio, mas podem ser efetivos para um grande leque de istopos.
A fisso nuclear uma fonte de energia com elevada densidade energtica (i.e., energia por
massa de combustvel). Um reator nuclear uma instalao que cria e controla reaes de
fisso para produzir calor e energia eltrica. O calor aquece a gua, que cria vapor para mover
geradores de energia eltrica. H vrios tipos de reatores, que diferem em funo dos materiais e
da tecnologia aplicada, mas todos possuem o mesmo conjunto de componentes: (1) combustvel,
(2) moderador, (3) refrigerante, e (4) barras de controle.
COMBUSTVEL: geralmente utilizado o urnio, na forma de pastilhas de dixido de urnio (UO2)
acondicionados em tubos na forma de barras de combustvel e instalados no corao do reator. O
urnio tem dois istopos8 principais: o urnio 235 e o urnio 238. O nico material fssil existente
na natureza o urnio 235, utilizado como combustvel por quase todos os reatores nucleares.
Para gerar energia eltrica, o combustvel deve ter ampliada a concentrao de urnio 235 de
0,71% (como encontrado na natureza) para 2-5%, em um processo chamado de enriquecimento
de urnio.
MODERADOR: material situado no corao do reator e utilizado para reduzir a velocidade dos
nutrons rpidos liberados durante a fisso, mas sem captur-los, para ampliar sua eficincia
causando novas fisses. Geralmente, utiliza-se gua, mas tambm grafite e gua pesada (gua
formada com o istopo deuterium mais pesado do hidrognio)
REFRIGERANTE: fluido circulando no corao do reator, necessrio para absorver e remover o calor
produzido pela fisso nuclear e manter a temperatura do combustvel dentro de limites aceitveis,
podendo transferir o calor para mover as turbinas geradoras de eletricidade. gua pode ser utilizada
como refrigerante, mas tambm gua pesada, gases (CO2 ou hlio) ou metais liquefeitos, como sdio
ou chumbo. Quando o refrigerante a gua, o vapor produzido pode mover as turbinas ou a gua pode
passar por um trocador de calor que remover o calor e produzir o vapor necessrio. Um refrigerante
pode ser tambm moderador, o que tem sido feito com a gua nos reatores mais recentes.
Geralmente, os reatores so classificados pelo tipo de refrigerante utilizado. 82% dos reatores
comerciais em operao so reatores gua leve (light water reactor - LWR, na sigla em ingls),
refrigerados e moderados com gua comum, sendo os dois tipos principais os PWR e os BWRs.
Os demais (18%) so reatores refrigerados gua pesada ou a gs.
BARRAS DE CONTROLE so feitas de materiais que absorvem nutrons, de modo a controlar
e terminar a fisso. So introduzidas no reator para reduzir o nmero de nutrons e, quando
necessrio, interromper o processo de fisso. Durante a operao do reator, servem para controlar
e regular o nvel e a distribuio espacial de potncia no reator.
TIPO DE REATOR PRINCIPAIS PASES NMEROPOTNCIA
(MWE)COMBUSTVEL REFRIGERANTE MODERADOR
REATOR A GUA PRESSURIZADA (PWR)
Estados Unidos, Frana, Japo, Rssia
e China272 270.400
UO2 (1)
enriquecidogua gua
REATOR A GUA FERVENTE (BWR)
Estados Unidos, Japo e Sucia
84 81.200UO
2
enriquecidogua gua
REATOR A GUA PESADA (PHWR) 'CANDU'
Canad 48 27.100 UO2 natural gua pesada gua pesada
REATOR REFRIGERADO A GS (AGR & MAGNOX)
Reino Unido 16 9.600U natural
(metal), UO2
enriquecidoCO2 grafite
(1) dixido de urnioFonte: Nuclear Engineering International Handbook 2011, atualizado em 1/1/12
26 27FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 2 (cont.)
PWR (pressurized water reactor) utiliza gua comum como refrigerante e moderador. O
refrigerante mantido alta presso para mant-lo lquido elevada temperatura (acima de
300 C). Circula em um sistema primrio, composto principalmente do vaso de presso do reator
e bombeamento primrio, utilizando bombas potentes. Enquanto passa pelo gerador de vapor, o
calor transferido para ferver a gua em um circuito (loop) secundrio, separado. O vapor assim
produzido move os turbogeradores produzindo eletricidade.
BWR (boiling water reactor) utiliza gua comum como refrigerante e moderador. O refrigerante
mantido a temperatura inferior do PWR, permitindo que ferva quando recebe calor do reator.
O vapor resultante passa diretamente para os turbogeradores para produzir eletricidade.
PHWR (pressurized heavy water reator), conhecido como CANDU (Canada Deuterium Uranium),
utilize gua pesada como refrigerante e moderador. A gua pesada (D2O) gua formada com
o istopo deutrio mais pesado do hidrognio. A gua pesada permite que seja utilizado o
urnio natural como combustvel, eliminando a necessidade do enriquecimento do urnio, mas
necessitando uma planta para separar o D2O da gua comum, aumentando a concentrao de
D2O de menos de 0,1% (sua concentrao natural) para 99% (utilizados em um reator CANDU).
O refrigerante passa por um gerador de vapor (como acontece em um PWR) de modo a ferver
a gua comum em um loop separado. A vantagem do desenho de um CANDU que pode ser
reabastecido em combustvel durante a operao, aumentando a disponibilidade, mas ampliando
a complexidade de operao
GCR (gas cooled reactor). H dois tipos, (1) o Magnox (cujo nome decorre da liga de magnsio
utilizada na embalagem do urnio), e (2) o reator avanado refrigerado a gs (AGR).
Ambos utilizam CO2 como refrigerante e grafite como moderador. O Magnox utiliza o urnio
natural como combustvel, e o AGR, o urnio enriquecido, sendo ambos reabastecidos durante
a operao.
CONSOLIDAO DA GERAO NUCLEAR: SEGURANA E DESEMPENHO OPERACIONAL
A segurana dos reatores nucleares um componente crucial na evoluo da energia nuclear e
leva em conta trs funes bsicas:
(1) o controle da reatividade
(2) o resfriamento do combustvel
(3) a conteno de substncias radioativas
Os sistemas de segurana tradicionais so considerados ativos porque envolvem uma operao
eltrica ou mecnica. O desenvolvimento da Gerao III+ introduziu sistemas de segurana passivos,
envolvendo aspectos que entram em funcionamento automaticamente, independentemente da
ao do operador. Os sistemas passivos dependem apenas de fenmenos fsicos (como fluxo
de circulao natural, conveco, gravidade ou resistncia a temperaturas elevadas) e no do
funcionamento de componentes resultantes de engenharia.
Os sistemas passivos de segurana foram desenhados para funcionar sem sistemas de apoio (como
energia eltrica em corrente alternada, componente de resfriamento de gua, entre outros). Esses
sistemas passivos atendem aos critrios da National Regulatory Commission (NRC) dos Estados
Unidos e so parte do esforo em superar as questes de segurana apresentadas no acidente
de Three Mile Island. Esse mecanismo teria evitado o acidente de Fukushima, quando a ruptura
no fornecimento de energia eltrica resultou na perda da funo de resfriamento do combustvel.
Entre os reatores da Gerao III+ (a serem introduzidos no mercado ao longo da dcada 2015-
2025), o reator AP1000 (Advanced Passive 1000) incorpora sistemas passivos de segurana, no
utilizando componentes ativos (como bombas, ventiladores ou geradores a diesel). A reduo
de risco resulta em reduo de custo, especialmente com a melhoria do risco regulatrio em
razo de melhores processos e da padronizao (desenhos padronizados utilizando construo
modular), que garante novas redues em razo das economias de escala do conjunto.
O acidente de Fukushima determinou uma discusso sobre o papel da energia nuclear na oferta
de energia eltrica na maior parte dos pases. O debate integrou aspectos tcnicos do desenho e
operao dos reatores, assim como sua relao e implicao com a oferta e demanda de energia
eltrica. A questo ganhou contorno relevante ao integrar o longo prazo e verificar (1) a dificuldade
de atender a demanda de energia eltrica sem o concurso da energia nuclear (que representa
20% a 30% do fornecimento de energia eltrica nos Estados Unidos, Japo e Alemanha, e 75%
na Frana), e (2) a posio diferenciada da energia nuclear (em um contexto de reduo da
gerao a carvo) para atender ao crescimento da demanda de energia eltrica, especialmente
nos pases em desenvolvimento. China e ndia, por exemplo, tm poucas alternativas, a no ser
28 29FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
o carvo cada vez mais oneroso tanto em termos logsticos, quanto ambientais, para atender a
expanso de suas necessidades energticas.
Efeito importante foi o novo impulso dado s medidas de segurana pela indstria nuclear
mundial, com inspees e verificaes de equipamento, e sua capacidade de resistir ruptura
no fornecimento de energia eltrica durante e aps terremotos e inundaes, bem como a
reavaliao de protocolos de armazenamento do combustvel utilizado. Outro aspecto relevante
a diferenciao entre as unidades nucleares, que apresentam caractersticas prprias em
matria de tempo de vida do reator, contexto geogrfico e tipo de tecnologia. Ao mesmo tempo,
a indstria nuclear global e a experincia em casos semelhantes para melhorar os mecanismos
de inspeo e reforo das condies de segurana pode ser partilhada por diversos pases.
A GERAO NUCLEAR NOS CENRIOS ENERGTICOS
Organismos e empresas relevantes no setor energtico publicam estudos prospectivos sobre
a evoluo da oferta e demanda de energia em escala mundial. Estes estudos apresentam
cenrios energticos estabelecidos com base em avaliaes e projees relativas evoluo da
participao de cada fonte na oferta futura de energia.
O Cenrio de Referncia (New Policies Scenario) da International Energy Agency, apresentado no
World Energy Outlook (WEO) 2012, estima que, em 2035, a capacidade instalada nuclear global
atinja 583.000 MWe (capacidade bruta, i.e., incluindo consumo prprio), crescendo a uma taxa
de 1,6% ao ano, no perodo 2010-2035.
A Energy Information Administration (EIA) do governo dos Estados Unidos considera, em seu
Cenrio de Referncia, apresentado no International Energy Outlook (IEO) 20119, que o consumo
global de energia nuclear dever crescer a uma taxa de 2,4% ao ano entre 2008 (2,6 milhes de
GWh) e 2035 (4,9 milhes de GWh), sendo mais acentuado na China (10,3% ao ano) e ndia (10,8%
ao ano), enquanto a estimativa para Amrica do Sul e Central de 4,2% ao ano.
No estudo prospectivo da ExxonMobil10, que utilizado para orientar suas decises de investimento
global, o Cenrio de Referncia prev que a capacidade nuclear mundial dever crescer mais de
80% (2% ao ano, em mdia) em razo da preferncia dos geradores a fontes energticas de baixo
teor em carbono.
No Brasil, o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 apresentou, em 2007, cenrios de longo
prazo para a energia nuclear. O PNE dever ter nova verso para o horizonte 2040. No Cenrio
de Referncia do PNE para 2030, a energia nuclear ter 4.000 MWe de capacidade instalada,
correspondendo instalao de 4 novas usinas com 1.000 MW de capacidade cada uma, em um
quadro de reduo gradual do potencial hidrulico.
9 No houve publicao do IEO 2012.
10 2012 The Outlook for Energy: A View to 2040 para 2040.
30 31FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 3
AS GERAES NA EVOLUO DA ENERGIA NUCLEAR
A classificao dos reatores nucleares em termos de gerao permite considerar a evoluo de
suas caractersticas ao longo do tempo.
A Gerao I formada pelos primeiros prottipos de energia nuclear civil das dcadas de 1950 e 1960,
quando Estados Unidos (1951), Reino Unido (1953), Unio Sovitica (1954), Frana (1956) e Alemanha
(1961) passaram a desenvolver programas de energia nuclear para a produo de energia eltrica.
A Gerao II se refere aos reatores comerciais, desenhados com o objetivo de serem econmicos e
confiveis, que comearam a operar ao final da dcada de 1960, com vida til prevista para 40 anos11
e compem 73% dos 435 reatores em operao em maio de 2013. As principais tecnologias dessa
gerao so o PWR (pressurized water reactor, reator a gua leve pressurizada), desenvolvido
pela Westinghouse (tecnologia utilizada em 272 (63%) dos 435 reatores em funcionamento no
mundo em maio de 2013) e o BWR (boiled water reactor, reator gua fervente), desenvolvido
pela General Electric (tecnologia utilizada em 84 (19%) dos reatores em operao no mundo
em maio de 2013). Esses reatores, chamados genericamente de reatores gua leve (LWR),
utilizam sistemas de segurana ativa tradicional, envolvendo operaes eltricas ou mecnicas,
iniciadas, em muitos casos, por operadores dos reatores nucleares. A maior parte das usinas da
Gerao II que ainda est em operao nos Estados Unidos, Unio Europeia, Amrica Latina e
sia foi fabricada por uma das trs empresas: Westinghouse, Framatome (atualmente parte da
Areva) e General Electric (GE). Nos Estados Unidos, licenas de operao emitidas pela Nuclear
Regulatory Commission (NRC) aos sistemas da Gerao II esto sendo prorrogadas.
Cabe ainda destacar os reatores Canada Deuterium Uranium (CANDU), desenvolvidos pela Atomic
Energy of Canada Ltd (AECL), no Canad, ao final da dcada de 1950, segundo tecnologia de
moderao a gua pesada (PHWR, pressurized heavy water reactor) e utilizao de combustvel
base de urnio natural e os reatores avanados refrigerados a gs (Magnox e AGR, advanced gas-
cooled reactor), desenvolvidos no Reino Unido, em 1962, e comercializados a partir de 1976. O novo
projeto da AECL o ACR (Advanced CANDU Reactor), com 1.200 MW, que utilizar combustvel
levemente enriquecido, alm do Enhanced CANDU 6 (de 700 MW), que utiliza urnio natural.
O padro coreano de usina nuclear (KNSP, na sigla em ingls), baseado na tecnologia de Gerao
II desenvolvida pela Combustion Engineering (hoje Westinghouse) e Framatome (hoje Areva),
considerado um desenho de reator, e evoluiu para se tornar o KNSP+. Em 2005, o KNSP/KNSP+
passaram a ser denominados OPR-1000 (Optimized Power Reactor) para mercados asiticos,
em especial Indonsia e Vietnam. H seis unidades OPR-1000 em operao e quatro unidades
em construo.
Na China, o conjunto de usinas eltricas nucleares existentes e planejadas baseado na linha
de reatores PWR. Dois importantes desenhos so o PWR 1000 (o CPR-1000) e os desenhos
padronizados PWR 600 MW e 1.000 MW (a srie CNP). O CPR-1000 uma verso modernizada
do modelo Areva Gerao II de 1980, sendo o principal modelo produzido na China, com 16
unidades em construo.
A Gerao III corresponde a reatores da Gerao II aos quais foram acrescentadas medidas
avanadas de desempenho operacional e ampliada a vida til para 60 anos. Essas melhorias,
consideradas evolutivas, incluem o desenho padronizado e a construo modular (aspectos que
apresentam efeito substancial sobre o custo de investimento e o conjunto economia da gerao
nuclear), bem como sistemas passivos de segurana, tecnologia de combustvel e a eficincia
trmica. Os dois principais reatores da Gerao III so o AP600 (Advanced PWR de 600 MW da
Westinghouse) e o ABWR (Advanced BWR da GE Hitachi Nuclear Energy). O AP600 foi certificado
pela NRC em 1999, mas no foi comercializado. Aperfeioado para ganhar economia de escala,
deu lugar ao modelo AP1000. H 3 reatores ABWR em funcionamento no Japo, produzidos por
GE Hitachi-Toshiba.
Na sequncia, nos reatores da Gerao III+ introduziu-se uma evoluo significativa em relao
Gerao III, com a utilizao mais inteligente de sistemas passivos de segurana, que envolvem
apenas condies naturais, como a fora da gravidade. A Gerao IV, prevista para 2020-
2030, introduz uma ruptura tecnolgica. Com temperaturas superiores a 800C e capacidade
de 300 MW, a Gerao IV dever substituir a fonte trmica fssil na indstria, entre outros, na
petroqumica, siderurgia, vidros, papel, cimento, podendo ser implantada em locais de difcil
acesso, como Sibria, Amaznia, Alasca.
11 A vida til de reatores desta gerao tem sido ampliada para 60 anos por medidas tcnicas e autorizadas por agentes reguladores.
32 33FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 3 (cont.)
Alm disso, esto em desenvolvimento Reatores Modulares Pequenos (SMR - Small Modular
Reactors) com capacidade entre 300 MW (reatores pequenos)12 at 700 MW (reatores mdios),
utilizando tcnicas modulares de construo em fbrica, que geram economias de escala e tm
tempo de construo estimado entre 24 e 36 meses, com custo de investimento, em sua fase
inicial13, da ordem de US$ 4,700/kWe, melhores condies de financiamento e menor risco em
razo do menor tempo de construo.
Em 2013, os reatores mais avanados disponveis no mercado mundial pertencem Gerao III+:
AP1000 da Westinghouse (1.100 MWe). Advanced Passive 1000, reator gua pressurizada
baseado nos reatores PWR (Pressurized Water Reactor) desenvolvidos pela Westinghouse14.
As quatro primeiras unidades desse reator esto em construo em estgio avanado de sua
construo na China, e quatro outras esto em construo nos Estados Unidos. Selecionado
para a maior parte das usinas planejadas nos Estados Unidos, est sendo oferecido no Reino
Unido e em outros mercados.
Atmea1 da Areva - Mitsubishi (1.100 MWe), reator gua pressurizada, desenvolvido
conjuntamente pelas empresas Areva e Mitsubishi Heavy Industries (MHI). Seus princpios de
segurana foram certificados pela Autoridade de Segurana Nuclear (ANS) da Frana.
EPR da Areva (1.650 MWe). Anteriormente chamado de Evolutionary Power Reactor, o EPR
um reator gua pressurizada, desenvolvido pela Areva, em um processo evolutivo que teve
por base os reatores N4 da Framatome e KONVOI da Siemens. As duas primeiras unidades
esto em construo na Finlndia e na Frana, e mais duas unidades na China.
ABWR da GE Hitachi-Toshiba (1.350 MWe). Advanced Boiling Water Reactor, reator a gua
fervente baseado nos reatores BWR, desenvolvidos pela GE. H quatro unidades em operao
no Japo. O projeto bsico foi desenvolvido pela GE juntamente com Toshiba e Hitachi.
12 Westinghouse tem o desenho de um mdulo de 225 MW PWR (reator a gua pressurizada) baseado no reator AP1000.
13 Primeira usina deste tipo ou FOAK (first-of-a-kind, na sigla em ingls), deve ter seu custo de investimento gradualmente reduzido por meio de experincia e aprendizado nas unidades subsequentes.
14 A Toshiba, que detinha 67% do capital da Westinghouse em janeiro de 2006, elevou sua participao para 87% em setembro 2011.
15 O custo overnight considera o investimento da usina nuclear como se ela fosse construda imediatamente, no incluindo, portanto, os juros que incidem durante a construo. Acrescido dos juros durante a construo, o custo overnight pode ser considerado o custo de investimento.
COMPETITIVIDADE DA GERAO NUCLEAR
O custo overnight15 o mais importante fator determinando a competitividade da energia
nuclear e o componente central a ser considerado no quadro de uma estratgia para sua
viabilizao. Mtrica que permite comparar as alternativas de gerao eltrica, o custo overnight
(que corresponde ao custo de construo) inclui situaes especficas a cada pas, em cada
momento e para cada tecnologia que explicam sua variao. A evoluo do custo overnight, ao
longo do tempo, e as diferenas, segundo os pases, em relao tecnologia de gerao e aos
insumos que participam da construo de uma usina (mercado de trabalho, materiais, condies
institucionais) so aspectos relevantes de sua dinmica.
Tabela 3: Custos Overnight de Tecnologias de Gerao Nuclear (em 2010 US$/kW)
Ao longo da dcada de 2000, cabe assinalar o crescimento dos custos de construo nos Estados
Unidos e na Unio Europeia, ao mesmo tempo em que a atividade na sia, especialmente a
padronizao na China e na Coreia do Sul, revitalizou a indstria. A experincia asitica com a
padronizao tende a estabelecer uma reduo no custo de construo, por meio da reduo no
tempo de construo e nos riscos, que poder, no futuro, ser aplicada em outros pases.
PAS TECNOLOGIA US$/kW
SUIA PWR 5,863
REPBLICA TCHECA PWR 5,858
BLGICA EPR-1600 5,383
ESTADOS UNIDOS PWR 5,339
HUNGRIA PWR 5,198
HOLANDA PWR 5,105
ESLOVAQUIA VVER 4,261
ALEMANHA PWR 4,102
SUIA PWR 4,043
FRANA EPR 3,869
BRASIL PWR Areva 3,798
JAPO ABWR 3,009
CHINA AP-1000 2,302
COREIA DO SUL OPR-1000 1,876
CHINA CPR-1000 1,763
CHINA CPR-1000 1,748
COREIA DO SUL APR-1400 1,556
Fonte: International Energy Agency e Energy Information Administration.
34 35FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
Fatores relevantes na diferena entre custos de construo:
Maturidade do desenho e planejamento do projeto
De modo geral, medida que o projeto se aproxima da fase de comercializao, a estimativa de
custos atinge um mximo, a partir do qual, com a construo da primeira unidade tem incio a
Fase de Maturidade, ao longo da qual, a cada nova unidade construda h uma reduo de custo,
que, segundo estudo do Electric Power Research Institute (EPRI), atingiria seu mnimo aps a
construo da quarta unidade. Essa caracterstica foi evidenciada com a Curva de Aprendizado
do Custo de Capital do EPRI16.
Evoluo dos Custos do Proprietrio
Uma srie de custos, que podem ser caracterizados como especficos ao desenvolvimento de
cada projeto tais como conexo rede e custos de desenvolvimento (imposto territorial, outros
impostos, seguro, despesas legais, bancrias, salrios) podem variar e, explicam parte da
diferena no custo de construo dos diversos projetos.
Variao no preo de materiais e equipamentos
Materiais e equipamentos incidem sobre o custo de construo e podem explicar parte do
acrscimo observado ao longo da dcada de 2000, com o expressivo aumento no preo desses
insumos ao longo do perodo 2003-2008.
Importncia dos custos do primeiro de uma srie (FOAKE17)
A estratgia de amortizao dos custos iniciais das empresas que desenvolvem os novos reatores
pode explicar parte da diferena entre custos de construo. Os custos FOAKE para novos
desenhos poderiam aumentar os custos de construo em 35%, afetando a competitividade da
energia nuclear18.
Apoio institucional
A existncia de apoio institucional tambm incide na diferena entre custos de construo.
Programas de incentivo e partilha de custos contribuem para reduzir o custo de construo,
especialmente em relao aos custos especficos ao desenvolvimento de cada projeto. As novas
usinas nucleares podero se tornar mais competitivas se houver assistncia na forma de garantias
de emprstimo, depreciao acelerada, investimento e produo isentos de impostos.
Estratgias de exportao de capacidade nuclear
Os custos observados na Coreia do Sul e China podem ser entendidos no quadro de uma estratgia
de produo em srie (NOAK19, na sigla em ingls), visando tambm o mercado internacional, de
modo a integrar as vantagens prprias em matria de custos especficos (e..g, salrios, apoio
institucional, entre outros) que permita obter uma parcela substancial do mercado internacional
de usinas da Gerao III.
DESEMPENHO OPERACIONAL
A gerao nuclear apresenta caractersticas que justificam a atribuio de uma diferenciao
estratgica e uma valorizao econmica sua participao na matriz eltrica do pas:
Gerao na base
Embora essa condio no seja aplicada formalmente no sistema hidrotrmico brasileiro (no
qual a energia trmica complementar), na prtica a energia nuclear tem participao relevante
na gerao de base, reforando a energia hidreltrica e gerando valor pela preservao do
uso da gua dos reservatrios ao longo do ano. O carvo tambm tem as condies tcnicas
e econmicas para integrar a gerao de base. No entanto, o avano ainda insuficiente na
tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em ingls) inviabiliza sua
competitividade ambiental.
Fator de capacidade elevado
A gerao de energia nuclear no Brasil tem apresentado fatores de capacidade (ou fatores de
disponibilidade20) entre os mais elevados do mundo. A mdia mundial tem aumentado ao longo
da dcada 2000-2010. Nos Estados Unidos, o fator de capacidade, que era de 50% no incio da
dcada de 1970, passou a 70% em 1991 e superou 90% em 2002. Em 2011, o fator de capacidade
excedeu 80% em 18 pases e na Frana atingiu 76%. Um componente relevante nessa evoluo
o tempo da parada programada para substituio do combustvel nuclear que, de 107 dias, em
mdia, em 1990, passou a 40 dias no ano 2000. O principal efeito dessa caracterstica da gerao
nuclear se reflete na confiabilidade do sistema eltrico, garantindo o atendimento da demanda de
energia. No Brasil, o fator de disponibilidade observado em 2012 pelas usinas Angra 1 e Angra 2
foi de 92%, alcanando a segunda melhor posio no ranking mundial estabelecido pela Agncia
Internacional de Energia Atmica.
Proximidade dos centros de consumo
As usinas nucleares podem ser implantadas em reas relativamente prximas dos centros de
consumo21. Embora os critrios de escolha de stios estabeleam distncia de reas com elevada
densidade populacional, h uma vantagem locacional em relao a usinas que necessitam ser
instaladas prximo de suas fontes de aprovisionamento, como o caso das hidreltricas, das
16 EPRI Program on Technology Innovation: Integrated Generation Technology Options, 2011.
17 First-of-a-kind-engineering, na sigla em ingls.
18 The Economic Future of Nuclear Power: A Study Conducted at the University of Chicago, 2004.
19 Nthof-a-kind ou ensimo de uma srie.
20 O fator de disponibilidade mede a produo efetiva de uma usina em relao sua capacidade mxima de gerao durante um determinado perodo de tempo.
36 37FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
elicas, do carvo e da biomassa. O reconhecimento da vantagem locacional na estrutura tarifria
de transmisso valoriza essa caracterstica da energia nuclear e melhora sua competitividade em
relao s outras fontes de gerao eltrica.
Baixo nvel de emisso de gases de efeito estufa
A falta de precificao ou de regulao restritiva sobre as emisses de gases de efeito estufa
resultantes da gerao de energia eltrica a partir do carvo, gs natural e leo reduz a importncia
estratgica de longo prazo da energia nuclear sustentabilidade do sistema.
Segurana de fornecimento
A disponibilidade de reservas provadas de urnio equivalentes a 65 anos de gerao eltrica,
equivalente capacidade de 37 usinas iguais a Angra 2 (1.350 MW), consolida a segurana de
fornecimento de energia eltrica de origem nuclear no Brasil.
21 Centros de carga, na linguagem do setor eltrico. 22 Os preos do urnio passaram de US$ 25/kg em 2002 para US$ 350/kg em 2007, caindo para US$ 122/kg em 2008.
BOX 4
RECURSOS, MERCADO ECARACTERSTICAS DO URNIO
O urnio um mineral que existe na natureza em diversas condies (seja como minrio, seja
associado a outros minerais, como, por exemplo, ouro e fosfato), sendo utilizado como insumo
principal para produzir o combustvel das usinas nucleares. Cabe ressaltar a densidade do urnio
comparada de outras fontes energticas.
RECURSOS E RESERVAS DE URNIO
O desenvolvimento da capacidade de produo de urnio requer um mercado forte. O volume de
recursos de urnio dinmico e evolui com os seus preos de mercado. Assim, tanto a explorao
e desenvolvimento das minas existentes, quanto a descoberta de novos recursos em urnio so
estimulados pela expectativa de crescimento da demanda em relao oferta existente. Foi o
que ocorreu entre 2004 e 200822, quando o aumento dos preos do urnio no mercado estimulou
investimentos globais de U$ 2 bilhes em explorao e desenvolvimento. Isto conduziu descoberta
de novos recursos, que atingiram, em 2009-2011, um volume equivalente a 12 anos da demanda
global (ao nvel de 2010). Desse modo, uma estimativa dos recursos futuros de urnio com base nas
condies geolgicas e nos custos de produo atuais ser, de fato, uma projeo conservadora.
As reservas de urnio so consideradas segundo critrios geolgicos e estimativas econmicas
e tcnicas de explorao. Os recursos so classificados:
(1) em categorias que refletem diferentes graus de certeza (nveis de confiana) nas quantidades
indicadas; e
(2) em categorias baseadas no custo de produo de urnio. Isto significa que a um determinado
custo de produo (em US$) ser possvel extrair certa quantidade de urnio (em kg).
Ao longo do tempo, a classificao tem considerado custos de produo crescentes, tanto em
funo do mtodo de minerao utilizado, quanto das condies locais de extrao.
H diversas classificaes das reservas de urnio, mas a referncia principal so as reservas
estimadas pela Agncia Internacional de Energia Atmica (AIEA). Neste caso, a cada nvel de
custo de produo, consideram-se nveis diferentes de probabilidade, com preciso decrescente:
38 39FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 4 (cont.)
Figura 1: Volume de Reservas em Grau de Incerteza
(1) Recursos Razoavelmente Assegurados (RAR, na sigla em ingls), estimados com elevado
grau de certeza quanto ao teor em urnio e peso; e
(2) Recursos Inferidos, que ainda necessitam de mensurao complementar antes da deciso de
miner-los. A soma dos dois constitui os Recursos Identificados.
Alm disso, em funo das caractersticas geolgicas dos recursos existentes e do mapeamento
da geologia de cada regio, a classificao da AIEA inclui tambm os recursos a serem
descobertos, formados por:
(3) Recursos Prognosticados, que se espera que existam nas provncias uranferas com base em
evidncias; e
(4) Recursos Especulativos, que se espera que existam em provncias geolgicas que podem
conter depsitos de urnio.
A soma dos dois constitui os Recursos No-Descobertos (Undiscovered Resources), que
necessitam de substancial esforo de explorao antes de terem confirmadas sua existncia e a
definio de seu teor em urnio e peso.
Total de recursos identificados (RAR + Inferidos) em 01/01/2011:
680.900 toneladas de urnio na categoria, mais economicamente atrativa, US$ 40/kgU
(especialmente Uzbequisto);
3.078.500 toneladas de urnio na categoria US$ 80/kgU;
5.327.200 toneladas de urnio na categoria US$ 130/kgU (US$ 50/lb U3O8); e
7.096.600 toneladas de urnio na categoria US$ 260/kgU (US$ 100/lb U3O8).
A Austrlia e o Cazaquisto tm a maior quantidade de reservas de urnio do mundo. O total de
recursos no-descobertos (prognosticados + especulativos), em 01/01/2011, atingiu 10.429.100
toneladas de urnio (sem contar pases com grande volume de reservas, como Austrlia e
Nambia, que no divulgam recursos no-descobertos).
Desde 2009, o acrscimo nos custos de minerao relacionados a novas descobertas e
reavaliao de recursos identificados anteriormente provocou reduo nos recursos a custo
mais baixo (14% de reduo na categoria de custo US$ 40/kgU e 18% de reduo na categoria de
custo US$ 80/kgU). Ao nvel de consumo observado em 2010, os recursos identificados (cerca
de 16 milhes de toneladas) so suficientes para manter, por mais de 100 anos, o fornecimento
do conjunto das centrais nucleares do mundo.
RESERVAS DE URNIO NO BRASIL
No Brasil, as reservas de urnio so de 309.000 toneladas de urnio e compreendem as jazidas
de Itataia, no Cear, com 142.000 toneladas (onde o urnio est associado ao fosfato), Lagoa
Real, na Bahia, com 93.200 toneladas, e outras jazidas menores, como Gandarela, em Minas
Gerais (onde h ouro associado ao urnio), Rio Cristalino, no Par, e Figueira, no Paran.
A Jazida de Lagoa Real-Mina de Caetit tem reservas totais de 100.770 toneladas de urnio,
quantidade suficiente para o suprimento das usinas de Angra 1, Angra 2, Angra 3 e mais quatro
usinas (4.000 MW) durante toda a vida til dessas usinas.
Em Santa Quitria (Cear), com reservas totais de 142.500 toneladas de urnio associado ao
fosfato, ser implantado um complexo industrial para a explorao de fosfato uranfero. A
jazida de Caldas, em Minas Gerais, tem reservas totais de 4.500 toneladas, enquanto a jazida da
Cachoeira vai render, durante 15 anos, 300 toneladas anuais de urnio concentrado.
< US$ 40/kgURecursos
RazoavelmenteAssegurados
Recursos InferidosRecursos
Prognosticados
RecursosEspeculativos
US$ 40-80/kgURecursos
RazoavelmenteAssegurados
Recursos InferidosRecursos
Prognosticados
US$ 80-130/kgURecursos
RazoavelmenteAssegurados
Recursos InferidosRecursos
Prognosticados
US$ 130-260/kgURecursos
RazoavelmenteAssegurados
Recursos InferidosRecursos
Prognosticados
CONFIANA DECRESCENTE NAS ESTIMATIVAS
AT
RA
TIV
IDA
DE
EC
ON
M
ICA
DE
CR
ES
CE
NT
E
RECURSOS NO-DESCOBERTOSRECURSOS IDENTIFICADOS
Fonte: Nuclear Energy Agency, International Atomic Energy Agency.
40 41FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 4 (cont.)
23 1% U3O8 = 0,848% urnio ou 1 kg de U3O8 = 0,848 kg de urnio. 24 Uranium Mining, World Nuclear Association, maio/2012.
25 US$ 1/libra de U3O8 = US$ 2.6/kg de urnio.
a minerao tem custo menor, resultando em menos resduos. Algumas minas do Canad tm
depsitos de minrio de urnio com teor mdio superior a 20% de urnio. A mina McArthur River,
no Canad, a maior mina de urnio do mundo, apresenta uma concentrao mdia de 18% de
urnio. A Austrlia tem a maior quantidade de recursos, mas 90% deles com um teor de urnio
inferior a 0,06%. H minas com teor de urnio muito baixo (abaixo de 0,02%) que conseguem
ser viveis24.
Tabela 5: Principais Minas de Produo de Urnio (mundo) - 2011
BENEFICIAMENTO
Depois que o minrio extrado de rochas sedimentares, a separao dos elementos feita por
solvente qumico em usinas de beneficiamento, nas quais purificado e concentrado na forma
de xido de urnio (U3O8), de cor amarela, chamado de yellowcake. Ainda como U3O8, o urnio
transportado e negociado no mercado mundial, sendo comercializado em dlares por libra25.
As reservas de urnio so contabilizadas em termos de U3O8.
Tabela 4: Reservas de Urnio no Brasil
MEDIDAS E INDICADAS INFERIDAS
DEPSITO JAZIDA < US$ 40/kgU < US$ 80/kgU SUBTOTAL < US$ 80/kgU TOTAL
CALDAS (MG) 500 500 4,000 4,500
LAGOA REAL/CAETIT (BA)
24,200 69,800 94,000 6,770 100,770
ITATIAIA/SANTA QUITRIA (CE)
42,000 41,000 83,000 59,500 142,500
OUTRAS 61,600 61,600
TOTAL 66,200 111,300 177,500 131,870 309,370
Fonte: Indstrias Nucleares do Brasil (INB)
Fonte: World Nuclear Association
Para identificar novos recursos e traz-los produo, necessrio um longo perodo, cerca de
10 anos ou mais na maior parte dos pases produtores. Um ponto relevante e que favorvel
no caso do Brasil que o conjunto mundial de minas de urnio relativamente esparso e
incertezas geopolticas podem aumentar os riscos de investimento em alguns pases. Isso deve
promover incentivos para explorao e desenvolvimento de minas em reas seguras para garantir
os requerimentos globais em combustvel nuclear. De todo modo, h uma ampla distribuio
global dos recursos identificados entre os 13 maiores pases produtores de urnio, que possuem
96% da base de recursos globais identificados na categoria de custo US$ 130/kgU, enquanto os
demais 4% esto distribudos entre outros 20 pases.
MINERAO
Como o urnio ocorre na maior parte das vezes na forma de xido (em combinao com
oxignio), considerado seja como urnio, seja como xido de urnio (U3O8). O produto mais
comum das minas o U3O8, a forma mais estvel de xido de urnio, que contm cerca de 85%
de urnio23. O urnio encontrado na natureza em diversos nveis de concentrao, i.e., as partes
de minrio de urnio por milho diferem segundo as jazidas, que apresentam, desse modo,
rendas diferenciais em funo da concentrao de minrio. A maior parte dos depsitos de
urnio das minas possui teor mdio superior a 0,10% de urnio (i.e., superior a 1.000 partes por
milho). Uma mina que tenha uma concentrao de minrio maior mais rentvel porque nela
MINA PAS EMPRESAMTODO DE MINERAO
PRODUO (tU) % MUNDO
McARTHUR RIVER Canad Cameco subterrneo 7,686 14
OLYMPIC DAM Austrlia BHP Billitonsubproduto / subterrneo
3,353 6
ARLIT Nger Somair/Areva cu aberto 2,726 5
TORTKUDUK Cazaquisto Katco JV/Arevalixiviao in-situ
(ISL)2,608 5
RANGER AustrliaERA (Rio Tinto
68%)cu aberto 2,240 4
KRAZNOKAMENSK Rssia ARMZ subterrneo 2,191 4
BUDENOVSKOYE CazaquistoKaratau JV/
Kazatomprom-Uranium One
lixiviao in-situ (ISL)
2,175 4
ROSSING Nambia Rio Tinto (68%) cu aberto 1,822 3
INKAI Cazaquisto Ikani JV/Camecolixiviao in-situ
(ISL)1,602 3
SOUTH INKAI CazaquistoBetpak Dala JV/
Uranium Onelixiviao in-situ
(ISL)1,548 3
TOTAL 10 MAIORES MINAS 27,951 52
42 43FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR
BOX 4 (cont.)
PRODUO DE URNIO
Em 2011, 85% da produo mundial de urnio teve origem em 6 pases e 52% da produo global
foi oriunda de apenas 10 minas.
Tabela 6: Oferta de Urnio (2011)
Em 2010, a minerao por lixiviao in-situ (ISL, na sigla em ingls) correspondeu a 39% da produo
global, tornando-se o mais importante mtodo de minerao, principalmente por sua aplicao no
Cazaquisto, Por esse processo, o custo de extrao do urnio menor, o que importante quando
pois as solues para sua obteno so bombeadas diretamente